Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1405/03.0TXEVR-B.E1
Relator: EDGAR VALENTE
Descritores: PENAS DE PRISÃO AUTÓNOMAS
CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 02/07/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
1. Em caso de cumprimento sucessivo de penas de prisão em que não seja aplicável o disposto nos nºs 1 e 2 do art. 63.º do CP, por força do estatuído no n.º 4 do mesmo dispositivo e onde, necessariamente, uma das penas há-de ser cumprida por inteiro, o mais razoável é que o seja a pena remanescente resultante da revogação da liberdade condicional.

2, Mas se assim deve ser a regra, nada obsta a que excepcionalmente se proceda de forma diversa, caso de tal resulte uma situação concretamente mais favorável ao recluso


2. As razões que levaram o legislador a consagrar (no artº 64º, nº 3 do C. Penal) a possibilidade de concessão de nova LC em caso de revogação são razões de política criminal que se aplicam indistintamente a todas as situações de revogação, independentemente da sua etiologia: : ''se o resto da pena a cumprir é ainda por tempo que, se se tratasse de pena privativa de liberdade autónoma, justificaria a eventual concessão de liberdade condicional, não há qualquer razão para que esta seja excluída, tudo devendo depender do novo juízo de prognose que o tribunal haverá que efectuar”.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, após conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1 - Relatório.

No processo que, com o nº 1405/03.0TXEVR, corre termos no Tribunal de Execução de Penas de Évora, o Digno Magistrado do MP promoveu que o recluso PA interrompesse a execução da pena em curso, para iniciar e cumprir integralmente uma 2ª pena, de 1 ano de prisão e, terminado que seja o cumprimento desta, reinicie então o cumprimento do remanescente daquela 1ª pena para que, perfeita que seja ½ de tal pena, lhe possa ser apreciada a liberdade condicional.

Sobre tal promoção veio a ser proferido despacho judicial, onde se decidiu que o recluso deverá cumprir integralmente a pena em execução, altura em que passará a cumprir a 2ª pena de prisão, apreciando-se a liberdade condicional (apenas) ao ½ de tal pena.

Inconformado com tal decisão, o MP dela interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:

''- O recluso PA data do despacho recorrido estava em cumprimento de uma pena remanescente de 02 anos e 01 mês de prisão, por revogação de liberdade condicional, cujo termo está previsto para 13/05/2013 e cuja metade será alcançada em 28/04/2012.

- Entretanto surge uma nova condenação por um crime de furto simples, no Proc. 419/11.1PBEVR, uma nova pena de 01 ano de prisão, por factos ocorridos em 03/04/2011 e por sentença transitada em julgado em 19/05/2011.

3ª– O Ministério Público promoveu a interrupção da execução da pena remanescente para o recluso iniciar e cumprir integralmente a nova pena de um ano de prisão, a partir do trânsito em julgado (19/05/2011) e, mais tarde reiniciar aquela para no âmbito da sua execução ser-lhe apreciada nova liberdade condicional, como prevê o disposto no nº 3 do art. 64º do CP.

4ª – Por despacho de 10/10/2011, ora recorrido, a M. Juíza “a quo” ordenou que cumpra até ao seu termo o remanescente da pena em execução, o que ocorrerá em 13/05/2013 e, no termo desse remanescente, passe a cumprir a pena de prisão do Proc. 419/11.1PBEVR, apreciando-se a liberdade condicional, ao meio desta.

5ª – No caso de estarem em execução duas ou mais penas de prisão autónomas a lei impõe a sua execução sucessiva, apreciando-se a liberdade condicional conjunta, no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas (art. 63º, nº 2 do CP).

6ª - Ora, por esta ordem de procedimentos, sabe-se exactamente quando chega o momento de se apreciar a liberdade condicional conjunta que abranja a totalidade das penas.

7ª - Difícil é encontrar solução para os casos, como o dos autos, em que nos deparamos com o cumprimento sucessivo de penas, sendo uma delas o remanescente a cumprir na sequência de revogação da liberdade condicional, anteriormente concedida.

- Numa situação destas, deparamo-nos com a ressalva do preceito do nº 4 do artigo 63º do CP que prescreve “o disposto nos nºs anteriores não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional”;

- E, como harmonizá-lo com o preceito constante do nº 3 do artigo 64º do CP que, ao tratar a pena remanescente com autonomia própria, nunca se confundindo com a pena inicial (original), admite que “pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61º”.

10ª- Julgamos, porém, que a solução passa por aferirmos, caso a caso, qual o melhor procedimento, sem violarmos, por erro de interpretação, as normas em causa (art.s 63º, nºs 1, 2, e 3; 61º, nºs 2, 3 e 4; 64º nº3, todos do CP), e não deixará de se dar o mais justo tratamento ao recluso.

11ª - A nossa promoção vai no sentido de harmonizar os ditos normativos contraditórios entre si, e nela defendemos que “ponderando a aplicação do disposto no nº4 do art. 63º do CP e as suas implicações na concessão de uma nova liberdade condicional, afigura-se-me ser mais vantajoso para o recluso (e não deixará de se presumir a sua vontade, maxime, quando o seu consentimento é exigido – nº 1 do artigo 61º do CP) que interrompa com efeitos a 19/05/2011 (data do trânsito em julgado da última condenação) a execução da pena em curso para iniciar e cumprir integralmente esta 2ª pena que é apenas de um ano, e terminada esta (19/05/2012), reinicie, então, o cumprimento do aludido remanescente para que, perfeita que seja metade deste, o que se prevê que seja em 28/04/201, lhe possa ser apreciada e concedida uma nova liberdade condicional, conforme prevê o nº 3 do artigo 64º do CP.

12ª- Desta forma, vê antecipar a apreciação da liberdade condicional (direito que lhe assiste) em cerca de 07 meses.

13ª – Por outro lado, parece não colher o argumentário que discorre em página de rodapé no despacho recorrido que “se depois de beneficiar de uma liberdade condicional, o condenado volta a delinquir, seja durante o período da liberdade condicional, seja depois, parece-nos evidente que as exigências de prevenção que estiveram na base da condenação e da própria concessão da liberdade condicional foram postas em causa de forma grave e o condenado frustrou o juízo positivo de prognose … deverá, pois, cumprir por inteiro o remanescente da pena que lhe fora aplicada, não merecendo tratamento diferente”.

14ª - Fica-se com a sensação que a Mmª Juíza “a quo” já se está a antecipar a uma decisão de mérito, ao entender que, neste caso, não a merece, postergando o direito que ao recluso assiste de poder vir a beneficiar de nova liberdade condicional,

15ª – No caso em apreço temos duas penas para cumprimento sucessivo, com a particularidade de não lhe ser aplicável o disposto nos nºs 1 e 2 do artº 63 do CP, por força do estatuído no nº 4 do mesmo dispositivo, donde, necessariamente uma das penas há-de ser cumprida por inteiro.

16ª - A regra é que o seja a pena remanescente resultante da revogação da liberdade condicional, por um lado, porque a pena inicial já foi objecto de excepção; e por outro, porque existe uma impossibilidade de apreciação conjunta da liberdade condicional que decorre do disposto no nº 4 do artº 63º do CP.

17ª – Ainda que esta seja a regra deve aceitar-se excepcionalmente que se proceda de forma diversa, como se pretende com ao presente recurso, na medida em que, como já demonstrei, resulta uma solução inequivocamente mais favorável ao recluso, sem por em causa o princípio da segurança jurídica.

18ª - Nesta conformidade, o despacho recorrido viola, por erro de interpretação, o disposto nos artºs 64º nº3 e 61º nº2 do C.P., conjugados com o art.º 63º, nº4 do mesmo diploma, na medida em que a interpretação nele imanente resulta desvantagem para o recluso.

Assim, em obediência ao princípio da legalidade, deverá dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que vá no sentido apontado no supra nº11 desta conclusão.''

O recluso não respondeu.

Admitido o recurso, a Senhora Juíza do Tribunal de Execução de Penas de Évora manteve a decisão recorrida.

Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº PGA emitiu parecer no sentido da procedência recurso.

Observou-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo havido resposta.

Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Levaremos em conta o teor da decisão recorrida [transcrição]:

''O recluso cumpre um remanescente de pena de 2 anos e 1 mês de prisão à ordem do Proc. 119/01.0TBEVR do 2º Juízo Criminal de Évora, resultante da revogação da liberdade condicional, conforme decidido no apenso A.

Tem ainda para cumprir – sucessivamente - uma pena de 1 ano de prisão, conforme condenação proferida no Proc. 419/11.1PBEVR do 1º Juízo Criminal de Évora, transitada em julgado em 19/5/2011.

Conjugando o disposto nos art.ºs 63 n.ºs 2 e 4 e 64 n.º 3 do Código Penal, concluímos que o remanescente de pena em execução deve ser tratado juridicamente como se de uma pena autónoma se tratasse (cfr. neste sentido parece ir Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, “As consequências Jurídicas do Crime”, a p. 550, e ainda “Actas”, 1993, p. 157).

Ora, perante uma situação de penas de cumprimento sucessivo em que uma dessas penas resulta da revogação de liberdade condicional – como é o caso dos autos – é nosso entendimento que o remanescente de pena deve ser integralmente cumprido, não podendo beneficiar já da possibilidade de concessão de nova liberdade condicional.

Neste sentido defende Paulo Pinto de Albuquerque, in Código Penal Anotado.

Também nesse sentido se deve ler a expressão “pode” [1] utilizada na norma contida no art.º 64 n.º 3, conjugada com a exclusão contida no n.º 4 do art.º 63, ambos normativos do Código Penal, não se devendo, a nosso ver, e a bem da segurança jurídica, proceder de modo diferente consoante o tempo de pena cumprido e por cumprir, seja do remanescente de pena, seja da nova pena a executar.

Pelo exposto, determino que:

a) O recluso cumpra até seu termo o remanescente da pena em execução, o que ocorrerá em 13/5/2013;

b) Altura em serão emitidos mandados de desligamento/ligamento, de modo a que, a partir de então, o reclusopasse a cumprir a pena de prisão aplicada no Proc. 419/11.1PBEVR do 1º Juízo Criminal de Évora;

A liberdade condicional será apreciada ao meio desta pena.''

2 - Fundamentação.

A - Delimitação do objecto do recurso.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412º do Código de Processo Penal – CPP), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.

São as seguintes as questões a conhecer no âmbito do presente recurso:

I - Nas situações em que ocorre revogação da liberdade condicional (LC) motivada pelo cometido de crime(s) durante o seu curso, vindo o agente a ser condenado em nova pena de prisão, é ou não legalmente admissível, relativamente ao remanescente da pena a que respeita a LC, a apreciação da possibilidade de concessão de (nova) LC;

II - Caso se entenda que a citada apreciação é legalmente admissível, qual a ordem pela qual devem ser cumpridas as duas penas, rectius, a nova pena e o remanescente que falta cumprir (da 1ª pena) em consequência da revogação da LC.

Mostram-se assentes os seguintes factos processuais:

1. No processo nº 119/01.0TBEVR do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da comarca de Évora, foi o arguido PA condenado na pena de 4 anos e 9 meses de prisão.

2. Foi colocado em LC em 18.11.2005 (½ da pena ocorrido em 03.08.2005).

3. O termo de tal pena (e, inerentemente, da LC) encontrava-se aprazado para 19.12.2007.

4. Por sentença do TEP de Évora de 16.11.2008, por violação das obrigações que lhe foram impostas na sentença que lhe concedeu a LC, foi-lhe revogada a liberdade condicional supra referida e determinada a “execução da pena de prisão ainda não cumprida, imposta no mencionado processo comum colectivo nº 119/01.0TBEVR, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Évora”. Faltar-lhe-ia cumprir o remanescente de 2 anos e 1 mês de prisão.

5. Iniciou o cumprimento do remanescente referido em 4. no dia 13.04.2011, constando da liquidação respectiva que atingirá o ½ de tal remanescente em 28.08.2012 (28.05.2012?), os 2/3 em 03.09.2012 e o termo em 13.05.2013.

Por factos ocorridos em 03.04.2011, o arguido foi julgado e condenado no processo sumário nº 419/11.1PBEVR do 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Évora na pena de 1 ano de prisão (decisão transitada em julgado no dia 19.05.2011).

B. Decidindo.

A - 1ª questão.

Vejamos, antes de mais, o quadro legal aplicável.

Artigo 63º[2]

Liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas

1 – Se houver lugar à execução de várias penas de prisão, a execução da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida quando se encontrar cumprida metade da pena.

2 – Nos casos previstos no número anterior, o tribunal decide sobre a liberdade condicional no momento em que possa fazê-lo, de forma simultânea, relativamente à totalidade das penas.
(…)

4 – O disposto nos números anteriores não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional.

Artigo 64º[3]
Regime da liberdade condicional

1 – É correspondentemente aplicável à liberdade condicional o disposto no artigo 52º, nos nºs 1 e 2 do artigo 53º, no artigo 54º, nas alíneas a) a c) do artigo 55º, no nº 1 do artigo 56º e no artigo 57º.

2 – A revogação da liberdade condicional determina a execução da pena de prisão ainda não cumprida.

3 – Relativamente à pena de prisão que vier a ser cumprida pode ter lugar a concessão de nova liberdade condicional nos termos do artigo 61º.

Interpretando atomisticamente o disposto no artº 63º, nº 4 cujo texto acima reproduzimos, Paulo Pinto de Albuquerque[4] afirma que ''[s]e uma das penas que cabe executar se tratar de pena resultante de revogação de liberdade condicional, ela deve ser cumprida por inteiro, não entrando na soma das penas que cabe cumprir.''

Será, contudo, assim?

Desde logo, cumpre assinalar que o texto da lei não afirma literalmente a exclusão de possibilidade de apreciação da LC em tais situações. Na verdade, a lei diz apenas que o disposto nos números 1 e 2 do artº 63º não é aplicável ao caso em que a execução da pena resultar de revogação da liberdade condicional e que estes números prescrevem é que, em caso de de execução sucessiva de duas ou mais penas, deve ser interrompido o cumprimento da 1ª ao seu ½[5], apreciando-se a LC relativamente à totalidade das penas quando em todas tal marco tiver sido atingido. Dir-se-á que, afastada legalmente a possibilidade de interrupção e apreciação conjunta das penas de cumprimento sucessivo quando uma delas resultar de revogação de LC, uma das hipóteses hermenêuticas possíveis é considerar que o remanescente para cumprir resultante de tal revogação não poderá usufruir de tal benefício.

Contudo, tal interpretação encontra o escolho sistemático resultante do disposto no artº 64º, nº 3, onde tal benefício é expressamente consagrado.

Como resolvê-lo?

Na óptica da decisão recorrida, devem distinguir-se dois tipos de situações:

I - ''aquelas em que, a par de remanescente de pena resultante de revogação da liberdade condicional, existe uma ou mais penas de prisão por cumprir sucessivamente por factos ocorridos depois da concessão da liberdade condicional;''

II - ''aquelas em que apenas está por cumprir o remanescente de pena (ou para além deste esteja ainda por cumprir outra(s) pena(s), mas por factos anteriores à concessão da liberdade condicional).

Relativamente ao primeiro tipo de situações acima definido, explica-se na decisão recorrida que as ''exigências de prevenção que estiveram na base da condenação e da própria concessão da liberdade condicional foram postas em causa de forma grave e o condenado frustrou o juízo positivo de prognose feito a propósito daquela concreta execução de que futuramente iria comportar-se forma socialmente responsável, sem praticar crimes'' e que tal circunstancialismo exclui uma nova apreciação da LC.

Relativamente a tal entendimento, pode ler-se em Acórdão desta Relação de 31.05.2011, proferido no Pº 1279/10.5TXEVR-F.E1 e disponível em www.dgsi.pt, o seguinte:

''Raciocínio interessante, sem dúvida, mas que esbarra numa dificuldade inultrapassável: nem no artº 64º (nº 3) nem em qualquer outra disposição legal se encontra normativo que permita fazer a distinção operada pela Mª juíza. E ubi lex non distinguit nec nos distinguire debemus.

Em qualquer dos casos, o raciocínio exposto é, em si mesmo, pouco convincente, salvo o devido respeito. Isto é: diz a Mª juíza que se o arguido volta a delinquir depois de lhe ser concedida a liberdade condicional, frustra o juízo de prognose positiva que a seu propósito foi formulado. Mas em que situações é que a liberdade condicional é revogada sem que, precisamente, o arguido cometa actos que frustram o tal juízo de prognose positiva? Então não é certo que a revogação da liberdade condicional opera nas mesmas situações em que se verifica a revogação da suspensão da pena de prisão (artº 56º, ex vi do artº 64º, nº 1, ambos do Cod. Penal)?

E não é esta revogação uma ultima ratio, a lançar mão na insuficiência das medidas previstas nas als. a) a c) do artº 55º (mais uma vez, ex vi do artº 64º, nº 1) do CP)?

Então se a revogação da liberdade condicional (como da suspensão da execução da pena) só ocorre quando se frustra o juízo de prognose favorável, porque razão se exclui a possibilidade de nova liberdade condicional no caso de a revogação ter ocorrido na sequência da prática de crimes e já não quando ocorre como consequência de infracção grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano de reinserção social?''.

São considerações que por inteiro subscrevemos. Acrescentaremos ainda o seguinte:

Por um lado, não nos parece inteiramente líquido que, atendendo aos fins prosseguidos com a concessão da LC (de prevenção especial positiva ou de socialização), a infracção grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos na decisão que a concedeu seja sempre e necessariamente mais grave do que a prática de todo e qualquer crime; ou por outro lado, que as diferenças entre os dois motivos de revogação possam justificar um tratamento legal tão acentuadamente díspar.

Por outro lado, em caso de revogação da LC em consequência da condenação (em pena de prisão) pela prática de crime (cfr. artº 56º, nº 1, b) ex vi do artº 64º, nº 1 do C. Penal), o cumprimento dos dois segmentos punitivos resultantes (ou seja, a ''nova'' pena e o remanescente ainda por cumprir da pena relativamente à qual foi concedida a LC ora revogada) já incorpora necessariamente um efeito punitivo acrescido resultante dessa revogação, ou seja, a exclusão da possibilidade de interrupção e apreciação conjunta dos aludidos segmentos punitivos. Acrescentar a tal efeito punitivo acrescido uma nova decorrência sancionatória traduzida no impedimento ope legis de nova apreciação da LC quanto ao aludido remanescente parece-nos violar o princípio da proporcionalidade. Com efeito, não nos esqueçamos que, com o alargamento (operado pela reforma de 2007) da apreciação da LC quanto a todo o tipo de crimes ao ½ da pena (cfr. artº 61º, nº 2 do C. Penal), o que pode significar que, numa pena de 25 anos de prisão, concedida a LC precisamente naquele marco temporal, o libertado ainda tem um remanescente de 12 anos e 6 meses[8] de prisão para cumprir. Em caso de revogação da LC, poderemos, pois, estar perante um segmento punitivo extremamente significativo, inclusive superior a 6 anos de prisão. A interpretação defendida no despacho recorrido impediria, nestes casos, a apreciação obrigatória da LC aos 5/6 da pena, nos exactos termos previstos no artº 61º, nº 4 do C. Penal, o que nos parece uma violência punitiva que a lei, de todo, não pretendeu.

Com efeito, entendemos que as razões que levaram o legislador a consagrar (no artº 64º, nº 3 do C. Penal) a possibilidade de concessão de nova LC em caso de revogação são razões de política criminal que se aplicam indistintamente a todas as situações de revogação, independentemente da sua etiologia: : ''se o resto da pena a cumprir é ainda por tempo que, se se tratasse de pena privativa de liberdade autónoma, justificaria a eventual concessão de liberdade condicional, não há qualquer razão para que esta seja excluída, tudo devendo depender do novo juízo de prognose que o tribunal haverá que efectuar.''[9]

Trata-se de uma solução que tem paralelo em diversos ordenamentos jurídicos: Em Espanha, onde as causas de revogação da LC são essencialmente idênticas[10] às do nosso país, muito embora (ao contrário da previsão do nosso artº 64º, nº 3) a lei seja omissa quanto à possibilidade de nova concessão de LC após uma revogação, tal omissão não ''fecha a porta a que, mais adiante, o condenado possa voltar a ser destinatário de uma nova liberdade condicional no que respeita à mesma pena''[11], não se estabelecendo qualquer distinção entre as diversas causas de revogação; idêntico entendimento é seguido pela doutrina alemã, onde também a lei é omissa quanto a tal possibilidade.[12]

Do exposto não flui, tanto no nosso ordenamento jurídico, como nos ordenamentos onde a lei é omissa mas a doutrina e jurisprudência admitem tal possibilidade, que a nova LC não seja de mais difícil concessão, o que é decorrência evidente de que o juízo de prognose favorável àquela deva ser especialmente fundamentado, em face da anterior falha do condenado: A este propósito, afirma Manuel Vega Alocén[13] que os requisitos legais e a aplicação prática do instituto, farão com que a concessão de nova LC seja ''muy difícil''. Contudo, aqui já estaremos no plano ope judicis, cabendo ao juiz avaliar os requisitos/pressupostos de que depende a concessão daquela.

Assim, em síntese, entendemos que é, in casu, legalmente admissível, relativamente ao remanescente da pena a que respeita a LC, a apreciação da possibilidade de concessão de (nova) LC.

No entanto, tal entendimento terá de ser articulado com a acima referida (consagrada no artº 63º, nº 4 do C. Penal) exclusão legal da possibilidade de apreciação conjunta dos dois segmentos punitivos em causa. É aqui que a expressão ''pode'' constante do artº 64º, nº 3 do C. Penal adquire (para além da assinalada na decisão recorrida dependência dos pressupostos e requisitos previstos no artº 61º) uma nova relevância, ou seja, pode existir nova concessão de LC se o juiz decidir que é mais favorável ao condenado a apreciação da LC quanto ao remanescente em detrimento da apreciação da mesma LC quanto à nova pena: de forma mais expressiva – uma vez que não é legalmente admissível a apreciação conjunta da LC quanto aos dois segmentos punitivos, o juiz deve escolher alternativamente em relação a qual vai apreciar aquela, ficando o outro, naturalmente, excluído. Esta alternatividade, legalmente imposta, não fere (ao invés do que se afirma na decisão recorrida), quanto a nós, o princípio da segurança jurídica. Com efeito, face a uma alternatividade que a lei impõe, das duas uma: ou se opta por uma solução de carácter absolutamente aleatório, como seja a da apreciação da LC apenas quanto ao segmento punitivo já em cumprimento ou aquele que diga respeito a uma condenação anterior; ou se procede a uma escolha de qual dos segmentos punitivos deverá beneficiar da apreciação da LC (em detrimento do outro). Uma vez que a primeira opção nos parece ser liminarmente de excluir, pois poderia conduzir ao tratamento diferenciado de situações idênticas, prejudicando uns e beneficiando outros, só a segunda opção se nos afigura válida.

Assim, procedendo o tribunal à escolha do segmento punitivo que deve beneficiar da apreciação da LC, ou o juiz opta por uma solução contra o condenado ou a favor do mesmo. Considerando que não se vislumbram quaisquer razões de política criminal que justifiquem qualquer tratamento intencionalmente desfavorável para o condenado, entendemos, que, se deve observar o princípio geral em matéria de execução de penas de adoptar a solução que lhe for concretamente mais favorável.[14]

A solução preconizada também não se afasta, no que respeita ao juízo de alternatividade a que aludimos, das razões que levaram o legislador a estabelecer o mecanismo legal que regula a sucessão de leis penais, sendo imposta, como é sabido, a aplicação do regime que concretamente se mostrar mais favorável ao arguido (cfr. artº 2º, nº 4 do C. Penal).

A escolha do segmento punitivo que (em exclusivo) deverá beneficiar de LC deve levar em conta, não só o quantum dos segmentos em causa, como também o momento temporal em que é efectuado o juízo.

Uma vez que os critérios a seguir se conexionam com a segunda questão a conhecer, sobre a mesma nos passaremos de imediato a debruçar.

B - 2ª questão.

Vejamos agora qual a ordem pela qual devem ser cumpridas as duas penas, ou seja, concretamente, a nova pena e o remanescente que falta cumprir (da 1ª pena) em consequência da revogação da LC.

Analisemos, pois, no caso dos autos, as duas opções possíveis (de acordo com o entendimento supra):

1ª opção – o recluso usufruirá da possibilidade de conhecimento da LC apenas quanto à nova pena (1 ano de prisão): Deverá, pois, continuar a cumprir o remanescente resultante da revogação da LC e, terminado tal cumprimento (em 13.05.2013) será então ligado ao processo da nova pena, onde lhe será apreciada a concessão da LC ao respectivo ½ , o que ocorrerá em 13.11.2013;

2ª opção - o recluso usufruirá da possibilidade de conhecimento da LC apenas quanto ao remanescente resultante da revogação da LC: Deverá, pois, ser desligado do respectivo processo - processo à ordem - (com efeitos retroactivos a 19.05.2011, data do trânsito em julgado da decisão condenatória na nova pena) e ligado ao processo em que foi condenado na nova pena (1 ano de prisão): cumprida integralmente esta (o que ocorrerá previsivelmente em 19.05.2012), será re-ligado do processo do remanescente resultante da revogação da LC, onde lhe será então apreciada a concessão da LC ao respectivo ½, o que (previsivelmente) ocorrerá em 28.04.2013.

Considerando que esta 2ª opção é claramente mais vantajosa para o recluso, será a mesma a observar.

O recurso é, pois, procedente.

3 - Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que desligue o recluso do processo à ordem (com efeitos retroactivos a 19.05.2011) e o ligue ao processo 419/11.1PBEVR, sendo que, cumprida integralmente a pena em que foi condenado neste último processo, será re-ligado do processo do remanescente resultante da revogação da LC, devendo aí ser apreciada a concessão da LC, quando atingir o respectivo ½.

Sem custas.

( Processado em computador e revisto pelo relator )

Évora, 07 de Fevereiro de 2012

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( Edgar Gouveia Valente )

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( José Felisberto da Cunha Proença da Costa )

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[1] - certo que esta expressão “pode” terá de ser interpretada no sentido de que a liberdade condicional a conceder dependerá sempre de prévio juízo e avaliação sobre a verificação em concreto dos respectivos pressupostos formais e substantivos, tal como previstos no art.º 61 do Código Penal. o entanto, a questão reside em saber quanto é que cabe fazer esse juízo, ou seja, como compatibilizar as normas contidas nos art.ºs 63 n.º 4 e 64 n.º 3 do Código Penal.

Parece-nos que terá estado no espírito da lei a necessidade de distinção de duas situações: aquelas em que, a par de remanescente de pena resultante de revogação da liberdade condicional, existe uma ou mais penas de prisão por cumprir sucessivamente por factos ocorridos depois da concessão da liberdade condicional; e aquelas em que apenas está por cumprir o remanescente de pena (ou para além deste esteja ainda por cumprir outra(s) pena(s), mas por factos anteriores à concessão da liberdade condicional).

Na verdade, se depois de beneficiar de uma liberdade condicional o condenado volta a delinquir, seja durante o período da liberdade condicional, seja depois, parece-nos evidente que as exigências de prevenção que estiveram na base da condenação e da própria concessão da liberdade condicional foram postas em causa de forma grave e o condenado frustrou o juízo positivo de prognose feito a propósito daquela concreta execução de que futuramente iria comportar-se forma socialmente responsável, sem praticar crimes. Deverá, pois, cumprir por inteiro o remanescente da pena que lhe fora aplicada, não merecendo tratamento diferente. Poderá, isso sim, beneficiar de liberdade condicional uma vez verificados os seus pressupostos, mas apenas relativamente à nova pena a executar.

[2] - Do C. Penal.
[3] - do CP

[4] - in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, página 217. Recorde-se que se trata de posição mencionada expressamente no despacho recorrido.

[5] - isto embora a lei não o diga expressamente, parece ser meridianamente claro que a referida interrupção deve ocorrer (rectius, ser determinada) quanto a todas as penas. Assim, quando se tratar de 3 penas de cumprimento sucessivo, deve ser interrompido o cumprimento ao ½ de duas delas, apreciando-se a LC conjuntamente quanto às 3 quando for atingido o ½ da terceira.

[6] - sublinhado e negrito da nossa autoria.

[7] - Idem.

[8] - Sendo certo que, a LC tem o limite de 5 anos, como prescreve o artº 61º, nº 5 do C. Penal.

[9] - Jorge de Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas/Editorial Notícias, Lisboa, 1993, página 550.

[10] - Nos termos do artº 93º do C. Penal Espanhol, se o réu delinquir (ou seja, praticar um crime) ou inobservar as regras de conduta impostas, o juiz de Vigilância Penitenciária revogará a liberdade concedida.

[11] - Josep-Maria Tamarit Sumalla e Outros in Curso de Derecho Penitenciario, Tirant Lo Blach, 2ª edição, Valencia, 2005, página 357.

[12] - Cfr. Jorge de Figueiredo Dias idem, ibidem.

[13] - La Libertad Condicional en el Derecho Español, Civitas, Madrd, 2001, página 282.

[14] - Como se afirma no Acórdão desta Relação de Évora a que acima aludimos, poderemos estar aqui perante o afloramento daquilo a que António Manuel Beirão (“Questões Práticas Sobre Contagem das Penas de Prisão” in Revista do Ministério Público, ano 25º, nº 100, 171 e seguintes) denomina de in dubio pro recluso. Para este autor tal princípio estará reflectido, por exemplo, no artº 479º, nº 1, al. a) do CPP “ao mandar libertar o condenado no último dia do mês, no caso de não existir dia correspondente”, ou na jurisprudência pacífica dos nossos tribunais superiores quando manda descontar um dia no cômputo da pena, em caso de detenção por períodos inferiores a 24 horas.