Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
18/15.9JASTB.E1
Relator: RENATO BARROSO
Descritores: TENTATIVA IMPOSSÍVEL
Data do Acordão: 09/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
A punibilidade da tentativa impossível depende da evidência ou não da impossibilidade do meio para produzir o resultado, sendo que a tal determinação preside um critério objectivo – saber se do ponto de vista de um homem médio, colocado na posição dos intervenientes na acção em apreço (agente e vítima), a inadequação do meio era visível, ou seja, se segundo as regras da experiência, observando a conduta do agente e considerando as demais circunstâncias concretas, inclusive tendo em conta os especiais conhecimentos do agente, se poderia concluir, de forma evidente, pela impossibilidade do meio para produzir o resultado – juízo de prognose póstuma ex ante.
Decisão Texto Integral:


ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE ÉVORA

1. RELATÓRIO


A – Decisão Recorrida


No processo comum com intervenção de tribunal singular nº 18/15.9JASTB, da Comarca de Setúbal, Juízo Local Criminal, Juiz 1, foi condenado o arguido (...), pela prática, com autoria material e na forma tentada, de um crime de burla qualificada, p.p., pelos Artsº 217 nsº1 e 2 e 218 nº2 al. a), por referência aos artsº 202 al. b), 22 e 23, todos do C. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.

B – Recurso

Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido, concluindo da seguinte forma (transcrição):

1. O Recorrente não pode de modo algum conformar-se com a sentença recorri da quanto à matéria a de direito e á sua aplicação aos factos provados;
2. Dos factos provados ressalta apenas a existência de fundos de investimento mobiliários que estavam associados à conta à ordem dos ofendidos;
3. Não consta dos autos a documentação de cada fundo que inclui os prazos necessários para antecipadamente poderem ser resgatados e convertidos em dinheiro;
4. Esses prazos constituem um requisito fundamental para a decisão do julgador uma vez que obstariam à concretização do propósito do arguido;
5. Ora, não se conhecendo os prazos de resgate antecipado dos mencionados fundos --que constituem juntamente com os próprios fundos o objeto essencial à consumação do crime-- não é possível determinar a existência desse objeto;
6. E a falta de determinação desse objeto é equivalente à sua inexistência o que impede a punição da tentativa. –art. 23-3, 2.a parte, CP;
7. É pelas características do concreto burlado --os funcionários bancários-- que se afere a idoneidade do meio enganador utilizado pelo agente;
8. Os destinatários dos telefonemas do arguido --os concretos burlados--, nos factos provados, foram os funcionários do banco Santander;
9. Que devem cumprir as normas impostas pelo banco e que constam da certidão j unta aos autos na audiência a de julgamento e para a qual se remete;
10. Delas constam, em primeira linha, os procedimentos mais rígidos que os funcionários devem seguir quando os telefonemas não são provenientes do número de telefone que se encontra registado na ficha de cliente do banco, como foi o caso dos autos;
11. Além disso, as normas em apreço são acrescidas dum procedimento adicional de segurança referido a fls.2/5, 6.° parágrafo, do documento constante da mencionada certidão
12. No qual se reproduz o seguinte: "Há ainda outro limite que pode despoletar um procedimento adicional de segurança, ou seja, caso a transferência a solicitada pelo cliente seja de montante superior a 2.000C, não pode ser realizada na primeira chamada e obriga a um callback, ou seja, o colaborador pede ao cliente que desligue e contacta-o de seguida para o número que está registado na ficha de cliente. Após atender, deverá passar pelo processo de validação de identidade (Nível I + Nível II) e só depois é registada a ordem. Desta forma conseguimos aumentar a segurança
13. Apesar de o arguido ter fornecido, pelo telefone --que, repete-se, não era o registado na ficha de cliente do banco--, dados corretos de identificação do ofendido, foi o cumprimento das normas do banco, tomadas no seu conjunto, pelos concretos funcionários bancários, com preparação adequada para o efeito, que conferiram a manifesta inaptidão do meio empregado pelo arguido e a inidoneidade dos atas praticados pelo arguido;
14. Os atos praticados pelo arguido são inidóneos e consubstanciam a inaptidão, no caso concreto, do meio empregado que é manifesta tendo em conta os concretos burlados funcionários bancários-- e as normas bancárias que cumpriram e que tornaram impossível a consumação do crime;
15. O que impõe, também por este motivo, a não punibilidade da tentativa. --arts. 22-2-b) e 23-3, 1.a parte, CP
16. A aplicação das penas e medidas de segurança visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. --art.40-1, CP
17. O arguido, nascido em 26/07/1962, faz este ano 59 anos de idade.
18. O arguido assumiu a prática dos factos constantes da acusação na sua totalidade e apresentou um pedido de desculpas ao ofendido (...) em sede de audiência de julgamento.
19. Desde 2010 que o arguido não regista o exercício de uma atividade laboral e ao sair em liberdade, pretende residir para a casa da progenitora, em Lisboa, e arrendar um anexo por forma a obter rendimentos para a sua subsistência;
20. Recebe acompanhamento psiquiátrico em contexto prisional subsistência e apresenta problemática de saúde mental, tendo-lhe sido diagnosticado quadro depressivo com ideação suicida, efetuando acompanhamento médico especializado;
21. Resulta das suas declarações proferidas em audiência de julgamento que o arguido foi usado por outrem na prática dos atos e assim tem ocorrido noutras situações em que foi condenado em pena de prisão por incitamento de outros que nem sequer foram identificados como arguidos ou acusados;
22. Dada a fragilidade que o arguido apresenta, considera-se conveniente e adequado que a melhor solução para a sua ressocialização será a suspensão da execução da pena de prisão a que foi condenado com sujeição a um regime de prova --arts. 50 e 53, CP;
23. Uma vez que o regime de prova assenta num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, durante o tempo de duração da suspensão. ­-art.53-3, CP;
24. Deve impor-se ao arguido o cumprimento dum plano de reinserção social com a imposição de deveres e obrigações que interessem ao plano de readaptação e ao aperfeiçoamento do sentimento de responsabilidade social do arguido. --art. 54-2, CP;
25. Doutro modo, o arguido regressará à liberdade após cumprimento da pena, seguramente mais velho e sem acompanhamento da reinserção social sendo presa fácil daqueles que o têm usado no cometimento de crimes;
26. Pelo que se entende que a melhor solução para a sociedade que se quer ver protegida e para o próprio arguido -- de acordo com o disposto no art.40-1, CP-- é a suspensão da execução da pena de prisão sujeita ao regime de prova;
27. A sentença em crise fez errada aplicação aos factos provados, violando entre outros, os arts. 22, 23, 40-1, 50, 53 e 54, todos do CP
Pelo exposto e pelo muito mais que resultar do douto suprimento de Vossas Excelências, deve dar-se provimento ao recurso, e em conformidade:
a) deve o arguido ser absolvido da prática do crime por que foi condenado por se tratar dum crime impossível e não serem idóneos os atos do arguido atentos os destinatários e normas a cuja obediência estão sujeitos;
e se, inesperadamente, não for assim entendido,
b) deve suspender-se a execução da pena de prisão a que foi condenado sujeitando-o a deveres e obrigações considerados adequados ao plano de readaptação e ao aperfeiçoamento do sentimento de responsabilidade social do arguido

C – Resposta ao Recurso

O M. P, junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso, defendendo o seu insucesso, com as seguintes conclusões (transcrição):

1. Nos presentes autos, foi o arguido condenado pela prática, em autoria material, na forma tentada, de 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 217.º n.º1 e 2 e 218.º, n.º2, alínea a), por referência aos artigos 202.º, alínea b), 22.º e 23.º do Código Penal na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.
2. Inconformado com esta decisão, dela veio o arguido interpor recurso, e, em síntese, considera que os actos praticados pelo arguido/recorrente são inidóneos e consubstanciam a inaptidão, no caso concreto, do meio empregado que é manifesta tendo em conta os concretos burlados funcionários bancários e as normas bancárias que cumpriram e que tornaram impossível a consumação do crime. O que impõe, no seu entendimento, também por este motivo, a não punibilidade da tentativa -arts. 22º, n.º 2, al. b) e 23º, n.º 3, 1.ª parte, CP.
3. Pugna ainda o recorrente pela suspensão da execução da pena de prisão sujeita a regime de prova, por considerar que é a melhor solução para a sociedade que se quer ver protegida e para o próprio arguido, de acordo com o disposto no art.40º, n.º 1 do CP.
4. Quanto à punibilidade da tentativa, concorda-se na íntegra com a fundamentação de direito realizada pelo Tribunal a quo. A manifesta inaptidão do meio empregado pelo agente e a manifesta inexistência do objeto essencial à consumação do crime - fatores de não punibilidade - são objetivamente aferidas, à luz das circunstâncias do caso, de acordo com as regras da experiência comum, segundo um juízo de prognose póstuma de um observador colocado, no momento da execução, na mesma situação do agente.
5. O meio é inepto quando seja claro, ostensivo, público ou evidente, não para o agente, mas para a generalidade das pessoas que não pode conduzir á consumação do crime.
6. Se assim não suceder, a inidoneidade, sendo relativa, não se inclui na previsão do n.º 3 do artigo 21.º do Código Penal, sendo a tentativa punível.
7. "A nossa lei equipara em geral e em princípio a tentativa inidónea à tentativa idónea: salvo quando a inaptidão dos meios ou a carência do objecto sejam manifestos, a tentativa continua a ser punível apesar de a realização do facto estar irremediavelmente destinada a não se consumar." - Jorge de Figueiredo Dias em Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais, A doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2.a edição, pág. 713.
8. Ora, tal como mencionado na sentença em crise, a factualidade praticada pelo arguido, à luz dos padrões comuns de vida, perante um juízo ex ante reportado ao momento da prática dos factos, para a generalidade das pessoas, conhecedoras das ditas circunstâncias, não resulta manifesto/ostensivo/patente que por via das aludidas chamadas telefónicas (no âmbito das quais chegou a fornecer dados verdadeiros do titular da conta em questão), o arguido não lograsse o resultado previsto no tipo incriminador e por si pretendido.
9. Tal como concluiu o Tribunal a quo, o meio utilizado pelo arguido não constitui um meio manifestamente inidóneo, à produção do resultado típico do crime de burla em apreço.
10. A conduta do arguido não configura uma tentativa absolutamente inidónea, motivo pelo qual a tentativa será punível.
11. Quanto à pena aplicada, releva desde logo negativamente os antecedentes criminais do arguido. As exigências de prevenção especial assumem particular relevância, desde logo atentos os extensos antecedentes criminais do arguido pela prática do mesmo tipo de crime em apreço nos presentes autos, ao todo dez condenações, em penas de prisão efetiva, encontrando-se o arguido atualmente preso em cumprimento de pena relativamente indeterminada.
12. Tal como apreciado pelo Tribunal a quo, releva ainda negativamente a circunstância de nos últimos anos em liberdade não ter registado qualquer integração no plano profissional e, mesmo em meio institucional, se encontrar inativo. De igual modo, constata-se a inexistência de suporte familiar suficientemente contentor que permita manter o arguido do mundo criminal, em face do falecimento da progenitora e da ausência dos dois filhos maiores na sua vida.
13. A análise conjugada de todos estes elementos, e que foi ponderada e realizada pelo Tribunal a quo, e com a qual se concorda, não permite formular um juízo de prognose favorável, no sentido de se poder considerar, com a mínima segurança exigível, que a simples censura e ameaça de prisão serão suficientes para assegurar as finalidades da punição.
14. Deste modo, por nenhuma razão assistir ao arguido, ora recorrente, deverá o recurso por si interposto ser julgado improcedente e, em consequência, manter-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto, que se pronunciou pela improcedência do recurso.
Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria) o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Na verdade e apesar do recorrente delimitar, com as conclusões que extrai das suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência, deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios previstos no nº2 do Artº 410 do CPP, mesmo que o recurso se atenha a questões de direito.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem, assim, da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº1 do Artº 379 do mesmo diploma legal.
In casu e cotejando a decisão em crise, não se vislumbra qualquer uma dessas situações, seja pela via da nulidade, seja ainda, pelos vícios referidos no nº2 do Artº 410 do CPP, os quais, recorde-se, têm de resultar do acórdão recorrido considerado na sua globalidade, por si só ou conjugado com as regras de experiência comum, sem possibilidade de recurso a quaisquer elementos que ao mesmo sejam estranhos, ainda que constem dos autos.
Efectivamente, do seu exame, não ocorre qualquer falha na avaliação da prova feita pelo Tribunal a quo, revelando-se a mesma como coerente com as regras de experiência comum e conforme à prova produzida, na medida em que os factos assumidos como provados são suporte bastante para a decisão a que se chegou, não se detectando incompatibilidade entre eles e os factos dados como não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Assim sendo, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida pela 1ª Instância sobre a matéria de facto.
Também não se verifica a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada (Artº 410 nº3 do CPP).
Posto isto, inexistindo qualquer questão merecedora de aferição oficiosa, o objecto do recurso cinge-se à alegação de que os factos provados não consubstanciam crime – mas antes, a prática de uma tentativa impossível – e, se assim não se entender, ao pedido de aplicação de uma pena de prisão que seja suspensa na sua execução.

B – Apreciação

Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra fixado, em termos factuais, pela instância recorrida.
Aí, foi dado como provado e não provado, o seguinte (transcrição):

III – Fundamentação de facto:
Factos Provados:
1) Os ofendidos (...) são cotitulares da conta à ordem n.º (…), do banco (…), sendo designadamente utilizadores da “Super Linha”, que corresponde ao canal telefónico daquele banco para realização de operações bancárias não presenciais pelos respetivos clientes.
2) À data de 21/01/2015, tal conta à ordem tinha associados os seguintes fundos de investimento:

Conta Fundos Fundo Saldo Valor Unitário
Santand 950,334498 € 5,2686
(…)Multicredito Unidades
Santmultitaxafix 364,737770 € 13,8992
(…)a Unidades
Santander 825,395777 € 6,0577
(…)Global Unidades
Select Dinamico 5.361,214957 € 5,2437
(…)Classe B Unidades
Select Moderado 8.811,370709 € 5,1963
(…)Classe B Unidades
Santo Acções 565,839288 € 27,0221
(…)Portugal Unidades
3) No dia 21/01/2015, a horas não concretamente apuradas, o arguido (…) efetuou três chamadas telefónicas para a “Super Linha” do banco Santander Totta, com o intuito de, e fazendo-se passar pelo ofendido (...), se apropriar de quantias monetárias associadas à conta n.º (…).
4) Assim, na primeira dessas chamadas, o arguido, e após se identificar como sendo “(...)”, referiu à funcionária do banco que pretendia saber se já tinha caído uma transferência na conta e qual o respetivo saldo.
5) Perante tal pretensão, a dita funcionária informou o arguido que teria de lhe colocar quatro questões de segurança, por forma a validar a sua identidade como sendo a do real titular da conta e ora ofendido (...).
6) Nesse contexto, começou por ser questionado ao arguido qual o seu número de bilhete de identidade e qual a sua data de nascimento, tendo o arguido respondido (…), respetivamente, dados esses que correspondem aos reais dados do ofendido (...).
7) De seguida, foi questionado ao arguido se sabia qual o saldo disponível da conta, tendo o arguido respondido que não, que isso era o que ele queria saber.
8) Por fim, foi perguntado ao arguido qual era o último movimento da conta, tendo o arguido respondido que não sabia, pois era a sua mulher (…) quem andava com o cartão da conta.
9) Entretanto, o arguido desligou o telefone.
10) Na segunda chamada, e após se identificar novamente como “(...)”, o arguido reiterou o propósito de saber qual o saldo da sua conta, ao que a funcionária do banco retorquiu com a necessidade de formular questões de segurança ao arguido, altura em que este desligou a chamada.
11) Na terceira e última chamada, e após se identificar mais uma vez como sendo “(...)”, o arguido referiu à funcionária do banco que pretendia saber se já tinha uma transferência na conta e qual o respetivo saldo.
12) Em face de tal solicitação, a referida funcionária perguntou ao arguido qual o seu NIF, tendo o arguido respondido (…), que corresponde ao real NIF de (...).
13) Em seguida, a mesma funcionária informou o arguido que teria de lhe colocar algumas questões de segurança, por forma a validar a sua identidade como sendo a do real titular da conta e ora ofendido (...).
14) Nesse contexto, começou por ser questionado ao arguido qual o seu número de bilhete de identidade e qual a sua data de nascimento, tendo o arguido respondido (…), respetivamente, dados esses que correspondem aos reais dados do ofendido (...).
15) Após, foi questionado ao arguido se sabia qual o saldo disponível da conta ou qual o último movimento realizado após 01/01/2015, tendo o arguido respondido que, segundo julgava, o último movimento da conta teria sido a 31/12/2014, no valor de € 3.000,00, não especificando, porém, se tal valor correspondia a um crédito ou a um débito.
16) Nessa sequência, foi depois questionado ao arguido se era titular ou fiador de crédito à habitação com o banco Santander, tendo o arguido respondido que não, após o que reiterou a sua pretensão em saber se já tinha caído na conta uma transferência no valor de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), a qual seria provinda de outro banco.
17) Para o efeito, o arguido perguntou à funcionária do banco se pretendia que ele lhe indicasse o NIB da conta, ao que aquela sugeriu que o arguido indicasse antes o número da conta, tendo então este indicado o seguinte número: (…), ressalvando, porém, a possibilidade de se estar a enganar.
18) Perante tal resposta do arguido, a funcionária do banco indicou-lhe então o saldo da conta titulada por (...), que era de € 4.896,11, após o que informou o arguido de que a tal transferência de € 25.000,00 não havia entrado na conta.
19) Nesse instante, e após fazer referência ao facto de ter aplicações financeiras associadas à dita conta, o arguido referiu à funcionária que precisava de liquidez para sinalizar um imóvel que havia adquirido para o filho, solicitando-lhe que movimentasse cerca de € 30.000,00 dos fundos de investimento para a conta à ordem, após o que o arguido passaria um cheque sobre tal conta.
20) Perante tal solicitação, a funcionária questionou o arguido qual o concreto fundo de investimento associado à sua conta que pretendia resgatar, tendo aquele respondido que poderia ser qualquer um, ou o que fosse menos penalizado.
21) Nessa altura, a funcionária reiterou a necessidade de o arguido indicar um concreto fundo para ser mobilizado, após o que, e perante a falta de resposta do arguido, aquela comunicou-lhe que não poderia realizar a operação em causa, pois que o acesso do arguido à “Super Linha” havia sido bloqueado, tendo assim o arguido que se dirigir a um balcão para realizar a dita operação.
22) Após ouvir tal informação, o arguido referiu que se deslocaria então a um balcão, desligando em seguida a chamada.
23) No dia 22/01/2015, da parte da manhã, o arguido efetuou uma chamada telefónica para o n.º fixo (…), da agência do Banco (…), após o que pediu para falar com o gerente.
24) Uma vez em contacto com o gerente, o arguido identificou-se como sendo “(...)”, indicando o número da conta de que este é titular e ainda o nome de utilizador do serviço NETBANCO associado à dita conta.
25) Fez ainda menção aos fundos de investimento associados à conta bancária em questão, referindo a sua correta designação comercial.
26) De seguida, e após anunciar a intenção de efetuar uma aplicação de dez milhões de euros em nova conta a abrir em tal agência, o arguido solicitou ao gerente que efetuasse o solicitado, nomeadamente o resgate dos ditos fundos na quantia global aproximada de € 40.000,00 (quarenta mil euros), que depois transferiria para outras contas por si tituladas ou por terceiros, procurando assim obter benefício económico a que sabia não ter direito e prejudicando os ofendidos em igual montante.
27) O arguido apenas não logrou alcançar os seus intentos por motivos alheios à sua vontade, nomeadamente por não saber responder cabalmente às questões de segurança que lhe foram colocadas pelos funcionários da Super Linha e, bem assim, por estes e o gerente da agência de Lisboa (…) terem suspeitado da real identidade do arguido.
28) Em tudo, agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida pela lei penal.
Mais se provou que:
29) O arguido manifestou atitude contrita.
30) Assumiu a prática dos antecedentes factos na sua totalidade.
31) Apresentou um pedido de desculpas ao ofendido (...) em sede de audiência de julgamento.
32) Tem dois filhos maiores, uma com 25 anos de idade e outro com 38 anos de idade, com os quais não mantém contacto.
33) Antes de estar preso vivia com a mãe.
34) Recebe acompanhamento psiquiátrico em contexto prisional.
35) Após sair em liberdade pretende ir residir para a casa da progenitora, em Lisboa e arrendar um anexo por forma a obter rendimentos para a sua subsistência.
36) Tem o 12º ano de escolaridade.
37) Encontra-se a cumprir pena indeterminada no âmbito do processo 1663/14.3PULSB, no estabelecimento prisional de Izeda.
38) O progenitor do arguido faleceu quando este contava 16 anos.
39) Em 2010, a filha mais velha do arguido faleceu, vítima de acidente de automóvel.
40) Desde 2010 que o arguido não regista o exercício de uma atividade laboral.
41) A progenitora do arguido faleceu em há cerca de três anos.
42) O arguido apresenta problemática de saúde mental, tendo-lhe sido diagnosticado quadro depressivo com ideação suicida, efetuando acompanhamento médico especializado.
43) O arguido mantém inatividade ocupacional em meio prisional.
44) Não beneficiou de visitas ao nível familiar uma vez que o apoio que apresentava era a sua progenitora, entretanto falecida.
45) Do certificado de registo criminal do arguido constam as seguintes condenações anteriores:
a. Por acórdão proferido em 11/02/2000, no âmbito do processo 10335/95.7JDLSB foi o arguido condenado pela prática de um crime de falsificação e de burla continuada, na pena única de dois anos de prisão suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, a qual foi declarada extinta em 19/03/2003;
b. Por sentença proferida em 15/02/2001, no âmbito do processo 8471/93.3JDLSB foi o arguido condenado pela prática de um crime de cheque sem provisão, na pena 90 dias de multa, num total 27.000$00 (vinte e sete mil escudos), a qual foi alvo de perdão na sua totalidade;
c. Por acórdão proferido em 20/07/2001, no âmbito do processo 87/98.4JDLSB, pela prática de um crime de burla qualificada e um crime de falsificação de documentos, na pena única de 6 anos de prisão;
d. Por decisão proferida em 31/05/2004, transitada em julgado em 01/06/2004, em cúmulo jurídico englobando as penas indicadas a) e b) foi o arguido condenado na pena única de 7 anos de prisão;
e. Por sentença proferida em 06/12/2007, transitada em julgado em 17/01/2008 proferida no âmbito do processo 427/01.0PATNV foi o arguido condenado pela prática em 11/2001 de um crime de burla qualificada na forma consumada e dois crimes de burla qualificada na forma tentada, na pena única de 5 anos de prisão efetiva, a qual foi declarada extinta por decisão proferida em 23/02/2011, transitada em julgado em 23/02/2011;
f. Por sentença proferida em 13/02/2008, transitada em julgado em 05/03/2009 proferida no âmbito do processo 146/01.8TAOER foi o arguido condenado pela prática em 2000 de um crime de burla qualificada na pena de 3 anos e 9 meses de prisão suspensa por igual período, com regime de prova e sujeita à condição de no prazo de 3 anos parar ao ofendido a quantia de €1.800,00 (mil e oitocentos euros), a qual foi declarada extinta por decisão proferida em 05/06/2014 e transitada em julgado em 05/03/2009;
g. Por acórdão proferido em 10/04/2014, transitado em julgado em 07/09/2015, no âmbito do processo 3628/11.0TDLSB, foi o arguido condenado pela prática em 10/09/2010 de um crime de falsificação ou contrafação de documento e um crime de burla qualificada, na pena única de 7 anos de prisão efetiva, a qual foi punida como pena relativamente indeterminada com um mínimo de 4 anos e 6 meses (mínimo) e um máximo 13 anos de prisão;
h. Por sentença proferida em 27/06/2016, transitada em julgado em 20/09/2016, no âmbito do processo 385/11.3JALRA, foi o arguido condenado pela prática em 19/09/2011 de um crime de burla qualificada, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;
i. Por sentença proferida em 10/02/2017, transitada em julgado em 13/03/2017, no âmbito do processo 1633/14.3PULSB foi o arguido condenado pela prática em 2014 de dois crimes de burla simples, um crime de burla na forma tentada e um crime de burla qualificada, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão;
j. Por sentença proferida em 17/05/2019, transitada em julgado em 21/06/2019, no âmbito do processo 58/15.8T9AND foi o arguido condenado pela prática em 19/03/2015 de um crime de burla qualificada na pena de 2 anos e 7 meses de prisão;
k. Por sentença proferida em 16/09/2020, transitada em julgado em 16/10/2020, no âmbito do processo 788/15.4PAENT foi o arguido condenado pela prática em 02/10/2015 de um crime de burla qualificada na pena de 3 anos e 4 meses de prisão;
l. Por decisão proferida em 21/12/2020, transitada em julgado em 02/02/2021, no âmbito do processo 438/15.9JDLSB, foi o arguido condenado pela prática de 6 crimes de burla informática e nas comunicações e 1 crime de burla informática e nas comunicações na forma tentada, na pena única de 5 anos de prisão;

Factos não provados:
Não existem factos por provar, com relevo para a decisão da causa.

Estabelecida a base factual pela sentença em análise, importa apreciar da bondade do peticionado pelo recorrente:

B.1. Da tentativa impossível

Defende o recorrente a não punibilidade da tentativa, nos termos dos Artsº 22 nº2 al. b) e 23 nº3, 1ª parte, ambos do C. Penal, porquanto os actos por si praticados são inidóneos à produção do resultado típico, tendo em conta a inaptidão do meio empregue, os concretos burlados funcionários bancários e as normas bancárias que cumpriram e que tornaram impossível a consumação do crime.
Sobre esta matéria, escreveu-se na decisão recorrida (transcrição):

No caso em apreço o arguido vem pronunciado pela prática do crime de burla qualificada na forma tentada.
Em sede de defesa o arguido pugna pela não punibilidade da tentativa, porquanto considera o meio inidóneo à produção do resultado típico. Sustenta a sua tese na circunstância de a atuação do arguido ter sido dirigida a funcionários bancários, pessoas com formação adequada “a não cederem à pretensão do arguido” e, adicionalmente, em sede de alegações invoca a impossibilidade da tentativa, porquanto de acordo com o manual de procedimentos de segurança do Banco (…), para movimentos superiores a €2.000,00 (dois mil euros), seria necessária confirmação da operação por via telefónica, para o número de telefone associado à aludida conta bancária, o que tornaria impossível, na sua ótica, concluir as operações pretendidas pelo arguido.
Neste quadro, impõe-se, pois, a apreciação jurídica do instituto da tentativa impossível e sua (im)punibilidade.
Dispõe o artigo 22.º, n.º1, do Código Penal, que existirá tentativa sempre que um agente praticar atos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se.
Haverá assim tentativa quando o facto iniciado, mas não terminado, integra atos de execução situados entre a fase de preparação e a da consumação de um determinado crime, cujo tipo subjetivo se encontra por inteiro preenchido, sendo que o tipo objetivo, só teve começo de execução (neste sentido vide Código Penal Anotado - Parte Geral e Especial, Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, Ed. Almedina, 2018, página 196 e seguintes).
No caso dos autos, resultou provado, além do mais, que o arguido (…), no dia 21/01/2015, a horas não concretamente apuradas, efetuou três chamadas telefónicas para a “Super Linha” do banco Santander Totta, com o intuito de se apropriar de quantias monetárias associadas à conta n.º (…), fazendo-se passar pelo ofendido (...). Na primeira dessas chamadas, o arguido, após se identificar como sendo (...), titular da aludida conta, referiu à funcionária do banco que pretendia saber se já tinha caído uma transferência na conta e qual o respetivo saldo, sendo que perante tal pretensão, a dita funcionária informou o arguido que teria de lhe colocar quatro questões de segurança, por forma a validar a sua identidade como sendo a do real titular da conta, ou seja (...).
Mais resultou apurado que nesse contexto, começou por ser questionado ao arguido qual o seu número de bilhete de identidade e qual a sua data de nascimento, tendo o arguido respondido (…), respetivamente, dados esses que correspondem aos reais dados do ofendido (...). De seguida, foi questionado ao arguido se sabia qual o saldo disponível da conta, tendo o arguido respondido que não, que isso era o que ele queria saber. Apurou-se ainda que de seguida foi perguntado ao arguido qual era o último movimento da conta, tendo o arguido respondido que não sabia, pois era a sua mulher, (…) quem andava com o cartão da conta, sendo que, entretanto, o arguido desligou o telefone.
Mais se apurou que na segunda chamada, e após se identificar novamente como (...), o arguido reiterou o propósito de saber qual o saldo da sua conta, ao que a funcionária do banco retorquiu com a necessidade de formular questões de segurança ao arguido, altura em que este desligou a chamada.
Resultou ainda apurado que na terceira e última chamada desse dia, após se identificar mais uma vez como sendo (...), o arguido referiu à funcionária do banco que pretendia saber se já tinha uma transferência na conta e qual o respetivo saldo.
Em face de tal solicitação, a referida funcionária perguntou ao arguido qual o seu NIF, tendo o arguido respondido (…), que corresponde ao real NIF de (...) e em seguida, a mesma funcionária informou o arguido que teria de lhe colocar algumas questões de segurança, por forma a validar a sua identidade como sendo a do real titular da conta, ou seja, o ofendido (...).
Apurou-se também que nesse contexto, começou por ser questionado ao arguido qual o seu número de bilhete de identidade e qual a sua data de nascimento, tendo o arguido respondido (…), respetivamente, dados esses que correspondem aos reais dados do ofendido (...). Após, foi questionado ao arguido se sabia qual o saldo disponível da conta ou qual o último movimento realizado após 01/01/2015, tendo o arguido respondido que, segundo julgava, o último movimento da conta teria sido a 31/12/2014, no valor de € 3.000,00, não especificando, porém, se tal valor correspondia a um crédito ou a um débito.
Apurou-se ainda que nessa sequência, foi depois questionado ao arguido se era titular ou fiador de crédito à habitação com o banco (…), tendo o arguido respondido que não, reiterando a sua pretensão em saber se já tinha caído na conta uma transferência no valor de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), a qual seria provinda de outro banco. Para o efeito, o arguido perguntou à funcionária do banco se pretendia que ele lhe indicasse o NIB da conta, ao que aquela sugeriu que o arguido indicasse antes o número da conta, tendo então este indicado o seguinte número: (…), ressalvando, porém, a possibilidade de se estar a enganar.
Mais se apurou que perante tal resposta do arguido, a funcionária do banco indicou-lhe então o saldo da conta titulada por (...), que era de € 4.896,11, tendo ainda informado o arguido de que a tal transferência de € 25.000,00 não havia entrado na conta.
Nesse instante, e após fazer referência ao facto de ter aplicações financeiras associadas à dita conta, o arguido referiu à funcionária que precisava de liquidez para sinalizar um imóvel que havia adquirido para o filho, solicitando-lhe que movimentasse cerca de € 30.000,00 dos fundos de investimento para a conta à ordem, após o que o arguido passaria um cheque sobre tal conta. Perante tal solicitação, a funcionária questionou o arguido qual o concreto fundo de investimento associado à sua conta que pretendia resgatar, tendo aquele respondido que poderia ser qualquer um, ou o que fosse menos penalizado.
Apurou-se ainda que nessa altura, a funcionária reiterou a necessidade de o arguido indicar um concreto fundo para ser mobilizado, após o que, e perante a falta de resposta do arguido, aquela comunicou-lhe que não poderia realizar a operação em causa, pois que o acesso do arguido à “Super Linha” havia sido bloqueado, tendo assim o arguido que se dirigir a um balcão para realizar a dita operação. Após ouvir tal informação, o arguido referiu que se deslocaria então a um balcão, desligando em seguida a chamada.
Provou-se também que no dia 22/01/2015, da parte da manhã, o arguido efetuou uma chamada telefónica para o n.º fixo (…), da agência do Banco (…), tendo pedido para falar com o gerente. Uma vez em contacto com o gerente, o arguido identificou-se como sendo (...), indicando o número da conta de que este é titular e ainda o nome de utilizador do serviço NETBANCO associado à dita conta e fazendo menção aos fundos de investimento associados àquela, referindo a sua correta designação comercial.
Mais se provou que de seguida e após anunciar a intenção de efetuar uma aplicação de dez milhões de euros em nova conta a abrir em tal agência, o arguido solicitou ao gerente que efetuasse o solicitado, nomeadamente o resgate dos ditos fundos na quantia global aproximada de € 40.000,00 (quarenta mil euros), que depois transferiria para outras contas por si tituladas ou por terceiros, procurando assim obter benefício económico a que sabia não ter direito e prejudicando os ofendidos em igual montante.
Por fim resultou ainda provado que o arguido apenas não logrou alcançar os seus intentos por motivos alheios à sua vontade, nomeadamente por não saber responder cabalmente às questões de segurança que lhe foram colocadas pelos funcionários da Super Linha e, bem assim, por estes e o gerente da agência de (…) terem suspeitado da real identidade do arguido.
Antes de mais refira-se que pese embora da matéria factual apurada resulte mais do que uma ação perpetrada pelo arguido, entendemos que, em todas elas, o mesmo atuou motivado por uma única resolução criminosa.
Com efeito, não se olvida que a última das quatro chamadas telefónicas tenha ocorrido no dia seguinte ao das antecedentes, todavia, uma análise dos factos a favor do arguido permite concluir que tal chamada ocorreu logo na manhã do dia seguinte, sendo de considerar que o arguido agiu movido pelo insucesso das tentativas frustradas de realização de transferências e ainda imbuído da mesma determinação, impondo-se a conclusão de que praticou um único crime de burla qualificada, na forma tentada.
Em face do exposto, impõe-se concluir que os elementos objetivos e subjetivos do tipo de ilícito do artigo 217.º, n.º1 e n.º2 e 218.º, n.º2, alínea a), por referência ao artigo 202.º, alínea b), na forma tentada, se mostram preenchidos, porquanto as condutas perpetradas pelo arguido e dadas como provadas consubstanciam, de forma inegável, o artifício pelo mesmo utilizado com o propósito, ainda que não concretizado, de enriquecer o seu património (ou o de terceiro), à custa do correspondente empobrecimento do património do ofendido (...).
Tais atuações preenchem assim o conceito de atos de execução, previsto na al. a), do n.º 2, do artigo 22.º, do Código Penal, sendo certo que o arguido só não logrou alcançar o resultado pretendido pela sua conduta, pelo facto de não saber responder cabalmente às questões de segurança que lhe foram sendo colocadas pelos funcionários da Super Linha e, bem assim, por estes e o gerente da agência de (…) terem suspeitado da real identidade do arguido.
Aqui chegados, a questão que se coloca perante tal circunstancialismo, é a de saber se a conduta do arguido está abrangida pelo n.º 3, do artigo 23.º, do Código Penal, ou seja, se é ou não punível.
No que ao presente caso importa, este preceito legal dispõe que a tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente. A inaptidão do meio significa inidoneidade ou inadequação.
A problemática da punibilidade da tentativa impossível e, sobretudo, os fundamentos de tal punibilidade têm dividido a doutrina, dando origem a várias teorias.
Uma, de natureza objetiva, defende que a razão de ser desta punibilidade se encontra exclusivamente no facto da conduta do agente colocar em perigo o bem jurídico tutelado pelo tipo, uma outra de pendor subjetivo, segundo a qual a justificação de tal punição reside na vontade ilícita do agente, e uma terceira, de natureza eclética, que surge de uma fusão das anteriores e que, tal como refere Jescheck, entende ser “fundamento da punição da tentativa a vontade contrária a uma norma de conduta, mas só se afirma o merecimento da pena da exteriorização da vontade dirigida ao facto quando com ela possa perturbar-se profundamente a confiança da coletividade na vigência do ordenamento jurídico, assim como o sentimento de segurança jurídica, e, consequentemente, resultar prejudicada a paz jurídica” – cfr. Tratado de Derecho Penal, parte General, 4.ª Edición, p. 465, tradução de José Samaniego, Ed. Comares, Granada, 1993.
Ainda nas palavras de tal autor, estaremos perante uma tentativa impossível, quando a ação dirigida à realização de um tipo penal não pode chegar à consumação nas circunstâncias respetivas, seja por razões fácticas seja por razões jurídicas, e que é de punir precisamente pela necessidade de infirmar uma vontade contrária ao direito e reafirmar o sentimento de segurança e paz na comunidade jurídica, posto em causa por tal vontade.
Assim, a manifesta inaptidão do meio empregado pelo agente e a manifesta inexistência do objeto essencial à consumação do crime – fatores de não punibilidade – são objetivamente aferidas, à luz das circunstâncias do caso, de acordo com as regras da experiência comum, segundo um juízo de prognose póstuma de um observador colocado, no momento da execução, na mesma situação do agente.
Neste conspecto, a idoneidade do meio é absoluta, quando, segundo as regras da experiência comum, a atividade do agente, no circunstancialismo concreto em que se desenvolveu, não é, com evidência, adequada a preencher o tipo legal de crime.
Se assim não suceder, a inidoneidade, sendo relativa, não se inclui na previsão do n.º 3 do artigo 21.º do Código Penal, sendo a tentativa punível.
No que se refere à própria inaptidão do meio, pronuncia-se com grande propriedade e clareza o Prof. Cavaleiro de Ferreira, que seguimos de perto quando afirma que “Há inidoneidade absoluta do meio quando este é por sua natureza inapto para produzir o resultado; há inidoneidade relativa se o meio em si mesmo idóneo ou apto se torna inapto pela maneira ou circunstâncias em que foi empregado. O Código Penal, nesta via, indica a inidoneidade absoluta qualificando-a como manifesta, enquanto a inidoneidade relativa – não manifesta, já não afeta a inidoneidade dos atos de execução essenciais ao facto ilícito na tentativa.”. Lições de Direito Penal, V. I, 1985, p. 272.
No mesmo sentido, considera-se ainda a posição de Germano Marques da Silva, quando afirma “A inidoneidade do meio pode ser absoluta ou relativa. É meio absolutamente inidóneo aquele que, por essência ou natureza, nunca é capaz de produzir o resultado. A inidoneidade é apenas relativa se o meio normalmente eficaz deixou de operar pelas circunstâncias em que foi empregado. Só o meio absolutamente inidóneo exclui a tentativa, configurando a tentativa inidónea ou impossível.” Direito Penal Português, Parte Geral, II,
Teoria do Crime, p. 237 e seguintes.
São estas as razões contidas no preceituado do referido artigo 23.º, do Código Penal.
Volvendo ao caso dos autos verifica-se que, efetivamente, por razões fácticas (não ter logrado ultrapassar, com sucesso, as questões de segurança que lhe foram sendo colocadas), não foi possível a consumação do crime projetado e pretendido pelo arguido.
Mas poder-se-á considerar o concreto meio utilizado pelo arguido, inidóneo? E se sim, poder-se-á afirmar tal inaptidão como manifesta?
Entendemos que a resposta será, necessariamente, negativa.
Na verdade, o meio utilizado pelo arguido para a prática do crime foi, como resulta claro da matéria de facto apurada, o recurso a um total de quatro chamadas telefónicas, três das quais para a “Super Linha”, serviço disponibilizado pelo Banco (…) aos seus clientes, tendo em vista a realização, por via telefónica, de duas operações bancárias num total de €40.000,00 (quarenta mil euros).
Ora, as circunstâncias descritas e à luz dos padrões comuns de vida, perante um juízo ex ante reportado ao momento da prática dos factos, para a generalidade das pessoas, conhecedoras das ditas circunstâncias, não resulta manifesto/ostensivo/patente que por via das aludidas chamadas telefónicas (no âmbito das quais chegou a fornecer dados verdadeiros do titular da conta em questão), o arguido não lograsse o resultado previsto no tipo incriminador e por si pretendido.
Assim, inequívoco se mostra, que o meio utilizado pelo arguido não constitui um meio manifestamente inidóneo, à produção do resultado típico do crime de burla em apreço, sendo, outrossim o meio adequado e acrescenta-se, o único no caso concreto, apto à produção desse mesmo resultado.
Com efeito, a circunstância de o manual de procedimentos de segurança do Banco Santander impor aos seus funcionários, a confirmação da operação que constitua movimento de valor superior a €2.000,00 (dois mil euros), por via telefónica, para o número de telefone associado à conta, em nada infirma a análise que vimos de fazer.
Em suma, no caso dos autos estamos, sem qualquer dúvida, perante uma situação que constitui uma tentativa punível, não enquadrável no n.º 3 do mencionado preceito legal, uma vez que o arguido desenvolveu uma atuação que, de acordo com o seu plano global, levaria à consumação do crime, apenas não se tendo verificado em razão de um obstáculo determinado pelo seu insucesso na resposta às questões de segurança que lhe foram sendo colocadas, obstáculo esse que surgiu já no decurso da sua atuação.
Consequentemente, a descrita conduta perpetrada pelo arguido não configura uma tentativa absolutamente inidónea - da prática de crime tipificado no n.º 1 do artigo 217.º do Código Penal - cuja punição se encontre, em princípio, excluída pelo artigo 23.º, n.º 3, do Código Penal, razão por que a tentativa será punível.
Por outro lado, o valor global de que o arguido se tentou apropriar com as suas condutas ascende a €40.000,00 (quarenta mil euros), o que excede, claramente as 200 Unidades de Conta. Preenche por isso, com a sua conduta a circunstância qualificativa prevista no artigo 218.º, n.º 2, alínea a), por referência à alínea b) do artigo 202.º, ambos do Código Penal
Assim, inexistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, concluímos que o arguido praticou em autoria material, na forma tentada, 1 (um) crime de burla qualificada, previsto e punível pelos artigos 217.º, n.º1 e 2 e 218.º, n.º2, alínea a), por referência aos artigos 202.º, alínea b), 22.º e 23.º do Código Penal pelo qual irá condenado.

Concorda-se, por inteiro, com a argumentação aduzida na decisão recorrida, que enquadra a situação dos autos de uma forma irrepreensível, quer pelas citações doutrinais, quer pela aplicação da lei ao caso concreto.
Nessa medida, apenas mais duas ou três palavras, em reforço da justeza do assim decidido.
Nos termos do Artº 22 nº1 do C. Penal, "há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se.", acrescentando o seu nº2 al. b) que "são actos de execução ... os que forem idóneos a produzir o resultado típico", ou seja, os que, segundo um juízo de normalidade, do ponto de vista do agente, são adequados a produzir o resultado.
Nos termos do Artº 23 nº3 do C. Penal, “a tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente", ou seja, a tentativa não é punível quando o meio utilizado for de forma evidente e objectiva inadequado à produção do resultado, pois que, em tais casos nem em termos abstractos o bem jurídico protegido pela incriminação é posto em causa.
De acordo com o acórdão do STJ de 07/01/98: "I- A inidoneidade do meio pode ser absoluta ou relativa. A primeira existe quando o meio for, por natureza, inapto para produzir o resultado. A segunda verifica-se quando, sendo o meio em si mesmo, idóneo ou apto, se torna inapto para produzir o resultado. II- Ao exigir-se, no n.º 3 do art. 23° do CP, que a inaptidão do meio seja manifesta, para que a tentativa não seja punível tem-se em vista a inidoneidade absoluta". (No mesmo sentido, vide Ac. STJ de 12-4-2000, SASTJ, n.º 40, pág. 47, e Ac. STJ de 1-6-2000, SASTJ, n.° 42, pág. 61).
Assim sendo, a punibilidade da tentativa impossível depende da evidência ou não da impossibilidade do meio para produzir o resultado, sendo que a tal determinação preside um critério objectivo – saber se do ponto de vista de um homem médio, colocado na posição dos intervenientes na acção em apreço (agente e vítima), a inadequação do meio era visível, ou seja, se segundo as regras da experiência, observando a conduta do agente e considerando as demais circunstâncias concretas, inclusive tendo em conta os especiais conhecimentos do agente, se poderia concluir, de forma evidente, pela impossibilidade do meio para produzir o resultado – juízo de prognose póstuma ex ante.
Como sublinha Maia Gonçalves, in Código Penal anotado, 16.ª ed., pág. 125/126, "... a inidoneidade do meio ou carência do objecto, salvo nos casos em que são manifestas, não constituem obstáculo à existência de tentativa". Mais acrescenta, acerca do disposto no Artº 23 nº3, “…(a tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objecto essencial à consumação do crime) que "a substituição de aparentes por manifesta, efectuada após discussão na comissão revisora, visou significar que a inidoneidade do meio ou a carência do objecto não devem ser aferidas através daquilo que o agente representa, mas sim através das regras da experiência comum ou da causalidade adequada, portanto objectivamente, segundo o critério da generalidade das pessoas.
Na denominada tentativa impossível, através dos actos de execução praticados, o agente cria um perigo objectivo, embora aparente, que desencadeia ou pode desencadear alarme ou intranquilidade na comunidade e é isso que lhe confere dignidade punitiva.
A punição da tentativa impossível depende, nos termos do nº3 do Artº 23 do C. Penal, da inexistência do objecto essencial à consumação do crime ou da inaptidão do meio utilizado pelo agente serem manifestas, à data da prática do facto ilícito.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 113, o sistema penal prevê a punição da tentativa impossível quando, segundo um juízo ex ante, de prognose póstuma, existir um bem jurídico em perigo e o meio usado pelo agente for apto para o atingir, fazendo relevar o desvalor da acção em virtude do abalo causado na confiança da comunidade.
Este conceito de manifesto é, então, sinónimo de claro, ostensivo, público ou evidente, não para o agente, mas para a generalidade das pessoas, posto que o primeiro tem que estar convencido da idoneidade do meio, sem o que não é possível imputar-lhe a intenção de cometer o crime; sendo assim, este juízo sobre a aptidão ou inaptidão do meio é um juízo objectivo.
In casu, provou-se que o arguido recorreu a um total de quatro chamadas telefónicas, três das quais para a “Super Linha”, serviço disponibilizado pelo Banco (…) aos seus clientes, tendo em vista a realização, por via telefónica, de duas operações bancárias num total de €40.000,00 factualidade, que, à luz dos padrões comuns de vida, perante um juízo ex ante reportado ao momento da prática dos factos, para a generalidade das pessoas, conhecedoras das ditas circunstâncias, não é manifesta, ostensiva, ou patente que por via das aludidas chamadas telefónicas (no âmbito das quais chegou a fornecer dados verdadeiros do titular da conta em questão), o arguido não lograsse o resultado por si pretendido e previsto no tipo incriminador.
Esta conclusão não é afectada pela circunstância de o manual de procedimentos de segurança do Banco (…) impor aos seus funcionários a confirmação da operação que constitua movimento de valor superior a € 2.000,00, por via telefónica, para o número de telefone associado à conta, na medida em que a actuação desenvolvida pelo arguido, de acordo com o seu plano global, levaria à consumação do crime, o que apenas não conseguiu por motivos alheios à sua vontade, ou seja, por não ter conseguido responder, com acerto e sucesso, às questões de segurança que lhe foram sendo colocadas, obstáculo este, que surgiu, aliás, já no decurso da sua atuação.
Assim e segundo um juízo de normalidade, o meio utilizado não era, de forma evidente e objectiva, manifestamente inadequado à produção do resultado, nem em termos abstractos o bem jurídico protegido pela incriminação não foi posto em causa, situação que, a verificar-se, afastaria efectivamente a punibilidade da tentativa, sendo imperioso concluir, como acertadamente o fez o tribunal a quo, que a conduta do arguido não configura uma tentativa absolutamente inidónea à produção do resultado típico do crime de burla qualificada em apreço, pelo que a sua punição, não se tratando de uma inidoneidade absoluta do meio, não está excluída, nos termos do nº3 do Artº 23 do C. Penal.
Bem andou, pois, o tribunal recorrido, na condenação do arguido pelo crime que lhe era imputado, na forma tentada, improcedendo, por isso, nesta parte, o recurso.

B.2. Da alteração da pena

Sustenta ainda o recorrente, que a entender-se pela existência de crime, deve ser condenado numa pena de prisão suspensa na sua execução, tendo em conta as suas condições pessoais, a circunstância de ter assumido os factos, apresentado um pedido de desculpas ao ofendido e revelar fragilidades a nível mental cujas eventuais consequências seriam melhor protegidas com a suspensão da execução da pena acompanhada de regime de prova.
Sobre a escolha da pena, escreveu-se na decisão recorrida (transcrição):
V. Escolha e determinação da Pena:
A determinação da pena (em sentido amplo), comporta três operações distintas, a primeira correspondendo à determinação da moldura abstrata da pena, a segunda à escolha da pena, (quando o crime for punível, em alternativa, com pena privativa e não privativa da liberdade) e a terceira, à determinação concreta da pena.
Estabelece o artigo 70º do Código Penal que “Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
A moldura abstrata da pena aplicável ao crime de burla qualificada na forma tentada pelo qual vem o arguido acusado é de 1 mês de prisão até 5 anos e 6 meses de prisão, conforme resulta das disposições conjugadas dos artigos 217.º, n.1 e n.º2, 218.º, n.º2, alínea a), por referência ao artigo 202.º, alínea b), artigo 22.º e 23.º e ainda, artigos 41.º, n.º1 e artigo 73.º, n.º1, alíneas a) e b), todos do Código Penal.
Todavia, o Ministério Público usou da faculdade prevista no artigo 16.º, n.º3 do Código Penal, razão por que o limite máximo da moldura abstrata da pena aplicável se situa nos 5 (cinco) anos.
Uma vez que o crime em apreço é punido apenas com pena de prisão, não haverá lugar à operação de escolha da pena.
No domínio da determinação concreta da pena importa ter em consideração que aliado às finalidades de prevenção, se acha o princípio “nulla poena sine culpa”, ínsito no nº2 do artigo 40º do Código Penal, que impõe que “em caso alguma a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”
A culpa e as finalidades de prevenção são assim os critérios imperativos a atender, aquando da determinação da medida concreta da pena. A este propósito ensina Figueiredo Dias que “o processo de determinação da pena é (e só pode ser) um puro derivado da posição tomada pelo ordenamento jurídico-penal em matéria de sentido, limites e finalidades da aplicação das penas.”
Convoca-se assim a ideia de Culpa como limite inultrapassável da pena, (cfr. artigo 71º, nº1 do Código Penal).
Neste particular ensina ainda Figueiredo Dias que “A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efetivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar” – cfr. Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pág. 109 e seguintes.
Aqui chegados importa referir que, na determinação da pena concreta, os factos que cumprirá considerar, serão todos aqueles que, não havendo sido já tomados de antemão pelo legislador para a definição da moldura penal do crime, depuserem a favor do arguido ou contra ele, porquanto tal redundaria numa dupla valoração (bis in idem), inadmissível à luz do nosso ordenamento jurídico-criminal, (cfr. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, Coimbra, pp. 232 e seguintes).
O artigo 71º, nº2 do Código Penal elenca, a título exemplificativo, alguns desses elementos a tomar em consideração, designadamente o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente e a sua situação económica; a conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando esta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Atentas as considerações tecidas supra, temos que ao crime de burla qualificada na forma tentada corresponde uma moldura abstrata de pena de prisão de 1 mês até 5 anos e (cfr. n.º3 do artigo 16.º do Código Penal), daqui partiremos para, de acordo com os critérios que vimos de enunciar, determinar qual a pena concreta a aplicar ao arguido.
No que concerne ao grau de ilicitude, tem-se o mesmo por elevado em razão dos valores em causa e de que o arguido tentou apropriar-se, que ascendem ao montante global de €40.000,00 (quarenta mil euros).
Também o grau de culpa, é elevado uma vez que o arguido atuou com dolo direto.
As exigências de prevenção geral são muito elevadas, exigindo-se dos tribunais uma sensibilidade acrescida em prol da preservação da credibilidade das normas, tendo em conta sobretudo, a frequência com que este tipo de crimes são praticados e a necessidade de desincentivar eficazmente a sua comissão.
Por seu turno as exigências de prevenção especial assumem, in casu, particular relevância desde logo atentos os, já extensos, antecedentes criminais do arguido pela prática do mesmo tipo de crime em apreço nos presentes autos, ao todo dez condenações, todas elas em penas de prisão efetiva, encontrando-se o arguido atualmente preso em cumprimento de pena relativamente indeterminada.
A persistência na adoção de condutas criminais da mesma natureza da que nos ocupa nos presentes autos, denota uma total ausência por parte do arguido de consciencialização da necessidade de conformar a sua conduta com as normas jurídicas, sendo reveladora de uma personalidade antijurídica.
Por seu turno, sem prejuízo da sua atual situação de reclusão, resultou apurado que o arguido não se encontra inserido social, familiar ou profissionalmente, circunstâncias que acentuam os riscos de reincidência em práticas criminais semelhantes.
Não obstante, a favor do arguido milita a circunstância de ter manifestado atitude contrita e ter confessado os factos de forma integral e sem reservas e o facto de ter dirigido um pedido de desculpa ao ofendido.
Pelo exposto, atentos os factos provados, o limite máximo consentido pelo grau de culpa do arguido, os princípios político-criminais da proporcionalidade e necessidade, consideramos justo e adequado condenar o arguido na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão pela prática do crime de burla qualificada, na forma tentada, pelo qual vinha pronunciado.

Da suspensão da pena de prisão
Tendo em conta a medida da pena de prisão aplicada, não se mostra a mesma passível de substituição, todavia, e uma vez que não excede os cinco anos, cumpre aferir da sua eventual suspensão, de acordo com o preceituado no artigo 50.º do Código Penal.
A este propósito, refere o artigo o artigo 50º, nº 1 do Código Penal que: “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”.
Mais resulta do seu nº 5 que: “o período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.”
Ora, o instituto da suspensão da execução da pena traduz-se numa “medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, pelo que é necessário que, reportando-se ao momento da decisão, se possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição” -cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Janeiro 2005, Processo nº 150/05.5 (Relator Simas Santos, acessível em www.verbojuridico.net).
Assim, o Código Penal “(...) traça, confessadamente, um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem ser executadas com um sentido pedagógico e de ressocialização (cfr. artigo 43.º), objetivo que a existência da própria prisão parece comprometer (...)” (cfr. Leal Henriques e Simas Santos, in “Código Penal Anotado”, I Volume, Rei dos Livros, 1996, página 639)
Por outro lado, a suspensão da execução da pena não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os
respectivos requisitos legais.
Obrigando o tribunal, com base na matéria de facto provada e/ou de que lhe compete conhecer, à formulação, ope judice, de um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento do arguido, no futuro, e sobre se a suspensão realiza, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, tendo em vista a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime, as circunstâncias do crime, tal como emergem do quadro factual apurado nos autos.
Assim, na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose favorável ao agente, baseada num risco prudencial. A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal com o apelo, fortalecido pela ameaça de executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se reintegrar na sociedade.
O tribunal deve estar disposto a assumir um risco prudente; mas se existem sérias dúvidas sobre a capacidade do condenado para compreender a oportunidade de ressocialização que se oferece, a prognose deve ser negativa, o que supõe, de facto, um in dubio contra reo” – cfr. Jeschek, Tratado de Direito Penal, Parte Geral, 2º vol., p. 1152, ed. espanhola.
Como salientou o AC. do STJ de 25 de Junho de 2003, Col. Jur. Acs do STJ , ano XXI, tomo II, 2003, p. 221, “Sendo certo que o juízo de prognose não deve assentar necessariamente numa «certeza», bastando uma «expectativa» fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e, consequentemente, a ressocialização em liberdade do arguido” – cfr. Ac. STJ de 08.07.1998, CJ/STJ, tomo II/98, p. 237.
Feitas estas considerações e vertendo ao caso dos autos, tendemos, necessariamente a recordar as considerações tecidas supra no que tange às circunstâncias que depõem contra o arguido.
Com efeito, na ponderação da suspensão da pena de prisão aplicada, releva desde logo negativamente o passado criminógeno do arguido, patente nas condenações registadas no seu certificado de registo criminal, tanto mais que se encontra atualmente a cumprir pena de prisão pela prática de crime de idêntica natureza.
Necessariamente, releva ainda negativamente a circunstância de nos últimos anos em liberdade não ter registado qualquer integração no plano profissional e, mesmo em meio institucional, se encontrar inativo. Ainda com ressalva de que tal inatividade em meio prisional possa, eventualmente, decorrer de causas alheias à sua vontade, mostra-se inequívoco, em todo o caso, que o arguido não tem quaisquer perspetivas de inserção laboral em caso de libertação.
De igual modo, constata-se a inexistência de suporte familiar suficientemente contentor que permita manter o arguido do mundo criminal, em face do falecimento da progenitora e da ausência dos dois filhos maiores na sua vida.
A análise conjugada de todos estes elementos não permite ao tribunal formular, na presente data, um juízo de prognose favorável, no sentido de se poder considerar, com a mínima segurança exigível, que a simples censura e ameaça de prisão serão suficientes para assegurar as finalidades da punição, pelo que se decide não suspender a pena de prisão.
Na verdade, entendemos que só a execução da pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão em reclusão, é suscetível de assegurar a defesa da sociedade e de prevenir a prática de crimes pelo arguido, o que se decide.

Como se sabe, na determinação da pena concreta, importa ter em conta, nos termos do Artº 71 do C. Penal, as necessidades de prevenção geral e especial que nos autos se imponham, bem como, as exigências de reprovação do crime, não olvidando que a pena tem de ser orientada em função da culpa concreta do agente e que deve ser proporcional a esta, em sentido pedagógico e ressocializador.
Como ensina Figueiredo Dias in Direito Penal, Parte Geral, Tomo 2, As consequências jurídicas do crime. 1988, pág. 279 e segs:
As exigências de prevenção geral, ... constituirão o limiar mínimo da pena, abaixo do qual já não será possível ir, sob pena de se pôr em risco a função tutelar do Direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada;
As exigências de culpa do agente serão o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, por respeito ao princípio politico-criminal da necessidade da pena (Artº 18 nº2 da CRP) e do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (consagrado no nº1 do mesmo comando).
Por fim, as exigências de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão determinar, em último termo e dentro dos limites referidos, a medida concreta da pena
Importa ainda ter em conta que:
A função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.
O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.
O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.
Dentro destes dois limites, situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.
Ainda, embora com pressuposto e limite na culpa do agente, o único entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela de bens jurídicos e, (só) na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade” (Cf. Anabela Miranda Rodrigues, RPCC, Ano 12º, nº 2, pág. 182).
No que concerne à concreta pena encontrada pelo tribunal recorrido – 2 anos e 8 meses de prisão – não parece que a mesma mereça qualquer censura, tendo em conta a gravidade do crime cometido, o nível da ilicitude, o grau de censura, o dolo directo e as razões de prevenção geral e especial que no caso concorrem.
Por outro lado, a premência das razões de prevenção geral decorrentes do aumento dos crimes de burla é algo tão público e notório – pelo menos para quem anda todos os dias pelos tribunais – que dispensa considerações complementares, sob pena da comunidade começar a desenhar as punições penais com olhar condescendente.
Acresce, que em sede de prevenção especial, o recorrente parece esquecer-se do seu passado criminal, na medida em que, a este nível, anotam-se dez condenações, só por crimes de burla, simples ou qualificada, que nada valeram ao ora recorrente, que persistiu em cometer crimes, designadamente, de burla, ainda que, agora, na forma tentada, estando, neste momento, em cumprimento de uma pena de prisão relativamente indeterminada pela prática de crimes contra o património.
Nessa medida, nenhuma censura há a fazer ao tribunal a quo, na determinação da pena concreta, situada pouco acima do limiar médio da respectiva moldura abstracta e que se configura como justa e proporcional às circunstâncias do caso concreto, à gravidade do crime, à dimensão da ilicitude, e à culpa do arguido.
De igual modo, não suscita crítica a escolha do tribunal recorrido em ter optado que tal pena fosse efectiva, pois outra solução não era possível, atento o quadro que se descreveu.
Nem se diga que a aplicação de uma pena efectiva de prisão enviará o arguido para o caminho do crime, na medida em que este está nesse caminho há vários anos, apesar das sucessivas advertências que lhe foram feitas, estando assim por demonstrar que se encontra em fase de recuperação.
É certo que o arguido assumiu os factos e até apresentou um pedido de desculpas ao ofendido, mas essas circunstâncias não são suficientes para se desenhar, com a certeza e segurança necessárias, um juízo de prognose favorável, sendo que as exigências de prevenção geral e especial que no caso concorrem, não se podem bastar com outra decisão que não seja o cumprimento efectivo, em meio prisional, da pena em que o arguido foi condenado.
O muito significativo passado criminal do arguido, com inúmeras condenações em penas de prisão efectiva pela prática de factos similares ao dos autos, acentuam a impressão de uma personalidade desviante, com desrespeito pelo património de terceiro e dificuldade em pautar o seu comportamento para com os padrões legais, tornando-se claro que a simples censura do facto e a ameaça da pena não realizam, adequada e suficientemente, as finalidades da punição.
Por outro lado, como bem nota a sentença sindicada, releva ainda negativamente a circunstância de nos últimos anos, em liberdade, não ter registado qualquer integração no plano profissional e, mesmo em meio institucional, se encontrar inativo, constatando-se ainda a inexistência de suporte familiar suficientemente contentor que permita manter o arguido longe do mundo criminal, em face do falecimento da progenitora e da ausência dos dois filhos maiores na sua vida.
Nenhum elemento nos autos permite afirmar, com a segurança necessária, de forma a convencer quem o julga, que o arguido interiorizou o desvalor social da sua conduta e que, tendo consciência da sua culpa, irá arrepiar caminho, regulando as suas condutas futuras pela convergência com os valores comunitários.
Só com uma crença irrazoável na recuperação do delinquente – por não se conseguir apoiar em factos – é que é sustentável defender a suspensão da execução da pena em situações como a dos autos.
Numa palavra, não se vê, na factualidade dada por assente, uma base que permita concluir, minimamente, que a suspensão da execução da pena de prisão satisfaça, com firmeza, as exigências de prevenção geral e especial que nos autos se desenham, quer na perspectiva primacial da recuperação do arguido, quer em relação à protecção de terceiros, atenta a fraca potencialidade de reinserção social que o ora recorrente vem revelando.
Ao contrário, outra solução não poderá haver, que não seja, a aplicação da uma efectiva pena de prisão, o que leva, inevitavelmente, à improcedência do recurso.

3. DECISÃO

Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e em consequência, manter, na íntegra, a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça, atendendo ao trabalho e complexidade das questões suscitadas, em 3 UC, ao abrigo do disposto nos Arts 513 nº 1 e 514 nº 1, ambos do CPP e 8 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa.
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Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos signatários.
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Évora, 21 de Setembro de 2021
Renato Barroso (Relator)
Maria Fátima Bernardes (Adjunta)
(Assinaturas digitais)