Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1472/10.0TBFAF.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA EXECUTIVA
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Com o instituto da deserção da instância visa o legislador sancionar as partes pela inércia/inação em promoverem o andamento do processo, o qual se pretende que, tanto quanto possível, seja célere, por forma a garantir/obter a composição do litígio em tempo razoável.
II – Como decorre do texto do art. 281º/5 do CPC, são pressupostos (cumulativos) para que a deserção da instância executiva possa ser declarada:
a) Que o processo se encontre parado, a aguardar impulso processual das partes, há mais de 6 (seis) meses;
b) E que essa paragem do processo, por falta de impulso processual, se fique a dever à negligência das partes.
III – A falta de impulso processual pressupõe, desde logo, que as partes (ou alguma delas) não praticaram, durante aquele período de tempo, acto (processual) que condicionava ou do qual dependia o andamento do processo, isto é, na acepção de que sem ele o processo não poderia prosseguir os seus ulteriores trâmites legais.
IV – Por sua vez, a negligência pressupõe um juízo subjectivo de censura/culpa, no sentido de responsabilizar as partes (ou alguma delas), devido à sua incúria/imprevidência, pelo não andamento do processo.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 RELATÓRIO

Na presente execução (1) para pagamento de quantia certa, que X – Instituição Financeira de Crédito, S.A. instaurou contra S. N., J. P. e M. N., na sequência da abertura de conclusão em 21-01-2022, foi nessa mesma data proferido o seguinte despacho:

Notifique o(a)(s) exequente(s) e o(a) SE para, em 10 (dez) dias, comprovarem documentalmente ter impulsionado os autos nos 6 (seis) meses que antecedem notificação do presente despacho, sob pena não o fazendo ser declarada a deserção da instância.—
Adverte-se o(a)(s) exequente(s) e o(a) SE que não serão considerados os actos praticados após a notificação do presente despacho para efeitos de se considerar impulsionada a instância.—
Consigna-se que desde_21/10/2020 não há registo informático da prática de qualquer acto.---
Decorridos 10 dias, conclua.—
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O exequente X – Instituição Financeira de Crédito, S.A. pronunciou-se, então, nos seguintes termos:
X – Instituição Financeira de Crédito, S.A., Exequente nos autos à margem referenciados, notificado do despacho com referência nº 177189327, atento o teor do mesmo, vem expor e requerer o seguinte:

Refere-se no despacho supra citado:
Notifique o(a)(s) exequente(s) e o(a) SE para, em 10 (dez) dias, comprovarem documentalmente ter impulsionado os autos nos 6 (seis) meses que antecedem notificação do presente despacho, sob pena não o fazendo ser declarada a deserção da instância.—
Adverte-se o(a)(s) exequente(s) e o(a) SE que não serão considerados os actos praticados após a notificação do presente despacho para efeitos de se considerar impulsionada a instância.—
Consigna-se que desde_21/10/2020 não há registo informático da prática de qualquer acto.---

Contudo, não pode concordar-se com o teor do referido despacho, porquanto determina que não sendo comprovado o impulso nos últimos 6 meses, haverá lugar automaticamente à extinção dos autos por deserção, senão vejamos:

Dispõe o n.º 5 do artigo 281º do C.P.C. o seguinte:
No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.

Em 18.12.2019, a Sra. Agente de Execução remeteu ao Exequente notificação com o seguinte teor:
“... Encontra-se sucessiva a penhora do vencimento auferido pelo executado S. N., prevendo a entidade patronal deste executado, que os descontos à ordem dos presentes autos apenas possam ter início em Fevereiro de 2020.

Face às informações transmitidas, em 07.02.2020 o Exequente remeteu à Sra. AE comunicação com referência nº .........20, nos termos da qual solicitou entre outras
… notificação da entidade patronal do executado S. N. para esclarecer se, atento o tempo decorrido face à previsão de duração da penhora que se encontra a decorrer sobre o seu vencimento, já se mostram reunidas as condições para iniciar os descontos no vencimento à ordem dos presentes autos.
Por fim, solicita-se a V. Exa. se digne proceder ao registo da penhora de eventuais reembolsos ou créditos de impostos que os executados sejam titulares.

Em 07.08.2020, a Exequente face à ausência de qualquer movimentação processual ou informação por parte da Sra. AE remeteu nova comunicação àquela (referência nº 36234867) reiterando o seu interesse na realização das diligências solicitadas em 07.02.2020.

Pela consulta dos autos é possível verificar que a Sra. AE em 16.09.2020 efectuou as notificações solicitadas, no entanto, não comunicou ao Exequente, ou aos autos o resultado das mesmas.

Aliás, apenas agora, depois da notificação do despacho com referência nº 177189327 a Sra. AE veio informar que os resultados das diligências foram infrutíferos, no entanto, não documentou as mesmas.

Com efeito, face ao que se deixou exposto, resulta evidente que os autos não aguardam pelo impulso do Exequente, mas sim pela comunicação da Sra. AE do resultado das diligências requeridas (e reiteradas) pelo Exequente.
10º
Dado o estado dos autos, não se exigia ao exequente que impulsionasse o processo, promovendo a realização de outras diligências de penhora, uma vez que se aguardava pelo resultado das diligências de penhora de vencimento do Executado e da penhora de créditos fiscais.
11º
Ora, dispõe o art. 719º do CPC que, “Cabe ao agente de execução efectuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos”.
12º
Até à data, a exequente não foi notificada da concretização das diligências requeridas em 07.02.2020 (e reiteradas em 07.08.2020), nem lhe foi comunicado pela Sra. Agente de Execução o resultado da notificação efectuada à entidade patronal
13º
Pelo que, a exequente aguardava, desde aquela data, que fossem efectuadas as diligências supra referidas e que lhe fosse notificado o respectivo resultado.
14º
Nos termos do n.º 5 do art. 281º do CPC a deserção da instância no processo de execução tem lugar quando, por negligência das partes o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de 6 meses (sublinhado nosso).
15º
Inexiste qualquer negligência das partes, mormente do exequente, em promover o normal andamento do presente processo.
16º
Pois que à exequente não competia promover o seu andamento processual mas sim à Sra. Agente de Execução, promovendo as diligências solicitadas pelo Exequente, e bem informando o Exequente do resultado das mesmas.
17º
Na verdade, para se poder concluir pela conduta negligente e de indiferença por parte da exequente necessário seria que a exequente tivesse sido notificado pela Sra. Agente de Execução, do resultado das diligências requeridas, nomeadamente de um eventual motivo da sua frustração e, apenas caso a ora exequente não desse o devido impulso processual no prazo de seis meses, poderia considerar-se a instância deserta.
18º
Nas doutas palavras do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 10/07/2014, (Proc. n.º 3829/09.0TBBRG.G1, Relator Filipe Caroço), “não é possível atribuir a responsabilidade da paragem do processo à exequente sem um justificado juízo de inadimplência e de censura a ela dirigido”.
19º
Pode ler-se ainda no douto Acórdão supra referido que, “(…) é manifesto que os autos não estavam sequer a aguardar o impulso processual da exequente, mas a continuação dos efeitos da penhora por ela anteriormente requerida e cuja promoção competia à agente de execução (…) como é seu dever funcional, de modo a que aquela, uma vez informada, requeresse o que tivesse por conveniente”.
20º
Do exposto resulta que não se encontrando os autos parados por falta de impulso imputável à exequente, deverá ser ordenado o prosseguimento da execução, o que se requer, requerendo-se ainda a V. Exa. se digne ordenar a notificação da Sra. AE para comunicar ao Exequente do resultado das notificações efectuadas (documentalmente), para que possa o mesmo promover o respectivo impulso processual dos autos.
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Foi, seguidamente, por conclusão de 31-01-2022, proferido o seguinte despacho:
O exequente não comprova ter impulsionado os autos nos últimos 6 meses.
Contrariamente ao que sustenta, cabe ao exequente impulsionar os autos, mais que não seja requerendo a substituição do SE que, segundo o que o próprio exequente alega, não lhe presta informações suficientes.
Sem prejuízo, entendemos que o SE no caso prestou as informações que se mostravam pertinentes, cabendo ao exequente reagir ao que lhe foi notificado, o que não fez.
Pelo exposto, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 281º, nº 5, do Cód. Proc. Civil, julga-se extinta, por deserção, a instância.
Custas pelo exequente, fixando-se à causa o valor indicado no requerimento executivo.
Registe e notifique.
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Inconformado com o supra aludido despacho de 31-01-2022, veio o exequente X – Instituição Financeira de Crédito, S.A. interpor recurso de apelação contra o mesmo, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

A) Entende o MM Juiz de Direito que os autos se encontram há mais de seis meses a aguardar pelo impulso do Exequente e que não tendo sido comprovado o impulso deste nos últimos 6 meses, automaticamente haveria que julgar deserta a instância, e nos termos dos artigos 277º, al. c) e 281º, n.º5, ex vi 551.º, todos do Código Processo Civil, e extinguir-se a instância.
B) Conforme resulta dos autos em 07.02.2020 remeteu à Sra. Agente de Execução com a referência nº .........20 solicitando a notificação da entidade patronal do executado S. N. para esclarecer se, atento o tempo decorrido face à previsão de duração da penhora que se encontra a decorrer sobre o seu vencimento, já se mostram reunidas as condições para iniciar os descontos no vencimento à ordem destes autos, e ainda penhora de eventuais reembolsos ou créditos de impostos que os executados sejam titulares.
C) Em 07.08.2020, verificando que os autos não haviam sido movimentados, o Exequente remeteu nova comunicação à Sra. Agente de Execução, com referência nº 36234867, reiterando o seu interesse na realização das diligências solicitadas em 07.02.2020.
D) Assim, em 16.09.2020 a Sra. AE proferiu decisão de extinção relativamente à executada falecida e notificou-a ao Exequente.
E) Resulta ainda dos autos que a Sra. AE enviou notificação à entidade patronal do executado para atento o lapso de tempo decorrido, esclarecerem a não efectivação dos descontos, uma vez que havia decorrido já o prazo indicado para finalizar os descontos à ordem de processo anterior.
F) No entanto, a Dra. AE não informou o Exequente do envio de tal notificação e após o envio da notificação, também não comunicou ao Exequente, ou aos presentes o resultado daquela, e bem assim não transmitiu o resultado da penhora de créditos fiscais requerida pelo Exequente.
G) Na verdade, apenas depois da notificação do despacho com referência nº 177189327 a Sra. AE veio informar que os resultados das diligências foram infrutíferos, no entanto, não documentou as mesmas, e não notificou o Exequente do requerimento dirigido ao tribunal.
H) Pelo que resulta demonstrado que os autos não se encontravam a aguardar impulso do Exequente, mas que a Sra. AE comunicasse o resultado das diligências requeridas pelo Exequente.
I) Ainda assim poderia questionar-se se a ausência de tramitação processual pela Sra. AE, nomeadamente, a não comunicação do resultado da notificação para penhora de vencimento do executado e o resultado da penhora de créditos fiscais é imputável ao exequente, ainda que a título de negligência.
J) A resposta deverá ser negativa. Apesar de caber ao exequente acompanhar o processo e impulsionar os autos, a verdade é que, o agente de execução exerce as funções em regime de profissão liberal, não estando no processo em concurso de mandato com o mandatário judicial do exequente, mas como auxiliar de justiça do Estado, escolhido pelo exequente.
K) Logo a sua actuação omissiva, pela não realização das diligências solicitadas, não poderá ser imediata e irreversivelmente imputada ao exequente, havendo que notificar este último para se pronunciar sobre a paralisação processual.
L) Não resulta da lei que, o Exequente tenha sempre que impulsionar os autos e reagir contra toda e qualquer aparente paralisação superior a seis meses, ainda que tal paralisação não lhe possa ser imputada, nem lhe tenha sido comunicada, mas apenas e tão só, quando os autos se encontrem a aguardar o impulso do próprio exequente, o que não se verifica no caso dos autos.
M) Mas mais, o prazo de seis meses deve ser contado, a partir do dia em que lhe é notificado o despacho que alerte a parte para a necessidade do seu impulso processual.
N) Assim, deveria o Exequente ter sido notificado para tomar posição sobre o incumprimento dos deveres acometidos ao Agente de Execução, e que o processo aguardaria pelo seu impulso processual, sendo a instância considerada deserta caso nada fosse requerido por si, e não ser notificado para comprovar o impulso dos autos nos últimos 6 meses, sob pena de extinção dos autos.
O) Mas o MM Juiz de Direito do Tribunal a quo apenas determinou que os autos aguardavam há mais de seis meses pelo impulso do Exequente, considerando deserta a instância, sem que tivesse notificado o Exequente para tomar posição sobre o comportamento da Sra. AE e, portanto, sem que tenha transferido para este o ónus de impulsionar o processo que, até aí, estava a cargo do Agente de execução.
P) Nestes termos, constatando-se que o processo não apresenta movimento durante um período temporal significativo que seja bastante para concluir que o agente de execução não está a cumprir os deveres inerentes ao cargo, deveria o Tribunal notificar o exequente para requerer o que tiver por conveniente em face desse incumprimento; só a partir desse momento se poderá considerar que o exequente tem a obrigação e o ónus de tomar posição sobre esse incumprimento e que o processo aguarda o seu impulso processual, considerando-se deserta a instância se nada requerer nos seis meses subsequentes.
Q) Não se pode concluir que o exequente, por inércia ou descuido, haja negado o necessário impulso à execução mas, contrariamente, que era ao agente de execução que incumbia informar os autos do resultado das diligências de penhora requeridas.
R) Não se cumprindo tal formalismo, não pode afirmar-se que exista negligência da exequente em promover o andamento processual, e em consequência, não podia ser declarada a deserção e extinta a instância.
S) De igual modo não pode considerar-se que a Sra. AE tenha prestado as informações pertinentes, pois conforme se demonstrou aquela não prestou ao Exequente qualquer informação, e sob a mesma recaia o dever de informar o Exequente do resultado das diligências requeridas.
T) Razões pelas quais a sentença recorrida violou o artigo 281º nº 5 do Código de Processo Civil devendo ser revogada, o que a final se requer.

Nestes termos e nos melhores de direito deve a sentença sob recurso ser revogada e substituída por outra que ordene a notificação ao Exequente de que os autos se encontram sem impulso processual há mais de seis meses, para requerer o que tiver por conveniente.
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Não consta dos autos terem sido apresentadas contra alegações.
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Assim, as questões a decidir consistem em aferir se o despacho de 31-01-2022 supra descrito deve ser revogado e substituído por outro, nos termos pedidos pelo recorrente.
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3OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede, rememorando-se que o requerimento executivo que deu origem aos presentes autos teve início em 13-08-2010 e idêntico despacho ao proferido em 21-01-2022 havia já sido proferido em 13-12-2019.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Entende o recorrente não ter sido acertado o despacho recorrido, uma vez que os autos não se encontravam a aguardar impulso do Exequente, mas que a Sra. AE comunicasse o resultado das diligências requeridas pelo Exequente.
Quid iuris?

Como já se escreveu (2), a deserção é uma das formas legalmente previstas que conduz à extinção da instância [art. 277º, c) do CPC].
Essa figura processual emana da paralisação do processo, em consequência da inactividade (processual) das partes.

Dispõe o art. 281º do CPC (e tendo em conta o caso em apreço) que:
1- Sem prejuízo do disposto no nº. 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência da das partes, o processo se encontre a aguardar o impulso processual há mais de seis meses.
2- (...)
3- (...)
4- (...)
5- No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer despacho judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.” (sublinhado nosso)

Decorre do texto de tal normativo que são pressupostos (cumulativos) para que a deserção da instância executiva possa ser declarada:

a) Que o processo se encontre parado, por falta de impulso processual das partes, há mais de 6 (seis) meses;
b) E que essa paragem do processo, por falta de impulso processual, se fique a dever à negligência das partes.
Antes de entrarmos na indagação de saber se no caso se verificam ou não os referidos dois pressupostos legais da deserção da instância, importa deixar referido que se mostra, in casu, verificada a situação que vem constituindo jurisprudência prevalecente que a declaração de deserção da instância não pode ser automática, logo que decorridos os seis meses de paragem do processo, pois que se impõe previamente, à prolação do despacho, que o tribunal aprecie e valore o comportamento processual das partes, por forma a concluir se a referida paragem de processo, por falta de impulso processual, se ficou ou não a dever à negligência das mesmas, o que, num juízo prudencial, e também em obediência ao dever de observância do princípio do contraditório plasmado no art. 3º/3 do CPC, impõe ao tribunal que, previamente, ouça as partes a esse respeito (3).
Como decorre da matéria factual que acima se deixou descrita, as partes tiveram oportunidade de se ir pronunciando sobre a questão aqui em discussão, e em respeito do princípio do contraditório. Relembra-se que os autos se iniciaram no longínquo ano de 2010 e tiveram despacho para notificação do exequente e SE a fim de comprovarem documentalmente ter impulsionado os autos nos 6 meses que antecederam a notificação em 13-12-2019 e 21-01-2022. O que certamente explica, entre outras, a situação mencionada em C) das conclusões das alegações do recorrente.
Posto isto, vejamos então se se mostram preenchidos os dois pressupostos legais supra elencados de que depende a declaração da deserção da instância executiva (que, como vimos, são cumulativos).
Com tal normativo visa-se (numa emanação daquilo que decorre dos arts. 20º/1 da CRP e 6º/1 e 7º/1 do CPC) sancionar as partes pela inércia/inação em promoverem o andamento do processo (neste caso executivo), o qual se pretende que, tanto quanto possível, seja célere, por forma a garantir/obter a composição do litígio em tempo razoável.
A negligência pressupõe um juízo subjetivo de censura/culpa, responsabilizando-se as partes, devido à sua incúria/imprevidência, pelo não andamento do processo.
Assim, essa figura processual emana da paralisação do processo (por período superior a 6 meses) em consequência da inactividade (processual das) partes, sendo a isso que se reconduz a falta de impulso processual, constituindo a deserção da instância, conducente à extinção da instância, uma sanção para essa (culposa) inércia processual.
Ou seja, a falta de impulso processual pressupõe que as partes (ou alguma delas) não praticaram, de forma culposa, e durante aquele período de tempo, o acto (processual) que condicionava o andamento do processo, deixando, assim, de promover o andamento do mesmo quando se lhe incumbia fazê-lo. (4)
Debruçando-nos, agora, sobre o presente caso, verifica-se que a situação suscitada tem a ver com a paragem que o processo sofreu, em virtude do arrastamento ocorrido perante a impossibilidade/dificuldade em ser cobrado o credito exequendo. Conforme refere a SE e melhor resulta dos autos, as últimas diligências praticadas reportam a Setembro de 2020, tendo nessa data sido enviadas notificações com vista à penhora de salários/pensões e de, eventualmente, subsídios, sendo que as respostas prestadas pelo CNP, pela entidade patronal e pelo ISS, IP, foram negativas, confirmando a inexistência de bens penhoráveis, pelo menos àquela data.
Invoca o exequente que a Srª SE nunca lhe deu conhecimento do resultado das mencionadas diligências efetuadas, que ele própria requerera, o que aguardava. Pelo que, os autos não se encontravam a aguardar impulso do Exequente, mas que a Sra. AE comunicasse o resultado das diligências requeridas pelo Exequente.
Ora, como assertivamente se refere na decisão recorrida, não existem dúvidas que o exequente não comprova ter impulsionado os autos nos últimos 6 meses, ou seja, a execução esteve parada por mais de 6 meses. Com efeito, desde as diligências empreendidas pela Srª AE em 16 de Setembro de 2020 e dadas a conhecer nos autos em 16 e 17 de Setembro de 2020 até ao despacho de 21 de Janeiro de 2022, a execução esteve sem qualquer movimento, inexistindo algum acto praticado nos autos.
E porquê?
Porque o exequente aguardava que a Srª AE lhe comunicasse o resultado das diligências (por ele) requeridas. Aguardando há mais de 15 meses, aquando do (renovado) despacho de 21-01-2022, em processo iniciado há mais de 10 anos.
Como assim, também aqui inexiste qualquer reparo ao que se diz na decisão recorrida, que cabia ao exequente impulsionar os autos, mais que não seja requerendo a substituição do SE que, segundo o que o próprio exequente alega, não lhe presta informações suficientes. Não sendo possível dissociarmo-nos do contexto do caso concreto, sendo que a Srª AE no caso prestou as informações que se mostravam pertinentes, cabendo ao exequente reagir ao que lhe foi notificado, o que não fez.
Logo, conclui-se, tal como no Tribunal a quo, que a paragem do processo de execução, por período superior a 6 meses, se ficou a dever à falta do impulso processual das partes, e em particular por parte do exequente. Resultando, pois, in casu, a negligência das partes, da inércia por parte do Exequente em promover os termos do processo, como já supra referido.

Nesta conformidade, sem necessidade de mais considerações, improcede o recurso.
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4 – SÍNTESE CONCLUSIVA (art. 663º/7 CPC)

I – Com o instituto da deserção da instância visa o legislador sancionar as partes pela inércia/inação em promoverem o andamento do processo, o qual se pretende que, tanto quanto possível, seja célere, por forma a garantir/obter a composição do litígio em tempo razoável.
II – Como decorre do texto do art. 281º/5 do CPC, são pressupostos (cumulativos) para que a deserção da instância executiva possa ser declarada:
a) Que o processo se encontre parado, a aguardar impulso processual das partes, há mais de 6 (seis) meses;
b) E que essa paragem do processo, por falta de impulso processual, se fique a dever à negligência das partes.
III – A falta de impulso processual pressupõe, desde logo, que as partes (ou alguma delas) não praticaram, durante aquele período de tempo, acto (processual) que condicionava ou do qual dependia o andamento do processo, isto é, na acepção de que sem ele o processo não poderia prosseguir os seus ulteriores trâmites legais.
IV – Por sua vez, a negligência pressupõe um juízo subjectivo de censura/culpa, no sentido de responsabilizar as partes (ou alguma delas), devido à sua incúria/imprevidência, pelo não andamento do processo.
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5 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em julgar a presente apelação improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
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Guimarães, 13-07-2022

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Raquel Baptista Tavares)



1. Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Guimarães - Juízo Execução - Juiz 1.
2. Cfr. Ac. da RC de 15-06-2020, prolatado no Proc. nº 99/12.7TBAMM-B.C1 e acessível in www.dsi.pt.
3. Vide, neste sentido, entre outros, Acs. das Relações de Coimbra de 27/06/2017, proc. 522/05.7TBAGN.C1, de 29/09/2016, proc. 3690/14.3T8CBR.C1, de 06/07/2016, proc.132/11.0TBLSA.C1, de 14/06/2016, proc. 4386/14.1T8CBR.C1, de 07/06/2016, proc. 302/15.6TBLSA.C1, de 18/05/2016, proc. 127/12.6TBVL.C1 e de 07/01/2015, proc. 366/12.6TBVIS.C1; de Lisboa de 09/07/2015, proc. 3224/11.1TBPDL.L, e de 16/06/2015, proc. 1404/10.6TBPDL.L1-L; do Porto de 14/03/2016, proc. 317/06.0TBLSD.P1 e de Guimarães de 06/2016, proc. 1128/08.4TBBGC-B.G1, todos publicados in www.dgsi.pt.
4. Neste sentido, apontam, entre outros, os profs. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil anotado, Vol. 1º., 3ª. edição, Coimbra Editora, págs. 556 e 557”; Ac. da RE de 19/05/2016, proc. 2455/06.0TBLLE.E1; Ac. da RL de 28//04/2016, proc. 437/07.0TTBRR-4; Ac. da RC de 29/09/2016, proc. 3690/14.3T8CBR.C1 e Ac. da RP de 20/10/2014, proc. 189/13.9TJPRT.P1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.