Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
36/11.6TBSBR.G1
Relator: ANABELA TENREIRO
Descritores: DIRECTIVA COMUNITÁRIA
CIRCULAÇÃO DE VEÍCULOS
TRACTOR AGRÍCOLA
RESPONSABILIDADE OBJECTIVA
FORÇA MAIOR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I-O Tribunal de Justiça da União Europeia concluiu, em acórdão proferido no âmbito do presente processo, que o artigo 3.º, n.º 1 da Directiva 72/166/CEE do Conselho de 24.04 de 1972 deve ser interpretado no sentido de que não está abrangida pelo conceito de “circulação de veículos”, referido nesta disposição, uma situação em que o trator agrícola esteve envolvido num acidente quando a sua função principal, no momento em que este acidente ocorreu, não consistia em servir de meio de transporte, mas em gerar, como máquina de trabalho, a força motriz necessária para accionar a bomba de um pulverizador de herbicida.

II- Fora do círculo de danos abrangidos pela responsabilidade objectiva ficam, para além de outros, os que foram causados pelo veículo como poderiam ter sido provocados por qualquer outra coisa móvel.

III-O motivo de força maior, excludente da ilicitude e/ou culpa, pressupõe um acontecimento imprevisível e incontrolável, cujo efeito danoso, mesmo actuando o agente de forma precavida, é inevitável.

IV- No caso concreto, não se verificou nenhum daqueles pressupostos pois o deslizamento de terras e consequente capotamento do tractor pelos socalcos abaixo da quinta, era previsível face à elevada precipitação e morfologia do terreno, podendo ter sido evitada a morte da trabalhadora com a cessação dos trabalhos de pulverização das videiras ou com a continuação dos mesmos em condições de segurança.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

José, viúvo, residente na Travessa …, Vila Real, instaurou a presente acção de processo comum, sob a forma ordinária, contra:

Maria e marido, F. A., residentes na Rua … Vila Nova de Gaia;
J. P. e mulher, N. P., residentes na Quinta …, Sabrosa; e
–“X Seguros – Companhia de Seguros, SA” [actualmente “Y Seguros – Companhia de Seguros RR, SA”], com sede na Rua …, Lisboa.

Alegou que no dia 18.03.2006, pelas 15h00, na Quinta …, Sabrosa, a sua esposa, que aí trabalhava ao serviço dos primeiros réus, foi atingida por um tractor que entrou em capotamento, o que provocou o seu esmagamento e consequente morte.
Mais alegou que o dito tractor era, na altura, conduzido pelo filho dos segundos réus, sendo que o 2º réu, caseiro da propriedade, consentiu naquela condução, apesar da falta de experiência daquele.
Invocou diversos danos de natureza não patrimonial, por si sofridos, sendo certo que a responsabilidade civil emergente dos acidentes causados pela referida viatura se encontrava transferida para a 3ª ré Seguradora.

Peticionou, assim, a condenação solidária dos primeiros e segundos réus, ou da terceira ré, havendo contrato de seguro válido, ao pagamento:

a) Da quantia de € 15.000,00, a título de danos morais sofridos pela própria sinistrada;
b) Da quantia de € 50.000,00, a título de danos morais próprios;
c) Da quantia de € 70.000,00, a título de dano da morte; sendo tudo a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos e emergentes do relatado acidente, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até efectivo e integral pagamento.
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Regularmente citados, os segundos réus contestaram, defendendo-se por excepção dilatória (ilegitimidade activa e passiva) e peremptória (prescrição, falta de actuação culposa e causa de força maior), bem como por impugnação, pugnando, a final, pela procedência das excepções e improcedência da acção.
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Por sua vez, os primeiros réus contestaram defendendo-se por excepção peremptória (prescrição) e dilatória (ilegitimidade), bem como por impugnação, pugnando, a final, pela procedência das excepções e improcedência da acção.
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A terceira ré apresentou a sua contestação, defendendo-se igualmente por excepção (falta de cobertura do seguro) e por impugnação, pugnando pela improcedência da acção.
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Replicou o autor, suscitando incidente de intervenção principal provocada e concluindo como na petição inicial.
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A fls. 272 e seguintes, foi proferido despacho, no âmbito do qual, ademais, foi admitida a intervenção principal provocada de Filipa e M. P., filhos do autor.
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Devidamente citados, os chamados apresentaram o requerimento de fls. 284, no âmbito do qual, e nos termos do disposto no artigo 327º, nº3, do CPC, aderiram aos articulados apresentados pelo autor.
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Foi proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente, e em consequência, decidiu:

- Condenar solidariamente os réus J. P., Maria e F. A. a pagarem:

a) A quantia de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros) à herança deixada por óbito de M. L.;
b) A quantia de € 8.000,00 (oito mil euros) ao autor José;
c) A quantia de € 16.000,00 (dezasseis mil euros) à interveniente Filipa;
d) A quantia de € 16.000,00 (dezasseis mil euros) ao interveniente M. P.;
e) As quantias respeitantes aos juros de mora, contados sobre os valores fixados de a) a d), à taxa de 4%, desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento, sem prejuízo de outras taxas que, eventualmente, venham a vigorar.
- Absolver os réus J. P., Maria e F. A. do demais peticionado.
- Absolver a ré N. P. e, bem assim, a ré “CA Seguros – Companhia de Seguros RR, SA” [anterior “X Seguros–Companhia de Seguros, SA”] da totalidade dos pedidos formulados na acção.
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Inconformados com a sentença, os Réus, Maria e F. A., interpuseram recurso, formulando as seguintes

CONCLUSÕES

1-A verdadeira questão aqui submetida à apreciação do Venerando Tribunal da Relação do Porto é saber se a douta sentença recorrida andou bem ao absolver (como absolveu) do pedido a 3ª ré e ao condenar (como condenou) os aqui recorrentes.
2-Face à alteração da matéria de facto nos termos aqui expostos, a decisão a proferir a final terá de ser (quanto ao mérito da acção) necessariamente outra.
3-Estamos perante um acidente provocado por um tractor que estava no caminho de terra da "Quinta .." com o motor a trabalhar para accionar a bomba pulverizadora do herbicida que então estava ser deitado na vinha dessa quinta.
4-No decorrer desses trabalhos, o tractor tombou pelos bardos abaixo da "Quinta …", provocando o esmagamento da M. L., que determinou a sua morte, quando esta estava a trabalhar nessa mesma quinta.
5-Os herdeiros da falecida M. L. [herança ilíquida da M. L., José (viúvo), Filipa (filha) e M. P. (filho)] vieram pedir nesta acção a indemnização pelos danos não patrimoniais a que se arrogam ter direito.
6-A sentença proferida na 1 ª instância e aqui recorrida condenou os aqui recorrentes (solidariamente com o co-réu J. P.) nas indemnizações que constam na 2ª página desta peça processual e que aqui se dá, para todos os efeitos por integrada e reproduzida.
7-A sentença proferida em 1 ª instância absolveu a 2ª ré, N. P. (mulher do 2º réu) e a 3ª ré, "CA Seguros RR, S.A." (ex "X Seguros-Companhia de Seguros, S.A.") de todos os pedidos formulados na acção.
8-Para decidir, como decidiu, a douta sentença recorrida louvou-se (além do mais), que o contrato de seguro apenas cobria a responsabilidade civil na via pública e que excluía, expressamente, as coberturas de "responsabilidade civil em laboração", "danos à máquina na via pública/danos à máquina em laboração" e "incêndio, raio e explosão em laboração".
9-Quanto à questão "responsabilidade civil da via pública" (sendo que é hoje pacífica a indiferença entre ser na "via pública" ou ser em "caminho particular"), não pode descurar-se que o tractor foi retirado no dia anterior ao acidente do armazém da "Quinta .." (local onde habitualmente é guardado) e foi levado para o citado caminho de terra desta quinta onde viria a dar-se o acidente dos presentes autos -o tractor circulou do citado armazém para o referido caminho.
10-E (contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida) a questão do tractor estar (antes do acidente) "parado" ou "estacionado" não releva para a matéria decidenda.
11-Entendem os recorrentes que o que consta na proposta de seguro, nas condições gerais, nas condições especiais, nas condições particulares e na própria apólice, que titula o contrato de seguro em apreço (cfr., matéria esta já desenvolvida nas alegações e que aqui se dá por reproduzida) não permite que a "C.A. Seguros RR, S.A." (ex "X Seguros- Companhia de Seguros, S.A.") tenha sido seja absolvida de todos os pedidos formulados na acção.
12-Estando o tractor com o motor a trabalhar para accionar a bomba pulverizadora do herbicida que estava ser deitada na vinha da quinta, não pode deixar de considerar-se que este mesmo tractor estava a funcionar em plena "faina agrícola" (expressão utilizada pelo Exmo Senhor Relator Dr. António Valente no citado acórdão TRL de 23.09.2010).
13-E "o risco da utilização de tractor, veículo de circulação terrestre e destinado predominantemente a trabalhos agrícolas, não fica excluído do contrato de seguro, desde que seja verificado o nexo de causalidade entre o acidente e o risco próprio do mesmo veículo" - Acórdão TRG de 15.03.2011, com o registo 3700/09.6TBBRG.G1 - Rel. Augusto Carvalho, www.dgsi.pt.
14-Constando-como efectivamente consta-das condições particulares da apólice que o veículo seguro é um "tractor estreito (pomareiro/vinhateiro)", então terá de considerar-se que "tal seguro cobre os acidentes ocorridos por força do funcionamento do tractor numa faina agrícola" - Acórdão TRL de 23.09.2010, com o registo 1138/04.0TBBNV-L 1-8 - Rel. António Valente, www.dgsi.pt.
15-E estando o tractor a trabalhar e a funcionar na citada "faina agrícola" (como efectivamente estava) têm de estar cobertos pelo contrato de seguro (titulado pela apólice nº 0030015) todos os danos resultantes do risco da utilização desse mesmo tractor (independentemente dele estar parado/estacionado ou em circulação no caminho de terra da "Quinta .."), como resulta do citado Acórdão TRG de 15.03.2011.
16-Dado que o seguro contratado tem cobertura para o sinistro em análise e dado que os aqui recorrentes estão plenamente convencidos que essa cobertura vai ser reconhecida no douto acórdão que vier a ser lavrado nos presentes autos, ficam prejudicadas (sem conceder) todas as demais questões suscitadas na presente peça processual (nomeadamente, a problemática da relação comitente/comissário desenvolvida na sentença recorrida - já tratada e desenvolvida nas alegações deste recurso).
17-Deste modo, entendem os recorrentes que a 3ª ré ("C.A. Seguros RR, S.A.") não deveria ter sido absolvida (como foi decidido na douta sentença recorrida) e deveria (isso sim) ter sido aí condenada a pagar todos os danos provocados pelo tractor, no âmbito do contrato de seguro celebrado e titulado pela apólice nº 0030015.
18-E se assim vier a acontecer, os aqui recorrentes pedem que o Venerando Tribunal da Relação do Porto altere, por um lado, a factualidade vertida nos factos dados com provados nos números 29º a 31º, 35º, 36º e 48º e, por outro lado, altere a factualidade dada como não provada nos números XXVI e XXVII, bem como pedem também que altere a fundamentação em que se louva a douta sentença recorrida na sua apreciação dessa mesma factualidade.
19-E se assim não vier acontecer (o que aqui apenas se admite por mero dever de patrocínio), deve considerar-se que a tempestade imprevista e imprevisível (tromba de água), que ocorreu no decurso dos trabalhos, integra o conceito de força maior (nº 2 do artigo 509º do Código Civil), que conduz à inexistência de qualquer responsabilidade dos aqui recorrentes, com todas as consequências daí decorrentes.
20-A douta sentença recorrida violou o disposto nas alíneas b), c) e d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
21-Posteriormente à recepção da notificação da douta sentença aqui recorrida, foram os aqui recorrentes confrontados com as notificações de penhoras dos créditos "vencidos/vincendos", no montante de € 63.000,00, que o aqui autor/recorrido tenha no âmbito desta acção.
22 -Essas penhoras foram promovidas no processo executivo, que corre seus termos sob o registo 660/14.5T8CHV da Secção de Execução de Chaves - J 1 - da Instância Central de Chaves da Comarca de Vila Real, em que é exequente J. P. (2º Réu dos presentes autos) e em que são executados José (autor dos presentes autos) e a Herança Aberta por Óbito de M. L..
23 -Essas penhoras foram requeridas pelo 2º réu dos presentes autos.
24-Os aqui recorrentes desconheciam tal execução e ela não foi referida nos presentes autos (não foi referida nos articulados do autor e do 2º réu, nem foi tão pouco referida na própria audiência de julgamento) - o que é, no mínimo, muito estranho!. ..
25-E por não se compreender este silêncio do autor e, principalmente, do 2º réu, não poderia deixar-se de dar conhecimento a V.Exas da citada acção executiva e do aí requerido pelo caseiro dos aqui recorrentes.
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O Réu, J. P., também não se conformou com a condenação e recorreu formulando as seguintes

Conclusões

1a Não assiste razão ao ilustre Juiz do Tribunal recorrido, porquanto se considera que ocorreu incorrecto julgamento da matéria de facto, assim como fez o Tribunal recorrido uma menos correcta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto.
2a A factualidade inserta no facto provado 36° nas partes "Em virtude do peso de trator, da trepidação provocada pelo motor e pela bomba de saída do herbicida... " e " ... e com a circunstância de não se ter cessado os trabalhos em curso ... " não foram alegadas pelas partes como factos essenciais que constituíssem a causa de pedir dos AA., nem em que se baseassem as exceções invocadas pelos RR., não sendo factos instrumentais que tenham resultado da instrução da causa, nem não são complemento, nem concretização dos que as partes alegaram e que resultaram da instrução da causa, nunca sobre eles o recorrente teve oportunidade de se pronunciar, nem são factos notórios, nem o Tribunal os conheceu no exercício da sua função.
3a Por todo o exposto, o Tribunal recorrido conheceu de questões que não podia tomar conhecimento, o que origina a nulidade da sentença, por violação do disposto no artigo 615°, n.º 1, d), 2.ª parte do C.P.C., que se argui com as devidas e legais consequências.
4a Por outro lado, não se provou qualquer facto concreto referente à "mera culpa", num quadro de negligência, atribuída ao 2° R ..
5a Por conseguinte, nesta parte, o Tribunal recorrido conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, o que origina a nulidade da sentença, por violação do disposto no artigo 615°, n.º 1, d), 2a parte do C.P.C., a qual se argui com as devidas e legais consequências.
6a Os intervenientes chamados, Filipa e M. P., não alegaram qualquer factualidade integrante de causa de pedir, nem formularam gualquer pedido indemnizatório, por danos morais próprios, mas o Tribunal recorrido, sem causa de pedir, nem pedido, formulado pelos intervenientes chamados arbitrou a favor destes as quantias supra expostas a título de danos morais próprios.
7a Por conseguinte, nesta parte, o Tribunal recorrido conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, o que origina a nulidade da sentença, por violação do disposto no artigo 615°, n° 1, d), 2a parte do C.P.C. ou, caso assim não se entenda, o Tribunal recorrido condenou em quantidade superior e em objeto diverso do pedido, o que origina a nulidade da sentença, por violação do disposto no artigo 615°, na 2, e) do C.P.C., que se argui com as devidas e legais consequências.
8a Os factos provados 29° na parte "conforme apólice de fls. 202 - 203 ... ", 30° e 31°; 36° - nas partes "Em virtude do peso de trator, da trepidação provocada pelo motor e pela bomba de saída do herbicida... " e " ... e com a circunstância de não se ter cessado os trabalhos em curso ... ";47° - "O filho do 2° Réu, Filipe é o habitual condutor do trator referido em JO"; 48° - na parte " ... referido em 47°" foram incorretamente julgados, dado que a prova produzida nos autos impunha decisão diversa da recorrida.
9a Os factos não provados xxiv), xxv), xxvi) e xxvii) foram incorretamente julgados, dado que a prova produzida nos autos impunha decisão diversa da recorrida.
10a Desde logo, com base nas DECLARAÇÕES DE PARTE do 2° R. J. P., as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 11 de Novembro de 2015, com início a 10:01:29 e fim a 10:58:04, com duração de 00:56:34, com relevo para o presente recurso de 06:47 a 19:12 e de 22:42 a24:15.
11a Mas também com fundamento na PROVA TESTEMUNHAL: Declarações da testemunha M. R., as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, dispoIlÍvel na aplicação informática em uso no Tribunal, em 3 de Setembro de 2015, com inicio em 15:27:28 e fim em 16:03:05, duração de 00:35:36, com relevo para o presente recurso de 20:39 a 21 :59; Declarações da testemunha Ilídio, as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 3 de Setembro de 2015, com início em 16:03:56 e fim em 16:26:27, com duração de 00:12:40 0:08:27, com relevo para o presente recurso de 8:28 a 9:05 e de. 9:22 a 9:33; Declarações da testemunha A. C., as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 3deSetembro de 2015, com início em 16:09:02 e fim em 16:37:26, com duração de 00:18:23, com relevo para o presente recurso de 1:58 a 3:37, de 9:45 a 10:14 ede 11:30 a 12:04; Declarações da testemunha Carla, as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 3 de Setembro de 2015, com início em 16:42:22 e fim em 16:55:11, com duração de 00:12:49, com relevo para o presente recurso de 02:53 a 02:59 e de 08:35 a 08:42; Declarações da testemunha D. M., as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em usono Tribunal, em 3 de Setembro de 2015, com inicio em 17:01:33 a 17:07:58, com duração de 06:24, com relevo para o presente recurso de 01:13 a 02:23; Declarações da testemunha M. O., as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informáticaeIn uso no Tribunal, em 11 de Novembro de 2015, com início em 11:28:55 e fim em 11:51:51, com duração de 00:22:57, com relevo para o presente recurso de 02:55 a 03:22, de 04:10 a 04:33 e de 16:15 a 15:35; Declarações da testemunha Filipe, as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 11 de Novembro de2015, com início em 11:52:57e fim em 12:39: 12, com duração de 00:46:15 e com relevo para o presente recurso de 27:53 a 29:52 e de 31:25 a 37:20; Declarações da testemunha A. A., as quais constam gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, em 11 de Novembro de 2015, com início em 14:30:32 e fim em 14:54:19, com relevo para o presente recurso nas passagens de 04:43 a 14:47 e 15:27 a 16:18, com outro inicio em 15:03:38 e fim em 15:14:15, com relevo para o presente recurso nas passagens de 00:50 a 00:56, com outro início em 15:14:20 e fim em 15:16:22, com relevo para o presente recurso nas passagens de 00:50 a 01:25.
12a E ainda atenta a PROVA DOCUMENTAL: 1) Cópia do auto de conciliação no processo de acidente de trabalho junto como Documento 3 da pi.; 2) Certidão do processo de inquérito que correu termos nos Serviços do Ministério Público de Sabrosa sob o Processo 26/06.0GASBR íunto aos autos por requerimento dos lºs R. em 1 de Março de 2012 com a REF8: 9522448; 3) Contrato de Seguro titulado pela apólice 0030015, bem como asrespetivas Condições Gerais e Especiais junto pela R. Y Seguros - Companhia de Seguros RR, S.A. aos autos via email em 9 de Outubro de 2014, em virtude da aplicação Citius se encontrar indisponível; 4) Relatório de Averiguação realizado pela Testemunha A. A. para a X Seguros por referência ao sinistro dos autos e junto oficiosamente pelo Tribunal em audiência de julgamento de 11 de Novembro de 2015.
13a Em função do supra exposto, resulta que se impunha decisão da matéria de facto diversa da proferida, no sentido de:

a) Se dar como não provado o facto provado constante da sentença em 29° na parte "...conforme apólice de fls. 202-203 ...", cujo teor nesta parte deve ser alterado para se dar como provado com a seguinte redação "... conforme Contrato de Seguro titulado pela apólice 0030015, bem como as respetivas Condições Gerais e Especiais juntos pela R. Y Seguros - Companhia de Seguros RR, S.A. aos autos via email em 9 de Outubro de 2014, em virtude da aplicação Citius se encontrar indisponível ... ";
b) Se dar como não provado o facto provado constante da sentença em 30°, cujo teor deve ser alterado para se dar como provado com a seguinte redação:"A apólice em apreço contempla a responsabilidade civil pelos danos decorrentes do veículo seguro, em quaisquer locais do concelho de Sabrosa";
c) Se dar como não provado o facto provado constante da sentença em 31.º, cujo teor deve ser alterado para se dar como provado com a seguinte redação: " Incluindo os decorrentes das alfaias agricolas acopladas ao veiculo garantido e os decorrentes de laboração, danos à máquina em laboração";
d) Se dar como não provado o facto constante da sentença em 36.º nas seguintes partes: "Em virtude do peso de trator, da trepidação provocada pelo motor e pela bomba de saída do herbicida ... " e “…e com a circunstância de não se ter cessado os trabalhos em curso ... ", cujo teor deve ser alterado para se dar como provado com a seguinte redação: "Em virtude da forte chuva que naquela tarde se fez sentir ocorreu um deslizamento de terras do caminho e do socalco, o que fez com que o tractor tombasse pelos bardos abaixo, tendo o mesmo entrado em capotamento e indo apanhar os quatro funcionários que se encontravam a trabalhar nos bardos / socalcos inferiores";
Ou, caso assim não se entenda, o seu teor deve ser alterado para se dar como provado com a seguinte redação: "Em virtude do peso do tractor, da trepidação provocada pelo motor e pela bomba de saída do herbicida, conjugada com a forte chuva que naquela tarde se fez sentir, ocorreu um deslizamento de terras do caminho e do socalco, o que fez com que o tractor tombasse pelos bardos abaixo, tendo o mesmo entrado em capotamento e indo apanhar os quatro funcionários que se encontravam a trabalhar nos bardos / socalcos inferiores";
e) Se dar como não provado o facto provado constante em 47.º da sentença;
f) Se dar como não provado o facto provado constante em 48.º da sentença na parte « … referido em 47°.";
g) Se darem como provados os factos ídentificados como não provados na sentença em xxiv; xxv; xxvi; xxvii.
14a O acidente dos autos ficou a dever-se a caso ou motivo de força maior.
15a O acidente proveniente de caso de força maior não dá direito a reparação - artigo 7°, n" 1, d) e 2 da Lei nº 100/97 de 13 de Setembro, de tal modo que o empregador não tem de proceder à indemnização do acidente que provier de motivo de força maior - artigo 291.º do Código do Trabalho na versão da Lei 99/2003 de 27.08, sendo a responsabilidade excluída quando o acidente resulte de caso de força maior estranha ao funcionamento do veículo - artigo 505° do C.C .
16a Pelo que deve o 2° R. ser absolvido dos pedidos em que foi condenado.
17a O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 7°, n° 1, d) e 2 da Lei n.º 100/97 de 13 de Setembro, 291.º do Código do Trabalho na versão da Lei 99/2003 de 27.08. e artigo 505.º do C.C .
Sem prescindir, caso assim não se entenda:

18a À data do sinistro o tractor agrícola de matrícula TR era do domínio e posse da 2a R. mulher e existia contrato de seguro válido e eficaz cobrindo a responsabilidade civil pelos danos decorrente de acidente causado por tal viatura, através do qual se transferiu para a 3a R. a dita responsabilidade, titulado pela apólice de seguro com o n° …, com início em 03/09/2005, Conforme Contrato de Seguro titulado pela apólice …, bem como as respetivas Condições Gerais e Especiais juntos pela R. Y Seguros - Companhia de Seguros RR, S.A. aos autos via email em 9 de Outubro de 2014, em virtude da aplicação Citius se encontrar indisponível.
19a Pelo que se deve considerar que a apólice de seguro na R. seguradora contempla a responsabilidade civil pelos danos decorrentes do veículo seguro, em quaisquer locais do concelho de Sabrosa, incluindo os decorrentes das alfaias agrícolas acopladas ao veículo garantido e os decorrentes de laboração, danos à máquina em laboração.
20a Pelo exposto, a responsabilidade civil dele emergente está a coberto do contrato de seguro celebrado com a R. seguradora, daí a legitimidade da R. seguradora para reparação dos danos sofridos com a eclosão do sinistro.
21a Pelo que deve o 2° R. ser absolvido dos pedidos em que foi condenado, donde o Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto no artigo 503°, n° 1 do C.C.

Sem prescindir, caso assim não se entenda:
22a O acidente não foi provocado pelo representante do empregador ou entidade por aquele contratada, nem resultou de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, isto é, não existiu qualquer atuação culposa do 2° R..
23a Tal retira aos demandantes qualquer direito a indemnização, o que se invoca com as devidas consequências, pelo que deve o 2° R. ser absolvido dos pedidos em que foi condenado.
24a O Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 483°, n° 1, 487°, n° 2 do C.C ..

Sem prescindir, caso assim não se entenda:
25a Aquando da prolação dos despachos judiciais a que aludem os artigos 593°, 595° e 596° do C.P.C, o Tribunal de la instância considerou que: i) em abstrato, foi alegada factualidade suscetível de preencher o tipo legal de crime de homicídio por negligência, previsto e punível pelo artigo 137°, n.º 1 do Código Penal; ii) tal ilícito é punível, em abstrato, com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa, o que significa que, nos termos do disposto no artigo 118°, c) do mesmo Código, tem com prazo prescricional o período de 5 anos sobre a prática do crime; iii) em face do expendido, entendeu o Tribunal que o caso dos autos se integra no artigo 498°, n° 3 do C.C. e que o prazo prescricional aplicável é o de 5 anos; iv) quando a presente ação deu entrada em juízo, o prazo prescricional de 5 anos ainda não tinha decorrido, o que só viria a acontecer em 19 de março de 2011.
26a O 2° R. não se conforma com a decisão do Tribunal de primeira instância supra descrita, por ter feito errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, pelo que a impugna por esta via e ao abrigo do disposto no artigo 644°, n.º 3 do C.P.C., para o que está em tempo e tem legitimidade.
27a Na verdade, contrariamente ao decidido em primeira instância, o 2° R. invoca que ao presente caso aplica-se o prazo consignado no n.º 1 do artigo 498.º do C.C,
28a Em primeiro lugar, por que tal resulta claro da Certidão do processo de inquérito que correu termos nos Serviços do Ministério Público de Sabrosa sob o Processo 26/06.0GASBR junto aos autos por requerimento dos lºs R. em 1 de Março de 2012 com a REFa: 9522448, do qual resulta que não existiu desrespeito pelas necessárias medidas de prevenção, nem qualquer omissão, pois não era de todo previsível a ocorrência do facto danoso, não se impondo, designadamente ao 2° R., a adoção de medidas aptas a evitar o resultado.
29a Em segundo lugar, como supra se alegou, não ocorreu atuação culposa do 2° R.:
30a De modo que na situação concreta dos presentes autos não há qualquer factualidade típica de crime, designadamente, factualidade suscetível de preencher o tipo legal de crime de homicídio por negligência, previsto e punível pelo artigo 137.º, n.º 1 do Código Penal.
31a Na verdade, o direito de indemnização prescreve no prazo de 3 anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete - artigo 498°, n° 1 do CC.
32a O sinistro ocorreu em 18 de Março de 2006, sendo que sinistrada faleceu nesse mesmo dia 18 de Março de 2006, mas a presente ação judicial só foi interposta em juízo em 8 de Fevereiro de 2011, em que os RR. apenas foram citados para os seus termos, pelo menos, a 10 de Fevereiro de 2011, ou seja, mais de 3 anos após o acidente e o conhecimento pelo demandante dos danos reclamados.
33a Pelo que o direito de indemnização peticionado nos autos prescreveu, donde o Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 498°, n.º1 e 3 do C.C .

Sem prescindir, caso assim não se entenda:
34a Acresce que mesmo que se entenda que ao caso se aplica o disposto no artigo 498°, n° 3 do C.C., ou seja, o prazo prescricional de 5 anos, então a obrigação de indemnização sempre prescreveu em relação aos demandantes Filipa e M. P..
35a Por esta via, o prazo prescricíonal de 5 anos só viria a acontecer em 19 de março de 2011, sendo que o sinistro ocorreu em 18 de Março de 2006, tendo a sinistrada falecido nesse mesmo dia 18 de Março de 2006, porém, a presente ação judicial só foi interposta em juízo pelo 1 ° A. em 8 de Fevereiro de 2011 e os intervenientes chamados só foram admitidos nos presentes autos por despacho judicial de 10 de Abril de 2012.
36a Os Intervenientes Chamados só em 27 de Abril de 2012 vieram aos autos juntar procuração a favor da sua Ilustre Mandatária e aderindo aos articulados apresentados pelo A., nos termos do artigo 327°, nº 3 do C.P.C ..
37a Do que o 2° R. só foi notificado em 30 de Abril de 2012, ou seja, mais de 3 e 5 anos após o acidente e o conhecimento pelos demandantes intervenientes chamados dos danos reclamados.
38a Pelo que o direito de indemnização peticionado nos autos pelos intervenientes chamados prescreveu, donde o Tribunal recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 498°, n.º1 e 3 do C.C., 483°, n.º 1,487°, n.º 2 do C.C.

Sem prescindir, caso assim não se entenda:
39a A quantia fixada pelo Tribunal a título de compensação pela perda do direito da vida da falecida M. L. na quantia de 55 000,00 € peca por excesso, devendo ser reduzida para montantes mais razoáveis, situados na ordem nunca superior aos mencionados 35000,00 € para a Herança da falecida M. L..
40a As quantias fixadas pelo Tribunal pelo sofrimento do A. J José na quantia de 8 000,00 € peca por excesso, devendo ser reduzida para montantes mais razoáveis, situados na ordem nunca superior aos mencionados 4 000,00 €.
41a As quantias fixadas pelo Tribunal pelo sofrimento dos filhos da vítima Filipa e M. P. de 16 000,00 € para cada um deles, num total de 32 000,00 € pecam por excesso, devendo ser reduzidas para montantes mais razoáveis, situados na ordem nunca superior aos 8 000,00 € para cada um dos demandantes, num total de 16000,00 €.
42a Isto porque para além do que ficou provado, não se provaram quaisquer outros danos suscetíveis de inflacionar tais quantias indemnizatórias.
43a Ao julgar de modo diferente daquele que é defendido neste recurso e fixando as quantias indemnizatórias aqui impugnadas, fez o Tribunal recorrido uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, com violação dos artigos 483°, 494°, 496°, 562° e 566.º do Código Civil.
44a Estamos perante, uma situação em que o evento danoso se ficou a dever causas complementares, ou, caso assim não se entenda, cumulativas ou, caso assim não se entenda, coincidentes ou simultâneas de responsabilidade.
45a De tal maneira, que a parte da responsabilidade atribuída ao 2° R. na produção do evento danos se reporta apenas a 1/5 dos danos causados.
46a Mas nunca à totalidade da responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro fixados pelo Tribunal e pela forma como foi atribuída na sentença recorrida.
47a Por conseguinte, deve por esta via subsidiária, a responsabilidade atribuída ao 2° R. na produção do evento danoso ser limita à parte de 1/5 dos danos arbitrados.
48a O Tribunal recorrido violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 483.º, n° 1, 562.º e 563.º do C.C.
49a Mas, caso assim não se entenda, para além da causa real considerada pelo Tribunal, estamos perante, uma situação em que o evento danoso se ficou a dever a outras causas virtuais com relevância negativa na obrigação de indemnizar.
50a De tal maneira, que a parte da responsabilidade atribuída ao 2° R. na produção do evento danos se reporta apenas a 1/5 dos danos causados.
51a Mas nunca à totalidade da responsabilidade pelos danos decorrentes do sinistro fixados pelo Tribunal e pela forma como foi atribuída na sentença recorrida.
52a Por conseguinte, deve por esta via subsidiária, a responsabilidade atribuída ao 2° R. na produção do evento danoso ser limita à parte de 1/5 dos danos arbitrados.
53a O Tribunal recorrido violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 483°, n° 1, 562.º e 563.º do C.C ..
Sem prescindir, caso assim não se entenda:
54a Atento o grau de culpabilidade do agente e as demais circunstância do caso, a indemnização deveria ter sido fixada no montante correspondente a 1/5 dos danos que o Tribunal entendeu que foram causados, o que se invoca com as legais consequências.
55a O Tribunal recorrido violou por erro de interpretação e aplicação o disposto no artigo 494.º do C.C.
56a Atento o facto provado em 43° resulta que os 1.ºs RR. no dia do sinistro, nem nos dias em que se andou a aplicar o herbicida, não se deslocaram à Quinta.
57a Pelo que não se provou que, nesses dias, os lºs RR. tenham advertido o caseiro para ter o máximo cuidado consigo e com os trabalhadores que contratava para o desenvolvimento dos trabalhos, respeitando as regras de segurança no desenvolvimento dos trabalhos que mandava executar.
58a Também não se provou que os lºs RR. no dia do sinistro e nos dias em que se realizou o trabalho de deitar o herbicida nas vinhas, tenham fiscalizado, orientado e coordenado a atuação do 2° R.
59a Mais: não se provou que os RR. no dia do sinistro tenham praticado quaisquer atos ou precauções tendente à cessação dos trabalhos em curso ou ao reforço das condições de segurança dos trabalhadores, no contexto meteorológico de chuvas fortes que se fez sentir.
60a Nesse sentido, também os lºs RR. omitiram uma concreta ação cujo dever de levar a cabo sobre si também impendia, por esse motivo, agiram pelo menos também com "mera culpa", isto é, num quadro de negligência que motiva a obrigação de indemnizar - artigos 483°, n° 1 e 487°, n° 2 do C.C.
61a Por conseguinte, não tem aplicação ao caso dos autos o disposto no artigo 500°, n° 3, 1.ª parte do C.C., uma vez que será de aplicar, antes, o disposto nesse artigo 500°, n° 3, 2a parte do C.C., cuja remissão para o artigo 497°, ° 2 do C.C. implica que sejam iguais as culpas do 2.º R. e dos lº.s RR., sem o direito dos lº.s RR. de exigir do 2° R. o reembolso de tudo quanto hajam pago para satisfazer a indemnização.
*
O Autor e Chamados contra-alegaram, concluindo que

1-Com o seu Recurso pretendem os Recorrentes que a decisão da Primeira Instância seja alterada.
2-Pretendendo, nesta fase alterar a matéria fáctica provada em sede de audiência.
3-Perante a matéria fáctica provada, a douta sentença recorrida é irrepreensível.
4-O Meritíssimo Juiz decidiu, e bem, de acordo com os documentos juntos aos autos corroborados pela prova testemunhal.
5-A Douta Sentença não merece qualquer reparo a não ser na parte em que não mereceu acolhimento o pedido de € 15.00,00 dos Recorridos, a título de danos morais sofridos pela própria sinistrada.
6-Motivo pelo qual os Recorridos pugnam pela manutenção da decisão posta em crise apenas ressalvando que deverá ser ampliada a condenação com o montante peticionado pelo sofrimento da sinistrada até ao seu decesso.
7- Não restam dúvidas que o acidente ocorreu no dia 18/03/2006 entre as 15 horas e as 16 horas.
Que a sinistrada faleceu a caminho do hospital na ambulância do INEM.
E que, tal como consta da certidão de óbito, este ocorreu pelas 18 horas.
8 -Ou seja, a vítima esteve pelo menos três horas em agonia, devendo pois ser arbitrada compensação devido ao sofrimento sentido pela vítima.
9-De salientar que, quer o direito à vida, quer o direito à integridade física, são dos mais elevados direitos de personalidade, merecendo a tutela do direito, mormente no caso "sub Júdice".
10-Tendo em conta a sua natureza irreparável, e face ao sofrimento da sinistrada só mediante a entrega da quantia peticionada se tornará possível minorar e compensar o dano sofrido pela morte da sinistrada, motivo pelo qual os Recorridos pugnam pela ampliação da condenação incluindo a mesma os € 15.000,00 peticionados pelo sofrimento da vitima.
11-De não esquecer que está demonstrado e provado nos autos que a vítima tinha apenas trinta e sete anos de idade (37), era pessoa saudável, enérgica, trabalhadora e com vivacidade, centrada na sua vida familiar.
12-Não é verdade como referem os Recorrentes que os intervenientes não alegaram qualquer factualidade integrante da causa de pedir pois, aderiram à factualidade e aos pedidos formulados na P. I.
13-O Tribunal "a quo" tem por isso causa de pedir, pedido formulado pelos intervenientes chamados e por isso nenhum reparo há a fazer à indemnização que lhes foi arbitrada.
14-Concordamos na íntegra com a Douta Sentença ao enquadrar o sinistro no âmbito da responsabilidade civil.
-... "De acordo com o art. 483°, n.º l , "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".
15-Encontram-se preenchidos os pressupostos a que alude o artigo 486° do Código Civil, de acordo com o qual "as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio juridico, o dever de praticar o acto omitido" ...
16-O 2° réu omitiu uma concreta acção cujo dever de levar a cabo sobre si impendia em exclusivo. Por esse motivo, agiu pelo menos com "mera culpa", isto é, num quadro de negligência que motiva a obrigação de indemnizar (cf. artigo 483°, nºl, do CC).
17-Nos termos do preceituado no artigo 500°, n.º1, do CC, "aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar".
18-A fundamentação de direito da douta sentença não merece qualquer tipo de censura. Na verdade, o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo aplicou bem o direito aos factos que constam nos presentes autos.
19-Pelo que se transcreve, nada se poderá opôr à douta decisão, muito menos invocar falta de fundamentação ou pugnar pela alteração da matéria fáctica provada.
20-A decisão proferida está completa e devidamente fundamentada e portanto é absolutamente válida, uma vez que está estribada na prova que se produziu em Audiência.
21-Ao decidir como decidiu, o Douto Tribunal não violou qualquer preceito legal.
Termos em que, não deve ser concedido provimento ao recurso apresentado Confirmando-se na íntegra a douta sentença proferida.
*
A Ré “Y Seguros-Companhia de Seguros RR, S.A.” defendeu a confirmação da sentença, resumindo que estamos verdadeiramente perante um típico sinistro de laboração e não em face de um sinistro de circulação ou de utilização típica do tractor, não se encontrando coberto nem pelo seguro de responsabilidade civil automóvel que o proprietário do tractor celebrara com a R., nem pelo regime de tal seguro constante do Dec. Lei n° 291/07, de 21-8.
Termos em que a decisão judicial sob recurso procedeu a uma correta e ponderada aplicação do direito aos factos provados e é, s.m.o., imerecedora de qualquer censura. Donde, afigura-se que a pretensão recursiva do recorrente deverá improceder.
**
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II- Delimitação do Objecto do Recurso

As questões a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, e considerando que já foram decididas no anterior acórdão as invocadas nulidades da sentença e a pretendida alteração da decisão sobre a matéria de facto, consistem nas seguintes:

--prescrição do direito de indemnização;
--qualificação do acidente;
--responsabilidade dos réus;
--compensação dos danos não patrimoniais.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO

FACTOS PROVADOS (elencados na sentença, com as alterações determinadas no anterior acórdão)

-O A. é viúvo de M. L. com quem foi casado em primeiras núpcias, conforme decorre do assento de casamento constante de fls. 16, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
-Os primeiros RR. dedicam-se, para além do mais, à exploração de uma propriedade agrícola, denominada “Quinta ..”, sita na …, freguesia de …, concelho de Sabrosa.
-A M. L. prestava a sua actividade de trabalhadora agrícola, a tempo parcial, sob as ordens, direcção e fiscalização dos primeiros RR. mediante uma retribuição no valor anual de € 4.380,00.
-No dia 18.03.2006, em hora não concretamente determinada, mas situada entre as 15h00 e as 16h09, na Quinta .., sita na …, freguesia de Gouvinhas, concelho de Sabrosa, ocorreu um acidente.
-Na altura, a sinistrada M. L. exercia a sua actividade de trabalhadora agrícola dependente para os primeiros RR, executando a tarefa de “deitar herbicida na vinha”, função do normal granjeio agrícola.
-Este trabalho foi efectuado numa zona de forte inclinação da referida propriedade dos primeiros RR.
-Enquanto a M. L. realizava os mencionados trabalhos foi atingida em diversas partes do corpo, designadamente cabeça e peito, por um tractor, de marca Same, modelo Solaris 45, do ano de 2002, com a matrícula TR, que entrou em capotamento e que provocou o seu esmagamento, determinando-lhe a morte, conforme relatório de autópsia de fls. 90-94, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
-Aquando do acidente, o filho dos segundos réus, Filipe, prestava serviço na propriedade dos primeiros réus.
-À data do acidente, o tractor referido em encontrava-se registado em nome da segunda ré.
10º-A segunda ré é esposa do segundo réu, sendo este o caseiro dos primeiros réus e, como tal, responsável pela propriedade dos primeiros réus e superior hierárquico da sinistrada M. L. e dos demais trabalhadores.
11º-O acidente em referência foi expressamente aceite como acidente de trabalho entre os primeiros réus e a “Companhia de Seguros W”, conforme decorre do auto de conciliação datado de 27.04.2007, celebrado no Tribunal de Trabalho de Vila Real, constante de fls. 18-22, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
12º-À data do acidente, os primeiros RR. tinham a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho pela totalidade do salário auferido pela sinistrada, transferida para a citada “Companhia de Seguros W, S.A.” através de contrato de seguro.
13º-Do auto de conciliação referido em 11º resulta aceite pelos respectivos intervenientes que o “acidente consistiu em «esmagamento por queda de tractor, em consequência do que [M. L.] veio a falecer”.
14º - O A. foi já indemnizado pelos primeiros RR. e pela “Companhia de Seguros W” pelos danos patrimoniais decorrentes do acidente.
15º-Uma vez chegados ao local, os Bombeiros conduziram, pelo menos, as sinistradas, M. O. e Madalena ao hospital.
16º-Entretanto, o caseiro, aqui 2º réu, crendo que a sinistrada ainda estaria viva, transportou-a do local do acidente, numa carrinha de marca “Nissan”, com tracção às quatro rodas e cobertura total metálica, até ao Alto de Andrães, onde se procedeu à transferência da mesma para uma ambulância do INEM.
17º-A primeira das duas ambulâncias que se dirigiram ao local do acidente ficou “atolada” na lama, devido à chuva que se fazia sentir na altura do acidente.
18º-À data do acidente, o autor era casado com a sinistrada e tinham em comum dois filhos, os chamados Filipa e M. P..
19º-À data do acidente a sinistrada tinha 37 anos de idade, conforme assento de óbito constante de fls. 17, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
20º-A sinistrada M. L. era uma empenhada trabalhadora agrícola que contribuía para as despesas do lar com todo o seu salário.
21º-À data do acidente, o autor trabalhava no estrangeiro, mais concretamente na Suíça.
22º-Não obstante o referido em 21º, o autor estava permanentemente em contacto com a sinistrada M. L. e os seus filhos.
23º -A sinistrada M. L. era saudável, enérgica e trabalhadora.
24º-A morte de M. L. ocorreu de forma imprevisível, tendo, por esse motivo, o autor, seu marido, e os chamados, seus filhos, sentido dor, sofrimento e angústia.
25º-A falecida M. L. era o elemento central da respectiva família, a quem estavam entregues os cuidados da casa, a educação e formação dos filhos do casal.
26º -Após o falecimento de M. L., os filhos do casal passaram a estar a cargo do autor, que teve de abandonar o trabalho no estrangeiro.
27º-A falecida M. L. era pessoa com vivacidade, não dispensando o convívio com a família e filhos, a lide da casa e o trabalho.
28º -Enquanto se encontrava a trabalhar na Suíça, o autor apenas vinha a Portugal nas Férias de Verão e no Natal.
29º -No âmbito da sua actividade, a 3ª ré celebrou com N. P. um contrato de seguro do ramo “Tractores e Máquinas Agrícolas”, titulado pela apólice n.º …, conforme documento, junto a fls. 380 a 401, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
30º -No momento do acidente, a falecida M. L., acompanhada dos colegas referidos em e 15º, encontrava-se a deitar herbicida nos pés das vinhas na Quinta ...
31º -O herbicida estava num bidão pulverizador acoplado e suspenso na traseira do tractor, de onde saia uma mangueira com cerca de 40 metros, estando três funcionárias–uma delas a esposa do Autor–a segurar, desenrolar e puxar a mangueira, à medida que o colega, Filipe, ia precisando dela para chegar aos bardos e videiras.
32º-E isto porque, nessa circunstância, o dito Filipe segurava a extremidade da mangueira – com a pistola – estando a pulverizar as vinhas com o dito herbicida.
33º -O tractor encontrava-se imobilizado, num caminho plano de terra, com o motor em funcionamento para accionar a bomba pulverizadora do herbicida.
34º-Em virtude do peso do tractor, da trepidação provocada pelo respectivo motor e pela bomba de saída da pulverizadora, encaixada e suspensa na traseira do veículo, do manuseamento das mangueiras, conjugados com a forte chuva que, naquela tarde se fez sentir, ocorreu um deslizamento de terras do caminho e do socalco, o que fez com que o tractor tombasse pelos bardos abaixo, tendo o mesmo entrado em capotamento e indo apanhar os quatro funcionários que se encontravam a executar o trabalho de pulverização da vinha com herbicida, nos bardos/socalcos inferiores.
35º -O local onde o acidente ocorreu corresponde a uma vinha de cultivo do vinho do Porto, situada no interior de uma propriedade privada, com caminhos de terra batida por onde circulam veículos para acesso às vinhas.
36º-Contrariamente aos demais trabalhadores, a malograda M. L. não conseguiu desviar-se do percurso desgovernado do tractor.
37º-Imediatamente a seguir ao acidente, o 2º réu contactou o 112.
38º-As corporações de bombeiros que acorreram ao local foram as Corporações de Sabrosa e Provesende, com duas ambulâncias.
39º-Após o acidente, o corpo de M. L. foi tapado com uns cobertores.
40º - O óbito de M. L. foi verificado pelo INEM.
41º-Os primeiros réus residem em Valadares e só muito esporadicamente se deslocam à sua quinta, pois que só lá vão quando é necessário e têm disponibilidade de lá ir.
42º-Quando os 1ºs réus se deslocam à sua quinta, advertem sempre o seu caseiro, o 2º réu, para este ter o máximo cuidado consigo e com os trabalhadores que contrata para o desenvolvimento dos trabalhos, respeitando as regras de segurança no desenvolvimento dos trabalhos que manda executar.
43º-O caseiro, aqui 2º réu, é uma pessoa experiente no trabalho que desenvolve, sendo normalmente cuidadoso e zeloso no cumprimento das regras de segurança.
44º-O trabalho que estava a ser desenvolvido na altura do acidente repete-se todos os anos, sem nunca ter acontecido qualquer acidente.
45º-O terreno da quinta em apreço é inclinado, e em socalcos, sendo que, no dia do acidente, em virtude da chuva intensa que se fez sentir, o terreno ficou encharcado, designadamente o terreno do caminho onde o tractor se encontrava imobilizado.
46.º -Todos os trabalhos na quinta são organizados e orientados pelo 2º réu, o caseiro da quinta.
47º -O interveniente principal, M. P., nasceu a 10.11.1988, é filho do autor e da falecida M. L..
48º -A interveniente principal, Filipa, nasceu a 5.07.1990, e é filha do autor e da falecida M. L..
*
IV- DIREITO

Relativamente à primeira questão sobre a prescrição do direito de indemnização, o Recorrente, J. P., defende a aplicação do prazo de três anos previsto no artigo 498.º, n.º 1 do C.Civil e não de cinco porquanto, no processo de inquérito, concluiu-se que não existiu desrespeito pelas necessárias medidas de prevenção, nem qualquer omissão, pois não era de todo previsível a ocorrência do facto danoso, não se impondo, designadamente ao 2° R., a adoção de medidas aptas a evitar o resultado.
Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição (cfr. art. 298.º, n.º 1 do CC).
Segundo o artigo 498.º, n.º 1 e 2 do C.Civil, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos mas se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
Como foi bem referido pelo Tribunal a quo, na petição foi alegada factualidade susceptível, em abstracto, de preencher o tipo legal de crime de homicídio, por negligência, previsto e punível pelo artigo 137.º, n.º 1 do C.Penal, ao qual se aplica, atendendo à respectiva moldura penal, o prazo prescricional de cinco anos nos termos do artigo 118.º, al. c) do Código Penal.
O prazo iniciou-se em 19 de Março de 2006 e interrompeu-se com a citação – cfr. artigos 279.º, al. b) e 323º nº 1 do Código Civil.
Acresce que o artigo 323° nº 2 do Código Civil dispõe que se a citação ou notificação não é feita dentro dos cinco dias seguintes ao requerimento, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida decorrido esse prazo de cinco dias.
Considerando que o acidente ocorreu em 18 de Março de 2006, a acção deu entrada em juízo em 08 de Fevereiro de 2011 e o Réu foi citado em 15/02/2011, o prazo prescricional interrompeu-se após o decurso de cinco dias, cujos efeitos (nomeadamente de inutilização do tempo decorrido anteriormente-cfr. art. 326.º, n.º 1 do CC) se estendem aos Intervenientes que aderiram à petição inicial, sanando, desse modo, a falta de legitimidade activa (cfr. art. 33.º do CPC).
Assim sendo, confirma-se que o pedido de indemnização não prescreveu.

Uma das questões centrais suscitadas neste processo, como bem referem os Recorrentes, prende-se com a qualificação deste acidente como acidente de viação, pressuposto da obrigatoriedade de seguro automóvel.
No presente processo, o tribunal de 1.ª instância absolveu a Ré Seguradora por ter entendido que o acidente em que foi interveniente o tractor não pode qualificar-se como acidente de viação porque o sinistro em análise ficou a dever-se a factualidade completamente estranha à função do dito tractor enquanto meio de circulação, e o seguro contratado não cobria este risco (negrito nosso)
Esta decisão tem apoio maioritário da jurisprudência nacional.

Neste particular, relevam as normas relativas à obrigatoriedade do seguro automóvel, das quais ressalta a Directiva 72/166/CEE do Conselho de 24.04.1972.

O artigo 3.º, n.º 1 da Directiva 72/166/CEE do Conselho, de 24 de Abril de 1972, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes ao seguro de responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos automóveis estabelece que Cada Estado-Membro, sem prejuízo da aplicação do art. 4.º, adopta todas as medidas adequadas para que a responsabilidade civil que resulta da circulação de veículos com estacionamento habitual no seu território esteja coberta por um seguro.
A ideia inicial que sobressai deste diploma, cuja razão de ser se alicerçou na necessidade de facilitar a circulação de veículos e pessoas no mercado interno (1), sem descurar a protecção das vítimas, era a cobertura, através do seguro automóvel, dos riscos resultantes da circulação propriamente dita dos veículos.

Pese embora raras excepções, a jurisprudência tem interpretado a referida Directiva e a legislação que procedeu à respectiva transposição para a ordem jurídica nacional no sentido de que se exige, para qualificar o acidente como de viação, a mobilidade do veículo, na altura em que ocorre o sinistro, e do qual resultaram danos para terceiros.

No entanto, existem veículos, de natureza mista, utilizados simultaneamente como meio de transporte e como máquina, nas mais diversas áreas de actividade (agrícola, construção civil, industrial) que causam danos a terceiros decorrentes dessa utilização, não só quando circulam mas também em resultado da sua função regular de máquina, podendo encontrar-se, aquando desta utilização, imobilizados.
A interpretação do artigo 3.º, n.º 1 da referida Directiva, como já foi referido no anterior acórdão, não é isenta de dúvidas de índole interpretativa no que respeita ao âmbito da cobertura da obrigação de seguro (2) nomeadamente em resultado da não coincidência terminológica nos diplomas de transposição para as ordens jurídicas internas dos Estados-Membros da União Europeia.
Por esse motivo, este Tribunal decidiu reenviar, nos termos do artigo 267.º, al. a) e b) do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia ao Tribunal de Justiça da União Europeia a interpretação dessa norma.
O Tribunal de Justiça (Grande Secção) da União Europeia, perante a factualidade provada no presente processo, concluiu que o referido artigo 3.º, n.º 1 da mencionada Directiva 72/166/CEE do Conselho de 24.04 de 1972 deve ser interpretado no sentido de que não está abrangida pelo conceito de “circulação de veículos”, referido nesta disposição, uma situação em que o trator agrícola esteve envolvido num acidente quando a sua função principal, no momento em que este acidente ocorreu, não consistia em servir de meio de transporte, mas em gerar, como máquina de trabalho, a força motriz necessária para accionar a bomba de um pulverizador de herbicida.
Na parte que agora nos interessa, ficou provado que, em virtude do peso do tractor, da trepidação provocada pelo respectivo motor e pela bomba de saída da pulverizadora, encaixada e suspensa na traseira do veículo, do manuseamento das mangueiras, conjugados com a forte chuva que, naquela tarde se fez sentir, ocorreu um deslizamento de terras do caminho e do socalco, o que fez com que o tractor, imobilizado, tombasse pelos bardos abaixo, tendo o mesmo entrado em capotamento e indo apanhar os quatro funcionários que se encontravam a executar o trabalho de pulverização da vinha com herbicida, nos socalcos inferiores.
Perante este quadro factual e a interpretação considerada correcta do artigo 3.º da mencionada Directiva pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, confirma-se a sentença no que concerne à principal questão da não qualificação do acidente em causa como de viação.

Por outro lado, o contrato de seguro celebrado entre a proprietária do tractor e a Ré Seguradora exclui, expressamente, as coberturas de “responsabilidade civil em laboração”, “danos à máquina na via pública/danos à máquina em laboração” e “incêndio, raio e explosão em laboração”, ou seja, não cobre o sinistro em apreço, razão pela qual se impôs a absolvição da seguradora, por inexistir fundamento convencional ou legal para ser responsabilizada pelos danos advenientes do evento.
No entanto, os factos demonstrados nos autos poderão ser enquadrados no âmbito da responsabilidade por factos ilícitos.

Da Responsabilidade do 2.º Réu

De acordo com o princípio geral consagrado no artigo 483º, n.º1 do C.Civil, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Ficou provado que, na altura em que ocorreu o deslizamento de terras e consequente queda do tractor pelos socalcos abaixo, a sinistrada M. L. exercia a sua actividade de trabalhadora agrícola na Quinta dos 1.ºs Réus, executando, na altura, a tarefa de “deitar herbicida na vinha”, que se repete anualmente, função do normal granjeio agrícola, numa zona de forte inclinação.
O terreno da quinta em apreço, para além de ser inclinado, e em socalcos, no dia do acidente, em virtude da chuva intensa que se fez sentir, ficou encharcado, designadamente o terreno do caminho onde o tractor se encontrava imobilizado.
O caseiro da quinta, aqui 2º Réu, é uma pessoa experiente no trabalho que desenvolve, organizando e orientando todos os trabalhos, sendo normalmente cuidadoso e zeloso no cumprimento das regras de segurança.
Na sentença concluiu-se que, face à experiência do 2º Réu, e tendo em conta que o mesmo estava contratualmente obrigado a orientar os trabalhos agrícolas, sobre o mesmo impendia o concreto dever de, face às chuvas fortes que se fizeram sentir, determinar a imediata cessação dos trabalhos ou, quando muito, transferir o tractor com a bomba pulverizadora para local que não oferecesse perigo de capotamento ou outro.
O Recorrente, pessoa experiente nas funções que desempenhava e responsável pela organização e orientação dos trabalhos agrícolas, face às circunstâncias concretas que se verificavam na altura em que ocorreu o acidente, devia, efectivamente, ter suspendido os trabalhos em curso de pulverização das videiras ou nem sequer ter ordenado a sua execução.
Na verdade, nesse dia, o tractor encontrava-se imobilizado, num caminho plano de terra, com o motor em funcionamento para accionar a bomba pulverizadora do herbicida.
O herbicida estava num bidão pulverizador acoplado e suspenso na traseira do tractor, de onde saía uma mangueira com cerca de 40 metros, estando três funcionárias–uma delas a esposa do Autor–a segurar, desenrolar e puxar a mangueira, à medida que o colega, Filipe, ia precisando dela para chegar aos bardos e videiras. E isto porque, nessa circunstância, o dito Filipe segurava a extremidade da mangueira – com a pistola – estando a pulverizar as vinhas com o dito herbicida.
Os trabalhadores executavam essa tarefa em terreno, encharcado de água, em resultado da elevada precipitação, com forte inclinação, em socalcos inferiores em relação ao caminho onde se encontrava o tractor.
O deslizamento de terras do caminho onde o tractor se encontrava imobilizado e consequente queda do mesmo sobre os trabalhadores ocorreu em resultado do peso do tractor, da trepidação provocada pelo respectivo motor e pela bomba de saída da pulverizadora, encaixada e suspensa na traseira do veículo, do manuseamento das mangueiras, conjugados com a forte chuva que, naquela tarde se fez sentir.
Contrariando as expressas recomendações dos 1.ºs Réus no sentido de dever respeitar as regras de segurança no desenvolvimento dos trabalhos agrícolas que manda executar, o 2.º Réu não assegurou aos trabalhadores as condições de segurança que se impunham perante as referidas concretas condições meteorológicas e estado do terreno onde o tractor se encontrava, o que obrigava, caso não fosse possível outra solução, à imediata paragem desses trabalhos.
Como se refere na sentença, sobre o 2º Réu impendia um especial dever de vigiar os trabalhos e, no caso, de impedir o resultado danoso que se verificou.
A omissão do dever de agir no sentido de tomar as providências necessárias para evitar qualquer acidente, responsabilidade que advinha das funções de chefia e orientação dos trabalhos agrícolas exercidas pelo 2.º Réu, determina a obrigação de indemnizar os danos nos termos do artigo 486.º do C.Civil.
A falta de adoção de medidas preventivas do facto danoso é censurável uma vez que o 2.º Réu podia e devia ter agido de outro modo (3), ou seja, a violação do direito é-lhe imputável a título de negligência (mera culpa).

Da Responsabilidade dos 1.ºs Réus

No que concerne à responsabilidade (objectiva) dos 1.ºs Réus, não é enquadrável no disposto no artigo 503.º, n.º 1 do C.Civil porquanto os danos não resultaram dos riscos próprios do veículo.
Neste particular, A. Varela (4) esclarece que fora do círculo de danos abrangidos pela responsabilidade objectiva ficam, para além de outros, os que foram causados pelo veículo como poderiam ter sido provocados por qualquer outra coisa móvel, dando como exemplo (5) o caso decidido pelo STJ de 30.05.1967 relativo a um acidente do veículo arrastado por uma vaga marítima no molhe do porto de Leixões que causou a morte de um dos ocupantes, podendo e devendo ser apurada a responsabilidade do lesante visto poder ter agido ilicitamente e com culpa.(itálico e negrito nosso)
Cumpre relembrar, sobre esta questão, que o motivo de força maior, excludente da ilicitude, pressupõe um acontecimento imprevisível, cujo efeito danoso é inevitável com as precauções normalmente exigíveis. (6)
Por outras palavras, como se explicita no Acórdão do STJ, de 18/12/2013, (7) o caso de força maior tem ínsita uma ideia de inevitabilidade, ligada a uma acção do homem ou terceiro e, em muitos casos, a fenómenos da natureza, que por serem incontroláveis e nem sequer previsíveis pela vontade do agente, não são passíveis de imputação pelas suas consequências, configurando-se como evento contra o qual nada pôde fazer por maior que tivesse sido a sua diligência.
No caso concreto, não se verifica nenhum daqueles pressupostos pois o deslizamento de terras e consequente capotamento do tractor era previsível face à elevada precipitação e morfologia do terreno e podia ter sido evitada a morte da trabalhadora com a cessação dos trabalhos ou continuação dos mesmos em condições de segurança.
A responsabilidade objectiva dos 1.ºs Réus radica, tal como foi entendido na sentença, no artigo 500º, nº1, do CCivil: “Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar”.
E “a responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada” (cfr. n.º 2).
Os 1.ºs Réus dedicam-se, para além do mais, à exploração de uma propriedade agrícola, denominada “Quinta ..”, concelho de Sabrosa, local onde a M. L. prestava a sua actividade de trabalhadora agrícola, a tempo parcial, sob as ordens, direcção e fiscalização daqueles.
O 2.º Réu, era, na altura do acidente, caseiro dos 1.ºs Réus e, como tal, responsável pela propriedade e pela organização e orientação dos trabalhos agrícolas que aí se desenvolviam e superior hierárquico da sinistrada M. L. e dos demais trabalhadores.
Portanto, atendendo à relação comitente/comissário e incidindo sobre este último a obrigação de indemnização emergente de responsabilidade por factos ilícitos, os 1.ºs Réus são solidariamente responsáveis pelos danos causados.
Resolvida e confirmada a responsabilidade dos Recorrentes, cumpre averiguar se, por um lado, deve ser atribuída uma compensação pelo sofrimento da vítima antes do falecimento e por outro, se a quantia fixada na sentença no montante de € 55.000,00 no que concerne ao dano não patrimonial decorrente da lesão do direito à vida, é excessiva.
O pedido relativo ao sofrimento da sinistrada até ao seu decesso foi julgado improcedente por não se terem provado os factos que o sustentavam, o que se mantém.
À data do acidente, o Autor era casado com a sinistrada, empenhada trabalhadora agrícola, saudável, enérgica, e tinha apenas 37 anos de idade; o casal tinha em comum dois filhos e a sinistrada era o elemento central da respectiva família, a quem estavam entregues os cuidados da casa, a educação e formação dos filhos do casal uma vez que aquele trabalhava no estrangeiro.
A quantia de € 55.000,00 para compensar a perda do direito à vida, face ao que ficou acima descrito, e aos valores que a jurisprudência (8) tem admitido como acertados, revela-se, na nossa perspectiva, absolutamente adequada e justa.
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V- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes que constituem este Tribunal da Relação em julgar improcedentes os recursos, confirmando, em consequência, a sentença.
Custas das apelações pelos Recorrentes.
Notifique e registe.
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Guimarães, 12 de Abril de 2018

(Anabela Andrade Miranda Tenreiro)
(Fernando Fernandes Freitas)
(Alexandra Rolim Mendes)


1. Cfr. primeiro considerando.
2. Cfr. considerandos 26 e 28 das Conclusões do Advogado-Geral Paolo Mengozzi no processo C-162/13.
3. Cfr. A. Varela, Rev.Leg.Jurisp., ano 102.º, 58 e segs.
4. Ob. cit., pág. 627
5. Na anotação 2 da ob. cit, pág. 627
6. Cfr. A. Varela, Das Obrigações em Geral, 5.ª edição, Almedina, pág. 639.
7. Disponível em www.dgsi.pt.
8. A título de exemplo, v. Ac. STJ de 19/01/2017, disponível em www.dgsi.pt, foi fixada a quantia de € 30.000,00 como compensação pela morte do sinistrado com 81 anos de idade.