Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3751/18.0T8OER-A.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ACTA DA ASSEMBLEIA GERAL DE CONDÓMINOS
Data do Acordão: 09/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. A ata do condomínio prevista no artº 6º/1 do Dec.-Lei 268/94, 25-10, é título executivo quer quando nela constam as contribuições resultantes da quota-parte a pagar pelo condómino, fixadas em assembleia de condóminos, como também quando nela constam a dívida ao condomínio resultante da ata onde se reproduza a deliberação da assembleia de condóminos que procedeu à liquidação dos montantes em dívida por cada condómino, sempre que a dívida seja certa, líquida e exigível e a ata não tenha sido impugnada nos termos do artigo 1433º/2 do CC.
II. Uma interpretação restritiva do preceito viola a teleologia da norma, consubstanciada no objetivo de facilitar “o decorrer das relações entre os condóminos”, não fazendo sentido restringir a força executiva apenas à ata em que se delibera o montante da quota-parte das contribuições que cabe a cada condómino pagar, uma vez que se encontram assegurados os princípios da certeza e segurança jurídicas.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Procº 3751/18.0T8OER-A.E1

Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: Administração do Condomínio da Rua (…), 26, Setúbal.
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Recorrido: (…)
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No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo de Execução de Setúbal – Juiz 2, o recorrido embargou a execução contra si proposta pela recorrente, com fundamento em ata do condomínio.
Os embargos mereceram a final a seguinte decisão:
Em face de tudo o exposto, julgo procedentes os embargos de executado e, em consequência, declaro a imediata extinção da execução, por falta de título executivo.
Mais determino se proceda, nos autos principais, ao imediato levantamento da penhora realizada.
Custas pelo exequente.

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Não se conformando com o decidido, a embargada recorreu da sentença formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do seu recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 do CPC:

a) Entendeu a Sentença recorrida rejeitar a Execução, porquanto a acta que a mune, «não constitui um título executivo já que não incorpora em si mesma a constituição de qualquer obrigação executiva (futura), mas apenas e tão-somente a declaração da existência da dívida (já vencida).».

b) A expressão “contribuições devidas ao condomínio”, ínsita no art. 6º, n.º 1, do DL n.º 268/94, de 25.10, pode ser interpretada no sentido de “contribuições em dívida ao condomínio” ou no sentido de “contribuições que vierem a ser devidas ao condomínio” desde que estejam vencidas, como é o caso!

c) Uma interpretação não excluirá a outra do âmbito das actas, como título executivo, pois a exclusão de qualquer das interpretações supra aludidas vai contra a letra e outra contra o espírito; ambas correspondem à deliberação da mesma vontade colectiva, a de obter o pagamento das quantias necessárias ao funcionamento do condomínio;

d) Basta, portanto, que a acta inclua a deliberação da mesma assembleia onde se procedeu à liquidação dos montantes em dívida por cada condómino.

e) O art.º 9º do C.C., preceitua que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada;

f) Sendo o espírito do legislador, como resulta do preâmbulo do citado D.L. n.º 268/94, ao conferir eficácia executiva às atas das reuniões da assembleia dos condóminos, evitar o recurso à ação declarativa em matéria de cobrança das contribuições em dívida, sem necessidade de recorrer à acção declarativa, dando maior eficácia à cobrança de tais dívidas, logrando pela melhor manutenção do parque habitacional.

g) Salvo o devido e merecido respeito que nos merece a decisão do Tribunal a quo, a interpretação feita por este Tribunal é limitativa, restritiva e fora do enquadramento e espírito consagrado no artº 6º, nº 1, do DL 268/94, de 25/10.


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Foram colhidos os vistos por via eletrónica.

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A questão a decidir consiste apenas em saber se a ata da assembleia de condóminos dada à execução constitui, ou não, título executivo bastante para exigir o pagamento ao condomínio da quantia nela referida.
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A matéria de facto fixada na 1ª instância é a seguinte:
1 – Por requerimento executivo intentado em 12-09-2018, a exequente intentou ação executiva contra o executado, para pagamento de quantia certa (€ 2.767,69).
2 – A exequente deu à execução a ata n.º 01/18 da Assembleia Geral Extraordinária de 26/03/2018 e na qual consta o valor total em dívida pelo embargante.
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Conhecendo.
Um dos pressupostos da ação executiva, porventura o mais importante, é que o dever de prestar conste de um título, o título executivo.
Sem este pressuposto formal, inexiste o grau de certeza que o sistema tem como necessário para o recurso à ação executiva, ou seja, à realização coativa de uma determinada prestação.
Tal título deve oferecer a segurança mínima reputada suficiente quanto à existência do direito de crédito que se pretende executar.
“O título executivo constitui pressuposto de carácter formal da ação executiva, destinado a conferir à pretensão substantiva um grau de certeza reputado suficiente para consentir a subsequente agressão patrimonial aos bens do devedor.
Constitui, assim, a base da execução, por ele se determinando o tipo de ação e o seu objeto (artigo 45.º, n.º 1), assim como a legitimidade ativa e passiva para a ação (art. 55º, nº 1)” – Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1999, pág. 87.
Nenhuma ação executiva deve ter seguimento sem que o tribunal de execução interprete o título que lhe serve de fundamento e, sempre que existam dúvidas acerca do tipo ou do objeto da obrigação titulada, o título não é exequível e o credor tem de recorrer previamente a uma ação declarativa de condenação ou de simples apreciação – Lebre de Freitas, “A acção executiva depois da reforma da reforma”, 5.ª edição, pág. 35.
Os títulos executivos estão tipificados no artº 703º/1 do CPC, podendo ser atribuída por lei força executiva a outros documentos (alínea d)).
Nestes se inclui o previsto no Dec. Lei 268/94, de 25-10 – a ata de reunião da assembleia de condóminos constituída por um documento particular (artº 363º do CC).
Nos termos do disposto no artº 6º/1 daquele diploma, “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.”

A questão controvertida nos autos é a de interpretar o que se deve entender por “montante das contribuições devidas ao com domínio e quaisquer outras despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio”.

A jurisprudência está dividida entre uma interpretação restritiva e uma interpretação extensiva da norma.
Para a visão restritiva são títulos executivos apenas as atas em que estejam exaradas as deliberações da assembleia de condóminos que tiverem procedido à fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio, fixando-se o prazo de pagamento e a quota-parte de cada condómino.
Para a interpretação extensiva será de atribuir força executiva quer à citada ata quer à ata em que, por um condómino não ter pago as contribuições que lhe respeitam, se delibera sobre o valor da sua dívida e se encarrega o administrador de proceder à sua cobrança judicial.

No sentido restritivo:
- Ac. TRE de 28.01.2010, Fernando Bento, Procº 6924/07.7TBSTB.E1;
- Ac. TRC de 23-01-2018, António Domingos Pires Robalo, Procº 7956/15.7T8CBR-A.C1;
- Ac. TRL de 23-30-2012, Tomé Ramião, Procº 524/06.6TCLRS.L1.6; de 17/2/2009, proc.º n.º 532/05.4TCLRS-7, relatado por Maria do Rosário Morgado; de 22/6/2010, Procº 1155/05.3TCLRS.L1-7, relatado por Maria Amélia Ribeiro; de 11.10.2012, Jorge Leal, Procº 1515/09.0TBSCR.L1-2;
- Ac. TRP de 17-01-2002, Sousa Leite, Procº 0131853; de 29-06-2004, Alberto Sobrinho, Procº 0423806; de 21-04-2005, Ataíde das Neves, Procº 0531258; de 06-09-2010, Ana Paula Amorim, Procº 2621/07.1TJVNF-A.P1.

Numa interpretação extensiva:
- Ac TRE de 28-06-2017, Tomé de Carvalho, Procº 6759/11.2TBSTB-B.E1 e - Ac TRE de 17-02-2011, Maria Alexandra Moura Santos, Procº 4276/07.4TBPTM.E1;
- Ac TRG de 02-03-2017, Jorge Teixeira, Procº 2154/16.5T8VCT-A.G1;
- Ac TRP de 02-06-1998, Emídio Costa, Procº 9820489;
- Ac TRC de 01-03-2016, Fonte Ramos, Procº 129/14.8TJCBR-A.C1, de 20-06-2012, Carlos Gil, Procº 157/10.2TBCVL-A.C1; de 04-06-2013, Arlindo Oliveira, Procº 607/12.3TBFIG-A.C1;
- Ac. TRL de 02-03-2004, André dos Santos, Procº 10468/2003-1, de 29-06-2006, Pereira Rodrigues, Procº 5718/2006-6, de 08-07-2007, Arnaldo Silva, Procº 9276/2007-7, de 18-03-2010, Carlos Valverde, Procº 85181/05.0YYLSB-A.L1-6 e de 07.7.2011, Carla Mendes, Procº 42780/06.9YYLSB.L1-2;

Quid juris?
Na exposição de motivos do Dec. Lei 268/94 consignou-se o seu objetivo: “procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros”.
De onde se infere que o occasio legis e a ratio do preceito estão na constatação de que existia na comunidade um foco de conflitualidade nas relações de condomínio que implicava ações declarativas por valores diminutos, pelo que a teleologia da norma se orientaria para a procura de soluções céleres e eficazes para a litigiosidade alargada que geralmente se constitui nas relações entre condóminos, tudo no respeito pelo preceituado no artº 9º do C. Civil (designadamente que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, apesar de nela dever ter um mínimo de correspondência verbal).
A interpretação restritiva funda-se no argumento de que a fonte da obrigação pecuniária do condómino deriva da aprovação em assembleia de condóminos, refletida na respetiva ata que aprova e fixa o valor a pagar, correspondente à sua quota-parte para as despesas comuns.
Nada mais pode ser incluído neste título executivo.
Se dali constar a declaração feita pelo administrador em assembleia de condóminos de que o condómino deve determinada quantia, esta declaração extravasa o sentido da última parte do segmento normativo do artº 6º/1, ao referir “constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
Contudo, esta interpretação, com o devido respeito pelas opiniões contrárias, não respeita os elementos de interpretação acima descritos, sendo impeditivo do cumprimento da teleologia da norma, tornar mais célere e eficaz a resolução dos conflitos no seio do condomínio.
Isto porque a esmagadora maioria das dívidas ao condomínio resultam do não pagamento das quotas do condomínio após a aprovação dos valores em assembleia de condóminos; é, v.g., no final do ano que o administrador verifica quais os condóminos que não pagaram as suas quotas-partes durante o ano e comunica tal facto aos restantes condóminos.
A massa de dívidas ao condomínio que existe atualmente na comunidade ficaria arredada da possibilidade de ser imediatamente executada, necessitando de uma ação declarativa prévia para determinar o valor em dívida.
Ou seja, o resultado visado pela noma seria totalmente frustrado.
É certo que a celeridade e a eficácia não são os únicos objetivos de qualquer norma legal, uma vez que os princípios da segurança e certeza no tráfico jurídico são igualmente valores a considerar e que se lhes podem sobrepor.
Mas se esta segurança e certeza se mostrarem asseguradas é a interpretação extensiva que deve prevalecer.
Não pode argumentar-se que estes princípios são arredados se o administrador, no requerimento executivo, expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo, tal como obriga a alínea e) do nº 1 do artº 724º do CPC.
Factos que poderão ser sempre impugnados pelo executado mediante embargos.
E com o que se fecha o circuito de segurança e certeza jurídicas de todos os visados pela norma: os condóminos que cumprem regularmente as sua obrigações, os relapsos que as não cumprem e se transformam num encargo insuportável para os que cumprem e para os condóminos que injustamente forem apontados pelo administrador como relapsos.
Tudo no pressuposto que a ata não tenha sido impugnada nos termos preconizados pelo artº 1433º/2 do C. Civil.
É também este o sentido do Ac TRE de 17-02-2011, Maria Alexandra Moura Santos, Procº 4276/07.4TBPTM.E1:
1 - A expressão ínsita no artº 6º, nº 1, do DL 268/94, de 25/10: “contribuições devidas ao condomínio”, abarca tanto as “contribuições em dívida ao condomínio” (contribuições já apuradas) como as “contribuições que vierem a ser devidas ao condomínio” (contribuições futuras), desde que certas, exigíveis e líquidas (artº 802º do CPC) uma vez que estes três requisitos condicionam a admissibilidade da acção executiva, devendo estas características da obrigação exequenda já constar da acta da assembleia geral de condóminos.
2 - Não faz sentido restringir a força executiva apenas à acta em que se delibera o montante da quota-parte das contribuições que cabe a cada condómino pagar e não concedê-la à acta em que, por o condómino não ter pago, conforme o deliberado em assembleia anterior, se delibera sobre o montante da dívida e se encarrega o administrador de proceder à sua cobrança judicial.
E o Ac TRE de 28-06-2017, Tomé de Carvalho, Procº 6759/11.2TBSTB-B.E1:
A acta da reunião da assembleia de condóminos é um acto composto que inclui a deliberação da assembleia de condóminos e a prova do cumprimento do ónus de efectuar uma comunicação eficiente.
Por último, o Ac TRG de 02-03-2017, Jorge Teixeira, Procº 2154/16.5T8VCT-A.G1:
I - A acta da assembleia do condomínio constitui título executivo relativamente ao montante das “contribuições devidas ao condomínio”.
II- Esta expressão deve ser entendida em sentido amplo, nela se devendo incluir, além das despesas específicas relativas ao próprio condomínio, e que são de diversa natureza, as penas pecuniárias fixadas nos termos do art.º 1434º do Cód. Civil.

De onde se conclui que a ata dada à execução constitui título executivo, porque a quantia nela inscrita é certa, líquida e exigível, estando assegurados os princípios da certeza e segurança jurídicas, o que implica a procedência da apelação e a revogação da sentença recorrida e o consequente prosseguimento da execução.
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Sumário:

(…)

DECISÃO.

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação procedente e revoga a sentença recorrida, com o consequente prosseguimento da execução.

Custas pelo recorrido – Artº 527º CPC
Notifique.

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Évora, 12-09-2019

José Manuel Lopes Barata (relator)

Rui Machado e Moura

Conceição Ferreira