Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3994/20.6T8VCT.G1
Relator: JOAQUIM BOAVIDA
Descritores: CONTRATO DE INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVERES DE INFORMAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
NULIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 – Os contratos de intermediação financeira são os negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de atividades de intermediação financeira.
2 – Os contratos de intermediação financeira integram uma categoria contratual autónoma e aberta, pois podem abarcar vários tipos contratuais, em ordem a cobrir as diversas necessidades dos investidores e a multiplicidade de contratos de investimento que a prática financeira reconhece.
3 – Neste âmbito é usual autonomizarem-se duas categorias: o negócio de cobertura e o negócio de execução. O negócio de cobertura é o concreto contrato de intermediação financeira celebrado entre o intermediário e o investidor e tem por objeto conceder ao intermediário os poderes necessários para celebrar o negócio de execução. O negócio de execução, por seu turno, é o contrato celebrado entre o intermediário e o terceiro, no interesse e por conta do cliente, e tem por objeto a aquisição, alienação ou qualquer outro negócio sobre instrumentos financeiros.
4 – Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado; nas relações com todos os intervenientes no mercado, devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência; na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente.
5 – No âmbito das relações com os seus clientes, os deveres de informação a que estão sujeitos os intermediários financeiros assumem uma dupla vertente: por um lado, devem recolher, verificar e fornecer informação necessária a uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada por parte dos seus clientes; por outro lado, devem suprir eventuais insuficiências nos níveis de ciência e de experiência dos seus clientes, geradoras de desníveis na acessibilidade subjetiva da informação. No fundo, o intermediário deve conhecer o seu cliente a ponto de saber, na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, qual a sua situação financeira, a sua experiência em matéria de investimentos e inclusivamente os próprios objetivos que prossegue através dos serviços a prestar. Para além de se procurar manter o nível de risco dentro de limites que possam ser considerados razoáveis, visa-se tutelar os investidores mais frágeis em termos de conhecimentos e de experiência, que são precisamente os que têm mais dificuldade em chegar à informação necessária para basear uma decisão de investimento racional.
6 – São dois os pressupostos da designada intermediação excessiva:
a) a repetição de operações sobre instrumentos financeiros;
b) que a finalidade principal prosseguida pelo intermediário financeiro, ao fomentar essas operações, seja a cobrança de comissões, a concessão de crédito ou outro objetivo estranho aos interesses do cliente.
7 – O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses do cliente, desde logo face aos seus próprios interesses, diretos ou indiretos, em ordem a cumprir o princípio fundamental que deve orientar a sua atividade, que é o da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes (nº 1 do artigo 304º do CVM). Por isso, só se está perante uma intermediação excessiva quando a repetição de operações é incentivada para o intermediário financeiro obter vantagens estranhas ao interesse do cliente.
8 – Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, presumindo-se a sua culpa quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação. Essa presunção de culpa é ilidível, suscetível de prova do contrário por parte do intermediário financeiro.
9 – Viola o dever de informação o intermediário financeiro que não presta informações completas sobre a natureza do produto financeiro que o investidor estava a subscrever, nem sobre os riscos que a operação envolvia, nomeadamente quanto à possibilidade de perda do capital, e que nenhuma informação recolheu no sentido de apurar o perfil desse investidor, designadamente quanto aos seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento no que respeita ao tipo de instrumento financeiro em causa, e que vê elaborado, dentro da estrutura organizacional do réu, um perfil falso, atribuindo-lhe habilitações, conhecimentos e experiência que não possui.
10 – Incumbe ao investidor o ónus de provar o nexo de causalidade entre a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o dano, em concreto, que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.
11 – Todos os contratos celebrados entre as partes no presente processo inserem cláusulas pré-elaboradas, em que os autores não tiveram qualquer participação na sua preparação e elaboração, cujo teor não puderam influenciar e não foi feita prova de que sobre as cláusulas incidiu efetiva negociação. Por isso, os contratos em litígio têm de considerar-se como contratos de adesão, sujeitos ao regime legal do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de outubro, e, desde logo, aos deveres de comunicação e informação aí previstos.
12 – O artigo 321º do CVM expressamente ressalva que «aos contratos de intermediação financeira é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, sendo para esse efeito os investidores não profissionais equiparados a consumidores.»
13 – Estando demonstrado que o autor sempre exerceu em ... a profissão de pedreiro (trolha) e que a autora é lojista, ambos tendo apenas como habilitações literárias a 4ª classe do antigo ensino primário (atual 1º ciclo do ensino básico), com reduzida preparação cultural e falta de conhecimentos e experiência nas áreas financeiras em causa (produtos financeiros complexos e de elevado risco), daí decorrendo a sua especial fragilidade, impunha-se ao 1º réu, enquanto intermediário financeiro, depois de ponderar as circunstâncias relativas a essas duas pessoas, o que não fez, um dever de os informar de forma extensa e profunda.
14 – Cabendo-lhes o ónus da prova, os réus não demonstraram o cumprimento do dever de comunicação e informação, vigente no domínio das cláusulas contratuais gerais, designadamente quanto ao significado das cláusulas que foram inseridas nos sucessivos negócios.
15 –Tais contratos devem ser considerados nulos, pois, por um lado, do afastamento de todos o clausulado resulta a exclusão de cláusulas fulcrais para os negócios em causa, ficando integralmente afetados os termos de cada um desses contratos com reflexo sobre os direitos e obrigações constituídos pelos mesmos; por outro lado, o quadro global é revelador de um enorme desequilíbrio nas prestações e gravemente atentatório da boa fé, na medida em que se mostra adulterado por um comportamento censurável que se manteve ao longo do período de tempo em que durou a relação negocial entre os autores e os réus, consistente no facto de nunca ter sido recolhida informação, que a lei reputa de essencial, para fazer um juízo sobre a adequação das operações financeiros propostas às características dos autores, antes foram falsificados os seus perfis e foi com base nestes que lhes foram propostos todos os negócios, o que inquinou todo o processo de escolha dos produtos financeiros que os autores foram fazendo, sem que lhes tivessem sido propostos produtos adequados ao seu perfil e sem que estes fizessem verdadeiras escolhas, as quais pressupõem informação que nunca lhes foi prestada.
16 – Declarada a nulidade dos negócios jurídicos e tendo ambas as partes a obrigação recíproca de restituir o que lhes foi prestado, no caso de só uma delas ter pedido a condenação da outra parte na restituição do que prestou, o tribunal deve julgar procedente tal pedido e também condenar a própria parte que invocou a nulidade a restituir aquilo que a contraparte lhe prestou a ela, repondo assim a situação anterior à conclusão dos atos nulos.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

1.1. AA e mulher, BB, propuseram ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Banco 1..., ..., e Banco 2... S.A., ..., formulando os seguintes pedidos:

«EM VIA PRINCIPAL:
A. Declarar-se que o 1º R. incumpriu os seus deveres pré-contratuais para com os AA., violando com culpa grave e com dolo, por ação e omissão, o seu dever de informação e demais princípios associados, devendo os RR. serem condenados a indemnizar os AA. pelo dano negativo sofrido, a saber:
B. Condenar os RR. na indemnização do valor global de 108.484,40€ (cento e oito mil quatro centos e oitenta e quatro euros e quarenta cêntimos) e de 7.083,75 USD (sete mil e oitenta e três dólares e setenta e cinco cêntimos), correspondentes à capitais próprios perdidos nas aplicações financeiras subscritas;
C. Condenar os RR. na indemnização de todos os juros e encargos suportados com os contratos de mútuo coligados a esses produtos;
D. Condenar os RR., em relação a todas estas quantias, ao pagamento de juros de mora a contar da citação e até efetivo e integral pagamento.
EM VIA SECUNDÁRIA, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA E NÃO SE CONSIDERE A RESPONSABILIDADE PRÉCONTRATUAL DOS RR, COM AS DEMAIS CONSEQUENCIAS LEGAIS,
E. Declararem-se nulas ou anuladas todas as subscrições de produtos financeiros, bem como todos os documentos e contratos que com eles se relacionem, nomeadamente os contratos de financiamento associados, por força da violação dos artigos 294º-A, n.º 4, 294º-B, n.º 6, 304º nº 3, 314-A, n.º 3, 310º, 389, nº 1. Al. a) e 397º, nº 2, al. c), do CVM, e ainda dos artigos 1.º, 5.º e 6.º, 12º, 18º e 19º do DL 466/85 de 25 de Outubro e por força dos artigos 251º, 252º e 247º do CC.
F. Consequentemente, condenar os RR. a restituir aos AA. o valor de 108.484,40€ (cento e oito mil quatro centos e oitenta e quatro euros e quarenta cêntimos) e de 7.083,75 USD (sete mil e oitenta e três dólares e setenta e cinco cêntimos), correspondentes à capitais próprios investidos em aplicações financeiras
G. Condenar os RR. a restituir aos AA. todos os juros e encargos suportados com os contratos de mútuo coligados a esses produtos.
EM TODO O CASO, QUALQUER QUE SEJA A DECISÃO,
H. Condenar os RR. no pagamento de uma indemnização de montante não inferior a 30.000,00€, nos termos do artigo 496º do CC.»
Alegam, em síntese, que são clientes do 1º Réu desde 2013 e que desde esse ano até 2015 sempre trataram de todos os assuntos com o gestor CC que se apresentou e comportou, perante os Autores como empregado do 1º Réu, agindo em sua representação. Subscreveram, em 18.02.2013, o produto A... Fev. 2016, nele despendendo o valor de € 181.000,00, correspondente a 181 títulos com valor nominal de € 1.000,00 cada. Desse valor de € 181.000,00, o valor € 100.000,00 correspondeu a fundos próprios e € 81.000,00 a fundos que o próprio banco lhes emprestou para o efeito. Foram informados que o investimento era garantido na mesma medida de um depósito a prazo e que o capital estaria sempre seguro. Nunca lhes foi transmitido ou explicado a existência de riscos, ou a possibilidade de perdas de capital com a subscrição do indicado produto financeiro, bem como nunca lhes foi explicado que o investimento conjunto com o banco seria através de um contrato de mútuo, nos termos do qual o banco Réu lhes emprestaria dinheiro.
Alegam que em 04.06.2013 e 08.09.2013, a conselho do mencionado CC, investiram € 2.000,00 nos produtos A... Jun. 2016 e A... Out. 2017, respetivamente. O referido CC não lhes deu informações ou explicações quanto ao conteúdo ou teor dos documentos que lhes dava para assinar, quer quanto à natureza dos produtos que estavam a subscrever, quer quanto aos riscos que lhes estavam associados. Sucede que os produtos subscritos apresentaram perdas avultadas, pelo que os Autores foram aconselhados pelo banco a resgatar a aplicação subscrita, sob pena de perderem a totalidade do capital próprio subscrito, tendo-lhes sido dito que a única forma de, garantidamente, recuperarem o investimento passaria pela subscrição do produto B..., o que os Autores fizeram, em 22.04.2015, pelo valor de € 125.800,00, correspondente a 185 títulos com valor nominal de € 680,00 cada, sendo € 44.800,00 correspondentes a capitais próprios e € 81.000,00 à concessão do empréstimo bancário nº ...29. Também desconheciam as características deste produto, não se tendo apercebido, sequer, da existência de um empréstimo porque tal lhes foi ocultado. Em julho de 2016, os Autores receberam do 1º Réu a informação de que a aplicação subscrita não estava a alcançar os resultados pretendidos e que para evitar uma perda total do valor investido a única solução seria a venda da referida aplicação para a compra, desta vez de aplicações financeiras em moeda estrangeira. Assim, de forma, repentina e sem nada compreenderem, os Autores viram o banco solicitar-lhes assinaturas para a realização das seguintes transações: (i) em 27.07.2016, venda dos 185 títulos da B... (adquiridos pelo valor de € 125.800,00) pelo preço de € 97.125,00; (ii) em 01.08.2016, amortização do empréstimo bancário nº ...29 pelo valor de € 81.212,70; (iii) em 29.07.2016, abertura da conta em Dólar Americano com o IBAN  ...63 e compra pelo preço de 120.000,00 USD de 120 títulos do produto A... Rendimento USD Empresas ... Junho 2023, com valor nominal de 1.000,00 USD cada; (iv) em 29.07.2016, concessão de crédito bancário nº ...61, no valor de 102.000,00 USD, para financiamento parcial da aquisição anterior. Mais recentemente, em 08.04.2020, os Autores receberam do 2º Réu, Banco 2..., uma comunicação, que os informava de que à data de 07.04.2020 o contrato de mútuo (associado ao produto A... Rendimento USD Empresas ... Junho 2023) se encontrava em “Margin Call”, sendo a relação de cobertura dos instrumentos financeiros de 110,58%. De seguida, o 2º Réu vendeu o aludido produto, por sua exclusiva iniciativa sem contacto prévio e sem qualquer autorização dos Autores, em 10.04.2020, pelo preço de 113.051,95 USD. No final, estas operações provocaram uma perda global de € 108.484,40 e USD 7.083,75 para os Autores, tendo ainda neles provocado ansiedade, preocupação, desespero e fragilizado o seu estado de saúde geral.
*
Citados, os Réus contestaram separadamente, por exceção, invocando a prescrição do direito invocado pelos Autores, e por impugnação motivada.
O 1º Réu requereu a intervenção principal da seguradora EMP01... Limited – ..., como associada dos Réus, e a intervenção acessória de CC, intervenções que foram admitidas
A interveniente principal EMP01... Limited – ... contestou a ação, invocando a sua ilegitimidade processual e substantiva com base no âmbito de cobertura dos contratos de seguro invocados e impugnando a factualidade alegada na petição inicial.
O interveniente acessório CC apresentou contestação, invocando a sua ilegitimidade processual e impugnando motivadamente.
*
1.2. Na audiência prévia, proferiu-se despacho saneador, julgando-se improcedentes as exceções de ilegitimidade passiva invocadas pelos Intervenientes, definiu-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
Os Autores requereram, entretanto, a ampliação do pedido, que foi admitida, tendo o peticionado em via secundária passado a ter a seguinte redação:
«E. Declararem-se nulos ou anulados todos os atos praticados até 23-11-2013, pelo Chamado CC, por falta de habilitações legais, em nome e em representação do 1º R, e assinados e rubricados por aquele e pelo promotor DD, nomeadamente os seguintes atos, contrato de intermediação financeira, ficha de abertura de conta, fichas de cliente, questionário: perfil de investidor, questionário de apuramento do perfil de investidor, bem como, a subscrição de todos os procutos financeiros;
F. Declararem-se nulas ou anuladas todas as subscrições de produtos financeiros, bem como todos os documentos e contratos que com eles se relacionem, nomeadamente os contratos de financiamento associados, por força da violação dos artigos 294º-A, n.º 4, 294º-B, n.º 6, 304º nº 3, 314-A, n.º 3, 310º, 389, nº 1. Al. a) e 397º, nº 2, al. c), do CVM, e ainda dos artigos 1.º, 5.º e 6.º, 12º, 18º e 19º do DL 466/85 de 25 de Outubro e por força dos artigos 251º, 252º e 247º do CC.
G. Consequentemente, condenar os RR. a restituir aos AA. o valor de 108.484,40€ (cento e oito mil quatro centos e oitenta e quatro euros e quarenta cêntimos) e de 7.083,75 USD (sete mil e oitenta e três dólares e setenta e cinco cêntimos), correspondentes à capitais próprios investidos em aplicações financeiras
H. Condenar os RR. a restituir aos AA. todos os juros e encargos suportados com os contratos de mútuo coligados a esses produtos.
EM TODO O CASO, QUALQUER QUE SEJA A DECISÃO,
I. Condenar os RR. no pagamento de uma indemnização de montante não inferior a 30.000,00€, nos termos do artigo 496º do CC.»
Realizada a audiência final, foi proferida sentença, onde se decidiu julgar a ação improcedente, por não provada, e absolver os Réus e a Interveniente principal dos pedidos formulados.
*
1.3. Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

«A- Por douta sentença datada de 25-09-2023, foi julgada totalmente improcedente a ação declarativa com processo comum n.º 3994/20.... proposta pelos AA. contra as Rés Banco 1..., ..., e Banco 2... S.A., ....
B- No âmbito da referida ação os AA. peticionavam, pela via principal, a indemnização dos prejuízos sofridos decorrentes da responsabilidade civil das RR. por violação do dever de informação na subscrição de produtos financeiros, e, caso assim não se entendesse, em via subsidiária, requeria a nulidades e anulabilidades de atos financeiros, concluindo com o pedido de indemnização por danos não patrimoniais.
C- A 1ª R, em contestação, invocou a prescrição da sua responsabilidade civil, nos termos do artigo 324º, n.º 2 do CVM, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, alterado pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, sendo essa a lei aplicável aos autos.
D- A sentença recorrida decidiu pela procedência da exceção perentória de prescrição e pela improcedência dos pedidos subsidiários, absolvendo as RR. dos pedidos.
E- Os recorrentes não se conformam e apresentam o presente recurso começando por demonstrar o erro de julgamento quanto ao decidido sobre a responsabilidade civil das RR. e a sua prescrição (Parte I), terminando com a questão das nulidades e anulabilidades (Parte II).
F- Quanto ao primeiro requisito da responsabilidade civil, o facto ilícito decorrente da violação do dever de informação, o tribunal a quo limitou a prova da violação desse dever apenas à verificação das assinaturas dos AA. nos documentos apresentados.
G- Sendo para o tribunal a quo as assinaturas, só por si, suficientes, para provar que os AA. estavam informados de todas as características dos produtos subscritos.
H- Contudo e ao mesmo tempo, o tribunal a quo não considerou provado que o interveniente CC tenha cumprido seu dever de informação, incluindo a comunicação dos riscos e da possibilidade de perda de capital.
I- Os recorrentes entendem que a decisão do tribunal a quo é incoerente, uma vez que, por um lado, não considera provado o cumprimento do dever de informação por parte do CC, mas, por outro, considera que o dever de informação foi cumprido pela 1ª R.
J- Essa contradição é geradora de nulidade. Nulidade que se argui nos termos do artigo 615º, n.º 1 al. c) do CPC.
K- Ainda que este tribunal ad quem não considere a nulidade arguida (o que não se admite, mas só se pondera), ainda assim, os recorrentes não podem admitir que, SÓ porque está tudo assinado, as RR. não violaram o seu dever de informação e os AA. (porque lhes foi dado uns documentos que assinaram, com a informação completa) tinham conhecimento de todas as características do negócio.
L- Na verdade, esse dever de informação é estrito e rigoroso, sendo legalmente discriminado que a mesma deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º, n.º 1 do CVM); adequada ao entendimento, conhecimento e experiência dos AA. (artigos 304º e 312º do CVM); em particular e sobre tudo quanto a existência de risco (artigo 312-E, n.º 2 do CVM).
M- Ora, os AA. unicamente admitiram ter assinado, mas nunca que tinham conhecimento de todas as características do negócio, e mesmo que delas tivessem conhecimento (por conhecimentos próprios adquiridos e não porque as RR tivessem explicado), tal não invalida nem exclui o dever de informação das RR, pois em nenhuma lei em nenhum lado se diz que se o investidor sabe, não é preciso dizer nada.
N- A decisão do tribunal a quo negligenciou as informações orais fornecidas pelas RR., e que tiveram um impacto significativo sobre os AA. inexperientes em finanças, superando as informações escritas, que eram extensas, em linguagem técnicas e às vezes em inglês. Sendo de muito difícil alcance para os AA. que deram primazia e confiaram na informação prestada oralmente e que se afigurou falsa e incompleta.
O- Provou-se que os AA. assinaram sem ler, porque os documentos eram para eles ininteligíveis e que também não receberam toda a documentação. Veja-se o depoimento de parte do Autor marido entre os minutos [00:10:19] e [00:10:40], [00:16:11] e [00:16:41], [00:13:29] e [00:13:43], e [00:36:09] e [00:36:32]; e da Autora, entre os minutos [00:04:48] e [00:04:56], [00:12:28] e [00:13:00].
P- Ou seja, perante estas declarações de parte, o juiz a quo não poderia ter extraído das referidas assinaturas e dos documentos fornecidos aos AA. a conclusão fácil de que estando a informação completa e verdadeira nos documentos assinados, logo, os AA. tinham conhecimento das características do negócio.
Q- Admitir tal raciocínio seria admitir que ao banco bastaria provar que os documentos se encontram assinados pelo investidor para fazer a prova do cumprimento do seu dever de informação, ainda que não tivesse prestado nenhuma explicação ou esclarecimentos sobre o produto de forma oral ou cliente, ou pior, ainda que tivesse prestado oralmente informações falsas!
R- Isto é: a assinatura dos AA. nos documentos, não prova, nem nunca poderia provar, só por si, que não houve violação do dever de informação pelo banco.
S- Para além disso, os documentos de subscrição têm informações padronizadas e idênticas para todos os investidores, independentemente de sua formação ou experiência. Portanto, a simples assinatura dos documentos pelos AA. não pode comprovar que o banco forneceu informações adequadas ao seu nível de conhecimento e experiência.
T- Assim, para além da evidência documental das assinaturas dos AA., o tribunal a quo deveria ter considerado a prova testemunhal apresentada em audiência de julgamento e que claramente demonstra a violação ilegal do dever de informação por parte da Ré.
U- Nomeadamente, a 1ª R. prestou informações falsas quanto à ausência de risco de perda do capital investido em todos os produtos sugeridos.
V- Desde logo numa fase inicial para o produto A..., Fev. 2016, a 1ª Ré não informou sobre a possibilidade de perda de capital, sendo o seu intuito o da captação do património do cliente. O que vem provado nas declarações de parte do Autor marido entre os minutos [00:03:00] e [00:04:06], [00:05:04] e [00:05:13], e [00:48:17] e [00:49:36]; da Autora entre os minutos [00:03:07] e [00:03:46]; da testemunha EE entre os minutos [00:01:52] e [00:03:29] e do CC entre os minutos [00:49:30] e [00:49:34].
W- Pelo que face a estas declarações, o tribunal a quo deveria ter julgado provado os artigos 34º a 47º da PI.
X- Mas também numa fase posterior, perante o fiasco da primeira aplicação, aquando da subscrição dos produtos B... e A... rendimento USD Empresas ..., a 1ª Ré continuou a não ser verdadeira, dissimulando as perdas e continuando a assegurar que esses novos produtos eram sem risco, impondo-se a sua subscrição para recuperar da desvalorização do A..., Fev.2016.
Y- O que vem provado nas declarações do CC, entre os minutos [00:33:37] e [00:35:40], [00:36:48] e [00:36:56], da testemunha FF, entre os minutos [00:12:59] e [00:14:40], do Autor marido entre os minutos [00:50:53] e [00:51:34], da Autora entre os minutos [00:22:56] e [00:23:10], e [00:16:14] e [00:17:06], e da testemunha EE entre os minutos [00:07:04] e [00:08:05], e [00:17:37] e [00:18:07].
Z- Nessa altura, não foi dada outra opção aos AA. senão subscrever ou perder tudo, existindo outras escolhas que não foram sugeridas, como por exemplo, esperar, pelo que também nessa segunda fase de negociações e de uma forma ainda mais dolosa, premeditada e estudada, foi violado o dever de informação por parte da 1ª Ré, prestando informações incompletas, distorcidas e falsas, pouco claras e até enganosas.
AA- Sendo que face a prova produzida, o tribunal a quo mal julgou ao considerar não provados os factos constantes dos artigos 92º a 157º da PI.
BB- Para além das informações falsas sobre a ausência de risco de perda de capital, a informação prestada pelo CC (único interlocutor dos AA. até 2015) também foi incompleta uma vez que aquele não tinha habilitação para promover e vender esses produtos, nem sequer teve qualquer formação sobre os mesmos.
CC- A falta de habilitação consta dos factos provados na alínea oo), era do conhecimento do próprio CC e da R. que para colmatar essa falta de habilitação, submetia os documentos à uma assinatura posterior de um promotor oficial, DD que nunca teve qualquer contacto com os AA., para que, formalmente não houvesse irregularidades detetáveis.
DD- Assim declararam o CC, entre os minutos [00:02:37] e [00:02:49] e [00:23:14] e [00:23:49] e a testemunha DD entre os minutos [00:01:12] e [00:01:16], e [00:02:15] e [00:03:43].
EE- Essa falta de habilitação prova também a ilicitude da Ré por violação do artigo 294º – B do CVM.
FF- Quanto a sua formação sobre os produtos, o CC declarou não estar preparado para os apresentar, não saber responder a todas as perguntas e colmatar as suas falhas com a promessa de uma posterior reunião com o promotor DD, a qual nunca aconteceu.
GG- O que se prova com as declarações do CC entre os minutos [00:24:21] e [00:24:25], [00:45:22] e [00:45:41], e [00:46:51] e [00:48:00], e da testemunha DD entre os minutos [00:04:52] e [00:05:18] e ainda [00:04:13] e [00:04:29].
HH- Feita a prova testemunhal que o DD nunca conheceu os AA. nem falou com eles, conclui-se que estas reuniões nunca aconteceram tendo os AA. ficado com a informação prestadas pelo CC, a qual é assumidamente, pelo próprio, incompleta. Pois, quem pode dar o que não tem?
II- Continuando a prova sobre a violação do dever de informação, esta violação também abarcou a celebração dos contratos de mútuo que serviram para alavancar os investimentos sugeridos pela 1ª R.
JJ- Pois, prova-se que os AA. nunca souberam que estavam a contrair um empréstimo, os quais foram dissimulados, não explicando que caso corresse mal, poderiam ficar a dever ao banco. E isto, nas declarações do Autor marido entre os minutos [00:56:52] e [00:57:19], e [00:29:27] e [00:30:59], da testemunha EE, entre os minutos [00:06:14] e (00:06:51] e do CC entre os minutos [00:57:53] e [00:58:56].
KK- Face à prova produzida o tribunal a quo mal julgou ao considerar não provados os factos constantes dos artigos 48º a 91º da PI.
LL- Os recorrentes fazem também um reparo essencial quanto a estes mútuos, sublinhando a sua ilicitude por constituírem uma prática bancária proibida, nos termos do artigo 310º do CVM.
MM- Por fim, e ainda quanto à prova da violação do dever de informação, a mesma desde logo deveria ter sido provada em tribunal com a prova de que não foi realizado o perfil de investidor, conforme consta da alínea kk) e ll) dos factos provados, uma vez que o artigo 312º, n.º 2 do CVM obriga a prestação de uma informação adequada a experiência e conhecimento do cliente, o que só se sabe com o apuramento do seu perfil de investidor.
NN- Sendo impercetível o salto de raciocínio ocorrido para, ao mesmo tempo que se considera que não foi feito o perfil do investidor, julga-se não provada a violação do dever de informação. Entrando a sentença em contradição.
OO- Nulidade que se argui nos termos do artigo 615º, n.º 1 al. c) do CPC.
PP- Para além disso, não só o perfil não foi feito como foi falsificado pela 1ª Ré para corresponder ao perfil necessário para a subscrição do produto selecionado.
QQ- Sendo prova disso as declarações de CC entre os minutos [00:16:15] e [00:17:50], [00:41:12] e [00:41:28] e os documentos que demonstram que o perfil foi apurado em data posterior às subscrições (cf. doc. ...1 e ...2 juntos a contestação da 1ª Ré e boletim de subscrição do A... Fev 2016).
RR- Se a Ré teve necessidade de inventar um perfil é porque sabia que se fizesse honestamente as perguntas aos AA. estes nunca poderiam subscrever os produtos por não se adequarem ao perfil necessário, veja o depoimento da testemunha EE entre os minutos [00:04:57] e [00:05:29].
SS- A Ré fez vista grossa aos seus deveres legais, motivada apenas pela venda, independentemente das circunstâncias, revelando dolo grave, na medida em que para atingir os seus fins usou de artifícios criados por ela mesma para conseguir concretizar a venda proibida.
TT- Apesar disso, a sentença não considerou provado o dolo e a culpa grave, desvalorizando a existência de perfis falsos na prova documental.
UU- Para além de provar a violação ilícita do seu dever de informação nos termos do artigo 312º-E, n.º 2 do CVM, este comportamento da Ré é também uma contraordenação muito grave nos termos do artigo 397.º, n.º 2, al n) do CVM, pelo que deveria o Tribuna a quo ter julgados provados os factos constantes dos artigos 18º a 33º da PI.
VV- Por outro lado, o Tribunal a quo julgou provado que os AA realizaram todas as subscrições através do Interveniente GG, com exceção do produto “...” apresentado pelo funcionário da 1ª Ré FF, ao mesmo tempo que considerou não provados os artigos 90º a 94º, 101º, 113º a 119º da contestação do 1º Réu, e os artigos 156º, 157º, 158º, 159º, 180º, 185º e 197º da contestação do chamado CC. Entrando aqui em clara contradição.
WW- Acresce que, ficou por esclarecer quem apresentou os produtos “...” e “...” ao AA., já que nenhum dos funcionários das RR. admitiu tê-lo feito, veja-se o depoimento da testemunha FF entre os minutos [00:00:06] e [00:12:50], e [00:15:16] e [00:16:25] e do CC entre os minutos [00:53:38] e [00:55:38], e [00:58:39] e [01:00:23].
Assim, ficou por provar quem explicou tais produtos aos AA. e o que é que lhes foi explicado.
XX- Concluindo, por tudo quanto se expôs até aqui, ficou provado que as RR. violaram de forma ilícita o seu dever de informação ao qual estão obrigadas por lei, nos termos dos artigos 7º, 304º, 312º e 312º-E, todos do CVM, verificando-se estar preenchido o primeiro requisito da responsabilidade civil.
YY- Provada a violação do dever de informação das RR., presume-se a culpa daquelas nos termos do artigo 304 – A, n.º 2 do CVM, preenchendo-se também este segundo requisito da responsabilidade civil.
ZZ- Por sua vez, o dano consta em parte da matéria provado no que aos valores de compra e venda diz respeito, devendo subtrair-se ainda o valor dos encargos e despesas suportados pelos AA. e somados os juros recebido e que constam da prova documental.
AAA- Pelo que o dano sofrido pelos AA. no A... FEV.2016, perfaz um prejuízo de 65.456,37€, no A... JUN.2016 um prejuízo de 444,80€, no A... Out.2017, um prejuízo de 654,00€ e, finalmente, no B... um prejuízo de 29.276,47€, preenchendo-se, sem margens para dúvidas, o terceiro requisito da responsabilidade civil.
BBB- Ficando ainda quanto ao último requisito do nexo causal a necessidade de provar que “a prestação da informação devida levaria a não tomar a decisão de investir”.
CCC- Ora, quanto ao A... fev. 2016, resulta da prova trazida a juízo que se os AA. tivessem sido informados corretamente sobre a existência de risco de perda de capital, nunca teriam subscrito e que só o subscreveram porque foram mal informados, acreditando na ausência de risco. Neste sentido expos claramente o Autor marido no seu depoimento entre os minutos [00:05:46] e [00:06:27], e a Autora entre os minutos [00:04:08] e [00:04:21].
DDD- A Ré sabia que a garantia do capital investido era A CONDIÇÃO SINE QUA NON para investir pelo que mentiu aos AA., garantindo segurança total e falsificando os perfis dos AA. sendo unicamente “graças” a essas artimanhas e as falsas informações prestadas que a Ré conseguiu que os AA. subscrevessem.
EEE- Assim, o próprio comportamento da 1ª Ré é prova desse nexo de causalidade, isto é, ao violar ilicitamente o seu dever de informação, a Ré demonstra que sabia que se tivessem sido informados, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhes foi proposto, bem como da sua natureza, os AA. não o teriam adquirido.
FFF- Mas mesmo assim o tribunal não se convence.
GGG- De salientar que o produto B... e posteriormente o A... rendimento USD Empresas ..., foram criados, precisamente, para “recuperar” o desastre que foi o produto A... fev. 2016.
HHH- Pelo que, se os AA. não tivessem subscrito o produto A... fev. 2016, não seriam confrontados com o produto ..., nem com o produto USD empresas ..., que foi a “solução criada” pela Ré para resolver a situação crítica daquele primeiro produto.
III- Pelo que, é legitimo entender-se quanto a esses novos produtos consequentes que os mesmos se encontram também manchados, “contaminados”, pela violação do dever de informação inicial, uma vez que, se a violação não tivesse acontecido, os AA. não teriam sido colocados perante produtos “de recuperação”.
JJJ- Em particular quanto B... nem o A... rendimento USD Empresas ... e ao nexo causal, convém ter em conta o circunstancialismo de facto que envolveu essas subscrições.
KKK- Pois, se inicialmente os AA. estavam interessados em encontrar uma solução segura e rentável para suas economias, agora, a situação mudou drasticamente. Aqui, a decisão dos AA. foi influenciada pelo fato de não terem sido apresentadas outras opções, pelo que não tiveram a liberdade de escolher, sentindo-se moralmente coagidos a subscrever estes produtos, pois a alternativa era perder tudo.
LLL- A alternativa apresentada aos AA. não se traduziu numa escolha real, sendo encurralados e agindo, como qualquer outra pessoa agiria em situação idêntica.
MMM- Os AA. só investiram nos produtos ... e USD empresas ... porque foram levados a acreditar que era a única maneira de evitar perdas reais, ficando ainda convencidos que com a subscrição do produtos USD ... ficaram também sem o crédito (depoimento de parte do Autor entre os minutos [00:24:23] e [00:25:23]), sendo que se os produtos lhes fossem apresentados individualmente e explicados os riscos, os AA. nunca os teriam subscritos.
NNN- Encontrando-se também provado este último requisito do nexo de causalidade, na medida em que se provou que “a prestação da informação devida levaria a não tomar a decisão de investir”.
OOO- Pelo que ficaram provados todos os requisitos da responsabilidade civil das RR.
PPP- Dispõe o artigo 324º, n.º 2 do CVM que: “Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos.”
QQQ- Provado supra a violação ilícita do dever de informação com culpa e dolo das RR., deve excluir-se o prazo de dois anos, sendo aplicável antes o prazo geral de prescrição de 20 anos consagrado no artigo 309º do CC. Pelo que, à data da propositada da ação, em 23-12-2020, não se encontrava prescrita a responsabilidade civil das RR.
RRR- Contudo e sem prescindir, se se considerar que se deve aplicar o prazo de dois anos previsto no artigo 324º do CVM, ainda se deve dizer quanto ao início da contagem do prazo que se deve considerar para o efeito a data de 08-04-2020, em que os AA. foram informados por carta que o contrato de mútuo associado a última aplicação subscrita A... Rendimento USD Empresas ... Junho 2023 se encontrava em Margin Call, conduzindo a venda compulsiva do produto pela 2ª Ré (cf. Doc. n.º ...7 da PI). Pois só nessa altura é que se concretizou o que sempre lhe disseram nunca acontecer: a perda efetiva de capital e só nessa altura tiveram conhecimento do prejuízo sofrido quando até então lhes tinha sido assegurado todo o seu capital.
SSS- Pelo que sempre deverá improceder a exceção invocada pelas RR.
TTT- Por tudo quanto se expôs, deve a sentença recorrida ser anulada e substituída por outra que improceda a exceção de prescrição invocada pelas RR. e que julgue procedente a responsabilidade civil das mesmas pelos danos sofridos pelos AA. em consequência da violação ilícita do dever de informação.
UUU- Aqui chegado e fechada a parte relativa ao pedido principal dos AA. falta abordar a questão dos pedidos subsidiários, a considerar caso improceda o primeiro, o que não se admite, mas simplesmente se podera.
VVV- Quanto ao pedido de declaração de nulidade ou de anulação dos atos praticados pelo CC em virtude de o mesmo não possuir habilitações legais, diz a sentença o seguinte: “não se vislumbra fundamento factual ou legal para a declaração de nulidade ou anulação dos supostos atos praticados até 23.11.2013 pelo Interveniente”.
WWW- Ora o fundamento legal é o que consta do artigo 294º-A, B e C do CVM e o fundamento de facto consta ele também da alínea oo) dos factos provados.
XXX- Ou seja, desde fevereiro 2013 e até a assinatura do seu contrato de promotor em 25-11-2013, o CC, agindo sempre por conta e representação da 1ª Ré, concretizou diversas operações financeiras, sem estar para isso habilitado, e isso, com conhecimento da 1ª Ré que fazia assinar posteriormente todos os documentos ao promotor DD (que nunca teve qualquer contacto com os AA.) para que estes formalmente não aparentassem qualquer irregularidade.
YYY- Essa posterior assinatura não pode “limpar” a falta de habilitações do CC, pois a assim ser qualquer pessoa poderia propor e vender produtos financeiros, mesmo sem estar habilitado, desde que os mesmos fossem a seguir assinado por pessoa habilitada.
ZZZ- A função do promotor vai muito para além da simples assinatura, não podendo ser delegada, por força da cláusula 4.5 do contrato de promotores.
AAAA- Assim, todas operações realizadas pelo CC devem ser consideradas nulas ou anuladas, por não preencher os requisitos legais do artigo 294º - A, B e C do CVM.
BBBB- Quanto ao pedido de declaração de nulidade por força do regime das cláusulas contratuais gerais, diz a sentença: “o investidor/aderente encontra-se também vinculado ao cumprimento do princípio da auto-responsabilidade, que impõe que adote um comportamento diligente e ativo no sentido de procurar o seu próprio esclarecimento”.
CCCC- O artigo 321º do CVM remete para o regime das Cláusulas Contratuais Gerais sendo que a falta de comunicação prévia de todas as cláusulas do contrato, bem como a clara e completa explicação das mesmas, conduz à nulidade das mesmas nos termos dos artigos 1º, 5º, 6º e 8ºdo DL 466/85 de 25 de outubro.
DDDD- O argumento da auto-responsabilidade não pode esvaziar a aplicabilidade prática daquelas normas, devendo atender-se a outros princípios, às circunstâncias de facto e às partes envolvidas.
EEEE- O Meritíssimo Juiz a quo julgou mais condenável a atitude, talvez negligente, de um casal de 74 e 64 anos de idade que confiou as poupanças de toda uma vida de trabalho numa instituição séria como um banco, do que no aproveitamento abusivo daquela confiança por parte de um gigante da banca.
FFFF- Parece existir dois pesos e duas medidas, sendo a negligência dos AA. condenada bem mais severamente do que a enormidade e gravidade da ilicitude do comportamento da 1ª Ré, a qual parece irrelevante.
GGGG- Pois apesar da confiança talvez cega dos AA., ainda assim, a Ré tinha que informar de forma completa, verdadeira, clara e adequada, mesmo que nada lhe fosse perguntado uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada” (cf. Barreto Menezes Cordeiro, in Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Reimpressão, Almedina, setembro de 2017, pág. 305 e o Acórdão do STJ de 12/01/2017, Processo n.º 428/13.3 TCFUN.L1.S1).
HHHH- Isto é, os AA. não eram obrigados a perguntar, contudo, a Ré, mesmo que estes não perguntassem, era obrigada a comunicar todas as cláusulas do contrato!
IIII- Provou-se que nem todas as cláusulas foram comunicadas, algumas até foram ocultadas (risco) pelo que também por esse motivo devem os todos os contratos celebrados entre os AA. e as RR. serem declarados nulos, por violarem os artigos 1º, 5º, 6º e 8ºdo DL 466/85 de 25 de outubro.
JJJJ- Quanto aos mútuos, o tribunal a quo não se pronunciou sobre a nulidade dos mesmo por violarem as normas que proíbem a intermediação excessiva (churning), estando a sentença omissa quanto a esta questão e por isso nula por força do artigo 608º, n.º 2 do CPC e do artigo 615º, n.º 1, al. d) do CPC.
KKKK- Nulidade que se invoca, impondo-se a apreciação da nulidade dos mútuos subscritos por violação do artigo 310.º do CVM.
LLLL- Para além disso, diz o tribunal a quo sentenciou que não vislumbra do panorama factual que possa ter existido um erro na formação da vontade dos AA.
MMMM- Dá se aqui por reproduzido toda a Parte I-A.1, alínea d) supra deste articulado onde se evidencia que os mútuos foram contraídos em consequência de informações incompletas e falsas, que fizeram com que os AA., nunca tivessem uma verdadeira noção da natureza e objeto dos aludidos contratos, nem dos riscos associados aos mesmos.
NNNN- A 1ª Ré conhecia e não ignorava a essencialidade para os AA. dos elementos sobre os quais incidiu o erro e por saber disso omitiu, distorceu, falseou e embelezou a informação prestada, ciente que se dissesse toda a verdade, os AA. nunca teriam concordado em subscrever
OOOO- O erro existe e é provado uma vez que consta dos autos que os AA. subscreveram empréstimos bancários indesejados sem o saber e que se tivessem sido claramente informados, não teria consentido com os mesmos, assim como, a discrepância na subscrição da aplicação EMP02... fev 2016, em que no documento junto à PI é de 100 mil euros, já no documento junto à contestação da 1ª Ré é de 181 mil euros.
PPPP- O erro que atinja os motivos determinantes da vontade e que se refira ao objeto do negócio, torna este anulável, nos termos do disposto nos artigos 251.º e 247.º do CC., pelo que também por esse motivo, os contratos de mútuo que suportaram os investimentos que o 1º R. aconselhou aos AA., devem ser anulados.
QQQQ- Por fim, o tribunal a quo também não se pronunciou quanto a nulidade decorrente da ausência de perfil de investidor adequado para a subscrição das aplicações financeiras sugeridas, sendo também nula a sentença nesta parte por falta de pronuncia nos termos do artigo 608º, n.º 2 do CPC e do artigo 615º, n.º 1, al. d) do CPC.
RRRR- Nulidade que se invoca, impondo-se a apreciação da nulidade de todas as aplicações financeiras subscritas por violação dos artigos 304º, n.º 3, 314º e 314-A, n.º 3 do CVM.
SSSS- Pois a 1ª Ré aconselhou produtos financeiros aos AA. sem avaliar previamente o perfil de investidor (como aliás, consta dos factos provados) e nesse sentido nunca por nunca poderia ter prestado uma informação adaptada ao mesmo.
TTTT- A Ré sabia que o perfil dos AA. não lhe permitia subscrever as aplicações pretendidas por isso falsificou-o. Sem isso, nunca poderiam ter vendido aquelas aplicações aos AA. por violar o artigo 304º, n.º 3 e 314º e 314-A, n.º 3 do CVM que o proíbe expressamente.
UUUU- Pelo que, todos os atos financeiros, realizados sem o apuramento do perfil de investidor e com recurso a um perfil falso para atingir um propósito de “validade formal” são nulos ou anuláveis por violação dos artigos 304º, 314 e 314-A, n.º 3 do CVM.

NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E, EM CONSEQUÊNCIA:

A) DEVE SER ANULADA A SENTENÇA RECORRIDA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE DÊ PROCEDÊNCIA À AÇÃO, E QUE NÃO APLIQUE O PRAZO DE PRESCRIÇÃO DE 2 ANOS PREVISTO NO ARTIGO 324º, N.º 2 DO CVM POR VIOLAÇÃO CULPOSA DO DEVER DE INFORMAÇÃO.
SUBSIDIARIAMENTE,
B) NO CASO DE SE MANTER A IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO PRINCIPAL, DEVE SER ANULADA A SENTENÇA RECORRIDA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE DÊ PROCEDÊNCIA AOS PEDIDOS SUBSIDIÁRIOS.»
*
Os Recorridos Banco 1... e Banco 2... apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
O recurso foi admitido.
*
1.4. Questões a decidir

Atentas as conclusões do recurso, cabe apreciar as seguintes questões:
i) Nulidades da sentença (conclusões J, OO, VV, JJJJ e RRRR);
ii) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto (conclusões K a W, X a AA, BB a KK, PP a UU e CCC);
iii) Violação do dever de informação;
iv) Preenchimento dos demais requisitos da responsabilidade civil;
v) Não verificação da exceção de prescrição da responsabilidade civil das Rés;
vi) Declaração de nulidade ou de anulação dos atos praticados pelo interveniente CC em virtude de o mesmo não possuir habilitações legais;
vii) Nulidade ou anulabilidade decorrente da falta do perfil de investidor;
viii) Nulidade ou anulabilidade dos contratos de mútuo por erro-vício na formação da vontade;
ix) Declaração de nulidade por força do regime das cláusulas contratuais gerais.
***
II – Fundamentos

2.1. Fundamentação de facto
2.1.1. Na decisão recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:

«a) Os Autores têm de escolaridade o nível de ensino primário;
b) Sempre exerceram a actividade profissional em ...: ele, pedreiro, ela, lojista;
c) O banco Banco 1... opera em Portugal através da sucursal, aqui primeiro Réu, Banco 1...;
d) No exercício da sua actividade comercial, o primeiro Réu celebrou com os Autores em 01.02.2013, um acordo de abertura de conta de depósito à ordem n.º  ...5, conta solidária, em que figurava como 1º titular o Autor, AA, e como 2.ª titular a Autora, BB, conforme se alcança da cópia do referido acordo, composto por “Condições Particulares” e “Condições Gerais”, junta aos autos de fls. 127v a 141v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
e) Na mesma data, foram entregues aos Autores cartas, nas quais estes apuseram as suas assinaturas, intituladas “...”, com documentos informativos sobre: (i) Advertência sobre Investimentos; (ii) Advertência sobre Recepção e Transmissão Ordens; (iii) Advertência sobre Prevenção ao Branqueamento de Vantagens de Proveniência Ilícita e Financiamento ao Terrorismo; e (iv) Advertência sobre Directiva de Mercados e Instrumentos Financeiros e Política de Gestão de Conflito de Interesses, conforme cópias que se encontram juntas aos autos a fls. 233 e 233v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
f) No dia 1 de Fevereiro de 2013, o Autor apôs a sua assinatura e rubricas na ordem de subscrição (boletim de subscrição, documento informativo e condições finais) do produto financeiro complexo, A... Fev. 2016, associada à conta de depósito à ordem nº  ...5, cujas cópias foram juntas aos autos com o requerimento nº ...32 (documento nº ...6 da contestação do primeiro Réu) e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;
g) O valor da operação foi de € 181.000,00, sendo € 100.000,00 provenientes de capitais próprios e € 81.000,00 provenientes de um empréstimo concedido aos Autores pelo Banco 1... – Contrato de Mútuo (Fora da Aplicação das Regras do Crédito ao Consumo) – Operações Sobre Instrumentos Financeiros – A... Fev. 2016 – composto por “Condições Particulares” e “Condições Gerais”, celebrado em ../../2013 (documento nº ...7 da contestação do primeiro Réu), nos quais os Autores apuseram as suas assinaturas e rubricas, conforme se retira das cópias do referido documento e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
h) Os Autores receberam na vigência deste produto a título de juros brutos, o montante total de € 25.340,00, conforme decorre dos pagamentos concretizados nas seguintes datas: a) 23.05.2013 – € 3.620,00 a título de juros; b) 22.08.2013 – € 3.620,00 a título de juros; c) 21.11.2013 – € 3.620,00 a título de juros; d) 21.02.2014 – € 3.620,00 a título de juros; e) 22.05.2014 - € 3.620,00 a título de juros; f) 21.08.2014 - € 3.620,00 a título de juros; g) 21.11.2014 - € 3.620,00 a título de juros;
i) Na sequência da desvalorização financeira do produto, o Autor deu ordem de venda do mesmo, em 10.04.2015, apondo a sua assinatura na ordens de títulos, cuja cópia se encontra junta aos autos como documento nº ...8 da contestação do primeiro Réu e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
j) Em sequência, receberam os Autores a quantia de € 103.170,00, creditada na supra mencionada conta de depósito à ordem nº  ...5, e com data-valor de 15.04.2015, foi amortizado na íntegra o capital do empréstimo associado ao investimento - Contrato de Mútuo n.º ...16 - no montante de € 81.372,70;
k) No dia 4 de Junho de 2013, o Autor apôs a sua assinatura e rubricas na ordem de subscrição (boletim de subscrição, documento informativo e condições finais) do produto financeiro complexo, A... Jun. 2016, associada à conta de depósito à ordem nº  ...5, cujas cópias foram juntas aos autos com o requerimento nº ...32 (documento nº ...9 da contestação do primeiro Réu) e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;
l) O valor da operação foi de € 2.000,00, sendo proveniente de capitais próprios;
m) Durante a vigência deste produto, os Autores receberam juros brutos no montante total de € 210,00, conforme decorre dos pagamentos concretizados nas seguintes datas: a) 03.10.2013 – € 35,00 a título de juros; b) 03.01.2014 – € 35,00 a título de juros; c) 02.04.2014 – € 35,00 a título de juros; d) 03.07.2014 – € 35,00 a título de juros; e) 02.10.2014 – € 35,00 a título de juros; f) 02.01.2015 – € 35,00 a título de juros;
n) A Autora deu ordem de venda do mesmo, em 16.03.2015, apondo a sua assinatura na ordens de títulos, cuja cópia se encontra junta aos autos como documento nº ...0 da contestação do primeiro Réu e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
o) Em sequência, receberam os Autores a quantia de € 1.404,00, devidamente creditada na supra mencionada conta de depósitos à ordem n.º  ...5;
p) No dia 9 de Setembro de 2013, o Autor apôs a sua assinatura e rubricas na ordem de subscrição (boletim de subscrição, documento informativo e condições finais) do produto financeiro complexo, A... Out. 2017, associada à conta de depósito à ordem nº  ...5, cujas cópias foram juntas aos autos com o requerimento nº ...32 (documento nº ...1 da contestação do primeiro Réu) e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;
q) O valor da operação foi de € 2.000,00, sendo proveniente de capitais próprios;
r) Durante a vigência deste produto, os Autores receberam, a título de juros brutos, o montante total de € 175,00, conforme decorre dos pagamentos concretizados nas seguintes datas: a) 03.01.2014 – € 35,00 a título de juros; b) 03.04.2014 – € 35,00 a título de juros; c) 03.07.2014 – € 35,00 a título de juros; d) 03.10.2014 – € 35,00 a título de juros; e) 05.01.2015 – € 35,00 a título de juros;
s) A Autora deu ordem de venda do mesmo, em 16.03.2015, apondo a sua assinatura na ordens de títulos, cuja cópia se encontra junta aos autos como documento nº ...2 da contestação do primeiro Réu e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
t) Em sequência, receberam os Autores a quantia de € 1.220,00, creditada na supra mencionada conta de depósitos à ordem nº  ...5;
u) No dia 9 de Abril de 2015, o Autor apôs a sua assinatura e rubricas no boletim de subscrição (boletim de subscrição, informações fundamentais ao investidor e condições finais) do produto financeiro complexo, B..., associada à conta de depósito à ordem nº  ...5, cujas cópias foram juntas aos autos como documento nº ...3 da contestação do primeiro Réu e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
v) O valor da subscrição foi de € 185.000,00, tendo os Autores despendido apenas a quantia de € 125.800,00 porque cada note foi adquirida por 68% do seu valor nominal;
w) Sendo € 44.800,00 provenientes de capitais próprios e € 81.000,00 provenientes de um empréstimo concedido aos Autores pelo Banco 1... – Contrato de Mútuo (Fora da Aplicação das Regras do Crédito ao Consumo) – Operações Sobre Instrumentos Financeiros – B... – composto por “Condições Particulares” e “Condições Gerais”, celebrado em ../../2015 (documento nº ...4 da contestação do primeiro Réu), nos quais os Autores apuseram as suas assinaturas e rubricas, conforme se retira das cópias do referido documento e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
x) O Autor deu ordem de venda do produto supra mencionado, com data-valor de 27.07.2016, apondo a sua assinatura na ordens de títulos, cuja cópia se encontra junta aos autos como documento nº ...5 da contestação do primeiro Réu e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
y) Em sequência, receberam os Autores a quantia de € 97.772,50, creditada na supra mencionada conta de depósitos à ordem n.º  ...5, e, com a mesma data-valor, foi amortizado na íntegra o capital do empréstimo associado ao investimento - Contrato de Mútuo n.º ...29 - no montante de € 81.203,44;
z) Também no exercício da sua actividade comercial, o primeiro Réu celebrou com os Autores em 11.05.2016, um acordo de abertura de conta de depósito à ordem em moeda estrangeira (USD) n.º  ...3, conforme se alcança da cópia do referido acordo, junta aos autos de fls. 239v a 241v (documento nº ...4 junto com a contestação do primeiro Réu) e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
aa) No dia 26 de Julho de 2016, o Autor apôs a sua assinatura e rubricas no boletim de subscrição (boletim de subscrição, informações fundamentais ao investidor e condições finais) do produto financeiro complexo, A... Rendimento USD Empresas ... Jun. 2023, associada à conta de depósito à ordem nº  ...3 (USD), cujas cópias foram juntas aos autos como documento nº ...6 da contestação do primeiro Réu e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
bb) O valor da operação foi de $ 181.000,00, sendo $ 18.000,00 provenientes de capitais próprios e $ 102.000,00 provenientes de um empréstimo concedido aos Autores pelo Banco 1... – Contrato de Mútuo (Fora da Aplicação das Regras do Crédito ao Consumo) – Operações Sobre Instrumentos Financeiros – A... Rendimento USD Empresas ... Jun. 2023 – composto por “Condições Particulares” e “Condições Gerais”, celebrado em ../../2016 (documento nº ...7 da contestação do primeiro Réu), nos quais os Autores apuseram as suas assinaturas e rubricas, conforme se retira das cópias do referido documento e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
cc) Os Autores receberam entre Setembro/2016 e Março/2019, a título de juros brutos o montante total de $ 12.670,02, conforme decorre dos pagamentos concretizados nas seguintes datas: a) 22.09.2016 – $ 702,29 a título de juros; b) 22.12.2016 – $ 1.307,13 a título de juros; c) 22.03.2017 – $ 1.349,20 a título de juros; d) 22.06.2017 – $ 1.395,53 a título de juros; e) 22.09.2017 – $ 1.432,07 a título de juros; f) 22.12.2017 - $ 1.447,50 a título de juros; g) 22.03.2018 - $ 1.537,64 a título de juros; h) 24.09.2018 - $ 1.747,41 a título de juros; i) 24.12.2018 - $ 1.751,25 a título de juros; j) 22.03.2019 - $ 1.887,60 a título de juros;
dd) O 1º e o 2º Réu acordaram em trespassar, do primeiro para o segundo, o negócio em Portugal do primeiro Réu do ramo de actividade denominado ..., englobando a transmissão para o segundo Réu do conjunto de activos, passivos e relações contratuais encabeçadas pelo primeiro Réu, nos termos que melhor surgem descritos na cópia da escritura pública junta aos autos de fls. 424 a 435 (documentos nºs. ...8 e ...9 da contestação do primeiro Réu) e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
ee) Os Autores receberam, ainda e por foça da subscrição referida em aa), entre Junho/2019 e Abril/2020, a título de juros brutos o montante total de USD 4.985,92, conforme decorre dos pagamentos concretizados nas seguintes datas: a) 20.06.2019 – $ 1.324,64 a título de juros; b) 24.09.2019 – $ 1.271,50 a título de juros; c) 24.12.2019 - $ 1.221,66 a título de juros; d) 24.03.2020 - $ 1.168,12 a título de juros;
ff) O 2º Réu enviou aos Autores as missivas datadas de 20.03.2020, 27.03.2020 e 08.04.2020, cujas cópias constam de fls. 508 a 509 e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;
gg) No dia 08.04.2020, o Autor AA deu instruções, oral e telefonicamente, ao segundo Réu para proceder à venda das A... Rendimento USD Empresas ... Jun. 2023;
hh) Da venda resultou o montante de USD 113.051,95, que foi devidamente creditado na conta de depósito à ordem  ...55 (que sucedeu, após o mencionado trespasse, à conta nº  ...3 do primeiro Réu), e com o qual foi amortizado o Crédito ao Investimento 500-3013-...27-0 (USD) no montante de USD 102.135,70, ficando o remanescente (USD 10.916,25) creditado na conta dos Autores;
ii) Em Agosto de 2020, os Autores procederam ao encerramento de ambas as contas de depósito à ordem tituladas junto do 2.º Réu, transferindo o respectivo saldo para outra conta (.... ...24);
jj) Os produtos subscritos e mencionados em f), k), p) e aa) são produtos financeiros complexos e podem implicar a perda parcial ou total do capital investido;
kk) Os Autores, em 01.02.2013, apuseram as suas assinaturas nos formulários/questionários, cujas cópias dos autos de fls. 234 e 235 dos presentes autos (documentos nºs. ... e ...0 da contestação do primeiro Réu) e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos, sem que os mesmos estivessem preenchidos e sem que os Autores fossem questionados com as perguntas que nos mesmos se encontram enunciadas;
ll) O Autor, em 04.06.2013, apôs a sua assinatura e rubricas no formulário/questionário, cuja cópia consta dos autos de fls. 238 a 239 dos presentes autos (documentos nº ...3 da contestação do primeiro Réu) e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, sem que o mesmo estivesse preenchido e sem que o Autor fosse questionado com as perguntas que no mesmo se encontram enunciadas;
mm) O Interveniente CC foi trabalhador da sociedade EMP03..., Lda. de 10.03.2012 a 09.10.2013;
nn) O Interveniente CC passou a sócio-gerente da sociedade EMP03..., Lda. em 09.10.2013, conforme se extrai da certidão de matrícula da supra referida sociedade, junta aos autos a fls. 689v e 690 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
oo) O Interveniente CC e o 1º Réu celebraram, em 25.11.2013, o acordo, por eles apelidado de Contrato de Promotor Banco 1..., cuja cópia se encontra de fls. 691 a 706 (documento nº ... da contestação do 1º Réu) e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
pp) Por acordo das partes outorgantes, o acordo supra referido foi revogado em 25.08.2017, conforme se retira da cópia do escrito junta aos autos de fls. 708 a 709 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
qq) Todos os contactos e reuniões relativos às contas abertas no 1º Réu e aos produtos subscritos, que os Autores realizaram com o 1º Réu, fizeram-no pessoalmente e até ../../2017, com e através do Interveniente CC, com excepção da subscrição do produto mencionado em aa);
rr) Até ../../2013, a actividade do interveniente CC era, na ligação ao 1º Réu, formalizada e superintendida pelo promotor deste, DD;
ss) O produto mencionado em aa) foi apresentado aos Autores pelo funcionário do 1º Réu, FF;
tt) Os Autores receberam, na sua residência, os extractos bancários relativos às contas bancárias supra mencionadas desde a sua abertura até ao seu encerramento, tendo acompanhado a cotação dos produtos que subscreveram;
uu) A partir de 1 de Dezembro de 2018, por efeitos da cisão da EMP04... (...), a parte seguradora nos acordos infra descritos passou a ser a ... da EMP01... SA (...), Companhia de Seguros, tendo assumido a denominação de EMP01..., S.A. – ..., conforme se retira da cópia das certidões juntas aos autos de fls. 549 a 557 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
vv) O 1º Réu e a Interveniente EMP01... celebraram, por escrito e em 15 de Dezembro de 2016 (posteriormente renovado), o acordo, pelas partes apelidado de seguro de responsabilidade civil geral (...00), titulado pela apólice nº ...04, nos termos das condições gerais, condições particulares e das condições especiais, cuja cópia se encontra junta aos autos de fls. 558v a 575 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
ww) Entre o 1º Réu e a Interveniente EMP01... foi celebrado, por escrito e em 23 de Outubro de 2017 (posteriormente renovado), o acordo, apelidado pelas partes de Corporate ... Insurance, titulado, pela apólice nº ...44, cujo respectivo clausulado se encontra reproduzido nos autos de fls. 576 a 618, dando-se o mesmo aqui por integralmente reproduzido.»
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2.1.2. Factos não provados

O Tribunal a quo considerou que não se provaram os seguintes factos:
« Da petição inicial: artigos 1º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas a) e b), 6º a 8º, 9º e 10º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea qq), 11º a 17º, 18º a 33º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas kk) e ll), 34º a 75º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas f) a j), 76º a 91º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea qq), 92º a 119º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas k), p) e rr), 120º a 157º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas u) a y), 158º a 169º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas aa) a cc) e ee) a hh), 170º a 179º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea jj), 352º, 354º e 357º.
Da contestação do primeiro Réu: artigos 11º, 13º, 20º a 23º e 25º.
Da contestação do segundo Réu: artigos 32º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea gg).
Da contestação da Interveniente EMP01...: inexistem.
Da contestação do Interveniente CC: artigos 214º e 217º a 219º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea qq), 220º, 224º a 226º, 228º, 230º a 234º.
Da pronúncia dos Autores quanto à matéria de excepção invocada pelos Réus: inexistem.»
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2.2. Do objeto do recurso
2.2.1. Nulidades da sentença
Ao longo das conclusões das alegações, os Recorrentes invocam, esparsamente, diversas nulidades da sentença, quando deviam ter começado por as enunciar no início.
Vamos analisar tais alegados vícios por referência às conclusões onde são apontadas.
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2.2.1.1. Nulidade apontada em I e J
Alegam os Recorrentes que a decisão do Tribunal a quo «é incoerente, uma vez que, por um lado, não considera provado o cumprimento do dever de informação por parte do CC, mas, por outro, considera que o dever de informação foi cumprido pela 1ª R.»
Concluem que «essa contradição é geradora de nulidade (…) nos termos do artigo 615º, n.º 1 al. c) do CPC.»

Dispõe o artigo 615º, nº 1, al. c), do CPC que é nula a sentença quando «os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».
Quanto à contradição intrínseca, a mesma verifica-se quando os fundamentos estão em oposição com a parte decisória. Este vício é apreciado através do confronto entre os fundamentos e o dispositivo da sentença.
Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Se na fundamentação da sentença o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição. Trata-se de um erro lógico-discursivo nos termos do qual o juiz elegeu determinada fundamentação e seguiu um determinado raciocínio, mas decide em colisão com tais pressupostos.
No fundo, para se verificar esta nulidade é necessário que a fundamentação aponte num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se, ou seja, com o que consta do dispositivo da sentença. Há uma violação do denominado silogismo judiciário, constituído por três proposições declarativas: a premissa maior, consistente na facti species legal (quadro normativo aplicável), a premissa menor, correspondente ao facto provado, e a conclusão, enquanto resultado lógico deduzido daquelas premissas. Entre as premissas e a conclusão deve existir um nexo lógico de conformidade; se a conclusão é incompatível com as premissas verifica-se a apontada nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão.
Esta nulidade, enquanto vício de natureza processual, não se confunde com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente ou porque escolhe a norma errada para enquadrar o caso concreto. O erro de julgamento engloba o erro na qualificação (escolha da norma errada), o erro na subsunção (quando o erro se dá aquando da integração dos factos na norma aplicável) e o erro sobre a estatuição (aplicação ao caso de consequência jurídica distinta daquela que a norma aplicada define).
Constitui um erro de julgamento a deficiente subsunção dos factos a uma norma jurídica ou a errónea interpretação desta. Se o juiz entender que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e isso se mostrar incorreto, seja por errada interpretação dos factos ou da norma aplicável, o que existe é erro de julgamento e não oposição causadora de nulidade da sentença, o que já é uma questão de mérito.
Quanto à obscuridade, nas palavras de Alberto dos Reis[1], «a sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz».
Assim, sintetizando, a decisão judicial é obscura quando contém algum trecho cujo sentido seja ininteligível, traduzido na dificuldade de perceção do sentido da expressão ou da frase utilizada. Em todo o caso, a decisão judicial só é ininteligível se um declaratário normal, nos termos dos artigos 236º, nº 1, e 238º, nº 1, ambos do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de se socorrer da fundamentação para a interpretar[2].

No caso dos autos, o que os Recorrentes apontam é um erro de julgamento: no seu entendimento, o Mmo. Juiz decidiu mal por não ter considerado determinado facto não provado. Quer dizer, segundo afirmam, o Sr. Juiz decidiu contrariamente a um facto não provado. Repare-se que nem sequer se trata de uma contradição com um facto provado, mas sim com uma realidade que em sede factual não se considerou demonstrada. Por isso, não há contradição entre a fundamentação seguida e a parte decisória. A linha de raciocínio, mal ou bem, está em consonância com o que vem a decidir-se. Segundo o Sr. Juiz, embora se tenha dado como não provado o alegado pelo Interveniente sobre a sua prestação de informação aos Autores, a conclusão a que chegou resulta da análise de outra e diversa factualidade dada por provada (por exemplo, da assinatura dos documentos; para o Tribunal a circunstância de os Autores terem assinado tais documentos demonstra que foi cumprido o dever de informação).
Termos em que improcede este fundamento de recurso.
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2.2.1.2. Nulidade apontada em NN e OO
Alegam os Recorrentes que é «impercetível o salto de raciocínio ocorrido para, ao mesmo tempo que se considera que não foi feito o perfil do investidor, julga-se não provada a violação do dever de informação». Sustentam que é uma contradição motivadora de nulidade da sentença nos termos do artigo 615º, nº 1 al. c) do CPC.

Também aqui não se está perante algo que constitua causa de nulidade da sentença.
A violação do dever de informação é uma questão de direito. Essa violação deve alicerçar-se em factos. Ela em si não é um facto, mas sim uma valoração jurídica de factos. Daí que a expressão utilizada pelos Recorrentes – «não provada» quando referida a uma consequência jurídica – não seja apropriada.
Portanto, o que os Recorrentes alegam é verdadeiramente um erro de julgamento, traduzido numa errada interpretação e/ou aplicação das normas jurídicas aplicáveis aos factos provados e não provados, sendo que esse erro, por já não respeitar a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença em si mesma considerada (vícios formais ou de conteúdo) ou aos limites à sombra da qual foi proferida, não a inquina de invalidade, mas sim de error in judicando.
Mais: inexiste contradição entre os factos que se julgaram provados na sentença e a ilação jurídica nela extraída pelo julgador a quo, que, operando a subsunção da factualidade julgada provada e não provada ao quadro jurídico que selecionou e aplicou aos autos, concluiu não terem os Réus violado o dever de informação para com os Autores.
Além disso, da circunstância de não ter sido elaborado o perfil de investidor não resulta, em abstrato, que os Réus não possam ter acabado por prestar aos Autores toda a informação adequada e necessária à sua experiência e conhecimentos na área de investimento em produtos mobiliários, tendo em consideração os concretos produtos financeiros subscritos. A legalidade de tal procedimento (não elaboração do perfil de investidor) e a extração da respetiva consequência jurídica já é uma questão de direito.
Pelo exposto, improcede esta questão.
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2.2.1.3. Nulidade apontada em JJJJ e KKKK
Sustentam os Recorrentes, no que respeita aos mútuos, «o tribunal a quo não se pronunciou sobre a nulidade dos mesmo[s] por violarem as normas que proíbem a intermediação excessiva (churning), estando a sentença omissa quanto a esta questão [é] por isso nula por força do artigo 608º, n.º 2 do CPC e do artigo 615º, n.º 1, al. d) do CPC», «impondo-se a apreciação da nulidade dos mútuos subscritos por violação do artigo 310.º do CVM.»
A omissão de pronúncia prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC ocorre quando o juiz não aborda uma questão ou uma pretensão que devesse apreciar.
Esta nulidade emerge da violação do disposto no artigo 608º, nº 2, do CPC, segundo o qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».
Quer isto dizer que a omissão de pronúncia se circunscreve às questões/pretensões formuladas de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido. Todavia, esta nulidade só ocorre quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos” invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas[3].
O conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui[4]. Não ocorre nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra[5].

Os Autores invocaram na petição inicial, nos artigos 315º a 333º, a nulidade dos mútuos subscritos por violação do artigo 310º do CVM.
E na alínea F do petitório formularam o correspondente pedido: «Declararem-se nulas ou anuladas todas as subscrições de produtos financeiros, bem como todos os documentos e contratos que com eles se relacionem, nomeadamente os contratos de financiamento associados, por força da violação dos artigos 294º-A, n.º 4, 294º-B, n.º 6, 304º nº 3, 314-A, n.º 3, 310º, 389, nº 1. Al. a) e 397º, nº 2, al. c), do CVM, e ainda dos artigos 1.º, 5.º e 6.º, 12º, 18º e 19º do DL 466/85 de 25 de Outubro e por força dos artigos 251º, 252º e 247º do CC.
Esta pretensão não foi abordada pelo Tribunal a quo.
Por isso, verifica-se a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Não é necessário o reenvio do processo à 1ª instância, uma vez que esta Relação dispõe de todos os elementos para suprir o vício e conhecer de mérito.
Atente-se, no entanto, que esta pretensão se insere num pedido subsidiário, cujo conhecimento depende da improcedência do pedido principal.
Assim, declara-se nula a sentença por omissão de pronúncia sobre a nulidade dos mútuos subscritos por violação do artigo 310º do CVM.
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2.2.1.4. Nulidade apontada em qqqq e rrrr
Por fim, alegam os Recorrentes que «o tribunal a quo também não se pronunciou quanto [à] nulidade decorrente da ausência de perfil de investidor adequado para a subscrição das aplicações financeiras sugeridas, sendo também nula a sentença nesta parte por falta de pronuncia nos termos do artigo 608º, n.º 2 do CPC e do artigo 615º, n.º 1, al. d) do CPC.»

Os Autores alegaram nos artigos 289º a 307º da petição inicial a questão da nulidade de todas aplicações financeiras por violação dos artigos 304º, nº 3, 314º e 314-A, nº 3, do CVM, preceitos que até reproduziu, tendo formulado o pertinente pedido, que já se transcreveu em 2.2.1.3.
Essa questão foi delimitada no artigo 306º da petição inicial nos seguintes termos: «Também nesse sentido, todas as aplicações subscritas e em particular os contratos de subscrição dos produtos A... Fev. 2016, B... e C... Jun. 2023, padecem de nulidade, por violação dos preceitos legais supra transcritos que impedem a celebração dos mesmos, uma vez que são aplicações de risco máximo e que se destinam à investidores de perfil agressivo.»

Também esta questão e a inerente pretensão não foram apreciadas pelo Tribunal a quo.
Por isso, verifica-se a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
Esta questão, inserida nos pedidos subsidiários, só será conhecida por esta Relação se o pedido principal não proceder.
Assim, declara-se nula a sentença por omissão de pronúncia sobre a nulidade de todas as aplicações financeiras subscritas decorrente da violação dos artigos 304º, nº 3, 314º e 314-A, nº 3, do CVM.
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2.2.2. Impugnação da decisão da matéria de facto
Segundo especificam nas conclusões das suas alegações (conclusões K a W, X a AA, BB a KK, PP a UU), os Recorrentes impugnam, por esta ordem, o decidido pelo Tribunal de 1ª instância relativamente aos seguintes artigos da petição inicial:
- 34º a 47º (conclusão W);
- 92º a 157º (conclusão AA);
- 48º a 91º (conclusão KK);
- 18º a 33º (conclusão UU).
Em resumo, os Recorrentes impugnam a decisão proferida relativamente a parte muito substancial da matéria de facto alegada na petição inicial, ou seja, dos artigos 18º a 157º, nada menos que 140º artigos.
Com vista a poder apreciar a impugnação, procedemos à audição integral da gravação da audiência final e à análise de tudo quanto consta do processo, designadamente os documentos.
Na apreciação dos fundamentos do recurso relativamente aos pontos de facto objeto da impugnação, seguiremos a ordem pela qual os artigos foram expostos na petição inicial, mas tendo por base os blocos de artigos sistematizados pelos Recorrentes e os argumentos expostos nas alegações.

Embora o litígio dos autos pudesse ter sido delimitado de forma suficientemente precisa, na petição inicial (359 artigos) e nas alegações (motivação com 283 pontos e conclusões que quase por quatro vezes dão a volta ao abecedário – só faltaram cinco letras) não houve qualquer preocupação de exposição dos fundamentos de forma minimamente sintética e acessível. Pelo contrário, tudo é exposto de forma prolixa, repetindo-se várias vezes factos, argumentos, ideias, conclusões. Daí que a decisão da matéria de facto na primeira instância tenha redundado numa tarefa extensa e difícil e quando, em via de recurso, se passa para a Relação, em vez de se procurar sintetizar a exposição, ainda se amplia mais a controvérsia, continuando a discutir-se e questionar-se tudo sem atender à circunstância de já existirem múltiplos factos dados como provados. Pior, não se separa o que é impugnação da matéria de facto do que é recurso em matéria de direito.
Daí que nem sequer os Recorrentes consigam especificar a concreta matéria de facto incorretamente julgada, sendo obrigados, em virtude da anterior verborreia, a indicar extensos blocos de artigos da petição inicial (dezenas e dezenas), onde a generalidade do que aí consta nem sequer são factos, mas argumentos, considerações, matéria de direito e valorações, além de alguma dessa matéria já se encontrar provada.
Além disso, optaram por uma impugnação constituída por quatro blocos extensos de artigos da p.i., sem relacionar cada facto impugnado com a respetiva prova, a qual também surge indicada em bloco para todos esses pontos impugnados, o que muito dificulta a apreciação pelo tribunal de recurso.
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2.2.2.1. Artigos 18º a 33º da p.i.
Este conjunto de artigos incide sobre a questão relativa ao perfil do utilizador. É nessa vertente que surge a impugnação por parte dos Recorrentes (v. conclusões PP a UU).
Atenta a sua extensão e por serem impugnados em bloco, tal como sucede com os demais artigos da p.i. objeto da impugnação, não iremos transcrever tudo o que consta destes artigos.

Na parte em que nesses artigos se alega verdadeira matéria de facto, já o Tribunal recorrido se pronunciou sobre parte da mesma nas alíneas kk) e ll) da factualidade assente, a qual, só por si, já é suficientemente esclarecedora.
Com efeito, sabe-se, por constar da al. kk), e está de harmonia com o resultado da prova por nós revista, que os Autores, em 01.02.2013, apuseram as suas assinaturas nos formulários/questionários, cujas cópias constam a fls. 234 e 235 do processo (são os documentos nºs ... e ...0 da contestação do 1º Réu), sem que os mesmos estivessem preenchidos e sem que os Autores fossem questionados com as perguntas que nos mesmos se encontram enunciadas.
Mais, está igualmente provado (ll) que o Autor, em 04.06.2013, apôs a sua assinatura e rubricas no formulário/questionário, cuja cópia consta de fls. 238 a 239 dos autos (documento nº ...3 da contestação do 1º Réu), sem que o mesmo estivesse preenchido e sem que o Autor fosse questionado com as perguntas que no mesmo se encontram enunciadas.
Portanto, previamente aos investimentos, à subscrição das aplicações, não foi traçado o perfil de investidor.
Como os aludidos documentos foram assinados em branco, sem qualquer esclarecimento sobre o que estavam a assinar ou a obtenção prévia de respostas para as perguntas que deles constam, conclui-se que foram posteriormente preenchidos por um terceiro desconhecido, que seguramente não são os Autores dada a diferença da caligrafia e o facto de os documentos não terem ficado na sua disponibilidade.

O que posteriormente se fez constar desses documentos não tem qualquer semelhança com a realidade:
a) os Autores não tinham qualquer experiência de investimento em ações nacionais ou internacionais (ao contrário do que se fez constar dos documentos – v. declarações dos Autores e o depoimento da testemunha EE);
b) não eram e não se consideravam investidores experientes (v. declarações dos Autores e o depoimento da testemunha EE);
c) a respetiva profissão (trolha e lojista/empregada de loja de venda de roupa) não tinha “bastante relação” com o setor financeiro (v. declarações dos Autores e o depoimento da testemunha EE);
d) o seu nível de estudos (os Autores completaram o antigo ensino primário, correspondente ao atual primeiro ciclo do ensino básico) não era o ensino superior completo ou uma pós-graduação terminada (v. declarações dos Autores e o depoimento da testemunha EE);
e) não tinham qualquer formação específica em finanças (v. declarações dos Autores e o depoimento da testemunha EE);
f) não tinham até 75% do seu património investido em “ativos financeiros líquidos”, na definição constante dos documentos, (v. declarações dos Autores e o depoimento da testemunha EE).
O que consta do documento nº ...3 contestação do 1º Réu é ainda mais surrealista, não tendo qualquer relação com a situação do Autor, sendo aí elevado à categoria de investidor frequente em bilhetes do tesouro, dívida pública, obrigações empresariais, papel comercial, fundos de investimento, ETFs, planos de pensões e ações,  produtos estruturados com garantia de capital, obrigações com garantia de capital, produtos estruturados sem garantia de capital, obrigações convertíveis, obrigações high yield (baixo rating), ações preferenciais, participações ou certificados em entidades não cotadas, derivados cotados, derivados OTC, warrants, hedge funds e private equity.
Basta ouvir cinco minutos da gravação das suas declarações para se chegar à conclusão que o Autor desconhece a generalidade destes produtos e, ressalvada a devida consideração, nem sequer tem capacidade para compreender o que são parte substancial desses produtos. Essa é uma realidade da qual não temos a mínima dúvida. É, aliás, patente a dificuldade do Autor em articular frases completas sem vacilações e em expor bem as suas ideias; essa dificuldade é menor na Autora mulher, que é mais desenvolta.
Poder-se-ia ainda suscitar uma dúvida metódica: os Autores assinaram de cruz, mas posteriormente terá o interlocutor telefonado para obter essas informações?
Tudo isso ficou inteiramente esclarecido no depoimento de CC, que foi precisamente a pessoa com quem trataram destes assuntos.
Aquele interveniente afirmou, quando lhe foi perguntado sobre se «foi elaborado o perfil de investidores», que tinha instruções, no que respeita ao aludido perfil e ao de risco, para apenas «recolher a assinatura e rúbrica dos clientes» [00:16:21], «que era só recolher a assinatura e rubrica, e que posteriormente aquilo era enviado para o banco, e que aquilo era aferido de uma determinada forma, portanto na minha frente nunca foi» [00:16:31]. Acrescentou que nunca lhe fez as perguntas [17:19]: «Não, não fiz. Não fiz, as indicações que eu tinha não era para fazer nada, era só recolher assinatura daquilo, aquilo fazia… era parte integrante da abertura de conta» [00:16:54]. Recolheu as assinaturas [17:38], não foi ele que posteriormente preencheu os documentos [17:50], desconhecia a profissão dos Autores [41:26, 41:28] e nunca lhes perguntou pela sua escolaridade [41:14].
Para além de resultar evidente deste depoimento que foram apresentadas, sugeridas e subscritas aplicações financeiras sem análise prévia do perfil dos Autores, sem atender ao seu grau de conhecimentos e de experiência, nenhum elemento documental, prova testemunhal ou outro meio de prova infirma tal conclusão. Como explicaram os Autores, secundados pelo afirmado pelas testemunhas CC e EE, nunca responderam a qualquer questionário de análise de perfil de investidor, tanto de forma escrita como oral.
Mais, verifica-se que os perfis dos Autores que posteriormente foram elaborados por terceiro, que não os Autores, são falsos. Trata-se de elementos que foram falsificados, no sentido de que o que consta dos mesmos não tem qualquer semelhança com a realidade relativa aos Autores.
Toda a posterior relação dos Autores com os Réus surge inquinada tendo por base um perfil de investidor que não tem qualquer correspondência com a realidade, na medida em que lhes foi atribuído, em resultado da análise de ficcionadas respostas a perguntas que não lhe foram feitas (v. docs. nºs ...1 e ...2 da contestação do 1º Réu), o perfil «5 – Agressivo».
Portanto, de todo o arrazoado constante dos artigos 18º a 33º da p.i., cingindo-nos à parte relevante para as diversas soluções plausíveis da questão de direito, importa dar como provado o que consta dos artigos 19º, 20º e 27º da petição inicial. Quanto à matéria dos artigos 30º a 33º, sendo matéria valorativa o que consta dos dois últimos artigos, esta Relação pronunciar-se-á sobre a matéria dos artigos 30º e 31º quando abordarmos a questão da subscrição da primeira aplicação, que foi autonomizada logo na secção seguinte, que começa nos artigos 34º e seguintes (onde se concretiza o alegado nos arts. 30º e 31º).
Assim, na parcial procedência da impugnação, aditam-se aos factos provados os seguintes pontos:
xx) O 1º Réu apresentou e sugeriu aos Autores aplicações financeiras, sem analisar previamente os seus perfis de investidores.
yy) O 1º Réu não cuidou de saber qual o nível de formação dos Autores, nem qual a sua experiência no mercado financeiro.
zz) Os Autores nunca responderam a qualquer questionário de análise de perfil de investidor, tanto de forma escrita como oral.
*
2.2.2.2. Artigos 34º a 47º da p.i.
Este bloco de artigos da p.i. respeita às questões factuais relativas à subscrição da primeira aplicação financeira no Banco 1..., denominada A... Fev. 2016.
O Tribunal recorrido julgou não provados os factos constantes dos artigos «34º a 75º», acrescentando «sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas f) a j)», que é uma formulação que não esclarece o que em concreto se considerou não provado nos artigos 34º a 47º, agora em análise. Tal explicitação também não resulta da motivação da decisão quando aborda a matéria de facto não provada.
Os Recorrentes, seja por não terem compreendido o âmbito da decisão do Tribunal a quo seja por comodidade (impugnação em bloco sem outra especificação, relegando para o tribunal da Relação a separação do “trigo do joio”), concluem em W que «o tribunal a quo deveria ter julgado provado os artigos 34º a 47º da PI».
Em todo o caso, constam da matéria de facto os pontos d) a g), que respeitam ao estabelecimento da relação entre Autores e 1º Réu e à subscrição da primeira aplicação financeira, que é a denominada A... Fev. 2016.

Revista a prova e apreciados os fundamentos da impugnação, verifica-se, em primeiro lugar, que, não obstante versar sobre «os artigos 34º a 47º da PI», os Recorrentes apenas argumentam que «numa fase inicial para o produto A..., Fev. 2016, a 1ª Ré não informou sobre a possibilidade de perda de capital, sendo o seu intuito o da captação do património do cliente. O que vem provado nas declarações de parte do Autor marido entre os minutos [00:03:00] e [00:04:06], [00:05:04] e [00:05:13], e [00:48:17] e [00:49:36]; da Autora entre os minutos [00:03:07] e [00:03:46]; da testemunha EE entre os minutos [00:01:52] e [00:03:29] e do CC entre os minutos [00:49:30] e [00:49:34].»
Repare-se que nos artigos 34º e seguintes da p.i. expunham um conjunto desenvolvido de factos parcelares, mas a realidade é que a prova produzida não foi aprofundada até chegar a esse detalhe.
Agora, em face daqueles meios de prova invocados pelos Recorrentes, é inequívoco que, na fase inicial, relativamente ao produto A..., Fev. 2016, os Autores (a Autora acompanhou sempre o Autor quando este ia às instalações do 1º Réu – v. depoimento de CC [01:05:45], sendo que foi o Autor que subscreveu o produto) acreditavam estar a subscrever um produto financeiro semelhante a um depósito a prazo, com garantia de capital e juros acima da média; o juro mais elevado foi precisamente o elemento que os levou ao 1º Réu, depois de terem conversado com a testemunha EE, primo da Autora mulher, a qual bem definiu que foram pela «gulosice». É patente que desconheciam a natureza do produto financeiro que estavam a subscrever e os riscos do mesmo, em especial quanto à possibilidade de perda do capital.
Mais, o seu interlocutor nestas matérias – CC – afirmou durante o seu depoimento [00:24:25] que lhes explicou «o melhor possível, depois supostamente o senhor DD teria uma nova reunião com eles, para dar uma explicação mesmo detalhada, portanto a minha… a minha primeira apresentação era dentro dos meus conhecimentos, eu não tinha formação à data, portanto a minha formação era a dada por eles, e eles mais tarde, segundo o que eles diziam, dariam uma explicação mais cabal, mais aprofundada dos produtos.»
Quer isto dizer, desde logo, que o funcionário dos promotores, que nem sequer tinha formação de promotor [00:25:29], deu uma explicação genérica antes da subscrição da primeira aplicação e depois o promotor DD (DD) iria ter uma reunião com os Autores para lhes dar uma explicação mais cabal, mais adequada.
Sucede que esta reunião nunca teve lugar. É possível concluir isso por a testemunha DD não conhecer os Autores [00:01:16 e 00:02:31] e ter admitido que não se reuniu com eles [00:04:29]. O próprio CC refere que tal reunião não terá ocorrido [00:24:58].
Portanto, a explicação completa, cabal e adequada, prestada por quem conhecia o produto e tinha formação, habilitações e competência para o efeito, nunca foi prestada aos Autores.
Repare-se quais eram as instruções de CC, dadas pelo promotor DD, de quem dependia [00:45:41]: «explicou-me o guia geral, disse-me “olha, falas das rentabilidades, do horizonte temporal do produto, falas como tudo funciona a nível geral, e eu depois tenho uma… porque sou eu o responsável perante o banco, eu é que estou habilitado a fazê-lo, eu é que farei uma reunião concreta para explicar tudo ao pormenor”. E, portanto, a explicação que me foi dada e o conhecimento que eu tinha, vinha dele.»
Só que CC não tinha manifestamente conhecimentos e habilitações para dar informações completas sobre o produto, pois a sua formação [00:46:13] «é relações internacionais» e não tinha formação específica, [00:46:22 e 00:46:28] «tinha conhecimentos gerais só. Sou um curioso. A minha apetência na altura era comercial, portanto sempre fui comercial, e, portanto, aquilo era mais uma atividade comercial. A angariação de clientes.»
Por outro lado, verifica-se que CC não conseguiu responder a pedidos de esclarecimentos dos Autores. Perguntado [00:47:01] «se os Autores fizeram alguma pergunta para a qual o senhor não tivesse resposta?», respondeu [00:47:15] «sim». Confrontado [00:47:18] sobre «o que é que dizia nessas alturas?», afirmou [00:47:22]: «Portanto, depois o senhor DD ia falar com eles. Que o senhor DD iria falar com eles em reunião, e, portanto, qualquer dúvida que tivessem a mais podiam retirá-la com ele.»
Porém, como já se referiu, essa reunião nunca ocorreu. O promotor DD nunca reuniu com os Autores e nem sequer os conhece.
Isto demonstra, sem sombra de dúvida, que não foram prestadas todas as necessárias informações e esclarecimentos. E não estavam em causa pessoas com elevadas habilitações (com cursos superiores ou pós-graduações, como falsamente se fez constar do respetivo perfil de investidor), mas sim apenas com o ensino primário e que segundo o próprio CC [00:53:16] «tinham muito pouca informação e cultura financeira».
Finalmente, quanto ao grau de informação e de esclarecimento em que se encontravam os Autores, foi perguntado ao Interveniente CC [00:49:30] «se face ao risco do produto, se foi tudo transmitido por si aos clientes?» e a resposta é elucidativa [00:49:34]: «Não, por mim foi manifestamente insuficiente, face ao que eu sei hoje, não é? E ao que sabia na altura. Portanto, eu na altura tinha uma… uma… uma abordagem muito genérica. Ou seja, a minha abordagem era mais angariação de clientes, trazer lá à agência, comunicar genericamente o que tinham.»
Mais uma vez se demonstra a falta de informação sobre a natureza do produto e os riscos associados, tal como bem referiram os Autores durante as suas declarações. É verdade que o Interveniente afirma ter informado os Autores da possibilidade de “perda de capital”, mas nessa parte as declarações dos Autores são suficientemente elucidativas sobre a falta de prestação dessa informação, sobretudo se tivermos em conta o depoimento da testemunha EE, que constatou a surpresa dos Autores.
Aliás, o próprio CC, quando confrontado com a questão [00:49:48] sobre «se eles ficaram cientes que podiam perder o dinheiro?», não foi perentório e absolutamente seguro: «Eu penso que sim. Pelo que lhes transmiti penso que sim.» Convidado a esclarecer [00:49:55] «o que é que lhes transmitiu nesse aspeto?», disse [00:49:57] «que eram produtos financeiros complexos, sempre eram associados ao comportamento dos… dos… das empresas em questão, portanto do sobe e desce dos mercados. Também lhes transmiti que o banco a todo o momento poderia salvaguardar os seus interesses, porque isso vem dito penso que doze, treze vezes nos boletins de subscrição, portanto que o banco diz a qualquer momento pode resgatar sem prejuízo para os clientes. Pode, mas não significa que o faça, não é? Mas está lá doze ou treze vezes lá escrito, que é para ninguém se esquecer disso. E pronto, e esta… e esta ideia de segurança digamos, de alguém estar ali por trás, também era passada com muita força, portanto isso também era transmitido pelo senhor DD, e eu também vi, depois assisti até a umas apresentações internas…».
O que retiramos daqui é que CC informou os Autores que os produtos eram complexos, que havia o sobe desce dos mercados e que, ao fim e ao cabo, «o banco a todo o momento poderia salvaguardar os seus interesses» e que «a qualquer momento pode resgatar sem prejuízo para os clientes». Como é óbvio, se o banco a qualquer momento poderia salvaguardar os seus interesses, “sem prejuízo para os clientes”, um trolha e uma lojista, com instrução primária (4ª classe), como pessoas simples que são e que logo na adolescência se viram obrigadas a emigrar para ... e começar a trabalhar (a Autora mulher, antes de alcançar a profissão de lojista, teve de trabalhar nas limpezas), o que concluem é que o investimento não é problemático, que não vão ficar sem o dinheiro (é essa a terminologia por si predominantemente usada), pois a ideia dos promotores e do banco era transmitir-lhes segurança.

Assim, na parcial procedência da impugnação, determina-se o aditamento aos factos provados do seguinte ponto:
aaa) Previamente ao referido em f), o Autor não foi integralmente informado e esclarecido pelo 1º Réu sobre a natureza do produto financeiro que estava a subscrever, nem sobre os riscos que a operação envolvia, nomeadamente quanto à possibilidade de perda do capital.
*

2.2.2.3. Artigos 48º a 91º da p.i.
Este bloco de artigos da p.i. respeita às questões factuais relativas ao mútuo contraído junto do 1º Réu Banco 1... e aos termos posteriores à subscrição da aplicação A... CG Fev. 2016.

Embora seja perfeitamente claro, em face da conclusão KK das suas alegações, que os Recorrentes impugnam a decisão proferida relativamente aos artigos 48º da 91º da petição inicial, apenas sobre um concreto ponto de facto indicam a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados.
Essa especificação não consta nem da motivação do recurso nem das conclusões, como demonstraremos, e a consequência legalmente imposta é, na parte respetiva, a rejeição da impugnação, em conformidade com o disposto no artigo 640º, nº 1, al c), do CPC.
Na motivação das alegações, sob o ponto 93º, alegam que «face à prova produzida o tribunal a quo mal julgou ao considerar não provados os factos constantes dos artigos 48º a 91º da PI», enquanto na conclusão KK, afirmam que «[f]ace à prova produzida o tribunal a quo mal julgou ao considerar não provados os factos constantes dos artigos 48º a 91º da PI».
Ora, dizer-se que o tribunal julgou mal ao considerar não provados certos artigos é coisa diferente de dizer o que em concreto devia ter julgado. Uma coisa é julgar mal determinado facto alegado, outra é saber como é que o facto alegado deve ser julgado, ou seja, que decisão deve ser proferida relativamente ao facto alegado, se totalmente provado, se apenas parte provado, se provado sob uma diferente formulação, etc. Esta questão tem um grande relevo prático por parte substancial dos artigos da p.i. conterem valorações, qualificações e matéria de direito, pelo que são insuscetíveis de serem considerados como provados nos exatos termos como foram alegados.
Da afirmação sobre a existência de um erro, só por si, não se retira como é que tal erro se corrige, de forma a que possa considerar-se bem julgado. O que está mal pode ser tratado de diversas formas.
No âmbito do atual processo civil, recai sobre o recorrente o ónus de indicar a decisão que, no seu entender, deverá ser proferida sobre a factualidade impugnada. Segundo Abrantes Geraldes[6], o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto será, total ou parcialmente, rejeitado no caso de se verificar «falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação».
Portanto, desde logo, a impugnação não poderia conduzir a um diferente resultado probatório, seja ele qual for, por se verificar um fundamento legal de rejeição, exceto quanto ao ponto indicado o ponto 92º da motivação das alegações, único relativamente ao qual é especificada a decisão que deveria ter sido proferida pelo Tribunal a quonunca foi claramente explicado aos AA. que, estavam a contrair empréstimos bancários e que, se o investimento corresse mal, poderia ficar com uma dívida ao banco.»)
Porém, mesmo que se ignore a falta de cumprimento do aludido ónus e se parta do pressuposto de que os Recorrentes pretendem que todos aqueles factos sejam julgados provados, em substância também não lhes assiste razão.
Relativamente aos pontos 48º a 91º da p.i. nada permite concluir que a prova produzida aponte em sentido diverso da decisão que foi proferida em 1ª instância, de forma a poder colocar-se em causa o princípio da livre apreciação da prova por parte do Tribunal a quo, e a motivação constante da decisão recorrida. O decidido na sentença mostra-se conforme com uma análise racional da prova produzida.
Como já referimos, os artigos 48º a 91º da p.i. abordam dois núcleos factuais diferentes. Nos artigos 48º a 75º contêm alegações, de facto, de direito e de forma valorativa, relativamente ao contrato de mútuo associado à «aplicação A... CG Fev. 2016», enquanto os artigos 76º a 91º versam sobre os «Termos posteriores à subscrição da aplicação A... CG Fev. 2016».
No que respeita ao mútuo, a motivação do recurso, depois de no ponto 68º ter concluído relativamente aos «factos constantes dos artigos 92º a 157º da PI» (o ponto nº 69º contém uma apreciação valorativa: «Fazendo uma interpretação errónea dos factos e do direito uma vez que ficou provado que a 1ª Ré continuou a violar o seu dever de informação de forma ilícita e que, mesmo que os AA. soubessem nesta fase da existência de risco (o que ainda não tinham plena consciência pela forma como foi transmitida a informação), ainda assim, tal não impedia que a Ré fosse obrigada ao cumprimento daquele dever») e de nos pontos 70º a 88º abordar a questão «c) Da falta de informação clara, completa e direta (também decorrente da falta de habilitações)», cinge-se ao alegado nos pontos 89º a 93º (neste limita-se a concluir: «Pelo que face à prova produzida o tribunal a quo mal julgou ao considerar não provados os factos constantes dos artigos 48º a 91º da PI»).
No fundo, nesses pontos 89º a 92º da motivação das alegações, os Recorrentes alegam que nunca souberam que estavam a contrair um empréstimo, que «nunca foi claramente explicado aos AA. que, estavam a contrair empréstimos bancários e que, se o investimento corresse mal, poderia ficar com uma dívida ao banco. Não foi, certamente, explicado nestes termos.» Alicerçam a impugnação «nas declarações do Autor marido entre os minutos [00:56:52] e [00:57:19], e [00:29:27] e [00:30:59], da testemunha EE, entre os minutos [00:06:14] e (00:06:51] e do CC entre os minutos [00:57:53] e [00:58:56]».
Porém, o alegado é diretamente contrariado pelo que consta das seguintes passagens do Interveniente CC:
«[00:42:43] Juiz: Olhe, quando é que… quando é que surge o contrato de mútuo?
[00:42:51] Interveniente: O contrato de mútuo surge com a subscrição do primeiro produto.
[00:42:56] Juiz: E isso também lhes foi explicado?
[00:42:57] Interveniente: Sim.
[00:42:58] Juiz: E eles aceitaram?
[00:42:59] Interveniente: Aceitaram. [Pausa 00:00:16].
(…)
[00:43:59] Juiz: Sem prejuízo… e em suma, sem prejuízo das perguntas que ficaram por fazer quanto ao perfil de risco e ao perfil de investidor, os autores sabiam perfeitamente o que estavam a subscrever, porque o senhor explicou-lhes?
[00:44:11] Interveniente: Expliquei o melhor possível, sim.»
Finalmente, para que não fiquem dúvidas, não assiste razão aos Autores quanto ao alegado desconhecimento da existência do empréstimo. Basta atentar nas declarações da Autora [00:08:39]: «Foi… foi… a gulosice… a tentação dos… dos… dos juros que iam ser mais altos. E que depois, ao fim de… de três anos… o empréstimo saía e nós íamos buscar o nosso capital de cem mil euros.»

Quanto aos artigos 76º a 91º da p.i. que versam sobre os «Termos posteriores à subscrição da aplicação A... CG Fev. 2016», ou seja, sobre o facto de em 04.06.2013, terem investido € 2.000,00 no produto A... JUN. 2016 e em 08.09.2013 € 2.000,00 no produto A... OUT. 2017 (v. art. 86º da p.i.), para além de parte do aí alegado já constar dos factos provados, verifica-se que os Recorrentes nem sequer aduzem uma específica motivação para impugnar tal matéria, ficando até a ideia de que se dispersaram e não atentaram no que concretamente estava em causa.
Depois, as passagens da gravação que transcrevem (relativas ao depoimento da testemunha DD e do Interveniente CC) nem sequer versam diretamente sobre questões concretas relativas aos dois produtos e não demonstram a realidade do alegado nos pontos 76º a 91º da p.i.
Termos em que improcede a impugnação.
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2.2.2.4. Artigos 92º a 157º da p.i.
Este extenso bloco de artigos da p.i. respeita às questões factuais relativas à desvalorização do produto A... Fevereiro 2016, à aplicação B..., à venda da aplicação B... e à aquisição do produto A... Rendimento USD Empresas ... Junho 2023.

Resulta da conclusão AA das suas alegações, que os Recorrentes pretenderam impugnar a decisão sobre a matéria de facto no que concerne aos artigos 92º a 157º da petição inicial.
Tal impugnação mostra-se motivada nos pontos 49º a 69º das alegações.
Sucede que nem na motivação do recurso nem nas suas conclusões os Recorrentes especificam a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados.
Com efeito, no ponto 68º da motivação limitam-se a afirma o seguinte: «Concluindo-se que pela prova produzida em tribunal e supra descrita, juntamente com a prova documental constante dos autos, o tribunal a quo mal julgou ao considerar não provados os factos constantes dos artigos 92º a 157º da PI.»
Por sua vez na conclusão AA também não vão mais longe: «Sendo que face a prova produzida, o tribunal a quo mal julgou ao considerar não provados os factos constantes dos artigos 92º a 157º da PI.»
Para além de parte substancial desses artigos nem sequer versar sobre matéria de facto, voltamos a enfatizar que dizer-se que o tribunal julgou mal ao considerar não provados certos artigos é coisa diferente de dizer o que em concreto devia ter julgado. Uma coisa é julgar mal determinado facto alegado, outra é saber como é que o facto alegado devia ter sido julgado, ou seja, que decisão deveria ter sido proferida relativamente ao facto alegado, se totalmente provado, se apenas provado em parte, se provado sob uma diferente formulação, etc.
Dizer o que está mal não é o mesmo que dizer o que está bem. O mal decidido pode ser sanado ou corrigido de diversas formas.
No âmbito do atual processo civil, recai sobre o recorrente o ónus de indicar a decisão que, no seu entender, deverá ser proferida sobre a factualidade impugnada. Segundo Abrantes Geraldes[7], o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto será, total ou parcialmente, rejeitado no caso de se verificar «falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação».
Como essa especificação não consta nem da motivação do recurso nem das conclusões a consequência legalmente estabelecida é, na parte respetiva, a rejeição da impugnação, em conformidade com o disposto no artigo 640º, nº 1, al c), do CPC.

Em todo o caso, a tese factual dos Recorrentes relativamente a este extenso rol de artigos da p.i., todos eles impugnados em bloco e sem a preocupação de relacionar um facto alegado num determinado artigo (devidamente identificado, seja por referência ao seu conteúdo, como deve ser, ou sequer à sua numeração) com um concreto meio de prova, foi contrariada pela testemunha CC. Por um lado, a testemunha esteve presente numa reunião entre os Autores e o Sr. FF, onde este lhes disse [00:33:08] «que os mercados estavam a cair», «que o produto estava… estava em queda livre, portanto teriam de sair daquele produto rapidamente». Os Autores [00:33:40] «ficaram assustados». Explicitou que os Autores [00:34:18] «ficaram assustados com o facto de poderem perder todo o dinheiro.»
Quanto ao novo produto, é bom ter presente que perguntado [00:38:52] «se eles não tivessem percebido antes, em abril de dois mil e quinze eles já estavam ao corrente de como funcionava… de como funcionava o produto?» a testemunha respondeu afirmativamente [00:39:05] e que sabiam que o produto podia desvalorizar [00:34:51-00:35:02], bem como que quiseram investir no novo produto [00:40:43-00:40:44], apesar de o próprio interveniente os ter desaconselhado esse investimento no ... [01:03:10-01:03:13] «Eu dei-lhes a minha opinião pessoal que não era boa ideia investir nesse produto.» Perguntado [01:03:16] se «apesar de lhes ter dado essa opinião pessoal, esse aconselhamento, estes senhores investiram neste produto?», respondeu [01:03:23] «Investiram». Repare-se na seguinte sequência de perguntas e respostas: [01:03:24] Advogado: «Estes senhores conformaram-se, ou seja, sabiam qual era o potencial resultado ou aquilo que poderia acontecer? Já sabiam que havia um problema, certo?»; [01:03:31] Interveniente: «Sim»; [01:03:32] Advogado: «Sabiam aquilo que podia acontecer?»; [01:03:33] Interveniente: «Sim»; [01:03:34] Advogado: «E mesmo assim investiram?»; [01:03:35] Interveniente: «Sim»; [01:01:53] Advogado: «Eles sabiam que então era um produto que tinha risco, que tinha um mútuo associado?»; [01:01:58] Interveniente: «Sim».
O próprio Autor admitiu que aquando da venda do produto A... Fev. 2016 e da subscrição do produto ... já sabia da possibilidade de perda de capital, referindo que o CC lhe dizia que «quando estiver a perder eu mudo o produto».
Finalmente, resulta do depoimento do Interveniente que naquela altura sabiam que o produto tinha um mútuo associado ([01:01:53] Advogado: «Eles sabiam que então era um produto que tinha risco, que tinha um mútuo associado?»; [01:01:58] Interveniente: «Sim.»
Termos em que improcede a impugnação quanto a estes pontos.
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2.2.2.5. Matéria de facto estabilizada
A) Em consequência da parcial procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, os factos provados passam a ser os seguintes:
a) Os Autores têm de escolaridade o nível de ensino primário;
b) Sempre exerceram a actividade profissional em ...: ele, pedreiro, ela, lojista;
c) O banco Banco 1... opera em Portugal através da sucursal, aqui primeiro Réu, Banco 1...;
d) No exercício da sua actividade comercial, o primeiro Réu celebrou com os Autores em 01.02.2013, um acordo de abertura de conta de depósito à ordem n.º  ...5, conta solidária, em que figurava como 1º titular o Autor, AA, e como 2.ª titular a Autora, BB, conforme se alcança da cópia do referido acordo, composto por “Condições Particulares” e “Condições Gerais”, junta aos autos de fls. 127v a 141v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
e) Na mesma data, foram entregues aos Autores cartas, nas quais estes apuseram as suas assinaturas, intituladas “...”, com documentos informativos sobre: (i) Advertência sobre Investimentos; (ii) Advertência sobre Recepção e Transmissão Ordens; (iii) Advertência sobre Prevenção ao Branqueamento de Vantagens de Proveniência Ilícita e Financiamento ao Terrorismo; e (iv) Advertência sobre Directiva de Mercados e Instrumentos Financeiros e Política de Gestão de Conflito de Interesses, conforme cópias que se encontram juntas aos autos a fls. 233 e 233v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
f) No dia 1 de Fevereiro de 2013, o Autor apôs a sua assinatura e rubricas na ordem de subscrição (boletim de subscrição, documento informativo e condições finais) do produto financeiro complexo, A... Fev. 2016, associada à conta de depósito à ordem nº  ...5, cujas cópias foram juntas aos autos com o requerimento nº ...32 (documento nº ...6 da contestação do primeiro Réu) e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;
g) O valor da operação foi de € 181.000,00, sendo € 100.000,00 provenientes de capitais próprios e € 81.000,00 provenientes de um empréstimo concedido aos Autores pelo Banco 1... – Contrato de Mútuo (Fora da Aplicação das Regras do Crédito ao Consumo) – Operações Sobre Instrumentos Financeiros – A... Fev. 2016 – composto por “Condições Particulares” e “Condições Gerais”, celebrado em ../../2013 (documento nº ...7 da contestação do primeiro Réu), nos quais os Autores apuseram as suas assinaturas e rubricas, conforme se retira das cópias do referido documento e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
h) Os Autores receberam na vigência deste produto a título de juros brutos, o montante total de € 25.340,00, conforme decorre dos pagamentos concretizados nas seguintes datas: a) 23.05.2013 – € 3.620,00 a título de juros; b) 22.08.2013 – € 3.620,00 a título de juros; c) 21.11.2013 – € 3.620,00 a título de juros; d) 21.02.2014 – € 3.620,00 a título de juros; e) 22.05.2014 - € 3.620,00 a título de juros; f) 21.08.2014 - € 3.620,00 a título de juros; g) 21.11.2014 - € 3.620,00 a título de juros;
i) Na sequência da desvalorização financeira do produto, o Autor deu ordem de venda do mesmo, em 10.04.2015, apondo a sua assinatura na ordem de títulos, cuja cópia se encontra junta aos autos como documento nº ...8 da contestação do primeiro Réu e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
j) Em sequência, receberam os Autores a quantia de € 103.170,00, creditada na supra mencionada conta de depósito à ordem nº  ...5, e com data-valor de 15.04.2015, foi amortizado na íntegra o capital do empréstimo associado ao investimento - Contrato de Mútuo n.º ...16 - no montante de € 81.372,70;
k) No dia 4 de Junho de 2013, o Autor apôs a sua assinatura e rubricas na ordem de subscrição (boletim de subscrição, documento informativo e condições finais) do produto financeiro complexo, A... Jun. 2016, associada à conta de depósito à ordem nº  ...5, cujas cópias foram juntas aos autos com o requerimento nº ...32 (documento nº ...9 da contestação do primeiro Réu) e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;
l) O valor da operação foi de € 2.000,00, sendo proveniente de capitais próprios;
m) Durante a vigência deste produto, os Autores receberam juros brutos no montante total de € 210,00, conforme decorre dos pagamentos concretizados nas seguintes datas: a) 03.10.2013 – € 35,00 a título de juros; b) 03.01.2014 – € 35,00 a título de juros; c) 02.04.2014 – € 35,00 a título de juros; d) 03.07.2014 – € 35,00 a título de juros; e) 02.10.2014 – € 35,00 a título de juros; f) 02.01.2015 – € 35,00 a título de juros;
n) A Autora deu ordem de venda do mesmo, em 16.03.2015, apondo a sua assinatura na ordem de títulos, cuja cópia se encontra junta aos autos como documento nº ...0 da contestação do primeiro Réu e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
o) Em sequência, receberam os Autores a quantia de € 1.404,00, devidamente creditada na supra mencionada conta de depósitos à ordem n.º  ...5;
p) No dia 9 de Setembro de 2013, o Autor apôs a sua assinatura e rubricas na ordem de subscrição (boletim de subscrição, documento informativo e condições finais) do produto financeiro complexo, A... Out. 2017, associada à conta de depósito à ordem nº  ...5, cujas cópias foram juntas aos autos com o requerimento nº ...32 (documento nº ...1 da contestação do primeiro Réu) e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;
q) O valor da operação foi de € 2.000,00, sendo proveniente de capitais próprios;
r) Durante a vigência deste produto, os Autores receberam, a título de juros brutos, o montante total de € 175,00, conforme decorre dos pagamentos concretizados nas seguintes datas: a) 03.01.2014 – € 35,00 a título de juros; b) 03.04.2014 – € 35,00 a título de juros; c) 03.07.2014 – € 35,00 a título de juros; d) 03.10.2014 – € 35,00 a título de juros; e) 05.01.2015 – € 35,00 a título de juros;
s) A Autora deu ordem de venda do mesmo, em 16.03.2015, apondo a sua assinatura na ordens de títulos, cuja cópia se encontra junta aos autos como documento nº ...2 da contestação do primeiro Réu e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
t) Em sequência, receberam os Autores a quantia de € 1.220,00, creditada na supra mencionada conta de depósitos à ordem nº  ...5;
u) No dia 9 de Abril de 2015, o Autor apôs a sua assinatura e rubricas no boletim de subscrição (boletim de subscrição, informações fundamentais ao investidor e condições finais) do produto financeiro complexo, B..., associada à conta de depósito à ordem nº  ...5, cujas cópias foram juntas aos autos como documento nº ...3 da contestação do primeiro Réu e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
v) O valor da subscrição foi de € 185.000,00, tendo os Autores despendido apenas a quantia de € 125.800,00 porque cada note foi adquirida por 68% do seu valor nominal;
w) Sendo € 44.800,00 provenientes de capitais próprios e € 81.000,00 provenientes de um empréstimo concedido aos Autores pelo Banco 1... – Contrato de Mútuo (Fora da Aplicação das Regras do Crédito ao Consumo) – Operações Sobre Instrumentos Financeiros – B... – composto por “Condições Particulares” e “Condições Gerais”, celebrado em ../../2015 (documento nº ...4 da contestação do primeiro Réu), nos quais os Autores apuseram as suas assinaturas e rubricas, conforme se retira das cópias do referido documento e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
x) O Autor deu ordem de venda do produto supra mencionado, com data-valor de 27.07.2016, apondo a sua assinatura na ordem de títulos, cuja cópia se encontra junta aos autos como documento nº ...5 da contestação do primeiro Réu e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
y) Em sequência, receberam os Autores a quantia de € 97.772,50, creditada na supra mencionada conta de depósitos à ordem n.º  ...5, e, com a mesma data-valor, foi amortizado na íntegra o capital do empréstimo associado ao investimento - Contrato de Mútuo n.º ...29 - no montante de € 81.203,44;
z) Também no exercício da sua actividade comercial, o primeiro Réu celebrou com os Autores em 11.05.2016, um acordo de abertura de conta de depósito à ordem em moeda estrangeira (USD) n.º  ...3, conforme se alcança da cópia do referido acordo, junta aos autos de fls. 239v a 241v (documento nº ...4 junto com a contestação do primeiro Réu) e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
aa) No dia 26 de Julho de 2016, o Autor apôs a sua assinatura e rubricas no boletim de subscrição (boletim de subscrição, informações fundamentais ao investidor e condições finais) do produto financeiro complexo, A... Rendimento USD Empresas ... Jun. 2023, associada à conta de depósito à ordem nº  ...3 (USD), cujas cópias foram juntas aos autos como documento nº ...6 da contestação do primeiro Réu e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
bb) O valor da operação foi de $ 181.000,00, sendo $ 18.000,00 provenientes de capitais próprios e $ 102.000,00 provenientes de um empréstimo concedido aos Autores pelo Banco 1... – Contrato de Mútuo (Fora da Aplicação das Regras do Crédito ao Consumo) – Operações Sobre Instrumentos Financeiros – A... Rendimento USD Empresas ... Jun. 2023 – composto por “Condições Particulares” e “Condições Gerais”, celebrado em ../../2016 (documento nº ...7 da contestação do primeiro Réu), nos quais os Autores apuseram as suas assinaturas e rubricas, conforme se retira das cópias do referido documento e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
cc) Os Autores receberam entre Setembro/2016 e Março/2019, a título de juros brutos o montante total de $ 12.670,02, conforme decorre dos pagamentos concretizados nas seguintes datas: a) 22.09.2016 – $ 702,29 a título de juros; b) 22.12.2016 – $ 1.307,13 a título de juros; c) 22.03.2017 – $ 1.349,20 a título de juros; d) 22.06.2017 – $ 1.395,53 a título de juros; e) 22.09.2017 – $ 1.432,07 a título de juros; f) 22.12.2017 - $ 1.447,50 a título de juros; g) 22.03.2018 - $ 1.537,64 a título de juros; h) 24.09.2018 - $ 1.747,41 a título de juros; i) 24.12.2018 - $ 1.751,25 a título de juros; j) 22.03.2019 - $ 1.887,60 a título de juros;
dd) O 1º e o 2º Réu acordaram em trespassar, do primeiro para o segundo, o negócio em Portugal do primeiro Réu do ramo de actividade denominado ..., englobando a transmissão para o segundo Réu do conjunto de activos, passivos e relações contratuais encabeçadas pelo primeiro Réu, nos termos que melhor surgem descritos na cópia da escritura pública junta aos autos de fls. 424 a 435 (documentos nºs. ...8 e ...9 da contestação do primeiro Réu) e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
ee) Os Autores receberam, ainda e por força da subscrição referida em aa), entre Junho/2019 e Abril/2020, a título de juros brutos o montante total de USD 4.985,92, conforme decorre dos pagamentos concretizados nas seguintes datas: a) 20.06.2019 – $ 1.324,64 a título de juros; b) 24.09.2019 – $ 1.271,50 a título de juros; c) 24.12.2019 - $ 1.221,66 a título de juros; d) 24.03.2020 - $ 1.168,12 a título de juros;
ff) O 2º Réu enviou aos Autores as missivas datadas de 20.03.2020, 27.03.2020 e 08.04.2020, cujas cópias constam de fls. 508 a 509 e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos;
gg) No dia 08.04.2020, o Autor AA deu instruções, oral e telefonicamente, ao segundo Réu para proceder à venda das A... Rendimento USD Empresas ... Jun. 2023;
hh) Da venda resultou o montante de USD 113.051,95, que foi devidamente creditado na conta de depósito à ordem  ...55 (que sucedeu, após o mencionado trespasse, à conta nº  ...3 do primeiro Réu), e com o qual foi amortizado o Crédito ao Investimento 500-3013-...27-0 (USD) no montante de USD 102.135,70, ficando o remanescente (USD 10.916,25) creditado na conta dos Autores;
ii) Em Agosto de 2020, os Autores procederam ao encerramento de ambas as contas de depósito à ordem tituladas junto do 2.º Réu, transferindo o respectivo saldo para outra conta (.... ...24);
jj) Os produtos subscritos e mencionados em f), k), p) e aa) são produtos financeiros complexos e podem implicar a perda parcial ou total do capital investido;
kk) Os Autores, em 01.02.2013, apuseram as suas assinaturas nos formulários/questionários, cujas cópias dos autos de fls. 234 e 235 dos presentes autos (documentos nºs. ... e ...0 da contestação do primeiro Réu) e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos, sem que os mesmos estivessem preenchidos e sem que os Autores fossem questionados com as perguntas que nos mesmos se encontram enunciadas;
ll) O Autor, em 04.06.2013, apôs a sua assinatura e rubricas no formulário/questionário, cuja cópia consta dos autos de fls. 238 a 239 dos presentes autos (documentos nº ...3 da contestação do primeiro Réu) e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, sem que o mesmo estivesse preenchido e sem que o Autor fosse questionado com as perguntas que no mesmo se encontram enunciadas;
mm) O Interveniente CC foi trabalhador da sociedade EMP03..., Lda. de 10.03.2012 a 09.10.2013;
nn) O Interveniente CC passou a sócio-gerente da sociedade EMP03..., Lda. em 09.10.2013, conforme se extrai da certidão de matrícula da supra referida sociedade, junta aos autos a fls. 689v e 690 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
oo) O Interveniente CC e o 1º Réu celebraram, em 25.11.2013, o acordo, por eles apelidado de Contrato de Promotor Banco 1..., cuja cópia se encontra de fls. 691 a 706 (documento nº ... da contestação do 1º Réu) e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
pp) Por acordo das partes outorgantes, o acordo supra referido foi revogado em 25.08.2017, conforme se retira da cópia do escrito junta aos autos de fls. 708 a 709 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
qq) Todos os contactos e reuniões relativos às contas abertas no 1º Réu e aos produtos subscritos, que os Autores realizaram com o 1º Réu, fizeram-no pessoalmente e até ../../2017, com e através do Interveniente CC, com excepção da subscrição do produto mencionado em aa);
rr) Até ../../2013, a actividade do interveniente CC era, na ligação ao 1º Réu, formalizada e superintendida pelo promotor deste, DD;
ss) O produto mencionado em aa) foi apresentado aos Autores pelo funcionário do 1º Réu, FF;
tt) Os Autores receberam, na sua residência, os extractos bancários relativos às contas bancárias supra mencionadas desde a sua abertura até ao seu encerramento, tendo acompanhado a cotação dos produtos que subscreveram;
uu) A partir de 1 de Dezembro de 2018, por efeitos da cisão da EMP04... (...), a parte seguradora nos acordos infra descritos passou a ser a ... da EMP01... SA (...), Companhia de Seguros, tendo assumido a denominação de EMP01..., S.A. – ..., conforme se retira da cópia das certidões juntas aos autos de fls. 549 a 557 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
vv) O 1º Réu e a Interveniente EMP01... celebraram, por escrito e em 15 de Dezembro de 2016 (posteriormente renovado), o acordo, pelas partes apelidado de seguro de responsabilidade civil geral (...00), titulado pela apólice nº ...04, nos termos das condições gerais, condições particulares e das condições especiais, cuja cópia se encontra junta aos autos de fls. 558v a 575 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
ww) Entre o 1º Réu e a Interveniente EMP01... foi celebrado, por escrito e em 23 de Outubro de 2017 (posteriormente renovado), o acordo, apelidado pelas partes de Corporate ... Insurance, titulado, pela apólice nº ...44, cujo respectivo clausulado se encontra reproduzido nos autos de fls. 576 a 618, dando-se o mesmo aqui por integralmente reproduzido.
xx) O 1º Réu apresentou e sugeriu aos Autores aplicações financeiras, sem analisar previamente os seus perfis de investidores.
yy) O 1º Réu não cuidou de saber qual o nível de formação dos Autores, nem qual a sua experiência no mercado financeiro.
zz) Os Autores nunca responderam a qualquer questionário de análise de perfil de investidor, tanto de forma escrita como oral.
aaa) Previamente ao referido em f), o Autor não foi integralmente informado e esclarecido pelo 1º Réu sobre a natureza do produto financeiro que estava a subscrever, nem sobre os riscos que a operação envolvia, nomeadamente quanto à possibilidade de perda do capital.
*
B) Factos não provados:
Da petição inicial: artigos 1º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas a) e b), 6º a 8º, 9º e 10º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea qq), 11º a 17º, 18º a 26º e 28º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas kk) e ll), 34º a 41º, 43º a 75º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas f) a j), 76º a 91º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea qq), 92º a 119º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas k), p) e rr), 120º a 157º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas u) a y), 158º a 169º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas aa) a cc) e ee) a hh), 170º a 179º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea jj), 352º, 354º e 357º.
Da contestação do primeiro Réu: artigos 11º, 13º, 20º a 23º e 25º.
Da contestação do segundo Réu: artigos 32º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea gg).
Da contestação da Interveniente EMP01...: inexistem.
Da contestação do Interveniente CC: artigos 214º e 217º a 219º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea qq), 220º, 224º a 226º, 228º, 230º a 234º.
Da pronúncia dos Autores quanto à matéria de excepção invocada pelos Réus: inexistem.
**

2.2.3. Reapreciação de Direito
2.2.3.1. Violação do dever de informação
Os Recorrentes pedem, a título principal, que se declare que o 1º Réu incumpriu os deveres de informação e demais princípios associados a que se encontrava legalmente subordinado para com os Autores, relativos à subscrição dos produtos financeiros denominados de A..., Fev. 2016, A... Jun. 2016, A... Out. 2017, B... e A... Rendimento USD Empresas ... Junho 2023, e, em consequência, se condene os Réus a indemnizar os Autores pelo dano negativo sofrido, no valor global de € 108.484,40 e de USD 7.083,75, correspondente a capitais próprios perdidos nas aplicações financeiras subscritas, bem como a pagar-lhes todos os juros e encargos que suportaram com os contratos de mútuo coligados a esses produtos (celebrados com vista ao financiamento para a aquisição desses produtos), tudo acrescido de juros de mora, desde a citação até integral pagamento.
A relação contratual dos Autores com o Banco 1º Réu iniciou-se em 01.02.2013, com a abertura de uma conta de depósito à ordem (contrato de abertura de conta[8]), solidária, tendo os Autores, enquanto titulares, assinado os documentos informativos referidos em e), intitulados “...”.
Nessa ocasião, o Autor apôs a sua assinatura e rubricas na ordem de subscrição do produto financeiro complexo, intitulado A... Fev. 2016, associado àquela conta de depósito à ordem (f). O valor da operação acabou por ser de € 181.000,00, sendo € 100.000,00 provenientes de capitais próprios e € 81.000,00 provenientes de um empréstimo concedido aos Autores pelo Banco 1.... Esse contrato de mútuo foi celebrado em ../../2013. Na vigência dessa aplicação, os Autores receberam, a título de juros brutos, o montante total de € 25.340,00. Devido à desvalorização financeira do produto, o Autor deu ordem de venda do mesmo, em 10.04.2015, tendo sido creditada na conta dos Autores a quantia de € 103.170,00. Em 15.04.2015, com parte da quantia recebida no valor de € 103.170,00, foi amortizado na íntegra o capital do empréstimo associado ao investimento, no montante de € 81.372,70 (apurando-se um remanescente de € 21.797,30 [103.170,00 – 81.372,70]).
O produto financeiro complexo, A... Jun. 2016, foi subscrito pelo Autor em 04.06.2013, investindo € 2.000,00, provenientes de capitais próprios, e pelo mesmo receberam os Autores juros brutos no montante total de € 210,00. Em 16.03.2015, a Autora deu ordem de venda do mesmo, recebendo os Autores a quantia de € 1.404,00, creditada na conta.
Por sua vez, o produto financeiro complexo A... Out. 2017, foi subscrito pelo Autora a 09.09.2013, mediante aplicação da quantia de € 2.000,00, provenientes de capitais próprios. Os Autores receberam, a título de juros brutos, o montante total de € 175,00. Em 16.03.2015, a Autora deu ordem de venda do mesmo, sendo creditada na conta dos Autores a quantia de € 1.220,00.
No dia 09.04.2015, o Autor subscreveu o produto financeiro complexo B..., no valor € 185.000,00, tendo os Autores despendido apenas a quantia de € 125.800,00 porque cada note foi adquirida por 68% do seu valor nominal, sendo € 44.800,00 provenientes de capitais próprios e € 81.000,00 provenientes de um empréstimo concedido aos Autores pelo Banco 1..., mediante contrato de mútuo celebrado em ../../2015. O Autor deu ordem de venda desse produto em 27.07.2016 e, em consequência, foi creditada na sua conta a quantia de € 97.772,50, sendo na mesma data amortizado na íntegra o capital do empréstimo associado ao investimento, no montante de € 81.203,44. Por conseguinte, depois de amortizado o empréstimo sobejou a quantia de € 16.569,06 (97.772,50 - 81.203,44).
Verifica-se ainda que entre Autores e o 1º Réu, foi em 11.05.2016, celebrado um contrato de abertura de conta de depósito à ordem em moeda estrangeira (USD). Nessa sequência, em 26.07.2016, o Autor subscreveu o produto financeiro complexo A... Rendimento USD Empresas ... Jun. 2023, associado àquela conta (USD), sendo o valor da operação de USD 181.000,00, sendo USD 18.000,00 provenientes de capitais próprios e USD 102.000,00 provenientes de um empréstimo concedido aos Autores pelo Banco 1..., cujo contrato de mútuo foi celebrado em ../../2016. Na vigência desse produto, os Autores receberam, entre Setembro/2016 e Março/2019, a título de juros brutos, o montante total de USD 12.670,02, e entre Junho/2019 e Abril/2020, a título de juros brutos, o montante total de USD 4.985,92.
Tendo, entretanto, o negócio do 1º Réu sido trespassado para o 2º Réu, que enviou aos Autores as missivas datadas de 20.03.2020, 27.03.2020 e 08.04.2020, documentadas a fls. 508 a 509, o Autor, em 08.04.2020, deu instruções, oral e telefonicamente, ao 2º Réu para proceder à venda das A... Rendimento USD Empresas ... Jun. 2023. Em consequência da venda, foi creditada na conta dos Autores, a quantia de USD 113.051,95, com a qual foi amortizado o crédito ao investimento no montante de USD 102.135,70, ficando o remanescente (USD 10.916,25) creditado na conta dos Autores. Por conseguinte, no âmbito desse investimento, os Autores receberam um total de USD 28.572,19 (12.670,02 + 4.985,92 + 10.916,25)
Finalmente, em agosto de 2020, os Autores procederam ao encerramento de ambas as contas de depósito à ordem tituladas junto do 2º Réu, transferindo o respetivo saldo para outra conta.

Em 01.02.2013, data da subscrição do produto A... Fev. 2016 encontrava-se em vigor o Código de Valores Mobiliários (CVM), aprovado pelo Decreto-Lei nº 486/99, de 13 de novembro, na redação vigente à data da subscrição daquele produto, que era a sua 22ª versão, introduzida pela Lei nº 85/2011, de 25 de Junho, bem como o Regime das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de dezembro, na sua 31ª versão, introduzida pela Lei nº 64/2012, de 20/12. É de notar que quando foi celebrado o contrato de mútuo associado à subscrição do aludido produto, em 18.02.2013, já estava em vigor a 23ª versão do CVM, introduzida pelo DL nº 18/2013, de 06/02.
Estando em causa a alegada violação dos deveres de informação e demais deveres conexos pelo 1º Réu para com os Autores na fase pré-contratual que culminou com a subscrição daqueles títulos, é esse o regime legal a aplicar à subscrição do produto financeiro em análise (A... Fev. 2016); e, bem assim, ao contrato de mútuo celebrado entre Autores e 1º Réu, tendo em vista o financiamento dos primeiros, para a aquisição de parte desse produto.
Por sua vez, aquando da subscrição dos produtos A... Jun. 2016 e A... Out. 2017, respetivamente, em 04.06.2013 e em 09.09.2013, já estava em vigor a 24ª versão do CVM, introduzida pelo DL nº 63-A/2013, de 10/05.
À data de 09.04.2015, quando o Autor subscreveu o produto B..., encontrava-se em vigor o CVM, na sua 30ª versão, introduzida pela Lei nº 23-A/2015, de 26/03, e o RGICSF, na sua 38ª versão, introduzida também pela Lei nº 23-A/2015, de 26/03.
Por último, em 26.07.2016, quando o Autor subscreveu o produto financeiro complexo A... Rendimento USD Empresas ... Jun. 2023, o CVM já ia na sua 33ª versão, introduzida pelo DL nº 22/2016, de 03/06. O RGICSF então em vigor é o correspondente à sua 44ª versão, introduzida pelo DL nº 20/2016, de 20/04.
A subscrição desses produtos e a celebração dos dois contratos de mútuo está subordinada ao regime legal contante desses diplomas.

As temáticas em discussão versam sobre os deveres de informação no âmbito da atividade de intermediação financeira, atentos os concretos contratos de intermediação financeira celebrados entre Autores e 1º Réu.
Os contratos de intermediação financeira são os negócios jurídicos celebrados entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativos à prestação de atividades de intermediação financeira[9]. Para além do concreto conteúdo contratual adotado, releva sobretudo a atividade que constitui objeto do contrato e o respetivo regime, atenta a regulação exigente que o legislador lhe conferiu.
As operações que acima se resumiram inserem-se na atividade de intermediação financeira, sem prejuízo de o 1º Réu, Banco, ser também uma instituição de crédito.
Os Bancos podem efetuar a generalidade das operações bancárias não vedadas por lei, designadamente atividades de intermediação financeira (arts. 3º, al. a), e 4º, nº 1, als. f) e h), do RGICSF e 293º, nº 1, al. a), do CVM, na redação vigente à data da subscrição dos títulos atrás identificados[10]).
A atividade de intermediação financeira encontra-se regulada no CVM e, segundo o nº 1 do seu artigo 289º, integra: «a) os serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros; b) os serviços auxiliares dos serviços e atividades de investimento». O seu nº 3 dispõe que só os intermediários financeiros podem exercer, a título profissional, atividades de intermediação financeira.
O artigo 290º, nº 1, do CVM concretiza o que são serviços e atividades de investimento em instrumentos financeiros: «a) a receção de ordens por conta de outrem; b) a execução de ordens por conta de outrem; c) a gestão de carteiras por conta de outrem (…)». Nos termos do seu nº 2, a receção e transmissão de ordens por conta de outrem inclui a colocação em contacto de dois ou mais investidores com vista à realização de uma operação.
Por sua vez, constituem serviços auxiliares dos serviços e atividades de investimento, segundo o artigo 291º do CVM, o registo e o depósito de instrumentos financeiros, bem como os serviços relacionados com a sua guarda, como a gestão de tesouraria ou de garantias, com exceção do serviço de administração de sistema de registo centralizado de valores mobiliários (al. a)); a concessão de crédito, incluindo o empréstimo de valores mobiliários, para a realização de operações sobre instrumentos financeiros em que intervém a entidade concedente de crédito (al b)).
Procurando defini-la, a intermediação financeira deverá ser entendida como a atividade em que os intermediários financeiros, na qualidade de agentes económicos especialmente qualificados, prestam, no mercado de valores mobiliários, simultaneamente, aos emitentes de instrumentos financeiros, entre os quais se incluem os valores mobiliários, e aos investidores, contra remuneração, os serviços de realização das transações por conta daqueles (investidores e emitente), propiciando o encontro entre os investidores/aforradores e os emitentes/captadores de fundos (receção, transmissão e execução de ordens por conta do investidor, seu cliente), mas onde o intermediário financeiro pode assumir outras obrigações perante o investidor, seu cliente, nomeadamente, a gestão da carteira de instrumentos financeiros daquele, e outros serviços auxiliares dos serviços e atividade de investimento, incluindo a concessão de crédito ao cliente para o financiar na subscrição de instrumentos financeiros[11].
Os contratos de intermediação financeira integram uma categoria contratual autónoma e aberta, pois podem abarcar vários tipos contratuais, em ordem a cobrir as diversas necessidades dos investidores e a multiplicidade de contratos de investimento que a prática financeira reconhece.
Por conseguinte, num contrato de intermediação financeira podem confluir as características típicas do contrato de receção, transmissão e execução de ordens por conta de outrem (art. 290º, nº 1, do CVM), mas igualmente do contrato de registo e de depósito de instrumentos financeiros, o da concessão de crédito pelo intermediário financeiro ao seu investidor, financiando-o no investimento que pretende realizar na subscrição de instrumentos financeiros.
Neste âmbito é usual autonomizarem-se duas categorias: o negócio de cobertura e o negócio de execução. O negócio de cobertura é o concreto contrato de intermediação financeira celebrado entre o intermediário e o investidor e tem por objeto conceder ao intermediário os poderes necessários para celebrar o negócio de execução. O negócio de execução, por seu turno, é o contrato celebrado entre o intermediário e o terceiro, no interesse e por conta do cliente, e tem por objeto a aquisição, alienação ou qualquer outro negócio sobre instrumentos financeiros. De harmonia com o regulado nos artigos 325º a 334º do CVM, o intermediário financeiro atua no interesse e por conta do seu cliente, sendo na esfera jurídica deste que se repercutem as consequências das operações sobre instrumentos financeiros, como é o caso da subscrição ou transação de valores mobiliários, situação que está em causa nos autos.
No âmbito da atividade bancária, o contrato de intermediação financeira, enquanto negócio de cobertura, integra-se, por sua vez, num contrato mais amplo, celebrado entre o banco e o cliente, o qual se inicia em regra com a celebração do contrato de abertura de conta. Esse será o contrato-quadro no âmbito do qual são celebrados os contratos de intermediação financeira entre banco e cliente.

No caso dos autos, os Autores e o 1º Réu celebraram dois contratos de abertura de conta, uma em euros e a outra em dólares, no âmbito dos quais foram, por sua vez, concluídos dois contratos de intermediação financeira. É nesse quadro contratual que se integram os atos de subscrição de produtos financeiros pelos Autores junto do Réu Banco e os contratos de mútuo.

Enquadrado o esquema negocial, importa agora traçar o regime jurídico relativo ao dever de informação.
O Código de Valores Mobiliários impõe aos intermediários financeiros diversos deveres, entre os quais figuram os de informação ao cliente, especialmente reforçados no caso de investidores não institucionais.
A informação constitui um pilar na avaliação do investimento em valores mobiliários e na própria eficiência do mercado, nela devendo cumprir-se os requisitos qualitativos estabelecidos no artigo 7º do CVM, cujo nº 1 impõe que «a informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.»
Portanto, informação de qualidade é aquela que é completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.
Segundo José João de Avillez Ogando[12], na concretização do sentido destas expressões, «a informação a prestar deve: (i) compreender todos os elementos susceptíveis de influir no preço dos valores mobiliários, (ii) representar fielmente a realidade que se destina a reflectir, não induzindo em erro os seus destinatários, (iii) ser oportunamente fornecida e actualizada quanto aos factos supervenientes que afectem o seu conteúdo, (iv) ser perceptível para os seus destinatários, (v) apoiar-se em factos suficientemente comprovados, e (vi) conformar-se com a lei, a ordem pública e os bons costumes. Estes elevados padrões de qualidade são aplicáveis a toda a informação susceptível de influenciar as decisões dos investidores e ainda àquela especificamente dirigida às entidades reguladoras do mercado, seja qual for o meio de divulgação utilizado e ainda que inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco
Como o desempenho da sua atividade pelos intermediários financeiros tem consequências repercutíveis quer na proteção dos investidores, quer no funcionamento do próprio mercado, o legislador estabeleceu a obrigatoriedade de por via da mesma serem assegurados elevados níveis de aptidão profissional. Primeiro, devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado (art. 304º, nº 1, do CVM). Segundo, nas relações com todos os intervenientes no mercado, devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (art. 304º, nº 2). Terceiro, na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente (nº 3).
Por conseguinte, os deveres de informação a que estão sujeitos os intermediários financeiros assumem uma dupla vertente: por um lado, devem recolher, verificar e fornecer informação necessária a uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada por parte dos seus clientes (art. 312º, nº 1, do CVM); por outro lado, devem suprir eventuais insuficiências nos níveis de ciência e de experiência dos seus clientes, geradoras de desníveis na acessibilidade subjetiva da informação.
Nesta última vertente, o artigo 312º, nº 2, do CVM dispõe que «a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.» No fundo, o intermediário deve conhecer o seu cliente a ponto de saber, na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, qual a sua situação financeira, a sua experiência em matéria de investimentos e inclusivamente os próprios objetivos que prossegue através dos serviços a prestar. Para além de se procurar manter o nível de risco dentro de limites que possam ser considerados razoáveis, visa-se tutelar os investidores mais frágeis em termos de conhecimentos e de experiência, que são precisamente os que têm mais dificuldade em chegar à informação necessária para basear uma decisão de investimento racional.
É ainda de notar que o legislador impôs ao intermediário financeiro o dever de se abster de incitar os seus clientes a efetuar operações repetidas sobre instrumentos financeiros ou de as realizar por conta deles, quando tais operações tenham como fim principal a cobrança de comissões ou outro objetivo estranho aos interesses do cliente (nº 1 do art. 310º), sendo que naquelas operações inclui-se a concessão de crédito para a realização de operações (nº 2 do art. 310º).
É imposto um verdadeiro dever de apreciação do caráter adequado da operação: o intermediário financeiro deve solicitar ao cliente «informação relativa aos seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento no que respeita ao tipo de instrumento financeiro ou ao serviço considerado, que lhe permita avaliar se o cliente compreende os riscos envolvidos» (nº 1 do artigo 314º do CVM, na versão aplicável ao caso dos autos, ressalve-se mais uma vez). Além disso, se, com base na informação recebida do cliente, o intermediário financeiro julgar que a operação considerada não é adequada àquele cliente deve adverti-lo, por escrito, para esse facto (nº 2).
O intermediário financeiro deve informar os investidores da natureza e dos riscos dos instrumentos financeiros, explicitando, com um grau suficiente de pormenorização, a natureza e os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa (art. 312º-E, nº 1, do CVM), sendo que a descrição dos riscos deve incluir as especificações previstas no nº 2 do artigo 312º-E, do CVM, designadamente os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento, a volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado e o facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo.
Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública (nº 1 do art. 304º-A do CVM), presumindo-se a sua culpa quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação (nº 2).
Por conseguinte, estabelece-se a presunção de culpa do intermediário financeiro se o dano for causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja causado pela violação dos deveres de informação. Além de expressamente estabelecida no CVM, tal presunção de culpa também resulta do disposto no artigo 799º, nº 1, do Código Civil.
Trata-se de uma presunção de culpa ilidível, suscetível de prova do contrário (artigo 350º, nº 2, do Código Civil).
Tem-se discutido se, em caso de violação dos deveres de informação, a responsabilidade civil pré-contratual em que se constitui o intermediário financeiro perante o cliente, ou o potencial cliente, em relação ao qual omitiu o dever de informação a que legalmente se encontrava subordinado, se insere no instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (arts. 483º e segs. do CCiv) ou no instituto da responsabilidade civil contratual (arts. 762º e segs. do CCiv).
Porém, como bem se refere no acórdão desta Relação de Guimarães de 01.02.2024 (José Alberto Moreira Dias), proferido no processo 3611/20....[13], trata-se de uma discussão «estéril em termos práticos, quando se verifica que o legislador resolveu a questão mediante o estabelecimento de uma presunção ilidível de culpa, que recai sobre o intermediário financeiro, sempre que, no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais que estabeleça com os clientes ou potenciais clientes, infrinja os deveres legais que lhe são impostos e, em qualquer caso, quando os prejuízos causados a esse cliente ou potencial cliente sejam consequência da violação do dever de informação. Daí que, quer se entenda que esse tipo de responsabilidade pré-contratual que recai sobre o intermediário financeiro (por violação, nomeadamente, do dever de informação a que ex lege se encontra vinculado perante o cliente), se insere no instituto da responsabilidade civil aquiliana, no da responsabilidade civil contratual ou numa terceira via, a constituição do intermediário em responsabilidade civil em qualquer delas encontra-se sempre subordinada à alegação e prova dos seguintes pressupostos legais cumulativos: “1- facto voluntário, enquanto comportamento dominável pela vontade, que pode revestir a forma de ação ou de omissão; 2- a ilicitude, que se traduz na desconformidade entre a conduta devida e o comportamento efetivamente tido pelo intermediário financeiro, traduzido na inexecução da obrigação para com o cliente; no caso da responsabilidade pré-contratual a ilicitude consiste na violação de algum dos deveres de boa fé contratual, como o dever de informação, o dever de lealdade e o dever de diligência; 3- a culpa do intermediário, que nos termos do art. 314º, n.º 2 (art. 304º-A, n.º 2 do CVM, na redação aplicável aos presentes autos), se presume ilidivelmente; 4- o nexo causal entre a violação do dever de informação e o dano, que deve ser aferido pelo critério da causalidade adequada nos termos do art. 356º, que prescreve que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”: e 5- o dano que, e termos genéricos, consiste no prejuízo resultante do investimento nas obrigações”».
Temos assim que, no que se refere aos pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro – facto voluntário, ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre o não cumprimento do dever e o dano – não oferece dúvidas que a culpa se presume e, conforme se explicita no AUJ nº 8/2022 (processo nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A), «para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir», ou seja, recai sobre o investidor o ónus da prova do nexo de causalidade entre o não cumprimento do dever de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir.

Posto isto, analisada a situação dos autos, concluímos que o 1º Réu, enquanto intermediário financeiro, violou deveres de informação.
Em primeiro lugar, todas as aplicações financeiras subscritas, mencionadas em f), k), p), u) e aa), são produtos financeiros complexos[14] e podem implicar a perda parcial ou total do capital investido. Na nossa valoração, são produtos que, pelas suas características e riscos, requerem que o investidor tenha bons conhecimentos do mercado e dos elementos que o influenciam. Não se destinam a todas as pessoas.
Objetivamente, considerando as habilitações, capacidades, conhecimentos e experiência dos Autores, um intermediário financeiro minimamente diligente concluiria que os produtos financeiros que vieram a ser subscritos não eram adequados àqueles clientes.
Em segundo lugar, o 1º Réu não diligenciou por obter qualquer informação sobre os Autores (v. kk), ll), xx), yy) e zz)). Nenhuma questão lhes foi colocada no sentido de apurar o perfil dos Autores, designadamente quanto aos seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento no que respeita ao tipo de instrumento financeiro em causa.
Pelo contrário, foram elaborados, dentro da estrutura organizacional do 1º Réu, pela qual é responsável (v. artigos 305º a 305º-D do CVM), perfis de investidor falsos relativos aos Autores, atribuindo-lhe habilitações, conhecimentos e experiência que não possuem. Estamos a falar de um trolha (pedreiro) e de uma lojista, ambos com a antiga 4ª classe (ensino primário, agora correspondente ao 1º ciclo do ensino básico).
Nesta parte, está em causa o incumprimento doloso (não se recolhem as informações que a lei impõe e, em vez disso, ficciona-se um perfil desconforme com a realidade, o que atesta que se sabia da exigência legal e se agiu com vista a manipulá-la) dos deveres impostos ao intermediário financeiro pelos artigos 304º, nºs 2 e 3, e 314º, nº 1, ambos do CVM. Não observou o 1º Réu os ditames da boa fé, pois não conformou a sua atuação por elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. Falsificar um perfil de investidor é agir de má-fé, sem diligência e de forma desleal.
Só conhecendo o cliente, no apontado sentido, se está em condições de avaliar da adequação de certo produto financeiro e de recomendar apenas aqueles valores que, segundo a informação recolhida e conhecida, são adequados ao potencial investidor. É para isso que se estabelece a obrigação de recolha de informação pelo intermediário financeiro. É indispensável saber quais os objetivos que o investidor pretende atingir com a realização do investimento, qual a sua capacidade para investir, o seu historial de investimento, a sua tolerância ou aversão ao risco, entre outros dados relevantes. O intermediário financeiro só está habilitado para fazer o juízo de adequação sobre o projeto de investimento visado se apurar previamente as características concretas do cliente, designadamente as suas habilitações académicas, a experiência profissional, a capacidade financeira, os montantes dos seus rendimentos regulares, os ativos mobiliários ou imobiliários, se tem compromissos financeiros regulares, se está familiarizado com as operações financeiras a realizar, qual o tipo de operações que já efetuou, durante quanto tempo e com que regularidade o fez e quais os seus objetivos com o investimento na aplicação financeira e preferências quanto ao risco a assumir.
Essa avaliação é indispensável para a proteção dos legítimos interesses dos clientes do intermediário financeiro e da eficiência do mercado, tal como impõe o artigo 304º, nº 1, do CVM.
Como é óbvio, como o 1º Réu, enquanto intermediário financeiro, não recolheu informação que a lei reputa de relevante, não estava habilitado a fazer um juízo sobre a adequação do produto financeiro às características dos Autores. Este incumprimento, que se manteve ao longo de toda a relação contratual, inquinou o processo de escolha dos produtos financeiros que os Autores foram fazendo, indo de perda em perda, até decidirem terminar essa relação.
Como se isto só por si já não fosse suficientemente grave e relevante, demonstrou-se que o Autor, previamente à subscrição do produto A... Fev. 2016, que foi a primeira aplicação financeira em que investiu, não foi integralmente informado e esclarecido pelo 1º Réu sobre a natureza do produto financeiro que estava a subscrever, nem sobre os riscos que a operação envolvia, nomeadamente quanto à possibilidade de perda do capital.
Por isso, violou o 1º Réu os deveres de informação ao cliente impostos nos artigos 312º, nºs 1 e 2, e 312º-E, nºs 1 e 2, do CVM.
Estão assim, desde já, reunidos alguns dos requisitos da responsabilidade civil:
- o facto voluntário, enquanto comportamento dominável pela vontade, consistente numa omissão;
- a ilicitude, pois, verifica-se uma desconformidade entre a conduta devida e o comportamento do 1º Réu, na qualidade de intermediário financeiro;
- o dano, na medida em que do investimento no produto financeiro resultou um prejuízo, desde logo a perda de capital;
- a culpa, que sempre se presumiria, ao abrigo do disposto nos artigos 304º, nº 2, do CVM e 799º, nº 1, do Código Civil.
Apreciaremos autonomamente a questão relativa ao nexo de causalidade.
*

2.2.3.2. Da prescrição
Na sentença concluiu-se que «o eventual direito dos Autores à responsabilização dos Réus relativamente aos produtos subscritos e mencionados nas alíneas f) (subscrição em 01.02.2013), k) (subscrição em 04.06.2013), p) (subscrição em 09.09.2013), u) (subscrição em 09.04.2015) e aa) (subscrição em 26.07.2016) encontra-se já prescrito». Considerou-se que, como a ação foi proposta no dia 23.12.2020 e a matéria de facto provada não permitiria concluir existir dolo ou culpa grave na atuação do 1º Réu, o prazo de prescrição a considerar é o de dois anos.
Aplicou-se a norma constante do nº 2 do artigo 324º do CVM, decorrente da redação introduzida pela Lei nº 35/2018, de 20 de Julho, onde se dispõe que «salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos.»

Na versão da lei aplicável ao caso dos autos, o exercício do direito fundado na responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo (negócio em termos latos, abrangendo as fases pré-contratual, de execução e pós-contratual) prescreve no prazo de dois anos, exceto tendo ocorrido dolo ou culpa grave, pois que, nesses casos, prescreve no prazo previsto na lei civil, ou seja, 20 anos.[15]
A situação dos autos tem na sua génese uma situação de verdadeiro dolo ou, pelo menos, de culpa grave.
Se é verdade que a mera não prestação de informações completas sobre a natureza do produto financeiro que o Autor estava a subscrever, nem sobre os riscos que a operação envolvia, nomeadamente quanto à possibilidade de perda do capital, se poderia eventualmente reconduzir a uma qualificação de mera culpa, o certo é que esse ato foi antecedido de um outro, com ele intimamente ligado e do qual dependia, que era a recolha de informação sobre os clientes. A realidade é que nenhuma informação o 1º Réu procurou obter sobre os Autores no sentido de apurar o seu perfil, designadamente quanto aos seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento no que respeita ao tipo de instrumento financeiro em causa. Pelo contrário, foram elaborados, dentro da estrutura organizacional do 1º Réu, perfis de investidor falsos, atribuindo-lhes habilitações, conhecimentos e experiência que não possuíam. Isso é agir com dolo e este molda toda a relação contratual subsequente, em que se vendem ou resgatam os produtos para estancar perdas e se subscrevem novos produtos com a finalidade de recuperar o que se perdeu.
Por isso, consideramos aplicável o prazo ordinário de prescrição, que é de 20 anos (art. 309º do CCiv), relativamente a todos os produtos subscritos.
Portanto, os direitos exercidos pelos Autores não se encontram prescritos.
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2.2.3.3. Nexo de causalidade
No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, em conformidade com o disposto no artigo 342º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor o ónus de provar o nexo de causalidade entre a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o dano.
Segundo o AUJ nº 8/2022 (processo nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A), por um lado,  «o nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir» e, por outro, «para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».
Logo, no caso dos autos, recaía sobre os Autores, enquanto investidores, o ónus da prova do nexo de causalidade entre o não cumprimento do dever de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir.
Os Autores não fizeram essa prova.
Aliás, no âmbito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, os Recorrentes nem sequer versaram sobre essa concreta questão (que se soubessem da possibilidade de perda de capital não teriam investido na subscrição daqueles produtos). Essa questão foi abordada fora do âmbito da impugnação da matéria de facto.
Por isso, improcede o pedido deduzido a título principal.
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2.2.3.4. Invalidade dos atos praticados pelo interveniente CC
Alegam os Recorrentes que «desde fevereiro 2013 e até a assinatura do seu contrato de promotor em 25-11-2013, o CC, agindo sempre por conta e representação da 1ª Ré, concretizou diversas operações financeiras, sem estar para isso habilitado, e isso, com conhecimento da 1ª Ré que fazia assinar posteriormente todos os documentos ao promotor DD (que nunca teve qualquer contacto com os AA.) para que estes formalmente não aparentassem qualquer irregularidade.»
Concluem que «todas operações realizadas pelo CC devem ser consideradas nulas ou anuladas, por não preencher os requisitos legais do artigo 294º - A, B e C do CVM.»
Está demonstrado que o Interveniente CC foi o interlocutor dos Autores na sua relação com o 1º Réu e que só se tornou promotor do 1º Réu em 25.11.2013. CC trabalhava na agência de promotores do 1º Réu sita em ... e foi nessa qualidade que interveio.
Nos termos do artigo 294º-A, nº 3, al. b), do CVM, é vedado ao agente vinculado «delegar noutras pessoas os poderes que lhe foram conferidos pelo intermediário financeiro».
Os agentes vinculados não são empregados nem colaboradores dos intermediários financeiros, mas sim profissionais que atuam por conta daqueles para
promover o respetivo negócio em contrapartida de uma remuneração. No fundo é um contrato de agência com as especificidades que lhe assinala o CVM e que aqui não cabe desenvolver.

Dito isto, verifica-se que nenhuma norma comina a situação alegada com a invalidade, seja a nulidade ou a anulabilidade.
Depois, existe norma que regula a situação: o artigo 294º-C, nº 1, al. a), do CVM dispõe que o intermediário financeiro responde por quaisquer atos ou omissões do agente vinculado no exercício das funções que lhe foram confiadas. O regime de responsabilidade, imputado ao 1º Réu, já foi atrás apreciado e a pretensão apenas sucumbiu por os Autores não terem demonstrado o requisito do nexo de causalidade.
Finalmente, estão em causa atos que se consideram praticados pelos Autores e pelo 1º Réu. É precisamente por isso que os Autores deduziram o pedido principal contra o 1º Réu (e contra o 2º Réu, em virtude do trespasse do negócio entretanto ocorrido). Mais, os atos foram imputados pelos Autores ao 1º Réu na petição inicial.
Termos em que improcedem as conclusões formuladas sobre esta questão.
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2.2.3.5. Nulidade dos mútuos
Importa suprir a omissão de pronúncia sobre a alegada «nulidade dos mútuos subscritos por violação do artigo 310º do CVM».
Dispõe o artigo 310º do CVM, sob a epígrafe “intermediação excessiva”:
«1. O intermediário financeiro deve abster-se de incitar os seus clientes a efetuar operações repetidas sobre instrumentos financeiros ou de as realizar por conta deles, quando tais operações tenham como fim principal a cobrança de comissões ou outro objetivo estranho aos interesses do cliente.
2. Nas operações a que se refere o número anterior inclui-se a concessão de crédito para a realização de operações.
3. Além da responsabilidade civil e contraordenacional que ao caso caiba, pela realização das operações referidas nos números anteriores não são devidas comissões, juros ou outras remunerações.»

São dois os pressupostos da designada intermediação excessiva:
a) a repetição de operações sobre instrumentos financeiros;
b) que a finalidade principal prosseguida pelo intermediário financeiro, ao fomentar essas operações, seja a cobrança de comissões, a concessão de crédito ou outro objetivo estranho aos interesses do cliente.
Ao longo da relação contratual entre o intermediário financeiro e o seu cliente é natural que sejam realizadas várias operações sobre instrumentos financeiros. Só por si, isso nada tem de desvalioso.
Porém, nos termos do artigo 309º, nº 3, do CVM, o intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses do cliente, desde logo face aos seus próprios interesses, diretos ou indiretos, em ordem a cumprir o princípio fundamental que deve orientar a sua atividade, que é o da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes (nº 1 do artigo 304º do CVM).
Por isso, só se está perante uma intermediação excessiva quando a repetição de operações é incentivada para o intermediário financeiro obter vantagens estranhas ao interesse do cliente.

No caso dos autos, a relação contratual com o 1º Réu iniciou-se em 01.02.2013 e cessou, numa altura em que o 2º Réu já tinha assumido o negócio daquele, em agosto de 2020. Ao longo de quase sete anos e meio, os Autores celebraram com o 1º Réu três contratos de mútuo – g), w) e bb). Foram realizadas várias operações sobre produtos financeiros.
Sucede que não está demonstrado o pressuposto subjetivo da intermediação excessiva, isto é, que o 1º Réu tenha incitado os Autores a realizar as operações sobre instrumentos financeiros com o propósito de, para o efeito, lhes conceder crédito ou com outro objetivo estranho aos interesses de tais clientes.
Por isso, inexiste intermediação excessiva.
Além disso, o legislador regulou as consequências jurídicas da intermediação excessiva, as quais constam dos artigos 310º, nº 3, e 397º, nº 2, al. c), do CVM. Entre elas não se conta a nulidade ou a anulabilidade das operações ou dos contratos de concessão de crédito.
Pelo exposto, improcedem as conclusões formuladas sobre esta matéria.
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2.2.3.6. Invalidade dos mútuos por erro
Este fundamento de recurso é objeto das conclusões LLLL a PPPP das suas alegações, concluindo os Recorrentes, na última delas, que «[o] erro que atinja os motivos determinantes da vontade e que se refira ao objeto do negócio, torna este anulável, nos termos do disposto nos artigos 251.º e 247.º do CC., pelo que também por esse motivo, os contratos de mútuo que suportaram os investimentos que o 1º R. aconselhou aos AA., devem ser anulados.»
Por conseguinte, este fundamento do recurso refere-se exclusivamente aos contratos de mútuo.

Ao longo tanto da petição inicial como das alegações, relativamente a quase todos os fundamentos dos pedidos subsidiários, os Recorrentes invocaram simultaneamente a nulidade e a anulabilidade.
Porém, estando em causa relações negociais (negócios de cobertura, negócios de execução e contratos mútuos a eles associados) já executadas e cessadas, é perfeitamente evidente que relativamente a vários desses negócios já decorreu o prazo de um ano de que os Autores dispunham para arguir a anulabilidade. Nos termos do artigo 287º, nº 1, do CCiv, a anulabilidade só pode ser arguida «dentro do ano subsequente à cessação do vício que lhe serve de fundamento».
Foi propósito da lei limitar, de forma relevante, a possibilidade de fazer valer o direito, em nome da estabilidade da relação jurídica e dos efeitos já produzidos.
Segundo Pires de Lima e Antunes Varela[16], «no caso do erro e do dolo, o prazo só começa a contar-se a partir do momento em que o declarante se apercebeu deles».
No caso dos autos, os fundamentos que invocam na ação eram percetíveis no momento em que amortizaram os dois primeiros empréstimos – g) e w). Somente relativamente ao mútuo referido em bb) ainda não decorreu o aludido prazo.
Em todo o caso, não deixa de se apreciar a questão em termos substanciais relativamente a todos os mútuos, a qual, no nosso entender, foi corretamente apreciada na sentença.
Os Recorrentes alegam que «os mútuos foram contraídos em consequência de informações incompletas e falsas, que fizeram com que os AA., nunca tivessem uma verdadeira noção da natureza e objeto dos aludidos contratos, nem dos riscos associados aos mesmos». Sustentam que «a 1ª Ré conhecia e não ignorava a essencialidade para os AA. dos elementos sobre os quais incidiu o erro e por saber disso omitiu, distorceu, falseou e embelezou a informação prestada, ciente que se dissesse toda a verdade, os AA. nunca teriam concordado em subscrever».
No fundo, a sua vontade de contratar foi determinada por erro induzido pelo 1º Réu. Mostra-se assim alegado um erro sobre o objeto do negócio, que é um erro-vício.
Nos termos do artigo 251º do Código Civil (CCiv), o erro que atinja os motivos determinantes da vontade, quando se refira ao objeto do negócio, «torna este anulável nos termos do artigo 247º». Embora no artigo 247º do CCiv se regule o erro na declaração, há uma semelhança com o erro-vício, nas modalidades previstas no artigo 251º, pelo que a lei acabou por estabelecer a identidade do regime[17], ou seja, o mesmo tratamento jurídico.
Em geral, o contrato celebrado em erro sobre os motivos é anulável se se verificarem os requisitos prescritos pelos artigos 251º a 254º do CCiv para diversas modalidades de erro.
Segundo o artigo 253º, nº 1, do CCiv, «entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante.»
Quanto aos efeitos do dolo, rege o nº 1 do artigo 254º do CCiv: «O declarante cuja vontade tenha sido determinada por dolo pode anular a declaração; a anulabilidade não é excluída pelo facto de o dolo ser bilateral.»
Portanto, havendo dolo, o erro determina a anulabilidade do negócio.
Mas para que haja dolo são necessários os seguintes requisitos:
a) que o declarante esteja em erro;
b) que o erro tenha sido provocado ou dissimulado pelo declaratário ou por terceiro;
c) que o declaratário ou terceiro haja recorrido, para o efeito, a qualquer artifício, sugestão, embuste, etc.
Exige-se ainda um requisito positivo para a relevância do erro (v. art. 247º): a causalidade, isto é a essencialidade do erro para a celebração do contrato ou a celebração com determinado conteúdo[18]. É necessário que o elemento sobre que incidiu o erro seja essencial para a formação da vontade de contratar por parte do declarante. No fundo, que o declarante se soubesse a verdade não contrataria ou fá-lo-ia em termos substancialmente diferentes.
Em resumo, quanto aos requisitos de relevância e efeito, o comportamento doloso do declaratário é fundamento de anulação se tiver sido causa do erro do declarante e se o erro for essencial.
Atenta a conformação da causa de pedir desta ação, mostra-se alegado um erro nos motivos relativos ao objeto, isto é, que devido à alegada atuação dolosa do 1º Réu os Autores nunca tiveram «verdadeira noção da natureza e objeto dos aludidos contratos, nem dos riscos associados aos mesmos».
Sucede que os Autores não lograram demonstrar o erro, ou seja, uma falsa representação da realidade relativamente aos contratos de mútuo, nem, consequentemente, a essencialidade do erro para a decisão de contrair os mútuos.
Por isso, os Autores não têm o direito de requerer a anulação do contrato com fundamento em erro, como bem decidiu o Tribunal a quo.
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2.2.3.7. Invalidade por falta de realização do perfil de investidor
Nas conclusões QQQQ a UUUU das suas alegações, os Recorrentes invocam um outro fundamento: a «nulidade ou anulabilidade decorrente da falta do perfil de investidor». Esse fundamento não foi apreciado na sentença.
Na conclusão QQQQ sustentam «a nulidade decorrente da ausência de perfil de investidor adequado para a subscrição das aplicações financeiras sugeridas», enquanto na conclusão UUUU alargam a invalidade à anulabilidade: «todos os atos financeiros, realizados sem o apuramento do perfil de investidor e com recurso a um perfil falso para atingir um propósito de “validade formal” são nulos ou anuláveis por violação dos artigos 304º, 314 e 314-A, n.º 3 do CVM.»

No que respeita à anulabilidade, valem aqui os fundamentos que já expusemos anteriormente sobre o decurso do prazo de um ano para a arguir relativamente às aplicações financeiras subscritas, com exceção da última, ou seja, as A... Rendimento USD Empresas ... Jun. 2023, subscritas pelo Autor em 26.07.2016. Todos os demais produtos foram subscritos e vendidos pelo Autor até ../../2016.
Todavia, a anulabilidade aplica-se ao conjunto de casos que a lei comina com tal consequência.
Sucede que nenhuma disposição comina com a anulabilidade os atos de investimento em instrumentos financeiros sem prévia realização de perfil de investidor.
Por isso, não são anuláveis as subscrições de produtos financeiros realizadas pelos Autores desde 01.02.2013.

Resta a questão da sua nulidade.
Importa ter em conta a forma como este fundamento foi alegado na petição inicial, onde os Autores conformaram esta matéria nos artigos 289º a 307º, cingindo-a às aplicações financeiras subscritas.
Delimitaram a questão no artigo 306º, ao alegar que «todas as aplicações subscritas e em particular os contratos de subscrição dos produtos A... Fev. 2016, B... e C... Jun. 2023, padecem de nulidade, por violação dos preceitos legais supra transcritos que impedem a celebração dos mesmos, uma vez que são aplicações de risco máximo e que se destinam à investidores de perfil agressivo.»

Dispõe o artigo 294º do CCiv que os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de caráter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei.
A subscrição de produtos financeiros como aqueles que os Autores subscreveram não constituem negócios celebrados contra a lei. A lei permite expressamente realizar tais negócios.
O que a lei exige ao intermediário financeiro é, na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o dever se informar junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente (304º, nº 3, do CVM). Também o artigo 314º, nº 1, do CVM, na versão aplicável, estabelece que o intermediário financeiro deve solicitar ao cliente «informação relativa aos seus conhecimentos e experiência em matéria de investimento no que respeita ao tipo de instrumento financeiro ou ao serviço considerado, que lhe permita avaliar se o cliente compreende os riscos envolvidos». Finalmente, segundo o 314-A, nº 3, do CVM, na versão aplicável ao caso dos autos, que é a decorrente do Decreto-Lei nº 357-A/2007, de 31 de outubro (e não a que os Autores alegaram no artigo 305º da p.i.), «se o intermediário financeiro não obtiver a informação necessária para a operação em causa, não a pode recomendar ao cliente.»
Se analisarmos o CVM concluímos que o legislador teve o cuidado de não sancionar os atos com a sua nulidade, designadamente os que são praticados sem serem precedidos de prestação de informação suficiente para alicerçar a decisão de investir ou da própria recolha dessa informação pelo intermediário junto do investidor.
Segundo a nossa apreciação, a lei estabelece um conjunto de reações ou consequências para o incumprimento dos deveres dos intermediários financeiros para com os seus clientes, nomeadamente os deveres de informação e o pressuposto condicionante deste, que é a prévia recolha junto dos investidores da aludida informação[19]. Entre essas reações não figura a nulidade das operações relativas a instrumentos financeiros, facto a que não é estranha a ideia de estabilidade do mercado e de consolidação dos efeitos já produzidos.
A lei consagra a solução da responsabilidade civil do intermediário financeiro pela violação dos deveres de informação, estabelecendo para o efeito uma presunção de culpa e um padrão de aferição da culpa (art. 304º, nº 2) diferente daquele que é utilizado, por exemplo, no Código Civil, pois os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. Em vez do bonus pater familias, releva o diligentissimus pater familias[20].
Foi essa a forma de reação que o nosso legislador consagrou com a finalidade de tutelar os interesses dos investidores.
Portanto, com base nos fatores que acabamos de referir, consideramos que foi intuito da lei afastar a nulidade como consequência para o incumprimento dos apontados deveres legais dos intermediários financeiros.
Pelo exposto, improcedem igualmente as conclusões aduzidas sobre esta questão.
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2.2.3.8. Nulidade ao abrigo do regime das cláusulas contratuais gerais
Os Autores alegaram, nos artigos 308º a 314º da petição inicial, que «as operações em causa foram tituladas por documentos pré-elaborados pelo 1º R. quanto ao seu clausulado, sem que nenhuma das suas cláusulas tivesse sido negociada com os AA., que se limitaram a aderir às mesmas, apondo as suas assinaturas» e que «o 1.º R. não comunicou aos AA., com antecedência necessária, o conteúdo desses documentos nem informou e esclareceu o conteúdo das cláusulas constantes nos mesmos, motivo pelo qual os AA. desconheciam o seu teor», «pelo que, a falta de comunicação com antecedência necessária das referidas cláusulas desses contratos, bem como a falta de informação e explicitação das mesmas à A., nos termos dos artigos 1.º, 5.º e 6.º do DL 466/85 de 25 de Outubro, conduz a que as mesmas sejam declaradas nulas e, como tal, excluídas dos contratos nos termos do artigo 8.º do diploma citado.» Subsidiariamente, alegaram: «Em todo o caso, tratam-se de cláusulas abusivas e, portanto, nulas, nos termos do disposto nos artigos 12.º, 18.º e 19.º do mesmo diploma legal, o que também se invoca
Na sentença, considerou-se «[o]s Autores também alegaram que não foram esclarecidos e informados quanto aos produtos e acordos que subscreveram. Não se provou que o tivessem sido, nem que não o tivessem sido – pelo menos oralmente e para lá da documentação existente nos autos e assunções respectivas. Entendemos que, num primeiro momento e no cruzamento do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro) com os deveres de informação que resultam do CVM, incumbe ao intermediário financeiro alegar e provar que procedeu a uma comunicação adequada e efectiva dos termos do negócio. O não cumprimento desse dever pode conduzir à nulidade do contrato – de todo ele – nos termos do artigo 9º, nº 2, do RJCCG.
(…)
Se os Autores apuseram as sua assinaturas e rubricas na documentação referente às aberturas de conta e a cada um dos produtos subscritos, nos quais é expressa e explícita a advertência quanto às características dos produtos em causa, ao longo de três (3) anos, em diferentes ocasiões, em textos explicativos e informativos, e se receberam os extractos bancários na sua residência tendo-lhes permitido acompanhar a evolução da cotação do produto e se mostraram desenvoltura na gestão dos seus interesses, designadamente, dando ordens de venda dos produtos subscritos por telefone, podemos afirmar, em consciência, que o primeiro Réu banco cumpriu o dever de esclarecer e informar em face da abundante documentação explicativa que os Autores subscreveram – cfr. alíneas d), e), f), k), p), u), z) e aa), do ponto II.1. -, não tendo os Autores logrado infirmar o que decorre dessa assunção.
Pelo que, por esta via (artigo 9º, nº 2, do RJCCG) e em face do exposto, consideramos inexistir a nulidade cuja declaração é peticionada.
Improcede, consequentemente, o pedido de declaração de nulidade dos contratos celebrados e das ordens de subscrição.»

No âmbito do recurso, os Recorrentes sustentam que «[o] argumento da auto-responsabilidade não pode esvaziar a aplicabilidade prática daquelas normas, devendo atender-se a outros princípios, às circunstâncias de facto e às partes envolvidas».
Concluem (IIII) que «[p]rovou-se que nem todas as cláusulas foram comunicadas, algumas até foram ocultadas (risco) pelo que também por esse motivo devem todos os contratos celebrados entre os AA. e as RR. serem declarados nulos, por violarem os artigos 1º, 5º, 6º e 8º do DL 466/85 de 25 de outubro.»

O Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de outubro, posteriormente alterado pelos Decretos-Lei nºs 220/95, de 31/8, e 249/99, de 7/7, aprovou o regime das cláusulas contratuais gerais e pretendeu abranger os chamados contratos de adesão. Terá esta natureza o contrato em que um dos contraentes, não tendo qualquer participação na preparação e elaboração do contrato, e respetivas cláusulas, se limita a aceitar o teor do contrato que o outro contraente lhe oferece (art. 1º, nº 1). O aludido regime é ainda aplicável, nos termos do artigo 1º, nº 2, do dito diploma, às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar.
Subjacente à noção de cláusula contratual geral está a estipulação pré-formulada, para uma pluralidade de contratos ou generalidade de pessoas, para ser aceite sem negociação ou possibilidade de alteração individual.
Nos termos do artigo 5º de tal diploma, as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que as subscrevam ou aceitem (nº 1), deve tal comunicação ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo para quem use de comum diligência (nº 2) e o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contratante que submeteu a outrem tais cláusulas (nº 3).
Por outro lado, prevê-se no artigo 6º que o contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspetos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique (nº 1) e devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados (nº 2).
As cláusulas que não tenham sido comunicadas ou relativamente às quais não tenha sido cumprido o dever de informação consideram-se excluídas do contrato - art. 8º, als. a) e b).
Apesar da exclusão daquelas cláusulas, «os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afetada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos» (art. 9º, nº 1). Porém, tais contratos serão nulos quando, não obstante a utilização daqueles elementos, ocorra uma indeterminação insuprível de aspetos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentatório da boa fé (nº 2).

No caso dos autos, foram celebrados entre as partes dois contratos de intermediação financeira e os demais contratos referidos em f), g), k), p), u), w), aa) e bb) dos factos provados, ou seja, vários contratos de subscrição de produtos financeiros estruturados e ainda contratos de mútuo para o financiamento da realização dessas operações.
Todos esses contratos inserem cláusulas pré-elaboradas, em que os Autores não tiveram qualquer participação na sua preparação e elaboração, cujo teor não puderam influenciar. Saliente-se que nenhum facto provado permite concluir que sobre as cláusulas dos contratos dos autos incidiu efetiva negociação dos contraentes. Por conseguinte, não foi feita prova de que sobre as cláusulas incidiu efetiva negociação.
Por isso, os contratos em litígio têm de considerar-se como contratos de adesão, sujeitos ao regime legal do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de outubro, e, desde logo, aos deveres de comunicação e informação aí previstos.
Aliás, o artigo 321º do CVM expressamente ressalva que «aos contratos de intermediação financeira é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, sendo para esse efeito os investidores não profissionais equiparados a consumidores
Já anteriormente concretizamos o âmbito e conteúdo do dever de informação que recaía sobre o 1º Réu e salientamos a especial fragilidade dos Autores, decorrente das suas reduzidas habilitações literárias e preparação cultural, e ainda da falta de conhecimentos e experiência nas áreas financeiras em causa. Impunha-se ao 1º Réu, depois de ponderar as circunstâncias relativas a essas duas pessoas, um dever de informar de forma extensa e profunda (v. art. 312º, nº 2, do CVM) os Autores. Só isso se poderia considerar adequado face ao grau de conhecimentos e de experiência dos Autores.
Cabendo-lhes o ónus da prova, os Réus não demonstraram o cumprimento do dever de comunicação e informação, vigente no domínio das cláusulas contratuais gerais.
Resta determinar as consequências do incumprimento pelo 1º Réu do dever de informar os Autores relativamente ao significado das cláusulas contratuais que inseriu nos sucessivos negócios.
Sendo certo que tais cláusulas sempre teriam de se haver por excluídas dos contratos singulares celebrados, nos termos previstos na alínea a) do artigo 8º da LCCG, parece-nos que o caso é de nulidade total dos contratos, em conformidade com o disposto no artigo 9º, nº 2, do apontado regime.
Por um lado, omitiram-se cláusulas fulcrais para os negócios em causa. Estando essas cláusulas excluídas, ficam integralmente afetados os termos de cada um desses contratos com reflexo sobre os direitos e obrigações constituídos pelos mesmos. No nosso entender, o afastamento desse clausulado gera uma indeterminação insuprível dos termos e conteúdo dos negócios.
Por outro lado, como se refere no acórdão do STJ de 04.05.2017 (Lopes do Rego), proferido no processo 1961/13.5TVLSB.L1.S1, nos casos «em que o cerne da matéria litigiosa se prende com o cumprimento adequado pela entidade proponente de cláusulas contratuais gerais do dever legal de informação – o objecto de tal dever, legalmente imposto com base no respeito pelo princípio da boa fé, não será propriamente cada uma das cláusulas inseridas no negócio concreto, atomisticamente considerada, pressupondo antes uma explicação consistente acerca da funcionalidade do negócio, como um todo, e o devido esclarecimento da contraparte acerca dos riscos financeiros em que incorre, perante uma alteração significativa do quadro económico, desfazendo o eventual equívoco do outro contraente acerca da real natureza do negócio, face à globalidade do respectivo conteúdo.»
No caso dos autos, parece-nos que essas razões ainda são mais prementes. Para além de não estar demonstrado o cumprimento do dever de comunicação e informação, temos um quadro negocial sequencial que se mostra inquinado por um comportamento censurável que se manteve ao longo do período de tempo em que se manteve a relação negocial entre os Autores e o 1º Réu, posteriormente substituído pelo 2º Réu, que é o facto de nunca ter recolhido informação, que a lei reputa de essencial, para fazer um juízo sobre a adequação das operações financeiros propostas às características dos Autores, antes foram falsificados os seus perfis e foi com base nestes que lhes foram propostos todos os negócios. Não se trata de um incumprimento pontual, mas sim duradouro, pois manteve-se ao longo da relação contratual e inquinou todo o processo de escolha dos produtos financeiros que os Autores foram fazendo. Na prática, nem lhes foram propostos produtos adequados ao seu perfil, nem estes fizeram verdadeiras escolhas, as quais pressupõem informação que nunca lhes foi prestada. Daí que as perdas registadas sejam algo que se afigure de natural a esse quadro.
Daí que se esteja perante um quadro global revelador de um enorme desequilíbrio nas prestações, o qual consideramos gravemente atentatório da boa fé.
Por isso, os contratos celebrados entre as partes devem ser considerados nulos. A consequência da nulidade é a estabelecida no artigo 289º, nº 1, do Código Civil[21]: como vigora a regra da retroatividade da declaração de nulidade, deve ser «restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente». Por conseguinte, impõe-se a restituição de tudo o que tiver sido prestado em cumprimento do ato nulo.
Importa deixar claro que estão incluídos na obrigação de restituir, na parte que incide sobre os Autores, o valor dos juros auferidos e demais montantes que receberam dos Réus, tal como expressamente invocado nas contestações do 1º Réu (por exemplo, nos artigos 188º, 189º, 192º e 248º) e do 2º Réu (v. arts. 73º a 80º e 134º).
No que respeita às transações em dólares, tendo os Autores investido USD 18.000,00, receberam juros nos montantes de USD 12.670,02 (cc)) e de USD 4.985,92 (ee)), bem como o remanescente referido em hh), no valor de USD 10.916,25, perfazendo um total de USD 28.572,19. Portanto, os Réus devem restituir aos Autores a quantia investida, no montante de USD 18.000,00, enquanto que os Autores têm de restituir aos Réus € 28.572,19. Daí resulta um saldo favorável aos Réus no valor de USD 10.572,19.
Quanto às transações em euros, os Réus têm de restituir aos Autores as quantias por estes investidas, ou seja, as que se referem em g) (€ 100.000,00), l) (€ 2.000,00), q) (€ 2.000,00) e w) (€ 44.800,00), o que perfaz um total de € 148.800,00. Por sua vez, os Autores têm de restituir aos Réus os valores por si recebidos: € 25.340,00 (h)), € 21.797,30 (v. j), correspondente à diferença entre € 103.170,00 e € 81.372,70), € 210,00 (m)), € 1.404,00 (o)), € 175,00 (r)), € 1.220,00 (t)) e 16.569,06 (v. y), correspondente à diferença entre € 97.772,50 e € 81.203,44), perfazendo um total de € 66.715,36. Desta feita, resulta um saldo favorável aos Réus no valor de € 88.084,64.
Não se consideram quaisquer outros montantes eventualmente prestados, suportados ou satisfeitos pelas partes, os quais não indicaram nos autos e/ou não resultam da matéria de facto provada.
Por último, enfatiza-se que a questão da nulidade de todos os negócios jurídicos em causa nos autos, com os variados fundamentos que acabaram de apreciar-se, foi expressamente suscitada na petição inicial, com a formulação do correspondente pedido, no qual, simplisticamente, já se operou a dedução ao montante a restituir de determinadas quantias prestadas pela contraparte. Nas contestações, como já especificamos por referência aos artigos da correspondente peça processual, foi expressamente suscitada a questão do abatimento aos montantes a restituir das quantias prestadas pelos Réus aos Autores (juros e demais montantes).
Salientamos o apontado circunstancialismo para que não se invoque a violação do disposto no artigo 609º, nº 1, do CPC.
Aliás, estando desde o início em discussão a nulidade substantiva dos negócios e dos seus efeitos, designadamente quanto à quantificação da obrigação de restituição a cargo de qualquer das partes, não é pelo facto de os Réus não terem formulado, em reconvenção, o pedido de restituição do que prestaram, que obsta a que tal condenação seja imposta aos Autores. Trata-se de um efeito necessário da declaração da nulidade substantiva pedida na petição inicial, a qual não pode ficar limitada à restituição apenas do que uma parte prestou, mas antes deve incidir sobre o que ambas prestaram[22]. Basta que haja prestações recíprocas no âmbito de um negócio nulo para que sobre o tribunal recaia o dever de, ainda que oficiosamente (mesmo que não peticionado pela contraparte da que alegou a nulidade e pediu a restituição do que prestou), condenar a própria parte que alegou a nulidade a restituir aquilo que a contraparte demonstradamente lhe prestou. Conhecendo o tribunal da nulidade, deve também conhecer da consequência legal desta, que é a restituição de tudo o que tiver sido prestado em cumprimento do ato nulo. Se ambas as partes receberam uma da outra prestações em execução do negócio nulo, dispondo o processo dos pertinentes elementos, o conhecimento do efeito da nulidade não pode ser restringido apenas ao que uma das partes prestou, pois trata-se de aplicar uma consequência legal que opera ex lege.
Desde logo, verifica-se que no Assento nº 4/95, de 28.03.1995, publicado no DR I Série, de 17.05.1995, decidiu-se: «Quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade de negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na acção tiverem sido fixados os necessários factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil
Depois, como bem salienta Miguel Teixeira de Sousa[23], «se o tribunal pode condenar na restituição do que foi cumprido em função do contrato quando conhece oficiosamente da sua nulidade, então também o deve poder fazer quando a nulidade tenha sido invocada por uma das partes e esta parte não tenha formulado o pedido correspondente à reposição da situação que existia antes da celebração do contrato.
A não se entender assim, até se poderia ser obrigado a concluir que o tribunal, ao omitir a condenação necessária para a reposição do status quo ante à conclusão do acto nulo, estaria a dar cobertura a uma recusa dessa reposição pela parte que alega a nulidade, mas, de caso pensado, não formulou nenhum pedido relativo a essa reposição. (…)
Deve ainda acrescentar-se que, mesmo quando a nulidade tenha sido alegada por uma das partes, o tribunal, como consequência da declaração de nulidade segundo o disposto no art. 289.º, n.º 1, CC, pode ter de proferir uma condenação oficiosa. Isso sucede sempre que a reposição da situação anterior à conclusão do acto nulo implique a condenação da própria parte que alegou a nulidade a restituir aquilo que a contraparte lhe tenha prestado. Estando, naturalmente, excluído que a parte que invoca a nulidade peça a sua própria condenação a restituir o que recebeu da outra parte, são possíveis duas situações:
-- Apenas a parte que alegou a nulidade tem o dever de restituir o que recebeu da contraparte, dado que esta nada tinha prestado àquela parte; neste caso, a parte que alega a nulidade não pode formular nenhum pedido condenatório, pelo que o tribunal tem de proferir oficiosamente a sua condenação na restituição do que recebeu da contraparte;
-- Ambas as partes têm o dever (recíproco) de restituir o que receberam da outra parte; nesta hipótese, a parte que invoca a nulidade pode pedir a condenação da outra parte na restituição, pelo que o tribunal tem de, em consonância com o pedido formulado por essa parte, condenar a contraparte a restituir o que aquela parte lhe prestou, mas tem também de, oficiosamente, condenar a própria parte que alegou a nulidade a restituir aquilo que a contraparte lhe prestou.
Pode assim concluir-se que, mesmo quando a parte tenha alegado a nulidade, pode haver a necessidade de o tribunal proferir uma condenação oficiosa dessa mesma parte. Portanto, alegação da nulidade pela parte e condenação oficiosa pelo tribunal não são realidades incompatíveis.»
Por conseguinte, sempre que ambas as partes tiverem o dever recíproco de restituir, pedindo a parte que invoca a nulidade do negócio a condenação da outra parte na restituição, o tribunal, além de apreciar esse pedido e, em consonância com o mesmo, condenar a contraparte a restituir o que aquela parte lhe prestou, tem também de, oficiosamente, condenar a própria parte que alegou a nulidade a restituir aquilo que a contraparte lhe prestou.
No mesmo sentido aponta Miguel Mesquita[24], quando refere que «[o] juiz tem de apreciar e julgar um objecto – pedido e causa de pedir – e este é definido principalmente pelo autor, na petição inicial». Acrescenta que «contra a possibilidade de o juiz decretar efeitos não expressamente requeridos pelo réu levanta-se, precisamente, o princípio do pedido. (…) Uma importantíssima ressalva deverá ser feita para a excepção da nulidade (substantiva). De acordo com o artigo 286.º do Código Civil, esta é «invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal». O ordenamento jurídico, fundado em razões de interesse público, autoriza o juiz, com base nos factos alegados e provados, a declarar, para todos os efeitos, a nulidade, não se devendo limitar a julgar a acção improcedente. E deve mesmo entender-se (…) que, no caso especial da excepção da nulidade (uma autêntica excepção reconvencional), o juiz pode também, oficiosamente, condenar as partes com fundamento no artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil, a restituírem uma à outra «tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente».
Por isso, consideramos que a correta interpretação da lei conduz a que o dispositivo do acórdão assuma a formulação que infra se fará constar em 3.2. e 3.3., tornando assim expressos e percetíveis os efeitos previstos no artigo 289º, nº 1, do CCiv. Em todo o caso, tal formulação é na prática equivalente à decisão de «condenar os Réus a restituir aos Autores todos os valores por estes satisfeitos em execução dos apontados contratos, ou seja, as quantias de € 148.800,00 (cento e quarenta e oito mil e oitocentos euros) e de USD 18.000,00 (dezoito mil dólares), uma vez deduzidos os valores que os Autores receberam dos Réus em execução dos ditos contratos, isto é, as quantias de € 66.715,36 (sessenta e seis mil, setecentos e quinze euros e trinta e seis cêntimos) e de USD 28.572,19 (vinte e oito mil, quinhentos e setenta e dois euros e dezanove cêntimos).»
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III – DECISÃO

Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, decide-se:
3.1. Declarar a nulidade dos contratos celebrados entre Autores e 1º Réu, isto é, os dois contratos de intermediação financeira e os demais contratos mencionados em f), g), k), p), u), w), aa) e bb) da matéria de facto;
3.2. Condenar os Réus a restituir aos Autores todos os valores por estes satisfeitos em execução dos apontados contratos, ou seja, as quantias de € 148.800,00 (cento e quarenta e oito mil e oitocentos euros) e de USD 18.000,00 (dezoito mil dólares);
3.3. Condenar os Autores a restituir aos Réus os valores que destes receberam em execução dos ditos contratos, isto é, as quantias de € 66.715,36 (sessenta e seis mil, setecentos e quinze euros e trinta e seis cêntimos) e de USD 28.572,19 (vinte e oito mil, quinhentos e setenta e dois euros e dezanove cêntimos).
Custas a suportar por Réus e Autores na proporção do decaimento.
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Guimarães, 11.04.2024
(Acórdão assinado digitalmente)

Joaquim Boavida
Afonso Cabral de Andrade
Carla Maria da Silva Sousa Oliveira



[1] Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 151.
[2] Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª edição, Almedina, pág. 735.
[3] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 21.12.2005, relatado por Pereira da Silva, acessível em www.dgsi.pt, tal como todos os demais que se citam no presente acórdão.
[4] Acórdão do STJ de 08.03.2001 – Ferreira Ramos.
[5] Acórdão do STJ de 03.10.2002 – Araújo de Barros.
[6] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, 2018, págs. 168 e 169.
[7] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, 2018, págs. 168 e 169.
[8] L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito Bancário, Almedina, págs. 72 e 89.
[9] José Engrácia Antunes, Os Contratos de Intermediação Financeira, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Volume LXXXV, Coimbra, 2007, pág. 281.
[10] É sempre essa redação a que nos reportaremos quando referirmos esses diplomas.
[11] José Engrácia Antunes, Instrumentos Financeiros, 2014, 4ª edição, Almedina, págs. 16 e 17.
[12] Os Deveres de Informação Permanente no Mercado de Capitais, in ROA, ano 64, novembro de 2004, pág. 223.
[13] Acessível em www.dgsi.pt, tal como todos os demais acórdãos por nós citados.
[14] Como na maioria das vezes estes produtos financeiros atingem elevado grau de complexidade, a CMVM, no sentido de aumentar a sensibilização para os riscos inerentes a estes instrumentos financeiros, sentiu a necessidade de emitir o Regulamento nº 2/2012, de 26 de novembro, de forma a definir os instrumentos financeiros complexos como aqueles que «embora assumindo a forma jurídica de um instrumento já existente, têm características que não são diretamente identificáveis com esse instrumento». Não é apenas por facilidade de expressão que na sua designação se utiliza a palavra “complexos”.
[15] Fátima Gomes, Contratos e Intermediação Financeira – Sumário Alargado, pág. 580, in Estudos dedicados ao Professor Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, Universidade Católica Editora, 1ª Edição, 2002.
[16] Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, pág. 264.
[17] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição, Coimbra Editora, pág. 235.
[18] Carlos Ferreira de Almeida, Contratos V – Invalidade, Almedina, 2017, págs. 126 e 127.
[19] Havendo incumprimento de deveres de informação, os intermediários financeiros poderão ser responsabilizados nas vertentes contraordenacional, penal e civil.
[20] Gonçalo André Castilho dos Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, Almedina, 2008, pág. 210.
[21] Acórdão da Relação do Porto de 16.12.2015 (Fernando Samões), processo 638/12.3TBFLG.P1.
[22] Neste sentido, entre muitos outros o acórdão desta Relação de Guimarães, de 27.10.2016 (João Diogo Rodrigues), proferido no processo 6604/13.4TBBRG.G1, onde se sintetiza bem a questão: «Se ambas as partes tiverem o dever recíproco de restituir, podendo a parte que invoca a nulidade pedir a condenação da outra parte na restituição, o tribunal tem de, em consonância com o pedido formulado por essa parte, de condenar a contraparte a restituir o que primeira lhe prestou, mas tem também de, oficiosamente, condenar a própria parte que invocou a nulidade a restituir aquilo que a contraparte lhe prestou a ela.»
[23] Consequências legais que operam ex lege e condenação oficiosa pelo Tribunal, acessível em https://blogippc.blogspot.pt/2016/09/consequencias-legais-que-operam-ex-lege.html.
[24] In Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 143, pág. 138 e nota 17.