Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
115/14.8NJLSB.E1
Relator: GOMES DE SOUSA
Descritores: REQUERIMENTO DE ABERTURA DA INSTRUÇÃO
REQUISITOS
CASO JULGADO FORMAL
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: PROVIDO
Sumário: I - O despacho que declarou aberta a instrução forma caso julgado fomal quanto à admissibilidade da instrução, quanto à aceitação da tomada de declarações do assistente e quanto à eventual inquirição de uma testemunha, dependente apenas de um esclarecimento quanto à sua inquirição.
II - Viola tal caso julgado um segundo despacho que – sem mais – contradita o despacho inicial quanto a tudo, negando a admissibilidade da instrução, declarando inútil a inquirição e desprezando a tomada de declarações.
III - Assacando-se ao RAI que falta a “… livre determinação do agente” que se encontra “habitualmente traduzida pelo uso da fórmula "agiu de forma livre" ou "agiu livremente", a fórmula constante do RAI, não obstante não reproduzir a prática habitual, dá bem conta da existência dos elementos ditos em falta pela decisão recorrida, quando ali afirma no artigo 8º que «Com o aludido comportamento o ora denunciado quis ofender, e ofendeu, a integridade física do queixoso, seu superior hierárquico, bem sabendo que o seu comportarnento era ilícito e penalmente sancionado.»
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 115/14.8NJLSB


Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:


A - Relatório:
Nestes autos de Inquérito que correu termos Tribunal Judicial da Comarca de Faro - Juízo de Instrução Criminal de Faro, J 1 - em 07.02.2018, a Mmª. Juíza de Instrução lavrou despacho de não pronúncia do arguido BB relativamente ao RAI do assistente que peticionava a sujeição a julgamento de BB pela prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143º do Código Penal.
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CC requerera a intervenção hierárquica (fls. 503 e ss.), tendo na sequência da mesma sido declarada a nulidade do despacho de arquivamento e determinado seja proferido novo despacho apreciando, designadamente, a eventual prática pelo arguido BB de um crime p. e p. pelo art. 86º do CJM (fls. 510 e ss.).
Nessa sequência, foi proferido novo despacho de arquivamento, com fundamento em falta de indiciação suficiente, em relação aos seguintes crimes (fls. 651 a 659):
- crime de insubordinação por ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 86º do Código de Justiça Militar (que consome o crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143º, nº 1 do Código Penal) que o Cabo CC imputa ao Guarda Principal BB;
- crime de abuso de autoridade por ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 93º do Código de Justiça Militar que o Guarda Principal BB imputa ao Cabo CC;
- crime de abuso de autoridade por ofensa, p. e p. pelo art. 95º do Código de Justiça Militar que BB imputa a CC;
- crime de incumprimento dos deveres de serviço, p. e p. pelo art. 67º, nº 1, al. d) do Código de Justiça Militar praticado pelo Cabo CC;
- crime de dano em bens militares ou de interesse militar, p. e p. pelo art. 70º, nº 1, al. d), por referência ao art. 79º, nº 1, al. r), ambos do Código de Justiça Militar, praticado pelo cabo CC;
- crime de uso ilegítimo de armas, p. e p. pelo art. 100º do Código de Justiça Militar, imputado ao Cabo CC (este por falta de preenchimento dos elementos objetivos do tipo).
Não se conformando com o despacho de arquivamento, CC veio requerer a abertura de instrução, imputando ao arguido BB a prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143º, nº 1 do Código Penal, por em seu entender os autos reunirem indícios suficientes da sua prática (fls. 670 a 676).
Por despacho de fls. 715 foi admitida a instrução, admitida a requerida tomada de declarações ao assistente e notificado o assistente para se pronunciar quanto às razões de facto que justificam a reinquirição da testemunha, sob pena de indeferimento.
O assistente pronunciou-se, nos termos de fls. 723.
Não obstante, por despacho de fls. 728 foi indeferida a inquirição da testemunha com fundamento em a considerar um ato inútil, face à entretanto detetada omissão no RAI da atuação em liberdade por parte do arguido.
Na sequência de tal despacho, veio o assistente a desistir da sua tomada de declarações, tendo, no entanto, arguido a nulidade do indeferimento da inquirição da testemunha, tendo por despacho proferido em acta sido indeferida a nulidade arguida.
Não foi, assim, produzida prova em sede de instrução.
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Inconformado o assistente recorre concluindo:
I. O requerimento da abertura da instrução formulado pelo assistente deu integral cumprimento ao disposto no artigo 283º do CPP, mormente ao aí plasmado no seu nº 3, alínea b);
II. Ao contrário do decidido, do predito requerimento constam todos os elementos subjectivos do tipo do crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143º do Código Penal.
III. A fórmula utilizada pelo assistente no RAI, não obstante não seja a habitual, consubstancia a “livre determinação de vontade do arguido”.
IV. Quem actua com o propósito concretizado de praticar um crime, conhecendo do desvalor da sua conduta, actua de modo livre, voluntário e consciente.
V. Na factualidade narrada no RAI está ínsita a livre determinação da vontade do arguido (este determinou a sua vontade de praticar o crime e praticou-o, bem sabendo que a sua conduta era penalmente sancionada).
VI. Fez o tribunal recorrido errada interpretação do disposto no artigo 283º nº 3 al. b) do C.P.P, violando-o.
VII. Entendimento diverso do disposto no artigo 287º nº 3, alínea b), do C.P.P. como a que resulta da decisão recorrida, é inconstitucional, por violação do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, devendo em consequência ser afastado.
VIII. Razão pela qual deve a decisão instrutória ser revogada e substituída por outra que ordene a realização dos actos de instrução requeridos e já admitidos.
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O Digno Procurador-Adjunto no tribunal recorrido apresentou resposta defendendo o decidido, com as seguintes conclusões:
1 - Nos presentes autos, o MP, na fase de inquérito, determinou o seu arquivamento, nos termos do artigo 277°, n. 2, do Código de Processo Penal por entender inexistirem indícios suficientes da prática dos crimes imputados ao denunciado;
2 - Não se conformando com este despacho, o Assistente requereu a instrução;
3 - Nesse requerimento, Assistente imputou ao arguido a prática de um crime de ofensas à integridade física simples p. e p pelos artigos 143°, todos do Código Penal, não indicando, contudo, factos integradores dos elementos subjectivos do crime, relativos à imputabilidade, designadamente que o arguido actuou livremente;
4 - Motivo porque a requerida instrução foi rejeitada, tendo deste despacho de rejeição o Assistente interposto o presente recurso;
5 - Contudo, não lhe assiste razão;
6 - Na verdade têm ensinado a Doutrina e a Jurisprudência que, regendo-se o processo penal pelos princípios do acusatório e contraditório, resulta que o requerimento de abertura de instrução requerida pelo assistente, porque é consequência de um despacho de arquivamento, deve conter todos os elementos de uma acusação com especial relevância para a matéria de facto que descreve o ilícito que é imputado ao arguido, tanto nos seus elementos objectivos como nos elementos subjectivos;
7 - Ora como o crime aqui em questão é doloso, deveriam ser alegados factos, pela assistente, de onde se retirassem os elementos objectivos e subjectivos, nomeadamente que os arguidos actuaram livre, deliberada e conscientemente, conhecendo o carácter proibido da sua conduta;
8 - Contudo no seu requerimento de abertura de instrução a assistente não alegou factos pertinentes à totalidade dos elementos subjectivos, designadamente que o arguido actuou livremente;
9 - Não é possível ao Juiz substituir-se ao Assistente, colocando, por iniciativa própria, os factos em falta que se revelarem essenciais para a imputação dos crimes ao arguido, sob pena de estarmos perante uma alteração substancial dos factos;
10 - A doutrina e a Jurisprudência também têm entendido que nestas situações não há lugar ao convite de aperfeiçoamento do requerimento apresentado pela Assistente, pois, a existir, tal convite colocaria em causa o carácter peremptório do prazo referido no artigo 287°, nO 1, do Código de Processo Penal, violando as garantias de defesa do arguido e a celeridade processual;
11- Assim sendo, bem andou a Exma. Juiz recorrida ao indeferir o aludido requerimento, nos termos do artigo 287°, n. 2, do Código de Processo Penal por inadmissibilidade legal, quer atenta a nulidade prevista no artigo 283°, n. 3 do mencionado diploma, quer atenta a falta de objecto,
12 - pelo que deve ser mantido o douto despacho recorrido.
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De igual forma o arguido apresentou resposta pugnando pelo decidido, concluindo:
1. O presente recurso vem interposto da douta decisão instrutória que não pronunciou BB pela prática do crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal.
2. Recurso esse que está a nosso ver e salvo o devido respeito, totalmente destinado ao insucesso, não assistindo razão ao assistente, aqui Recorrente.
3. Desde logo porque o recorrente, começa pela invocação de que o tribunal “a quo” não fez uma correcta aplicação do artigo 283.º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal, o que salvo melhor opinião não merece qualquer reparo por parte do tribunal “ad quem”.
4. O Recorrente vem fazer uma alegação de direito não invocando qualquer vício, violação ou nulidade da sentença recorrida, pese embora o Recorrido entenda que a sentença é irrepreensível e não merece qualquer reparo.
5. Sendo a decisão instrutória proferida pelo tribunal “a quo” particularmente bem feita, bem decidida, bem escrita e bem fundamentada.
6. Não se considerando assim que a decisão instrutória mereça qualquer reparo ou qualquer alteração.
7. Face ao exposto conclui-se que não se verifica a não correcta aplicação do direito invocado.
8. Devendo manter-se na íntegra a decisão recorrida e em consequência deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente.
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Nesta Relação o Exmº Procurador-geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.
Observou-se o disposto no nº 2 do art. 417° do Código de Processo Penal.
Respondeu o arguido insurgindo-se contra o parecer do Exmº PGA.
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B - Fundamentação:
B.1 - São elementos de facto relevantes e decorrentes do processo, para além dos que constam do relatório, os seguintes:
I- Requerida a instrução foi a mesma declarada aberta por despacho de 13-10-2017, com deferimento de tomada de declarações ao assistente e pedido de esclarecimento quanto à inquirição da testemunha arrolada;
II- Por despacho de 24-11-2017 a Mmª Juíza que viria a dirigir o debate instrutório e a lavrar o despacho de não pronúncia, considerando que o assistente não indicava o ter o arguido agido livremente, declarou inútil a inquirição da testemunha e determinou dia para debate instrutório;
III- Transcreve-se o despacho recorrido na parte relevante:
«Urge, no entanto, apreciar a seguinte questão prévia que, a verificar-se, é impeditiva do conhecimento do mérito.
É o seguinte o teor do RAI, no que respeita aos factos imputados ao arguido:
“1. No dia 11 de Maio de 2014, cerca das 19h00, o ofendido encontrava-se de serviço no interior das instalações destinadas exclusivamente à tripulação da ”…”, sitas no …Vila Real de Santo António.
2. O ora denunciado estava de serviço de quarto à Lancha “…” e no dia e hora adiante referidos encontrava-se no rés-do-chão das referidas instalações.
3. Nesse local e momento, quando o ofendido se encontrava no primeiro andar das aludidas instalações a trocar de roupa, foi surpreendido pelo denunciado que, sem que nada o fizesse prever, lhe desferiu um pontapé na perna direita e diversos murros na cara e atirou com violência para o chão onde o deixou prostrado.
4. Uma vez no chão o denunciado imobilizou o ofendido e colocou-lhe os joelhos em cima das costas.
5. Em resultado das agressões de que foi vítima o ora queixoso recebeu assistência médica no Centro de Saúde de Vila Real de Santo António, para onde foi conduzido pelo Sargento Ajudante ….
6. As aludidas ofensas corporais foram causa de hematoma da face interna da bochecha esquerda, com edema significativo da mucosa, dorna região lombar direita e hematoma na face externa da coxa direita com extensão de 10x5 cm.
7. Com o aludido comportamento o ora denunciado quis ofender e ofendeu a integridade física do queixoso, seu superior hierárquico, bem sabendo que o seu comportamento era ilícito e penalmente sancionado.
Praticou, assim, o arguido um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143º, nº 1 do Cód. Penal”.
Quanto aos demais factos do RAI, prendem-se com as razões de discordância do arquivamento.
Já vimos, portanto, que o assistente imputa ao arguido a prática de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143º, nº 1 do Código Penal.
Dispõe tal preceito: "Quem ofender outra pessoa na sua integridade física ou saúde, é punido com pena de prisão até 3 nos ou com pena de multa ".
No que respeita aos requisitos do RAI do assistente, além de haver de indicar as razões de discordância do arquivamento do Mº Pº, haverá o mesmo que descrever todos os factos que integram os elementos objetivos e subjetivos do tipo.
Com efeito, dispõe o art.º 286º, n.º1 do Código de Processo Penal que “a instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento”, sendo que a assistente a pode requerer, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação (art.º 287º, n.º1, al. a) do Código de Processo Penal).
Nos termos do n.º2 do art. 287º do Código de Processo Penal, o requerimento de abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, sendo-lhe ainda aplicáveis as alíneas b) e c) do n.º 3 do art. 283º.
Dispõe o art. 283º, nº 3 do C. P. P., na parte que ora releva:
A acusação contém, sob pena de nulidade
a) As indicações tendentes à identificação do arguido;
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
c) A indicação das disposições legais aplicáveis
No caso, tendo o Ministério Público ordenado o arquivamento do inquérito, terá o assistente, por força do disposto nas als. b) e c) do n.º3 do art. 283º daquele código, aplicável ex vi do nº 2, parte final, do art. 287º daquele diploma legal, que indicar, ainda que de forma sintética, os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, bem como as disposições legais aplicáveis.
Os factos que fundamentam a aplicação de uma pena são aqueles que integram os elementos do tipo, pelo que é imprescindível que a descrição de factos que integram estes.
Ou seja, regendo-se o processo penal pelos princípios do acusatório e contraditório, resulta que o requerimento de abertura de instrução, quando requerida pelo Assistente, porque é consequência de um despacho de arquivamento, deve conter todos os elementos de uma acusação, com especial relevância para a matéria de facto que descreve o ilícito que é imputado ao arguido.
No que concerne ao princípio do acusatório, e assumindo este especial relevância, cumpre atender ao estatuído no n.º 5 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, que remete para o princípio do acusatório ao determinar que “o processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do acusatório”.
Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada (3ª Edição, pág. 205-206)O princípio do acusatório na sua essência significa que só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento. Rigorosamente considerada, a estrutura acusatória do processo penal implica: a) proibição de acumulações orgânicas a montante do processo, ou seja, que o juiz de instrução seja também um órgão de acusação; b) proibição de acumulação subjectiva a jusante do processo, isto é, que o órgão de acusação seja também órgão julgador; c) proibição de acumulação orgânica na instrução e julgamento (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Edição, pág. 205-206)”.
Daí que Maia Gonçalves, no Código de Processo Penal Anotado, 9.ª edição, pág. 541, sustente “Em tal caso, de instrução requerida pelo assistente, o seu requerimento deverá, a par dos requisitos do n.º1, revestir os de uma acusação, que serão necessários para possibilitar a realização da instrução, particularmente no tocante ao funcionamento do princípio do contraditório e elaboração da decisão instrutória”.
E, continua, (Código de Processo Penal anotado, 12º ed., anot ao art. 283º), “no cumprimento do apontado normativo do nº 3, será conveniente ponderar que a descrição aí exigida deve ser precedida do estudo atento das normas substantivas, em todos os aspectos que o desenvolvimento ulterior do caso poderá revestir, para que ao julgador não venham a faltar factos necessários para uma eventual solução de direito adequada”.
Também Simas Santos e Leal Henriques (Código de Processo Penal anotado, II Vol., 2a ed., anot. ao art. 283º) afirmam “no que se reporta à elaboração da acusação interessa também chamar a atenção para a necessidade de se conferir o máximo cuidado à sua feitura, não apenas no aspecto de explanação geral, como sobretudo na vertente da descrição fáctica, que deve ser suficientemente pormenorizada e precisa, até porque, como se sabe, está legalmente vedada uma alteração substancial dos factos transportados para a acusação, limitativa dos poderes do J.I.C. (quanto à amplitude da instrução e da decisão instrutória – arts. 303º e 309º) e dos poderes do juiz de julgamento (arts. 358º e 359º). No Código “a acusação tem de entender-se como acto constitutivo de direitos, mesmo antes de ser recebida”.
Por seu lado, refere Germano Marques da Silva, em Curso de Processo Penal, vol. III, pág. 144, “ o Juiz está substancial e formalmente limitado na pronúncia aos factos pelos quais tenha sido deduzida acusação formal, ou tenham sido descritos no requerimento do assistente e que este considera que deveriam ser objecto de acusação do MP. O requerimento para a abertura da instrução formulado pelo assistente constitui, substancialmente, uma acusação (alternativa ao arquivamento ou à acusação deduzida elo MP), que dada a divergência assumida pelo MP vai necessariamente ser sujeita a comprovação judicial”.
Daí que, tendo o requerimento de abertura de instrução por parte da Assistente de configurar uma acusação, é esta que condicionará a atividade de investigação do Juiz e a decisão instrutória, tal como flui, claramente, do disposto nos artigos 303º, n.º3 e 309º, n.º1 do Código de Processo Penal, sendo que a decisão instrutória que viesse a pronunciar o arguido por factos não constantes daquele requerimento, estaria ferida de nulidade.
Não se poderá olvidar que os tipos de ilícito são constituídos por elementos objetivos e subjetivos, pelo que a descrição fáctica constante de uma acusação tem que conter os elementos objetivos do tipo incriminador, constituídos, nomeadamente, pelo agente, pelo comportamento, pela conduta (ou comportamento humano voluntário) e pelo bem jurídico, este último como «sinónimo do valor objetivado que o tipo traz consigo, sinónimo do substrato concreto, do suporte objetivo imediato de um valor» (cfr. Figueiredo Dias, «Direito Penal», Sumários das Lições à 2ª turma do 2º ano da Faculdade de Direito, Coimbra, 1975, págs. 139/144).
Já ao nível do tipo subjetivo haverá que considerar e fazer traduzir na matéria de facto descrita na acusação (ou no seu equivalente, como é o caso do requerimento de abertura de instrução), que este constitui a representação da situação objetiva na mente do agente. Para se afirmar a verificação do tipo legal de crime, exige-se, pois, que o agente saiba e tenha consciência e conhecimento da situação objetiva, tal como ela se verifica.
Haverá que ter em consideração que nos crimes dolosos a verificação do tipo subjetivo de ilícito pressupõe o conhecimento e vontade de realização de um tipo legal de crime por parte do agente, ou seja, pressupõe que estejam presentes o elemento intelectual, o elemento volitivo e o chamado elemento emocional. Não se esgotando o dolo no conhecimento e vontade de realização do tipo objetivo, é ainda necessário que àqueles acresça um elemento emocional na caracterização da atitude pessoal do agente, exigida pelo tipo-de-culpa doloso. Por outras palavras: à afirmação do dolo não basta o conhecimento e vontade de realização do tipo, sendo preciso, igualmente, que esteja presente o conhecimento e a consciência, por parte do agente, do carácter ilícito da sua conduta.
Assim, o elemento intelectual do dolo «só poderá ser afirmado quando o agente atue com todo o conhecimento indispensável para que a sua consciência ética se ponha e resolva corretamente o problema da ilicitude do seu comportamento», isto é, quando o agente atue com conhecimento da factualidade típica. Já o elemento volitivo traduz a «vontade do agente dirigida à realização do tipo» legal de crime. Finalmente, o elemento emocional representa o «conhecimento ou consciência do carácter ilícito» da conduta, estando ligado, pois, ao chamado tipo de culpa doloso.
Nestes termos “o dolo só existirá quando o agente atue com conhecimento e vontade de realização do tipo-de-ilícito e com conhecimento ou consciência da ilicitude da sua atuação, ou seja, «sempre que o ilícito típico seja fundamentado por uma censurável posição da consciência-ética do agente perante o desvalor do facto, pressuposto que aquela se encontrava correta e suficientemente orientada para esta” (cfr. Figueiredo Dias, op. cit., págs. 199/204, e «Pressupostos da Punição e Causas que Excluem a Ilicitude e a Culpa», in «Jornadas de Direito Criminal», «O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar», edição do Centro de Estudos Judiciários, págs. 72/73).
E atente-se no teor do Ac. do STJ de 22/10/2003 (in www.dgsi.pt) quando afirma que “No que concerne ao elemento subjetivo do crime, embora se possa controverter se o dolo é inerente à prática do facto, temos por certo que o mesmo devia ser expressamente invocado para poder ser relevado. A ideia de “dolus in re ipsa” que sem mais resultaria da simples materialidade da infracção, é hoje indefensável no direito penal”, sendo que também Figueiredo Dias (in “O Ónus de Alegar e de Provar em Processo Penal”, RLJ, 105, n.º3473, 1972), afirma que o facto do dolo poder ser provado e, portanto, inferir-se, com recurso a presunções naturais ou com recurso às regras da experiência comum, não pode significar que fica dispensada a alegação dos pertinentes factos que o integram (neste sentido, também com relevância, cfr. Acórdãos do TRP de 11/5/2011 e de 11/10/06, do TRC de 6/06/2012, 23/05/2012 e de 2/10/2013, do TRG de 28/05/2013, bem como do TRE de 6/11/2012 e de 25/06/2013, todos disponíveis in www.dgsi.pt).
Há ainda, a este respeito, que lançar mão do Acórdão n.º 7/2005, de 12/05/2005, do Plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, que fixou jurisprudência no seguinte sentido:
«Não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do art. 287.º, n.º 2, do CPP, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido».
Conforme se pode ler na fundamentação do mesmo acórdão uniformizador, «a falta de narração de factos na acusação conduz à sua nulidade e respectiva rejeição por ser de reputar manifestamente infundada, nos termos dos arts. 283.º, n.º 3, alínea b), e 311.º, n.ºs 2, alínea a), e 3, alínea b), do CPP».
Para mais adiante se voltar a afirmar: «Significante, ainda, estar vedado ao juiz do julgamento direccionar convite ao Ministério Público para complementar o elenco factual acusatório, ante e com apoio nos peremptórios termos do citado art. 311.º, n.º 3, alínea b)».
Mais recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça, pelo Acórdão nº 1/2015, de 27/01/2015, fixou a seguinte jurisprudência: “a falta de descrição, na acusação, dos elementos subjetivos do crime, nomeadamente dos que se traduzam no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358º do Código do Processo Penal”.
No seguimento desse Acórdão e a respeito da fase de instrução, refere-se no Acórdão do TRE, de 17/03/2015, que “a falta de descrição, no requerimento para abertura da instrução, dos elementos subjetivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, constitui motivo de rejeição de tal requerimento para abertura da instrução. A doutrina fixada pelo S.T.J., no seu Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 1/2015 (publicado no DR, I Série, de 27-01-2015), deve ser aplicada, por identidade de razão, aos requerimentos para abertura da instrução apresentados por assistentes”.
Nesse mesmo sentido, entre outros, o Acórdão do TRE, de 07/02/2017, proferido no processo 59/13.0GBVRS,deste J1 e dos Acórdãos mencionados pelo assistente nas suas conclusões finais, o Acórdão do TRP, de 12/03/2014 é anterior à prolação do Acórdão de fixação de jurisprudência 1/2015 e o Acórdão do TRE, de 24/10/2017, proferido no processo 321/15.8PAPTM, contrariamente ao sustentado pelo assistente, conclui no sentido da ausência de aperfeiçoamento, citando de resto o Acórdão de Fixação de Jurisprudência 7/2005 supra referido.
Analisada a descrição factual do RAI (supra indicada), terá de se concluir que o RAI do assistente é omisso quanto à indicação da livre determinação do agente, factualidade que respeita à aferição da imputabilidade do agente, uma vez que apenas são passíveis de responsabilização criminal e objeto da aplicação de penas os imputáveis, estando os inimputáveis sujeitos à aplicação de medidas de segurança e havendo o julgador, perante a acusação ou a pronúncia, de saber se o agente atuou livremente, estando sujeito à aplicação de uma pena ou atuou com incapacidade de avaliar a ilicitude da sua conduta ou de se determinar de acordo com a mesma, não sendo, assim, livre a sua determinação. No caso de inimputabilidade, ou seja, de atuação sem vontade livre (e que não se confunde com a atuação consciente, uma vez que o agente pode atuar ciente/avaliando a ilicitude da sua conduta, mas não conseguir determinar-se de acordo com essa avaliação) será aplicada ao mesmo uma medida de segurança, em caso de perigosidade e nenhuma medida de segurança na ausência de perigosidade (arts. 19º e 20º do Código Penal). Tal livre determinação do agente encontra-se habitualmente traduzida pelo uso da fórmula “agiu de forma livre” ou “agiu livremente”.
A responsabilidade criminal do agente depende, pois, da sua imputabilidade, factos que, por isso, têm de ser descritos, o que não sucede no RAI.
De acordo com a jurisprudência obrigatória fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça através do sobredito aresto, a omissão na acusação desse elemento, de que depende a responsabilização criminal do arguido, não pode ser integrada por recurso aos mecanismos do art. 358º do C. P. P. (a que corresponde em sede de instrução o art. 303º do C. P. P.), já que tratando-se de factos que integram o elemento subjetivo do tipo, a sua inclusão constituiria sim uma alteração substancial dos factos que, em sede de instrução, acarretaria a nulidade dessa decisão (art. 309º do C. P. P.).
Assim sendo, faltando no RAI um dos elementos subjetivos do tipo e não podendo o mesmo ser considerado sob pena de nulidade da decisão instrutória, estamos perante uma inadmissibilidade legal da instrução, que devia ter conduzido à sua rejeição, nos termos do disposto no art. 287º, nº 3 do C. P. P.
E padecendo o RAI de elemento essencial, terá de se concluir por uma impossibilidade, a final, de pronúncia do arguido por falta de elemento do tipo, pelo que o conhecimento do mérito seria um ato inútil.
Face a tudo o exposto, não pronúncio BB pela prática do crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143º, nº 1 do Código Penal que lhe é imputado no RAI do assistente CC.
É devida taxa de justiça pelo assistente (art. 515º, nº 1, al. a) do C. P. P.), que se corrige para 2 UC, atento o estatuído no art.º 8º, n.º2 do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique.»
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B.2 – O objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – art.º 403, nº1, e 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal. A questão abordada no recurso reconduz-se a apurar, apenas, se em concreto “o RAI do assistente é omisso quanto à indicação da livre determinação do agente”, tal como fundamentado pelo tribunal recorrido.
Oficiosamente há que conhecer de uma outra questão, a que se refere ao óbvio caso julgado fomal formado pelo despacho de 13-10-2017 que declarou aberta a instrução, contraditado logo após pelo despacho de 24-11-2017 de outra Mmª Juíza.
Esse caso julgado formal cristalizou-se quanto à admissibilidade da instrução, quanto à aceitação da tomada de declarações do assistente e quanto à eventual inquirição de uma testemunha, dependente apenas de um pedido de esclarecimento quanto à sua inquirição.
O segundo despacho acabou por contraditar o despacho inicial quanto a tudo, negando a admissibilidade da instrução – e, na prática, tonando inútil o próprio despacho de pronúncia/não pronúncia na medida em que o anuncia com uma pré-decisão – declarando inútil a inquirição e desprezando a tomada de declarações, que sequer é referida e fica num limbo decisório.
Na essência é um despacho de rejeição em segundas núpcias. E, é sabido, a função dos tribunais não é andarem a contradizer-se no mesmo processo cada quinze dias. Só por aqui o despacho recorrido deveria ser declarado revogado por clara violação de caso julgado formal.
Mas como se conheceu da invocada questão da “livre determinação” do arguido, dela haverá que conhecer.
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B.3 – A apreciação a fazer centra-se, portanto, no teor do requerimento para abertura de instrução.
Tem-se tornado central esta questão do teor dos RAI com base num rigorismo - quase se diria, numa severidade - com que são lidas as expressões linguísticas que pretendem espelhar algumas das figuras jurídicas previstas nos artigos 287º, n. 2 e 283º, n. 3 do C.P.P., tornando o Processo Penal português um parente próximo do direito administrativo, mesclado de linguística igualmente pobre e sinóptica, que reduz os interesses conflituantes que se encontram no processo penal a simples objecto de pensamento esquemático, à semelhança de causas de nulidade formal ou excepções dilatórias, que sempre impedem que se conheça de mérito.
No caso o despacho de não pronúncia assumiu como centro decisório uma causa de rejeição: que o “RAI do assistente é omisso quanto à indicação da livre determinação do agente, factualidade que respeita à aferição da imputabilidade do agente”.
E aqui quase nos poderíamos limitar a reproduzir a posição expressa pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto, cujo certeiro e muito bem fundamentado parecer dispensa grandes elucubrações nossas.
De qualquer forma não deixamos de reproduzir tal parecer no excerto em que identifica a questão central dos autos, nos seguintes termos:
H) Do que vem de transcrever-se não logramos descortinar em que medida à caracterização do elemento subjectivo, tal como plasmado no RAI, faleça "elemento essencial" (tal como considera a DI), seja no que concerne aos elementos intelectual ("quando o agente atue com conhecimento da factualidade típica" "o ora denunciado quis ofender e ofendeu a integridade física do queixoso"), volitivo ("«vontade do agente dirigida à realização do tipo» legal de crime" - "o ora denunciado quis ofender e ofendeu") e emocional ("«conhecimento ou consciência do carácter ilícito» da conduta, estando ligado, pois, ao chamado tipo de culpa doloso" - "bem sabendo que o seu comportamento era ilícito e penalmente sancionado").
I) A DI, todavia, acrescenta uma outra exigência, justamente quando, ao reportar-se ao caso concreto, clarifica a razão de ser da pretensa incompletude do RAI no que à caracterização do elemento subjectivo diz respeito, tomando-a como fundamento último e decisivo para a decisão de não pronunciar o Arguido.
Diz a Mmª JIC:
"Analisada a descrição factual do RAI (supra indicada), terá de se concluir que o RAI do assistente é omisso quanto à indicação da livre determinação do agente, factualidade que respeita à aferição da imputabilidade do agente, uma vez que apenas são passíveis de responsabilização criminal e obj eto da aplicação de penas os imputáveis, estando os inimputáveis sujeitos à aplicação de medidas de segurança e havendo o julgador, perante a acusação ou a pronúncia, de saber se o agente atuou livremente, estando sujeito à aplicação de uma pena ou atuou com incapacidade de avaliar a ilicitude da sua conduta ou de se determinar de acordo com a mesma, não sendo, assim, livre a sua determinação. No caso de inimputabilidade, ou seja, de atuação sem vontade livre (e que não se confunde com a atuação consciente, uma vez que o agente pode atuar ciente/avaliando a ilicitude da sua conduta, mas não conseguir determinar-se de acordo com essa avaliação) será aplicada ao mesmo uma medida de segurança, em caso de perigosidade e nenhuma medida de segurança na ausência de perigosidade (arts. 19° e 20° do Código Penal). Tal livre determinação do agente encontra-se habitualmente traduzida pelo uso da fórmula "agiu de forma livre" ou "agiu livremente".
A responsabilidade criminal do agente depende, pois, da sua imputabilidade, factos que, por isso, têm de ser descritos, o que não sucede no RAI.".
J) Ou seja, fica claro que, do que se tratou, foi de uma pretensa omissão do RAI ao não ter consignado qualquer referência relativamente à imputabilidade do Arguido, para tanto bastando, ainda segundo a Mmª JIC, que o Assistente se tivesse valido de uma qualquer das fórmulas "agiu de forma livre", ou "agiu livremente".
K) Discordamos, em absoluto, deste entendimento e da exigência que lhe está subjacente.
L) Dispõe o artº 20º, nº 1, do Código Penal (CP), que "É inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica, for incapaz, no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste ou de se determinar de acordo com essa avaliação.".
M) Daqui decorre, com cristalina clareza, que a referência à imputabilidade, ou seja, à capacidade do Arguido, "no momento da prática do facto, de avaliar a ilicitude deste", está bem patente na fórmula expressa no RAI, de acordo com a qual "o ora denunciado" agiu "bem sabendo que o seu comportamento era ilícito e penalmente sancionado".
Ou seja, a "liberdade de determinação" afere-se pela consciência do desvalor da sua conduta e pelo querer, não obstante, agir como agiu.
N) De resto, da própria definição de dolo, nas suas diversas modalidades, tal como emerge do artº 14º, do CP, resulta apenas a exigência de consignar, como elementos caracterizadores do dolo directo (aquele que de acordo com o RAI estará em causa), que o agente agiu "representando um facto que preenche um tipo de crime", actuando "com intenção de o realizar".
E, de facto, a decisão instrutória é clara na afirmação do erro que, em seu entender, justifica a decisão:
«Analisada a descrição factual do RAI (supra indicada), terá de se concluir que o RAI do assistente é omisso quanto à indicação da livre determinação do agente, factualidade que respeita à aferição da imputabilidade do agente, uma vez que apenas são passíveis de responsabilização criminal e objeto da aplicação de penas os imputáveis, estando os inimputáveis sujeitos à aplicação de medidas de segurança e havendo o julgador, perante a acusação ou a pronúncia, de saber se o agente atuou livremente, estando sujeito à aplicação de uma pena ou atuou com incapacidade de avaliar a ilicitude da sua conduta ou de se determinar de acordo com a mesma, não sendo, assim, livre a sua determinação. No caso de inimputabilidade, ou seja, de atuação sem vontade livre (e que não se confunde com a atuação consciente, uma vez que o agente pode atuar ciente/avaliando a ilicitude da sua conduta, mas não conseguir determinar-se de acordo com essa avaliação) será aplicada ao mesmo uma medida de segurança, em caso de perigosidade e nenhuma medida de segurança na ausência de perigosidade (arts. 19º e 20º do Código Penal). Tal livre determinação do agente encontra-se habitualmente traduzida pelo uso da fórmula “agiu de forma livre” ou “agiu livremente”.
A responsabilidade criminal do agente depende, pois, da sua imputabilidade, factos que, por isso, têm de ser descritos, o que não sucede no RAI.»
Ora, a fórmula constante do RAI, não obstante não reproduzir a prática habitual, dá bem conta da existência dos elementos ditos em falta pela decisão recorrida, quando ali afirma no artigo 8º que «Com o aludido comportamento o ora denunciado quis ofender, e ofendeu, a integridade física do queixoso, seu superior hierárquico, bem sabendo que o seu comportarnento era ilícito e penalmente sancionado
Por isso que se conclua que o recurso deve proceder.
Daqui decorre que - dada a característica da decisão revogada, que não conheceu de mérito - haverá que lavrar decisão instrutória que tome em conta os seguintes pontos:
- que este acórdão formará caso julgado formal sobre a existência dos elementos ditos em falta;
- que se deverá ouvir o assistente em declarações, questão já resolvida nos autos em função do caso julgado formal;
- que o tribunal deve tomar posição sobre o requerimento do assistente (de 30-10-2017 a fls. 723-724) quando veio, quando para tanto notificado, apresentar as razões da necessidade do depoimento.
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C - Dispositivo:
Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso e, em consequência, haverá que lavrar decisão instrutória que tome em devida conta os seguintes pontos:
- que este acórdão formará caso julgado formal sobre a existência dos elementos ditos em falta;
- que se deverá ouvir o assistente em declarações, questão já resolvida nos autos em função do caso julgado formal;
- que o tribunal deve tomar posição sobre o requerimento do assistente (de 30-10-2017 a fls. 723-724) quando veio, quando para tanto notificado, apresentar as razões da necessidade do depoimento.
Sem tributação.
Notifique.

Évora, 12 de Julho de 2018
(Processado e revisto pelo relator)
João Gomes de Sousa (relator)
António Condesso