Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | MARIA DOMINGAS SIMÕES | ||
| Descritores: | PROCESSO DE FALÊNCIA LIQUIDAÇÃO DE PATRIMÓNIO SÍNDICO ENCERRAMENTO POR FALTA DE BENS | ||
| Data do Acordão: | 11/13/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | I. Ao invés do que veio a prever o CPEREF no n.º 2 do artigo 186.º (disposição introduzida pelo DL n.º 315/98, de 20/10), o CPC 1961 não previa a possibilidade de apreensão e liquidação no processo de falência encerrado de bens que sobreviessem ao património do falido comerciante, solução reservada para a insolvência dos não comerciantes, como resultava expressamente do n.º 2 do artigo 1232.º. II. Uma vez encerrado o presente processo, com a consequente cessação de funções do Síndico, ainda a verificar-se o pagamento pelo devedor do crédito reconhecido na sentença condenatória, não seria o mesmo apreendido e liquidado à ordem do processo de falência, por não prever a lei a sua reabertura para a liquidação adicional. III. Subsistindo um bem no ativo da falida, no caso, um crédito que lhe foi reconhecido por sentença transitada, não se encontram reunidos os pressupostos que permitem o encerramento do processo, impondo-se averiguar se é ou não viável a sua cobrança, decidindo-se depois do destino final dos autos de falência em conformidade. (Sumário da Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | Tribunal Judicial da Comarca de Faro Juízo de Comércio de Olhão – Juiz 2 Proc. 75/14.5T8OLH.E1 I. Relatório Nos presentes autos de processo especial de falência nos quais, por sentença proferida em 6 de Novembro de 1996, confirmada por douto acórdão deste TRE de 1 de Julho de 1997, foi declarada a falência da sociedade (…), Sociedade Hoteleira do Sul, Lda., por decisão de 21 de Fevereiro de 2025 [Ref.ª 1354163420] foi determinado o encerramento dos autos, com fundamento na realização do rateio final. Inconformada, veio a Associação dos Investidores do Hotel Apartamento (…), em representação dos diversos credores seus associados, interpor o presente recurso, cuja alegação rematou com as seguintes conclusões: “1.ª A decisão recorrida está fundamentada em factos não verdadeiros. 2.ª Não estão concluídas todas as operações de liquidação. 3.ª Continua por cobrar a dívida à massa falida do Ex-Liquidatário Judicial (…), condenado a pagar à massa falida da (…) a quantia de € 288.486,17 acrescida de € 12.121,74 e juros de mora, por sentença 6.07.2011, no processo comum coletivo n.º 15/01.1TAVRS, decisão confirmada pelo Acórdão do tribunal da relação de Évora de 21 de abril de 2015 (Processo n.º 15/01.1TAVRS.E2). 4.ª Continua por cumprir o despacho que ordenou a obtenção de informações junto das entidades competentes, consultando declarações e demais elementos protegidos pelo sigilo fiscal relativos ao antigo Administrador de Insolvência (…), contribuinte n.º (…), incluindo o seu domicílio, identificação do domicílio fiscal, identificação de imóveis registados em seu nome (respectiva localização e artigo matricial), existência de matrículas automóveis associadas ao seu nome e de créditos sobre a Fazenda Nacional, a título de reembolso de imposto, bem como obter informações sobre heranças. 5.ª Tendo sido detetada a irregularidade do mandato do signatário da reclamação de créditos do credor (…), e não tendo esse vício sido sanado, deverão ser daí retiradas as legais consequências”. Conclui pela procedência do recurso. Não foram oferecidas contra alegações. * II. Fundamentação De facto À decisão interessam os factos relatados em I. e ainda os seguintes: 1. Por sentença proferida em 6 de Novembro de 1996, confirmada por douto acórdão deste TRE de 1 de Julho de 1997, foi declarada a falência da sociedade (…), Sociedade Hoteleira do Sul, Lda. 2. Os credores (…) e (…) apresentaram nos autos em 23 de janeiro de 2018 requerimento [ref.ª 27978952], com o seguinte teor: “EXMO. SENHOR JUIZ DE DIREITO: (…), Soc. Imobiliários, Lda. e (…), credores nos autos de falência acima melhor identificados, notificados da Acta de Audiência de 12.01.2018, vem, m.r., expor e requerer de V. Exa. o seguinte: 1. No Ponto 6 do Despacho proferido em 12.01.2018, foi decidido cessar o pagamento de honorários ao mandatário judicial da massa falida, sr. Dr. (…), M.I. Advogado. 2. Mais foi decidido cessar o pagamento de honorários ao Administrador de Insolvência, sr. Dr. (…), a partir do final de Março de 2018. 3. Porém, de acordo com um requerimento apresentado pelo sr. Administrador de Insolvência no Apenso 75/14-CR, em 28.09.2017, “…a Massa Falida deve promover a execução de sentença condenatória que condenou o Réu Mário Nogueira, antigo liquidatário da Massa, ao pagamento à Massa Falida do valor de mais de 445.000,00 euros, resultante dos desvios de dinheiro ocorridos durante a sua gestão e que o tribunal entendeu que deve ser o montante a ressarcir à Massa”. 4. Atendendo a que o predito valor não se mostra referido na Liquidação (Apenso 75/14-J) nem nas Contas apresentadas pelo Administrador de Insolvência até 2016, requer a V. Exa. se digne solicitar ao Administrador de Insolvência se digne prestar as devidas informações aos Credores antes de findar a Liquidação da insolvência, designadamente mas não excluindo outras melhor determinadas por V. Exa.: a) A identificação do processo em que ocorreu a referida condenação; b) Em que data transitou a condenação referida; c) Qual o concreto montante a receber pela Massa Insolvente; d) Quais as diligências já desenvolvidas para cobrar o valor em causa; e) Como será distribuído o referido valor entre os credores; f) Quem representará os interesses da Massa Falida na execução em causa e qual a remuneração devida; g) Qual será o mandatário forense que assegurará o desempenho das funções próprias nesse processo e qual a remuneração devida”. 3. Notificado o sr. Administrador, veio pronunciar-se em 31/1/2018 [Ref.ª 28062003], o que fez nos seguintes termos: “(…), Administrador Judicial nomeado no processo à margem referenciado, tendo sido notificado do requerimento ora junto pelo credor (…), Lda. e outro, vem, mui respeitosamente informar o Tribunal do seguinte, a. O Ministério Público, pelo processo que correu termos no Tribunal Judicial de Vila Real de Santo António com o Processo Comum com Tribunal Colectivo, com o n.º 15/01.lTAVRS, veio acusar o anterior liquidatário Judicial (…) pela prática de um crime de abuso de confiança; b. Este processo encontra-se agora no Juízo Central Criminal de Faro-Juiz 1, com o mesmo número de processo (Processo n.º 15/01.lTAVRS). c. Nestes autos crime a Massa Falida deduziu um pedido de indemnização contra o mesmo tendo, a final, sido acordado pelo tribunal de 1ª instância e depois confirmado pelo Tribunal da Relação, a condenação do arguido na pena de 4 anos e 4 meses de prisão. d. Mais decidiu este Tribunal colectivo, confirmado posteriormente pelo Acórdão da Relação de Évora, este notificado à Massa Falida com data de 23-04-2015 , " ... suspender na sua execução aquela pena pela período de 4 anos e quatro meses de prisão sob a condição de o arguido proceder ao pagamento à massa falida da quantia de € 144.243,09 até se perfazerem 3 anos a contar do trânsito em julgado do presente acórdão e a restante parte do que se apropriou até ao termo da suspensão da execução da pena; Condenar o demandado (…) a pagar à massa falida da (…) – Sociedade Hoteleira do Sul, S.A., a quantia de 57.836.284$00 (correspondente a € 288.486,17) acrescida da quantia de Pts 2.183.274 (correspondente a € 13.121,74) e bem assim nos juros de mora calculados à taxa legal desde as datas dos efectivos recebimentos e até integral pagamento a liquidar em execução de sentença". e. É este o teor da sentença, e caso o Digníssimo Magistrado Síndico entenda que é de avançar com uma execução apesar de nada se saber – o que já não se sabia no ano de 2015 – sobre o paradeiro de (…) nem tão pouco sobre o seu património, aguarda-se autorização do mesmo para o efeito e as demais indicações para que a mesma venha a ser intentada”. 4. O requerimento referido em 2. mereceu do Tribunal o seguinte despacho [Ref.ª 108337594]: “(…) V - Requerimento datado de 23.01.2018 Atento o requerido, cumpre referir que é do meu conhecimento funcional que o Administrador (…) não possui bens em seu nome. A - Todavia, para melhor esclarecimento, proceda de imediato o Mandatário da massa a uma pesquisa junto das entidades competentes, a fim de apurar sobre a existência de bens em seu nome. Para o efeito, e tento em consideração que foi determinado que as funções do I. mandatário cessariam a 31 de Janeiro de 2018, prorrogo as suas funções pelo período de 15 dias. B - Por se afigurar essencial ao regular andamento da causa, e para a realização da justiça, depois de devidamente ponderados os interesses em conflito, autorizo o levantamento do sigilo (artigo 749.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 17.º do CIRE), por se considerar que existe fundamento para a quebra do regime de confidencialidade ou sigilo a que as informações pretendidas estão sujeitas. Pelo exposto, concede-se autorização para a obtenção das referidas informações junto das competentes entidades, porquanto essenciais ao prosseguimento dos autos, tudo ao abrigo do disposto nos artigos 418.º e 749.º, n.º 7, do supracitado diploma legal ex vi do artigo 17.º do CIRE. Consequentemente, o I. mandatário (…) e o Administrador da insolvência(…) estão autorizados a proceder a consultas nas bases de dados, consultando declarações e demais elementos protegidos pelo sigilo fiscal relativos ao Administrador (…) incluindo a identificação da sua entidade patronal e respectivo domicilio, identificação do domicílio fiscal, identificação de imóveis registados em seu nome (respectiva localização e artigo matricial), existência de matrículas automóveis associadas ao seu nome e de créditos sobre a Fazenda Nacional, a título de reembolso de imposto, bem como obter informações sobre heranças. Mais se autoriza que se levante o sigilo bancário para que se proceda à consulta e penhora do saldo de contas bancárias, em território nacional, existentes a seu favor. C - Notifique o Administrador da insolvência do requerimento que antecede para que preste todos os esclarecimentos solicitados. D - Mais deverá o Administrador da insolvência e o I. mandatário comparecer na reunião agendada para prestarem os esclarecimentos aos credores”. 5. Na reunião a que se alude no despacho a que se refere o ponto anterior, a qual teve lugar em 1 de Março de 2018, foi pela Sra. Juíza proferido o seguinte despacho, como da respetiva ata consta: “No que respeita à dívida do antigo Administrador de Insolvência (…), contribuinte n.º (…), perante a massa falida, determino que o sr. Advogado (…) proceda à obtenção de informações junto das entidades competentes, consultando declarações e demais elementos protegidos pelo sigilo fiscal relativos ao antigo Administrador de Insolvência (…), contribuinte n.º (…), incluindo o seu domicílio, identificação do domicilio fiscal, identificação de imóveis registados em seu nome (respectiva localização e artigo matricial), existência de matrículas automóveis associadas ao seu nome e de créditos sobre a Fazenda Nacional, a título de reembolso de imposto, bem como obter informações sobre heranças. Mais se autoriza que se levante o sigilo bancário para que se proceda à consulta do saldo de contas bancárias, em território nacional, existentes a favor do antigo Administrador de Insolvência (…), contribuinte n.º (…), bem como quaisquer valores mobiliários escriturais e titulados integrados em sistema centralizado, registados ou depositados, titulados pelo mesmo. Isto porque, se afigura essencial ao regular andamento da causa, e para a realização da justiça, depois de devidamente ponderados os interesses em conflito, autorizo o levantamento do sigilo fiscal (artigo 749.º, n.º 7, do Código de Processo Civil), por se considerar que existe fundamento para a quebra do regime de confidencialidade ou sigilo a que as informações pretendidas estão sujeitas. Pelo exposto, concede-se autorização para a obtenção das referidas informações junto legal ex vi do disposto pelo artigo 17.º do CIRE”. 6. Por requerimento entrado em juízo em 3 de Maio de 2018 o Il. Advogado (…) informou não ter “(…) interesse em aceitar continuar a patrocinar a Massa Falida nos termos em que se propõe a retoma dessa representação não aceitando a determinação constante do douto despacho por nunca se ter encontrado em situação de patrono nomeado do âmbito da lei do Acesso ao Direito/Apoio Judiciário”, requerendo que o seu nome fosse “definitivamente desanexado da plataforma Citius relativamente a este processo e a todos os seus apensos”. 7. Sobre o requerimento a que se reporta o ponto anterior recaiu despacho proferido em 16/5/2018 [Ref.ª 109474760]do seguinte teor: "XIII - Requerimento datado de 03.05.2018 Tomei conhecimento. Notifique o Administrador da insolvência para que tome as providências que considerar adequadas”. 8. Foi pela Associação dos Investidores do Hotel Apartamento (…) reclamado nos autos o crédito titulado pelo credor (…), tendo sido junta procuração alegadamente por este subscrita, conferindo poderes para o representar ao Il. mandatário da Associação. 9. Ao referido credor (…) foi atribuída no rateio a quantia de € 3.591,34, quantia que foi entregue à referida associação, através do seu Il Mandatário. 10. A Associação dos Investidores do Hotel Apartamento (…) procedeu à entrega do aludido montante ao credor, deduzido do valor de € 538,70, que disse reter para pagamento de quotizações em atraso, tendo aquele recebido a quantia líquida, por transferência bancária de 2019-07-03, de € 2.928,74. 11. O credor veio aos autos reclamar da aludida dedução, alegando não ter subscrito aquela procuração. 12. Notificado o D. Magistrado do MP, pronunciou-se em 06-03-2020, nos seguintes termos: (…) “O Ministério Público neste Tribunal, vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte: 1. Após consulta dos autos tivemos conhecimento do requerimento apresentado por (…), credor da falência, referência (…), através do qual são levantadas questões que se nos afiguram, no mínimo, estranhas, face ao que foi decidido relativamente aos pagamentos a realizar aos credores. 2. Resulta desse requerimento que o pagamento do valor a entregar a esse credor foi feito através de uma conta associada ao Banco, titulada por (…) e que ao valor que o credor devia receber por rateio foi, injustificadamente, retirada uma parte. 3. Estes dados permitem concluir que o administrador da falência poderá ter delegado as suas funções a uma entidade totalmente estranha aos presentes autos, sem a autorização do tribunal. 4. Ora, tal conduta, tomada à revelia do Tribunal, é inadmissível, face ao despacho judicial proferido nos autos, em 12-01-2018, onde foi decidido que os pagamentos aos credores seriam efectuados pelo A.F.. 5. Na verdade, apenas ao administrador da falência, sob a orientação do síndico, compete administrar os bem da massa, sendo o exercício desse cargo rigorosamente pessoal (cfr. artigo 1210.º, n.º 1 e 1211.º do CPC, aprovado pelo Decreto-lei n.º 44129, de 28-12-1961). Assim, requer-se que se notifique o Administrador da falência para: - esclarecer os factos trazidos aos autos pelo credor acima identificado; - informar se todos os credores já foram pagos; - juntar aos autos recibos de quitação de todos os pagamentos que já foram realizados”. 13. O identificado credor fez-se representar na Assembleia Geral de Credores de 22.03.2013 pela sra. Dra. (…), que juntou procuração “com poderes especiais passada a seu favor por (…), a qual, após examinada e rubricada pela Mmª Juiz, foi ordenada a sua junção aos autos”, conforme consta da ata respetiva. 14. Posteriormente, o mesmo credor (…) passou a ser patrocinado pelo Ilustre Advogado Dr. (…), que apresentou, em nome do credor, a reclamação sobre a dedução feita no valor atribuído no rateio. * De Direito A recorrente insurge-se em juízo contra o despacho proferido em 21 de Fevereiro de 2025, que determinou o encerramento do processo, dele constando como fundamento que “todas as operações de liquidação da massa falida se encontram concluídas e, bem assim, todos os pagamentos realizados a partir da conta bancária da massa falida”, “encontrando-se a mesma saldada, com todos os apensos encerrados”. Alega para tanto a apelante que se encontram ainda pendentes questões carecidas de resolução e não compatíveis com a decisão impugnada, indicando a existência de crédito da massa sobre o antigo administrador da falência, (…), de valor superior a € 445.000,00, reconhecido por sentença transitada, e, bem assim, a irregularidade do mandato conferido pelo credor que identifica. Vejamos se lhe assiste (ou não) razão. Resulta dos factos assentes a existência do crédito reconhecido no acórdão, transitado, que condenou o identificado (…) no pagamento das quantias referidas, e, bem assim, a existência de despachos judiciais determinando a realização de diversas averiguações tendo em vista a respetiva cobrança, das quais foi então incumbido o Il Advogado Dr. (…), que vinha assegurando o patrocínio da massa insolvente. Sucede, porém, que este Il advogado, pelos motivos que bem explanou no requerimento que apresentou em juízo, declarou não pretender retomar o mandato, que o tribunal declarara cessado meses antes, e, notificado o sr. Liquidatário, ao que resulta da posterior tramitação, nenhuma iniciativa tomou a este respeito. Cabe aqui recordar, retomando quanto se deixou dito na decisão que atendeu a reclamação da recorrente, efetuada ao abrigo do disposto no artigo 643.º do CPCiv., que se têm como aplicáveis aos presentes autos as normas do CPCiv. de 1961 atinentes ao processo de falência, e não o CPEREF (Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, aprovado pelo DL 132/93), a despeito deste último diploma se encontrar já em vigor à data em que foi declarada a falência da devedora (…), Lda., decretada que foi por decisão proferida em ata da assembleia de credores que teve lugar no dia 6 de Novembro de 1996, confirmada por douto acórdão deste TRE de 1 de Julho de 1997 (cfr. ponto 1 dos factos assentes). Com efeito, tendo os presentes autos tido o seu início dias antes da entrada em vigor do referido DL 132/93 (que iniciou a sua vigência em 23 de Julho de 1993, decorridos os 90 dias de vacatio legis consagrada no n.º 1 do mesmo preceito), importa atender à ressalva constante do n.º 3 do art.º 8.º do mesmo diploma, na sua versão original, que excetuava da aplicação da nova lei “as acções pendentes à data da sua entrada em vigor”, sem distinguir entre os processos de insolvência e os instaurados ao abrigo do até então vigente DL n.º 177/86. Face ao assim estipulado entendia-se, como resulta do acórdão do TRL de 16/1/1997 (n.º convencional JTRL00025765, acessível em www.dgsi.pt), que “As regras do Dec. Lei nº 177/86 de 02 de Junho relativas ao processo de recuperação de empresa e as do Código de Processo Civil concernentes ao processo de falência são aplicáveis às acções de recuperação da empresa instauradas anteriormente a 23 de Abril de 1993, não obstante a declaração de falência haver ocorrido depois daquela data”. O panorama descrito veio, todavia, a sofrer modificação na sequência da entrada em vigor do DL 157/97, de 24 de Junho, que alterou o dito artigo 8.º do DL 132/93 (CPEREF), o qual passou a ter a seguinte redação: “3 - Sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, para a extinção das câmaras de falências, o novo Código não se aplica às acções de falência pendentes à data da sua entrada em vigor” (é nosso o destaque). Face à alteração verificada, não faltou quem defendesse – sirva de exemplo o acórdão do STJ de 12 de Março de 1998 (processo 97 B 839), de que está publicado apenas o sumário – que “I. O artigo 1.º do DL 157/97, de 24 de Junho, enquanto alterou o artigo 8.º, n.º 3, do DL 132/93, de 23 de Abril, tem carácter interpretativo; II. Com a declaração de falência decretada em processo especial de recuperação abre-se nova instância, outra acção, com aproveitamento do processado da anterior; III. Na nova acção, a de falência, é aplicável o CPEREF, ainda que o processo de recuperação se tivesse iniciado antes da entrada em vigor do referido Código”. Não cremos, todavia, que tal entendimento corresponda à melhor interpretação do preceito, porquanto, atentando no teor do Preâmbulo do dito DL 157/97, verifica-se que nele se justifica a opção pela aplicação do CPEREF às acções pendentes à data da sua entrada em vigor pelas previsíveis dificuldades de articulação entre os dois processos, “com as diferenças substanciais de regime previstas como consequências da declaração da falência e com a regulamentação de matérias substantivas que ambos os decreto-lei estabelecem, apesar da sua natureza adjectiva”, concluindo que “todas as razões apontadas radicam no processo falimentar e apenas marginalmente concernem ao processo de recuperação”. Partiu todavia o legislador da constatação de que “Passados que são 11 anos sobre a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 177/86 e 4 sobre a do Decreto-Lei n.º 132/93” existe uma centena e meia de processos de recuperação pendentes que foram iniciados antes de 1993” e que “o regime em vigor é tendencialmente mais favorável à recuperação de empresas do que o definido em 1986”, entendendo por isso que se impunha “(…) quanto aos processos especiais de recuperação da empresa, proceder à uniformização do regime processual, passando a aplicar-se a todos os processos daquela espécie, qualquer que seja a fase em que se encontrem, o mesmo regime, ou seja, o consagrado pelo Decreto-Lei n.º 132/93”. Atentando nas razões adiantadas, afigura-se ter sido intenção do legislador submeter à disciplina do CPEREF, pela sua natureza mais favorável à recuperação das empresas, apenas os processos de recuperação então pendentes, mantendo todavia a ressalva quanto àqueles, como o vertente, em que a insolvência tivesse sido já decretada, em relação aos quais não procediam os fundamentos invocados no preâmbulo para justificar a alteração da norma transitória consagrada no referido artigo 8.º (cfr., neste sentido, com argumentação que subscrevemos amplamente, o acórdão do TRP de 3 de Junho de 2004 (processo 0432536, n.º convencional JTRP00036967, acessível em www.dgsi.pt[1]). Deste modo, embora a declaração de falência tenha ocorrido já na vigência do CPEREF, tendo os presentes autos tido o seu início como processo de recuperação sob a égide do DL 177/86, conforme se concluiu já, a sua tramitação é regulada pelas normas do CPC de 1961 relativas à falência, a qual, de resto, tem vindo a ser observada, o que assume relevância para a solução da questão colocada no recurso e sobre a qual nos cabe pronunciar. O CPC não continha, tal como o CPEREF, e ao invés do que hoje ocorre, um preceito idêntico ao artigo 230.º do CIRE, justamente epigrafado de “Quando se encerra o processo”. No entanto, considerando, como observam Carvalho Fernandes e J. Labareda (CIRE anotado, 2.ª edição, pág. 874) em anotação ao preceito, que “o encerramento do processo depois de realizado o rateio final, explica-se por si mesmo”, deve entender-se que fundamentava igualmente o encerramento do processo de falência tramitado sob a égide do CPC de 1961[2]. Dispunha o diploma citado, no seu artigo 1259.º que “1. A distribuição e rateio final do produto da liquidação serão efectuados pela secretaria do tribunal quando o processo for remetido à conta e em seguida a esta. 2. Se as sobras da liquidação forem de tão pequena importância que não possam cobrir as despesas deste rateio, serão atribuídas ao Cofre Geral dos Tribunais”. O preceito vindo de transcrever veio a ser revogado pelo Decreto 49213, de 23 de agosto de 1969, que no seu artigo 12.º deferiu ao administrador nomeado a competência para o pagamento das custas e realização da distribuição e rateios finais, regulando ainda os pagamentos, cabendo finalmente ao MP verificar se a conta se encontrava saldada. Trata-se de alteração que, todavia, não prejudica a conclusão de que a realização do rateio final, após a remessa do processo à conta e em seguida a esta, hoje expressamente prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE (cfr. ainda o artigo 182.º do mesmo diploma), já devia então considerar-se causa do encerramento do processo. No entanto, e ao invés do que veio a prever o CPEREF no n.º 2 do art.º 186.º (disposição introduzida pelo DL 315/98, de 20/10[3]), o CPC não previa a possibilidade de apreensão e liquidação no processo de falência encerrado de bens supervenientes do falido comerciante, solução que se achava expressamente prevista no n.º 2 do artigo 1232.º apenas para a insolvência dos não comerciantes (solução e distinção agora de alguma forma retomada no CIRE que, na sequência das alterações introduzidas pela Lei 9/22, de 11 de janeiro, aditou o artigo 241.º-A, justamente epigrafado de liquidação superveniente, e que abriu a possibilidade de apreensão e liquidação de bens que sobrevenham ao devedor pessoa singular durante o período de cessão[4]). Deflui do exposto que, uma vez encerrado o presente processo, com a consequente cessação de funções do Síndico – sendo que, ao que resulta dos autos, há muito foi determinada a cessação de pagamentos ao sr. Administrador –, ainda a verificar-se o pagamento pelo devedor do crédito reconhecido na sentença condenatória, não seria o mesmo apreendido e liquidado à ordem dos presentes autos de falência, tornando ainda irrelevante o resultado do inquérito identificado na decisão recorrida, cujo desfecho, conforme nela se refere, “interessará para os presentes autos”. Daqui não resulta, faz-se notar, que deva manter-se aberta a liquidação e, consequentemente, pendente o processo, eventualmente até à data em que ocorra a prescrição do crédito que a devedora tem sobre o aludido (…), se o mesmo se apresenta, como parece ser o caso, de cobrança duvidosa, ou seja, sem que haja qualquer expetativa fundada de que venha a ser bem sucedida, v. g. por não serem conhecidos quaisquer bens ao devedor. Não obstante, atendendo às finalidades do processo de falência, é necessário que seja decidido o seu destino (ficando aberta a possibilidade de, uma vez encerrado o processo, os credores da insolvente não integralmente satisfeitos lançarem mão de eventual ação de sub-rogação, se nisso virem interesse). Do mesmo modo, tendo-se suscitado nos autos a questão da irregularidade do mandado conferido ao Il advogado pelo credor (…), importa confirmar se, como parece, ratifica o ato pelo mesmo praticado, na circunstância, a apresentação da reclamação de créditos. Decorre do exposto que, subsistindo um bem no ativo da falida, no caso, o crédito que lhe foi reconhecido por sentença transitada sobre (…), não se encontram reunidos os pressupostos que permitem o encerramento do processo, a impor a revogação da decisão recorrida, em ordem a averiguar se é ou não viável a sua cobrança, decidindo-se depois do destino final dos presentes autos em conformidade. * III. Decisão Acordam as juízas da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso, revogando a decisão de encerramento do processo, a fim de ser averiguado se é ou não viável a cobrança do crédito reconhecido à falida nos termos acima explanados, decidindo-se depois em conformidade do destino dos presentes autos. Sem custas. * Sumário: (…) * Évora, 13 de Novembro de 2025 Maria Domingas Alves Simões (Relatora) Isabel de Matos Peixoto Imaginário (1ª Adjunta) Ana Margarida Pinheiro Leite (2ª Adjunta) __________________________________________________ [1] Nele se argumenta que, apesar de a aplicação da lei nova aos processos de insolvência “(…) poder ser sustentada na relativa autonomia dos processos de recuperação de empresa e falência, bem como no princípio da aplicação imediata das leis do processo (…) um argumento literal parece impor-se, face à redacção inicial do citado n.º 3 do artigo 8.º do DL 132/93, a não aplicação do CPEREF ao caso em presença, por a acção estar já pendente à data da entrada em vigor daquele mesmo Código. Por outro lado, utilizando argumentos de ordem substancial, afigura-se-nos ser de pouco significado a independência entre os dois falados processos – de recuperação de empresa e de falência – já que estamos diante de processos funcionalmente afins, como se reflecte no Preâmbulo daquele DL n.º 132/93”. [2] Faz-se notar que o encerramento da liquidação e consequente arquivamento dos autos ocorre ainda que o devedor exerça atividade geradora de rendimentos que acresceriam à massa. E isto embora decorra do disposto no artigo 46.º, nºs 1 e 2, que a massa insolente abrange, não só o património do devedor existente à data da declaração de insolvência, mas ainda os bens e direitos que adquira na pendência do processo e não estejam isentos de penhora. Com efeito, e conforme anotam C. Fernandes e J. Labareda em anotação ao artigo 182.º (CIRE Anotado, 2ª edição, nota 7, pág. 709), “(…) a parte final do n.º 1 do preceito vem, precisamente, excluir a possibilidade de a liquidação se manter aberta apenas e só pela expetativa dos rendimentos gerados pela atividade do insolvente”. [3] O preceito, epigrafado de “Inexistência de bens”, passou a ter, na sequência da introdução do n.º 2, a seguinte redação: “1. Se não houver bens susceptíveis de apreensão no património do falido, o liquidatário judicial, ouvida a comissão de credores, levará a informação do facto aos autos, sendo o processo imediatamente concluso ao juiz, para que o julgue extinto por inutilidade da lide, sem prejuízo da entrega ao Ministério Público, para os devidos efeitos, dos elementos que indiciem a prática de qualquer infracção criminal. 2. A decisão de extinção a que se refere o número anterior pode ser revogada a todo o tempo, se forem encontrados bens susceptíveis de apreensão”. Carvalho Fernandes e João Labareda, em comentário ao preceito alterado, referem que “resulta do n.º 2, agora introduzido neste preceito, que a extinção do processo não é irremediável, podendo ele ser reaberto «a todo o tempo», se posteriormente forem encontrados bens susceptíveis de apreensão. Neste caso, a decisão da extinção é revogada e o processo prossegue na fase em que se encontrava. Compreende-se que não se tenha fixado prazo para a reabertura do processo, pois dominou aqui a preocupação de tutela dos credores (...)” in Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência Anotado, 3ª edição, 2ª Reimpressão, Quid Juris, Lisboa, 2000, pág. 464. [4] Trata-se, todavia, como adverte Fernando Tainhas, no estudo “Liquidação (Velhos e Novos Problemas”, na Revista Julgar n.º 48, 2022, págs. 55 e seguintes, de “um mecanismo excecional de liquidação ordenado à atribuição do fiduciário de competência liquidatária para os bens ou direitos com conteúdo patrimonial que o devedor adquira após o encerramento da fase de liquidação e do processo de insolvência, durante o período da cessão. (…) Com efeito, não estamos perante um instituto de cariz geral de reabertura do processo de insolvência, que permita que se reabra todo e qualquer processo de insolvência, caso ocorra uma situação de superveniência de ativo na esfera de um qualquer devedor. De facto, a aplicabilidade do instituto mostra-se duplamente circunscrita: apenas à fase processual de liquidação do património do devedor e aos processos de insolvência de pessoas singulares, nos quais haja sido admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e que se encontre em curso o período da cessão”. |