Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ALEXANDRA ROLIM MENDES | ||
Descritores: | DIREITO DE PREFERÊNCIA EXCEPÇÃO ÓNUS DA PROVA DIREITOS DE TERCEIRO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/29/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | 1 - O art. 1381º, al. a), 2ª parte do C. Civil afasta a preferência do proprietário confinante quando algum dos terrenos se destine a algum fim que não seja a cultura. 2 - O funcionamento desta exceção, impeditiva do exercício do direito de preferência, acarreta para quem a invoca o ónus da respetiva prova. 3 - A procedência da ação de preferência tem como resultado a substituição, com eficácia ex tunc, do adquirente pelo preferente. 4 - Os direitos dos subadquirentes são ineficazes em relação ao titular do direito real de preferência. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Relatório: AA propôs a presente ação declarativa contra BB, CC, DD, EE; contra T... Unipessoal Lda e contra FF e GG, para exercício de alegado direito de preferência. Para tanto, alegou ser dono de um terreno de cultivo e bravio com eucaliptal que confronta com terreno de lameiro e área declarada de 4.800m2, que pertencia aos 1.ºs RR e que estes venderam à 2.ª Ré, sem lhe dar conhecimento dos termos dessa venda e a oportunidade para poder exercer o seu direito de preferência. Que, entretanto, a 2.ª Ré transmitiu, mediante a contrapartida de preço, o dito terreno aos 3.º RR, que dele vêm fazendo uso. Os RR contestaram a ação, alegando a caducidade do direito do Autor e o destino que não de cultura para o terreno negociado e impugnando a demais factualidade alegada. Arguiram, ainda, a litigância de má fé do Autor. O Autor impugnou a má fé arguida e imputou-a aos RR. Os Réus responderam à má fé arguida no sentido da sua improcedência * Foi proferida sentença que julgou a ação improcedente.* Inconformados vieram os Autores recorrer formulando as seguintes Conclusões:1.ª - O Recorrente não se conforma com a sentença que julgou improcedente a presente ação e, em consequência, decidiu “(…) absolver os RR de todo o peticionado.”, uma vez que, sempre salvo o maior e o devido respeito, o Tribunal a quo decidiu mal a verdadeira questão jurídica que se encontra em discussão no âmbito destes autos, quer no que concerne à matéria de facto, quer no que respeita à matéria de direito, o que motiva o presente recurso; 2.ª - Em todo o caso, importa, desde logo, salientar que a decisão ora sob recurso padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, uma vez que padece de uma notória contradição entre a fundamentação e a decisão proferida a final – o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais; 3.ª - Como melhor resulta dos pontos 1. a 14., com exceção da expressão “chegou-se a cultivar aveia e cevada há cerca de 20 anos atrás, há muito que está inculto”, constante do ponto 4., da matéria de facto dada como provada, foram dados como provados todos os requisitos necessários ao exercício do direito de preferência, mas, mesmo assim, o Tribunal a quo acabou por julgar a ação totalmente improcedente, entendendo que não se verificavam todos os requisitos necessários ao exercício do direito de preferência; 4.ª - O que só se compreende porque o Tribunal recorrido, a par desses mesmos factos, considerou outros deles como provados, embora sem fundamento, para os quais procurou suporte jurídico que, de modo algum, pudessem levar à decisão ora em recurso; 5.ª - A sentença recorrida padece, ainda, da nulidade prevista na alínea d), do citado artigo 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, uma vez que se pronunciou sobre factos de que não podia tomar conhecimento; 6.ª - De facto, o Tribunal recorrido deu como provada a matéria constante do ponto 20. dos factos provados – “Sendo certo que esse projeto se encontra(va) adiado em virtude da situação de pandemia de Covid19 que, entretanto, assolou o mundo” – mas o certo é que nenhuma prova foi feita a este respeito em sede de audiência de discussão e julgamento, pois tal matéria apenas foi alegada em sede de contestação pelos ora Apelados, tendo sido impugnada pelo aqui Apelante, ao abrigo do direito de resposta; 7.ª - Há, assim, um excesso de pronúncia, uma vez que a Meritíssima Juíza foi além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes, o que igualmente se invoca para todos os efeitos legais; 8.ª - Relativamente à matéria de facto, é de referir que alguns dos factos dados como provados não poderiam ter sido considerados como tal, não só porque em relação a alguns deles não foi produzida qualquer prova, como também pelo facto de a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento ter sido, em relação a alguns outros, em sentido integralmente oposto; 9.ª - Analisemos, desde logo, o ponto 4. dos factos dados como provados, de onde decorre que “4. O Autor, por si e antecessores, há mais de 15, 20 e 30 anos que vem pagando as contribuições e vem podendo dispor das utilidades da id. realidade predial (chegou-se a cultivar aveia e cevada há cerca de 20 anos atrás, há muito que está inculto) com o conhecimento da generalidade das pessoas, nomeadamente dos vizinhos da dita realidade e dos próprios primeiros RR., sem oposição de ninguém e à vista de toda a gente, dia-a-dia, ano-a-ano, com a consciência de não lesar o direito de quem quer que seja, com intenção e na convicção de que o mesmo lhe pertence em exclusivo.” – o que não espelha a realidade da prova constante dos autos e daquela que foi produzida em sede de audiência de discussão e julgamento; 10.ª - Neste ponto, o Tribunal a quo laborou em manifesto erro, pois em momento algum, foi feita qualquer prova em juízo no sentido de que o prédio do A. estivesse inculto e, muito menos, há mais de 20 (vinte) anos, pelo contrário; 11.ª - E prova disso, é precisamente aquilo que resulta das declarações prestadas pelo próprio A., aqui Recorrente, entre os minutos entre os minutos 00:02:22 e 00:02:36, onde este, quando questionado a instâncias da Meritíssima Juíza responde, de forma perentória, e em sentido afirmativo, que o seu terreno vir a ser cultivado ao longo dos anos, mais esclarecendo, entre os minutos 00:02:52 e 00:03:50 das suas declarações, que o campo que não vem sendo cultivado há muitos anos é, sim, aquele cuja venda está em causa nestes autos, e não o seu. 12.ª - Factos estes, inteiramente corroborados pela testemunha CC, jornaleiro, que na verdade é a pessoa responsável por tratar dos terrenos anteriormente pertencentes ao Sr. AA, isto é, ao pai do A., que entretanto foram doados a este e ao seu irmão, HH, ou seja, uma testemunha com conhecimento direto dos factos e cujo depoimento, no entender do Tribunal a quo, mereceu – e bem – credibilidade; 13.ª - No depoimento que prestou entre os minutos 00:04:17 e 00:04:49, esta testemunha não só demonstrou ter pleno conhecimento de ambos os campos em causa nestes autos (o do A. e o entretanto alienado), como também esclareceu, de forma absolutamente espontânea, que tem vindo a plantar feno no terreno do aqui Recorrente; 14.ª - Mais tendo esclarecido, entre os minutos 00:06:52 e 00:07:41 do seu depoimento, e à semelhança do Apelante, que o campo que não vem sendo cultivado – mas que já o tinha sido – é, tal como aquele referiu em sede de audiência de julgamento, o campo entretanto alienado e cuja venda está em crise nestes autos; 15.ª - Daí que não se compreenda e muito menos se aceite que o Tribunal recorrido tenha concluído e, consequentemente, dado como provado que o terreno do ora Recorrente “(…) há muito que está inculto”, mais concretamente, “(…) há cerca de 20 anos atrás”; 16.ª - Ainda mais, quando tudo quanto supra se expôs, também acaba por também ser corroborado ao longo do depoimento prestado pelo irmão do Recorrente, HH, mais concretamente, entre os minutos 00:03:19 e 00:04:07 e entre os minutos 00:05:22 e 00:05:30, que esclarece, de forma objetiva as características do terreno pertencente ao Recorrente, mais acrescentando que o dito jornaleiro, CC, tem utilizado o terreno para plantar erva, para dar de comer a animais, ou seja, o dito feno que a testemunha CC referiu aí cultivar e que, quer seu terreno, quer no terreno do Recorrente existem bastantes eucaliptos cuja venda, regra geral, fica a cargo do pai de ambos, ou seja, mais uma cultura que é feita nesse mesmo terreno; 17.ª - Depoimento este, que no entender do Tribunal a quo também mereceu, como devia, toda a credibilidade; 18.ª - Destarte, o facto dado como provado no ponto 4, deverá passar a ter a seguinte redação: “4. O Autor, por si e antecessores, há mais de 15, 20 e 30 anos que vem pagando as contribuições e vem podendo dispor das utilidades da id. realidade predial com o conhecimento da generalidade das pessoas, nomeadamente dos vizinhos da dita realidade e dos próprios primeiros RR., sem oposição de ninguém e à vista de toda a gente, dia-a-dia, ano-a-ano, com a consciência de não lesar o direito de quem quer que seja, com intenção e na convicção de que o mesmo lhe pertence em exclusivo.”; o Tribunal a quo deu como provado que: 19. A realidade predial id. em 5 e 6 foi transmitida para aí se estabelecer um parque de lazer e para “jogos de paintball”, não para o seu aproveitamento de cultura, agrícola, que já não se faz há mais de 20 anos” ; 20.ª - Ora, o facto acima transcrito refere-se diretamente à segunda venda, ou seja, àquela que foi efetuada pela 2.ª R. aos 3.ºs RR., mas o certo é que o ora Apelante exerceu o seu direito de preferência em relação à primeira venda, ou seja, aquela que foi efetuada pelos 1.ºs RR. à 2.ª R. T...– Unipessoal, Ld.ª, que é uma imobiliária; 21.ª - Venda essa, que como resulta à saciedade da prova produzida, em especial do depoimento prestado pela testemunha II, entre os minutos 00:01:35 a 00:02:08, 00:03:09 a 00:05:01, 00:06:17 a 00:06:51, 00:07:12 a 00:09:36, 00:13:17 a 00:13:41, 00:14:02 a 00:14:57 e 00:15:18 a 00:15:33, foi concretizada para posterior revenda do imóvel aqui em causa; 22.ª - E nessa medida, tal alienação nunca poderia afetar o direito de preferência exercido pelo Apelante, uma vez que o destino do prédio não foi alterado por força dessa primeira transação; 23.ª - De facto, se assim não fosse, o conteúdo do direito de preferência ficaria esvaziado de sentido, pois bastaria que se recorresse a este expediente – prévia transmissão do imóvel a uma imobiliária – para obstar a que esse direito fosse exercido; 24.ª - E saliente-se, que aqui não podemos, como a Meritíssima Juíza do Tribunal recorrido fez, na parte da sentença recorrida com a epígrafe “II.B. Do Direito”, tratar as duas vendas efetuadas como um só negócio, ao permitir-se afirmar, também, que “(…) a realidade predial inicialmente dos 1.ºs RR foi vendida para revenda e para ser explorada com atividades de lazer e desportivas”; 25.ª - Como resulta do supra exposto e, em especial, do depoimento da referida testemunha II, tal raciocínio configura uma manifesta confusão do Tribunal a quo que não se compreende e muito menos se aceita; 26.ª - Por outro lado, tendo o Recorrente exercido o direito de preferência em relação ao negócio celebrado entre os 1.ºs RR. e a 2.ª R. e não, como por vezes parece resultar da decisão recorrida, relativamente ao negócio celebrado entre a 2.ª R. e os 3.ºs RR., o que releva para o exercício do direito de preferência são os contornos e fins relativamente ao primeiro negócio, e não ao segundo que, na verdade, configura uma venda a non domino e, nessa medida, ineficaz, como se espera que venha a ser declarada por esse Venerando Tribunal - Por todos neste sentido, veja-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02/03/2010, proferido no âmbito do processo n.º 2/1998.L1-7, relatado por Luís Espírito Santo, bem como os doutos Arestos do Supremo Tribunal de Justiça, de 22/10/2009 e de 29/04/2014, proferidos no âmbito dos processos n.ºs 446/09.9YFLSB e 353/2002.P1.S1, relatados por Lopes do Rego e Azevedo Ramos, respetivamente, todos disponíveis in www.dgsi.pt; 27.ª - Sem prescindir, ainda que estivesse em causa o segundo negócio celebrado entre a 2.ª R. e os 3.ºs RR. – o que tão só por mera cautela de patrocínio se equaciona – o certo é que, também em relação a este segundo negócio o Tribunal recorrido andou mal ao dar como provado o pretenso objetivo desta venda; 28.ª - Resulta do ponto 19. dado como provado e aqui em análise, que tal venda se concretizou “(…) para aí se estabelecer um parque de lazer e para “jogos de paintball”, não para o seu aproveitamento de cultura, agrícola”, mas o certo é que o fim desta segunda venda, apenas foi aflorado pela testemunha II, e pelo depoimento prestado pelo próprio 3.º R. marido, entre os minutos 00:04:54 a 00:08:34, 00:12:36 a 00:12:55, 00:18:38 a 00:19:11 e 00:19:26 a 00:19:55, o qual, em abono da verdade se diga, nada conseguiu dizer de concreto a este respeito; 29.ª - Acrescentando, ainda, e por diversas vezes ao longo do seu depoimento, que não tinha dinheiro para, efetivamente, lá construir algo destinado à prática de desporto, o que nos leva a concluir, e sem medo de errar, que o 3.º R. comprou o terreno em causa para aí passar os seus fins de semana com a família, mas sem nenhum projeto concreto em vista; 30.ª - Neste sentido, e atendendo aos depoimentos vindos de referir, nunca o Tribunal recorrido poderia ter dado como provado que o prédio em causa nestes autos foi alienado para que nele fosse instalado um parque de lazer e para jogos de paintball, pois não se produziu prova em sede de audiência de julgamento, ainda que indiciária que pudesse levar o Tribunal a quo a tal conclusão; 31.ª - E entendendo-se que esta factualidade seria relevante para a boa decisão da causa, tal só poderia passar a constar dos factos dados como não provados, pois é preciso não esquecer o despacho produzido nestes autos a 24/11/2022, devidamente notificado às partes, com o seguinte teor: “Está em curso a elaboração da sentença final nos presentes autos. Durante a mesma, deu-se conta o tribunal que, apesar de mencionado por meios de prova já produzidos, dos autos não consta elemento necessário para aferir da legalidade do alegado pelos RR quanto ao projetado destino a dar à realidade predial objeto dos negócios postos em crise (n.º 1996/freguesia ..., ...), havendo-o que estar para que efetivamente tal factualidade fique esclarecida. Por conseguinte, por não suficientemente esclarecido este tribunal, nos termos do art.º 607.º n.º1 do CPC, declara-se reaberta a audiência e, em consequência, determina-se a notificação dos RR para, com a máxima urgência (limite: 10 dias), juntarem aos autos informação camarária sobre a viabilidade legal ao tempo dos negócios da afetação do terreno de cultura para a finalidade indicada (parque de lazer, atividades desportivas). D.N., pela via mais expedita, dispondo o Autor de igual prazo que os RR venham a utilizar (no limite: 10 dias) para exercer o contraditório.”. 32.ª - Como resulta inequivocamente do despacho em causa, a Meritíssima Juíza do processo determinou a reabertura da audiência, uma vez que, encontrando-se a elaborar a sentença, não possuía dados suficientes para se pronunciar quanto aos fins que estiveram subjacentes ao negócio da venda do imóvel objeto de preferência nestes autos; 33.ª - Mais tendo determinado a notificação dos RR. para que juntassem informação camarária no sentido de se aferir se seria possível instalar no terreno em causa um parque de lazer e/ou atividades desportivas; 34.ª - Acontece que, ao total arrepio daquilo que seria expectável, os RR. mantiveram um silêncio total na sequência da notificação do despacho em questão, o que até se acaba por compreender, uma vez que ambos os terrenos se encontravam integrados na RAN (Reserva Agrícola Nacional) e, nessa medida, não poderiam ser afetos a outo fim que não agrícola, ou, em último caso, para edificações de apoio à própria agricultura – cfr. documento n.º ..., junto com a petição inicial; 35.ª - Face ao exposto, nunca a matéria constante do ponto 19. dos factos provados poderia ter sido dada como provada, não só porque não foi produzida qualquer prova testemunhal nesse sentido, mas também porque nada tendo foi junto aos autos na sequência do despacho vindo de citar; 36.ª - Não ficou, assim, provado em sede de julgamento nenhum dos casos em que não existe direito de preferência, consignados no artigo 1381.º do Código Civil, mormente, a segunda parte, da alínea a), isto é, que o direito de preferência não tem lugar quando o prédio objeto da preferência se destine a um fim que não seja a cultura; 37.ª - Para se verificar tal facto impeditivo, sempre seria necessário que os RR. não só alegassem, como provassem, a sua intenção de dar ao prédio adquirido uma outra afetação que não a cultura, o que não aconteceu – Por todos nestes sentido, vejam-se os doutos Acórdãos de 02/02/2017, 26/01/2017 e 26/11/2020, proferidos por esse Venerando Tribunal, no âmbito dos processos n.ºs 1522/13.9TBGMR.G1, 73/14.9TBCHV.G1 e 832/19.6T8BRG.G1, relatados por Pedro Alexandre Damião e Cunha, Alexandra Rolim Mendes e Joaquim Boavida, respetivamente, todos disponíveis in www.dgsi.pt, bem como o douto Aresto do Supremo Tribunal de Justiça, de 17/10/2019, proferido no âmbito do processo n.º 295/16.8T8VRS.E1.S2, relatado por Raimundo Queirós e igualmente disponível in www.dgsi.pt; 38.ª - Por fim, e no que concerne à matéria dada como provada sob o ponto 20. da matéria de facto, mais uma vez não compreende o Apelante de que base se serviu o Tribunal recorrido para sufragar tal entendimento. 39.ª - Na verdade, nada resultou da prova produzida no sentido de que a pretensa intenção de instalar no prédio aqui em causa um parque de lazer e jogos de paintball se encontrava adiada em virtude da situação de pandemia de COVID-19 que atingiu todo o Mundo, até porque, a única referência feita a esta questão consta do artigo 29.º da contestação apresentada pelos RR., que foi impugnado e nada foi dito a este respeito em sede de audiência de discussão e julgamento; 40.ª - Razão pela qual, tal matéria teria forçosamente de ser eliminada ou, na melhor das hipóteses, passar a constar dos factos não provados; 41.ª - No que concerne à matéria de direito, com cuja interpretação feita pelo Tribunal a quo nos permitimos discordar de forma manifesta, começaremos por seguir o raciocínio que levou à improcedência da ação; 42.ª - Entendeu o Tribunal a quo, que: “Está demonstrado que: - a realidade predial id. em 5. foi vendida pelos 1.ºs RR à 2.ª Ré; - a realidade predial id. em 1 pertence ao Autor e a realidade predial id. em 5 pertenceu até 28.11.2019 aos 1.ºs RR; - tais realidades prediais confrontam entre si pelo lado nascente/poente; não confrontam com realidade predial da 2.º Ré; - tais realidades prediais têm área declarada de 4.500m2 e 4.800m2, respetivamente. - ambas as realidades assumem natureza rústica [constam descritos nos documentos públicos e oficiais como sendo terreno de cultivo e bravio com eucaliptal – Autor - e terreno de lameiro – o inicialmente pertencente aos 1.ºs RR]; - a realidade predial do Autor está sem cultivos há mais de 20 anos; - a realidade predial inicialmente dos 1.ºs RR não é cultivada há mais de 20 anos e dispunha de algumas árvores; - a realidade predial inicialmente dos 1.ºs RR foi vendida para revenda e para ser explorada com atividades de lazer e desportivas; - existem terrenos próximos da realidade predial vendida onde se exercem atividades de lazer e de desporto.”. 43.ª - Daí extraindo que: “Ou seja, consta provado (e preenchido o requisito d) a venda de um prédio com área inferior à unidade de cultura; que o Autor, preferente, é dono de prédio confinante com o prédio alienado; e que o adquirente do prédio não é proprietário confinante. Acontece, todavia, que o Autor não provou que a sua própria realidade predial ainda que apta em parte para cultura (a outra parte consta descrita como terreno de bravio – inculto) está a ser destinada efetivamente a cultura, isto é, que a explora e afeta efetivamente para fins agrícolas, florestais ou pecuários. Efetivamente, nada se disse ou demonstrou a esse propósito, o que faz decair o legal direito de preferência na esfera jurídica do Autor. Consequentemente, todo o peticionado na presente ação.” 44.ª - Daqui decorre, se bem entendemos, que a única razão em que o Tribunal se baseou foi no facto de ter dado como assente que o A. não tinha o terreno de que é proprietário e que lhe permitiu exercer o direito de preferência sobre o prédio confinante cultivado, o que, como já se demonstrou, não é verdade – cfr. declarações de parte do A. e depoimentos prestados pelas testemunhas CC e HH; 45.ª - Por outro lado, nunca esta interpretação pioneira do direito de preferência poderia vingar, uma vez que o cultivo do prédio do preferente nunca foi, nem é, requisito para o exercício do direito de preferência, previsto no n.º 1, do artigo 1380.º, do Código Civil; 46.ª - Os pressupostos para que se verifique a existência do direito de preferência são três, mais exatamente que: a) tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio com área inferior à unidade de cultura (questão que nem se punha neste caso atendendo ao facto de ambos os prédios se encontrarem na Reserva Agrícola Nacional); b) o preferente seja dono de prédio confinante com o prédio alienado; e c) o adquirente do prédio não seja proprietário confinante – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14/01/2021, proferido no âmbito do processo n.º 892/18.7T8BJA.E1.S1, citado na própria sentença ora sob recurso; 47.ª - Pressupostos estes, que se encontram integralmente preenchidos; 48.ª - E isto, independentemente do facto de a existência do direito de preferência no caso da alienação de prédios rústicos confinantes se prender, de facto, com a não proliferação de minifúndios; 49.ª - De facto, dizer-se que o exercício do direito de preferência vincula quem o exerce à efetiva exploração do prédio adquirido por força deste direito não é aprioristicamente um requisito para que exista o direito de preferência, tratando-se, sim, de uma condição que apenas poderá ser verificada no futuro; 50.ª - Vale isto por dizer, que o preferente poderá ver perdido o seu direito no caso de não cumprir com o fundamento que está na base da atribuição desse mesmo direito, mas isto, só a posteriori, ou seja, se se vier a verificar posteriormente que o preferente não procedeu à exploração agrícola e/ou do prédio adquirido em virtude do exercício do seu direito de preferência, caso em que sempre o preferido poderia invocar que esse direito foi exercido em moldes abusivos – nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 334.º do Código Civil – no sentido de conseguir a reversão do negócio; 51.ª - Logo, a conclusão que a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo extrai do douto Acórdão vindo de citar, isto é, que o A. teria de ter provado que iria cultivar o prédio sobre o qual pretendia exercer o direito de preferência, não tem respaldo nem na letra nem no espírito daquele Aresto; 52.ª - Em face do exposto, entende-se, sempre salvo o maior e devido respeito, que deverá ser proferido douto Acórdão, onde se reconheça o direito de preferência exercido pelo ora Apelante e a ineficácia da venda efetuada pela 2.ª R. aos 3.ºs RR., com a consequente transmissão para o Recorrente da propriedade do prédio em causa, substituindo-se este à 2.ª R., mediante o depósito do preço devido que já efetuou; 53.ª - A sentença recorrida viola, assim, e pelo menos, o disposto nos artigos 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil e 342.º, 1380.º e 1381.º do Código Civil. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser a ação julgada inteiramente procedente, por provada, tudo com as inerentes consequências legais, só assim se fazendo a melhor e costumada JUSTIÇA! * Os RR. apresentaram contra-alegações, concluindo nos seguintes termos:1ª. Litiga o Recorrente em erro ao invocar a nulidade da sentença, ao abrigo do artigo 615º, nº1, al. c) por se verificar contradição entre os factos dados como provados e a decisão proferida. 2ª. O Recorrente exceciona da sua argumentação parte da matéria de facto que constitui o principal motivo pelo qual o tribunal decidiu como decidiu, nomeadamente a frase “chegou-se a cultivar aveia e cevada há cerca de 20 anos atrás, há muito que está inculto” do ponto dado como provado em 4. 3ª. Uma vez que decidiu o tribunal a quo, e bem, que “o Autor não provou que a sua própria realidade predial (…) está destinada efetivamente a cultura, isto é, que a explora e afeta efetivamente para fins agrícolas, florestais ou pecuniários”, concluindo que precisamente esse facto faz decair o alegado direito de preferência. 4ª. Vem o Recorrente invocar uma nulidade, mas ao mesmo tempo excluir a parte mais relevante para a decisão constante dos factos dados como provados, sendo evidente que, face ao exposto, inexiste qualquer contradição entre os fundamentos factuais e a decisão final proferida pois que sempre bastaria faltar um dos requisitos para improceder a pretensão do Autor. 5ª. Alega ainda o Recorrente, nos seus esforços infindáveis de tentar atacar processualmente a sentença, que se verifica a nulidade ao abrigo do art. 615º, nº1, al. d), i.e., por excesso de pronúncia, relativamente ao facto como provado no ponto 20. 6ª. Não assiste qualquer razão ao Recorrente até porque apenas se verifica a nulidade de sentença por excesso de pronúncia quando o tribunal “conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, ou seja, quando o tribunal conhece questões não suscitadas pelas partes ou nem sequer carreadas aos autos. 7ª. É notório que nunca poderia a sentença padecer de tal vício uma vez que o facto dado como provado em 20., foi devidamente alegado pelos Réus, em sede de contestação e, por isso, faz parte do processo e teria que ser conhecida pelo juiz. 8ª. Devem improceder as nulidades invocadas pelo Recorrente, ao abrigo do artigo 615º do CPC, com todos os devidos e legais efeitos. 9ª. Vem, seguidamente, o Recorrente impugnar a matéria de facto dada como provada, o que nada mais é do que uma distorção daquilo que aconteceu em sede de audiência de julgamento, ignorando, porque lhe é conveniente, a maior parte da prova testemunhal produzida e da qual o tribunal a quo se baseou para proferir a sua decisão. 10ª. No que diz respeito à matéria de facto dada como provada em 4., ao contrário do alegado pelo Recorrente, a maior parte das testemunhas, em sede de audiência de julgamento, depuseram, de forma séria, credível e descomprometida, no sentido de que o terreno propriedade do Recorrente há mais de 20 anos que não era cultivado. 11ª. Os próprios testemunhos do irmão do Recorrente e do jornaleiro, confirmaram que há muitos anos, mais de 20, que o terreno propriedade dos 3º réus e aqui em causa, não é cultivado, acrescentando ainda que o mesmo sucede com o terreno do Recorrente, que permaneceu sempre com árvores e mato que cresceram pela própria ação da natureza. 12ª. As transcrições efetuadas pelo Recorrente nas suas alegações estão descontextualizadas do concreto cenário em que as foram feitas e, na verdade, detalhadamente analisadas em nada contradizem o decidido na sentença. 13ª. Do próprio depoimento do irmão do Autor se verifica que a única coisa que este vem confirmar é que o terreno do Autor estava em forma de monte com árvores, nada mais. Não tem um único dado ou pormenor que permita levar a concluir que o terreno era cultivado, até porque bem sabe o Recorrente que tal não corresponde à verdade. 14ª. Deve assim ser julgado improcedente o pedido de alteração da matéria de facto dada como provada no ponto 4., devendo a mesma manter-se e ser apreciada talqualmente descrita na sentença em crise. 15ª. Em relação à matéria de facto dada como provada no ponto 19, também não se pode concordar que seja a mesma dada como não provada já que tal contraria tudo quanto foi demonstrado em sede de julgamento. 16ª. A testemunha II, caracterizada como sendo uma “pessoa de relação estreita e profissional com os 1ºs RR”, e cujo depoimento foi especialmente valorado, de forma espontânea, lógica e séria, referiu que o propósito na aquisição do terreno foi o de o explorar como parque de lazer, de desportos radicais e que nunca existiu a intenção de manter qualquer natureza agrícola. 17ª. O que foi complementado pelos depoimentos do Recorrente, do seu irmão e do jornaleiro que acabaram por confirmar que, no terreno, foi colocada uma mesa de pedra e de trabalhos, com vista a que o mesmo se tornasse plano e sem qualquer vegetação, bem como que foi instalado no local uma caixa para que o terreno viesse a receber eletricidade. 18ª. Não assiste razão ao Recorrente no que alega respeitante ao despacho proferido pelo tribunal a 24.11.2022, não podendo ser atribuído o efeito pretendido, isto porque, se o tribunal proferiu sentença, mesmo depois do douto despacho e fundamentou devidamente os motivos que levaram a comprovar ou a dar como provados os factos é porque, ponderada toda a prova produzida, ficou suficientemente esclarecido. 19ª. No nosso ordenamento jurídico predomina o princípio da livre apreciação das provas, consagrado no artigo 607, nº 5 do Código de Processo Civil, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. 20ª. Improcede necessariamente toda a alegação do Recorrente no sentido de tentar reverter o facto nº 19 para que seja dado como não provado, o que expressamente se requer que seja improcedente. Por fim, 21ª. Quanto à matéria de facto constante do ponto 20., o tribunal a quo referiu que tal facto foi dado como provado pelo depoimento da testemunha II, onde se pode ler que:”(…) explorar o terreno como parque de lazer, de desportos radicais (o que não está efetivado seja pelo covid como pela existência desta ação).”. 22ª. Atendendo às datas das vendas, veja-se que o Covid-19 começou a propagar-se, no nosso país, em março de 2020, sendo facto notório e público para qualquer pessoa que os anos que se seguiram e pelo menos até meados de 2022, todos os projetos, burocracias e planos foram sendo adiados. 23ª. Na verdade, nem sequer os nossos serviços públicos estavam a funcionar plenamente, sendo que grande parte deles apenas ofereciam serviços mínimos. 24ª. A testemunha II comprovou a veracidade de tal facto, mas, ainda que assim não fosse, sempre estaria o tribunal munido de todos os elementos necessários para dar esse facto como provado, não carecendo o mesmo de qualquer outro tipo de prova, ao contrário do que quer fazer crer o Recorrente – vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22.06.2010 (proc. nº 1803/08....). 25ª. Tendo o tribunal a quo dado como provado, e bem, que o projeto na venda para os 3º’s Réus era o de construir um parque de desporto, não merece qualquer incredibilidade ou censura que seja notório que, no período temporal em que tudo decorreu, os projetos não fossem desenvolvidos pela situação de pandemia que se vivia no país. 26ª. E por tudo quanto precede, deve igualmente improceder o pedido de eliminação ou de alteração do facto dado como provado no ponto 20. 27ª. O direito de preferência de proprietário de prédio rústico confinante com outro de idêntica natureza, conforme previsto na citada norma, constitui uma exceção à liberdade contratual, sendo que o mesmo apenas se verifica e é aplicável quando estão preenchidos todos os pressupostos legais. 28ª. Um desses requisitos é o de que o preferente seja dono de prédio confinante com o prédio alienado onde se explore uma cultura, o que decorre diretamente das exclusões ao direito de preferência plasmadas no artigo 1381º, nº1, al. a) do Código Civil. 29ª. É absolutamente falso o que alega o Recorrente quando diz que o cultivo do prédio do preferente não é e nunca foi requisito para o exercício do direito de preferência – vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21.11.2013. 30ª. E como resulta do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21.02.2022, de onde resulta que: “O artigo 1380º, nº 1, do CC vincula o exercício do direito de preferência à efectiva exploração dos terrenos rústicos para fins de cultura florestal e/ou agrícola e/ou pecuária, não se bastando com o facto de serem aptos para cultura em termos abstractos, pelo que a determinação de qual é o destino ou o destino predominante a que o prédio está ou vai estar efectivamente afecto não tem por base a qualificação abstracta do terreno, mas sim uma análise casuística da averiguação da intenção com que o adquirente actua ao celebrar o negócio jurídico, podendo este provar, por qualquer meio de prova, que a sua intenção é a de afectar o terreno a outro fim que não a cultura.”. 31ª. O Recorrente não conseguiu provar, nem convencer o tribunal, de que o seu terreno está a ser efetivamente alocado para a agricultura e, ainda que o terreno seja apto para o efeito ou tenha mato que – como diz a sentença em crise – apenas lá está pelo normal decurso da natureza, ficou comprovado que não existe qualquer ação do Recorrente de destinar o seu terreno a cultura. O que se verifica há mais de 20 anos. 32ª. Permitir-se que uma tese como a do Recorrente vingue é esvaziar o conteúdo legal e funcional do direito de preferência que se encontra plasmado nos artigos citados porquanto o mesmo tem como objetivo a promoção do emparcelamento rural, de forma a tornar mais vantajosas as condições de aproveitamento fundiário das propriedades agrícolas. 33ª. O prédio confinante do alegado preferente não se destina sequer à cultura, sobretudo há mais de 20 anos, pelo que, forçosamente, não pode existir direito de preferência. 34ª. A norma constante do artigo 1381º, nº1, al. a) diz respeito a qualquer um dos prédios, o que reforça ainda mais o facto de inexistir qualquer direito de preferência no presente caso uma vez que ficou igualmente provado na sentença em crise que o terreno sobre o qual se pretende preferir não foi adquirido nunca com o intuito de ser cultivado ou de ser destinado a agricultura. 35ª. Concorda-se integralmente com o teor da sentença proferida, particularmente quando refere “o carácter circunscrito e parcimonioso da aplicação deste instituto (o direito de preferência), «confinando-o a determinadas situações específicas, superiormente salvaguardadas pelo legislador, na medida em que o mesmo constitui, como se compreende, uma sensível compressão do principio da autonomia privada (…)”. Termos em que, e por tudo o mais que V/ Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se e mantendo-se na íntegra a sentença recorrida, só assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA! * Questões a decidir:* - Verificar se a sentença recorrida é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão e/ou por excesso de pronúncia - Caso se conclua pela improcedência das nulidades, verificar se se encontram reunidos os requisitos necessários à aquisição do imóvel identificado nos autos por parte do A, com base em direito de preferência. * Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.* * A matéria considerada provada na 1ª instância é a seguinte:1. Existe uma realidade predial no lugar de ..., freguesia ... (...), que se encontra descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...14, onde se encontra registada a favor do A. pela apresentação 2070, de 08/06/2016, e inscrito na respetiva matriz rústica sob o artigo ...22.º. 2. Esta realidade predial consta na CRPredial com a área declarada de 4.500 m2 e como sendo composto por terreno de cultivo e bravio com eucaliptal, a confrontar do Norte com caminho público, do Sul com JJ, do Nascente com EE e do Poente com herdeiros de KK. 3. Por escritura pública de 21 de abril de 2016, outorgada no Cartório Notarial ..., sito na ..., F, da freguesia ..., do concelho ..., lavrada de fls. 125 a 128, no ... para Escrituras Diversas 279-A, o Autor declarou aceitar de LL e mulher, MM, que declararam dar, a realidade predial id. em 1.. 4. O Autor, por si e antecessores, há mais de 15, 20 e 30 anos que vem pagando as contribuições e vem podendo dispor das utilidades da id. realidade predial (chegou-se a cultivar aveia e cevada há cerca de 20 anos atrás, há muito que está inculto) com o conhecimento da generalidade das pessoas, nomeadamente dos vizinhos da dita realidade e dos próprios primeiros RR., sem oposição de ninguém e à vista de toda a gente, dia-a-dia, ano-a-ano, com a consciência de não lesar o direito de quem quer que seja, com intenção e na convicção de que o mesmo lhe pertence em exclusivo. 5. No lugar de ..., freguesia ..., concelho ..., existe uma realidade predial, denominada “Campo ...”, que se encontra descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...96 e inscrita na respetiva matriz sob o artigo ...10.º. 6. Essa realidade consta aí na CRPredial com a área declarada de 4800m2 e como sendo composta por terreno de lameiro. 7. Por escritura pública outorgada em 28 de novembro de 2019 no Cartório Notarial ..., sito na Av.ª ..., ..., da freguesia ..., do concelho ..., lavrada de fls. 68 a 69 verso, no ... para Escrituras Diversas ..., os 1.ºs RR. declararam vender à 2.ª R. e esta declarou comprar, pelo preço de €2.800,00 (dois mil e oitocentos euros) a realidade predial “Campo ...” id. em 5 e 6. 8. Pela ap. ...95 de 06/12/2019, a 2.ª Ré registou a seu favor o domínio de tal realidade predial, na Conservatória do Registo Predial .... 9. Ora, a realidade id. em 5 e 6 confronta do Poente com a id. em 1 e 2. 10. E não confronta com nenhuma outra realidade predial que fosse pertença da 2.ª R.. 11. Sucede, porém, que ao Autor não foi dado conhecimento prévio do projetado negócio de alienação entre 1.ºs RR e 2.ª Ré e que veio a acontecer a 28 de novembro de 2019, nem por qualquer dos RR., nem por qualquer outra pessoa. 12. O Autor soube, pelo seu irmão, da aludida venda em finais de agosto do ano de 2020. 13. Perante isto, o Autor tomou a iniciativa (através do seu irmão) de averiguar a situação. 14. A 07.10.2020, o Autor ficou a conhecer os elementos essenciais do negócio, como o preço, condições de venda e nome dos adquirentes (a 2.º Ré), através da obtenção da cópia da escritura de compra e venda referida supra. 15. Acontece, ainda que, poucos dias depois e por escritura pública, outorgada em 13 de outubro de 2020 no Cartório Notarial ..., sito na Av.ª ..., ..., da freguesia ..., do concelho ..., lavrada de fls. 146 a 147 verso, no ... para Escrituras Diversas 187-E, a aqui 2.ª R. declarou vender aos 3.ºs RR., que declararam comprar, pelo preço de € 2.950,00, o denominado “Campo ...”, melhor identificado supra. 16. Sendo certo que em janeiro do ano de 2021, o aqui A. apenas tomou conhecimento desta transmissão aos 3.ºs RR, na sequência da obtenção de elementos sobre a situação atual da realidade predial no Registo Predial para ponderação do seu direito de preferência quanto ao negócio do id. “Campo ...” e que envolvera os 1.ºs RR. e a 2.ª R. 17. E a 12.01.2021 o Autor obteve certidão da escritura pública que titulou o negócio em que intervieram a 2.ª Ré e os 3.ºs RR. 18. A 2ª Ré nos autos à margem melhor identificados é uma sociedade comercial por quotas que, com escopo lucrativo e habitual, se dedica à compra e venda de bens imobiliários. 19. A realidade predial id. em 5 e 6 foi transmitida para aí se estabelecer um parque de lazer e para “jogos de paintball”, não para o seu aproveitamento de cultura, agrícola, que já não se faz há mais de 20 anos 20. Sendo certo que esse projeto se encontra(va) adiado em virtude da situação de pandemia de Covid19 que, entretanto, assolou o mundo. 21. A 2.ª Ré não mandou implantar postes ou vedação, nem sequer fez qualquer outra intervenção do género no terreno. 22. A ação foi proposta pelo Autor a 05.02.2021. 23. A 16.03.2021 o Autor procedeu ao depósito nos autos do preço referido na escritura, para além do valor do IMT e do Imposto de Selo. Factos Não Provados: A. Dias antes da outorga da escritura, um representante dos 1.ºs Réus disse ao Autor que os aqueles Réus iriam transmitir a realidade predial id. em 5 e 6 para a 2.ª Ré, disse que esta era uma imobiliária de um amigo da família e que o iriam fazer por um preço simbólico. B. O Autor na altura percebeu e comunicou que da sua parte “não haveria qualquer entrave”, que não estava interessado em tal negócio. C. Os 1.ºs Réus optaram por transmitir a realidade predial em causa mas tinham intenção de a readquirir, até porque a realidade predial em causa confronta com outro terreno pertencente aos Réus. D. A Requerente alega contra a verdade que conhece, expondo factos reconhecidamente inverídicos. * Da arguida nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão:* Diz-nos o art. 615º, nº 1 – c) que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil anotado, volume V, pág. 151) refere que a sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. E acrescenta que, num caso não se sabe o que o juiz quis dizer, no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. Se a matéria de facto provada não consente a conclusão de direito dela extraída padece de erro de julgamento e não de nulidade. No caso, o Recorrente entende que a sentença é nula por “como melhor resulta dos pontos 1. a 14., com excepção da expressão “chegou-se a cultivar aveia e cevada há cerca de 20 anos atrás, há muito que está inculto”, constante do ponto 4., da matéria de facto dada como provada – cujo teor, por brevidade, aqui se dá por integrado e reproduzido – foram dados como provados todos os requisitos necessários ao exercício do direito de preferência. Contudo, mesmo assim, o Tribunal a quo acaba por julgar a acção totalmente improcedente, ou seja, acaba por decidir que não se verificam todos os requisitos necessários ao exercício do direito de preferência, o que se traduz numa manifesta contradição com a matéria de facto dada como provada e vinda de referir. E isto só se compreende porque o Tribunal recorrido, a par desses mesmos factos, considerou outros deles como provados, embora sem fundamento, para os quais procurou suporte jurídico que, de modo algum, pudessem levar à decisão ora em recurso.” No entanto, analisando a decisão recorrida não encontramos nela qualquer incoerência, pois na mesma entendeu-se que o A. não tinha provado que explora o seu terreno para fins agrícolas, florestais ou pecuários, o que, de facto, não resulta dos factos provados. Na verdade, o que a Srª Juiz considerou provado foi que há mais de 20 anos, no terreno no A., se cultivou aveia e cevada, pelo que, não sendo tal exploração agrícola contemporânea do exercício do direito de preferência, não podia ser considerada para efeitos de preenchimento dos requisitos entendidos necessários para o exercício do direito de preferência. Se a causa foi incorretamente julgada é uma questão de mérito e não de nulidade da sentença. Deste modo, não se verifica a nulidade em causa. Da arguida nulidade da sentença por excesso de pronúncia: Verifica-se existir excesso de pronúncia, gerador da nulidade prevista no art. 615º, nº 1 – d), 2ª parte do C. P. Civil quando o juiz conhece de questões de que não podia tomar conhecimento, ou seja, quando conheça de pedidos ou causas de pedir não invocadas ou exceções na exclusiva disponibilidade das partes (v. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, II vol., pág. 670). No caso, o Recorrente entendeu que a sentença padecia da invocada nulidade por ter considerado provado no ponto 20 matéria que foi alegada pelos Recorridos, mas que não resultou provada. Ora, tal não configura uma nulidade da sentença mas um erro de julgamento, pelo que, se julga improcedente a arguida nulidade. * Da impugnação dos pontos 4, na parte que refere que o terreno do A. “chegou-se a cultivar aveia e cevada há cerca de 20 anos atrás, há muito que está inculto” e dos pontos 19 e 20 dos factos provados. O teor destes pontos é o seguinte: 4. O Autor, por si e antecessores, há mais de 15, 20 e 30 anos que vem pagando as contribuições e vem podendo dispor das utilidades da id. realidade predial (chegou-se a cultivar aveia e cevada há cerca de 20 anos atrás, há muito que está inculto) com o conhecimento da generalidade das pessoas, nomeadamente dos vizinhos da dita realidade e dos próprios primeiros RR., sem oposição de ninguém e à vista de toda a gente, dia-a-dia, ano-a-ano, com a consciência de não lesar o direito de quem quer que seja, com intenção e na convicção de que o mesmo lhe pertence em exclusivo. 19. A realidade predial id. em 5 e 6 foi transmitida para aí se estabelecer um parque de lazer e para “jogos de paintball”, não para o seu aproveitamento de cultura, agrícola, que já não se faz há mais de 20 anos 20. Sendo certo que esse projeto se encontra(va) adiado em virtude da situação de pandemia de Covid19 que, entretanto, assolou o mundo. Quanto ao ponto 4, o Recorrente entende que deverá passar a ter a seguinte redação: “4. O Autor, por si e antecessores, há mais de 15, 20 e 30 anos que vem pagando as contribuições e vem podendo dispor das utilidades da id. realidade predial com o conhecimento da generalidade das pessoas, nomeadamente dos vizinhos da dita realidade e dos próprios primeiros RR., sem oposição de ninguém e à vista de toda a gente, dia-a-dia, ano-a-ano, com a consciência de não lesar o direito de quem quer que seja, com intenção e na convicção de que o mesmo lhe pertence em exclusivo.” Vejamos: Quanto ao segmento do ponto 4 que foi impugnado, após análise da prova testemunhal, verificamos que apenas as testemunhas HH (irmão do A.) e CC (trabalha para o pai do A., na agricultura, há cerca de 20 anos) se referiram à utilização que é dada ao terreno do A.. As estantes testemunhas ouvidas referiram-se apenas ao estado do terreno que foi vendido e que é objeto dos presentes autos. Ora, a testemunha HH referiu que o “jornaleiro” que trabalha para o pai, numa parte desse terreno, planta erva para dar aos animais, pois é o pai que gere o terreno apesar de o ter doado ao irmão. A testemunha CC disse que “faz lá feno”. O A., ouvido em declarações de parte, referiu que no terreno vem sendo cultivado feno e aveia. Assim, a prova produzida não conduz à afirmação contida entre parêntesis no ponto 4, mas precisamente ao seu contrário, pelo que tal segmento será eliminado do dito ponto. Em consonância, deve também ser eliminada a parte final do ponto 19 que se refere à mesma matéria. As matérias agora eliminadas dos pontos 4 e 19 passarão a fazer parte dos factos não provados. Relativamente à matéria do ponto 19, não houve qualquer prova do fim aí referido, não se percebendo como pode tal facto ter sido considerado provado. Por outro lado, o fim aí consignado diz respeito à segunda venda e não à primeira, sendo relativamente a este que é exercido o direito de preferência. Assim, relativamente à primeira venda, o que ficou provado – depoimento da testemunha II – que mediou a venda em causa, é que a sociedade Ré comprou o terreno para o revender, o que está conforme ao fim societário daquela sociedade e que efetivamente veio a ocorrer com a segunda venda mencionada nos autos. Quanto à segunda venda, o que resultou do depoimento do Réu FF, que adquiriu o terreno à sociedade Ré, é que comprou o terreno para criar aí um espaço de lazer para a família, porque fazem desporto ao fim de semana e a filha é formada em desporto. Queriam “um campinho” para ali passarem uma horas do fim de semana. Para esse fim, queria construir lá um ringue para jogarem voleibol ou futebol, referindo que já lá está um início (plataforma) para não estar em terra. Explicou ainda o A. que não tem condições financeiras para fazer uma coisa “oficial”. Era um espaço para a família passar momentos de lazer. A referência ao “paintball” foi feita. nos seguintes termos: Mandatário dos RR.: O Sr. Falou aqui até em lazer, em fazer lá algum desporto. O Sr. Alguma vez consultou a Câmara? Apresentou algum projeto para fazer alguma coisa? O Sr. falou de paintball, alguma coisa oficial? Réu: Não. Porque a intenção não era… Aquilo era para mim, não era propriamente para… Mandatário dos RR: Não era para fazer um campo de paintball? Réu: Não, não. Ou seja, o próprio Réu negou querer estabelecer no terreno um campo de paintball. Também a testemunha II referiu que o Réu FF queria aproveitar o terreno para aos fins de semana fazer umas brincadeiras com os miúdos, seus filhos. O mandatário dos RR. é falou no parque de atividades radicais que existe ali perto, o ...”, mas em parte alguma do depoimento desta testemunha ou de qualquer outra, tal parque ou as atividades aí praticadas foram relacionadas com o terreno em causa nos autos. Na verdade, as testemunhas ouvidas, com exceção da testemunha II, não se pronunciaram sobre o fim que o segundo adquirente pretendia dar à parcela de terreno. Deste modo, altera-se a redação do ponto 19, de modo a constar do mesmo o seguinte: 19. A Ré “T..., Unipessoal, Lda” adquiriu o prédio identificado em 5. e 6. para o revender e o Réu FF, adquiriu esse prédio para no mesmo estabelecer um espaço de lazer e nomeadamente para a prática de desporto para si e sua família (mulher e dois filhos). Em face da alteração do ponto 19, elimina-se o ponto 20 que é decorrência daquele ponto na sua redação anterior, sendo certo que, o que o A. disse foi que nada mais fez no campo, nomeadamente terminar a construção do ringue, por causa da pendência da presente ação e não propriamente por causa da pandemia. * Do Direito de preferência: Na sentença impugnada foi afastado o direito de preferência do A. na aquisição do prédio identificado nos autos por se ter entendido que “o A. não provou que a sua própria realidade predial ainda que apta em parte para cultua (a outra parte consta descrita como terreno de bravio – inculto) está a ser destinada efetivamente a cultura, isto é, que a explora e afecta efetivamente para fins agrícolas, florestais ou pecuários.” Vejamos: O direito de preferência atribui a um sujeito a prioridade na aquisição, em caso de alienação ou oneração realizada pelo titular atual de um direito real (v. José de Oliveira Ascenção in Direito Civil – Reais, 4ª ed., pág. 512) desde que ele manifeste vontade de o realizar nas mesmas condições que foram acordadas entre o sujeito vinculado à preferência e um terceiro (v. Manuel Henriques Mesquita in Obrigações Reais e Ónus Reais, pág. 189). A preferência concedida pelo art. 1380º, nº 1 do C. Civil visa propiciar o emparcelamento de terrenos, visando uma exploração agrícola tecnicamente rentável, evitando-se assim a proliferação do minifúndio. (v. Ac. STJ de 25/3/10 in www.dgsi.pt). Tal exigência resulta da al. a) do art. 1381º, do C. Civil, que exclui o direito de preferência, nomeadamente, quando algum dos terrenos confinantes se destine a algum fim que não seja a cultura. Assim, a razão de ser da imposição da mencionada preferência não se verifica, caso o prédio a alienar não se destine à exploração agrária. Com efeito, se o objetivo da lei é o de criar melhores condições para o desenvolvimento de atividades agrícolas e/ou florestais, propiciando o aumento da rentabilidade e compatibilidade das respetivas explorações, não pode deixar de se considerar como pressuposto do exercício do direito de preferência que o terreno preferente tem que ser destinado à atividade agrícola e/ou florestal. Conforme se refere no Acórdão da Relação de Évora de de 9/2/23 (in www.dgsi.pt ) O desenvolvimento efetivo de uma exploração agrícola no imóvel “é uma condição imprescindível para promover o emparcelamento agrícola e assim preencher os requisitos constitutivos necessários ao sucesso do exercício da acção de preferência. E mesmo que se tivesse provado, como proposto, que era exercida a agricultura «ainda que a uma pequena escala de produção» não estava presente o critério da finalidade da destinação a exploração agrícola.” Sobre a mesma questão, pode ler-se no Acórdão do STJ de 14/01/21 (in www.dgsi.pt ) que “O artigo 1380º, nº 1, do Código Civil vincula o exercício do direito de preferência à efetiva exploração dos terrenos rústicos para fins de cultura florestal e/ou agrícola, não se bastando com o facto de serem aptos para cultura.” No entanto, tal como também se entendeu neste Acórdão e resulta das regras do ónus da prova “é sobre aqueles contra quem é invocado este direito que recai, nos termos das disposições conjugadas dos art. 342º, nº 2 e 1381º, als. a) e b), ambos do C. Civil, o ónus de provar factos dos quais se possa concluir pela verificação de alguma das exceções contidas nestas duas alíneas. Na verdade, como vem sendo entendido pela jurisprudência e pela doutrina, são pressupostos do direito de legal de preferência previsto no nº 1 do art. 1380º, do C. Civil, os seguintes: a) que tenha sido vendido ou dado em cumprimento um prédio rústico. b) que o preferente seja dono de um prédio rústico confinante com o prédio alienado. c) que, pelo menos, um daqueles prédios tenha uma área inferior à unidade de cultura. d) que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante. Cabendo ao A. a prova dos factos que integram esses pressupostos. Contudo, a prova de que o terreno do A. não está a ser explorado para a agricultura cabia aos RR., por sobre eles recair o ónus de provar factos dos quais se possa concluir pela verificação de alguma das exceções previstas nas alíneas a) e b) do art. 1381º do C. Civil (v. art. 342º, nº 2 do C. Civil) (v. neste sentido Ac. desta Relação da mesma relatora de 26/1/17, Ac. RC de 23/5/17, de 15/12/21 e de 19/12/17, Ac. RP de 28/3/23, Ac. STJ de 17/10/19 e de 14/1/21, todos in www.dgsi.pt ). Prova esta que os RR. não fizeram. Deste modo, o facto de o A. não ter provado que o seu prédio estava a ser explorado para a agricultura não impede seu exercício do direito de preferência, pois, a prova de que tal não acontecia cabia aos RR. e não ocorreu nos presentes autos. * Como decorre do mencionado art. 1381º, al. a), 2ª parte, do C. Civil a preferência do proprietário confinante é afastada, também quando o terreno objeto da venda se destine a algum fim que não seja a cultura.Do mesmo modo que na circunstância anterior, cabia aos RR. a prova de que o prédio vendido se destinava a fim diverso da agricultura. Ora, sendo certo que a venda sobre a qual o A. pretende exercer o direito de preferência é a primeira venda, efetuada à sociedade T..., Unipessoal, Lda, temos que esta Ré destinava o prédio à revenda, o que aliás se insere no seu objeto social (cfr. Certidão do registo comercial da sociedade em causa). Ora, tal como se diz no Acórdão do Tribunal de Relação de Coimbra de 19/12/17 (in www.dgsi.pt ) quando nesse caso a aí A. declara que destina o prédio a revenda não está, com esta declaração, a modificar a natureza do prédio e a destiná-lo a outro fim que não o seu. O facto de resultar dos factos provados que a ora Ré, ao adquirir o prédio objeto da preferência, o destinava a revenda, não demonstra que esse prédio não se destine à exploração agrícola ou florestal. O fim pretendido pelo segundo adquirente é irrelevante para a verificação da exceção prevista neste preceito. Ainda que assim não fosse, é entendimento dominante na jurisprudência que o facto impeditivo do direito de preferência terá de ser alegado e provado pelo adquirente e este terá ainda de provar que essa mudança de destino é permitida por lei, Conforme se refere nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25/3/10 e ainda no de 6/5/10 (publicados em www.dgsi.pt ), para que o facto impeditivo do direito de preferência, aludido no art. 1381º, al. a), 2ª parte do C. Civil, opere os seus efeitos é necessário que o adquirente alegue e prove, não só a sua intenção de dar ao prédio adquirido uma outra afetação ou um outro destino que não a cultura, mas também que essa projetada mudança de destino é permitida por lei. A possibilidade de afetar um terreno de cultura a finalidade diferente depende, pois, não do critério egoísta do proprietário (adquirente) vizinho, mas antes e apenas de uma decisão administrativa, tomada em função dos interesses gerais da coletividade, de acordo com os planos de ordenamento do território. A prova da viabilidade legal da construção é assim um elemento essencial para operar a exceção a que se refere o apontado facto impeditivo. Assim, não tendo os RR. provado que o prédio vendido se destinava a fim diverso da agricultura e sendo o prédio de natureza rústica, a sua alienação está sujeita ao regime da preferência previsto no já mencionado art. 1380º do C. Civil, estando o A. em condições de preferir na alienação. Reconhece-se, pois, o direito do A a preferir na compra do prédio rústico identificado no ponto 7 da matéria de facto, pelo preço aí referido, com a consequente transmissão para este da propriedade do identificado prédio. Quanto à segunda venda: Tal como explicam Pires de Lima e Antunes Varela (in Código Civil anotado, vol. III,2ª ed. revista e atualizada, pág. 380) a procedência da ação tem como resultado a substituição, com eficácia ex tunc, adquirente pelo preferente. Acrescentam estes autores (ob. cit., pág. 382) que, sendo o direito de preferência um direito real de aquisição, não precisa de ser registado para produzir efeitos em relação a terceiros. Sempre que se verifiquem os pressupostos referidos na lei, o titular da preferência poder exercê-la, não apenas contra o primitivo adquirente da coisa a ela sujeita, mas igualmente contra qualquer terceiro (subadquirente) que sobre a mesma coisa venha a adquirir posteriormente um direito conflituante. Os direitos dos subadquirentes são ineficazes em relação ao titular do direito real de preferência. Deste modo, declara-se ineficaz em relação ao preferente, a venda realizada entre a 2ª e os 3ºs Réus. Determina-se ainda o cancelamento dos registos da propriedade do mencionado prédio a favor da 2ª Ré e dos 3ºs RR. * DECISÃO:Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, reconhecendo-se o direito do A a preferir na compra do prédio rústico identificado no ponto sete dos factos provados, substituindo-se este à 2ª Ré T..., Unipessoal, Lda no contrato de compra e venda titulado pela escritura identificada no mesmo ponto, ficando o prédio a pertencer-lhe, mediante a entrega do respetivo preço aos compradores 3ºs Réus (pois a Ré já recebeu deste o preço da 1ª venda). Declara-se ineficaz relativamente ao A., a venda referida no ponto 15 da matéria de facto. Determina-se ainda o cancelamento dos registos da propriedade do mencionado prédio a favor da 2ª Ré e dos 3ºs Réus. Custas pelos Réus. * * Guimarães, 29 de junho de 2023 Alexandra Rolim Mendes Maria Luísa Duarte Ramos Paulo Reis |