Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3737/17.1T8GMR-A.G2
Relator: RAQUEL BAPTISTA TAVARES
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
OBRIGAÇÃO PURA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A obrigação é exigível quando à data da propositura da execução se encontre vencida ou o seu vencimento dependa, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do artigo 777º n.º 1 do Código Civil, de simples interpelação ao devedor, ainda que judicial, não sendo exigível quando, não tendo ocorrido o vencimento, este não está dependente apenas de interpelação.

II - Do facto de a obrigação não ter um prazo certo de cumprimento (obrigação pura), não decorre que a mesma não seja exigível;

III - Nas obrigações puras o vencimento fica na dependência da vontade das partes, ou seja em qualquer altura o credor pode reclamar o cumprimento ou o devedor oferecer-lho, sendo a interpelação, que pode ser judicial ou extrajudicial, o “acto pelo qual o credor exige ou reclama do devedor o cumprimento da obrigação”;

IV. No caso concreto, sendo a obrigação exigível a todo o tempo independentemente da fixação prévia de qualquer prazo, dependendo o seu vencimento de simples interpelação e valendo como interpelação (judicial) a citação para a ação executiva, é de considerar verificado o pressuposto da exigibilidade da obrigação.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

P. G. e mulher T. S. deduziram os presentes Embargos de Executado por apenso à execução n.º 3737/17.1T8GMR em que são Exequentes A. S. e mulher M. C. pedindo seja a oposição recebida e a execução liminarmente indeferida por inexistência de título executivo ou seja a final julgada procedente a oposição com as legais consequências.

Alegam para tanto e em síntese que os Exequentes não dispõem de titulo executivo devendo a execução ser liminarmente indeferida pois que da transacção em causa não resulta qualquer obrigação para os executados, não tendo os mesmos sido condenados ao pagamento de qualquer quantia, resultando da transacção apenas a declaração de determinados direitos.

Mais alegam que os Exequentes nunca interpelaram dos Executados para o cumprimento de qualquer obrigação, designadamente para a pretensa obrigação de dividir, inexistindo mora da sua parte.

Pedem ainda a condenação dos Exequentes em multa e indemnização como litigantes de má-fé e na multa prevista no artigo 858º do Código de Processo Civil.

Na execução n.º 3737/17.1T8GMR os Exequentes apresentaram como título executivo a seguinte transacção, homologada, por sentença já transitada em julgado no âmbito do processo n.º 55/15.3T8GMR, do J2, da instância central cível de Guimarães da Comarca de Braga:

1.- Encontra-se arrestada a quantia de € 20.070,92 por força da decisão proferida nos autos de Procedimento Cautelar apenso a estes autos.
2.- Assim, e na sequência do acordo ora alcançado, essa quantia será dividida entre autores e réus da seguinte forma: a) €9.500,00 aos AA e, o remanescente, €10.570.92 aos RR.
3.- Por força da transação ora celebrada, AA. e RR. nada mais têm a reclamar uns dos outros seja a que titilo for, quer a titulo pessoal quer em representação de alguma sociedade que tenham sido sócios de facto e/ou de direito.
4.- Mais acordam que as custas ainda em divida a juízo serão suportadas em partes iguais, prescindindo ambas de custas de parte.”

Foi realizada tentativa de conciliação, a qual se frustrou vindo a ser proferida sentença declarando a inutilidade superveniente da lide.
Os Embargantes interpuseram recurso da decisão proferida o qual foi julgado procedente por decisão sumária proferida em 11/06/2018 que, revogando a decisão recorrida, determinou o prosseguimento dos autos.
Foi proferida decisão pelo tribunal a quo dispensando a continuação da audiência prévia e julgando procedentes os presentes embargos e extinta a instância executiva.

Inconformados, apelaram agora os Embargados, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“CONCLUSÕES

1.ª - Os Recorrentes deram à execução uma sentença homologatória de uma transacção, a qual foi alvo de embargos por parte dos Recorridos, por alegadamente, não existir título executivo bastante, nem ter ocorrido interpelação por parte dos Recorrentes aos Recorridos, o que os Recorrentes contestaram, demonstrando a manifesta exequibilidade e exigibilidade do título executivo;
2.ª - Após uma tentativa de conciliação – onde as partes mantiveram as posições já expendidas nos articulados – o Meritíssimo Juiz a quo solicitou ao Banco A que identificasse as pessoas que tinham que intervir no procedimento bancário necessário para a concretização da transferência em discussão nos autos;
3.ª - Apesar do Banco A – Seguros Vida apenas ter respondido ao dito despacho a 15/02/2018, o certo é que, sem que tenham sido efectuadas quaisquer outras diligências, entendeu o Meritíssimo Juiz a quo, proferir despacho saneador sentença, a 12/02/2018, onde declarou a inutilidade superveniente da lide;
4.ª - Decisão essa, de que os então Embargantes interpuseram recurso, que veio a ser julgado procedente e determinou que os presentes autos regressassem à 1.ª Instância, onde, sem a realização de qualquer outra diligência, foi proferido novo despacho saneador sentença que motiva o presente recurso;
5.ª - Entendeu o Meritíssimo Juiz a quo que apesar das partes não terem demonstrado qualquer entendimento quanto à existência de interpelação por parte dos Recorrentes aos Recorridos, era “(…) pacífico para ambas as partes que os exequentes nunca interpelaram os ora embargantes para diligenciarem pela concretização dessa transacção (obrigação de dividir a quantia pecuniária em causa)”, pelo que, face a essa alegada falta de interpelação, julgou os embargos procedentes em sede de despacho saneador sentença, por, alegadamente, se encontrarem preenchidos os requisitos previstos na alínea b), do n.º 1, do artigo 595.º do CPC, ou seja, não haver necessidade de mais provas;
6.ª - Contudo, nem os pressupostos em que pretensamente assenta a decisão são verdadeiros (nunca foi pacífico para ambas as partes que nunca houve qualquer interpelação por parte dos Exequentes aos Executados), nem o Tribunal dispunha já de elementos essenciais à decisão, para decidir como decidiu;
7.ª - A decisão recorrida é, assim, manifestamente precipitada face à realidade e infundada, por não se verificar a pretensa possibilidade de conhecimento imediato do pedido, pelo facto do Tribunal não estar em condições, ainda que mínimas, de afirmar que não houve qualquer interpelação feita pelos Exequentes aos Executados, para que estes cumprissem com a obrigação a que bem sabem estar adstritos (neste sentido, os doutos Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra e do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02/07/2013 e 19/04/2018, proferidos no âmbito dos processos n.ºs 295/12.7T6AVR.C1 e 533/04.0TMBRG-K.G1, relatados por Henrique Antunes e Eugénia Cunha, respectivamente, ambos disponíveis in www.dgsi.pt);
8.ª - Apesar de tais factos permanecerem controvertidos até hoje, entendeu o Meritíssimo Juiz a quo que já dispunha de todos os elementos necessários para proferir uma decisão de mérito, acolhendo, sem mais, a versão dos aqui Recorridos;
9.ª - Ao assim proceder, não permitiu aos aqui Recorrentes fazerem prova das suas alegações, nomeadamente através de prova testemunhal, antecipando uma solução jurídica através da desconsideração, por completo, da existência de factos controvertidos essenciais à boa decisão da causa, e não atendendo a todas as soluções, igualmente plausíveis da questão de direito, pois caso se viesse a provar a dita interpelação dos então Exequentes aos Executados, ficava, também, provada a exigibilidade do título executivo e, consequentemente, a decisão de mérito já seria proferida, necessariamente, noutro sentido;
10.ª - Com a prolação desta decisão de mérito em sede de despacho saneador, e não, após audiência de discussão em julgamento, foi coarctado aos aqui Recorrentes o direito de participarem no desenvolvimento do litígio e, consequentemente, influenciarem na decisão, o que se traduz numa patente violação do princípio do contraditório, plasmado no artigo 3.º, n.º 3 do CPC e constitui nulidade processual ao abrigo do disposto no artigo 195.º do CPC, a qual aqui expressamente se argui, infringindo, além do mais, os princípios constitucionais da igualdade, do acesso ao direito e da proibição da indefesa, previstos nos artigos 13.º e 20.º, n.ºs 1 e 4, respectivamente, ambos da Constituição da República Portuguesa;
11.ª - Antes de ter sido proferida qualquer decisão nos presentes autos, deveria ter sido facultada às partes a discussão de todos os fundamentos de facto e de direito em que a mesma ia assentar (designadamente sobre a existência, ou não, de interpelação), com vista a que fosse respeitado o princípio do contraditório e, só assim, se evitar que fosse proferida uma decisão surpresa, como aconteceu in casu;
12.ª - Esta violação do princípio do contraditório, decorrente da prolação de uma decisão surpresa, constitui, igualmente, nulidade processual, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 195.º do CPC – o que aqui expressamente se argui, por se estar em prazo para tal – infringindo, além do mais, os princípios constitucionais da igualdade, do acesso ao direito e da proibição da indefesa, previstos nos artigos 13.º e 20.º, n.ºs 1 e 4, ambos da Constituição da República Portuguesa (neste sentido, o citado Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 19/04/2018);

SEM PRESCINDIR,
13.ª - Ao contrário do que o Meritíssimo Juiz a quo pretende fazer crer no despacho saneador sentença recorrido, ao referir que dispensava a continuação da audiência prévia, o certo é que aquela nunca existiu, até porque, se assim não fosse, sempre os mandatários das partes teriam que ter sido notificados da mesma, ao abrigo do disposto no n.º 2, do citado artigo 591.º, o que nunca aconteceu;
14.ª - E se, por outro lado, o Meritíssimo Juiz a quo entendeu que podia haver lugar à dispensa de realização da dita audiência prévia, de acordo com o disposto no artigo 593.º do CPC, também de tal decisão deveriam ter notificados quer os Recorrentes, quer os Recorridos, para que se pudessem pronunciar sobre tal dispensa, em cumprimento do princípio do contraditório, o que também não aconteceu;
15.ª - Tal omissão traduz-se em nova numa violação do princípio do contraditório, o que constitui nulidade processual, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 195.º do CPC, a qual aqui igualmente se argui;
16.ª - Se o Meritíssimo Juiz a quo entendia já ter em seu poder todos os elementos necessários à prolação de uma decisão de mérito, sempre teria que ter realizado a dita audiência prévia, pelo menos com vista a dar cumprimento ao estatuído na al. b), do n.º 1, do artigo 591.º do CPC, o que também não fez e constitui mais uma nulidade processual, ao abrigo do disposto no artigo 195.º do CPC, a qual enferma de nulidade o próprio despacho saneador sentença recorrido, por força do estatuído no artigo 615.º, n.º 1, al. d) (Vejam-se por todos neste sentido, o douto Aresto do Tribunal da Relação de Évora, de 10/05/2018, proferido no âmbito do processo n.º 2239/15.5T8ENT-A.E1, relatado por Mata Ribeiro,) e os doutos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 23/06/2016 e 17/03/2016, proferidos no âmbito dos processos n.ºs 1937/15.8T8BCL.S1 e 1129/09.5TBVRL-H.G1.S1, respectivamente, todos disponíveis in www.dgsi.pt);
17.ª - Em sede de embargos, vieram os ora Recorridos invocar que a sentença homologatória de transacção dada à execução não constituía título executivo, porquanto da mesma não resultava qualquer obrigação/condenação, mas apenas direitos para ambas as partes;
18.ª - De acordo com a transacção celebrada, da totalidade dos €20.070,92, os Recorridos tinham o direito a ficar com € 10.570,92 e os Recorrentes tinham direito a receber € 9.500,00, sendo que o dito montante de € 20.70,92 resulta do arresto do remanescente do penhor constituído junto daquele banco pelos então Embargantes;
19.ª - Se foram os Embargantes a constituir tal penhor, sob a forma de seguro de vida, só eles, mais concretamente, o Recorrido marido, tinham acesso a movimentar o dito montante de €20.070,92, pelo que também neste aspecto não colhem os argumentos dos Recorridos, uma vez que, ainda que não conste da sentença homologatória dada a execução, explicitamente, quem terá que entregar o dinheiro a quem, o certo é que só eles podem movimentar o dinheiro em questão (Veja-se por todos neste sentido, o douto Aresto do Tribunal da Relação do Porto, de 09/06/2011, proferido no âmbito do processo n.º 4216/08.3TBVNG-A.P1, relatado por Maria Catarina, disponível in www.dgsi.pt);
20.ª - Prova disso, é que a própria instituição do Banco B, informou o mandatário dos Recorrentes, de que tal quantia apenas podia ser movimentada pelos então Embargantes e que, para se proceder à dita divisão, era necessário que aqueles assinassem um impresso destinado à libertação do dito penhor, subscrevendo, também, uma ordem de transferência no montante de €9.500,00 para a conta dos aqui Recorrentes – o que aqueles nunca fizeram, apesar de tais impressos terem sido entregues pelo mandatário dos Recorrentes ao Ilustre Mandatário dos Recorridos e terem existido várias insistências nesse sentido;
21.ª - A sentença homologatória dada à execução nos presentes autos, enquanto sentença condenatória, é, assim, título executivo bastante (cfr. Eurico Lopes Cardoso in “Manual da acção executiva”, ed. Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1987, págs. 42 e 43, José Lebre de Freitas in “A Acção Executiva depois da reforma da reforma”, 5.ª edição, págs. 51 e 52 e Fernando Amâncio Ferreira in Curso de Processo de Execução, 13.ª ed., 2010, pág. 26);
22.ª - Em sede de embargos, vieram os Recorridos alegar que ainda que a dita sentença homologatória dada à execução consubstanciasse título executivo, o certo é que da mesma não resultava uma obrigação com prazo certo, e que, alegadamente, nunca foram interpelados pelos aqui Recorrentes para proceder a qualquer divisão, pelo que nunca incorreram em mora;
23.ª - Os Recorridos bem sabem – ou pelo menos, o seu Mandatário – que o aqui signatário, na qualidade de mandatário constituído pelos Recorrentes, não só solicitou, por diversas vezes, que os mesmos procedessem à divisão da dita quantia de € 20.070,92 – que, repita-se, só aqueles podiam movimentar e, consequentemente, dividir, cumprindo, assim, com aquilo a que se obrigaram – como também entregou ao Ilustre Mandatário dos Recorridos uns impressos bancários, que desde que fossem assinados por aqueles, resolviam definitivamente a questão, mas tais nunca foram assinados;
24.ª - A partir do momento que o aqui signatário contactou o Ilustre Mandatário dos Recorridos, solicitando que os mesmos diligenciassem no sentido de procederem à divisão da dita quantia de € 20.070,92, nomeadamente através da assinatura dos mencionados impressos bancários, ficou mais que evidente a existência de interpelação, a qual, aliás, reveste o carácter de admonitória, porquanto o aqui signatário informou, expressamente, o Ilustre Mandatário dos Recorridos de que, caso a transacção não fosse cumprida pelos Recorridos no prazo indicado, seria instaurada a competente execução;
25.ª - Daí, ser assaz curioso e demonstrador de manifesta má fé, o facto do Ilustre Mandatário dos Recorridos dizer que nunca foi interpelado pelo ora signatário, quando não só recebeu os ditos impressos bancários pessoalmente, no seu escritório – que, por sinal, até fica no mesmo piso do escritório do aqui signatário – como depois até se pronunciou telefonicamente sobre os mesmos, mais do que uma vez, o que foi presenciado por colaboradores do escritório do aqui signatário;
26.ª - Não fosse a precipitação do Meritíssimo Juiz a quo ao proferir uma decisão de mérito sem, previamente, ter em seu poder todos os elementos necessários à boa decisão da causa, nomeadamente no que concerne ao plano da prova, os aqui Recorrentes conseguiriam ter provado, sem margem para dúvidas, tais interpelações, designadamente interpelação admonitória, em sede de audiência de discussão e julgamento, através da produção de prova testemunhal;

ACRESCE QUE,
27.ª - Ainda que não tivesse ocorrido a referida interpelação admonitória, previamente à instauração da dita acção executiva – o que não se concede, nem concebe, e apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona – o certo é que, sempre a citação dos Recorridos para a dita execução, valeria como interpelação (veja-se por todos neste sentido o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25/10/2012, proferido no âmbito do processo n.º 73127/05.0YYLSB-A.L1.S1, relatado por Lopes do Rego e disponível in www.dgsi.pt);

SEM PRESCINDIR,
28.ª - Mesmo que se admitisse que assiste qualquer direito aos Recorridos, o que não se concebe, nem concede e apenas por mera cautela de patrocínio se equaciona, o certo é que ainda que se entendesse que o Ilustre Mandatário dos então Embargantes nunca tinha sido contactado pelo mandatário dos ora Recorrentes – o que é rotundamente falso e ofensivo – nem por isso lhes assistiria razão para se oporem à execução, pois, como já se viu, o título executivo resultou de uma transacção efectuada entre as partes e como fiel expressão das suas vontades, que foi demoradamente negociada e através da qual ambas quiseram e ficaram conscientes do dever de partilhar a dita quantia de € 20.070,92;
29.ª - Alegar, como alegam os Recorridos, que nenhuma obrigação têm perante os ora Recorrentes, nada mais traduz, senão o manifesto abuso de direito com que litigam, enquanto venire contra factum proprium, pois aquando da transacção celebrada, os Recorridos sabiam que os Recorrentes tinham direito a receber a quantia de € 9.500,00, que só eles podiam movimentar, tendo estes últimos a plena confiança de que a iriam receber;
30.ª - Esta situação objectiva de confiança, traduziu-se numa conduta dos Recorridos, que não poderia deixar de ser entendida pelos Recorrentes como uma tomada de posição vinculativa relativa a dada situação futura, sendo merecedora de tutela jurídica, uma vez que levou os Recorrentes a organizar planos de vida que não conseguiram alcançar, já que confiança veio a ser frustrada pelo comportamento assumido pelos Recorridos (veja-se por todos neste sentido, o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12/02/2009, proferido no âmbito do processo n.º 4069/08, citado noutro Acórdão deste mesmo Tribunal, de 19/11/2015, proferido no âmbito do processo n.º 884/12.0TVLSB.L1.S1, relatado por Lopes do Rego e disponível in www.dgsi.pt);
31.ª - Os Recorridos litigam, assim, com manifesto abuso de direito e má-fé, assumindo uma posição reveladora da frontal violação do princípio da cooperação e do dever de boa-fé processual, que se encontram legalmente consagrados nos artigos 7.º e 8.º do Código de Processo Civil, apenas objectivando protelar a realização da justiça devida, bem espelhada num acordo em que os mesmos foram parte activa;
32.ª - A decisão ora em recurso violou, pelo menos, os artigos 13.º e 20.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, os artigos 3.º, n.º 3, 195.º, 591.º, n.º 1, al. b) e 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, e o artigo 334.º do Código Civil”.

Pugnam os Recorrentes pela procedência do recurso.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.
***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos Recorrentes, são as seguintes:

1 – Saber se foi violado o princípio do contraditório;
2 - Saber se a obrigação é exigível;
3 – Saber se se verifica abuso de direito.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

As incidências fáctico-processuais a considerar são as descritas no relatório e na decisão recorrida.

Relembra-se aqui o teor do despacho recorrido:

“(…) Cumpre decidir:

A exequibilidade de uma pretensão depende de fatores intrínsecos (respeitantes "à inexistência de qualquer vício material ou exceção perentória que impeça a realização coativa da prestação") e extrínsecos (respeitantes à incorporação da pretensão num "documento que formaliza, por disposição da lei, a faculdade de realização coativa da prestação não cumprida" - Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, LEX, 1997, pag. 607), e que o título executivo representa, constituindo aquilo a que vem a doutrina chamando de exequibilidade extrínseca ("característica atribuída à pretensão pelo título executivo; ela é um corolário da documentação do respetivo dever de prestar nesse título executivo" - Miguel Teixeira de Sousa, A exequibilidade da pretensão, Edições Cosmos, 1991, pag. 16 ; Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, LEX, 1997, pag. 607 ; Acção Executiva, LEX, 1998, pags. 63 a 67 ; Lebre de Freitas, A Acção Executiva à Luz do Código Revisto, 2ª edição, Coimbra Editora, 1997, pags. 61-62), em contraposição à intrínseca (conformidade entre o título executivo apresentado e a obrigação exequenda subjacente - cfr., Teixeira de Sousa, obs. cits. pags. 18, 610 e 95-96, respetivamente; Lebre de Freitas, ob. loc. cit.).

Certa será, assim, a obrigação cujo objeto se encontra determinado e exigível aquela que se encontra vencida, por se mostrar ultrapassado o prazo, legal ou convencional, do cumprimento da mesma.

A exequibilidade dessa obrigação é, portanto, um pressuposto ou condição relativa à execução, dado que se a obrigação ainda não é exigível, não se justifica proceder à realização coativa da prestação.

A prestação liquida só é, portanto, exigível quando a obrigação se encontrar vencida (obrigação com prazo certo) ou o seu vencimento estiver depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do artigo 777.º, n.º 1, do Código Civil, de simples interpelação do devedor.

A inexigibilidade da obrigação constitui fundamento de oposição à execução que, caso seja julgada procedente, determina a extinção da execução e a “caducidade” de todos os efeitos nela produzidos, como, por exemplo, a penhora ou a venda executiva dos bens penhorados, conforme resulta do disposto no artigo 732.º, nº 4, do C.P.C..

Sobre a exequibilidade dos títulos apresentados à execução pronunciou-se doutamente o V.T.R.P., no Ac. datado de 29-01-2015, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/9bdc6dc60effbe2680257de7005a44e3?OpenDocument. nos seguintes termos: “ (…) com o título executivo não se confunde a exigibilidade da obrigação exequenda que, como dissemos, é também um pressuposto material específico da ação executiva. A obrigação é exigível quando se encontra já vencida, ou quando o seu vencimento depende, seja por estipulação das partes, seja por aplicação do nº 1 do artº 777º do CC, de mera interpelação dirigida ao devedor. Ao invés, a obrigação é inexigível quando, não tendo ocorrido o vencimento, este não está dependente de mera interpelação. É este o caso quando: - tratando-se de uma obrigação de prazo certo, este ainda não decorreu (artº 779º do CC); - o prazo é incerto e a fixar pelo tribunal (artº 777º, nº2 do CC); - a constituição da obrigação foi sujeita a condição suspensiva, que ainda não se verificou (artºs 270º do CC); - em caso de sinalagma, o credor não satisfez a contraprestação (artº 428º do CC). Não resultando a exigibilidade da obrigação exequenda diretamente do título executivo, impõe-se que seja feita a prova complementar do título a que se refere o artº 804º. Segundo Lebre de Freitas, os nºs 1 a 4 daquele preceito têm alcance geral, pelo que se aplicam, para além dos casos neles especialmente previstos (obrigação dependente de uma condição suspensiva ou duma prestação por parte do credor ou de terceiro) a todos aqueles em que a certeza e a exigibilidade não resultam do título executivo, mas já se verificavam antes da propositura da ação executiva, assim como ainda àqueles em que, sendo a prestação exigível em face do título, o credor queira provar que ocorreu o vencimento e a mora do devedor, para evitar a condenação em custas.

No caso em apreço, é pacífico para ambas as partes que os exequentes nunca interpelaram os ora embargantes para diligenciarem pela concretização dessa transação (obrigação de dividir a quantia pecuniária em causa).

Ora, considerando que a obrigação exequenda não tem um prazo fixo é fundamental, como reclamam os ora embargantes, que exista essa prévia interpelação dos putativos credores aos putativos devedores, o que manifesta e confessadamente não aconteceu.- sobre a interpelação do credor v.d. Gaivão Telles, in Direito das Obrigações, 5a edição, 218.

E não o tendo feita essa interpelação, não podemos deixar de sufragar a tese dos embargantes porquanto a transação por si só (único título apresentado à execução), dada a ausência de qualquer prazo fixo acordado entra as partes para a sua concretização, necessitava da reclamada interpelação, o que não se verificou.

Neste contexto, não se verificando tal interpelação, a obrigação em apreço não se encontra vencida e, por conseguinte, não é exigível”.

Começam os Recorrentes por sustentar que foi violado pelo tribunal a quo o princípio do contraditório e que o saneador sentença proferido constitui uma decisão surpresa, devendo ter sido dada oportunidade aos Recorrentes de se pronunciarem sobre as questões de direito susceptíveis de virem a integrar a base da decisão, não tendo sido consultados para a dispensa da audiência prévia, a qual deveria ter sido realizada se o tribunal a quo entendia que tinha já em seu poder todos os elementos necessários à prolação de uma decisão de mérito.

Não lhes assiste contudo razão.

Os Embargantes invocaram nos presentes autos que os Recorrentes não dispõem de título executivo e que nunca os interpelaram para o cumprimento de qualquer obrigação, designadamente para a pretensa obrigação de dividir, inexistindo por isso mora da sua parte o que torna, em seu entender, inexigível a obrigação e inexistente o título executivo.

Na decisão recorrida o tribunal a quo conheceu da excepção da “ inexistência de título executivo” suscitada pelos Embargantes e entendeu que em face do título executivo apresentado à execução (sentença homologatória da transacção), e na ausência de qualquer prazo fixado, se mostrava necessário demonstrar a interpelação dos Executados, concluindo que a obrigação em apreço não se encontrava vencida e por isso não era exigível, tendo determinado a extinção da execução.

Relativamente a tais questões suscitadas pelos Embargantes (inexistência de titulo executivo e inexigibilidade da obrigação) pronunciaram-se os Recorrentes no articulado de contestação que apresentaram nos presentes autos; mostra-se pois plenamente exercido o contraditório pelos Recorrentes não se podendo afirmar de forma alguma que o saneador constitua dessa forma uma decisão surpresa.

Por outro lado, conforme decorre do preceituado no artigo 597º do Código de Processo Civil (aplicável por força do disposto no n.º 2 do artigo 732º e em face do valor dos presentes autos) “é ao juiz que cabe definir quais os trâmites processuais que devem ser seguidos tendo em conta a natureza e a complexidade da acção e a necessidade e adequação dos actos ao seu julgamento” (António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, página 703) designadamente assegurando o contraditório face a excepções não debatidas nos articulados, convocando audiência prévia, proferindo despacho saneador nos termos do n.º 1 do artigo 595º, proferindo o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596º ou designando logo dia para a audiência final, consoante a situação concreta.

Ora, estando em causa conhecer da inexistência de título executivo e da inexigibilidade da obrigação e mostrando-se exercido o contraditório pelos Recorrentes não vemos que no caso concreto as questões a decidir aconselhassem que fosse convocada a audiência prévia e nem que as partes tivessem de ser consultadas sobre a sua não realização.

Do exposto decorre não ter sido violado o preceituado no n.º 3 do artigo 3º e nem no artigo 591º (in caso é aliás aplicável o artigo 597º) do Código de Processo Civil e nem cometida nulidade processual, não se vislumbrando qualquer violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e da proibição da indefesa.

Os Recorrentes invocam ainda a nulidade da decisão recorrida por excesso de pronuncia (artigo 615º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil) por entenderem que, verificando-se a nulidade processual decorrente da omissão do exercício do contraditório, a decisão recorrida pronunciou-se sobre questões que não podia conhecer sem audição a parte e como tal é nula por excesso de pronuncia.

Conforme já referimos não se verifica a invocada nulidade processual pelo que, consequentemente, se não verifica a invocada nulidade por excesso de pronúncia.

Improcede pois nesta parte o recurso.

Os Recorrentes sustentam também que a sentença homologatória da transacção é título bastante e ainda que a obrigação é exigível, argumentando nesta parte que ocorreu interpelação prévia à instauração da execução mas que ainda que não tivesse ocorrido sempre a citação para a acção executiva valeria como interpelação.

Vejamos então se nesta parte lhes assiste razão.

A exequibilidade do direito à prestação depende desde logo de o mesmo se encontrar incorporado num documento, denominado pela lei de título executivo.

Este consubstancia, assim, um pressuposto específico da acção executiva, condicionando, portanto, a executoriedade do direito; e isto porque o legislador considerou que apenas nessas hipóteses (de corporeidade do direito) existe um relativo grau de certeza que justifica a admissibilidade daquela acção, o qual determina, nessa esteira, o fim e os limites (objectivos e subjectivos) da execução, conforme se estatui no artigo 10º n.º 5, do Código de Processo Civil (cfr. também o artigo 53º).

É que a realização coactiva da prestação faculta ao credor o emprego de meios agressivos do património do devedor e nessa medida, a ordem jurídica só reconhece força executiva a determinados documentos.

O actual artigo 703º do Código de Processo Civil (correspondendo parcialmente ao anterior artigo 46º) enumera nas suas alíneas quatro espécies de título executivo: as sentenças condenatórias, os documentos exarados ou autenticados por notário ou outras entidades ou profissionais com competência para tal que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação, os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo e os documentos a que, por disposição legal especial, seja atribuída força executiva.

No caso concreto o título executivo é a sentença homologatória de transacção proferida na acção n.º 55/15.3T8GMR.

Na categoria das sentenças condenatórias cabem as sentenças homologatórias, designadamente a sentença homologatória de transacção. E não há dúvidas, assim, que a sentença homologatória junta aos autos constitui título exequível de harmonia com o disposto na alínea a) do referido artigo 703º.

Conforme decorre da decisão proferida em 1ª Instância o que se mostra questionado pelo tribunal a quo não é a existência de título executivo e nem que do mesmo resulte uma obrigação, mas que tal obrigação não tendo prazo fixo não é exigível por não ter ocorrido interpelação prévia.

É pois a questão da (in) exigibilidade da obrigação que importa solucionar.

Como refere Lebre de Freitas (A Acção Executiva – À Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª edição, GESTLEGAL, 2017, página 39 e seguintes) para que possa ter lugar a realização coactiva de uma prestação devida “há que satisfazer dois tipos de condição, dos quais depende a exequibilidade do direito à prestação”, o dever de prestar deve constar de um título, o título executivo (“pressuposto de carácter formal que extrinsecamente condiciona a exequibilidade do direito”) e a prestação deve mostrar-se certa, exigível e liquida (“pressupostos de caracter material que intrinsecamente condicionam a exequibilidade do direito na medida em que sem eles não é admissível a satisfação coactiva da prestação”).

Aliás prevê o artigo 713º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe de “Requisitos da obrigação exequenda”, que a execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo.

Enquanto pressupostos processuais o título executivo e a verificação da certeza e da exigibilidade são assim requisitos de admissibilidade da acção executiva “sem os quais não têm lugar as providências executivas que o tribunal deverá realizar com vista à satisfação da pretensão do exequente e que são, no processo executivo, o equivalente à decisão de mérito favorável no processo declarativo” (José Lebre de Freitas, Ob. Cit. página 43, citando João de Castro Mendes).

Quanto à certeza e exigibilidade da obrigação importa salientar que apenas constituirão pressupostos autónomos da acção executiva quando não resultem do título executivo.

No caso em apreço interessa-nos considerar o requisito da exigibilidade pois que o tribunal a quo entendeu que tal pressuposto se não verifica e por via disso determinou a extinção da instância executiva sendo contra esse entendimento que aqui se insurgem os Recorrentes.

A prestação é exigível “quando a obrigação se encontra vencida ou o seu vencimento depende, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do artigo 777º n.º 1 do Código Civil de simples interpelação ao devedor”, não sendo exigível quando não tendo ocorrido o vencimento este não está dependente de interpelação (José Lebre de Freitas, Ob. Cit. página 100 e 101).

Podemos pois falar em prestação exigível se a obrigação está vencida mas também nos casos em que o vencimento da obrigação depende de mera interpelação de devedor (cfr. artigo 777º n.º 1 do Código Civil; v. ainda Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Acção Executiva Anotada e Comentada, 2ª Edição, 2017, página 179), sendo que a prestação não é exigível quando não tendo ocorrido o vencimento este não está apenas dependente de mera interpelação; é o caso da obrigação de prazo certo quando o vencimento ainda não decorreu (artigo 779º do Código Civil), quando o prazo é incerto e a fixar pelo tribunal (artigo 777º n.º 2 do Código Civil), a constituição da obrigação fica sujeita a condição suspensiva que ainda se não verificou (artigo 715º n.º 1 do Código Civil) ou em caso de sinalagma quando o credor não satisfez a contraprestação.

Ora, no caso concreto a obrigação não tem efectivamente um prazo certo de cumprimento, mas tal não significa, em nosso entender, que não seja exigível.

Vejamos.

Conforme referimos a obrigação é exigível quando, à data da propositura da execução, se encontre vencida ou se vença mediante interpelação.

O que está aqui em causa é que ao tempo da citação exista uma obrigação que o executado deva cumprir e que seja quantitativa e qualitativamente determinada e não propriamente o incumprimento da obrigação; a este propósito escreve-se no Acórdão desta Relação de 18/10/2018 (relator Pedro Damião e Cunha, processo n.º 3841/17.6T8GMR-A) citando Rui Pinto que “o facto negativo do incumprimento não chega a incorporar a causa de pedir, seja declarativa, seja executiva. O Autor/exequente não tem de alegar e provar que a obrigação não foi pontual e integralmente cumprida. Relembre-se que … a causa de pedir, tanto condenatória, como executiva, são os factos constitutivos ou aquisitivos do direito a uma prestação. São estes que têm que ser demonstrados, pela prova ou pelo título executivo, respectivamente. Caberá ao Réu alegar o cumprimento ou facto equivalente como excepção peremptória extintiva…”. (E mais à frente…) “Portanto, e em termos simples, a obrigação exigível é a obrigação que está em tempo de cumprimento - obrigação actual”. A obrigação é, assim, exigível quando, à data da propositura da execução, se encontre vencida ou se vença mediante interpelação, ainda que judicial”.

A este propósito refere também Lebre de Freitas (ob. cit. página 101) que o conceito de exigibilidade não se confunde com o de vencimento e nem com o de mora do devedor.

Um dos casos em que a obrigação se tem que considerar vencida é quando a obrigação está sujeita a prazo certo (constante do próprio título executivo) e o prazo já decorreu: só decorrido este a execução é possível pois até ao dia do vencimento a prestação não é exigível; uma vez vencida a obrigação ela é exigível e exequível.

Mas não é este o único caso; também no caso das obrigações puras (artigo 777º n.º 1 do Código Civil) cujo devedor não tenha ainda sido interpelado a obrigação é exigível ainda que não esteja vencida pois o vencimento depende do acto de interpelação e esta pode ser judicial, equivalendo a citação a interpelação.

Conforme decorre do nº 1 do referido artigo 777º na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela; se, porém, se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, e as partes não acordarem na sua determinação, a fixação dele é deferida ao tribunal (n.º 2) e se a determinação do prazo for deixada ao credor e este não usar da faculdade que lhe foi concedida, compete ao tribunal fixar o prazo, a requerimento do devedor (n.º 3).

As obrigações puras são aquelas em que o vencimento “fica na dependência da vontade das partes: em qualquer altura o credor pode reclamar o cumprimento ou o devedor oferecer-lho”, sendo a interpelação, que pode ser judicial ou extrajudicial, o “acto pelo qual o credor exige ou reclama do devedor o cumprimento da obrigação”; consoante a “interpelação seja feita por intermédio dos tribunais ou pelo próprio credor, a interpelação diz-se judicial ou extrajudicial. Estatui, na verdade, o art. 805º, no seu nº 1, que o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir”, “a interpelação judicial realiza-se mediante notificação avulsa (CPC, arts. 228º, nº2, 261º e 262º) ou citação do devedor para a acção ou execução (CPC, arts. 228º, nº 1, 662º, nº 2, al. b) e 466º, nº 1). Quanto à interpelação extrajudicial, pode ser feita através de qualquer um dos meios que a lei admite para uma declaração negocial, isto é verbalmente ou por escrito (CC, arts. 217º e 224º); importará, todavia, que o credor acautele a respectiva prova (ex. realizando a interpelação em carta registada com aviso de recepção)” (Mário Júlio de Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 12ª Edição Revista e Actualizada, 3ª reimpressão, páginas 1007 a 1011).

A este propósito refere também Brandão Proença (citado no referido acórdão desta Relação) que: “Funcionalmente, a interpelação visa comunicar ao devedor que deve cumprir, devendo ser feita em termos concordantes com a boa-fé, ou seja, evitando o credor uma interpelação-surpresa e fixando, sendo necessário, um prazo razoável para o devedor cumprir após a interpelação. Estruturalmente, a interpelação é um acto jurídico unilateral receptício realizado extrajudicialmente sem particulares exigências formais (para efeitos probatórios não deve ser dispensada a carta registada com aviso de recepção) ou judicialmente mediante notificação avulsa (cfr. art. 256º do CPC) ou citação na acção de cumprimento (cfr. os arts. 219º e 610º, nº2, al. b) do CPC). Esta mera interpelação que é um simples pressuposto da exigibilidade do cumprimento (com interesse para o disposto no art. 713º do CPC) não deve ser confundida com a chamada interpelação cominatória feita pelo mesmo credor e que, pressupondo a mora do devedor, visa… dar-lhe uma última oportunidade de cumprir”.

No caso concreto, nada tendo ficado estabelecido quanto ao prazo da obrigação resultante do título dado à execução, a obrigação dos executados era uma obrigação pura nos termos referidos, cujo cumprimento os exequentes (credores) podiam exigir a todo o tempo (assim como os executados/devedor podiam a todo o tempo exonerar-se – cfr. nº 1 do referido artigo 777º).

Daqui decorre que o cumprimento podia ser exigido pelos Recorrentes a todo o tempo, independentemente da concessão de qualquer prazo pois que, ressalvados os casos em que a natureza da obrigação, as circunstâncias que a determinaram ou por força dos usos se imponha outra solução, o legislador não exige a fixação judicial prévia de um prazo para o seu cumprimento.

No caso concreto, a obrigação exequenda, não assume qualquer natureza excepcional, pelo que era exigível a todo o tempo, independentemente da fixação prévia de qualquer prazo, seja por interpelação extrajudicial, seja por interpelação judicial, pelo que terá de considerar-se verificado o pressuposto da exigibilidade da obrigação.

Conforme refere Lebre de Freitas (ob. cit. página 111) o vencimento depende neste tipo de obrigações do acto de interpelação e “tratando-se de prestações exigíveis a todo o tempo, a citação equivale a interpelação se esta não tiver lugar anteriormente”. Se a interpelação não foi efectuada previamente a acção executiva pode ter lugar mas terá como consequência que o seu autor pagará as custas, e se a interpelação tiver sido previamente realizada incumbirá ao credor/exequente provar que a realizou devidamente para também assim evitar a sua condenação em custas.

Também neste sentido João de Castro Mendes (Direito Processual Civil, IIIº Vol, revisto e Actualizado, página 281) refere que se “a obrigação não está vencida, das duas uma: ou só falta a interpelação e então vale como tal a citação para a acção executiva (citação para pagar (…) ou para entregar a coisa (…). Trata-se de uma interpelação judicial, nos termos do artigo 805º, n.º 1, do Código Civil. Nesse momento (…) vence-se a obrigação. A acção executiva prossegue. Se falta outro requisito –prazo, por exemplo – não é possível a acção executiva.”

Assim, no caso concreto a obrigação, é exigível como se venceu com a interpelação/citação na execução, não relevando para preencher o pressuposto da exigibilidade a demonstração da interpelação prévia, pelo que discordamos nesta parte do decidido em 1ª Instância. É que, conforme referimos o conceito de exigibilidade não tem de se confundir com o de vencimento (e nem com o de mora do devedor) podendo haver obrigação ainda não vencida, mas exigível, como é o caso da obrigação pura, e obrigação vencida, mas ainda não exigível, como ocorre com a obrigação vencida em que o credor se encontra em mora.

A questão da ausência de interpelação prévia, a que também se referem os Recorrentes, ainda que a propósito do pressuposto da exigibilidade (questão também suscitada pelos Executados nos presentes embargos por referência ao pressuposto da exigibilidade e apreciada pelo tribunal a quo a esse propósito) não contende, como já se referiu, propriamente com a questão da exigibilidade; mas esta questão releva contudo para a mora do devedor e para a responsabilidade pelas custas da execução.

A este propósito argumentam os Recorrentes que o tribunal a quo não dispunha de todos os elementos para decidir e se pronunciar no sentido da ausência de interpelação prévia por entenderem que permanecem controvertidos os factos e deveria ter sido dada oportunidade aos Recorrentes de fazerem prova do por si alegado.

Entendemos contudo que não lhes assiste razão.

Vejamos o que foi alegado pelos Recorrentes a propósito da interpelação dos Executados em momento anterior à instauração da execução.

E começamos por analisar o requerimento executivo para concluir que nenhum facto concreto foi alegado no mesmo quanto a essa interpelação, tendo-se limitado os Recorrentes a alegar de forma genérica que até à presente data os Executados não procederam à divisão da quantia e nem pagaram qualquer quantia por conta da mesma “apesar de diversas vezes instados para o efeito na pessoa do seu Ilustre Mandatário; e em sede de contestação apresentada nos presentes embargos concretizaram apenas que efectuadas diversas diligências junto do Banco A (que já anteriormente não libertara a quantia arrestada o que motivara a subscrição conjunta de um requerimento no âmbito da acção n.º 55/15.3T8GMR), alegadamente efectuadas com conhecimento do Ilustre Mandatário dos Embargantes, não lograram que aquele lhes entregasse a quantia em causa tendo sido informado pelo gerente que para ultrapassar a situação os Executados teriam de assinar uns impressos; mais alegaram ter explicado a situação ao Ilustre Mandatário dos Embargantes e deixado tais impressos no escritório deste que dias mais tarde informou que os seus clientes não estariam dispostos a colaborar e a quem teria sido explicado que a falta de colaboração dos Embargantes levaria a recorrer a tribunal executando a sentença.

Ora, tais factos, tal como foi entendimento do tribunal a quo, não consubstanciam a interpelação dos Embargantes para cumprimento da obrigação; de facto, do alegado pelos Recorrentes ressalta até que estes parecem imputar o incumprimento ao Banco A (veja-se o requerimento conjunto apresentado na acção requerendo a notificação para proceder à entrega do capital aos Autores e aos Réus e as diligências alegadamente levadas a cabo junto do mesmo), solicitando a colaboração dos Embargantes para ultrapassar as dificuldades por aquela instituição colocadas.

Se, a ser verdade o alegado pelos Recorrentes, em face do pedido de colaboração formulado, seria expectável que o bom senso imperasse e esta fosse naturalmente obtida pois que em causa estaria tão só a assinatura de impressos bancários de forma a que o Banco A disponibilizasse o montante em causa aos Recorrentes (um gesto de aparente singeleza que evitaria a interpelação para cumprimento e a eventual instauração de acção executiva) a verdade é que não podemos concluir pela verificação de interpelação para cumprimento da obrigação.

Assim, o prosseguimento dos autos para audiência final para produção de prova resultaria sempre inútil pois os factos alegados pelos Recorrentes, ainda que a provarem-se, não permitiriam retirar conclusão distinta da que foi já retirada em 1ª Instância no sentido de não ter sido levada a cabo a interpelação prévia dos Embargantes, estando reunidos todos os pressupostos que permitiam decidir as questões colocadas nos Embargos de executado em sede de saneamento do processo, sem necessidade de realização de audiência final.

Pelo exposto, entendemos que não procede a argumentação dos Recorrentes de pretenderem o prosseguimento dos autos para produção de prova em audiência.

Contudo, e como já vimos, a ausência de citação prévia, ao contrário do que foi defendido pelo Embargantes e decidido pelo tribunal a quo, não torna inexigível a obrigação e nem é obstáculo ao prosseguimento da execução, tendo ocorrido a interpelação judicial com a citação para a execução.

Existindo no caso concreto o título executivo e mostrando-se exigível a obrigação impõe-se concluir estarem reunidos os pressupostos processuais para admissibilidade da execução pelo que se revoga a decisão recorrida e, julgando improcedentes os embargos, determina-se o prosseguimento da execução onde se encontra já penhorada a quantia, ficando ainda prejudicado o conhecimento da questão do abuso de direito.
As custas dos embargos de executado e do presente recurso são da responsabilidade dos Embargantes em face do seu decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
***
SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil):

I - A obrigação é exigível quando à data da propositura da execução se encontre vencida ou o seu vencimento dependa, de acordo com estipulação expressa ou com a norma geral supletiva do artigo 777º n.º 1 do Código Civil, de simples interpelação ao devedor, ainda que judicial, não sendo exigível quando, não tendo ocorrido o vencimento, este não está dependente apenas de interpelação.
II - Do facto de a obrigação não ter um prazo certo de cumprimento (obrigação pura), não decorre que a mesma não seja exigível;
III - Nas obrigações puras o vencimento fica na dependência da vontade das partes, ou seja em qualquer altura o credor pode reclamar o cumprimento ou o devedor oferecer-lho, sendo a interpelação, que pode ser judicial ou extrajudicial, o “acto pelo qual o credor exige ou reclama do devedor o cumprimento da obrigação”;
IV. No caso concreto, sendo a obrigação exigível a todo o tempo independentemente da fixação prévia de qualquer prazo, dependendo o seu vencimento de simples interpelação e valendo como interpelação (judicial) a citação para a acção executiva, é de considerar verificado o pressuposto da exigibilidade da obrigação.
***
IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em, na procedência da apelação, revogar a decisão recorrida e, julgando improcedentes os embargos de executado, determinar o prosseguimento da execução.
Custas dos embargos de executado e da apelação pelos Embargantes.
Guimarães, 17 de Janeiro de 2019
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares
Margarida Almeida Fernandes
Margarida Sousa