Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
292/09.0TTSTB.E2
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: MEIOS DE VIGILÂNCIA À DISTÂNCIA
QUESTÃO NOVA
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 12/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recorrido: TRIBUNAL DO TRABALHO DE SETÚBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Sumário:
I- Em matéria de meios de vigilância à distância, o legislador consagrou a proibição da utilização desses meios com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador (artigo 20º, nº1 do Código Trabalho 2003).
II- Contudo, existem situações em que a própria lei, excepcionalmente, admite a utilização de equipamentos de videovigilância. São os casos em que a instalação e autorização de tal sistema visa prosseguir um objectivo geral de protecção e segurança de pessoas e bens ou, quando particulares exigências, inerentes à natureza da actividade profissional o justifiquem- nº2 do artigo 20º.

III- Se o Tribunal da Relação, em anterior Acordão proferido no âmbito de um recurso de agravo, fez uma apreciação global da legalidade da norma contida no nº2 do artigo 20º do Código do Trabalho de 2003, tal significa que também considerou a constitucionalidade material de tal norma, caso contrário, teria declarado a sua inconstitucionalidade, por ser a mesma de conhecimento oficioso.

IV- Se a recorrente não reagiu em tempo e pelos meios processuais legalmente previstos, contra o entendimento manifestado pelo aludido Acórdão, permitiu que o mesmo transitasse em julgado e que se formasse caso julgado formal sobre a constitucionalidade material do artigo 20º do Código do Trabalho de 2003, não podendo, no âmbito do recurso de Apelação, a suscitada questão da inconstitucionalidade da norma ser de novo apreciada.

V- Não tendo a apelante suscitado, perante o tribunal recorrido, a questão da ilegalidade da instalação e utilização do sistema de videovigilância da ré, e suscitando tal questão nas conclusões de recurso, a mesma constitui questão nova, que não pode ser conhecida pelo tribunal ad quem.
VI- Uma operadora de talho de um Hipermercado que, em diversas ocasiões, entrega carne a preços mais baixos do que os determinados pela empregadora, a colegas de trabalho e familiares, que liquidam, na caixa, os preços que a trabalhadora apôs nos produtos, desobedeceu ilegitimamente às ordens dadas pela sua empregadora, violou o dever de zelo e diligência a que estava obrigada, no exercício das suas funções profissionais, violou o dever de lealdade, não velou pela boa utilização dos bens que lhe haviam sido confiados e lesou interesses patrimoniais sérios da empresa.
VII- Tal conduta infractora é suficientemente grave e reprovável, originando a ruptura da relação laboral, fundamentando, assim, a justa causa para o despedimento da trabalhadora.

Sumário da relatora

Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora
I.Relatório
M…, residente na Rua…, Setúbal, demanda Companhia…, S.A., com sede na Travessa…, Lisboa, alegando que foi despedida com invocação de justa causa, mas entendendo que a mesma inexiste. Na sequência, pede que o despedimento seja declarado ilícito e que a Ré seja condenada a pagar-lhe uma indemnização de antiguidade, bem como as retribuições vencidas desde o despedimento e, ainda, € 10.000,00 a título de danos morais.
Realizada a Audiência de partes, na mesma não foi possível a conciliação.
Contestou a Ré, alegando, resumidamente, que o procedimento disciplinar foi válido e que existiu justa causa de despedimento. Igualmente impugnou a verificação dos alegados danos morais.
Requereu a apensação do processo disciplinar instaurado contra a autora.
A autora veio impugnar o documento nº 6 junto com a contestação, que é constituído por um DVD, cujos dados nele contidos foram obtidos pelo sistema de vigilância com a finalidade de controlar o desempenho profissional da autora, sem a devida autorização.
Veio a ré responder a tal impugnação, sustentando a licitude das imagens recolhidas pelo sistema de videovigilância.
Por despacho de fls. 159 a 163, declarou-se a nulidade do meio de prova oferecido pela ré, consistente em imagens obtidas através do sistema de vigilância instalado no seu estabelecimento comercial.
Foi dispensada a Base Instrutória e designada data para a realização do Julgamento.
Interpôs a ré recurso de Agravo do despacho proferido a fls. 159 a 163.
A recorrida apresentou as suas alegações.
O recurso foi admitido como Agravo, com subida diferida nos autos e efeito devolutivo. O Meritíssimo Juiz a quo, sustentou o despacho agravado.
Realizada a Audiência de Discussão e Julgamento, foi proferida decisão sobre a matéria de facto, sem qualquer reclamação.
Foi então proferida sentença.
Inconformada com a mesma, veio a ré interpor recurso de Apelação.
Contra-alegou a recorrida.
O recurso foi admitido como Apelação, a subir nos próprios autos, com efeito suspensivo, em face da caução prestada.
Recebidos liminarmente os recursos, foi aberta vista para Parecer do Ministério Público.
A recorrente respondeu a tal parecer.
Por Acordão proferido por este Tribunal, foi decidido conceder provimento ao agravo e, em consequência ordenou-se:
- que o despacho impugnado fosse substituído por outro que admitisse a prova requerida pela ré (visionamento do DVD);
- a repetição de toda a produção de prova.
Tendo o processo sido remetido à 1ª instância, ordenou-se a devolução da caução prestada e designou-se data para a realização do julgamento.
Foi então proferida decisão sobre a matéria de facto, provada e não provada, sem qualquer reclamação.
Foi proferida sentença, cuja decisão tem o seguinte teor:
“Destarte, julgo a acção totalmente improcedente, absolvendo a Ré Companhia…, S.A., de todos os pedidos deduzidos pela A. M…”.
Inconformada com tal decisão, veio a autor interpor recurso, apresentando, a final, as seguintes conclusões:
1ª — A Apelante recorre da sentença proferida tanto da matéria de Facto como de Direito.
2ª — Dada a sua relevância para uma melhor apreciação da natureza da vigilância da Ré sobre a A. o ponto 23 da matéria assente deve ser alterado passando a conter a seguinte redacção "E, nessa sequência, recolheu diversas imagens da A. no exercício das suas funções laborais através de uma câmara móvel, operada por um operador de segurança, por sobre ela recair suspeitas de cometimento de infracções penais."
3ª— Atenta a sua relevância para o esclarecimento da licitude e legalidade do sistema de videovigilância utilizada pela Ré e nos termos do artigo 72° do C.P.T. à matéria de facto dada por assente devem ser aditados os seguintes factos: "que a autorização da CNPD se destinou à localidade de Alfragide, bem como sendo localidade a indicada para os serviços encarregados do processamento de dados, sendo omissa quanto aos locais abrangidos pelas câmaras".
4ª— Uma vez que resulta da análise crítica do documento de fls 93 a 101, e que constitui matéria de primordial relevância para uma melhor decisão sobre a ilicitude do sistema de segurança da Ré.
5ª— O Decreto-Lei n° 35/2004 de 21 de Fevereiro o qual no seu artigo 13 n°s 1, 2 e 4, autoriza as entidades titulares de alvarás ou de licença para o exercício de actividades de segurança privada a utilizar equipamentos electrónicos de vigilância com o objectivo de proteger pessoas e bens desde que ressalvados os direitos e interesses legalmente protegidos, estabelecendo um prazo de conservação de imagens e sons de 30 dias, findo o qual será destruído, só podendo ser utilizado nos termos da legislação penal.
6ª — O seu artigo 13/1 estabelece: qualquer pessoa tem o direito de não ficar sujeita a uma decisão que produza efeitos na sua esfera jurídica ou que afecte de modo significativo, tomada exclusivamente com base num tratamento automatizado de dados destinados a avaliar determinados aspectos da sua personalidade, designadamente a sua capacidade profissional, o seu crédito, a confiança de que é merecedora ou o seu comportamento.
7ª— Dentro desta linha a Comissão Nacional de Protecção de Dados na sua deliberação n° 61/2004 explicitou os critérios gerais a adoptar, na autorização de instalação de sistemas de videovigilância, designadamente "será admissivel aceitar quem quando haja razões justificativas de utilização destes meios — a gravação de imagens se apresente, em primeiro lugar, como medida preventiva ou dissuadora tendente à protecção de pessoas e bens e, ao mesmo tempo, como meio idóneo para adaptar a pratica de factos passíveis de serem considerados com ilícitos penais, e, nos termos da lei processual penal, servir de meio de prova".
8ª— É dentro deste quadro que se insere a disposição do artigo 20º do C.T. o empregador não pode utilizar meios de vigilância à distância com o propósito de controlar o desempenho profissional dos trabalhadores, mas será lícita essa utilização "sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifique" e "desde que o empregador informe o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados.
9ª— A utilização dos referidos equipamentos electrónicos de vigilância e controlo constitui uma limitação ou uma restrição do direito a reserva da intimidade da vida privada consignada no art° 26° n° 1 da Lei fundamental. Ao autorizar a videovigilância e ao estabelecer algumas regras a que ele deve obedecer, o legislador está de uma matéria atinente a direitos, liberdades e garantias, dai que se trate de uma matéria de reserva de competência legislativa da Assembleia da República.
10ª— Sendo certo que a Assembleia da República ao habilitar o Governo para legislar sobre a actividade de segurança privada com lei de autorização para o efeito estabeleceu os limites restritivos de direitos fundamentais "A gravação de imagens e sons feitas por entidades de segurança ou serviços de autoprotecção, no exercício da sua actividade através de equipamentos electrónicos de vigilância deve ser conservada pelo prazo de 30 dias, findos os quais será destruída, só podendo ser utilizada nos termos da legislação processual penal."
11ª — Face ao exposto, a divulgação da cassete contendo imagens e sons da A. utilizada como meio de prova quer em processo disciplinar e quer em processo de trabalho constituiu, uma abusiva intromissão na vida privada e a violação do direito à imagem do trabalhador ambos consignados no art° 26° n° 1 da C.R.P., o primeiro dos quais abrange, designadamente "o direito a impedir o acesso a estranhos a informações sobre a sua vida privada e familiar" e o segundo, "o direito de cada um de não ser fotografado nem ver o seu retrato exposto em público sem o seu consentimento".
12ª — Deve assim ser declarada a inconstitucionalidade material das normas dos nºs 1 e 2 do art° 20º do C.T. na interpretação dada pelo Acórdão da Relação de Évora e pela sentença em 1ª instância no sentido de admissibilidade do visionamento, em processo disciplinar e em processo de trabalho, das imagens, contendo actuação profissional do trabalhador, obtidas através da utilização do sistema de videovigilância por violação dos princípios constitucionais consagrados nos artigos 26° n° 1 e 18° n° 2 e 3 da Constituição da República Portuguesa.
13ª — O tribunal a quo considerou provados os factos constantes dos pontos 37, 39, 43, 48, 52, 53, 56 e 57, resultantes das respostas afirmativas aos factos 29, 31, 33 a 38, 40, 41, 43, 45 a 49, 51, 53 a 56, 58 a 60, 63, 65, 68 a 70, 73, 76, 80, 81, 84, 86 a 90, 92 a 96, 99 a 102 ao 114 da contestação.
14ª — Tais factos da matéria assente encontram-se incorrectamente julgados, por resultar de um meio de prova (visionamento de DVD com as imagens da A.) manifestamente inconstitucional.
15ª— Nestes termos não havendo outra prova legal dos factos ilicitamente julgados a decisão sobre a matéria de facto descritas nos pontos 37, 39, 43, 48, 52, 53, 56 e 57 deve ser alterada por nulidade.
16ª — A instalação do sistema de videovigilância tendo sido requerida para o Hipermercado…, foi autorizada para ser instalada no Hipermercado sito em Alfragide, localidade também indicada para os serviços encarregados do processamento da informação.
17ª — Ora a Ré que não sendo na empresa de segurança privada ao instalar um sistema de videovigilância nas suas instalações que lhes permitisse proceder à vigilância de bens móveis e imóveis e ao controlo de entrada, saída e presenças de pessoas, tinha necessariamente de identificar o local das instalações a ser afectado ao referido sistema de videovigilância.
18ª — Na verdade, a Autorização n° 62/2002 ao identificar um outro local — Alfragide — que não o local de trabalho da A. — Setúbal — torna-a inexistente.
19ª— Acresce que da referida autorização não consta a descrição pormenorizada dos locais abrangidos pelas Câmaras.
20ª— Acresce que a instalação ou sistema de videovigilância foi autorizada pela entidade com competência nessa matéria — a C.N.P.D. — desde que nos lugares objecto da vigilância seja afixada, em local bem visível, de um aviso com os seguintes dizeres: "Para sua protecção este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão" ou "Para sua protecção este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagens e sons."
21ª — A Ré estava obrigada a dar cumprimento a este requisito, antes de proceder à instalação do sistema de vigilância electrónica.
22ª — Não ficou provado que a Ré tenha dado cumprimento à afixação dos ditos avisos.
23ª — Neste sentido a Ré não tendo dado cumprimento ao disposto no n° 3 do art° 20º do C. T. nem o n° 3 do art° 12° do Decreto — Lei n° 231/98, actualmente regulado pelo art° 13/3 do Decreto — Lei n° 35/2004 de 21 de Fevereiro, violou de forma grosseira, os direitos inerentes à reserva da vida privada, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos agindo de forma ilícita com desrespeito pelo principio da boa — fé, o que invalida a utilização do sistema de videovigilância para a finalidade concreta a que o sistema se destinava.
24ª — Ficou suficientemente demonstrado que a actividade da A. foi permanente escrutinada através da câmara de vídeo, de tal modo que todos os gestos que executou no âmbito da sua prestação laboral, foi avaliada através dos registos de imagem.
25ª — No caso concreto não existiu uma situação de mera captação difusa de imagens com intersecção de diversos planos de movimento, e dirigida apenas à detecção de factos, situações e acontecimentos incidentais, num circunstancionalismo extremo de potencial risco para os interesses patrimoniais ou a integridade física das pessoas.
26ª — Antes se provou que se verificou uma incidência directa e necessariamente constrangedora sobre o campo da acção da A.
27ª — Nas ditas circunstâncias apuradas, não houve a vigilância genérica da natureza essencialmente preventiva, dirigida a qualquer pessoa que acidental ou esporadicamente interferisse no espaço de observação, mas sim perante uma vigilância individualmente dirigida que elegeu a A. como potencial suspeita da prática de infracções criminais e que deste modo passou a constituir o objecto exclusivo e privilegiado de vigilância.
28ª — Deste modo, a videovigilância configurou uma típica medida de policia, que apenas poderia ser implementada dentro das competências especificas das autoridades policiais, por períodos de tempo determinados e com o objectivo preciso de recolha de informação destinada a habilitar a entidade competente a prevenir quaisquer possíveis perturbações da ordem e da segurança pública e a identificar os seus autores — art° 16° da Lei de Segurança Interna.
29ª — Ora nos termos do disposto no art° 50 alínea a) é proibido no exercício da actividade de segurança privada "a prática de actividades que tenham por objecto a prossecução de objectivos ou o desempenho de funções correspondentes a competências exclusivas das autoridades judiciárias ou policiais. Tanto basta para que se conclua pela ilegitimidade e ilegalidade da investigação e da gravação de imagens através do sistema de videovigilância que a Ré efectuou à e da A.
30ª — Pelo que a Ré utilizou o sistema de videovigilância de forma ilegítima e ilegal por usurpação de poderes que não lhe foram conferidos o que importa a nulidade das gravações das imagens da A.
31ª — Não se tendo provado que a A. tenha dado autorização para a divulgação das suas imagens, a reunião efectuada na presença de funcionários da Ré não autorizados ao acesso a informação violou o disposto no art° 15/1 alínea e) da Lei 67/98 por força do disposto no art° 13/4 do Dec-Lei 35/2004 e o direito à imagem da A. protegido pelo artigo 26/1 da C.R.P.
32ª — O que confere à A. responsabilizar criminalmente e civilmente a Ré e o responsável pela segurança.
33ª — Nestes termos a sentença proferida infringiu os preceitos dos artigos 72 do C.T.; 13°/3/4 e 35°/1/2 do Decreto-Lei n° 35/2004 de 21 de Fevereiro; art° 15° alínea a) e 16° da Lei da Segurança Interna, artigo 15/1 alínea e) da Lei 67/98 e art° 26/1 da C.R.P.
Pelo que deve ser revogada e substituída por outra que declare a inconstitucionalidade material das normas dos nºs 1 e 2 do art° 20° do C.T. na interpretação dada pelo Acórdão da Relação de Évora e pela sentença proferida e consequentemente nula toda a prova constante dos pontos 37, 39, 43, 48, 52, 53, 56 e 57 da matéria de facto assente; ou o reenvio do processo para novo julgamento com outros meios de prova caso existam; ou se assim não for o doutamente entendido, declarada a ilegalidade da utilização do sistema de videovigilância e do visionamento das imagens da A. e em consequência a acção ser julgada procedente por provada e a ré condenada em todo o peticionado.
Contra-alegou a recorrida, pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Neste tribunal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido da manutenção da sentença recorrida.

A recorrente ofereceu resposta a tal parecer, discordando do mesmo e requereu a junção aos autos de um documento.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


*

II.Questão Prévia

No âmbito do exercício do contraditório relativo ao parecer formulado pelo Ministério Público, veio a recorrente requerer a junção aos autos de um documento que é constituído por um print de um Acordão do Tribunal da Relação do Porto, retirado do site www.dgsi.pt.

Atento o disposto no artigo 525º do Código de Processo Civil, defere-se a requerida junção do documento.


*

III.Objecto do Recurso

De harmonia com o disposto nos artigos 684º, nº3 e 685º-A, nº1 do Código do Processo Civil aplicável ex vi do artigo 87º, nº1 do Código do Processo de Trabalho, é consabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso.

Em função destas premissas, são as seguintes as questões a apreciar nos presentes autos:

1ª impugnação da decisão da matéria de facto, no âmbito da qual foram suscitadas as seguintes questões:

a) Inconstitucionalidade material do artigo 20º do Código do Trabalho de 2003;
b) Nulidade da decisão recorrida na parte em que considerou provados factos com fundamento em meio de prova ferido de inconstitucionalidade;

c) Redacção do ponto 23 da matéria de facto assente;

d) Factos não assentes objecto de discussão e prova;

e) Da ilegalidade da utilização do sistema de vigilância.

2ª enquadramento jurídico dos factos assentes, designadamente conhecimento da invocada justa causa de despedimento


*

IV.Matéria de facto

Para a apreciação das questões sob recurso importa começar por considerar o teor da sentença proferida, especificamente, a matéria de facto que aí se julgou provada e que se transcreve.
1 – A Ré dedica-se à actividade do comércio e indústria de géneros alimentícios e outros artigos compreendidos no ramo de hipermercados e supermercados, tendo sede em Lisboa e diversos estabelecimentos comerciais distribuídos pelo território nacional, entre os quais o Hipermercado…;
2 – A Ré desenvolve actividade no sector do grande consumo, estando exposta aos riscos decorrentes da prática de crimes contra o património, entre outros;
3 – No dia 31.08.1992, a A. foi admitida ao serviço da Ré, para a esta prestar a sua actividade profissional de operadora de segunda, agindo sob as suas ordens, direcção e fiscalização;
4 – Teve sempre o seu local de trabalho no Hipermercado…, explorado pela Ré, e ultimamente auferia a retribuição base mensal de € 605,00, detendo a categoria profissional de operadora especializada e exercendo funções na secção de talho;
5 – As operadoras desta secção exercem funções de atendimento ao público no balcão de talho, procedendo à pesagem de carne e atribuindo o preço de venda;
6 – Em cada estabelecimento da Ré, incluindo o Hipermercado…, são diariamente vendidas avultadas quantidades de carne;
7 – As operadoras da secção de talho têm contacto directo com estes bens da propriedade da Ré, sendo responsáveis pela sua conservação e correcta utilização e alienação;
8 – A A. tem perfeito conhecimento dos diferentes preços de venda da carne ao público;
9 – A Ré proíbe aos seus operadores vender géneros alimentícios a um preço inferior ao preço de venda ao público, regra esta que era conhecida pela A.;
10 – Existe, ainda, uma recomendação de não atendimento pelos funcionários de familiares seus;
11 – A A. era considerada pela Ré como uma profissional experiente;
12 – Com data de 19.11.2008, a Ré remeteu à A. uma carta com o seguinte teor:
«Assunto: Processo Disciplinar – Notificação de Nota de Culpa com Intenção de Despedimento com Justa Causa
Exm.ª Sra.
A Companhia…, S.A, decidiu instaurar-lhe processo disciplinar, para o que se envia nota de culpa deduzida contra V. Exa.
Notifica-se que face à gravidade dos factos que lhe são imputados é intenção da Companhia…, S.A, proceder ao seu despedimento com justa causa.
Face à referida gravidade, e com fundamento no artigo 417.º da Lei n.º 99/2003, de 27/08, a Companhia…, S.A, dá como preventivamente suspenso, sem perda de retribuição, o seu contrato de trabalho. Assim sendo, não poderá apresentar-se ao serviço a partir da data da recepção da presente notificação.
Se nos termos da lei entender apresentar defesa, deverá efectuá-la no prazo de 10 dias úteis, contados desde a presente notificação.
Mais se comunica que, no aludido prazo de 10 dias úteis, o processo disciplinar se encontra à sua disposição para consulta junto da secção de recursos humanos do Hipermercado…»;
13 – Conjuntamente com essa carta, seguia uma nota de culpa com o seguinte teor:
«A Companhia…, S.A., em processo disciplinar, deduz contra a trabalhadora ao seu serviço M…, a presente nota de culpa, que a faz nos termos e pelos factos seguintes:
1. A Arguida desempenha a sua actividade profissional no hipermercado…, onde desempenha as suas funções como operadora na secção de talho.
2. A Arguida por virtude da sua categoria contratual exerce funções de atendimento ao público no balcão de talho, procedendo à pesagem de carne e atribuindo o preço de venda.
3. A Arguida é uma profissional experiente que exerce funções no balcão de talho do… desde 31-08-1992.
4. No dia 24 de Setembro de 2008, pelas 10.45 horas quando a Arguida exercia as suas funções no balcão de talho, recebeu de uma familiar, a sua irmã, um papel com uma encomenda de carne.
5. A Arguida entregou o papel com a encomenda à sua colega de trabalho E…, para esta executar o corte das peças de carne.
6. A E… cortou a carne e colocou-a dentro de sete sacos de plástico;
7. A E…, de seguida entregou os sete sacos com carne à Arguida para que esta os pesasse e atribuísse o preço de venda.
8. Dentro dum primeiro saco entregue estava 1,640 kg de lombo de porco limpo, com preço por kg de € 5,49.
9. A Arguida pesou este saco com 1,640 kg de lombo de porco limpo como se fosse febras de porco com o preço por kg de € 3,45.
10. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… na importância de € 3,34, correspondente à diferença de preço entre 1,640 kg de lombo de porco limpo e as febras de porco.
11. Num segundo saco entregue pela E… à Arguida, continha 1,512 kg de lombo de porco limpo com o referido preço por kg de € 5,49.
12. A Arguida pesou este saco com 1,512 kg de lombo de porco limpo como se fosse febras de porco com o preço por kg de € 3,45.
13. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… na importância de € 3,08, correspondente à diferença de preço entre 1,512 kg lombo de porco limpo e as febras de porco.
14. Num terceiro saco entregue pela E… á Arguida, continha 1,262 kg de lombo de porco limpo com o referido preço por kg de € 5,49.
15. A Arguida pesou este saco com 1,262 kg de lombo de porco limpo como se fosse porco para assar com o preço por kg de € 4,49.
16. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… na importância de € 1,26, correspondente à diferença de preço entre 1,262 kg lombo de porco limpo e a carne de porco para assar.
17. Num quarto saco entregue pela E… à Arguida, estava 0,952 kg de pianos de porco com preço por kg de € 7,95.
18. A Arguida pesou este saco com 0,952 kg de pianos de porco como se fosse ossos da suã com o preço por kg de € 1,25.
19. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… na importância de € 6,38, correspondente à diferença de preço entre 0,952 kg de pianos de porco e os ossos da suã.
20. Num quinto saco entregue pela E… à Arguida, estava 1,262 kg de pianos de porco com preço por kg de € 7,95.
21. A Arguida pesou este saco com 1,262 kg de pianos de porco como se fosse ossos da suã com o preço por kg de € 1,25.
22. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… na importância de € 8,45, correspondente à diferença de preço entre 1,262 kg de pianos de porco para e os ossos da suã.
23. Num sexto saco entregue pela E… à Arguida, estava 1,058 kg de lombinhos de porco com preço por kg de € 9,95.
24. A Arguida pesou este saco com 1,058 kg de lombinhos de porco como se fosse novilho nacional estufar com o preço por kg de € 3,50.
25. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… na importância de € 6,82, correspondente à diferença de preço entre 1,058 kg de lombinhos de porco e o novilho nacional estufar.
26. Num sétimo saco entregue pela E… à Arguida, estava 0,984 kg de lombinhos de porco com preço por kg de € 9,95.
27. A Arguida pesou este saco com 0,984 kg de lombinhos de porco como se fosse novilho nacional estufar com o preço por kg de € 3,50.
28. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… na importância de € 6,35, correspondente à diferença de preço entre 0,984 kg de lombinhos de porco e o novilho nacional estufar.
29. Estes sete sacos após pesados foram entregues pela Arguida à sua irmã que adquiriu a carne.
30. Prejudicando a Arguida o… na importância de € 35,68, valor correspondente à soma das diferenças dos preços dos 7 sacos com carne, e beneficiando nessa exacta medida a sua irmã.
31. No dia 4 de Outubro de 2008, pelas 10.20 horas, quando a Arguida exercia as suas funções no balcão de talho, atendeu como cliente o seu marido.
32. A Arguida, ao atender o seu marido, colocou dentro do saco aproximadamente 3 kg de lombinhos de porco com o preço por kg de €9,95.
33. A Arguida pesou este saco com 3 kg de lombinhos de porco com o preço de € 9,95 por kg como se fosse rojões de porco com o preço por kg de € 2,95.
34. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… na importância de € 27,29, e favorecendo nessa exacta medida o seu marido, importância que corresponde à diferença entre o preço de 3 kg de lombinhos de porco e o preço dos rojões de porco.
35. No dia 6 de Outubro de 2008, pelas 17.35 horas, quando a Arguida exercia as suas funções no balcão de talho, atendeu como cliente o seu marido.
36. A Arguida ao atender o seu marido pediu à sua colega de trabalho E… que retirasse do expositor um pedaço de carne.
37. A E… retirou do expositor um pedaço de lombo de novilho alentejano lombo com o preço por kg de € 36,95, colocou a carne dentro de um saco e entregou-o à Arguida.
38. A Arguida pesou este saco com lombo de novilho alentejano com o preço de € 36,95 por kg como se fosse novilho nacional estufar com o preço por kg de € 3,95.
39. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… em importância que não se pode determinar por falta de informação quanto ao peso da carne aviada,
40. No dia 9 de Outubro de 2008, pelas 18.40 horas, quando a Arguida exercia as suas funções no balcão de talho, atendeu como cliente a Sra. L…, ex-funcionária do….
41. A Arguida retirou do expositor de auto serviço 2,818 kg de pianos de porco com o preço por kg de € 7,95.
42. A Arguida colocou o produto em cima da balança e atribuiu o preço de venda das aparas para animais com o preço de € 0,70 por kg.
43. A Arguida colocou a etiqueta com o preço das aparas para animais no saco com 2,818 kg com os pianos de porco.
44. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… na importância de € 20,43, e favorecendo nessa exacta medida a Sra. L…, importância que corresponde à diferença de preço entre 2,818 kg de pianos de porco e as aparas para animais.
45. De seguida, a Arguida dirigiu-se ao expositor vertical de carnes de onde retirou uma embalagem de lombo de porco para assar com 0,494 kg e com o preço por kg de € 6,95.
46. A Arguida abriu a embalagem do lombo de porco para assar, retirou a carne da embalagem e colocou-a dentro de um saco e atribuiu o preço de venda do bife de porco cujo preço por kg era de € 2,99.
47. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… na importância de € 1,95, e favorecendo nessa exacta medida a Sra. L…, importância que corresponde à diferença de preço entre os 0.494 kg de lombo de porco para assar e o bife de porco.
48. No total, nos dias 24-09-08, 4-10-08 e 9-10-08, a Arguida ao actuar como actuou, causou um prejuízo patrimonial ao… no montante de € 85,35.
49. O prejuízo causado no dia 6-10-08 não é possível determinar por falta de informação relativa ao peso do produto.
50. Nos dias 24-09-08, 4-10-08, 6-10-08 e 9-10-08, os produtos foram efectivamente adquiridos pelos clientes, respectivamente a irmã da Arguida, o seu marido, e a Sra. L…, que dessa forma obtiveram um enriquecimento ilegítimo à conta do...
51. O acto praticado pela Arguida constitui a pratica do crime de burla previsto e punido no Código Penal.
52. A gravidade deste seu comportamento faz quebrar por completo a manutenção da confiança que o contrato de trabalho supõe, tornando de todo em todo impossível a manutenção da relação laboral, constituindo face ao disposto no artigo 396.º, n.º 1 e n.º 3 alíneas a) e e), do Código do Trabalho, justa causa de despedimento.
53. Os actos relatados na presente nota de culpa foram apurados na sequência de uma participação da Secção de Segurança do… de 24-10-2008»;

14 – Respondeu a A. à nota de culpa nos seguintes termos:
«1.º - A trabalhadora arguida foi admitida ao serviço da entidade patronal em 31.08.1992.

2.º - Desempenhando as funções de operadora.
3.º - Atendendo os clientes da entidade patronal ao balcão de talho, procedendo à pesagem de carne e atribuindo o preço de venda.
4.º - No exercício dessas funções a trabalhadora arguida no dia 24 de Setembro de 2008, pelas 10:45 horas, atendeu a sua irmã.
5.º - A qual lhe entregou um papel com a encomenda de carne, que a trabalhadora arguida passou à sua Colega de trabalho E…, para esta executar o corte das peças de carne.
6.º - A sua colega dividiu as peças de carne por sete sacos.
7.º - A encomenda era a seguinte:
· Febras de Porco
· Porco para assar
· Ossos de Suã
· Novilho Nacional estufar
8.º - A trabalhadora arguida pesou e marcou os preços que foram os seguintes:
QualidadeQuantidadePreço/kg
Febras de porco1,640 kg3,45 €
Febras de porco1,512 kg3,45 €
Porco para assar1,262 kg4,49 €
Ossos de Suã0,952 kg1,25 €
Ossos de Suã1,262 kg1,25 €
Novilho Nacional estufar1,058 kg3,50 €
Novilho Nacional estufar0,984 kg3,50 €
9.º - Os sacos com as peças de carne foram entregues pela trabalhadora arguida à sua irmã.
10.º - A sua irmã passou os sacos pela caixa do supermercado, tendo pago os respectivos preços.
11.º - No dia 4 de Outubro de 2008 pelas 10h20 a trabalhadora arguida atendeu como cliente o seu marido.
12.º - O qual lhe encomendou 3 kg de rojões de porco.
13.º - A trabalhadora arguida aviou os 3 kg de rojões de porco que colocou num saco e marcou o respectivo preço de 2,95 €/kg.
14.º - No dia 6 de Outubro de 2008 pelas 17:35H atendeu novamente o seu marido que lhe pediu Novilho Nacional para estufar.
15.º - Foi a Colega E… que entregou à trabalhadora arguida a peça de carne encomendada pelo marido.
16.º - A trabalhadora arguida pesou a peça de novilho nacional para estufar com o preço de 3,95 € por kg.
17.º - A qual entregou ao marido, que pagou o respectivo preço na caixa.
18.º - No dia 9 de Outubro de 2008, pelas 18:40 horas a trabalhadora arguida, atendeu como cliente a Sra. L...
19.º - Que lhe encomendou aparas para animais e bifes de porco.
20.º - A trabalhadora arguida pesou 2,818 kg de aparas para animais pelo preço de 0,70€/kg e 0,494 kg de bifes de porco pelo preço por kg de 2,99 €.
21.º - Tanto a irmã como o marido da trabalhadora arguida, após terem adquirido os produtos no talho, permaneceram no supermercado por mais algum tempo adquirindo outros produtos.
22.º - Passaram pela caixa onde pagaram os respectivos preços dos produtos.
23.º - Não lhes tendo sido apresentada qualquer reclamação quer pela funcionária da caixa quer pela segurança.
24.º - São assim falsos os factos vertidos nos arts. 8.º a 50.º da Nota de Culpa.
25.º - A trabalhadora arguida sempre respeitou e manteve lealdade para com a sua entidade patronal.
Pelo que devem as acusações ser consideradas improcedentes por não provadas e em consequência o processo disciplinar ser pura e simplesmente arquivado.»
15 – Inquiridas as testemunhas arroladas pela A., com excepção de uma, que prescindiu, foi elaborado o relatório final do teor que segue:
«I – Instrução e Factos Provados
O presente processo disciplinar instaurado à funcionária M…, teve o seu início com a notificação da nota de culpa ao trabalhador Arguido.

A Arguida apresentou resposta à nota de culpa e requereu a inquirição de testemunhas.
Todas as testemunhas foram inquiridas com excepção da testemunha L… que foi prescindido pela trabalhadora.
Do depoimento das testemunhas não resultou nada de relevante para o processo
Finda a instrução, dão-se como provados os factos constantes na nota de culpa que aqui se reproduzem:
1. A Arguida desempenha a sua actividade profissional no hipermercado…, onde desempenha as suas funções como operadora na secção de talho.
2. A Arguida por virtude da sua categoria contratual exerce funções de atendimento ao público no balcão de talho, procedendo à pesagem de carne e atribuindo o preço de venda.
3. A Arguida é uma profissional experiente que exerce funções no balcão de talho do … desde 31-08-1992.
4. No dia 24 de Setembro de 2008, pelas 10.45 horas quando a Arguida exercia as suas funções no balcão de talho, recebeu de uma familiar, a sua irmã, um papel com uma encomenda de carne.
5. A Arguida entregou o papel com a encomenda à sua colega de trabalho E…, para esta executar o corte das peças de carne.
6. A E… cortou a carne e colocou-a dentro de sete sacos de plástico;
7. A E…, de seguida entregou os sete sacos com carne à Arguida para que esta os pesasse e atribuísse o preço de venda.
8. Dentro dum primeiro saco entregue estava 1,640 kg de lombo de porco limpo, com preço por kg de € 5,49.
9. A Arguida pesou este saco com 1,640 kg de lombo de porco limpo como se fosse febras de porco com o preço por kg de € 3,45.
10. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… na importância de € 3,34, correspondente à diferença de preço entre 1,640 kg de lombo de porco limpo e as febras de porco.
11. Num segundo saco entregue pela E… à Arguida, continha 1,512 kg de lombo de porco limpo com o referido preço por kg de € 5,49.
12. A Arguida pesou este saco com 1,512 kg de lombo de porco limpo como se fosse febras de porco com o preço por kg de € 3,45.
13. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… na importância de € 3,08, correspondente à diferença de preço entre 1,512 kg lombo de porco limpo e as febras de porco.
14. Num terceiro saco entregue pela E… á Arguida, continha 1,262 kg de lombo de porco limpo com o referido preço por kg de € 5,49.
15. A Arguida pesou este saco com 1,262 kg de lombo de porco limpo como se fosse porco para assar com o preço por kg de € 4,49.
16. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… na importância de € 1,26, correspondente à diferença de preço entre 1,262 kg lombo de porco limpo e a carne de porco para assar.
17. Num quarto saco entregue pela E… à Arguida, estava 0,952 kg de pianos de porco com preço por kg de € 7,95.
18. A Arguida pesou este saco com 0,952 kg de pianos de porco como se fosse ossos da suã com o preço por kg de € 1,25.
19. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… na importância de € 6,38, correspondente à diferença de preço entre 0,952 kg de pianos de porco e os ossos da suã.
20. Num quinto saco entregue pela … à Arguida, estava 1,262 kg de pianos de porco com preço por kg de € 7,95.
21. A Arguida pesou este saco com 1,262 kg de pianos de porco como se fosse ossos da suã com o preço por kg de € 1,25.
22. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… na importância de € 8,45, correspondente à diferença de preço entre 1,262 kg de pianos de porco para e os ossos da suã.
23. Num sexto saco entregue pela E… à Arguida, estava 1,058 kg de lombinhos de porco com preço por kg de € 9,95.
24. A Arguida pesou este saco com 1,058 kg de lombinhos de porco como se fosse novilho nacional estufar com o preço por kg de € 3,50.
25. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… na importância de € 6,82, correspondente à diferença de preço entre 1,058 kg de lombinhos de porco e o novilho nacional estufar.
26. Num sétimo saco entregue pela E… à Arguida, estava 0,984 kg de lombinhos de porco com preço por kg de € 9,95.
27. A Arguida pesou este saco com 0,984 kg de lombinhos de porco como se fosse novilho nacional estufar com o preço por kg de € 3,50.
28. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… na importância de € 6,35, correspondente à diferença de preço entre 0,984 kg de lombinhos de porco e o novilho nacional estufar.
29. Estes sete sacos após pesados foram entregues pela Arguida à sua irmã que adquiriu a carne.
30. Prejudicando a Arguida o… na importância de € 35,68, valor correspondente à soma das diferenças dos preços dos 7 sacos com carne, e beneficiando nessa exacta medida a sua irmã.
31. No dia 4 de Outubro de 2008, pelas 10.20 horas, quando a Arguida exercia as suas funções no balcão de talho, atendeu como cliente o seu marido.
32. A Arguida, ao atender o seu marido, colocou dentro do saco aproximadamente 3 kg de lombinhos de porco com o preço por kg de €9,95.
33. A Arguida pesou este saco com 3 kg de lombinhos de porco com o preço de € 9,95 por kg como se fosse rojões de porco com o preço por kg de € 2,95.
34. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… na importância de € 27,29, e favorecendo nessa exacta medida o seu marido, importância que corresponde à diferença entre o preço de 3 kg de lombinhos de porco e o preço dos rojões de porco.
35. No dia 6 de Outubro de 2008, pelas 17.35 horas, quando a Arguida exercia as suas funções no balcão de talho, atendeu como cliente o seu marido.
36. A Arguida ao atender o seu marido pediu à sua colega de trabalho E… que retirasse do expositor um pedaço de carne.
37. A E… retirou do expositor um pedaço de lombo de novilho alentejano lombo com o preço por kg de € 36,95, colocou a carne dentro de um saco e entregou-o à Arguida.
38. A Arguida pesou este saco com lombo de novilho alentejano com o preço de € 36,95 por kg como se fosse novilho nacional estufar com o preço por kg de € 3,95.
39. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… em importância que não se pode determinar por falta de informação quanto ao peso da carne aviada,
40. No dia 9 de Outubro de 2008, pelas 18.40 horas, quando a Arguida exercia as suas funções no balcão de talho, atendeu como cliente a Sra. L…, ex-funcionária do...
41. A Arguida retirou do expositor de auto serviço 2,818 kg de pianos de porco com o preço por kg de € 7,95.
42. A Arguida colocou o produto em cima da balança e atribuiu o preço de venda das aparas para animais com o preço de € 0,70 por kg.
43. A Arguida colocou a etiqueta com o preço das aparas para animais no saco com 2,818 kg com os pianos de porco.
44. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… na importância de € 20,43, e favorecendo nessa exacta medida a Sra. L…, importância que corresponde à diferença de preço entre 2,818 kg de pianos de porco e as aparas para animais.
45. De seguida, a Arguida dirigiu-se ao expositor vertical de carnes de onde retirou uma embalagem de lombo de porco para assar com 0,494 kg e com o preço por kg de € 6,95.
46. A Arguida abriu a embalagem do lombo de porco para assar, retirou a carne da embalagem e colocou-a dentro de um saco e atribuiu o preço de venda do bife de porco cujo preço por kg era de € 2,99.
47. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… na importância de € 1,95, e favorecendo nessa exacta medida a Sra. L…, importância que corresponde à diferença de preço entre os 0.494 kg de lombo de porco para assar e o bife de porco.
48. No total, nos dias 24-09-08, 4-10-08 e 9-10-08, a Arguida ao actuar como actuou, causou um prejuízo patrimonial ao… no montante de € 85,35.
49. O prejuízo causado no dia 6-10-08 não é possível determinar por falta de informação relativa ao peso do produto.
50. Nos dias 24-09-08, 4-10-08, 6-10-08 e 9-10-08, os produtos foram efectivamente adquiridos pelos clientes, respectivamente a irmã da Arguida, o seu marido, e a Sra. L…, que dessa forma obtiveram um enriquecimento ilegítimo à conta do….
51. Os actos relatados na nota de culpa e constantes deste relatório final foram apurados na sequência de uma participação da Secção de Segurança do… de 24-10-2008.
II – Qualificação dos factos e decisão final
O acto praticado pela Arguida constitui a pratica do crime de burla previsto e punido no Código Penal.
A gravidade deste seu comportamento faz quebrar por completo a manutenção da confiança que o contrato de trabalho supõe, tornando de todo em todo impossível a manutenção da relação laboral, constituindo face ao disposto no artigo 396.º, n.º 1 e n.º 3 alíneas a) e e), do Código do Trabalho, justa causa de despedimento.
Termos em que face aos factos provados e a respectiva qualificação a Companhia…, S.A., decide aplicar à trabalhadora M…, nos termos artigo 396.º n.ºs 1, e 2 e n.º 3, alíneas a) e e), da Lei n.º 99/2003, de 27/08, a sanção do despedimento com justa causa»;
16 – Por registo postal de 13.02.2009, a Ré enviou o referido relatório final à A., acompanhada da seguinte carta:
«Assunto: Processo Disciplinar – Relatório e Decisão Final
Exm.ª Sra.
Na sequência do processo disciplinar instaurado contra V. Exa., informa-se que a Companhia…, S.A., decidiu proceder à aplicação da sanção do despedimento com justa causa, conforme decisão em anexo.

Assim sendo, o contrato de trabalho celebrado entre V. Exa. e a Companhia…, S.A., cessará na data da recepção da presente carta.
Deverá V. Exa. deslocar-se à secção de pessoal do…, a fim de lhe serem pagas as retribuições vencidas até à data da cessação do contrato de trabalho»;
17 – Há já largos meses que a secção de talho do Hipermercado… apresentava valores de quebra desconhecida considerada muito elevada pela Ré, tendo atingido, entre Janeiro e Setembro de 2008, o valor global de cerca de € 28.000,00;
18 – Com vista ao apuramento dos motivos desse valor de quebra desconhecida existente naquela secção, a Secção de Segurança daquele estabelecimento iniciou uma acção de investigação;
19 – A certo momento dessa acção de investigação, entre Setembro e Outubro de 2008, a Ré passou a utilizar o sistema de videovigilância do Hipermercado…, o qual se encontra ali instalado desde a abertura do estabelecimento, em 1992;
20 – Apenas em 26.02.2002 a Ré obteve autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados para a recolha e tratamento de dados obtidos através de tal sistema de videovigilância, nos termos que melhor constam da respectiva decisão, a fs. 93 a 101 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
21 – Para além do mais, consta dessa decisão que a finalidade do tratamento era a «Protecção de pessoas e bens» e do ponto 4: «Entidades a quem os dados podem ser transmitidos: Não há transmissão de dados. Os dados só podem ser utilizados nos termos da lei penal.»;
22 – Na utilização desse sistema de videovigilância, a Ré passou a recolher imagens dos seus funcionários da secção de talho, no exercício das suas funções laborais, utilizando para o efeito uma câmara instalada em frente daquela secção;
23 – E, nessa sequência, recolheu diversas imagens da A., no exercício das suas funções laborais;
24 – Para o efeito, a Ré não obteve prévia autorização judicial para a recolha e tratamento daquelas imagens;
25 – Após ter procedido à recolha e gravação das imagens obtidas através desse sistema de videovigilância, a Ré convocou a A. para uma reunião que se realizou no dia 23.10.2008, onde lhe foram exibidas várias imagens obtidas da mesma, no seu local de trabalho e no desempenho das suas funções laborais;
26 – Nessa reunião, encontravam-se presentes, para além da A., ainda J…, Chefe de Secção de Segurança, H…, Gerente de Recursos Humanos, V…, Gerente de Produtos Frescos, M…, Chefe da Secção de Talho e H…, Adjunto do Chefe de Segurança;
27 – Nessa exibição, o Chefe da Secção de Segurança, J…, pediu à A. que comentasse em especial imagens recolhidas da mesma, no seu local de trabalho e no desempenho das suas funções, nos dias 24.09.2008, 04.10.2008, 06.10.2008 e 09.10.2008;
28 – A certa altura, enquanto tais imagens eram exibidas, a A. começou a chorar e afirmou «Desculpem, errei. Não tenho condições para continuar.»;
29 – Após, a A. subscreveu uma declaração de denúncia do contrato de trabalho, que a Ré preparou, declaração essa que a A. veio a revogar em 30.10.2008;
30 – E em 04.11.2008, o referido J… elaborou a participação de ocorrência que se encontra a fs. 2 e 3 do processo disciplinar, e que aqui se considera integralmente reproduzida, participação essa que se baseou nas imagens obtidas através do referido sistema de videovigilância;
31 – A Ré apresentou queixa-crime contra a A. e outras trabalhadoras da secção de talho, correndo o inquérito na secção do Ministério Público desta Comarca, com o NUIPC 523/09.6PCSTB;
32 – No dia 24.09.2008, a A. encontrava-se a exercer as suas funções no balcão da secção de talho do Hipermercado…;
33 – Nesse dia, juntamente com a A., estava a prestar também serviço no balcão do talho a trabalhadora da Ré E…;
34 – Pelas 10h45 desse dia, a A. atendeu, como cliente, a sua irmã, de quem recebeu um papel com uma encomenda de carne;
35 – A A. entregou o papel com a encomenda à sua colega de trabalho E…, que procedeu ao corte da carne e a colocou dentro de sete sacos de plástico;
36 – Após, entregou estes sacos à A., para que esta os pesasse e atribuísse o preço de venda;
37 – Através da utilização do sistema de videovigilância instalado no Hipermercado…, foi verificado que:
· no primeiro saco entregue pela A. à sua irmã, estava 1,640 kg de lombo de porco limpo, a qual foi pesada e marcada pela A. como se fosse fêveras de porco, assim causando à Ré um prejuízo patrimonial no valor de € 3,34;
· no segundo saco entregue pela A. à sua irmã, estava 1,512 kg de lombo de porco limpo, a qual foi pesada e marcada pela A. como se fosse fêveras de porco, assim causando à Ré um prejuízo patrimonial no valor de € 3,08;
· no terceiro saco entregue pela A. à sua irmã, estava 1,262 kg de lombo de porco limpo, a qual foi pesada e marcada pela A. como se fosse porco para assar, assim causando à Ré um prejuízo patrimonial no valor de € 1,26;
· no quarto saco entregue pela A. à sua irmã, estava 0,952 kg de pianos de porco, a qual foi pesada e marcada pela A. como se fosse ossos da suã, assim causando à Ré um prejuízo patrimonial no valor de € 6,38;
· no quinto saco entregue pela A. à sua irmã, estava 1,262 kg de pianos de porco, a qual foi pesada e marcada pela A. como se fosse ossos da suã, assim causando à Ré um prejuízo patrimonial no valor de € 8,45;
· no sexto saco entregue pela A. à sua irmã, estava 1,058 kg de lombinhos de porco, a qual foi pesada e marcada pela A. como se fosse novilho nacional para estufar, assim causando à Ré um prejuízo patrimonial no valor de € 6,82;
· no sétimo saco entregue pela A. à sua irmã, estava 0,984 kg de lombinhos de porco, a qual foi pesada e marcada pela A. como se fosse novilho nacional para estufar, assim causando à Ré um prejuízo patrimonial no valor de € 6,35;
38 – Após a entrega pela A. de tais sacos à sua irmã, esta dirigiu-se às caixas, onde foram registados e pagos pelo seguinte modo:
· 1,640 kg de fêveras de porco, a € 3,45/kg, num total de € 5,66;
· 1,512 kg de fêveras de porco, a € 3,45/kg, num total de € 5,22;
· 1,262 kg de ossos da suã, a € 1,25/kg, num total de € 1,58;
· 0,952 kg de ossos da suã, a € 1,25/kg, num total de € 1,19;
· 1,262 kg de carne de porco para assar, a € 4,49/kg, num total de € 5,67;
· 1,058 kg de novilho para estufar, a € 3,50/kg, num total de € 3,70;
· 0,984 kg de novilho para estufar, a € 3,50/kg, num total de € 3,44;
39 – Deste modo, no dia 24.09.2008 a A. prejudicou a Ré na importância total de € 35,68, correspondente à soma das diferenças dos preços dos sete sacos com carne, beneficiando nessa exacta medida a sua irmã;
40 – No dia 24.09.2008, o preço de venda ao público de lombo de porco limpo era de € 5,49/kg, de pianos de porco era de € 7,95/kg e de lombinhos de porco era de € 9,95/kg;
41 – No dia 04.10.2008, pelas 10h20, a A. encontrava-se a exercer as suas funções no balcão do talho, tendo atendido, como cliente, o seu marido;
42 – A A. pesou e atribuiu o preço de venda da carne encomendada pelo seu marido;
43 – Através da utilização do sistema de videovigilância instalado no Hipermercado…, foi verificado que nesse dia, ao atender o seu marido, a A. colocou dentro do saco aproximadamente 3 kg de lombinhos de porco, a qual pesou como se tivesse apenas 0,868 kg, marcando essa carne como se fosse rojões de porco, assim causando à Ré um prejuízo patrimonial no valor de € 27,29, favorecendo nessa medida o seu marido;
44 – Após receber esse saco, o marido da A. dirigiu-se às caixas, onde a carne foi registada e paga como tratando-se de 0,868 kg de rojões de porco, a € 2,95/kg, num total de € 2,56;
45 – Nesse dia, o preço de venda ao público de lombinhos de porco era de € 9,95/kg;
46 – No dia 06.10.2008, pelas 17h35, a A. encontrava-se a exercer as suas funções no balcão do talho, tendo atendido novamente, como cliente, o seu marido;
47 – A pedido da A., a colega E… retirou do expositor um pedaço de carne, que colocou dentro de um saco, que entregou à A.;
48 – Através da utilização do sistema de videovigilância instalado no Hipermercado…, foi verificado que nesse dia, ao atender o seu marido, a A. pesou 0,818 kg de lombo de novilho alentejano como se fosse novilho nacional para estufar, assim causando à Ré um prejuízo patrimonial no valor de € 27,00, favorecendo nessa medida o seu marido;
49 – Após receber o saco de carne da A., o seu marido dirigiu-se às caixas, onde essa carne foi registada e paga como tratando-se de 0,818 kg de novilho nacional para estufar, a € 3,95/kg, num total de € 3,23;
50 – Nesse dia, o preço de venda ao público de lombo de novilho alentejano era de € 36,95/kg;
51 – No dia 09.10.2008, a A. encontrava-se a exercer as suas funções no balcão do talho, tendo atendido, pelas 18h40, a cliente L…, ex-trabalhadora daquele estabelecimento da Ré e que a A. conhecia;
52 – Através da utilização do sistema de videovigilância instalado no Hipermercado…, foi verificado que nesse dia, ao atender a L…, a A. retirou do expositor de auto-serviço 2,818 kg de pianos de porco, a que atribuiu o preço correspondente a aparas para animais, assim causando à Ré um prejuízo patrimonial no valor de € 20,43, favorecendo nessa medida essa cliente;
53 – Ainda através da utilização do mesmo sistema de videovigilância, foi verificado que nesse dia 09.10.2008 e ao atender a L…, a A. retirou do expositor vertical de carnes uma embalagem com 0,494 kg de lombo de porco para assar, retirando a carne de dentro da mesma e colocando-a dentro de um saco, atribuindo-lhe o preço corresponde a bife de porco, assim causando à Ré um prejuízo patrimonial no valor de € 1,95, nessa medida favorecendo a L…;
54 – A A. pesou e atribuiu os preços a esses dois sacos, que entregou à L…, que após se dirigiu às caixas, onde essa carne foi registada e paga pelo seguinte modo:
· 2,818 kg de aparas para animais, a € 0,70/kg, num total de € 1,97;
· 0,494 kg de bife de porco, a € 2,99/kg, num total de € 1,48;
55 – Nesse dia, o preço de venda ao público de pianos de porco era de € 7,95/kg e de lombo de porco para assar era de € 6,95/kg;
56 – Através da utilização do sistema de videovigilância instalado no Hipermercado…, foi verificado que a A. se aproveitou a sua condição de trabalhadora da Ré para beneficiar os seus familiares e amigos, nas referidas datas de 24.09.2008, 04, 06 e 09.10.2008, assim prejudicando a Ré no valor total de € 112,35;
57 – Nos dias 24.09.2008, 04, 06 e 09.10.2008, apesar dos movimentos da A. e da sua irmã, do seu marido e da L… estarem a ser observados em directo através do sistema de videovigilância, a Ré permitiu a passagem destes pelas caixas com a carne pesada e marcada pela A., não os abordando para verificar que carne efectivamente levavam;
58 – Após a reunião de 23.10.2008, foi a A. quem comunicou aos seus colegas de trabalho, familiares e amigos o que ali se passou;
59 – A A. não tinha sofrido, até à data dos factos, qualquer sanção disciplinar aplicada pela Ré;
60 – A A. sentiu-se frustrada com o seu despedimento, pois assim perdeu a sua principal fonte de rendimento.

*

V.Reapreciação da prova
No âmbito da suscitada impugnação da matéria de facto, a recorrente invoca diversas questões, que passamos a identificar, a analisar e a conhecer.

1. Inconstitucionalidade material do artigo 20º do Código do Trabalho de 2003
Pretende a recorrente que seja declarada a inconstitucionalidade material das normas insertas nos nºs 1 e 2 do artigo 20º do Código do Trabalho de 2003, na interpretação dada pelo Acordão da Relação de Évora (proferido nos autos) e pela sentença da 1ª instância, no sentido da admissibilidade do visionamento, em processo disciplinar e em processo de trabalho, das imagens, contendo a actuação profissional do trabalhador, obtidas através da utilização do sistema de vigilância por violação dos princípios constitucionais consagrados nos artigos 26º, nº1 e 18º, nº2 e 3 da Constituição da República Portuguesa.
Cumpre apreciar e decidir.
Sob a epígrafe “Meios de vigilância à distância”, preceitua o artigo 20º do Código do Trabalho de 2003:
“1. O empregador não pode utilizar meios de vigilância à distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
2. A utilização do equipamento identificado no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens, ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.
3. Nos casos previstos no número anterior o empregador deve informar o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados”.
Na sequência do despacho proferido nos autos, que havia considerado inadmissíveis, para fins disciplinares, as gravações de imagens obtidas através do sistema de videovigilância e do recurso de Agravo interposto do mesmo, pronunciou-se a Relação de Évora, nos seguintes termos:
“Descendo ao caso dos autos, constatamos que a R. obteve autorização para instalar no seu estabelecimento comercial de Setúbal um sistema de videovigilância, que recolhe imagens e som com vista a garantir a protecção de pessoas e bens e a segurança das instalações.

Por outro lado, a legalidade da instalação deste sistema nunca foi questionada pela A, que no seu requerimento de fls. 122 apenas veio impugnar a validade do meio de prova oferecido pela R na sua contestação (o DVD com as imagens captadas), invocando que se trata duma avaliação do seu desempenho.

Assim sendo, a questão circunscreve-se a determinar se será lícito usar tais imagens no processo de impugnação de despedimento da trabalhadora.

Quanto a nós tal utilização é permitida a isso não se opondo o nº 1 do artigo 20º do CT.

Efectivamente, entendemos ser legal a sua utilização em sede de prova neste processo desde que as imagens sejam captadas no âmbito da autorização que foi concedida à agravante.

Na verdade e seguindo Pestana Nascimento, também consideramos que a limitação constante do nº 1 do artigo 20º do CT, não deve ser acolhida quando a violação cometida pelo trabalhador seja igualmente atentatória da finalidade de protecção e segurança de pessoas e bens para que foi concedida, pois seria estranho que a videovigilância, instalada utilizada para a protecção e segurança de pessoas e bens, não pudesse fundamentar uma actuação contra aqueles que, pelas funções que desempenham, mais poderão atentar contra as finalidades que a instalação visa defender, conforme defende David Oliveira Festas, citado supra, posição também seguida por Amadeu Guerra.

Efectivamente, a entender-se doutra forma, a norma do nº 2 estaria completamente deslocada, não se justificando minimamente a sua inclusão no Código do Trabalho, cuja disciplina se destina a regular as relações entre trabalhadores e respectivos empregadores. E por isso, esta norma tem de ter como destinatários os próprios trabalhadores da empresa, pois assim não entendendo não se compreende a sua inserção neste diploma.

Por isso, aceitamos que o nº 2 constitui uma das excepções ao disposto no nº 1, pois doutra forma tratar-se-ia duma norma absolutamente inútil, pois as regras que definem a autorização destes meios de vigilância à distância estão inseridas no diploma legal que fixa e determina a legalidade da sua utilização.

Por outro lado, a sua utilização em sede de audiência de julgamento não será ofensiva do direitos de imagem da trabalhadora, pois esta não será exposta ao público por via de tais filmagem, conforme concluiu a RL, no seu acórdão de 18 de Maio de 2005, (www. dgsi.pt, processo nº10740/2004-4).

Além disso, também não vemos neste visionamento em audiência qualquer intromissão ou devassa da vida privada da trabalhadora, pois o que está em causa é uma actuação desta no âmbito e durante a prestação laboral, doutrina também seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça, acórdão de 9 de Novembro de 1994, in www.dgsi.pt processo nº JSTJ00026386.

Por outro lado, a doutrina do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2006 (proferido no Proc. 05S3139), que constitui um dos esteios da decisão recorrida, não nos parece de aplicar ao caso, pois esta decisão incidiu sobre uma questão de legalidade de utilização dos sistemas de vídeo vigilância e que foi considerada excessiva e desproporcionada por aquele Alto Tribunal face ao interesse económico invocado pelo empregador.

Ora, no caso presente, não se colocando a questão da legalidade da videovigilância utilizada, não se nos afigura adequada a doutrina deste aresto”.

Na sequência deste entendimento, ordenou-se que o despacho impugnado fosse substituído por outro que admitisse o DVD com as imagens captadas e que fosse repetida toda a produção de prova.

Em obediência ao decidido, foi admitido o meio de prova oferecido pela ré (DVD), e o mesmo foi considerado para formar a convicção do tribunal de 1ª instância quanto à decisão da matéria de facto proferida.

Pretende agora a recorrente que a interpretação dada à norma contida no artigo 20º do Código do Trabalho de 2003, feita pelo Acordão e (por obediência) pelo tribunal de 1ª instância, seja declarada materialmente inconstitucional.

Entendemos que este tribunal não pode conhecer da questão suscitada.

Isto porque, se a recorrente considerava que havia fundamento para suscitar a inconstitucionalidade da interpretação feita pelo Tribunal de 2ª instância deveria ter reagido ao decidido em tal Acordão, no prazo e pelos meios legalmente consagrados.

Ao não o ter feito, permitiu que o referido Acordão transitasse em julgado.

Tal implicou que se tivesse formado caso julgado formal sobre a constitucionalidade da norma contida no artigo 20º, nº2 do Código do Trabalho de 2003.

Isto porque, ao proferir o Acordão junto aos autos, o Tribunal fez, naturalmente, um juízo de apreciação global da legalidade da aludida norma, que abrangeu, naturalmente, a análise da constitucionalidade da mesma, pois caso contrário, teria declarado a sua inconstitucionalidade, por ser uma questão de conhecimento oficioso.

Face ao exposto, este tribunal não apreciará a questão suscitada, por a mesma já se mostrar apreciada no âmbito dos presentes autos, por anterior Acordão desta Relação.
2. Nulidade da decisão recorrida na parte em que considerou provados factos com fundamento em meio de prova ferido de inconstitucionalidade

Argumenta a recorrente que o tribunal a quo deu como provados os factos constantes dos pontos 37, 39, 43, 48, 52, 53, 56 e 57, com base num meio de prova (visionamento do DVD com as imagens da autora), que é manifestamente inconstitucional, logo, não havendo outra prova legal desses factos, deverá a decisão sobre a matéria de facto identificada, ser alterada por nulidade.

Cumpre apreciar e decidir.

Em primeiro lugar, importa referir que, contrariamente ao afirmado pela recorrente (e que a mesma não pode desconhecer) as imagens gravadas no DVD junto aos autos, não constituíram o único meio de prova em que o tribunal a quo se fundamentou para formar a sua convicção.

Tal é referido na motivação da decisão sobre a matéria de facto, que se passa a transcrever:

“Justificando a convicção, desde já se esclarece que o Tribunal respeitou a decisão tomada no Acordão da Relação de Évora de 9.11.2010, a respeito da validade, para fins disciplinares, dos meios de prova obtidos através do sistema de videovigilância instalado no Hipermercado... Assim, foram valorizados, para fins probatórios, quer as imagens gravadas no DVD junto aos autos, quer os depoimentos dos funcionários do seu departamento de segurança- J…, H… e Â…- que visionaram tais imagens e as gravaram. Havendo a notar que tais imagens foram visionadas em julgamento, inclusive com explicação pormenorizada de alguns dos seus passsos pela testemunha H…, o adjunto do chefe de segurança, que analisou tais imagens e as confrontou com os talões de compra”.

Além disso, pelos fundamentos e razões supra enunciados (em resposta à questão 1.), este tribunal já se pronunciou no sentido de não considerar que o meio de prova constituído pelas imagens gravadas no DVD, seja inconstitucional.

Não se verificando assim a invocada inconstitucionalidade do meio de prova em discussão, inexiste fundamento para declarar a nulidade da decisão da matéria de facto, sobre os pontos 37, 39, 43, 48, 52, 53, 56 e 57, com base no motivo indicado pela recorrente.

Pelo exposto, improcedem igualmente as alegações e conclusões de recurso na parte agora analisada.

3. Redacção do ponto 23 da matéria de facto assente

Pretende a recorrente que seja alterada a redação do ponto 23 dos factos assentes, por forma a aferir-se a natureza da vigilância que a ré exerceu sobre a autora.

Apreciemos a questão suscitada.

O ponto 23 dos factos assentes tem a seguinte redacção:

“E, nessa sequência, recolheu diversas imagens da A., no exercício das suas funções laborais”.
Segundo a recorrente, este facto deveria ser alterado, passando a ter a seguinte redacção:
“E, nessa sequência, recolheu diversas imagens da autora no exercício das suas funções laborais através de uma câmara móvel, operada por um operador de segurança, por sobre ela recair suspeitas de cometimento de infracções penais”.
Ora, em primeiro lugar, importa referir que o aditamento ao facto proposto pela recorrente, não constitui facto alegado por qualquer das partes.
Também da decisão da matéria de facto, não consta qualquer menção quanto à discussão sobre a matéria que se pretende aditar, de molde a concluir-se pela aplicação do artigo 72º do Código de Processo do Trabalho.
E, tendo este Tribunal procedido à audição dos depoimentos das testemunhas Â…, H… e J… (referenciados pelas partes nas alegações de recurso e nas contra-alegações), conclui que nenhuma das testemunhas referiu que as imagens da autora, tenham sido obtidas através de uma câmara móvel, operada por um operador de segurança, por existirem suspeitas de cometimento de infracções penais, pela autora.
De referir que quanto aos depoimentos gravados em julgamento, no suporte informático remetido com o processo, não foi possível fazer a identificação dos momentos da gravação nos termos em que o fizeram as partes, pelo que, nos iremos reportar a uma aproximação dos minutos/segundos da gravação.

A testemunha Â…, cujo depoimento a recorrente invocou para fundamentar a sua impugnação quanto à decisão do tribunal de 1ª instância, em relação à redacção dada ao ponto 23 dos factos assentes, nunca referiu o pretendido aditamento, tendo explicado que, no exercício das suas funções de Vigilante especializado, lhe foi pedido para fazer uma visualização das imagens gravadas do balcão do talho, de modo a seguir sempre o circuito da carne, independentemente de quem a tivesse nas mãos (sensivelmente 4m30s a 5m05s). Inquirido pelo Ilustre Mandatário da autora, reforçou a afirmação de que vigiava sempre o circuito da carne e não propriamente a autora, a D. M… (sensivelmente 23m55s a 24m15s).
A testemunha H…, (invocada pela Apelada), foi clara e assertiva, ao afirmar que, no âmbito da auditoria que realizaram, faziam o acompanhamento do circuito da carne desde o balcão até à caixa. Tendo referido que, para tanto, utilizavam uma câmara que estava junto ao balcão do talho, desde 1992, que havia sido autorizada pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, e que permitia fazer 360 graus, para além de alterar o zoom, não a tendo alterado para focar o talho, e que foi na sequência das imagens obtidas por essa câmara que se aperceberam de comportamentos irregulares dos trabalhadores, nomeadamente da autora (sensivelmente 8m35 até 11m55s).
A testemunha J…, chefe da segurança do…, cujo depoimento gravado, muito embora se ouça com dificuldade, consegue-se perceber, referiu, sensivelmente entre 26m13s e 29m20s, que a acção de investigação começou porque havia quebras verificadas no talho e não sabiam o que se estava a passar. A investigação que realizaram sempre o produto, seguiu sempre o percurso da carne, pois tanto podiam ser responsáveis clientes como funcionários (sensivelmente entre 26m13s e 29m20s).
Ora, nenhum destes depoimentos credíveis e reveladores de conhecimento directo, por intervenção directa na auditoria ou investigação, mencionou a factualidade que a recorrente pretende aditar à redacção do ponto 23º, dos factos assentes, pelo que, não consideramos existir fundamento para alterar a redacção dada ao facto pelo tribunal de 1ª instância.
Improcedem, assim, nesta parte, as alegações e conclusões do recurso.

4. Factos não assentes objecto de discussão e prova
Refere a recorrente que o tribunal deu como assentes os factos 20 e 21 que, embora não tenham sido articulados, foram tidos em consideração pelo Tribunal a quo, na sequência da análise crítica do documento de autorização nº 62/2002 da Comissão Nacional de Protecção de Dados para a recolha e tratamento de dados obtidos através do sistema de videovigilância.
Porém, por aplicação do artigo 72º do Código de Processo do Trabalho e tendo em conta que constituem factos essenciais à decisão da causa, resultantes da prova documental, sustenta a Apelante que a decisão recorrida deveria ter transcrito todo o conteúdo da dita autorização.
E, por isso, deveria ter sido dado como assente:
“que a autorização da CNPD se destinou à localidade de Alfragide, bem como sendo esta a localidade indicada para os serviços encarregados do processamento de dados, sendo omissa quanto aos locais abrangidos pelas câmaras”.
Cumpre apreciar e decidir.
É a seguinte a redacção dada pelo Tribunal a quo, aos pontos 20 e 21 dos factos assentes:
20 – Apenas em 26.02.2002 a Ré obteve autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados para a recolha e tratamento de dados obtidos através de tal sistema de videovigilância, nos termos que melhor constam da respectiva decisão, a fs. 93 a 101 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
21 – Para além do mais, consta dessa decisão que a finalidade do tratamento era a «Protecção de pessoas e bens» e do ponto 4: «Entidades a quem os dados podem ser transmitidos: Não há transmissão de dados. Os dados só podem ser utilizados nos termos da lei penal.».
Do teor destes factos, retira-se que o tribunal considerou o teor da autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados, como integralmente provado, tendo destacado desse teor dois aspectos que são mencionados no ponto 21.
Infelizmente, o Meritíssimo Juiz a quo, no ponto 20, utilizou uma técnica incorrecta em termos de decisão da matéria de facto assente. Deu por integralmente reproduzido um documento.
É sabido que os documentos juntos aos autos, pelas partes, não são factos, mas um mero meio de prova de factos.
Daí que o que deve constar dos factos assentes é o(s) facto(s) provado(s) pelo documento.
Reportando-nos agora à concreta situação suscitada no recurso, afigura-se-nos que não há que acrescentar qualquer facto à matéria dada como assente, porque o conteúdo da autorização da CNPD, foi todo dado como provado.
Este tribunal, apenas se limitará a corrigir a deficiente técnica utilizada pelo tribunal de 1ª instância, alterando, para tanto a redacção do ponto 20 dos factos assentes, nos seguintes termos:
20- Em 26.2.2002, foi proferida pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, a Autorização nº 62/2002, com o seguinte teor:
«Autorização n.°62/2002
A Companhia…, S.A. pessoa colectiva n.° 502607920, com sede na Travessa…, em Lisboa vem, nos termos dos art.s 27° e 28° da Lei n.° 67/98, de 26 de Outubro, requerer autorização da CNPD para a instalação de câmaras de videovigilância nas áreas de estacionamento, cais de descargas, armazéns, galeria comercial, placa de vendas, áreas técnicas e escritórios do Hipermercado….
Nos termos do n.º 4, do art.º 4º da Lei n." 67/98, é aplicável a legislação de protecção de dados pessoais nos casos em que se verifique a "captação, tratamento e difusão de sons e imagens que permitam identificar pessoas".
O Decreto-Lei n.°231/98, de 22 de Julho, que regula o exercício da actividade de segurança privada estabelece que, as entidades que prestem serviços de segurança privada podem utilizar equipamentos electrónicos de vigilância e controlo (conf. art.° 12º, n.°1 do Decreto-Lei n.° 231/98). Nos termos do n.° 3 do artº 1º do citado diploma legal "considera-se actividade de segurança privada: a) a prestação de serviços por entidades privadas, legalmente constituídas para o efeito, com vista à protecção de pessoas e bens, bem como à prevenção da prática de crimes; h) a organização por quaisquer entidades de serviços de autoprotecção com vista à protecção de pessoas e bens, bem corno à prevenção da prática de crime."
A Requerente, não sendo uma empresa de segurança privada – entidade privada legalmente constituída tendo como objecto a prestação de serviços de segurança privada – pretende instalar um sistema de videovigilância que lhe permita proceder à vigilância de bens móveis e imóveis e ao controlo de entrada, saída e presença de pessoas. Tais actividades enquadram-se no âmbito das actividades de segurança privada (conf. art.° 2°, n.° 1, alín. c), do Decreto-Lei n.° 231/98). A Requerente pode desenvolver essas actividades no âmbito dos seus próprios serviços de autoprotecção (conf. art.º 3°, n.°3, alin. b) e art.° 4°, do Decreto-Lei n." 231/98).
Nos termos do n.° do artº 2º do Decreto-Lei n." 231/98 a gravação de imagens e sons "através de equipamentos electrónicos de vigilância visam exclusivamente a protecção de pessoas e bens, devendo ser destruídas no prazo de 30 dias, só podendo ser utilizadas nos termos da lei penal.
Quanto ao direito de informação do titular dos dados pessoais, direito caracterizado e assegurado nos termos da Lei de Protecção de Dados (Lei n.° 67/98, de 26 de Outubro), determina o n.°3, do art.°12º, do Decreto-Lei n.°231/98, que nos lugares objecto de vigilância com recurso a meios de vigilância electrónicos "é obrigatória a afixação, em local bem visível, de um aviso com os seguintes dizeres: "Para sua protecção este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão" ou "Para sua protecção este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagens e som".
Antes de proceder à instalação do sistema de vigilância electrónica a Requerente deve dar cumprimento a este requisito afixando, em local bem visível, o necessário aviso.
A finalidade do tratamento é lícita – vigilância de bens móveis e imóveis e controlo de entrada, saída e presença de pessoas nas instalações onde a Requerente desenvolve a sua actividade (parques de estacionamento). O meio escolhido para a sua realização é adequado, pertinente e não excessivo relativamente à finalidade para que é realizado (art.°50, n.°1, alín. c), da Lei n.° 67/98).
Os dados devem ser conservados apenas durante o período necessário para a prossecução das finalidades (conf. art.°50 n.° 1, alín. e) da Lei n.° 67/98), período esse fixado legalmente em 30 dias (conf. art.° 12°, n.°2 do Decreto-Lei n.°231/98).
Nos termos do n.° 2 do art. 12° do Decreto-Lei n.°231/98, as gravações de som imagem só podem ser utilizados nos termos da lei penal pelo que, excluindo esses casos, não é permitida a sua comunicação.
O acesso ao local onde se encontra o sistema é restringido a pessoal autorizado, sendo o acesso à informação restrito às pessoas mencionadas no ponto 10 da Declaração enviada à CNPD.
A Comissão Nacional de Protecção de Dados, nos termos do n.º 4 do art. 4°, do n.° 1 do art.27º e da alín. a), do n.° 1 do art. 28° da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, autoriza o tratamento em causa nos seguintes termos (art. 30º da Lei n.º 67/98):
1. Responsável: Companhia Portuguesa de Hipermercados, S.A.
2. Finalidades do tratamento: Protecção de pessoas e bens.
3. Categorias de dados pessoais tratados: Gravação de som e imagens nos locais indicados no ponto 3 do formulário enviado à CNPD.
4. Entidades a quem os dados podem ser transmitidos: Não há transmissão de dados. Os dados só podem ser utilizados nos termos da lei penal. ~
5. Interconexações de dados pessoais: não há.
6. Tempo de conservação dos dados pessoais: 30 dias.
7. Forma de exercício do direito de acesso e rectificação: por solicitação pessoal junto do Serviço de Segurança.
8. Transferência de dados para países terceiros: não há”.

Em função da transcrição do documento, elimina-se o ponto 21 dos factos assentes, porque já está contido no ponto 20.
E, em jeito de conclusão, quanto à questão analisada sob o ponto 4, em face do mencionado supra, julgam-se improcedentes as conclusões de recurso, nesta parte.

5.Da ilegalidade da utilização do sistema de videovigilância
Invoca a recorrente que o sistema de videovigilância utilizado pela ré, no Hipermercado… é ilícito.
Ora, a questão da ilicitude ou ilegalidade do referido sistema de vigilância é trazida aos autos, pela primeira vez, em sede de recurso.
Trata-se de uma questão nova, nunca suscitada anteriormente, e em relação à qual, a recorrente pretende extrair consequências legais, que são susceptíveis de influenciar o mérito da acção.
É consabido que o âmbito do recurso se define pelas conclusões formuladas pelo recorrente. Todavia, existe um natural limite às questões suscitadas nas conclusões: a decisão recorrida.
Os recursos visam o reexame de uma decisão proferida pelo tribunal a quo, de forma a possibilitar, se houver fundamento para tanto, a correcção de tal decisão.
Os recursos são assim meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais.
Está vedada ao tribunal de recurso a possibilidade de se pronunciar sobre questões novas, não suscitadas no tribunal recorrido, salvo se forem de conhecimento oficioso.
Aliás, tem sido este o entendimento unânime da nossa Jurisprudência. A título meramente exemplificativo, referem-se apenas os Acordãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25/3/2009, P. 09P0308 e de 18/6/2006, P. 06P2536 e os Acordãos da Relação de Évora de 31/5/2012, P. 245/08.5TBSTC.E2 e de 8/5/2012, P. 595/09.3TTFAR.E1.
Ora, no caso dos autos, a autora nunca suscitou, perante o tribunal recorrido, a questão da ilicitude da instalação e utilização do sistema de videovigilância da ré.
Limitou-se, após a apresentação do DVD com imagens gravadas (juntamente com a contestação), a impugnar a validade deste meio de prova.
O próprio Acordão desta Relação que se encontra junto aos autos refere:
Por outro lado, a legalidade da instalação deste sistema nunca foi questionada pela A, que no seu requerimento de fls. 122 apenas veio impugnar a validade do meio de prova oferecido pela R na sua contestação (o DVD com as imagens captadas), invocando que se trata duma avaliação do seu desempenho”.
Deste modo, sendo a questão da ilegalidade da utilização do sistema de videovigilância uma questão nova, não pode este tribunal conhecer da mesma, pelo que não se admite o recurso nesta parte.

Concluindo, no que respeita à visada reapreciação da prova e alteração da matéria de facto, nenhuma censura merece a decisão proferida, nesta parte, pelo que se julgam improcedentes as conclusões de recurso no que concerne à decisão da matéria de facto.

*
IV.Enquadramento Jurídico
Alega a Apelante que “não se dando por provados os factos dados por assentes nos pontos 37, 39, 43, 48, 52, 53, 56 e 57, não existem dúvidas que a A. não praticou actos nem comportamentos, cuja gravidade e consequência tornasse prática e imediatamente impossível a subsistência da relação”.
Conforme analisado supra, não se considerou existir fundamento para a alteração da decisão da matéria de facto.
Todavia, sempre iremos apreciar a invocada justa causa de despedimento, uma vez que tal questão se encontra subjacente às conclusões de recurso.
O despedimento disciplinar é uma das modalidades legalmente previstas de despedimento, (cfr. art. 366º, al. f) do Cód. Trabalho) .
Dispõe o art. 396º, nº1 do Código do Trabalho, que o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e práticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento.
Segundo tal preceito, a existência de justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a) um, de natureza subjectiva, traduzido num comportamento culposo do trabalhador;
b) outro, de natureza objectiva, que se traduz na impossibilidade de subsistência da relação de trabalho;
c) e, ainda, a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade de subsistência da relação laboral.
Assim, para que se esteja perante justa causa de despedimento, torna-se necessário que haja um comportamento culposo do trabalhador e que a sua gravidade seja de tal ordem que torne impossível a subsistência da relação de trabalho.
A justa causa do despedimento pressupõe uma acção ou uma omissão imputável ao trabalhador a título de culpa e violadora dos deveres a que o trabalhador , como tal, está sujeito , deveres esses emergentes do vínculo contratual, cuja observância é requerida pelo cumprimento da actividade a que se obrigou ou pela disciplina da organização em que essa actividade se insere.
Todavia, não basta aquele comportamento culposo do trabalhador . É que, sendo o despedimento a mais grave das sanções, para que o comportamento do trabalhador integre a justa causa é ainda necessário que seja grave em si mesmo e nas suas consequências.
E tal gravidade do comportamento do trabalhador não pode aferir-se em função do critério subjectivo do trabalhador, devendo atender-se a critérios de razoabilidade, considerando a natureza da relação laboral, grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, o carácter das relações entre as partes ou entre os seus trabalhadores e os seus companheiros e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes- nº2 do art. 396º do Código do Trabalho.
Tanto a gravidade como a culpa hão-de ser apreciadas em termos objectivos e concretos, de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal , em face do caso concreto, e , segundo critérios de objectividade e razoabilidade, sendo certo que o comportamento culposo do trabalhador apenas constitui justa causa de despedimento quando determine a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral, o que sucederá, sempre que a ruptura da relação laboral seja irremediável, porque nenhuma outra sanção é susceptível de sanar a crise contratual aberta por aquele comportamento culposo.
Assim, existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele importa, sejam de forma a ferir , de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo represente uma injusta imposição ao empregador (cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, vol 1º, p. 461 e segs; Menezes Cordeiro, Manual do Direito do Trabalho,p.822; Lobo Xavier, Curso do Direito do Trabalho, 1992, p.488; Jorge Leite e Coutinho de Almeida, Colectânea de Leis do Trabalho, 1985, p. 249).
No contrato de trabalho, para além da obrigação principal que se assume- a de executar o trabalho de harmonia com as determinações da entidade patronal- recaem sobre o trabalhador outras obrigações ou deveres, conexos com a sua integração no complexo de meios pré-ordenados pelo empregador, sendo uns de base legal , outros, convencional e que habitualmente são designados como deveres acessórios do trabalhador.
São eles, por exemplo: os deveres de lealdade, de assiduidade e custódia.
Haverá infracção disciplinar, sempre que ocorrer um facto, ainda que meramente culposo, praticado pelo funcionário ou agente, com violação de alguns dos deveres gerais ou especiais decorrentes da função que exerce (cfr. Menezes Cordeiro, in Manual do Direito de Trabalho, p.750).
Feitas algumas consideraçõessobre a figura do despedimento por justa causa, importa agora passar à apreciação do caso concreto.
E, com relevo para a apreciação da questão em análise, resultou provada a seguinte factualidade:
- desde 31/8/1992, que a autora exerce as funções de Operadora junto da secção do talho, do Hipermercado…, sob as ordens, direcção e fiscalização da ré, sendo considerada uma profissional experiente;
- as operadoras da secção de talho, têm contacto directo com a carne (propriedade da ré), sendo responsáveis pela sua conservação e correcta utilização e alienação;
- a autora tem perfeito conhecimento dos diferentes preços da venda da carne ao público, sendo que a ré proíbe os seus operadores de venderem géneros alimentícios a um preço inferior ao preço de venda ao público. Existe ainda uma recomendação de não atendimento pelos funcionários de familiares seus;
- no âmbito do processo disciplinar instaurado contra a autora, a ré considerou que a mesma praticou os factos imputados no relatório final e decisão disciplinar, mencionados nos pontos 15 e 16 dos factos assentes;
- a autora praticou os factos mencionados nos pontos 32 a 55 dos factos assentes.
Ora, considerando este circunstancialismo factual, do mesmo se extrai, inequivocamente, que a autora, com o comportamento que assumiu, praticou infracção disciplinar.
A autora desobedeceu ilegitimamente às ordens dadas pela sua empregadora, violou o dever de zelo e diligência a que estava obrigada, no exercício das suas funções profissionais, violou o dever de lealdade, não velou pela boa utilização dos bens que lhe haviam sido confiados, lesando os interesses patrimoniais sérios da empresa (artigo 121º, nº1, alíneas c), d), e), f) e nº2 do Código do Trabalho).
Importa agora apurar se o comportamento culposo da autora foi de molde a pôr em risco a sobrevivência da relação laboral .
E, considerando a atitude deliberada e voluntária da trabalhadora de violar os deveres laborais já analisados e os deveres que concretamente foram violados, consideramos que a empregadora, inevitavelmente, teve de perder toda a confiança nesta trabalhadora.
A actuação da autora é, objectiva e subjectivamente, comprometedora da relação de confiança que importa existir entre empregador e trabalhador.
A conduta da trabalhadora, foi suficientemente grave e reprovável, originando irremediavelmente a ruptura da relação laboral.
Inexiste outra sanção susceptível de sanar a crise contratual aberta pelo comportamento culposo da autora.
Em suma, verificam-se claramente no caso sub judice , cumulativamente,os requisitos supra enunciados para a existência de justa causa de despedimento.
E, considerando que a decisão recorrida entendeu “ existir uma flagrante violação dos deveres inscritos nas als. c), d), e) e f) do n.º 1 do art. 121.º do CTrabalho de 2003”, assim como que os “ comportamentos como os adoptados pela A., constituem grave quebra do espírito de confiança que devia reger a relação laboral, tornando impossível a manutenção da relação laboral” e julgou “ adequada e proporcional a sanção de despedimento com justa causa”, nenhuma censura nos merece a sentença recoorida, quanto ao enquadramento jurídico dos factos.
Pelo exposto, só nos resta concluir pela improcedência do recurso.

Vencida no recurso, deverá a autora/apelante suportar o pagamento das custas em 2ª instância (artigo 446.º, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
VI.Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas da 2ª instância, a suportar pela autora/apelante, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Notifique.
Évora, 7 de Dezembro de 2012
(Paula Maria Videira do Paço)
(Acácio André Proença)
(José António Santos Feteira)