Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
124/14.7T8ABT.E1
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL
Data do Acordão: 05/19/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA A SENTENÇA
Sumário:
I - A violação do princípio da cooperação e do dever de gestão processual imposto pelo art.º 6º e 590º nº 2, 3 e 4 do CPC, consistente na omissão de convite ao aperfeiçoamento da PI, findos os articulado com vista esclarecer o verdadeiro sentido do petitório (perante duas formulações possíveis), inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do art. 195º nº 1 do CPC.
II - Tratando-se duma nulidade secundária, em regra, deveria ser arguida no prazo geral de 10 dias após o conhecimento, nos termos do disposto no art.º 199º nº 1 do CPC. Acontece que esta nulidade corporiza-se na sentença e só com a notificação desta se manifesta, sendo, por isso, a impugnação daquela, incindível desta. Assim a sua arguição nas alegações do recurso interposto da sentença tem de ser considerada tempestiva.
III - A violação do princípio da cooperação e do dever de gestão processual, nas circunstâncias do caso, não constituindo um vício que determine a nulidade da sentença (art.º 615º nº 1 do CPC) sempre implicará a sua anulação por força do disposto no art.º 195º nº 2 do CPC.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Proc.º N.º 124714.7T8ABT.E1
Apelação
Recorrente: BB e outros
Recorrido: EE e outros.


Relatório[1]

«BB, CC e DD, intentaram ação declarativa com processo comum contra EE, FF, GG e HH, peticionando que os Réus sejam condenados a reconhecer que da divisão e partilha do prédio inscrito sob o artigo ….º da Secção CM, da freguesia do Souto, resultaram duas parcelas distintas, autónomas e demarcadas entre si, as quais identifica na sua petição inicial, as quais foram adquiridas pelos Autores, em comum e sem determinação de parte ou direito, através do instituto da usucapião.
Fundamentam a sua pretensão na prática, por si e antepassados, de atos materiais de posse sobre essas mesmas parcelas, com intenção de sobre as mesmas exercerem o correspondente direito de propriedade, sendo que, recentemente, tal divisão foi posta em causa pelos Réus.
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Os Réus, pessoal e regularmente citados, não contestaram a presente ação, não constituíram mandatário nem intervieram por qualquer forma no processo».
Findos os articulados e fixado o valor da causa, foi proferido despacho saneador/sentença onde se julgou a acção improcedente.
Inconformadas com o decidido, vieram as AA., interpor recurso de apelação, tendo formulado as seguintes
Conclusões:

«1 - As Recorrentes peticionaram a aquisição das parcelas através do instituto da usucapião em comum e sem determinação de parte ou direito; 2 - Esse conceito vem previsto no artigo 49.º do Código do Registo Predial, consistindo numa forma de aquisição em comunhão hereditária;
3 - Sendo uma forma de aquisição em comunhão hereditária tal significa que não obstante as parcelas virem a ser registadas em nome dos Recorrentes, o facto de ficar a constar "em comum e sem determinação de parte ou direito", obrigado à necessidade de partilha entre os mesmos para definir a titularidade final do direito de propriedade em relação às parcelas;
4 - Deste modo não se configura como compropriedade automática a aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito das parcelas em causa;
5 - Havendo obrigatoriamente a necessidade de partilha posterior nesse modelo aquisitivo está-se perante uma comunhão hereditária, pelo que o pedido das AA. devia ter sido entendido como tal, devendo essa decisão ser revogada e substituída por outra que defira a pretensão dos Recorrentes.
6 - Mas se se entender de modo diferente, deverão os Recorrentes ser convidados ao abrigo do disposto nos artigos 6.º e 7.º do NCPC a suprir qualquer omissão ou clarificar o que se entendesse conveniente, de modo a dar sequência ao processo com deferimento do peticionado.
7 - Mostra-se violado nomeadamente o preceituado no art.º 49 do Código do Registo Predial e o 615.º, n.º l alínea d) do NCPC, e 1305º e 1316º do C. Civil».
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Não houve resposta.
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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[2], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 635º nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil)[3], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 608º do novo Cód. Proc. Civil ).
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Das conclusões acabadas de transcrever, decorre que a questão a decidir consiste em saber se há erro na aplicação do direito, por erro na interpretação dos termos da acção e esta deveria ter sido julgada procedente ou se houve violação do principio da cooperação ao não se ter convidado os autores a esclarecer as questões de facto e de direito, designadamente o conteúdo exacto do pedido.
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Vejamos.
O tribunal “ a quo” julgou a acção improcedente com base na seguinte argumentação:
« Dos Factos:
Nos termos do artigo 567.º n.º 1 do Código de Processo Civil, se o Réu não contestar tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa consideram-se confessados os factos articulados pelo Autor.
No caso dos autos, uma vez que os Réus foram regularmente citados na sua própria pessoa e não contestaram, devem considerar-se confessados os factos articulados pelas Autoras na petição inicial, conforme despacho proferido em 3 de março de 2015.
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Do Direito:
As Autoras pretendem que os Réus reconheçam o seu direito de propriedade sobre as parcelas de terreno identificadas e melhor descritas no artigo 22.º da sua petição inicial, as quais foram destacadas e autonomizadas do prédio rústico sito em …, antiga freguesia do Souto, atual União de Freguesias de Aldeia do Mato e Souto, composto de cultura arvense, citrinos, oliveiras e pinhal, matricialmente inscrito sob o artigo ….º da Secção CM e omisso na Conservatória do Registo Predial.
Conforme preceitua o artigo 1305.º do Código Civil, o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas, podendo tais restrições ser de direito público (entre as quais sobressai a expropriação por utilidade pública) ou de direito privado (as que resultam das relações de vizinhança).
Por sua vez, decorre do artigo 1316.º do referido diploma legal que o direito de propriedade se adquire por contrato, sucessão por morte, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei, estando aqui incluída a usucapião, a que se reportam os artigos 1293.º e seguintes do Código Civil.
Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real (artigo 581.º, n.º 4, 2ª parte, do Código de Processo Civil), pelo que o direito real surge antes como objecto da ação ou efeito jurídico que se pretende obter com a mesma. Efetivamente, a causa de pedir na ação de reivindicação é, deste modo, de natureza complexa, compreendendo tanto o ato ou o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade do Autor, como a ocupação abusiva do prédio pela Réu.
Como se explica no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6 de abril de 2006 (disponível in www.dgsi.pt). se a aquisição é originária, como sucede com a usucapião, o Autor apenas necessita de provar os factos de que emerge o direito, mas se a aquisição é derivada, não basta provar que comprou a coisa ou esta lhe foi doada, porquanto tais contratos são meramente translativos do direito, havendo por isso que provar que o direito já existia no transmitente, o que em muitos casos é extremamente difícil de se conseguir - proba tio diebolice - podendo ter uma excecional importância para esse efeito as presunções legais derivadas da posse (artigo 1268.º do Código Civil) ou do registo (artigo 7.º do Código do Registo Predial).
No entanto, o registo, tal como a inscrição na matriz, não dá nem tira direitos: a matriz traduz um cadastro dos prédios para fins de incidência fiscal, e o registo é meramente declarativo, destinando-se a publicitar a situação dos prédios nele descritos, o que é feito através de inscrições autónomas e averbamentos a estas (neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de outubro de 2003, disponível in www.dgsi.pt).
No caso em apreço está demonstrado que o prédio rústico em causa nos autos, no qual se inserem as parcelas cujo direito de propriedade as Autores pretendem ver reconhecido, tem inscrição a favor do cabeça de casal da herança de JJ. Contudo, estando tal prédio omisso do registo predial, não beneficia da presunção legal (artigo 7.º do Código de Registo Predial) de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, uma vez que as certidões das matrizes prediais apenas constituem presunção para efeitos fiscais, e não para efeitos civis (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 5 de fevereiro de 2004, disponível in www.dgsi.pt).
Por isso, invocam as Autoras a aquisição através do instituto da usucapião. Mais concretamente, peticionam as Autoras que os Réus sejam condenados a reconhecer que da divisão do prédio rústico matricialmente inscrito sob o artigo … da Secção CM resultaram, a seu favor, duas parcelas distintas, autónomas e demarcadas, e que as Autoras adquiriram em comum e sem determinação de parte ou de direito, na sequência da morte de LL, o direito de propriedade em relação a duas daquelas parcelas, através do instituto da usucapião.
Alegam que, após o falecimento de JJ, o prédio em causa foi objeto de partilha entre os seus herdeiros, ou seja, entre o seu pai, LL, e os Réus, tendo sido colocados marcos e autonomizadas cada uma das parcelas, tendo ficado a pertencer à primeira Autora e a LL as parcelas que identificam no artigo 22.º da petição inicial.
Assim, invocam atos de posse praticados pela 1.º Autora e pelo falecido LL que conduziram à aquisição das parcelas supra identificadas por usucapião.
Mais alegam que, após a morte de LL, os atos de posse continuaram a ser praticados pelas Autoras, enquanto viúva e filhas daquele, motivo pelo qual adquiriram o direito de propriedade em comum e sem determinação de parte ou direito sobre as citadas parcelas através do instituto da usucapião.
Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que não assiste razão às Autoras e, nos termos em que foram formulados, não podem proceder os pedidos por aquelas deduzidos.
Senão vejamos.
Enquanto herdeiras, não podem as Autoras adquirir qualquer direito de propriedade sobre os bens que compõem a herança por morte de LL, designadamente sobre as parcelas de terreno em causa nos autos, nem mesmo em regime de compropriedade, independentemente de se reconhecer que aquele José Maria dos Santos, atendendo à factualidade assente nos presentes autos, adquiriu a propriedade das referidas parcelas por usucapião.
Isto porque a herança (neste caso a herança de LL integrada, designada e alegadamente, pelos bens em causa nos autos), enquanto indivisa, é encarada pela lei enquanto património autónomo de afetação especial (independentemente de se tentar determinar, nesta sede, qual a verdadeira natureza jurídica da herança: património autónomo, universalidade de direitos ou situação jurídica complexa), razão pela qual, adquirindo os herdeiros, pela aceitação, o domínio e posse do conjunto dos bens que integram esse património autónomo (conforme rege o artigo 20S0.º do Código Civil) tal não confere a nenhum dos herdeiros qualquer direito próprio sobre qualquer bem concreto e específico que a integre.
É assim que, enquanto titulares em comunhão do património autónomo que a herança constitui, o direito que assiste a cada um dos herdeiros é apenas o direito a uma quota hereditária do mesmo, uma fração ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fração seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar, desconhecendo-se qual a concretização desse direito hereditário enquanto a universalidade de bens que integra esse património não for partilhada.
Será apenas com a partilha que os direitos dos herdeiros a uma determinada quota do património hereditário se convertem num direito a uma concreta parcela desse património (cfr. artigo 2119.º do Código Civil), só então os herdeiros podendo ficar como proprietários ou com proprietários de determinado bem da herança. Ou seja, é pela partilha (extrajudicial ou judicial) que serão adjudicados os bens dessa universalidade que é a herança e que preencherão aquelas quotas.
Do que acabamos de expor fácil é concluir que enquanto a herança se mantiver indivisa os herdeiros são apenas titulares de uma quota ideal correspondente ao seu quinhão hereditário e não de qualquer bem concreto ou específico que faça parte do acervo hereditário.
A comunhão hereditária não se confunde com a compropriedade, uma vez que, conforme temos vindo a anotar, os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa, uma vez que enquanto a herança permanecer no estado de indivisão, nenhum dos herdeiros tem direitos sobre bens certos e determinados, nem um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um deles (neste sentido, entre outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de abril de 2009 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1 de junho de 2006, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
É por esta razão que só depois da partilha é que qualquer um dos herdeiros poderá ficar a ser proprietário ou com proprietário de determinado bem da herança. Até lá, o herdeiro não é comproprietário, sendo inaplicáveis à herança indivisa os princípios da propriedade comum.
Conforme se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de fevereiro de 1997 (referido no Acórdão daquele mesmo Tribunal de 30 de janeiro de 2013, disponível em www.dgsi.pt), "a compropriedade pressupõe um direito de propriedade comum sobre uma coisa ou bem concreto e individualizado, ao invés do que sucede na contitularidade do direito à herança que recai sobre uma universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais deles o direito hereditário se concretizará.".
Não obstante por referência específica às ações de divisão de coisa comum, permitimo-nos aqui citar Luís Filipe Pires de Sousa, porquanto as considerações em causa se aplicam inteiramente ao caso em análise. Diz aquele Magistrado (in Ações Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas) que "no caso de comunhão hereditária a mesma cessa pela partilha de uma generalidade de bens entre os interessados, por forma a ficar determinado quais os patrimónios individuais em que tais bens passarão a estar integrados.
Até à partilha, os herdeiros são apenas titulares de um direito sobre o conjunto da herança e não sobre bens certos e determinados (. . .). Nessa medida, não se tratando de coisa comum de que sejam comoroprletérios, não podem os herdeiros instaurar acção de divisão de coisa comum para dividir prédio que integre a herança.".
Descendo ao caso concreto estamos já em condições de sublinhar que, em nosso entender, poderia peticionar-se o reconhecimento de que a 1.ª Autora e LL, em nome próprio, e após a partilha realizada entre este e os Réus, adquiriram as parcelas em causa através do instituto da usucapião e, consequentemente, que aqueles bens imóveis faziam parte da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito deste último (atendendo a que o seu acervo hereditário não foi ainda partilhado) .
Relativamente às 2.ªs Autoras, estas possuem, desde o ano de 2012, na qualidade de herdeiras, não em nome próprio, não podendo as mesmas, atendendo às considerações jurídicas que supra desenhamos, ser investidas na qualidade de com proprietárias de qualquer bem que faz, ainda, parte da herança de LL, herança esta ainda não partilhada.
Isto porque as Autoras (atendendo à forma como é formulado o pedido no âmbito dos presentes autos), possuem na qualidade de herdeiras e não como com proprietárias, não estando em causa uma posse em nome próprio.
A transmissão jurídica e a transmissão real da posse da herança reportam-se a momentos não coincidentes, na medida em que o primeiro corresponde à morte do seu autor e o segundo tem início com a aceitação por parte de quem lhe sucede.
Neste sentido, sublinhamos as palavras do Professor Rabindranath Capelo de Sousa (in Lições de Direito das Sucessões, página 185) quando refere que "nos casos em que haja lugar à partilha da herança, segundo a opinião dominante, o domínio e posse sobre os bens em concreto da herança só se efectivam após a partilha, uma vez que até aí a herança constitui um património autónomo nada mais tendo os herdeiros do que o direito a uma quota do património hereditário".
As parcelas de terreno em causa, tendo sido, alegadamente, adquiridas por José Maria dos Santos através do instituto da usucapião e integrando o seu acervo hereditário, ainda não partilhado, fazem, assim, parte de um património comum que carece de ser partilhado por forma a se determinar, antes do mais, qual a parte que está em comum, como compropriedade e a parte correspondente, designadamente, a quinhão hereditário.
Na verdade, o direito de propriedade de LL há-de transmitir-se aos seus herdeiros que aceitarem a herança. Porém, tal só ocorrerá após a partilha, visto que até esse momento os herdeiros, ou melhor, as aqui Autoras, são apenas contitulares do direito à universalidade de bens que integram o acervo hereditário não podendo atribuir-se aos herdeiros, antes da partilha, a qualidade de proprietário (ou comproprietário) de qualquer bem da herança (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de janeiro de 1972, in Revista Tribunais, ano 90º, página 69, citado no já referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de janeiro de 2013).
Atendendo ao que supra fundamentamos, entende este Tribunal que a pretensão das Autoras não pode proceder, devendo ser julgada improcedente, por não provada, a presente ação, o que se decide».
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Defendem as recorrentes que o tribunal “ a quo” interpretou mal o petitório, porquanto o que se visava com a acção era precisamente o reconhecimento de que as parcelas identificadas no art.º 22º da PI, foram adquiridas por usucapião pelo casal formado pela primeira autora e pelo seu defunto marido – LL - pai das restantes autoras e, consequentemente, que tais parcelas integram a herança indivisa aberta por óbito do referido LL, de que as autoras são únicas e universais herdeiras e não o reconhecimento de que aquelas parcelas são compropriedade das autoras por as terem adquirido por usucapião.
Tal como o tribunal interpretou os termos da PI, a sentença não merece qualquer censura porquanto fez uma correcta e irrepreensível aplicação do direito.
Acontece que a forma como a lide foi desenhada na PI, designadamente a aparente apresentação das AA. a reclamar o reconhecimento de um direito próprio e não em representação e benefício da herança indivisa do falecido LL, de quem as AA., são únicas e universais herdeiras determina que seja passível de qualquer das interpretações em confronto – a da sentença e a da apelação. Efectivamente a intenção das AA. agora inequivocamente plasmada nas alegações de recurso, não resulta clara nem evidente dos termos da PI, que também comporta a interpretação feita pela Sr.ª juíza, sendo por equívoca. Nestas circunstâncias, perante esta equivocidade, o senso comum aconselhava, o princípio da cooperação consagrado no art.º 7º nº 1 e 2 do CPC exigia e o dever de gestão processual previsto nos art.º 6º e 590º nº 2, 3 e 4 do mesmo diploma impunha, que o Tribunal, findos os articulados, ao invés de proferir sentença, como fez, convidasse as AA., a esclarecer o exacto alcance do petitório, designadamente se o que pretendiam era a condenação dos RR. a reconhecer que as ditas parcelas lhes pertencem em compropriedade, por as terem adquirido por usucapião ou se, pelo contrário, pretendiam que, enquanto únicas e universais herdeiras de LL, fossem aqueles RR., condenados a reconhecer que as ditas parcelas integram a herança indivisa do referido LL, por as ter adquirido por usucapião.
A omissão desta diligência determinou que fosse proferida uma sentença, formalmente correcta, mas substancialmente inútil, porquanto deixou por resolver as questões que levaram as AA. a impetrar a intervenção do Tribunal, em suma deixou de realizar a sua mais lídima função, a de fazer a justiça do caso concreto.
A violação do princípio da cooperação e do dever convidar as AA. a esclarecer o verdadeiro sentido do petitório (perante duas formulações possíveis), inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do art. 195º nº 1 e nas circunstâncias do caso sub judicio é indiscutível que a sua inobservância pelo tribunal é susceptível de influir no exame ou decisão da causa, ferindo de nulidade[4] a decisão tomada, face à grave omissão pelo senhor Juiz praticada, ao não convidar as AA, como devia, a esclarecer o sentido e alcance do pedido. Tratando-se duma nulidade secundária, em regra, deveria ser arguida no prazo geral de 10 dias após o conhecimento, nos termos do disposto no art.º 199º nº 1 do CPC. Acontece que esta nulidade corporiza-se na sentença e só com a notificação desta se manifesta, sendo, por isso, a impugnação daquela, incindível desta. Assim a sua arguição nas alegações do recurso interposto da sentença tem de ser considerada tempestiva[5].
A violação do princípio da cooperação e do dever de gestão processual, nas circunstâncias do caso, não constituindo um vício que determine a nulidade da sentença (art.º 615º nº 1 do CPC) sempre implicará a sua anulação por força do disposto no art.º 195º nº 2 do CPC. Assim impõe-se anular a sentença e ordenar a observância da formalidade omitida, ou seja o convite ao aperfeiçoamento da PI, por forma a não restarem dúvidas sobre o pedido e a qualidade em que as AA., intervêm na acção.
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Em síntese:
I - A violação do princípio da cooperação e do dever de gestão processual imposto pelo art.º 6º e 590º nº 2, 3 e 4 do CPC, consistente na omissão de convite ao aperfeiçoamento da PI, findos os articulado com vista esclarecer o verdadeiro sentido do petitório (perante duas formulações possíveis), inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do art. 195º nº 1 do CPC.
II - Tratando-se duma nulidade secundária, em regra, deveria ser arguida no prazo geral de 10 dias após o conhecimento, nos termos do disposto no art.º 199º nº 1 do CPC. Acontece que esta nulidade corporiza-se na sentença e só com a notificação desta se manifesta, sendo, por isso, a impugnação daquela, incindível desta. Assim a sua arguição nas alegações do recurso interposto da sentença tem de ser considerada tempestiva.
III - A violação do princípio da cooperação e do dever de gestão processual, nas circunstâncias do caso, não constituindo um vício que determine a nulidade da sentença (art.º 615º nº 1 do CPC) sempre implicará a sua anulação por força do disposto no art.º 195º nº 2 do CPC.
Concluindo

Pelo exposto, acorda-se em anular a sentença e determinar que o Tribunal “ a quo” profira despacho a convidar as AA. a aperfeiçoar a PI, nos termos acima referidos.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique.
Évora, em 19 de Maio de 2016.
Bernardo Domingos
Silva Rato
Assunção Raimundo


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[1] Transcrito da sentença.
[2] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil anterior ) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, anterior). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.
[3] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.
[4] Miguel Teixeira de Sousa, "Estudos sobre o Novo Processo Civil", Lisboa, 1997, pag. 48
[5] Ac. da RE de 25/10/2012, proc. nº 381658/10.5YIPRT.E1 e Ac. da RL de 9/10/2014, proc. nº 2164/12.1TVLSB.L1, ambos disponíveis in http://www.dgsi.pt/.