Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MARIA ADELAIDE DOMINGOS | ||
Descritores: | INDEMNIZAÇÃO POR MORTE DA VÍTIMA INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS | ||
Data do Acordão: | 01/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | I. Em face de um juízo de equidade, igualdade, proporcionalidade e levando ainda em conta a evolução da jurisprudência, entende-se adequado fixar a indemnização pela perda do direito à vida de uma vítima com 40 anos de idade, saudável e ativo, que vivia com uma companheira e tinha três filhos menores, sem que tenha tido qualquer responsabilidade na produção do acidente, a quantia de €85.000,00. II. Também se entende adequado em face dos referidos critérios fixar o valor dos danos próprios da companheira em €35.000,00 e de cada filho em €30.000,00. III. Em relação ao dano futuro pela perda de rendimentos, afigura-se igualmente adequado fixar um valor que leve em conta o valor dos alimentos a prestar à companheira por parte do falecido, considerando as necessidades da mesma e as possibilidades do falecido, sem que se justifique alteração do valor fixado em ordem a considerar o rendimento que a vítima poderia dispor após deixar de pagar os alimentos aos filhos. IV. A redução do capital entregue de uma só vez a título de dano futuro pela perda de rendimentos deve levar em conta uma taxa de capitalização conforme às taxas de juros ou de rendimentos remuneratórios praticadas no nosso sistema financeiro. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora I – RELATÓRIO AA representada por BB, CC, por si e na qualidade de legal representante de DD e de EE, ambos menores, intentaram ação declarativa comum contra Companhia de Seguros Tranquilidade, atualmente designada GENERALI SEGUROS, S.A., com fundamento em acidente de viação culposamente causado por segurado na Ré e do qual resultou a morte de FF, companheiro da Autora CC e pai dos outros Autores. Reclamaram o pagamento de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do acidente e da perda da vida do FF. Pediram a condenação da Ré a pagar: a) Aos Autores CC, AA, DD e EE em conjunto, a quantia global de €130.000,00 referente a direito à vida (€120.000,00) e, dano não patrimonial da vítima (€10.000,00); b) Aos Autores AA, DD e EE em conjunto, a quantia de €2.880,00 a título de dano patrimonial inerente à perda do veículo do falecido; c) à Autora CC, para si a quantia de €50.000,00 referente a danos não patrimoniais próprios e, a quantia de €202.499,90 a título de danos patrimoniais; d) à Autora AA, para si, a quantia de €40.000,00 referente a danos não patrimoniais próprios e €30.000,00 a título de danos patrimoniais; e) ao Autor DD, para si, a quantia de €40.000,00 referente a danos não patrimoniais e €73.500,00 a título de danos patrimoniais; f) ao Autor EE, para si, a quantia de €40.000,00 referente a danos não patrimoniais e €73.500,00 a título de danos patrimoniais; g) Juros de mora à taxa legal sobre todas as quantias peticionadas, desde a data de citação e, até efetivo e integral pagamento. A Ré contestou, alegando a existência de ilegitimidade e de preterição do princípio da adesão, visto haver processo criminal em curso (exceções jugadas improcedentes em sede de saneamento), e aceitando a responsabilidade do seu segurado na produção do acidente, mas impugnando os danos invocados, que alegou desconhecer, do mesmo passo que reputou de exagerados os montantes reclamados pelos Autores. Acrescentou que o acidente constituiu igualmente acidente de trabalho e que terá de suportar (por igualmente ser a seguradora do acidente de trabalho) a indemnização a arbitrar nessa sede, não podendo haver cumulação da mesma com os montantes a arbitrar na presente causa, os quais deverão, nomeadamente no que respeita ao peticionado pela A. CC a respeito de danos patrimoniais, inerentemente restringidos (devendo, neste campo, ter-se ainda em conta o que possa também ser pago pela Segurança Social). Concluiu pela improcedência da ação. A segurança Social veio deduzir pedido de reembolso dos montantes por si pagos como decorrência do acidente, pedido esse que foi sendo atualizado, culminando com o pedido de pagamento ao Centro Nacional de Pensões do Instituto da Segurança Social, I.P., da quantia de €8.735,25, bem como o que vier posteriormente a ser apurado, até ao limite da indemnização a conceder, bem como os respetivos juros de mora legais, desde citação até efetivo e integral pagamento. A Ré contestou o pedido da Segurança Social. Foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, nos seguintes termos: «Pelo exposto, o tribunal julga a presente ação parcialmente procedente e condena a R. a pagar aos AA. as seguintes quantias: a) Aos CC, AA, DD e EE em conjunto, a quantia global de 80.000,00€ (oitenta mil euros) referente ao dano de perda do direito à vida, acrescida do montante destinado a ressarcir o dano não patrimonial da vítima, o FF, pela perceção da sua morte iminente, que se fixa em 4.000,00€ (quatro mil euros); b) Aos AA, DD e EE em conjunto, a quantia de 2.880,00€ (dois mil, oitocentos e oitenta euros) a título de dano patrimonial inerente à perda do veículo do falecido; c) à A. CC, para si a quantia de 35.000,00€ (trinta e cindo mil euros) referente a danos não patrimoniais próprios e, a quantia de 138.600€ (cento e trinta e oito mil e seiscentos euros) a título de danos patrimoniais; d) à A. AA, para si, a quantia de 30.000,00€ (trinta mil euros) referente a danos não patrimoniais próprios e, 18.000,00€ (dezoito mil euros) a título de danos patrimoniais; e) ao A. DD, para si, a quantia de 30.000,00€ (trinta mil euros) referente a danos não patrimoniais e, 43.000,00€ (quarenta e três mil euros) a título de danos patrimoniais; f) ao A. EE, para si, a quantia de 30.000,00€ (trinta mil euros) referente a danos não patrimoniais e €43.000,00€ (quarenta e três mil euros) a título de danos patrimoniais; g) Juros de mora à taxa legal sobre todas as quantias peticionadas, desde a data de citação e, até efetivo e integral pagamento. Mais condena a R. a pagar ao Centro Nacional de Pensões do Instituto da Segurança Social, I.P., a quantia de € 8.735,25 (oito mil setecentos e trinta e cinco euros e vinte e cinco cêntimos), bem como os respetivos juros de mora à taxa legal, desde citação, até efetivo e integral pagamento. Absolveu-se a R. do demais contra a mesma peticionado.» Por despacho de 30-09-2022 (ref.ª 125513056), foi retificado o valor dos danos patrimoniais fixado a favor da Autora CC (cfr. alínea c) da parte dispositiva), nos seguintes termos: «(…) determinando-se que, com o fundamento exposto, passe a constar do segmento decisório da sentença a condenação da R. no pagamento à A. CC da quantia de 899,90€ pela perda do carrinho de bebés, passando assim a quantia atribuída á A. CC, a título de danos patrimoniais, de 138.600,00€ para 139.499,90€.» Da sentença foi interposto recurso pela Ré (colocando apenas a questão do momento a partir do qual devem ser contabilizados os juros de mora) que foi apreciado através do Acórdão proferido em 15-12-2022, tendo a apelação sido julgada improcedente. Também os Autores interpuseram recurso da sentença, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: «1- Os valores compensatórios fixados pelo tribunal a quo a título de direito à vida e, danos não patrimoniais próprios dos AA mostram-se escassos e merecedores de censura. 2- Na fixação do valor indemnizatório/compensatório, há a considerar a matéria de facto dada como provada e que aqui se dá por integralmente reproduzida, as circunstâncias próprias de cada caso e, o valor encontrado deverá mostrar-se balizado pelas decisões dos nossos tribunais superiores para casos semelhantes, assim respeitando necessariamente os princípios de igualdade e proporcionalidade garantindo ainda o progressivo afastamento do miserabilismo indemnizatório. 3- Considerando o atrás referido e a matéria de facto dada como provada, deverá a douta sentença proferida pela primeira instância ser alterada, fixando-se o valor compensatório/indemnizatório a título de Direito à Vida nos 120.000,00€. 4- Considerando o atrás referido e a matéria de facto dada como provada, deverá a douta sentença proferida pela primeira instância ser alterada, fixando-se o valor compensatório/indemnizatório a título de Danos Não Patrimoniais da A. CC nos 50.000,00€ e, a título de Danos Não Patrimoniais devidos a cada um dos AA menores em 40.000,00€ (para cada um). 5- Considerando a matéria de facto dada como provada e, ainda que aceitando o mesmo tipo de cálculo efetuado pelo tribunal na determinação do valor do rendimento de que a A. CC beneficiaria por 42 anos, verifica-se ter ocorrido erro no cálculo efetuado pelo tribunal a quo na determinação desse mesmo valor porquanto não considerou o aumento proporcional ao fim de apoio a cada um dos AA menores à data dos seus 25 anos respetivamente. 6- Considerando que à data dos 25 anos de cada um dos filhos do falecido este deixaria de contribuir para o seu sustento, temos que o rendimento de que a A. CC beneficiaria até aos 42 anos que lhe restam de vida, é muito superior ao considerado pelo tribunal à quo pelo que, necessariamente deverá o montante indemnizatório fixado a título de danos patrimoniais por perda de rendimentos à A. CC, ser aumentado para não menos de 200.000,00€. 7- Tal como melhor consta da douta sentença, da audiência de julgamento, resultou provada a destruição do referido carrinho de bebés assim como o respetivo valor de 899,90€. Cfr. ponto 29 dos factos provados. 8- Certamente por lapso (manifesto) o tribunal não se pronunciou sobre a atribuição da indemnização referente a este prejuízo e nem fez constar a atribuição da indemnização correspondente à A. CC em sede de decisão. 9- Impõe-se a correção da douta sentença proferida, com a condenação da R. no pagamento à A. CC da quantia de 899,90€ pela perda do carrinho de bebés. 10- A douta sentença, entre outros, viola o disposto nos artigos 495,496, 506, 562, 564, 566, todos do CC.» Foi apresentada resposta ao recurso pela Ré e, simultaneamente, recurso subordinado, apresentando as seguintes CONCLUSÕES: «1- A ora recorrida conforma-se de todo com a douta Sentença proferida pelo douto Tribunal recorrido, no que concerne ao valor arbitrado a título de direito á vida e danos não patrimoniais dos autores. 2-A ora recorrente aceita os critérios utilizados pelo douto tribunal recorrido no que concerne ao apuramento do valor da indemnização a título de perda de rendimento da autora CC. 3-O douto tribunal recorrido não teve em conta o facto da autora CC receber de uma só vez todo o capital/rendimento futuro, 4-A indemnização a ser paga de uma só vez, permite ao seu beneficiário, rentabilizá-la em termos financeiros, pelo que, considerando esses proveitos, terá de ser descontado um determinado valor, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado á custa alheia. 5- Face ao valor do capital/indemnização em causa e às notórias subidas das taxas de juro que uma vez aplicado poderá render, é justo e equitativo que ao valor arbitrado seja descontando ¼ (25%), fixando-se a indemnização a título de perda de rendimento no valor de 103.950€. (138.600€ - 25%).» II- FUNDAMENTAÇÃO A- Objeto do Recurso Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar: Recurso principal: quantum indemnizatório a título de dano pela perda do direito à vida, danos não patrimoniais próprios dos Autores CC, DD e EE e dano patrimonial por perda de rendimentos.[1] Recurso subordinado: Se ao valor da indemnização pela perda de rendimento deve ser deduzido 25%, fixando-se o mesmo em €103.950. B- De Facto A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto[2]: «Factos Provados 1- No passado dia 18 de novembro de 2020, cerca das 16:06 horas, no IC 1, área do Concelho de Silves ocorreu um acidente de viação envolvendo: a) o veículo ..-..-QQ, pesado de mercadorias, propriedade de T..., Lda e, na altura conduzido por GG; b) ..-..-ZV, ligeiro de passageiros, propriedade e, na altura conduzido por FF; c) ..-..-LS veículo pesado de pronto-socorro, propriedade de A..., Lda e, na altura conduzido por HH, em que o veículo ..-..-CQ embateu por trás no veículo ..-..-ZV (resposta aos artºs 8º a 11º, 13º a 28º e 30º da p.i. e 1º, 7º, 8º e 12º da contestação). 2- Do embate, dada a violência do mesmo (e visto que o condutor do ..-..-CQ circulava a velocidade não inferior a 80 Km por hora), resultaram ferimentos no condutor do veículo ..-..-ZV, FF, em razão dos quais veio este a falecer ainda no local do acidente (resposta aos artºs 2º, 29º, 34º e 48º da p.i.). 2- A responsabilidade civil por danos causados a terceiros na condução por aquele supra identificado veículo com a matrícula ..-..-CQ encontrava-se transferida para a R. através de contrato de seguro válido e eficaz à data do sinistro, o qual se achava titulado pela apólice número ...17 (resposta aos artºs 12º da p.i. e 23º da contestação). 3- A responsabilidade do seu segurado na produção do acidente foi entretanto já assumida pela R. (resposta aos artºs 8º a 11º, 13º a 28º e 30º da p.i. e 1º, 7º, 8º e 12º da contestação). 4- Correu termos no Juízo Local de Silves, por causa do acidente, o processo crime nº, o qual concluiu com a condenação de GG, transitada em julgado, nos seguintes termos: “[…] d) condenar o arguido GG pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de homicídio por negligência grosseira, previsto e punido pelo art. 137.º, n.ºs 1 e 2 e 69.º, n.º 1, al. a) todos do C.P., na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, de todas as categorias, pelo período de 10 (dez) meses; e) suspender a execução da pena de prisão referida no ponto d) pelo período de 2 (dois) e 6 (seis) meses, a contar do trânsito em julgado da presente decisão, subordinada à entrega por parte do arguido, no período de 1 (um) ano, ao “Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão” da quantia de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), juntando para o efeito comprovativo desse pagamento nos autos, e à frequência de um programa no âmbito da sinistralidade rodoviária a indicar pela D.G.R.S.P.; […]” (resposta ao artº 2º da contestação). 5- à data do sinistro e, desde pelo menos janeiro de 2017 a A. CC, nascida em .../.../1984 e o falecido, nascido em .../.../1980 viviam em união de facto sendo que dessa união e relacionamento, nasceram dois filhos, ora AA., o DD, e o A. EE, ambos nascidos .../.../2020 (resposta aos artºs 3º, 4º e 89º da p.i.). 6- O falecido havia sido casado com BB de quem se divorciou em 2017 sendo que dessa união matrimonial nasceu a A. AA sendo estes três descendentes os seus únicos e universais herdeiros (resposta aos artºs 2º e 5º da p.i.). 7- Os AA. DD e o EE tinham à data do acidente 8 meses (resposta ao artº 87º da p.i.). 8- A A. AA tinha à data do acidente 15 anos (resposta ao artº 88º da p.i.). 9- Do sinistro resultaram danos no veículo do FF que determinaram a sua perda total de acordo com a peritagem efetuada pelos serviços da própria R. (resposta ao artº 31º da p.i.). 10- O veículo do falecido tinha um valor comercial à data do sinistro de 3.000,00€ tendo os salvados sido avaliados em 120,00€ (resposta ao artº 32º da p.i.). 12- À data do sinistro e falecimento, o falecido vivia com a A. CC na companhia dos seus dois filhos DD e EE, ora também AA. (resposta ao artº 43º da p.i.). 13- Mantinha relação de amizade com a sua ex-mulher mantendo convivência quase diária com a sua primogénita AA, também A., sendo frequente a vivência da AA junto do seu pai e do seu atual agregado familiar (resposta aos artºs 44º e 55º da p.i.). 14- O falecido era pessoa saudável, trabalhadora, alegre e ativa (resposta ao artº 45º da p.i.). 15- Era amigo da família, da ex-mulher, atual companheira e de todos os filhos a quem dedicava e carinho, sentimentos que lhe eram correspondidos (resposta ao artº 47º da p.i.). 16- Sofreram ainda todos os AA grande desgosto e abalo pela perda do seu ente querido, companheiro e pai (resposta ao artº 54º da p.i.). 17- Não havia zangas nem conflitos na família (resposta ao artº 56º da p.i.). 18- Todos os AA. menores ficaram sem o seu pai numa altura de que necessitam dele, sendo que, a A. AA está em fase de adolescência (resposta aos artºs 57º e 58º da p.i.). 19- Quase todos os dias a A. AA fala no pai (resposta ao artº 62º da p.i.). 20- Também a A. CC que tinha apenas 35 anos de idade, sofreu um profundo abalo psicológico, não conseguindo esquecer o seu falecido companheiro e passando os dias triste, amargurada e a chorar, o que é agravado por perceber que os seus filhos DD e EE ficaram sem pai (resposta aos artºs 67º a 69º da p.i.). 21- Era o falecido que angariava a maior parte do rendimento do agregado familiar, que vivia na quase total dependência do valor auferido pelo FF (resposta aos artºs 71º, 78º e 80º da p.i.). 22- Era funcionário do Município ... onde desempenhava funções enquanto assistente operacional auferindo a quantia de pelo menos 9.119,98€ por ano (resposta ao artº 72º da p.i.). 23- Iniciava o trabalho na Câmara ... pelas 07:00 horas da manhã e saía pelas 15:30 horas, facto que lhe permitia exercer outras atividades, como fazia, sendo que trabalhava ainda a tempo parcial num estabelecimento de restauração como empregado de mesa, o que fazia desde há meses, auferindo quantia mensal não inferior a 520,00€, acrescida de uma refeição por dia e ainda prestava serviços de jardinagem, tendo, em 2019, declarado para efeitos de IRS ter auferido um total de € 10.939,84 de trabalho dependente (a que acresceram € 3.140, referentes aos dois anos anteriores) e 5.400,00€ de trabalho independente (resposta aos artºs 73º a 75º da p.i.). 24- A A CC encontrava-se desempregada à data do sinistro assim permanecendo auferindo um subsídio diário de 20,00€ apenas (resposta ao artº 77º da p.i.). 25- O FF, a título de alimentos, entregava à sua filha AA, mensalmente, a quantia de, pelo menos, 150,00€, valor fixado em sede de regulação de responsabilidades parentais, podendo, por vezes, entregar mais (resposta ao artº 79º da p.i.). 26- Todos os filhos do falecido necessitariam do pai para que, além da alimentação e vestuário, contribuísse para lhes custear os estudos (e tudo o mais de que necessitassem) (resposta ao artº 82º da p.i.). 27- A sua companheira, a A. CC, necessitava do valor auferido pelo falecido para a sua própria sobrevivência sendo que tinha e tem ainda a seu cargo uma outra filha menor de relação anterior (resposta ao artº 83º da p.i.). 28- O falecido era pessoa poupada e económica, fazia parte das refeições no local de trabalho, e era usual levar refeições para casa a título gratuito, facto que lhe permitia poupar ainda mais (resposta aos artºs 84º a 86º da p.i.). 29- Do acidente ainda resultaram danos num carrinho de bebés para transporte dos menores DD e EE que era transportado no interior do veículo do falecido e que, com o embate dos autos, ficou completamente destruído, sendo que o carrinho tinha um valor de 899,90€ (resposta aos artºs 92º e 93º da p.i.). 30- O acidente dos autos ocorreu quando o referido FF se deslocava do seu local de trabalho para a sua residência (resposta ao artº 14º da contestação). 31- O acidente foi participado á ora ré por ser esta também a seguradora de Acidentes de Trabalho (resposta ao artº 15º da contestação). 32- O processo de AT está a correr os seus trâmites, ainda não existindo decisão, sendo que, verificada a responsabilidade da ré na reparação do referido acidente de trabalho, terá esta que pagar as respetivas pensões aos autores, com base no salário que se encontrava transferido e que era de 645,07€ x 14 meses + 104,94€ x 22 dias x 11 meses (resposta aos artºs 15º e 16º da contestação). 33- O falecido era beneficiário da Segurança Social com o nº...22 (resposta ao artº 94º da p.i.). 34- Por decorrência do óbito de FF, em 2021/03/03 beneficiário com o n.º ...22, foram requeridas junto ao ISS/CNP, pelos A. CC, AA, DD e EE as respetivas prestações por morte, as quais foram deferidas (resposta ao artº 1º do pedido da Segurança Social). 35- Em consequência o ISS/CNP pagou à referida CC, a título de Subsídio por Morte, o montante de €1316,43 (mil trezentos e dezasseis euros e quarenta e três cêntimos) e a título de Pensões de Sobrevivência no período de 2020-12 a 2022-06 o montante global de €4451,28 (quatro mil quatrocentos e cinquenta e um euros e vinte e oito cêntimos), cujo montante mensal perfaz 203,80 (duzentos e três euros e oitenta cêntimos) (resposta aos artºs 94º da p.i., 19º da contestação e 2º do pedido da Segurança Social). 36- Aos menores, a interveniente pagou a cada um € 989,18 (novecentos e oitenta e nove euros dezoito cêntimos), sendo o valor mensal atual de € 45,29 (quarenta e cinco euros e vinte e nove cêntimos) (resposta ao artº 3º do pedido da Segurança Social). 37- Os pagamentos efetuados totalizam assim, até à presente data, o montante de € 8.735,25 (sete mil setecentos e dezasseis euros e vinte e quatro cêntimos), sem prejuízo daquilo que vier a ser apurado no decurso dos presentes autos (resposta ao artº 4º do pedido da Segurança Social). 38- O ISS/CNP continuará a pagar à viúva e aos filhos do beneficiário as pensões de sobrevivência, enquanto estes se encontrarem nas condições legais, com inclusão de um 13º mês de pensão em dezembro e de um 14º mês em julho de cada ano (resposta ao artº 5º do pedido da Segurança Social). Consigna-se que se considerou apenas na decisão supra em termos de matéria de facto apenas o último dos requerimentos apresentados pela Segurança Social (com valores atualizados), continuando a respeito do mesmo a ponderar-se a posição assumida pela R.. Mais se consigna que se detetou que a contestação tem dois artigos 15º, sendo que se entendeu, até porque a matéria dos mesmos se interliga, considerar os dois como um só. Foi considerada não provada a matéria dos artºs 35º a 41º e 46º da p.i. e º da resposta. Não se respondeu à matéria dos artºs 1º, 7º, 33º, 42º, 50º a 53º, 58º, 60º, 61º, 63º a 66º, 76º, 81º, 90º e 91º da p.i., 3º a 6º, 9º a 11º, 13º, 17º, 18º e 20º a 22º da contestação e 6º e 7º do pedido da Segurança Social, por se considerar o respetivo teor conclusivo.» C- De Direito 1. Recurso principal 1.1. Perda do direito à vida (dano morte) Alegam os Autores que o valor fixado pelo Tribunal a quo (€80.000,00) se mostra abaixo do que deveria ter sido fixado, que pugnam dever ser de €120.000,00, considerando «as circunstâncias particulares dos autos quer tendo em consideração outras decisões proferidas pelos nossos tribunais superiores», respeitando-se assim, os «princípios da igualdade e proporcionalidade garantindo ainda o progressivo miserabilismo indemnizatório.» No corpo da alegação, para além do mais, escreveu-se em sede argumentativa: «No presente caso, está em causa uma vítima mortal com 40 anos de idade, companheiro e pai de três menores, saudável, alegre, bem-disposto e apegado à vida, com vida regrada e dedicação ao trabalho e à família, tinha ainda bastante tempo para tirar da vida satisfação sendo expectável e previsível que vivesse até aos 80 anos de vida ou seja, por pelo menos mais 40 anos. A privação da vida do pai e companheiro dos AA configura-se como dano situado num patamar superior da escala de gravidade dos danos deste tipo. Acresce que em nada contribuiu para o acidente que a vitimou, sendo que, o agente lesante agiu com elevado grau de culpa, de resto espelhado na forma como ocorreu o sinistro e que mereceu a censura em sede criminal conforme melhor resulta da certidão a fls.... O valor indemnizatório deverá encontrar-se balizado pelas decisões dos nossos tribunais superiores para casos semelhantes, assim respeitando necessariamente os princípios de igualdade e proporcionalidade. Nesse mesmo sentido, deverá a douta sentença proferida pela primeira instância ser alterada, fixando-se o valor indemnizatório fixado a título de Direito à Vida nos 120.000,00€.» Na sentença recorrida para justificar o valor alcançado e fixado pela perda do direito à vida foi mencionada e analisada jurisprudência proferida entre 2002 e 2020 e foram considerados vários aspetos relacionados com a vítima, concluindo-se do seguinte modo: «Assim, tudo ponderado, e realçando-se mais uma vez que se julga de acentuada gravidade a conduta do segurado na R., julga-se equitativo fixar pela perda do direito à vida do FF, atenta a sua idade, de 39 anos, e à circunstância de não se lhe conhecer enfermidade, sendo pessoa saudável e ativa, a quantia de € 80.000.» Cumpre decidir, levando em conta, por um lado, que não vigorando no nosso sistema jurídico a regra do procedente, o artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, não deixa de invocar o princípio da uniformidade na aplicação do direito levando o julgador sempre em conta as caraterísticas específicas do caso concreto (e é nesse contexto que deve ser lida a invocação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade - cfr. artigos 13.º e 20.º, n.º4, da CRP), ao prescrever que «Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniforme.» Por outro lado, como é sabido, no domínio da fixação do quantum indemnizatório pela perda do direito à vida, apesar de atualmente ser pacífico que esse direito se radica na esfera jurídica da vítima e se transmite aos herdeiros[3], afirmando-se, e bem, que se trata do dano mais relevante suscetível de ser indemnizado atenta a natureza do valor supremo que é a vida, nem sempre se alheia tal raciocínio do perfil da vítima, como seja a idade, as suas condições de saúde, etc., sem prejuízo de, em situações muito específicas, já se ter entendido que o valor deve ser fixado independentemente da idade e do referido perfil pessoal da vítima, como sucedeu com a indemnização fixada pela perda do direito à vida das vítimas da derrocada da ponte de Entre-os Rios, os incêndios de Pedrogão em 2017 ou a derrocada da Estrada Municipal 255, em Borba, no ano seguinte. Compreende-se, assim, que apelando a lei a critérios de equidade (artigo 496.º, n.º 3, do Código Civil), as decisões dos tribunais fixem valores diferentes em relação a situações aparentemente análogas, pelo menos no que concerne ao perfil da vítima, onde avulta a sua idade, saúde e isenção de culpa na produção do evento lesivo. Não há, pois, um critério puramente objetivo que se possa acolher como sendo aquele que decide esta questão. Nem tão pouco são aceites critérios puramente subjetivos. As decisões já proferidas são, pois, um ponto de partida de valor inegável, não só porque a lei elegeu tal critério como decorre do citado artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, mas também porque se trata de um elemento suscetível de introduzir alguma objetividade, razoabilidade e justeza na fixação do valor deste tipo de indemnização. O principal óbice poderá residir na cristalização de critérios e de práticas jurisprudenciais menos favoráveis à natural evolução da sociedade e do sentir da mesma, olvidando-se, por vezes, quer as datas das decisões, quer o momento em que os factos ocorreram. Nesse sentido, apelar a decisões proferidas há duas décadas, ou até a uma década, não faz qualquer sentido, a não ser para se surpreender a evolução que se verificou na prática judiciária. Na procura de decisões recentes do STJ sobre esta questão, é incontornável o aresto proferido em 10-11-2022[4] que, para além de referir os princípios que regem nesta matéria, a saber: gravidade do dano e critérios de equidade para fixação do quantum indemnizatório de acordo com o disposto no artigo 496.º do Código Civil, conjugado com o artigo 8.º, n.º 3, do mesmo Código, e, ainda, princípio da igualdade previsto no artigo 13.º, n.º 1, da CRP, chamou à colação os critérios que presidiram à indemnização das vítimas dos incêndios de 2017 e vítimas da derrocada da Estrada Municipal 255, no concelho de Borba, em 2018, (ocorrências mais contemporâneas do evento lesivo em causa nos autos do que os acontecimentos de Entre-os-Rios mencionados na sentença recorrida), escrevendo o seguinte: «Além do mais, não se pode ignorar a existência de parâmetros indemnizatórios para as situações de perda da vida, fixados pela Provedoria de Justiça, em representação do Estado Português (cfr. Resolução do Conselho de Ministros n.º 157-C/2017), para as vítimas dos incêndios do ano 2017 [parâmetros seguidos de perto na fixação, pela mesma entidade (cfr. Resolução do Conselho de Ministros n.º 4/2019), de indemnizações a favor das vítimas da derrocada da Estrada Municipal 255, ocorrida em 19 de Novembro de 2018, no concelho de Borba], não obstante tais parâmetros terem sido adoptados em circunstâncias muito particulares e – por não revestirem carácter normativo – não serem de aplicação directa para além dessas circunstâncias.», fixando em €80.000,00 a indemnização pela perda do direito à vida (dano morte). Acrescentando: «Reitera-se que estes parâmetros indemnizatórios, a suportar pelo Estado, foram definidos pela Provedoria de Justiça em circunstâncias muito específicas, não revestindo tal definição natureza normativa nem, consequentemente, vinculando os tribunais. Isto dito, porém, afigura-se que, em nome da coerência interna do sistema, tanto a existência como o conteúdo dos referidos parâmetros não pode ser deixada de ser tida em conta na apreciação judicial dos casos concretos. Neste sentido, ver o acórdão deste Supremo Tribunal de 19-04-2018 (proc. n.º 196/11.6TCGMR.G2.S2), consultável em www.dgsi.pt.» E na análise da concreta situação, o STJ confirmou o valor da indemnização fixada pela 1.ª instância, nos seguintes termos: «A impugnação da quantia indemnizatória atribuída aos AA. pelo dano morte do sinistrado, assenta exclusivamente na alegada necessidade de o aproximar, ou igualar, com os valores fixados pela jurisprudência deste Supremo Tribunal. A este respeito, basta referir, a título exemplificativo, que os acórdãos de 04-06-2020 (proc. n.º 2732/17.5T8VCT.G1.S1), de 25-02-2021 (proc. n.º 4086/18.3T8FAR.E1.S1) e de 03-03-2021 (proc. n.º 3710/18.2T8FAR.E1.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt, fixaram em €80.000,00 o quantum indemnizatório pelo dano morte – sendo também este o valor fixado para o dano morte nos supra referidos parâmetros definidos pelo Provedoria de Justiça – para concluir não ser excessivo o montante a este título atribuído pela tribunal a quo aos AA..» No Acórdão de 27-09-2022[5], o STJ fixou uma indemnização pela perda do direito à vida de uma vítima de 41 anos, sem culpa na produção do acidente, no valor de €95.000,00 (revogando, assim, o Acórdão da Relação que tinha baixado a indemnização de €95.000,00 para €85.000,000). No Acórdão de 15-09-2022[6], o STJ afastou o recurso a situações muitíssimo específicas como ocorreu com a fixação da indemnização pela perda da vida do cidadão ucraniano Ihor Homenyuk em março de 2020, morto nas instalações do SEF no aeroporto de Lisboa, em que o quantum foi fixado em €130.000,00, dizendo, aliás, que apesar da também especificidade da situação, melhor se adequaria o valor fixado no caso das vítimas dos incêndios de 2017, corroborando o valor fixado pela Relação de €85.000,00, que tinha revogado o fixado pela 1.ª instância, estando em causa uma vítima com 33 anos, casada e com dois filhos menores, remetendo inclusivamente para um outro aresto em que analisou uma situação com contornos semelhantes, escrevendo: «Como situação com algum paralelismo com a dos autos, em que foi atribuído o valor de 85.000,00 euros pelo dano morte, cf. o ac. do STJ de 952/06.7TBMTA.L1.S1, de 7/5/2020 (disponível em www.dgsi.pt), em cujo sumário consta, nomeadamente: “I - .. II - Atendendo às particularidades do caso, nomeadamente aos 29 anos de idade que a vítima tinha, à data da morte, à elevada expetativa de vida, considerando a esperança de vida dos homens em Portugal, o casamento contraído há cerca de dois anos antes da morte e ter sido pai também há cerca de um ano, afigura-se adequada a indemnização de €85000,00 pela a perda do direito à vida.”» Na jurisprudência das Relações, no concernente ao dano morte também podemos encontrar decisões que fixam o quantum em valores que oscilam entre os €70.000,00 e os €150.000,00. |