Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
512/13.6TBMNC.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: BALDIOS
CASAS FLORESTAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
- As parcelas de terreno dos baldios em que foram implantadas casas para os guardas florestais, assim como os anexos de apoio a tais casas e respetivos logradouros têm de considerar-se pertencentes ao domínio público e afetas a fins de interesse público, excetuando-se da devolução ao uso, fruição, administração dos baldios aos compartes, determinada pelo art. 3º do DL nº 38/76 de 19 de janeiro.
Decisão Texto Integral:
Relatório:

O Ministério Público, em representação do Estado/Ministério das Finanças/DGP, intentou a presente ação declarativa com processo comum contra, o Conselho Directivo dos Baldios de M., em representação da Assembleia de Compartes dos Baldios de M. e a Freguesia de M., representada pela Junta de Freguesia de M. pedindo que se declare que o prédio urbano destinado a Quartel da Brigada Fiscal (bem como o terreno envolvente onde está inserido) composto de rés-do-chão, construído de pedra, com cinco divisões, possuindo uma superfície coberta de 106 m2, superfície descoberta de 462 m2, anexos com 32 m2, sito no Lugar de …, a confrontar de todos os lados com Monte Baldio, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de M., sob o art. .., é propriedade do Estado Português, pelo menos desde a década de cinquenta.
Pede ainda o A. que se declare que os RR. não dispõem de qualquer título que os habilite a ocupar tal imóvel, sendo essa ocupação nula, devendo deixá-lo completamente devoluto de pessoas e bens.
Alega resumidamente o A. que o Estado tentou registar a seu favor o prédio em causa, mediante processo de justificação administrativa. Contudo, o Conselho Directivo de Baldios de M. acompanhado da Junta de Freguesia de M. reclamou contra o direito que o Estado pretendia e pretende fazer valer.
Refere o Estado que exerceu sobre a parcela em causa atos sistemáticos de posse pública e pacífica, agindo como seu proprietário – sendo que até construiu na parcela, na década de cinquenta, a casa de função A-32 para habitação de guardas florestais, no exercício de funções de interesse público, à vista de todos e sem oposição de ninguém.
Uma vez que o Estado detém a posse do terreno onde foi construído o imóvel desde a década de cinquenta, aplicam-se ao caso as disposições do Código de Seabra no que concerne ao prazo para aquisição por usucapião, bem como quanto aos seus requisitos. À luz do dito código bastaria a posse pública e contínua da parcela pelo período de quinze anos para que o Estado pudesse adquirir por usucapião. Diz assim o A. que o Estado adquiriu o direito de propriedade sobre o prédio em questão por usucapião e que os RR. se limitaram a impedir o mesmo de justificar o seu direito, sem apresentar qualquer elemento probatório de que a casa florestal não é de sua propriedade.
O A. juntou cinco documentos aos autos para prova do alegado.
O Conselho Directivo dos Baldios de M. e a Freguesia de M. vieram apresentar contestação a fls. 37 ss.
Começam os RR. por alegar que o prédio urbano reclamado pelo A. foi implantado sobre o baldio da freguesia de M., num monte destinado essencialmente à produção de mata e apascentação de gado. Desde há mais de 30, 40, 50, 100 e mais anos, que excedem a memória dos vivos, que os moradores da Freguesia de M. vêm aproveitando coletivamente os terrenos que compõem esse monte para apascentação de gados e corte de matos e lenhas.
Os moradores da freguesia de M. aproveitaram os terrenos que integram o citado monte pela forma supra referida, na convicção de que os terrenos estavam afetos a logradouro comum dos moradores da freguesia de M..
A esse monte sempre foi permitido o livre acesso de todos os compartes dos baldios, que, por ser entrecruzado por vários carreiros de passagem a pé e por caminhos que permitem o trânsito de carro, o utilizavam para acederem livremente aos mais diversos lugares da freguesia inclusivamente com animais e praticarem nele os mais variados atos de uso e fruição, tais como apascentação de gados, cortes de matos e apanha de lenhas.
Atos esses praticados à vista de toda a gente e de forma ininterrupta e pacífica, e sempre sem oposição de quem quer que fosse.
A casa em causa nos autos foi implantada sem autorização dos compartes dos baldios e sem qualquer possibilidade de a comunidade local se opor à sua execução. Além disso, os moradores de M. estavam convictos de que a casa lhes pertencia e era para o seu interesse.
Dizem ainda os RR. que a casa se encontra devoluta desde 1985.
O prédio descrito no artigo 1º da petição inicial está implantado numa área de baldios que vem sendo detida, gerida e fruída pelos moradores da freguesia de M., desde tempos imemoriais, sem qualquer interrupção temporal.
Acrescentam ainda os RR. que o local onde foi construída a dita casa florestal nunca esteve submetido ao regime florestal. Nem alguma vez, foi arborizado ou, de outra forma explorado, nem vigiado, pelo Estado.
A limpeza e manutenção da casa e rossios é feita exclusivamente pela 1ª R., através dos meios que a 2ª disponibiliza, como pessoal e máquinas. Sendo, ainda, os compartes da freguesia de M. que vigiam a referida casa, o que sucede há mais de 20 e 30 anos, à vista de toda a gente, de forma ininterrupta, pacífica, sempre sem oposição de quem quer que fosse e na convicção de exercerem um direito comum de vizinhos.
Dizem os RR. que o A. apenas alega que a casa em questão foi ocupada pelo Guarda Florestal em 11 de Abril de 1958. O que significa que desde Abril de 1958 a 24 de Janeiro de 1976, data da entrada em vigor do DL 39/76, de 19-01, transcorreram 17 anos. Em 1958 vigorava o Código de Seabra de 1867 que fixava o prazo de 30 anos para a prescrição aquisitiva. No entanto, em 1 de Junho de 1967, entrou em vigor o atual Código Civil, tendo decorrido 9 anos, insuficientes para, à luz do Código de Seabra, já ter decorrido a prescrição aquisitiva. Aplicando-se o prazo previsto no C. Civil atual que é de 20 anos, sendo este o prazo aplicável, por ser o mais curto, mas ele só se conta da entrada em vigor do novo Código Civil, dado que, segunda a lei antiga, faltava mais tempo para o prazo se completar. Mas, mesmo aceitando, ter sido elidida a presunção de má-fé consignada no art. 1260º, n.º 2 (parte final) do atual Código, teremos o prazo normal de 15 anos (art. 1296º), a contar desde a entrada em vigor deste Código – 01-06-1967. Ora, à data da entrada em vigor do DL 39/76, não tinha decorrido este prazo.
Assim, conclui-se que o A. não adquiriu por usucapião, o direito de propriedade de que se arroga e que pediu fosse declarado titular.
Os RR. alegam factos que também levam à aquisição do imóvel de forma originária, por usucapião.
Os moradores da freguesia de M., nunca reconheceram o A. como dono e possuidor do imóvel.
Por isso, no âmbito do processo de justificação administrativa deduziu oposição a que o A. adquirisse o imóvel, seja por que forma fosse.
Requerem assim os RR., a título reconvencional, que se declare que o universo dos Compartes dos Baldios da Freguesia de M. são proprietários comunitários do baldio da freguesia de M., onde se situa a casa identificada em 1) da p.i., incluindo a parcela onde está implantada a dita casa, condenando-se o A. a reconhecer esse direito e a restituir, ao universo dos compartes dos baldios da Freguesia de M., a parcela de terreno ocupada pela casa florestal identificada em 1) da p.i.; declarando-se o universo dos Compartes da Freguesia de M. proprietários do prédio urbano identificado em 1) da p.i.; e condenando o A./reconvindo a reconhecer esse direito dos compartes.
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Realizou-se o julgamento na sequência do qual foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos:

“Pelo exposto, decide-se julgar a ação totalmente provada e procedente e, consequentemente,
Declara-se que o prédio urbano destinado a Quartel da Brigada Fiscal (bem como o terreno envolvente), inscrito na matriz predial urbana da freguesia de M., sob o art. 1048º, é propriedade do Estado Português, pelo menos desde a década de cinquenta.
- Condenam-se os RR. a reconhecer tal direito.
- Julga-se improcedente o pedido reconvencional deduzido pelos RR.”
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Inconformado veio o R. Conselho Directivo dos Baldios de M. recorrer formulando as seguintes conclusões:

1. Dos factos dados como provados, na sentença recorrida, não consta que o baldio da freguesia de M., onde foi implantado o prédio identificado em 1) e reclamado pelo A., foi submetido ao regime florestal, não consta por que decreto é que foi submetido, quando é que foi submetido e quando foi publicado o dito ato legislativo;
2. É que, de acordo com o Parecer 6/99 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 24-06-1999, disponível em www.dgsi.pt, a submissão dos baldios ao regime florestal, nos termos da L. n.º 1971, “operava-se por decreto em que se estabeleciam os poderes do Estado a eles relativos, a participação das autarquias nos rendimentos da exploração e as condições em que os moradores podiam utilizá-lo”;
3. Era ao A. recorrido que cabia alegar e provar que o terreno baldio, onde foi implantada a casa florestal, foi submetido ao regime florestal, através de que decreto e quando, nos termos do art. 342º do Civil, no entanto, não o fez, pois, nem sequer alegou tal facto, logo, não o podia provar;
4. Além disso, a sentença recorrida declarou que o A. não adquiriu o direito de propriedade sobre o imóvel, por usucapião, dada a entrada em vigor do DL. n.º 39/76, de 19-01, logo, não podia ter adquirido o direito de propriedade, por força da L. n.º 1971, de 15-06-1938, Base VI, ao ter sido submetido ao regime florestal, porque, se por força da referida lei, passou para a propriedade do Estado, deixando de ser baldio, e suscetível de ser adquirido por usucapião;
5. Pelo que, ao considerar que o A. não adquiriu a propriedade, por usucapião, e, por outro, ao declarar que o A. adquiriu a propriedade do prédio identificado em 1) da matéria de facto dada como provada, na sentença recorrida, por força da L. n.º 1971, esta é contraditória;
6. A Base VI da L. n.º 1971 não determina a propriedade dos terrenos baldios, depois de submetidos ao regime florestal, mas a posse precária destinada ao fim exclusivo para que foi concedida;
7. Não concede o direito de propriedade ao Estado sobre os baldios submetidos ao regime florestal;
8. Os baldios submetidos ao regime florestal foram devolvidos aos compartes;
9. No caso “sub judice”, face à matéria de facto de facto dada como provada, não se sabe se o terreno baldio, onde foi implantada a casa florestal, foi submetido ao regime florestal, no entanto, mesmo que tivesse sido, sempre teria de ser devolvido aos compartes, por foça do disposto no art. 3º do DL n.º 39/76, de 19-01.

TERMOS EM QUE, deve a sentença recorrida ser revogada e proferido Acórdão que considere a ação improcedente e a reconvenção procedente, no entanto, Vªs Ex.ªs ao decidirem e como decidirem farão a costumada e sã JUSTIÇA.
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O MºPº, em representação do Estado Português contra-alegou pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.
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Questões a decidir:
- Direito de propriedade sobre a parcela de terreno identificada nos autos.
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Cumpre apreciar e decidir:

Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

1) O Estado tentou registar a seu favor em 2006, mediante processo de justificação administrativa, nos termos do art. 3º do DL nº 34565, de 2 de Maio de 1945, o prédio urbano destinado a Quartel de Brigada Florestal, composto de rés-do-chão, construído de pedra, com um número total de cinco divisões, possuindo a superfície coberta de 106 m2, a superfície descoberta de 462 m2, anexos com 32 m2, sito no lugar de …, a confrontar de todos os lados com Monte Baldio, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de M., sob o artigo ..º, com o valor patrimonial de 7.563,37 €, tendo sido cumprida a tramitação legal, nomeadamente o anúncio da pretensão através da afixação de editais.

2) Os RR. arrogando-se proprietários do dito imóvel, em 6 de Maio de 2006, reclamaram contra o direito que o Estado pretendia fazer valer, deduzindo oposição no âmbito do processo de justificação administrativa.

3) Na década de cinquenta, foi construída pelo Estado a casa de função A-32 para habitação de guardas florestais, no exercício de funções de interesse público, à vista de todos e sem oposição de ninguém.

4) Dita casa florestal denominada A-32 encontra-se afecta à Direcção Geral dos Serviços Florestais e Agrícolas, da Administração Florestal de Monção.

5) Tal casa florestal foi em 11 de Abril de 1958, pela Administração Florestal de Monção, entregue a título precário ao guarda florestal de 3ª classe C. M. para nela habitar exercendo funções de interesse público do Estado, designadamente vigilância, segurança, limpeza das matas circundantes.

6) A este guarda sucedeu, a partir de 1990, mas sempre ininterruptamente, o guarda florestal A. M. que ali ainda reside, com iguais funções.

7) Durante todo o período em que todos os funcionários da A-32 habitaram no prédio em discussão ou exerceram as mais diversas funções inerentes aos respectivos cargos, nomeadamente através dos guardas florestais C. M. e A. M., nunca alguém se opôs a que, por sua iniciativa, com o aval do Estado e/ou através dos apoio deste, ininterrupta e sucessivamente, no exercício das funções em causa desde a década de 50, na tal parcela de terreno de 462 m2 fosse feito e constasse, por ela espalhado uma cobertura, tipo garagem, para estacionamento dos veículos que eram utilizados pelos guardas florestais, quer de função, quer particulares.

8) Foram também construídos na parcela vários anexos: existe arrecadação para guarda de utensílios de trabalho inerentes às funções dos guardas e alfaias agrícolas, galinheiros, onde eram criados animais para sustento de quem lá vivia, assim como uma horta e uma pocilga construída em pedra.

9) Com o apoio do Estado, ali pastavam por todo o terreno ovelhas e cabras dos ocupantes da A-32, para cuja recolha foi construído um curral.

10) A lenha da parcela de terreno era recolhida como combustível para aquecimento e o mato era roçado por tais funcionários estatais.

11) O prédio reclamado pelo A. foi implantado sobre o baldio da freguesia de M..

12) O artigo urbano 1048 da freguesia de M. teve origem na participação para inscrição efectuada em 23/01/96.


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E foram considerados não provados os seguintes factos:

I. A casa em causa nos autos foi implantada sem autorização dos compartes dos baldios e sem qualquer possibilidade de a comunidade local se opor à sua execução.

II. A casa encontra-se devoluta desde 1985.

III. O prédio em causa está implantado numa área que vem sendo detida, gerida e fruída pelos moradores da freguesia de M., desde tempos imemoriais e sem interrupção temporal.

IV. A limpeza e manutenção da casa e rossios é feita exclusivamente pela 1ª R., através de meios que a 2ª disponibiliza, como pessoal e máquinas.

V. Sendo os compartes da freguesia de M. que vigiam a referida casa há mais de 20 e 30 anos.

VI. O local onde foi construída a casa florestal nunca esteve submetido ao regime florestal.


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O Direito:

A Recorrente insurge-se quanto ao facto de na sentença recorrida se ter considerado que o baldio da freguesia de M. tenha sido sujeito ao regime florestal, dizendo que tal circunstância não tem qualquer fundamento uma vez que não consta dos factos provados.
O MºPº veio responder dizendo que a questão em causa é uma questão nova porque não foi alegada, nem sujeita a prova.
Salvo o devido respeito, nem Recorrente, nem Recorrido têm razão.
Com efeito, a sentença menciona os baldios sujeitos a regime florestal e embora não refira expressamente se o baldio em análise está ao não sujeito a tal regime, parece implicitamente incluí-lo em tal regime.
Deste modo, a questão em apreço não é uma questão nova apenas suscitada em sede de recurso.
Por outro lado, a questão em causa é uma questão de direito, pois a sujeição ou não ao regime florestal resulta da Lei, tal como veremos na apreciação de mérito do recurso, podendo o juiz abordá-la mesmo que não tenha sido suscitada pelas partes nos seus articulados, uma vez que o juiz não está sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (v. art. 5º, nº 3 do C. P. Civil).
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Aqui chegados analisemos a questão do direito de propriedade sobre a parcela de terreno em discussão nos autos, sendo certo que, como resulta suficientemente da sentença recorrida e não foi posto em causa no presente recurso, não estão reunidos os pressupostos para a aquisição da dita parcela por parte do Estado por usucapião.
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Os baldios surgiram da necessidade social de os agricultores com menos recursos económicos utilizarem espaços desocupados e/ou abandonados das respetivas freguesias, nomeadamente, para apascentação de gado e para apanha de mato ou de lenha.

A definição de baldio é-nos dada atualmente pela al. a) do art. 2º da Lei 75/2017 de 17 de agosto (regime aplicável aos baldios e aos demais meios de produção comunitários) e diz que “Baldios” são os terrenos com as suas partes e equipamentos integrantes, possuídos e geridos por comunidades locais, nomeadamente os que se encontrem nas condições aí definidas, nomeadamente, os terrenos considerados baldios e como tais possuídos e geridos por comunidade local, os quais, tendo anteriormente sido usados e fruídos como baldios, foram submetidos ao regime florestal ou de reserva não aproveitada (…) e ainda não devolvidos ao abrigo do DL 39/76 de 19 de janeiro. Por seu turno este diploma, no seu art. 3º dispõe que “são devolvidos ao uso, fruição e administração dos respetivos compartes, nos termos do presente diploma, por cujas disposições passam a reger-se, os baldios submetidos ao regime florestal e os reservados ao abrigo do n.º 4 do artigo 173.º do Decreto-Lei n.º 27207, de 16 de Novembro de 1936, aos quais a Junta de Colonização Interna não tenha dado destino ou aproveitamento.”
Esta determinação vem na sequência do "Programa da Reforma Agrária" (Anexo 3 do Decreto-Lei nº 203-C/75, de 15 de Abril) que entre as suas medidas consagrou no seu ponto 5 o princípio da “restituição dos baldios aos seus legítimos utentes, que passarão a administrá-los, através das respectivas associações, exclusivamente ou em colaboração com o Estado."
O terreno baldio em causa nos autos, situado na freguesia de M., Concelho de Monção, foi submetido ao regime florestal parcial através do Decreto do Governo, publicado no Diário do Governo nº 240 da II Série, de 14 de outubro de 1944 que o reconheceu como próprio para a execução da Lei nº 1971 de 15 de junho de 1938.
Esta Lei, do Povoamento Florestal, referia na sua Base I que “Os terrenos baldios, devidamente reconhecidos pelos serviços do Ministério da Agricultura como mais próprios para a cultura florestal do que para qualquer outra, serão arborizados pelos corpos administrativos ou pelo Estado segundo planos gerais e projetos devidamente aprovados nos termos destas bases” e previa aí, nomeadamente a construção de casas de guarda (v. também Base VIII – c)).
Na Base VI desta Lei referia-se que “Os terrenos baldios, depois de submetidos ao regime florestal, entram na posse dos serviços à medida que forem arborizados ou a contar da respetiva notificação.
O Parecer da Procuradoria Geral da República nº 6/99 de 24/06/99, publicado no DR, II Série, nº 274 de 24/11/1999 que analisa aprofundadamente a mencionada Lei 1971, conclui, nomeadamente que:

- O Estado tornou-se titular de um direito real, sujeito à disciplina do direito público, sobre os baldios submetidos a regime florestal, com afloração na base VI da Lei n.º 1971, de 15 de Junho de 1938, que lhe confere a posse de imóveis correspondentes a esse direito.
– As casas de guardas florestais edificadas pelo Estado nesses baldios, e propriedade deste, ficaram afetadas aos fins de interesse e utilidade pública implicados no regime florestal.
– As parcelas de terreno dos mesmos baldios em que foram implantadas as casas de guarda tornaram-se indissociavelmente partícipes da destinação pública a que estas foram afetadas, mercê da qual, e por força do direito real público acima aludido, ficaram excetuadas da devolução ao uso, fruição e administração dos baldios aos compartes, nos termos do artigo 3º do DL n.º 39/76, de 19 de Janeiro.
Com efeito, o mencionado DL 39/76 nada refere quanto ao destino das casas dos guardas florestais e outras instalações destinadas à vigilância das florestas, sendo certo que muitas delas, como a presente, ainda se encontravam ocupadas pelos respetivos guardas florestais em exercício de funções.
Ora, conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/09/11 (in www.dgsi.pt) que cita também o mencionado Parecer da PGR, “competindo aos guardas florestais fazer o serviço de polícia das matas e vigiando, de dia e de noite, a área florestal a seu cargo, o Estado proporcionava-lhes as denominadas casas florestais, pelo que, como todas elas estavam adstritas ao fim público de vigilância e preservação das florestas, poder-se-á concluir que o legislador pretendeu que continuassem afetas a essas finalidades, mantendo-se na posse e propriedade do Estado.” Dizendo ainda que a prossecução das finalidades intencionadas com a devolução dos baldios não exigia a entrega de tais casas ou instalações.
Assim, conclui-se neste Acórdão, com o qual concordamos, que “o legislador, com a devolução dos baldios, visou permitir às populações darem o uso que ancestralmente davam aos terrenos comunais, ou seja, retirarem deles as vantagens destinadas à satisfação das necessidades diárias da comunidade, designadamente ali apascentarem animais, procederem ao corte de lenha, ao roço de mato e à recolha de caruma e folhas das árvores, não carecendo, consequentemente, os compartes das casas florestais, nem dos seus logradouros, pois o uso e fruição dos baldios não passam pela utilização de tais casa e logradouros.”
Acrescentando que, “não tendo o Estado querido abandonar as áreas florestadas, não integradas nos baldios, pretendeu também manter as casas dos guardas florestais, dado que as áreas florestadas, sob vigilância desses guardas, não se confundiam com as áreas dos baldios.”
Também no sentido de que as casas de guardas florestais edificadas pelo Estado em baldios são propriedade deste e ficam afetadas aos fins de interesse e utilidade pública implicados no regime florestal, não sendo admissível a sua devolução ao uso, fruição e administração aos compartes, leia-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22/02/2005 (in www.dgsi.pt ).
Na verdade, a finalidade dos baldios e a intenção das sucessivas leis acima referidas em proteger tal finalidade em nada colide ou é afetada com a manutenção no património do Estado das casas dos guardas florestais já que as aludidas vantagens não podem ser retiradas da referida casa, anexos ou logradouro respetivo.
Deste modo, a casa do guarda-florestal em causa nos autos, que foi implantada sobre o Baldio de M., assim como os anexos de apoio a tal casa e respetivo logradouro têm de considerar-se pertencentes ao domínio público e afetas a fins de interesse público, excetuando-se da devolução ao uso, fruição, administração dos baldios aos compartes, determinada pelo art. 3º do DL nº 38/76 de 19 de janeiro.

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DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Sem custas por delas estar a Recorrente isenta.
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Guimarães, 9 de novembro de 2017

(Alexandra Rolim Mendes)
(Maria de Purificação Carvalho)
(Maria dos Anjos Melo Nogueira)