Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
500/09.7IDSTB.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
ABSOLVIÇÃO
SITUAÇÃO ECONÓMICA E FINANCEIRA DO ARGUIDO
Data do Acordão: 06/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
I - Estando o arguido, na prática, impedido de proceder à entrega do IVA, em virtude de um arresto dos ativos da sociedade (entre eles as contas bancárias da mesma), não pode considerar-se que o aquele, ao não cumprir as suas obrigações fiscais, nesse momento e por esse motivo, tenha atuado voluntariamente (e sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei).

II - Não havendo punição (não sendo, pois, necessário proceder às operações de escolha da pena, de determinação da medida concreta da pena, ou de determinação da taxa diária da pena de multa eventualmente a aplicar), carece de relevo a omissão na sentença de factos relativos à situação económico-financeira dos arguidos, omissão que, por conseguinte, não configura a existência de qualquer nulidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:


I - RELATÓRIO

Nos autos de Processo Comum (Tribunal Singular) nº 500/09.7IDSTB, do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Setúbal, após audiência de discussão e julgamento, foi decidido:

“Pelo exposto, o tribunal julga a acusação deduzida pelo Mº Pº totalmente improcedente e, em consequência, decide:

a) Absolver a arguida, “A. E FILHO, Ldª, da prática, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelos artºs 7º nº 1 e 105º nºs 1, 2 e 4, do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n° 15/2001, de 5 de Junho.

b) Absolvero arguido, A, da prática, em autoria material, de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artº 105º nºs 1, 2 e 4, do Regime Geral das Infrações Tributárias, aprovado pela Lei n° 15/2001, de 5 de Junho.

Sem custas, por a elas não haver lugar”.
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O Ministério Público, inconformado, interpôs recurso, apresentando as seguintes (transcritas) conclusões:

“1. A decisão recorrida absolveu os arguidos da prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo art.º 105.º, n.º 1, do RGIT pelo qual se encontravam acusados.

2. Ora, do texto dessa decisão não é possível descortinar o procedimento seguido pelo Mmo. Juiz “a quo” na formação da decisão, devendo, por tal, ser considerada nula, por falta de exame crítico da prova, nos termos do preceituado nos art.ºs 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a), ambos do Cód. Proc. Penal e, em consequência, o tribunal recorrido proceder à reparação desse vício.

3. Caso assim não se entenda, sempre, a nosso ver, a sentença recorrida padece, desde logo, do vício elencado na alínea b) do art.º 410.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal (erro notório na apreciação da prova).

4. Com efeito, ao dar como provado que o arguido liquidou e recebeu, a título de IVA, nos pagamentos de serviços aos seus clientes e após efetuar as deduções a que a sociedade que representava tinha direito, o valor total de € 10.302 (dez mil, trezentos e dois euros) referentes às faturas elencadas no quadro constante da peça acusatória, não poderia, com base na prova produzida, deixar de dar, igualmente, como provados os factos descritos nos pontos i), ii) e iii) supra transcritos.

5. A prova do elemento subjetivo do ilícito extrai-se precisamente de toda a factualidade objetiva, em decorrência lógica da mesma e da inexistência de factualidade comprovadora de elementos ou circunstâncias que a excluam ou a justifiquem.

6. Revelando-se inócua, para este efeito, a existência de um crédito da sociedade arguida relativamente a um dos seus clientes e a circunstância de tal crédito ter sido reclamado em ação própria ou atinente a um procedimento cautelar de arresto, intentado pela Adega Cooperativa de Palmela CRL contra a sociedade arguida no âmbito do qual foram arrestados todos os ativos desta (factualidade que não se extrai de nenhum elemento de prova), circunstâncias que, quanto muito, poderiam, relevar, para efeito de determinação concreta da medida das penas a aplicar.

7. Tendo em conta a matéria dada como provada e ante a alternatividade das penas previstas no art.º 105.º, n.º 1, do RGIT, tendo em conta o preceituado nos art.ºs 70.º e 71.º, do Código Penal e, afigura-se justa e adequada a aplicação, ao arguido, de pena de multa não inferior a 140 (cento e quarenta) dias.

8. Porém, dada a inexistência de elementos fácticos carreados para os autos respeitantes às condições de vida do arguido - e da atual situação da sociedade arguida - não dispõe o tribunal de elementos fácticos bastantes que o habilitem a ponderar acerca da determinação da taxa diária a aplicar.

9. O que impõe que se conclua pela existência de outra nulidade da sentença, por falta de fundamentação, nos termos do preceituado nos art.ºs 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a), ambos do Cód. Proc. Penal, cumprindo ao tribunal proceder à reparação deste vício, designadamente ordenando a realização de um conjunto de diligências que se lhe afigurem necessárias a habilitá-lo a decidir sobre tal matéria.

10. Pelo que se deixou dito, violou o Mmo. Juiz “a quo” o disposto nos art.ºs 97.º, n.º 5, 127.º, 374.º, n.º 2, 379.º, n.º 1, al. a), todos do Código de Processo Penal e art.ºs 15.º e 105.º, n.º 1, do RGIT.

Nestes termos, e noutros que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao recurso ora apresentado, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se por outra que supra as apontadas nulidades (após, se necessário, a reabertura da audiência) e que condene os arguidos em conformidade com o supra exarado”.
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O arguido apresentou resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público, concluindo a sua resposta da forma seguinte (em transcrição):

“1º “Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respetivo conteúdo” - Ac. STJ de 12/04/2000, extraído do TRC Proc. nº 151/10.3GBPBL.C1 de 29/06/2011.

2º Na sentença recorrida, foram dados os passos sequenciais e lógicos, começando por explicar, de forma clara, a credibilidade das testemunhas e os factos sobre os quais as mesmas haviam deposto.

3º A sentença realça o depoimento da testemunha CB, enquanto técnica tributária, e como autora do relatório fiscal.

4º A remissão da sentença para as folhas e páginas do relatório não é genérica pois a factualidade, constante no mesmo relatório, foi devidamente explicada pelo “depoimento claro, coerente e congruente, assente em elementos documentais que os autos contêm, pelo que foi valorado como verdadeiro”, depoimento da Sra. Perita Tributária.

5º Esta sequência no exame das provas carreadas para o processo levou a uma consequência lógica que foi a absolvição do arguido.

6º Dando o Tribunal como provado que, à sociedade, foram arrestados os seus ativos (contas bancárias e créditos) no processo que correu termos na Vara de Competência Mista do Tribunal de Setúbal.

7º Este arresto não permitiu que a sociedade pudesse cumprir as suas obrigações fiscais pois verificou-se no decurso do prazo para a entrega da prestação tributária em causa (pág. 10 da sentença), facto primeiro ou principal que conduziu à absolvição do arguido.

8º E sendo esta a matéria dada como provada, então, como consequência lógica, o Tribunal deu como não provados os factos, referidos em i), ii) e iii), pág. 5 da sentença, não existindo, pois, nesta parte, vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.

9º Se se conclui que, juntamente com o facto referido nos n.os 6 e 7 destas Conclusões, o arguido foi absolvido porque também não exercia as funções de gerente de facto, o recorrido reconhece a contradição entre este facto e o facto dado como provado no n.º da sentença.

10º Se, assim for, poder-se-á (ou dever-se-á) questionar:

O que deve ser dado como provado: O recorrente exercia a gerência de facto da sociedade? Ou o recorrente não exercia de facto a gerência?

11º Então, o processo deve ser reenviado para a 1ª instância para novo julgamento relativamente a esta questão pois não é possível este Venerando Tribunal decidir por falta de elementos.

Se, assim, não for entendido, ou seja

Se se concluir que o arguido deve ser condenado

12º Deve o processo ser reenviado para o Tribunal de 1ª Instância para a aplicação da pena.

13º Não é imperativo que, numa sentença, conste a situação económica e financeira do arguido, muito menos se a sentença for absolutória.

14º Só numa sentença condenatória, o Tribunal tem o dever de fundamentar pela condenação em pena de multa (se o crime o permitisse) e, de igual modo, deve fundamentar qual o seu montante.

15º Julgando como julgou, o Tribunal aplicou todos os arts. do Código Processo Penal e RGIT, as matérias respeitantes, não sendo violados os arts. 97º, n.º 5, 127º, 374º, n.º 2, 379º, n.º 1, a), todos do Cód. Proc. Penal, e arts. 15º e 105º, n.º 1 do RGIT.

Termos em que, apreciadas as Motivações, Conclusões e Resposta com as suas Conclusões, deve a sentença ser conformada “in tottum” por este Venerando Tribunal e, assim, se fará a acostumada JUSTIÇA”.
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Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, aderindo, no essencial, aos fundamentos do recurso apresentado, emitiu parecer no sentido da procedência do mesmo.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Efetuado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO
1 - Delimitação do objeto do recurso.

No caso destes autos, face às conclusões retiradas pelo Ministério Público da motivação apresentada, e em síntese, são as seguintes as questões a conhecer:

1ª - Nulidade da sentença, por falta de exame crítico da prova (artigos 379º, nº 1, al. a), e 374º, nº 2, do C. P. Penal).

2ª - Vício do erro notório na apreciação da prova (artigo 410º, nº 2, al. c), do C. P. Penal).

3ª - Nulidade da sentença por falta de descrição dos elementos fácticos respeitantes às condições de vida do arguido (e à atual situação da sociedade arguida) - o que é essencial para fixar a taxa diária da pena de multa.

2 - A sentença recorrida.
No tocante aos factos (provados e não provados) e à motivação da decisão fáctica, é do seguinte teor a sentença objeto do recurso:

a) Factos provados:
Discutida a causa, com relevo para a decisão, resultaram provados os seguintes factos:

1) O arguido, A., exerceu as funções de gerente da sociedade comercial denominada, “A. e Filho, Ldª”, portadora do NIPC ...., com sede em..., Palmela e, como tal, era o único responsável por toda a atividade referente ao seu objeto, atuando sempre em nome e no interesse da mesma.

2) Por força do exercício dessa atividade e disposições legais vigentes em matéria fiscal, a arguida sociedade encontrava-se tributada para efeito de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (I.V.A) com periodicidade mensal.

3) Enquanto gerente da sociedade arguida, competia ao arguido a elaboração e envio das competentes declarações periódicas, bem como o recebimento e entregado valor de IVA liquidado e cobrado nas transações comerciais que a sociedade declarava ter efetuado e que deveria entregar à Administração Fiscal, nos termos e prazos legalmente previstos.

4) No mês de Julho de 2009, a sociedade arguida exerceu, de facto, o seu giro comercial, a título oneroso e mediante contrapartida monetária de diversos clientes, desenvolvendo a sua atividade na área desta comarca e comarcas limítrofes, para o que emitiu as respetivas faturas – em número de 985 (novecentas e oitenta e cinco), incluindo as seguintes:

Nº FacturaDataCliente/ DevedorNIF/NIPCBase Tributável €IVA Liquidado €Total Factura €
9090822408/07/2009Alicoop,CRL----2.910,60349,273.259,87
9090841513/7/2009Alicoop,CRL----4.694,40563,335.257,73
9090875824/07/2009Alicoop,CRL----2.113,92253,672.367,59
9090875724/07/2009Alicoop,CRL----10.455,421.254,651.710,07
9090799402/07/2009Cooplecnorte,SA----2.117,20254,062.371,26
9090817207/07/2009Cooplecnorte,SA----2.575,50309,062.884,56
9090851916/07/2009Cooplecnorte,SA----1.396,39167,571.563,96
9090884729/07/2009Cooplecnorte,SA2.968,12356,173.324,29
9090887230/07/2009Cooplecnorte,SA----2.710,48325,263.324,29
9090889531/07/2009Cooplecnorte,SA----6.872,25824,677.696,92
9090863820/07/2009F.B.S.,Lda----6.787,20814,467.601.66
9090868021-07-2009F.B.S.,Lda----22.186,082.662,3324.848,41
9090880527-07-2009F.B.S.,Lda----2.201,76264,212.465,97
9090839013-07-2009Intermaché----1.888,43226.612.115,04
9090839113-07-2009Intermaché----299,6135,95335,56
9090791801-07-2009Makro, S.A.----3.037,63364,523.402,15
9090791601-07-2009Makro, S.A.-----138,1516,58154,73
9090791501-07-2009Makro, S.A.----2.019,90242,392.262,29
9090791701-07-2009Makro, S.A.----1.078,34129,401.207,74
9090791401-07-2009Makro, S.A.----1.663.20332.641.995.84
9090824508-07-2009Makro, S.A.----4.271.20512.544.783.74
9090824408-07-2009Makro, S.A.----489,3670,96498,29
9090845815-07-2009Makro, S.A.----292,8335,14327,97
9090846015-07-2009Makro, S.A.----1.826,64219,202.045,84
9090846115-07-2009Makro, S.A.----3.786,13454,344.240,46
9090845915-07-2009Makro, S.A.----181,7521,81203.56
9090868322-07-2009Makro, S.A.----3.016,63362,003.378,63
9090868522-07-2009Makro, S.A.----4.191,54502,984.694,52
9090868422-07-2009Makro, S.A.----1.207,44144,891.352,33
9090868222-07-2009Makro, S.A.----410,7349.29460,02
9090882229-07-2009Makro, S.A.----255,0630,61285,67
9090882329-07-2009Makro, S.A.----3.253,94390,473.644,41
9090798902-07-2009Modelo Continente----3.274,92392,993.667,91
9090827509-07-2009Modelo Continente----4.055,76486,694.542,45
9090791301-07-2009Os Mosqueteiros----7.559,16907,108.466,26
9090882429-07-2009Os Mosqueteiros----6.480,00777,607.257,60
9090882529-07-2009Os Mosqueteiros-----2.511,36301,362.812,72

Total do período de Julho de 2009 127,179,02 15.261,48 142.523,76

5) O valor global de todas as faturas emitidas no citado mês ascendeu a € 191.317,34 (cento e noventa e um mil, trezentos e dezassete euros e trinta e quatro cêntimos).

6) Considerando as operações realizadas no âmbito dessa mesma atividade, o arguido liquidou e recebeu, a título de I.V.A, nos pagamentos de serviços aos seus clientes e após efetuar as deduções a que a sociedade que representava tinha direito, o valor total de 10.302,00 € (dez mil, trezentos e dois euros).

7) Apesar disso, o arguido não fez acompanhar a declaração respeitante ao citado período de imposto que remeteu aos Serviços de Cobrança do IVA, do correspondente meio de pagamento do imposto exigível e no prazo legal estabelecido para o efeito, o que era do seu conhecimento.

Mais se provou que:
8) A sociedade arguida, em data não concretamente apurada do ano de 2009, mas posterior ao mês de Julho, apresentou reclamação de créditos no âmbito do processo de insolvência nº ---/09.0TBLSV, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Silves, no qual figura como insolvente a firma “Alicoop”, no valor total de 891.353,91 € (oitocentos e noventa e um mil, trezentos e cinquenta e três euros e noventa e um cêntimos).

9) Em 2 de Setembro de 2009, foi, na Vara de Competência Mista deste Tribunal, julgado procedente um procedimento cautelar, intentado pela Adega Cooperativa de Palmela contra os arguidos, no âmbito do qual foram arrestados diversos veículos automóveis, prédios urbanos e rústicos propriedade do arguido e os créditos da sociedade arguida sobre:

- Direcção-Geral dos Impostos;
- Direção Geral do Tesouro e Finanças;
- “Pingo Doce – Distribuição Alimentar, S.A.”;
- “Makro – Cash & Carry Portugal, S.A.”;
- “Feira Nova – Distribuição Alimentar, S.A.”;
- “Uniarme – União de Armazenistas de Mercearia, UCRL”;
- “Modelo Continente Hipermercados, S.A.
- “CoopLisboa – União de Cooperativas de Consumo, UCRL”;
- “Alisuper – Exploração de Supermercados do Algarve, S.A.”;
- “Intermarché, Alverca Park”;
- “Dia Portugal – Supermercados. S.A.”.

10) No âmbito do Processo nº ---/10.5TYLSB, do 3º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, foi a sociedade arguida declarada insolvente.

11) O arguido, A. não tem antecedentes criminais.

b) Factos não provados:
Com relevância para a boa decisão da causa, foram dados como não provados os seguintes factos.

i) Passou o arguido a dispor da quantia supra mencionada em 6) dos factos dados como provados, que fez sua, utilizando-a em proveito próprio e da arguida sociedade, bem sabendo que a mesma pertencia ao Estado e que deveria ter diligenciado pela respetiva entrega à entidade competente nos termos e prazos legalmente fixados.

ii) Ao agir do modo descrito, o arguido atuou de forma livre e deliberada, na qualidade de representante legal da sociedade arguida, com o propósito concretizado de se apossar do montante de imposto acima indicado – liquidados a título de IVA – para proveito da sociedade que representava e em cujo interesse agia, bem sabendo que esse valor não lhes pertencia e que a sua posição era a de assegurar, enquanto mero depositário, a sua detenção para ulterior entrega à administração Fiscal, assim tendo lesado patrimonialmente o Estado e os contribuintes em geral.

iii) Não obstante ter consciência que a sua conduta era proibida e punida por lei, o arguido não se absteve de a prosseguir.

MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise, crítica, global e ponderada de toda a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, bem como dos documentos juntos e constantes dos autos, com recurso a juízos de experiência comum, nos termos do disposto artº 127º do C. P. Penal.

Assim, o Tribunal formou a sua convicção, para dar como provados os factos acima elencados nas declarações de AR, que depôs na qualidade de Técnica Oficial de Contas.

Referiu, com relevo, ter trabalhado para a sociedade arguida durante cerca de um ano e meio, tendo terminado essa colaboração no final de 2010.

Confirmou que o IVA relativo ao mês de Julho de 2009 não foi pago, tendo tal imposto sido calculado com base nas compras, vendas e despesas da sociedade, tendo a respetiva nota de liquidação sido entregue ao arguido para pagamento, como habitualmente era feito.

Ainda que, em 2009, houve um arresto contra a empresa, no âmbito do qual foram apreendidas as contas bancárias e a mercadoria daquela, o que acabou por fazer com que a mesma entrasse em processo de insolvência, em 2010.

Finalmente, que a empresa, “Alicoop” devia muito dinheiro à sociedade arguida, cerca de 500.000,00 €, que esta nunca recuperou, esclarecendo ainda que quem, na altura, geria, de facto, a sociedade arguida era o filho do arguido, sendo que este desconhecia o que se passava.

O depoimento desta testemunha, foi prestado de forma isenta e objetiva, com razão de ciência devidamente firmada através do vínculo profissional que manteve com a sociedade arguida, pelo que foi valorado pelo tribunal como verdadeiro.

CS, prestou depoimento na qualidade de funcionária da “Makro, S. A.”, referindo-se, essencialmente, à forma como se processavam as relações comerciais entre aquela e a sociedade arguida e à forma como eram emitidos os documentos atinentes às respetivas transações comerciais.

CC, prestou depoimento na qualidade de funcionária da “Auchan, Companhia Portuguesa de Hipermercados”, responsável pela gestão financeira daquela empresa em Setúbal.

Com relevo, apenas referiu que a “Auchan”, em 2009, manteve relações comerciais com a sociedade arguida e lembrar-se de ter fornecido à Administração Fiscal elementos sobre a mesma, não recordando quais e a que propósito.

O depoimento destas testemunhas, incidiu apenas sobre as relações comerciais que as empresas onde trabalhavam mantiveram com a sociedade arguida e foram produzidos de forma credível.

CB, depôs na qualidade de Inspetora Tributária, responsável pela instrução do processo que deu origem aos presentes autos.

Com relevo, declarou ao tribunal a forma como instruiu o processo, quais os elementos contabilísticos da sociedade arguida que consultou e compulsou para chegar à conclusão de quais os montantes que os arguidos não entregaram à Administração Fiscal, a título de IVA relativo ao mês de Julho de 2009, como lhes competia e que ainda permanece em dívida.

Prestou depoimento claro, coerente e congruente, assente em elementos documentais que os autos contêm, pelo que foi valorado como verdadeiro.

O arguido, A., no exercício de direito que a lei lhe confere, escusou-se a prestar declarações.

Para firmar a convicção do tribunal na forma como elencou a materialidade que julgou provada, serviu também o conspecto documental que os autos comportam, designadamente o Auto de Notícia de fls. 22, os extratos informáticos de fls. 23, 24, e 29 a 33, as cópias de fls. 47 a 54, o Balancete Analítico e os extratos de conta de fls. 68 a 128, as cópias de fls. 149 a 188, 209 a 237, 239 a 263, 267, 268, 271 a 276 e 280 a 320, bem como, o parecer de fls. 322 a 329.

Também a análise crítica e concatenada com os depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, dos documentos juntos pelo arguido, de fls. 376 a 393, serviram para alicerçar a convicção do tribunal, assim como os documentos que fazem fls. 535 a 550 e de onde se retira que a sociedade arguida foi declarada insolvente e quais os montantes em dívida ao Estado.

No que aos antecedentes criminais dos arguidos respeita, o tribunal firmou a sua convicção no teor do Certificado de Registo Criminal do arguido A., junto aos autos a fls. 598.

Finalmente e no que aos factos dados como não provados respeita, os mesmos assim emergiram por força da ausência de prova a eles relativa”.

3 - Apreciação do mérito do recurso.

a) Da nulidade da sentença (por falta de exame crítico da prova).
Alega o Ministério Público que na sentença recorrida não está devidamente explicitado o processo lógico que levou o Mmº Juiz a considerar como não provados os factos da matéria de facto não provada (no essencial, os elementos subjetivos do crime em discussão nestes autos).

Por isso, entende o Ministério Público que a sentença sub judice deve ser declarada nula, ao abrigo do disposto nos artigos 379º, nº 1, al. a), e 374º, nº 2, do C. P. Penal.

Cabe apreciar.
Sob a epígrafe “nulidade da sentença”, dispõe o artigo 379º do C. P. Penal:

“1. É nula a sentença:
a) que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º;
(…)”.

Por sua vez, o artigo 374º do C. P. Penal, sobre os “requisitos da sentença”, estabelece:
1. A sentença começa por um relatório, que contém:
(…).
2. Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
(…)”.

Como refere Marques Ferreira (in “Jornadas de Direito Processual Penal - O Novo Código de Processo Penal”, Livraria Almedina, 1988, pág. 228), este regime legal, quanto à fundamentação da decisão de facto, consagra “um sistema que obriga a uma correcta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objecto do processo, de modo a permitir-se um efectivo controle da sua motivação”.

Nesta mesma linha orientadora de pensamento, escreve-se, com muita pertinência, no Ac. do S.T.J. de 16-03-2005 (Processo nº 05P662, in www.dgsi.pt), que “o exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção”.

É, pois, nesta motivação da decisão fáctica que se dá a conhecer e a compreender aos outros o processo lógico do julgamento, da apreciação e da valoração da prova. E é ainda esta motivação que permite a plena observância do princípio do duplo grau de jurisdição, podendo o tribunal superior verificar se, na sentença, foi seguido um processo lógico e racional de apreciação da prova.

No dizer de Sérgio Gonçalves Poças (in “Da sentença penal - Fundamentação de facto”, Revista Julgar, ed. da ASJP, nº 3, pág. 37), o tribunal dará cumprimento ao disposto no artigo 374º, nº 2, do C. P. Penal, com indicação e exame crítico das provas, “ao identificar as provas que foram produzidas ou examinadas em audiência de julgamento e ao expor as razões, de forma objectiva e precisa, por que é que determinadas provas serviram para alicerçar a convicção e por que é que outras não serviram”.

Continua o mesmo autor (local citado, págs. 38 e 39): ”são as razões – objectivas, necessariamente – que na apreciação da prova, de acordo com as regras da experiência, levaram o tribunal a dar relevância a determinadas provas e irrelevância a outras, que devem ser expostas na motivação. De facto, é a exposição clara destas razões que permite o exame do processo lógico-mental subjacente à formação da convicção do juiz. (…) Em cada caso, o tribunal, de acordo com os conhecimentos científicos e técnicos convocados pelo caso, e na observância das regras da lógica e da experiência, apreciará cada prova na sua singularidade e no conjunto da prova produzida. Desta apreciação conjunta da prova (…) o tribunal formará a convicção que determinará a decisão sobre a matéria de facto. (…) Impõe-se que o tribunal explicite as razões pelas quais deu credibilidade a umas provas e não deu a outras; porque decidiu de um modo e não de outro. Ou seja, o tribunal (ao motivar) está obrigado a explicitar as razões concretas por que deu credibilidade a determinados depoimentos e não deu a outros; por que lhe mereceram crédito ou não as declarações do arguido; por que entendeu ser (ir)relevante para a decisão o documento junto aos autos (…)”.

Indo à sentença objeto do recurso, na parte reservada à motivação da decisão de facto, nela estão suficientemente consignadas (a nosso ver) as razões por que se entendeu dar como não provados os factos relativos aos elementos subjetivos do crime em causa.

Com efeito, e além do mais, o Mmº Juiz refere o seguinte:

“(…) O Tribunal formou a sua convicção (…) nas declarações de AR, que depôs na qualidade de Técnica Oficial de Contas. (…) Confirmou que o IVA relativo ao mês de Julho de 2009 não foi pago, tendo tal imposto sido calculado com base nas compras, vendas e despesas da sociedade, tendo a respetiva nota de liquidação sido entregue ao arguido para pagamento, como habitualmente era feito. Ainda que, em 2009, houve um arresto contra a empresa, no âmbito do qual foram apreendidas as contas bancárias e a mercadoria daquela, o que acabou por fazer com que a mesma entrasse em processo de insolvência, em 2010. Finalmente, que a empresa, “Alicoop” devia muito dinheiro à sociedade arguida, cerca de 500.000,00 €, que esta nunca recuperou (…). CB depôs na qualidade de Inspetora Tributária, responsável pela instrução do processo que deu origem aos presentes autos. Com relevo, declarou ao tribunal a forma como instruiu o processo, quais os elementos contabilísticos da sociedade arguida que consultou e compulsou para chegar à conclusão de quais os montantes que os arguidos não entregaram à Administração Fiscal, a título de IVA relativo ao mês de Julho de 2009, como lhes competia e que ainda permanece em dívida. (…) Também a análise crítica, e concatenada com os depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, dos documentos juntos pelo arguido, de fls. 376 a 393, serviram para alicerçar a convicção do tribunal, assim como os documentos que fazem fls. 535 a 550 e de onde se retira que a sociedade arguida foi declarada insolvente e quais os montantes em dívida ao Estado”.
Em suma: a convicção do tribunal foi baseada na análise (crítica, global e ponderada) de toda a prova produzida na audiência de discussão e julgamento (prova testemunhal, e, bem assim, documentos juntos aos autos), e com recurso a juízos de normalidade e de experiência comum (cfr. o disposto no artigo 127º do C. P. Penal).

Por outro lado, da exposição feita pelo tribunal a quo resulta que o IVA em causa não foi liquidado relativamente ao mês de Julho de 2009 (sem mais), sendo que, na altura em que decorria o prazo para entrega desse mesmo IVA, foram apreendidas as contas bancárias e as mercadorias da sociedade arguida (no âmbito de um arresto judicial contra tal sociedade) - sociedade que, aliás, logo no ano de 2010, entrou em processo de insolvência.

Assim sendo, tendo as contas bancárias “congeladas”, não poderia o arguido entregar ao Estado o que quer que fosse (designadamente o IVA), e, por conseguinte, ao não fazer essa entrega, de modo algum se poderia considerar que o arguido agiu consciente e voluntariamente, com o propósito de não pagar o IVA, e sabendo a sua conduta proibida e punida por lei.

Ou seja, os factos dados como não provados na sentença revidenda decorrem, claramente, de todos os elementos probatórios analisados (e descritos) pelo tribunal recorrido.

Esses elementos de prova, expostos de forma clara e objetiva na sentença sub judice (elementos esses, aliás, que a Exmª Magistrada do Ministério Público recorrente não questiona sequer na motivação do recurso), só poderiam levar, como levaram, à absolvição dos arguidos.

Na verdade, deles resulta, até com invulgar nitidez, a existência de um motivo impeditivo do cumprimento das obrigações fiscais em questão, pois que o arresto de todos os ativos da sociedade arguida (contas bancárias, créditos, e até mercadorias), no decurso do prazo para entrega da prestação tributária em causa, conduziu, sem mais, à impossibilidade efetiva de os arguidos (a sociedade e o seu gerente) manejarem as contas bancárias e procederem a pagamentos.

Como escreve, por forma flagrante e clara, o Mmº Juiz a quo, enunciando um raciocínio totalmente apreensível (e que permite compreender e avaliar os motivos por que considerou como não provados os factos vertidos em i), ii) e iii) da matéria de facto não provada), “apurou-se também, e com relevo, que em 02 de Setembro de 2009 (no decurso do prazo para entrega da prestação tributária em causa, portanto), foi julgado procedente um procedimento cautelar de arresto, intentado pela Adega Cooperativa de Palmela, CRL, contra a sociedade arguida, e, nesse âmbito, arrestados todos os ativos desta. Desta conjugação de fatores, é legítimo inferir que o arguido, A., tenha ficado impossibilitado de entregar à Administração Fiscal, no prazo legalmente estipulado, a prestação tributária que gerou os presentes autos, como, aliás, o mesmo alega. Nessa conformidade, é de forçosa conclusão que não se mostra verificado, em concreto, o elemento subjetivo do tipo de crime imputado aos arguidos, pelo que deverão os mesmos serem absolvidos da sua prática”.

Em suma: o tribunal a quo, de forma transparente e totalmente apreensível, pronunciou-se acerca dos motivos pelos quais deu como não provados os factos vertidos em i), ii) e iii) da matéria de facto não provada constante da sentença revidenda.

Na sentença está, pois, explicitado e devidamente explicado o processo de formação da convicção do tribunal no tocante a tais factos não provados, com o exame crítico das provas em que tal convicção se estribou, nomeadamente constando da sentença qual o raciocínio lógico-dedutivo seguido pelo Mmº Juiz para dar como não provados os aludidos factos.

Assim sendo, cumpriu-se o dever legal de fundamentação da decisão fáctica, com exame crítico das provas, incluindo indicação dos elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios de lógica, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção se formasse em determinado sentido.

Por tudo o que ficou dito, verifica-se que a sentença revidenda satisfaz o disposto no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal.

Tendo a sentença recorrida dado cumprimento a tal preceito, a mesma não enferma da nulidade agora em análise (conforme estatuído no artigo 379º, nº 1, al. a), do C. P. Penal).

Improcede, assim, nesta parte, o recurso interposto pelo Ministério Público.

b) Do erro notório na apreciação da prova.
A Exmª Magistrada do Ministério Público recorrente alega que a sentença recorrida padece do vício do erro notório na apreciação da prova, na medida em que, ao dar como provado que o arguido recebeu, a título de IVA, o valor total de € 10.302,00, não poderia, depois, deixar de dar, igualmente, como provados os factos descritos nos pontos i), ii) e iii) acima referidos.

Com efeito, entende a Exmª Magistrada do Ministério Público recorrente que a prova do elemento subjetivo do ilícito se extrai, precisamente, de toda a factualidade objetiva, em decorrência lógica da mesma, revelando-se totalmente inócua a existência, in casu, de um procedimento cautelar de arresto (intentado pela Adega Cooperativa de Palmela, CRL, contra a sociedade arguida - no âmbito do qual foram arrestados todos os ativos desta).

Esta última circunstância, na opinião da Exmª Magistrada do Ministério Público recorrente, quanto muito, poderia relevar apenas para efeito de determinação da medida concreta das penas a aplicar.

Cumpre apreciar e decidir.

Dispõe o artigo 410º, nº 2, do C. P. Penal: “mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova”.

Como decorre expressamente da letra da lei, qualquer um dos elencados vícios tem de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos que à dita decisão sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento, salientando-se também que as regras da experiência comum não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece.

O erro notório na apreciação da prova, em breve síntese, é prefigurável quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum.

Na sucinta (mas claríssima) exposição de Simas Santos e Leal Henrique (in “Recursos em Processo Penal”, 7ª ed., 2008, Editora Rei dos Livros, pág. 77), existe erro notório na apreciação da prova quando ocorre “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou (…). Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios, ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das legis artis”.

A Exmª Magistrada do Ministério Público recorrente considera ter existido erro notório na apreciação da prova porque o tribunal recorrido, perante a factualidade objetiva (não entrega do IVA relativo ao mês de Julho de 2009), deveria ter dado também como provados os elementos subjetivos do crime, nomeadamente a atuação voluntária do arguido (gerente da sociedade arguida) nessa mesma não entrega do IVA.

Ora, e com o devido respeito, discordamos do entendimento expresso pela Exmª Magistrada do Ministério Público recorrente, pois que a mera factualidade objetiva (não entrega do IVA) não autoriza, in casu, perante as demais circunstância provadas, a conclusão de que o arguido atuou consciente e voluntariamente, sabendo a sua conduta proibida e punida por lei.

Na verdade, estando o arguido, na prática, impedido de proceder à entrega do IVA, em virtude de um arresto dos ativos da sociedade (entre eles as contas bancárias da mesma), não pode considerar-se que o arguido, ao não cumprir as suas obrigações fiscais, nesse momento e por esse motivo, tenha atuado voluntariamente (e sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei).

Por conseguinte, improcede, manifestamente, esta vertente do recurso do Ministério Público.

c) Da falta de factos relativos à situação económico-financeira dos arguidos.

Alega a Exmª Magistrada do Ministério Público recorrente que existe nulidade da sentença (por falta de fundamentação - nos termos do preceituado nos artigos 374º, nº 2, e 379º, nº 1, al. a), do C. P. Penal), porquanto na mesma não foram elencados os elementos fácticos respeitantes às condições de vida do arguido, e, bem assim, à atual situação da sociedade arguida - elementos esses que são indispensáveis para habilitar o tribunal a ponderar e a decidir sobre a taxa diária das penas de multa a aplicar.

Há que decidir.

Os factos relativos à situação económico-financeira dos arguidos deviam, como é óbvio, ser aferidos na sentença sub judice, e nela devidamente explicitados (e elencados), como alega a Exmª Magistrada do Ministério Público recorrente, na hipótese (que não se verificou) de os arguidos serem condenados (sobretudo se o fossem em penas de multa).

Tendo os arguidos sido absolvidos, não tendo sido aplicada qualquer pena, não tinha o tribunal de primeira instância, necessariamente, de dar como assente tal factualidade (situação económico-financeira dos arguidos), uma vez que a mesma, face à absolvição, carece de relevo e de sentido útil para a decisão.

Na hipótese (que não ocorreu) de o tribunal a quo ter procedido à condenação, e sobretudo se optasse por aplicar penas de multa, teria tal tribunal, então sim, de elencar os factos relativos à situação económico-financeira dos arguidos.

A omissão desses factos na sentença sub judice, e não se colocando a questão da condenação e das penas a aplicar, não possui, manifestamente, qualquer relevo.

Ou seja, não havendo punição (não sendo, pois, necessário proceder às operações de escolha da pena, de determinação da medida concreta da pena, ou de determinação da taxa diária da pena de multa eventualmente a aplicar), carece de relevo, com o devido respeito, a omissão detetada, na sentença revidenda, pela Exmª Magistrada do Ministério Público recorrente (falta de factos relativos à situação económico-financeira dos arguidos), omissão que, por conseguinte, não configura a existência de qualquer nulidade.

Em suma: não merece provimento, também neste ponto, o recurso do Ministério Público.

Posto tudo o que precede, o recurso interposto pelo Ministério Público é totalmente de improceder, sendo de manter a sentença sub judice.

III - DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público.
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Texto processado e integralmente revisto pelo relator

Évora, 03 de Junho de 2014.
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(João Manuel Monteiro Amaro)

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(Maria Filomena de Paula Soares)