Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1120/14.0T8FAR.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO CIVIL
PREJUÍZO
Data do Acordão: 03/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O prejuízo funcional, com reflexos na vida profissional do lesado caracteriza-se pelo esforço acrescido na prestação do trabalho e eventuais perdas de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar, e justifica indemnização autónoma.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1120/14.0T8FAR.E1
Faro

Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório.
1. (…), solteiro, maior, residente na Praça (…), bloco G, 10º-dtº, em Faro, instaurou contra (…) Seguros, S.A., com sede no Largo da (…), 45/42, em Ponta Delgada, acção declarativa com processo comum.
Alegou, em resumo, que no dia 14 de Setembro de 2010, ao Km 111,5 da EN nº 125, conduzia o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula QO, no sentido Olhão-Faro e que, no mesmo sentido de marcha, numa via paralela à EN 125, circulava o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula OX, conduzido por (…).
O trânsito, no local, é regulado por sinais luminosos e a condutora do veículo OX entrou na EN 125, numa altura em que o semáforo, que se lhe deparava pela frente, se encontrava vermelho, invadindo a via direita da faixa de rodagem, por onde circulava o A., provocando o embate de ambos os veículos.
Em consequência do embate, o A. sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais.
À data do acidente a responsabilidade civil decorrente de danos ocasionados pela circulação do OX, encontrava-se transferida para a Ré.
Concluiu pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 112.398,58 a título de indemnização pelos danos sofridos.
Contestou a Ré defendendo, em síntese, que a condutora do OX cruzou a EN 125 numa altura em que o sinal, que lhe deparava, passou para a posição verde e foi então que viu surgir, à sua esquerda, o veículo conduzido pelo A. que, atenta a velocidade a que circulava, não deu tempo ou espaço à condutora do OX para evitar o acidente e funcionando os sinais semafóricos, que no local regulam a passagem dos veículos, de forma alternada, não é possível que o sinal que se deparava ao A. estivesse na posição de verde, razão pela qual o acidente não é imputável à condutora do OX.
Impugnou, por desconhecer e não estar obrigada a conhecer, os danos alegados pelo A.
Concluiu pela improcedência da acção.

2. Foi proferido despacho que afirmou a validade e regularidade da instância, identificou o objecto de litígio e enunciou os temas da prova.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença em cujo dispositivo designadamente se consignou:
“(…) o Tribunal decide julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

a) Condenar a Ré (…) Seguros, S.A. a pagar ao Autor (…) a quantia total de € 23.090,14 (vinte e três mil e noventa euros e catorze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal dos juros civis, contados desde a data da citação até integral pagamento relativamente à quantia de € 590,14 (quinhentos e noventa euros e catorze cêntimos), e desde a data da prolação da presente sentença até pagamento integral relativamente à quantia de € 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros);

b) Absolver a Ré do demais peticionado.”


3. O recurso.
É desta sentença que o A. recorre, exarando as seguintes conclusões que se transcrevem:
“1 - O Tribunal a quo, louvando-se nos fundamentos que constam da douta sentença recorrida, julgou a matéria de facto conforme se alcança dos artigos 1º e 2º destas alegações e decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar a ré a pagar ao autor a quantia total de € 23.090,14 (vinte e três mil e noventa euros e catorze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal dos juros civis, contados desde a data da citação até integral pagamento relativamente à quantia de € 590,14 (quinhentos e noventa euros e catorze cêntimos), e desde a data da prolação da presente sentença até pagamento integral relativamente à quantia de € 22.500,00 (vinte e dois mil e quinhentos euros).

2 - O autor não concorda com tal decisão e, por isso, vem da mesma recorrer, impugnando a douta decisão de facto.

3 - Atenta a posição dos veículos imediatamente antes da colisão e os danos verificados, após o embate, nos mesmos, o advérbio paralelamente utilizado no artigo 15 dos factos provados deverá ser alterado para perpendicularmente.

4 - Factos não provados 1 a 6

No que se refere à dinâmica do acidente, o tribunal recorrido não apreciou com objectividade crítica as declarações de parte do autor e os depoimentos das testemunhas (…), (…) e (…).

É certo que o autor tem interesse directo na presente causa mas as suas declarações, quanto à dinâmica do acidente, foram lógicas, objectivas, coerentes e não apresentaram contradições, devendo ser-lhes atribuída credibilidade.

Pelo contrário, o depoimento da condutora do OX, (…) não foi consentâneo com as regras de experiência comum; apresentou um depoimento em contradição com o de (…) e (…); foi parcial e, de modo flagrante, tentou imputar ao autor a responsabilidade pela ocorrência do acidente.

Por outro lado, a imperícia demonstrada pela (…) foi, causa directa e necessária, do embate.

Nos termos expostos, o Tribunal a quo haveria de julgar provada a matéria dos pontos 1 a 6 dos factos não provados e, nessa medida, imputar a responsabilidade pela ocorrência do embate à condutora do OX, (…).

5 - Factos provados 40 e 45 e não provados 9 e 10

O tribunal recorrido, quanto a estes factos fundamentou a sua convicção no relatório de exame médico-legal e nas declarações do perito médico-legal (…) que afirmou que os esforços suplementares a que o autor está sujeito para exercer a profissão de carpinteiro são significativos: o recorrente, por existir limitação de movimentos no punho direito e ser destro, tem menos destreza: ou faz menos bem ou demora mais tempo. Para fazer o mesmo trabalho vai necessitar de mais tempo e vai ter mais dores na execução do trabalho. Também admitiu que o autor, devido às sequelas de que padece e resultantes do acidente, entre a data da alta e o momento actual, poderia sofrer períodos de incapacidade temporária.

Em termos valorativos, os exames periciais configuram elementos meramente informativos, de modo que, do ponto de vista da jurisdicidade, cabe sempre ao julgador a valoração definitiva dos factos pericialmente apreciados, conjuntamente com as demais provas.

Assim, deveria o tribunal recorrido conjugar a perícia médico-legal a que foi sujeito o autor com os demais elementos de prova existentes nos autos e, não lhe atribuir, como fez, um valor absoluto.

Esta perícia médico-legal haveria de ser conjugada com as declarações prestadas pelo recorrente que afirmou que actualmente não consegue exercer a sua profissão de carpinteiro; com a declaração emitida, em 10 de Setembro de 2015, pelo Centro Distrital de Faro, do Instituto de Segurança Social, I.P. que confirmou que o autor consta no nosso sistema com Doença Directa, incapacitado desde 2010-09-14 a 2015-10-07, por Acidente de viação, conforme certificados de incapacidade temporária para o trabalho entrados neste Centro e com os sessenta e três (63) certificados de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença que corroboram as declarações do autor e confirmam que as suas queixas o impedem de exercer, como antes, a sua profissão de carpinteiro. Estes certificados, emitidos durante mais de cinco anos, foram subscritos por treze médicos que, ao longo deste período, consultaram o autor com frequência, realizando meios complementares de diagnóstico, através dos quais confirmaram as suas limitações, que bem conheciam, tendo, por isso, considerado que o recorrente estava incapaz para o exercício da sua actividade profissional de carpinteiro. Estes profissionais possuem conhecimentos técnicos e científicos para avaliar a situação clínica do autor e, nomeadamente, se o mesmo tem ou não capacidade para o exercício da sua profissão de carpinteiro.

Face ao exposto, haveria o tribunal recorrido de considerar provado que as sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, incompatíveis com o exercício da actividade habitual; em virtude das lesões sofridas, o autor não consegue exercer a sua profissão de carpinteiro e, até à presente data, o Autor não conseguiu trabalhar como carpinteiro ou em qualquer outro ramo de actividade.

Mais haveria de julgar não provado que actualmente, para exercer a mesma actividade, o autor carece de desenvolver esforços suplementares consideráveis, sendo que carece mais tempo para executar as mesmas tarefas com o mesmo resultado e, em situação de cansaço, sofre dores ao executá-las.

6 - Facto provado 47

O tribunal a quo considerou provada esta matéria factual com base nas declarações do autor e nos depoimentos dos seus familiares: (…), (…), (…) e (…).

O autor afirmou peremptoriamente que não pode executar qualquer trabalho de carpintaria devido às sequelas resultantes do acidente. Mais esclareceu que aceita os serviços que lhe são dados mas entrega-os a colegas que os executam na totalidade, recebendo o autor uma parte do respectivo preço.

Dos depoimentos das referidas testemunhas não é possível inferir que o recorrente realiza alguns trabalhos de carpintaria, uma vez que as mesmas apenas afirmam que o autor consegue arranjar uma fechadura, pregar pregos ou levar umas tábuas.

Pelo que apenas deverá ser dado como provado que desde a data do acidente, o autor tem entregue trabalhos de carpintaria a colegas de trabalho em troca de uma percentagem do preço.

7 - Facto não provado 11

Da análise da declaração emitida pelo Centro Distrital de Faro, do Instituto de Segurança Social, I.P., conclui-se que o autor não recebeu qualquer montante da Segurança Social, a título de subsídio de doença, devendo esta matéria ser considerada provada.

8 - Facto não provado 13

Entende o recorrente que as suas declarações são suficientes e adequados a julgar que o autor gastou o montante de € 4.500,00 para aquisição de um novo veículo.

9 - Perda da capacidade de ganho e défice funcional permanente

O dano biológico é sempre ressarcível, como dano autónomo.

O recorrente, na sequência do acidente, sofreu uma limitação funcional por o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica ter sido fixado em 10 pontos e as sequelas sofridas pelo demandante são incompatíveis com o exercício da sua profissão habitual de carpinteiro. Para além disso, acresce que as sequelas de que padece o autor determinam um quantum doloris fixado no grau 4/7 e, actualmente, apresenta dor e contractura lombar residual da transição dorso lombar sem alterações neurológicas; rigidez do punho direito com DF=30º e FP=45º e DC e DR de 20º e prono supinação sem alterações, que atinge mais de metade da amplitude dos dois movimentos, com dor na mobilização.

A redução da capacidade de trabalho existe, é de gravidade elevada e irreversível.

Assim, o autor não pode deixar de ser indemnizado por este dano: Tendo em conta que, à data do sinistro, tinha 57 anos de idade e auferia o rendimento anual de € 7.031,00 (valor que se alcança dos factos provados nos pontos 48 e 49); apresenta um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 10 pontos e incapacidade absoluta para o trabalho habitual e o provável número de anos de vida activa (70 – 57 = 13), alcança-se o valor de € 9.140,30. A este valor, atentas as considerações supra expostas, deverá acrescer a quantia de € 25.000,00 pela incapacidade absoluta para o trabalho habitual de carpinteiro de que ficou a padecer, na sequência do embate supra referido, no total de € 34.140,60.

10 - Danos não patrimoniais

No caso dos autos, o acidente provocou no (…), graves consequências, conforme se constata nos artigos 101º e 102º das presentes alegações, pelo que a quantia de € 50.000,00 é ajustada à real dimensão e importância dos danos que o autor sofreu, quer de ordem física, moral, psicológica e profissional.

11 - Rendimentos de trabalho que deixou de auferir

O recorrente deverá ser ressarcido pelos rendimentos que deixou de auferir desde o dia do acidente (04/09/2010) e até final do ano de 2013, por as sequelas resultantes do embate serem incompatíveis com o exercício da sua profissão de carpinteiro, no valor de € 8.867,55 (€ 7.031,00 - € 4.075,15 = € 2.955,85 x 3 anos).

12 – Assim, deverá a ré ser condenada a pagar ao autor a quantia total de € 98.688,43 (noventa e oito mil seiscentos e oitenta e oito euros e quarenta e três cêntimos), correspondendo € 14.547,83 aos danos patrimoniais directos; € 34.140,60 à perda da capacidade de ganho e € 50.000,00 aos danos não patrimoniais.

Nestes termos e nos mais de Direito deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e alterando-se, conforme supra exposto, a matéria factual inserta nos pontos 40; 45 e 47 dos factos provados e 1; 2; 3; 4; 5; 6; 9; 10; 11 e 13 dos factos não provados; e, consequentemente, condenar-se a ré a pagar ao autor a quantia total de € 98.688,43 (noventa e oito mil seiscentos e oitenta e oito euros e quarenta e três cêntimos), correspondendo € 14.547,83 aos danos patrimoniais directos, € 34.140,60 à perda da capacidade de ganho e € 50.000,00 aos danos não patrimoniais”.

Respondeu a R. defendendo a confirmação da sentença recorrida.

Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II. Objecto do recurso.
Considerando as conclusões da motivação do recurso e sendo estas que delimitam o seu objecto, importa decidir:
- a impugnação da matéria de facto;
- o montante da indemnização.

III. Fundamentação.
1. Factos.
1.1. A decisão recorrida julgou assim os factos:
Factos Provados:
1- No dia 14 de Setembro de 2010, cerca das 10:05 horas, ao Km 111,5 da Estrada Nacional 125, Concelho de Olhão, Distrito de Faro, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula QO, propriedade do Autor e conduzido pelo próprio, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula OX, propriedade de (…) e conduzido pela mesma.

2- O local é caracterizado por um cruzamento entre a EN 125 e uma artéria paralela à mesma, que permite a inversão do sentido de marcha.

3- No local, a EN 125 configura uma recta com 4 vias de circulação, duas no sentido Olhão/Faro e duas no sentido Faro/Olhão.

4- No sentido Olhão/Faro, à direita e paralelamente à EN 125 existe uma via de circulação que permite a inversão de marcha para o sentido Faro/Olhão.

5- No cruzamento entre esta artéria e a EN 125, local onde se verificou o embate, o trânsito é regulado por semáforos, concretamente a ordem de passagem dos veículos no cruzamento entre as duas artérias.

6- Esta via paralela à EN 125 configura também uma recta, com uma única via e sentido de circulação, cruzando e atravessando a EN 125, nas duas vias correspondentes ao sentido Olhão/Faro, ao Km 111,5 daquela estrada nacional, e permitindo a mudança de direcção para a esquerda para uma das duas vias de sentido Faro/Olhão.

7- Estão colocados uns semáforos no lado direito desta via paralela, por onde circulava o veículo com a matrícula OX, ao sítio do entroncamento com a EN 125.

8- Os semáforos que regulam a passagem dos veículos nesse cruzamento permitem a passagem de forma alternada, ou seja, sempre que está vermelho o semáforo que permite a circulação na EN 125, faixas de sentido Olhão/Faro, então está verde o semáforo da via paralela direita, permitindo que os veículos que nesta circulam efetuem a manobra de inversão de marcha para o sentido Faro/Olhão.

9- Do mesmo modo, sempre que o semáforo da via paralela está vermelho, impedindo tal manobra de inversão de marcha, o semáforo regulador do tráfego nas duas vias da EN 125 de sentido Olhão/Faro apresenta a luz verde.

10- Na EN 125, a cerca de 100 metros antes do local do embate (km 111,5, da EN 125), no sentido Olhão/Faro estão colocados uns semáforos que acendem o sinal verde simultaneamente com os do Km 111,5, sendo que os semáforos do km 111,5 são os referidos nos números anteriores.

11- O veículo conduzido pelo Autor circulava na Estrada Nacional 125, próximo do Km 111,5, com o sentido de marcha Olhão-Faro.

12- A condutora do automóvel OX, circulava na via paralela, à direita, da EN 125, com a qual entronca, e separada desta por uma placa longitudinal de betão que termina no local do entroncamento, e pretendia efectuar manobra de mudança de direcção para a sua esquerda, atravessando a hemi-faixa de rodagem da EN 125 por onde circulava o veículo conduzido pelo Autor.

13- Chegado ao final da referida artéria, o veículo OX deteve-se junto ao semáforo que ali se encontra a regular a passagem dos veículos provenientes daquela artéria, uma vez que o mesmo tinha a luz vermelha acesa.

14- A dada altura, o veículo OX avançou e iniciou a atravessar a EN 125 para efectuar a manobra, no momento em que o veículo conduzido pelo Autor acabava de ultrapassar os segundos semáforos.

15- Imediatamente após ter ultrapassado o local onde estão colocados os segundos semáforos (os do Km 111,5, da EN 125), quando o veículo OX atravessava esta estrada para inverter a marcha à esquerda para Olhão, circulando nesse momento paralelamente ao veículo QO, este embateu com a parte frontal na parte lateral esquerda do primeiro.

16- Com o embate, o veículo do Autor despistou-se e capotou de seguida, tendo-se imobilizado a quarenta metros aproximadamente do local da colisão, sendo que o veículo OX permaneceu parado no mesmo local.

17- Imediatamente a seguir ao embate, o Autor (…) deu entrada no serviço de urgência do Hospital de Faro, E.P.E..

18- Nesse hospital, foi-lhe suturada a ferida que apresentava na face, foi observado nos serviços de ortopedia e de cirurgia geral, e efectuou diversos exames, nomeadamente, RX, TAC, Ecografias e ECG.

19- No hospital, verificou-se que, em resultado do acidente supra referido, o Autor (…) sofreu fractura da apófise estiloide do rádio direito, fractura estável do corpo da vértebra LI e contusão abdominal.

20- Nessa sequência, o Autor foi sujeito a várias intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos no Hospital de Faro, nomeadamente, e para tratamento da fractura do rádio direito, sob anestesia geral, foi sujeito a intervenção cirúrgica de tal fractura com fixação com fio de Kirshner e imobilização da coluna com dorsolombostato, tendo-lhe sido colocado gesso.

21- O Autor teve alta hospitalar no dia 29 de Setembro de 2010, tendo então transitado para consulta externa.

22- Entre os dias 2 e 26 de Outubro de 2010, o Autor foi assistido na sua residência pela Equipa de Cuidados Continuados Integrados, tendo-lhe sido prestados cuidados de enfermagem para tratamento da ferida cirúrgica que apresentava no rádio direito.

23- O Autor foi seguido em ambulatório na consulta externa de ortopedia, do Hospital de Faro, até 21 de Fevereiro de 2011, data em que lhe foram extraídos fios, gesso e dorsolombostato.

24- Entre 13.01.2011 e 28.02.2011, o Autor realizou fisioterapia na Clínica do (…), concretamente ao pulso e braço direitos.

25- A 21.02.2011, o médico responsável do Hospital de Faro atribuiu alta médica ao Autor, com indicação para retomar o trabalho, sendo que a consolidação se verificou a 28.02.2011 com o termo da fisioterapia.

26- Desde 14.09.2010 até à presente data, os médicos do Centro de Saúde de Faro têm atribuído ao Autor incapacidade temporária para o trabalho, sem especificar as razões de tal baixa médica.

27- Por causa das lesões sofridas, das intervenções e tratamentos médicos, o Autor sofreu intensas dores, perturbações e incómodos.

28- Durante o período de internamento no Hospital de Faro e devido às lesões sofridas, nomeadamente por causa da fractura vertebral, o Autor esteve sempre deitado numa cama adequada.

29- O Autor usou um colete rígido durante cerca de dois meses.

30- Durante a sua recuperação, o Autor esteve sujeito a um período de imobilidade até ao final de Outubro de 2010.

31- Durante o período de internamento e nos primeiros dias em que permaneceu em casa, o Autor foi auxiliado por terceiros na sua higiene pessoal diária, alimentação e vestuário.

32- Durante período de tempo não determinado ao longo da recuperação, o Autor apenas saiu de casa para consultas e tratamentos médicos.

33- O Autor permaneceu cerca de dois meses com vidros no braço direito e no joelho esquerdo, alojados debaixo da pele.

34- O Autor tem necessidade de tomar regularmente analgésicos e pomadas, pelo que se desloca com frequência a consultas no Centro de Saúde de Faro.

35- Durante o período de cerca de três semanas de internamento no Hospital de Faro, o Autor sentiu-se sozinho e triste.

36- O Autor sentia-se angustiado por saber que, em virtude das consequências do acidente na sua saúde, a sua qualidade de vida iria piorar.

37- A imobilidade, a dependência do auxílio permanente de terceiros e a incerteza da recuperação do seu estado de saúde causaram ao Autor ansiedade e frustração, incómodos e tristeza, durante os primeiros meses de recuperação.

38- Na sequência do acidente, e das lesões do mesmo resultantes, o Autor sofreu:

i) um período de défice funcional temporário total de 90 dias;

ii) um período de défice funcional temporário parcial de 78 dias;

iii) um período de repercussão temporária na actividade profissional total de 168 dias;

iv) um quantum doloris fixado no grau 4/7.

39- Na sequência do acidente, e das lesões do mesmo resultantes, o Autor passou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 10 pontos, correspondente a: dor e contractura lombar residual da transição dorso lombar sem alterações neurológicas; rigidez do punho direito com DF=30º e FP=45º e DC e DR de 20º e Prono supinação sem alterações, que atinge mais de metade da amplitude dos dois movimentos, com dor na mobilização.

40- As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares.

41- O Autor passou também a padecer de um dano estético permanente fixável no grau 1/7.

42- À data do acidente, o Autor era carpinteiro por conta própria, não tinha empregados e o seu trabalho consistia no fabrico, transporte e montagem de móveis, portas, janelas, utensílios e outras manufacturas em madeira.

43- E era considerado por todos os seus clientes como um profissional competente e empenhado.

44- Estas tarefas exigiam ao Autor esforço físico, obrigavam-no a permanecer de pé durante longos períodos de tempo e a efectuar movimentos rápidos e permanentes com os braços.

45- Actualmente, para exercer a mesma actividade, o Autor carece de desenvolver esforços suplementares consideráveis, sendo que carece mais tempo para executar as mesmas tarefas com o mesmo resultado e, em situação de cansaço, sofre dores ao executá-las.

46- Tais limitações provocam ao Autor angústia e tristeza.

47- Desde a data do acidente, o Autor tem realizado alguns trabalhos de carpintaria e ente entregue outros a colegas de trabalho em troca de uma percentagem do preço.

48- No ano de 2010, até à data do acidente, o Autor declarou rendimentos brutos relativos à sua actividade no montante de € 7.031,00.

49- Nos três anos seguintes ao do acidente, ou seja, em 2011, 2012 e 2013, o Autor declarou rendimentos brutos relativos à sua actividade respectivamente nos montantes de € 4.199,00, € 4.188,44 e € 3.838,00.

50- À data do acidente, o Autor era uma pessoa bem-disposta, saudável e cheia de alegria de viver, gostava de dançar e frequentava bailes e festas, divertia-se com os amigos jogando futebol.

51- Actualmente, tais actividades provocam ao Autor um elevado esforço físico, em virtude de ter dificuldades na marcha e não lhe ser possível passar longos períodos de pé por sentir dores ao nível da zona lombar.

52- O Autor sente-se em inferioridade, relativamente a outros indivíduos da sua idade por causa das lesões e sequelas resultantes do acidente, o que lhe causa desgosto.

53- Na sequência do acidente e em virtude das lesões sofridas, o Autor despendeu as seguintes quantias: € 166,85 em despesas hospitalares, com o episódio de urgência do dia 14 de Setembro de 2010 e diversas consultas no Hospital Distrital e no Centro de Saúde de Faro; € 271,90 em medicamentos; € 499,75 em consultas de fisiatria, sessões de fisioterapia e massagens; € 82,75 em exames laboratoriais; tudo num total de € 1.021,25.

54- O veículo do Autor com a matrícula QO estava em bom estado de conservação e era utilizado diariamente pelo Autor para trabalhar, antes do embate.

55- Em consequência do acidente, tal veículo ficou seriamente danificado no quadro, sistemas de suspensão, direcção e travagens, ficando sem condições para circular, sendo que a sua reparação – a ser possível – terá um valor superior ao valor do veículo.

56- Para além de que, por força do embate, as mercadorias que o Autor transportava, com o valor de € 159,03 e que se destinavam ao seu trabalho, ficaram destruídas.

57- O Autor nasceu a 18.04.1953.

58- A proprietária do veículo com a matrícula OX, à data do acidente, havia transferido a sua responsabilidade civil para a companhia de seguros ora Ré, através do contrato de seguro titulado pela apólice nº (…).

59- Através de carta datada de 27 de Abril de 2011, a Ré informou o Autor que relativamente ao embate supra descrito “a responsabilidade deverá ser imputada a ambos os condutores na proporção de 50%, em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 506º do CC.”.

Factos Não Provados

1- O Autor iniciou a sua marcha no momento em que os primeiros semáforos exibiram a luz verde, sendo que no mesmo momento os semáforos seguintes, os do Km 111,5, da EN 125, acenderam também a luz verde e, por tal facto, o Autor continuou a circulação.

2- Quando o veículo conduzido pelo Autor seguiu com a sua marcha, ambos os semáforos reguladores da circulação na EN 125 supra referidos estavam com a luz verde acesa.

3- A condutora do veículo automóvel de matrícula OX passou a linha correspondente aos semáforos colocados no seu lado direito, os semáforos indicadores de passagem na via paralela, no momento em que estes apresentavam a luz vermelha acesa, e o semáforo do seu lado esquerdo, o respeitante ao trânsito da EN 125 apresentava a luz verde.

4- Nas circunstâncias de tempo e local do embate, o Autor circulava com a luz verde acesa no semáforo que regulava o trânsito da via por onde seguia (EN 125) e a condutora do veículo com a matrícula OX entrou na EN 125, para inverter o sentido de marcha, passando o semáforo do seu lado direito que, no momento, mostrava acesa a luz vermelha.

5- Ato contínuo, a condutora do OX invadiu a via direita da faixa de rodagem por onde circulava o Autor, dentro da mão de trânsito deste, cortando-lhe súbita e repentinamente a sua linha de marcha.

6- A condutora do automóvel com a matrícula nº OX, no momento, conduzia com total falta de cuidado e de atenção exigíveis e necessários à segurança rodoviária, desprezando os sinais luminosos reguladores do trânsito, sendo a única responsável pela ocorrência do embate.

7- A condutora do veículo OX só arrancou com o veículo, para atravessar a EN 125 quando se acendeu a luz verde do semáforo que regulava a circulação na sua via de rodagem.

8- O Autor manteve o seu veículo em circulação a velocidade excessiva e avançou sempre, mesmo quando o segundo semáforo da EN 125 tinha a luz vermelha acesa, não tendo conseguido, por esses motivos, travar e evitar o embate com o veículo OX.

9- Em virtude das lesões sofridas, o Autor não consegue exercer a sua profissão de carpinteiro.

10- Até à presente data, o Autor não conseguiu trabalhar como carpinteiro ou em qualquer outro ramo de actividade.

11- O Autor não recebeu qualquer montante da Segurança Social, a título de subsídio de doença.

12- Desde a data do acidente, além de tais rendimentos, o Autor tem vivido de poupanças e da ajuda económica de familiares e amigos.

13- O Autor adquiriu um novo veículo pelo valor de € 4.500,00.

1.2. A impugnação da decisão de facto.

1.2.1. Factos não provados 1 a 6 e facto provado 47.

Com recurso às declarações de parte do A. e aos depoimentos das testemunhas (…), (…) e (…), defende o A. que os factos julgados não provados sob os pontos 1 a 6 deverão julgar-se provados e quanto à matéria do ponto 47 apenas deverá julgar-se provado que “o autor tem entregue trabalhos de carpintaria a colegas de trabalho em troca de uma percentagem do preço”.

Ouviram-se as declarações de parte do A. e os depoimentos das testemunhas … (filha do A.), … (irmão do A.), … (ex-mulher do A.), … (unido de facto com a testemunha …), … (filha do A.), … (neta do A.), … (militar da GNR que elaborou a participação do acidente junta aos autos de fls. 31 a 35), (condutora do veículo OX), … (técnico de sinistros ao serviço da Ré), … (motorista, conhecido do A. e que se encontrava perto do local do acidente quando este ocorreu) e … (conhecido da condutora do veículo OX que também se encontrava perto do local do acidente quando este ocorreu).

No local do acidente o trânsito é ordenado por sinais luminosos e o A. alegou que o acidente ocorreu porque a condutora do OX entrou na EN 125 quando o sinal que se lhe deparara estava vermelho uma vez que os semáforos na EN 125 (dois conjuntos de sinais sucessivos e separados por cerca de 100 metros), no sentido por si percorrido, estavam verdes.

Os pontos 1 a 6 dos factos não provados reportam-se, em essência, à cor dos sinais que se deparavam ao A. e à condutora do OX nos momentos que precederam o embate; o tribunal julgou não provado que os sinais estivessem verdes para o A. e vermelhos para a condutora do OX.

Motivou este julgamento com recurso às inconciliáveis versões dos condutores (ambos afirmaram que os sinais estavam verdes) e na ausência de outras provas.

A convicção que colhemos da prova produzida coincide com a formada pela decisão recorrida; nenhuma das testemunhas demonstrou conhecer o facto e a prova que decorre respectivamente das declarações do A. e do depoimento da condutora do OX é insuficiente para formar uma opinião quanto a esta matéria. Aliás, a nosso ver e contrariamente ao defendido pelo A., não vemos qualquer parcialidade, e muito menos flagrante, no depoimento da condutora do OX, por forma a imputar a responsabilidade do acidente ao A., a qual, podendo ficar-se pela simples declaração que passou com o sinal verde, na sua espontaneidade e por várias vezes, embora nem sempre com estas palavras, declarou “se eu tivesse mais agilidade eu passava e ela não me batia”, “ele passou o 1º semáforo vermelho …passou este também vermelho … fiquei assovacada”; do que ouvimos a parcialidade está do lado do A. o que é natural atento o seu interesse no desfecho da acção.

A matéria constante do ponto 47 dos factos provados ajusta-se aos depoimentos das testemunhas (…), (…) e (…) e ainda que assim fosse é de todo inverosímil, a nosso ver, que os rendimentos declarados pelo A. em anos posteriores ao acidente (ponto 49 dos factos provados) resultem de percentagens de trabalhos de carpintaria angariados pelo A. e realizados por colegas seus de profissão, como defende.

A prova produzida ajusta-se às respostas encontradas para toda a matéria em referência e decisivamente não impõe decisão diversa (artº 662º, nº 1, do CPC).

A impugnação improcede, nesta parte.

1.2.2. Factos provados 40 a 45 e não provados 9 e 10.

Com fundamento nas declarações do A., na declaração emitida pelo Centro Distrital de Faro, em 10 de Setembro de 2015, pelo Centro Distrital de Faro, do Instituto de Segurança Social, I.P. que confirmou que o autor consta no nosso sistema com Doença Directa, incapacitado desde 2010-09-14 a 2015-10-07, por Acidente de viação, conforme certificados de incapacidade temporária para o trabalho entrados neste Centro e com os sessenta e três (63) certificados de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença que corroboram as declarações do autor e confirmam que as suas queixas o impedem de exercer, como antes, a sua profissão de carpinteiro defende o A. que se mostra provado que as sequelas que lhe resultaram das lesões sofridas no acidente “são, em termos de repercussão permanente na actividade profissional, incompatíveis com o exercício da actividade habitual; em virtude das lesões sofridas, o autor não consegue exercer a sua profissão de carpinteiro e, até à presente data, o Autor não conseguiu trabalhar como carpinteiro ou em qualquer outro ramo de actividade” e que não se mostra provado o que consta nos pontos 40 e 45 dos factos provados.

A decisão recorrida, quanto a esta matéria, motivou o seu juízo no relatório de exame médico-legal juntos aos autos de fls. 233 a 237 e nas declarações do perito médico-legal (…), especialista em ortopedia.

O A. pretende obstar ao resultado da perícia médico-legal com recurso às suas próprias declarações e certificados de incapacidade temporária junto aos autos, meios de prova manifestamente inidóneos para tal desiderato.

A incapacidade permanente do lesado para efeitos de reparação civil do dano é calculada por médicos especialistas em medicina legal ou por especialistas noutras áreas com competência específica no âmbito da avaliação médico-legal do dano corporal no domínio do direito civil e das respectivas regras, os quais ficam vinculados à exposição dos motivos justificativos dos desvios em relação às pontuações previstas na Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil (artigo 1º, nº 3, DL n.º 352/2007, de 23/10) e as perícias médico-legais são realizadas, obrigatoriamente, nas delegações e nos gabinetes médico-legais do Instituto Nacional de Medicina Legal (artº 467º, nº 3, do CPC e artº 2º, nº 1, da Lei nº 45/2004, de 19/8).

Realizada a perícia médico-legal de acordo com estas regras e dela discordando fundadamente o A. podia requerer uma segunda perícia (artº 487º, nº 1, do CPC) o que não se afigura ajustado é que defenda a alteração do juízo pericial, por forma a considerar que as sequelas de que é portador configuram uma incapacidade permanente para o trabalho habitual, com recurso às sua próprias declarações ou a certificados de incapacidade temporárias, por se tratar de matéria cuja avaliação incumbe, por exigência da lei a “verdadeiros peritos, isto é, (…) médicos conhecedores dos princípios da avaliação médico-legal no domínio do Direito Civil, e das respectivas regras, nomeadamente no que se refere ao estado anterior e a sequelas múltiplas (cfr. proémio do anexo II do referido D.L. 352/2007).

Tal não significa que as perícias médico-legais não se incluam no âmbito da prova pericial e assim sujeitas à livre apreciação do juiz (artº 389º, do CC), mas supondo a prova pericial a apreciação de factos que exigem conhecimentos especiais que o julgador não possui (artº 388º, do CC), o juiz não é livre de sobrepor os seus conhecimentos aos conhecimentos especiais dos peritos para divergir dos factos objeto da prova; o caminho para a reformulação de prova pericial que não convence é o recurso a uma 2ª perícia ou a formulação de esclarecimentos sobre a perícia realizada e não o recurso a declarações ou depoimentos de intervenientes processuais que não possuem os especiais conhecimentos que a justificaram, nem o recurso a documentos que podendo, em tese, constituir elementos úteis para a correcção da perícia, nos apontados moldes, são insusceptíveis de se substituírem à prova pericial.

Improcede a impugnação quanto a esta matéria.

1.2.3. Factos não provados 11 e 13.

Considera o A. que a matéria constante do ponto 11 dos factos não provados deverá julgar-se provada com fundamento na declaração emitida pelo Centro Distrital de Faro, do Instituto de Segurança Social, I.P., e que o facto não provado referido em 13 deverá julgar-se provado com base nas declarações de parte do A., por suficientes para o efeito.

Estes factos, independentemente das considerações que a sua demonstração possa suscitar não relevam, a nosso ver, para a solução da causa segundo as várias soluções plausíveis para a questão de direito.

O primeiro – o A. não recebeu qualquer montante da Segurança Social, a título de subsidio de doença – porque irrelevante para efeitos de cálculo dos danos patrimoniais peticionados pelo A.; de facto, nem o A. na p.i., nem a decisão recorrida, extraem deste facto qualquer ilação, de facto ou de direito, para efeitos de indemnização; se o facto houvesse sido introduzido no objecto da causa pela positiva, isto é, se estivesse em causa o recebimento pelo A. de algum subsídio a título de doença, admite-se que o facto pudesse relevar para efeitos de direito de regresso, mas não é o caso; tal como alegado o facto é inócuo para a solução de direito.

Idêntica conclusão é válida para o segundo – a aquisição pelo A. de um veículo pelo valor de € 4.500,00 – pois o que releva para efeitos de cálculo de indemnização em caso de perda total do veículo é o valor venal do veículo sinistrado como, aliás, decorre da decisão recorrida e não o valor de compra de um outro veículo destinado a substituir aquele.

Tendo a impugnação, nesta parte, por objecto factos que não relevam para a solução de direito, improcede por esta razão.

Improcede a impugnação da matéria de facto.

Ainda assim, o A. tem razão quando afirma que os veículos no momento do embate os veículos circulavam perpendicularmente e não paralelamente, como consta do ponto 15 dos factos provados.

Trata-se de mero lapso de redacção, estamos em crer, face à evidência da prova produzida nos autos quando à dinâmica do acidente e aos danos por este ocasionados nos veículos. Corrige-se, pois, o ponto 15 dos factos provados, por forma a constar perpendicularmente, onde agora consta paralelamente.


2. Direito
A decisão recorrida fixou em € 40.000,00 a indemnização devida por danos não patrimoniais (onde incluiu o prejuízo que resultou para o A. do défice funcional permanente que lhe resultaram das lesões sofridas em consequência do acidente) e em € 3.000,00 o prejuízo que resultou para o A. dos rendimentos que deixou de auferir entre a data do acidente e a data da consolidação das lesões e o A. questiona estes montantes defendendo que a perda de capacidade de ganho e défice funcional é sempre ressarcível como dano autónomo e deverá ser fixado em € 34.140,60, que a indemnização por danos não patrimoniais deverá ser fixada em € 50.000,00 e que a indemnização pelos rendimentos que deixou de auferir entre o dia do acidente e o final do ano de 2013 deverá ser fixada em € 8.867,55.

2.1. Dano futuro/a indemnização pela perda da capacidade de ganho e défice funcional permanente.
A perda da capacidade de ganho, já se escreveu “constitui um dano presente, com repercussão no futuro, durante o período laboralmente activo do lesado e durante todo o seu tempo de vida”[1] ou, lendo noutro lugar, “o dano futuro previsível mais típico prende-se com os casos de perda ou diminuição da capacidade de trabalho e da perda ou diminuição da capacidade de ganho, perda esta caracterizada como “efeito danoso, de natureza temporária ou definitiva, que resulta para o ofendido do facto de ter sofrido uma dada lesão, impeditiva da sua obtenção normal de determinados proventos certos (…) como paga do seu trabalho”[2].
A perda da capacidade de ganho insere-se, pois, no domínio do dano futuro indemnizável, por força do preceituado no artº 564º, nº 2, do Código Civil, onde se lê:
“Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.”.
Mas o dano futuro, decorrente da perda da capacidade de ganho, não se circunscreve às incapacidades que envolvam perda efectiva ou redução permanente da capacidade de trabalho ou de ganho do lesado resultante do acidente – conceito puro do domínio laboral – pois casos existem em que o lesado, não obstante as sequelas que do acidente lhe resultaram, pode continuar a desempenhar a mesma actividade laboral que desempenhava antes do acidente não obstante com esforço acrescido e existem também casos em que o lesado não desempenha qualquer actividade profissional, designadamente por não haver ainda iniciado o exercício de qualquer actividade profissional [a circunstância de, à data do acidente, ser estudante e não ter tido alguma perda de rendimentos de trabalho não esvaece esse direito[3]]; nestes casos fala-se em dano biológico, designação com origem italiana, para se acentuar que não obstante a lesão corporal não envolver como consequência directa a perda da capacidade de ganho, stricto sensu, traduz um prejuízo funcional, com reflexos na vida profissional do lesado (esforço acrescido na sua prestação e perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar) e na sua vida recreativa, social, sexual e até sentimental, ou como mais apropriadamente se escreveu no Ac. STJ de 4/10/2005, “o dano biológico traduz-se na diminuição somático-psíquico do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre[4], e também este dano reclama reparação por efeito da tendencial integralidade desta (artº 562º e segs. do Cód. Civil).
A indemnização por danos patrimoniais, não sendo possível a reposição natural (artº 562º, do Cód. Civil) deve, em princípio, corresponder ao valor dos danos, calculados com recurso à teoria da diferença, ou seja, deve corresponder ao resultado da diferença aritmética entre a actual situação do lesado e aquela que existiria se o dano não tivesse ocorrido (artº 566º, nº 2, do Código Civil).
Mas calcular esta diferença, como se tem amiúde repetido, não é tarefa fácil quando, como é o caso, uma das parcelas da equação (a situação que existiria se o dano não tivesse ocorrido) está condicionada por factores predominantemente aleatórios [a esperança de vida, as possibilidades de progressão na carreira, o nível remuneratório futuro, a evolução dos níveis dos preços, das taxas de juros, da inflação, a própria evolução tecnológica enquanto condicionante da prestação e retribuição do trabalho e outros, como as políticas fiscais e de emprego futuros].
O cálculo deste valor, ainda que indiciariamente objectivado com recurso a tabelas financeiras ou matemáticas, dificilmente corresponderá ao valor exacto daquela diferença e daqui que a indemnização não possa ser fixada sem recurso à equidade, como impõe o artº 566º, nº 3, do Código Civil e constitui orientação da jurisprudência, como decorre, entre outros do Ac. STJ de 15/3/2012, ao significar que “(…) os critérios matemáticos de cálculo do capital correspondente à indemnização por danos patrimoniais futuros são apenas um instrumento ao serviço do juízo de equidade, devendo os resultados alcançados funcionar como valores de referência que devem ser ponderados com outros elementos objectivos cuja relevância emerge e se impõe naturalmente ao julgador (como são o percebimento de uma só vez e em antecipação da indemnização correspondente a danos que se prolongam no futuro por vários anos, a evolução provável da sua carreira profissional, da taxa de juro, etc).[5]
Ainda assim, a jurisprudência como, aliás, a decisão recorrida não deixou de anotar, tem procurado encontrar critérios que reduzam ao mínimo o subjectivismo do tribunal e a margem de arbítrio, como dá conta o Ac. do STJ de 17-12-2009[6] que, esquematizou os princípios e ideias que deverão presidir à quantificação da indemnização em apreço.

Tornando aos autos, não existem dúvidas, por assim se se haver demonstrado, que o A., carpinteiro por conta própria, em consequência das lesões que lhe ocasionaram o acidente ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psiquica fixável em 10 pontos e que estas sequelas, embora compatíveis com o exercício da sua actividade laboral, implicam esforços suplementares, carecendo de mais tempo para executar as mesmas tarefas com o mesmo resultado e, em situação de cansaço, sofre dores ao executá-las (pontos 39, 40, 42 e 45 dos factos provados).
Caracterizado se mostra, assim, o prejuízo funcional, com reflexos na vida profissional do A. (esforço acrescido na prestação do trabalho e eventuais perdas de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar), dimensão patrimonial do chamado dano biológico que justifica indemnização autónoma, como defende e que a decisão recorrida, sem quantificar, incluiu nos danos não patrimoniais.
Como se ajuizou no recente Ac. STJ de 26/1/2017[7], “o dano biológico não se pode reduzir aos danos de natureza não patrimonial na medida em que nestes estão apenas em causa prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária e naquele estão também em causa prejuízos de natureza patrimonial provenientes das consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado”.
Neste ponto a decisão recorrida impõe, a nosso ver, alteração.
A dificuldade está no cálculo desta indemnização, pelas razões já apontadas e no caso acrescidas pela circunstância de estarmos perante um prejuízo funcional, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (fixável em 10 pontos) e não perante uma incapacidade permanente parcial para o trabalho, cuja fórmula de cálculo da indemnização decorre da lei e fora do domínio laboral tem sido objecto de vasto labor da jurisprudência.
A única referência legal para a determinação do montante desta indemnização é a que decorre da Portaria nº 377/2008, de 26/5, designadamente do anexo IV, de cuja aplicação, tendo em vista os 10 pontos de défice funcional e que o A. tinha 57 anos de idade à data do acidente, resulta um valor indemnizatório situado entre € 4.750,00 e € 6.500,00.
Considerando, porém, que estes valores, para além de não serem obrigatórios na fase judicial do processo (artº 1º, nº 2, da Portaria) foram encontrados designadamente com recurso à retribuição mínima garantida vigente à data da Portaria (cfr. preâmbulo), que esta retribuição vem sendo sucessivamente actualizada e não olvidando que, no caso concreto, o A. não demonstrou a culpa da condutora do veículo seguro na Ré, julga-se equitativo fixar em € 9.000,00 a vertente patrimonial do chamado dano biológico, incumbindo à Ré o pagamento de metade, atenta a contribuição para os danos do veículo por si seguro.
Nesta parte e nesta medida, procede o recurso.

2.2. Danos não patrimoniais.

O montante da indemnização por danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito é fixado equitativamente pelo tribunal e deve encontrar-se com recurso ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (artºs 496º, nº 1 e 4 e 494º, ambos do Cód. Civil).
Ainda assim, e como se escreveu no Ac. STJ de 31/5/2012[8], “este recurso à equidade não afasta, no entanto, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso. Cumpre “não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes” acórdão de 25 de Junho de 2002 (www.dgsi.pt, proc. nº 02A1321); nas palavras do recente acórdão deste Supremo Tribunal, de 31 de Janeiro de 2012 (www.dgsi.pt, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1), “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição.
Os traços fundamentais que caracterizam, neste particular, o caso dos autos mostram-se discriminados nos pontos 17 a 41, 46 e 47 dos factos provados e deles decorrem designadamente que o A. sofreu 15 dias de internamento hospitalar, um quantum doloris de grau 4 numa escala de 0 a 7 e um dano estético de grau 1 numa escala idêntica, importando ainda não olvidar que, à data do acidente, o A. tinha 57 anos de idade e que não se demonstrou a culpa de nenhum dos condutores intervenientes no acidente.
O montante encontrado pela decisão recorrida, acolheu os critérios legais, não olvidou recente e apropriada jurisprudência do STJ, que anotou e conforma-se com o quadro factual em referência, afigurando-se-nos justo e equitativo e longe de se configurar como meramente simbólico ou miserabilista, como sem qualquer esforço demonstrativo o considera, a nosso ver sem razão, o A.
O recurso, nesta parte, improcede.

2.3. Lucros cessantes.
A decisão recorrida fixou em € 3.000.00 o valor da indemnização devida ao A. pelos rendimentos do trabalho que deixou de auferir entre a data do acidente o dia 28/2/2011 (data fixável da consolidação médico-legal das lesões – ponto 25 dos factos provados).
E o A. considera que deverá ser ressarcido pelos rendimentos que deixou de auferir desde o dia do acidente e até ao final do ano de 2013, por as sequelas resultantes do embate serem incompatíveis com o exercício da sua profissão de carpinteiro.
O pressuposto de facto que suporta este segmento da pretensão recursiva mostrava-se incluído nos factos que o A., por via da impugnação da matéria de facto, visou, sem êxito, incluir na base factual do litígio.
Assim, porque assente em factos que não se provam, improcede nesta parte o recurso.

IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, na procedência parcial do recurso, em alterar a decisão recorrida por forma a condenar a ré (…) Seguros, S.A. a pagar ao autor (…) a quantia de € 4.500,00, a título de indemnização por danos patrimoniais futuros (vertente patrimonial do chamado dano biológico), mantendo-a em tudo o mais.
Custas, nesta instância, pelo Recorrente e Recorrida na proporção do decaimento.
Évora, 9/3/2017
Francisco Matos
José Tomé Carvalho
Mário Branco Coelho
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[1] Ac. STJ de 2/5/2012, disponível in www.dgsi.pt
[2] Ac. STJ de 28/10/92, CJSTJ, Tomo IV, página 29.
[3] Ac. STJ de 20/9/2011, sumariado em stj.pt/ficheiros/jurisp-tematica/cadernodanosfuturos2002-2012.pdf.
[4] Disponível em www.dgsi.pt; no mesmo sentido e, entre outros, cfr. AC.STJ de 9/3/2010, disponível no mesmo endereço.
[5] Disponível em www.dgsi.pt.
[6] Disponível em www.dgsi.pt
[7] Disponível em www.dgsi.pt.
[8] Disponível in www.dgsi.pt.