Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
431/23.8T8RMR.E1
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: COMPROPRIETÁRIO
LOCAÇÃO
VALOR COMERCIAL
USO
Data do Acordão: 11/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. Não podendo um dos comproprietários impor ao outro o uso permanente e exclusivo da fração comum, por tal implicar a privação do respetivo uso por banda da consorte, e não havendo acordo sobre a utilização, a permanência do primeiro configura a prática de um ilícito.
II. Tendo resultado provado que a autora/apelante pretendia rentabilizar o investimento efetuado com a aquisição da quota da fração, procedendo designadamente à locação do imóvel, e não estando a ré vinculada a celebrar com a apelante um contrato de arrendamento, encontra-se no entanto obrigada, na sua qualidade de autora do facto ilícito danoso, a compensá-la pelo dano sofrido e que corresponde ao valor do uso que excede a quota de que é titular.
III. Para efeitos do cálculo respetivo é perfeitamente razoável e adequado o recurso ao valor locativo da fração como critério referencial.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 431/23.8T8RMR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém
Juízo de Competência Genérica de Rio Maior


I. Relatório
(…), Unipessoal, Lda., com sede no Caminho do (…), Edifício (…), n.º 138, Bloco (…) – loja W – (…), Funchal, Ilha da Madeira, instaurou contra (…), residente na Praceta (…), 15, 3º-Esq., Loteamento (…), Rio Maior, a presente ação declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, pedindo a final a condenação da demandada no pagamento de € 5.731,50 (cinco mil e setecentos e trinta e um euros e cinquenta cêntimos), e ainda na quantia mensal de € 439,50 (quatrocentos e trinta e nove euros e cinquenta cêntimos) até efetiva entrega da fração, quantias sobre as quais devem incidir juros de mora a partir da citação, contados à taxa anual de 5%, nos termos do disposto no artigo 829.º-A, n.º 4, do Código Civil.
Em fundamento alegou, em síntese, ser comproprietária, conjuntamente com a ré, da fração autónoma que identificou, tendo adquirido ½ da mesma em ação executiva que correu termos contra o anterior consorte. Ocorre que a ré vem usando e fruindo da totalidade do imóvel, com exclusão da demandante, que assim se vê privada do respetivo uso, ilícito gerador da obrigação de indemnizar, reclamando a este título o valor correspondente a metade do valor locativo do imóvel, dado ser sua intenção a colocação do mesmo no mercado do arrendamento.

Citada, a ré apresentou contestação, peça na qual alegou residir na fração identificada pela autora com os seus filhos menores desde 2005, data em que a adquiriu em conjunto com o seu ex-companheiro, vindo a quota de que este era titular a ser adquirida pela demandante em processo executivo contra o mesmo instaurado. Mais alegou que, na sua qualidade de comproprietária, lhe é lícito utilizar a fração, inexistindo fundamento para pagar à autora qualquer montante indemnizatório, dado que esta nunca fez menção de usar o imóvel, a implicar a improcedência da ação.
Formulou ainda pedido reconvencional, pedindo a condenação da autora reconvinda no pagamento da quantia de € 463,09, correspondente a metade das despesas comuns que tem vindo a suportar integralmente e, acusando-a de atuar com má-fé, servindo-se de mecanismos de pressão para obrigar a contestante a vender a sua parte por “uma bagatela”, por sabê-la sem recursos financeiros e com duas filhas menores a seu cargo, pediu a sua condenação a este título em valor a arbitrar pelo tribunal.

Teve lugar a audiência final, no termo da qual veio a ser proferida sentença que decretou como segue:
a) julgou a ação improcedente, absolvendo a Ré do pedido;
b) julgou parcialmente procedente a reconvenção, condenando a autora reconvinda a pagar à reconvinte a quantia de € 431,09 (quatrocentos e trinta e um euros e nove cêntimos);
c) absolveu a autora do pedido de condenação como litigante de má fé.

Inconformada com a sentença na parte em que lhe foi desfavorável, apelou a autora e, tendo desenvolvido na alegação que apresentou os fundamentos da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões:
A. Vem este recurso interposto da Douta Sentença que julgou totalmente improcedente a Acção Declarativa de Condenação intentada contra a Recorrida, por considerar não provados os factos;
B. Consequentemente, o tribunal absolveu a Recorrida, por entender que não houve ilicitude na sua conduta, uma vez que esta não violou qualquer direito subjectivo da Recorrente, nomeadamente o direito de uso, fruição e disposição do imóvel. Considerou-se que não existiu ocupação exclusiva com oposição manifesta ao uso por parte da Recorrente, nem se verificou qualquer intenção desta em aceder, usar ou fruir do bem;
C. O Tribunal assentou erradamente a sua convicção decorrente da análise dos documentos juntos aos autos, nomeadamente da carta de interpelação enviada pela Recorrente (doc. 3) à Recorrida, para fins manifestar vontade de usufruir em condições de igualdade do imóvel em causa, bem como do estudo de mercado (doc. 4), em cujo valor se baseia o cálculo da compensação por privação de uso do bem. (…)
D. (…)
Os factos A): a), b), c) e d) que a Nobre Julgadora considerou não provados merecem ser colocados como factos provados, devendo entender o seguinte: no item A), que a Recorrida não demonstrou interesse em compor a situação, nunca deu acesso a Fracção a Recorrente, e segue indiferente e ignorando o direito de terceiros ao permanecer no imóvel, e nunca veio aos autos demonstrar que a tenha procurado no intuito de honrar o direito da comproprietária;
E. No item B), que a Recorrida foi interpelada diversas vezes pela comproprietária e nunca possibilitou o acesso da mesma ao imóvel;
F. No item C), que a Recorrente utilizou dos meios que disponha, e que era possível para exercer o seu direito de compropriedade, mas a Recorrida não correspondeu as possibilidades da comproprietária exercer efectivamente esse direito;
G. No item D) Que a Avaliação do Estudo de Mercado do imóvel foi o meio mais técnico que a Recorrente se disponha para balizar o valor da indemnização por uso excluso por parte da Recorrida.
Conclui que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, em virtude “da má apreciação dos factos e dos direitos”, impondo-se a sua revogação e sua substituição por um acórdão que julgue a ação procedente, dando como provados os factos considerados não provados A): a), b), c) e d).
A Ré apresentou resposta, pugnando naturalmente pela confirmação do decidido.
*
Sabido que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objeto do recurso, não questionando a apelante a sua condenação no pedido reconvencional, decisão que, neste segmento, se mostra transitada em julgado, são as seguintes as questões a decidir:
i. Determinar se ocorreu erro de julgamento quanto aos factos dados como não provados sob as alíneas a), b), c) e d);
ii. Determinar se ocorreu erro de interpretação e aplicação do direito.
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i. da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
A autora insurge-se contra a decisão de julgar não provada a factualidade vertida nas alíneas a) a d) dos factos não provados, que pretende terem resultado, todos eles, provados, com as redações que sugere. Tal factualidade resultou, em seu entender, provada, por força da confissão feita pela ré nos articulados e documentos juntos, decorrendo ainda dos diversos factos julgados assentes.
Vejamos, pois, se tem fundamento a sua pretensão modificativa.
Está em causa a seguinte factualidade:
a) A Autora não tem acesso à fração identificada em 1 da matéria de facto provada.
b) A Ré impossibilitou o acesso da Autora à fração identificada em 1 da matéria de facto provada.
c) A ocupação por parte da Ré da fração identificada em 1 da matéria de facto provada impossibilita a Autora de lhe dar a utilização que entender, nomeadamente de receber uma contrapartida pela ocupação por terceiros, permitindo-lhe gerar rentabilidade financeira.
d) Se a fração identificada em 1 da matéria de facto provada fosse alvo de um contrato de arrendamento renderia, pelo menos, a quantia mensal de € 879,00 (oitocentos e setenta e nove euros), correspondente às condições de mercado existentes desde 12/2022.
Antes de mais, e como decorre do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPCiv., comando também aplicável aos Tribunais da Relação ex vi do n.º 2 do artigo 663.º, o juiz na sentença deve tomar em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, extraindo ainda dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência.
No que ao caso dos autos diz respeito, parece evidente que, ao invés do decidido – cfr. alíneas a) e c) dos factos não provados – a autora não tem acesso à fração comum e a ocupação que a ré vem fazendo da mesma impede aquela de também a utilizar e fruir, designadamente através da locação a terceiros. E assim é, desde logo, porque a ré, no seu articulado, reconhece que o gozo da fração pela autora “não é materialmente possível” (cfr. artigo 79º do articulado de contestação), o que resulta do facto de residir na mesma com as suas duas filhas, não sendo concebível que aquela instalasse no imóvel, por exemplo, o seu sócio gerente, ou locasse, sem o acordo da consorte – o que a lei não permite – a fração ou parte determinada da mesma (v. g. um dos quartos), quando está em causa a casa de morada de família da ora apelada. Resulta assim das regras da experiência comum ou autorizadas presunções judiciárias, nos termos dos artigos 349.º e 351.º do CC, que a ocupação por parte da Ré da fração comum impede a autora de a usar e fruir, em igualdade de circunstâncias, tal como obstaculiza o seu eventual arrendamento a terceiros, ainda que de parte da mesma ou por períodos determinados, recebendo uma contrapartida por tal ocupação. Todavia, reconhecendo o teor eminentemente conclusivo da proposição, não integrará o elenco dos factos provados, sem prejuízo da sua consideração em sede própria.
No que respeita ao facto referido em b), tendo a autora proposto logo na missiva enviada à ré em 22 de Agosto de 2022, para além do mais que dela consta, que poderia continuar a usar a fração em exclusivo mediante uma compensação financeira, assim propondo um acordo, logo ressalvou que na falta dele pretendia ter acesso ao imóvel, solicitando a entrega de uma cópia da chave. Acresce que, como resulta do facto assente em 13, em Julho de 2023 a autora bloqueou a fechadura da fração e, a fazer fé no teor da “notificação” ali referida, documento não impugnado, terá procedido à sua substituição, disponibilizando à ré o duplicado das chaves, evidência de que não tinha antes acesso à fração, a permitir inferir, mais uma vez por apelo a autorizada presunção judiciária, de que esta não tinha correspondido à solicitação da primeira no sentido de lhe fazer entrega de uma cópia das chaves. Tudo para concluir ter resultado provado que “a ré não satisfez a solicitação da autora no sentido de lhe fazer entrega de uma cópia das chaves da fração”.
Por último, e o que respeita ao facto não provado em d), sustenta a autora que o relatório de avaliação imobiliária que juntou deve ser considerado para o efeito prova bastante, por ter sido elaborado com recurso a métodos usualmente utilizados e aceites para cálculo do valor locativo dos imóveis. Vejamos se lhe assiste razão.
Previamente, cabe esclarecer que o dito relatório se apresenta apenas como um documento particular, não tendo valor de perícia, estando assim, tal como a prova pericial, sujeito à livre apreciação do julgador. E na apreciação do seu valor probatório, posto que impugnado pela ré quanto às conclusões nele exaradas, afigura-se de sancionar o juízo que, a este propósito, foi feito pela 1ª instância, no sentido da sua insuficiência para dar como assente o facto vertido em d).
Antes de mais, faz-se notar que, conforme o autor do dito relatório reconhece logo de início, “não existe mercado de arrendamento semelhante em Rio Maior”, tendo encontrado o valor locativo da fração por recurso a uma taxa de capitalização de 6%, com 2% de encargos, valores cuja racionalidade não explica. Depois, sendo o documento omisso quanto à tipologia da mesma (embora saibamos pelo teor da certidão matricial que se trata de um T3), nele vem mencionada a realização de obras de remodelação, incluindo cozinha e wc novos, portas, janelas e piso, entre outros, ou seja, trabalhos de vulto, com potencial portanto para repercutir no valor locativo da fração. Sucede, porém, que nenhuma referência aos mesmos foi feita no processo -afigurando-se, além do mais, a sua execução incompatível com a pela ré alegada situação de fragilidade financeira- desconhecendo-se a origem da informação que nesse sentido foi recebida pelo autor do relatório, que não terá, ao que resulta dos autos, visitado o imóvel. Acresce que tendo a autora como objeto social, ao que resulta da certidão permanente junta aos autos, “compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para o mesmo fim”, a par da “remodelação de edifícios, atividades de arrendamento e exploração de bens imobiliários”, presumindo-se o seu conhecimento nesta matéria, resulta das missivas enviadas à ré que fixou o valor locativo da fração em € 650,00 no ano de 2022 valor que considerando os coeficientes de valorização das rendas, nunca permitiria que se atingisse em 2023 o montante de € 878,50 agora reclamado. Deste modo, infirmada pela própria autora a conclusão do relatório que apresentou, na parcial procedência da impugnação que incidiu sobre a alínea d) dos factos não provados dá-se por assente apenas que “A fração identificada em 1 tem um valor locatício não concretamente apurado”.
Por se encontrar documentalmente provado – cfr. certidão permanente junta aos autos –, ao abrigo do preceituado nos artigos 607.º, n.º 4 e 663.º, n.º 2, do CPCiv., determina-se o aditamento aos factos provados do objeto social da autora.
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II. Fundamentação
De facto
Estabilizada, é a seguinte a factualidade a atender:
1. A fração autónoma, designada pela letra “R”, correspondente ao 3º andar esquerdo, destinada a habitação, e de uma arrecadação, no sótão com o n.º 7, as quais fazem parte integrante do prédio urbano, sito em (…), Vale (…), Fonte (…), Urbanização (…), denominado Lote 2, Rio Maior, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior sob o n.º (…), tem registo de aquisição – compra –, pela Ré e (…), pela Ap. (…), de (…).
2. No dia 2022/10/19, no escritório do solicitador (…), sito em Leiria, a Primeira – Parte Vendedora – … (Agente de Execução no processo n.º 4390/15.2T8ENT, que corre os seus termos no Tribunal Judicial de Santarém – Entroncamento – Juízo de Execução-Juiz 3) e a Autora na qualidade de Segunda – Parte Compradora –, outorgaram escritura pública denominada “compra e venda”, com o seguinte teor, no que ao caso releva:
“Entre:
Identificação dos Intervenientes:
Primeira – Parte Vendedora:
(…), que também usa e é conhecida por (…), divorciada, natural da freguesia de (…), concelho de Lisboa, Agente de Execução, com a cédula profissional (…) e domicílio profissional na Rua (…), n.º 59, Leiria, portadora do Cartão de Cidadão n.º (…), válido até (…), emitido pela República Portuguesa, designada Agente de Execução, no processo de execução n.º 4390/15.T8ENT, que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Entroncamento – Juízo de Execução – Juiz 3, doravante designada por Primeira Outorgante.
Segunda – Parte Compradora:
(…), Unipessoal, Lda., com sede em Caminho do (…), Edifício (…), n.º 138, Bloco B, 1.º Frente, Sítio da (…), (…), Funchal, Madeira, com o número único de pessoa coletiva e de matrícula 508.403.049, aqui representada por, (…), NIF (…), solteira, maior, de nacionalidade Brasileira, com domicílio profissional no referido Caminho do (…), Edifício (…), n.º 138, Bloco B, 1.º Frente, Sítio da (…), (…), Funchal, Madeira (…), doravante designada por Segundo Outorgante.
É celebrado o presente contrato de compra e venda, que se rege pelas cláusulas seguintes:
Primeira: Declarou a Primeira Outorgante, na invocada qualidade que:
No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Entroncamento – Juízo de Execução – Juiz 3, corre termos o processo de execução n.º 4390/15.2T8ENT, em que é executado (…), NIF (…) e exequente a Autoridade de Supervisão de Seguros, atualmente designada por Fundo de Garantia Automóvel, NIPC (…).
Segunda: Que consta dos referidos autos, que a Primeira Outorgante foi encarregue de proceder à venda dos seguintes bens:
(…)
Verba dois – Metade Indivisa da Fração Autónoma, designada pela letra “R”, composta de 3º andar esquerdo, destinada a habitação e uma arrecadação no sótão com o n.º 7, a qual faz parte integrante do Prédio Urbano, afeto ao regime da propriedade horizontal, sito em (…), Vale (…), Fonte (…), Urbanização (…), denominado Lote 2, Rio Maior, descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior sob o n.º (…), Rio Maior, onde se mostra registada a aquisição, a favor do ora executado, pela Ap. (…), de (…), e a constituição da propriedade horizontal pela Ap. (…), de (…), inscrito na matriz predial sob o artigo (…), Fração (…), da freguesia e concelho de Rio Maior, com o valor patrimonial tributável para efeitos de IMT, relativo à quota-parte de € 30.547,77 (trinta mil e quinhentos e quarenta e sete euros e setenta e sete cêntimos).
(…)
Quarta: Que pelo presente documento particular, a 1ª Outorgante, na invocada qualidade, vende à 2ª Outorgante, (…), Unipessoal, Lda., o referido direito no prédio acima identificado (…).
Quinta: Que a adquirente procedeu ao pagamento do preço à ordem do referido processo, em 2022/09/23, através da entidade (…) e referências multibanco que lhe foram fornecidas para o efeito (…) relativo à verba dois, dando aqui a 1ª Outorgante a correspondente quitação.
Sexta: Declara a 2ª Outorgante, na invocada qualidade, aceitar a presente compra e venda nos termos exarados, para a sociedade sua representada e que os direitos nos prédios ora adquiridos se destinam a revenda (…).”
3. A quota adquirida (1/2) e adjudicada à Autora por escritura, referida no ponto 2 supra, encontra-se inscrita na matriz predial urbana sob o artigo (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior sob o n.º (…), com registo de aquisição – compra em processo de execução – a favor da Autora, correspondente à Ap. (…), de (…).
4. A Ré mantém uso da fração identificada em 1 da matéria de facto provada, como sua habitação permanente, desde, pelo menos, 2005/11/11, onde reside com as suas filhas.
5. A Autora remeteu à Ré carta registada datada de 2022/08/22, com o assunto “propriedade comum”, com o seguinte teor, no que ao caso releva:
“Exma. Senhora,
(…), Unipessoal, Lda., N.I.P.C. (…), com morada na Rua do (…), Bloco C-3º andar, letra Y – Quinta do (…), Código Postal (…) – Ilha da Madeira, vêm, proceder com a presente notificação do que segue.
Como é do conhecimento de V. Exa., a notificante em 9 de agosto de 2022, formalizou Adjudicação para adquirir ½ da fração autónoma descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior (…), da freguesia de Rio Maior, identificada na Matriz Predial sob o artigo (…), da mesma Freguesia e Concelho, passando a ser comproprietária do referido imóvel.
Muito embora possua o direito legal de poder servir-se da coisa comum, a verdade é que a situação de compropriedade tem impossibilitado o exercício legal de uso, gozo e fruição da propriedade em igualdade de circunstâncias, violando a lei que determina que é lícito a cada um dos comproprietários servir-se da totalidade da coisa.
Além do mais, o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior, razão pela qual vem a notificante demonstrar a intenção de aceder, usar e fruir da propriedade comum em igualdade de circunstâncias.
Sendo assim, visando a solução pacífica do presente caso, vem a notificante, requerer a V. Exa., realize o pagamento da metade do valor da renda média do bem, qual seja € 325,00 (trezentos e cinte e cinco euros), tendo em vista que a renda média do imóvel citado é por volta dos € 650,00 (seiscentos e cinquenta euros).
Enfatiza que V. Exa., deverá realizar o pagamento de todos os meses que estiver no imóvel, desde a aquisição da metade do bem pela notificante, no dia 6 de cada mês.
Sendo assim, o valor acumulado que deve ser pago atualmente perfaz a quantia de € 325,00 (trezentos e vinte e cinco euros), conforme descrito abaixo:
06/08/2022 = € 325,00
Desta forma, deve V. Exa., realizar o pagamento supra no prazo de 15 (quinze) dias a contar da receção da presente missiva.
Sendo, ainda, do seu interesse solucionar pela venda da sua fração à notificante, informa à V. Exa., que deverá manifestar-se nesse sentido no mesmo prazo acima informado.
Todavia, não ocorrendo qualquer das duas manifestações no referido prazo, solicita que V. Exa., entregue imediatamente uma cópia das respetivas chaves do imóvel à notificante, podendo agendar dia e hora para tal ato, posto que na posição de comproprietária a notificante tem esse direito consagrado na lei.
(…).”
6. A Autora remeteu à Ré carta registada datada de 2023/03/21, com o assunto “propriedade comum”, com o seguinte teor, no que ao caso releva:
“Exmo(a). Senhor(a),
(…), Unipessoal, Lda., N.I.P.C. n.º (…), com morada no Caminho do (…), Edifício (…), n.º 138, Bloco (…), loja W, freguesia de (…), concelho Funchal – Ilha da Madeira, vêm, proceder com a presente notificação do que segue adiante:
Como é do conhecimento de V. Exa., a notificante em 19 de outubro de 2022, adquiriu mediante Escritura Pública a ½ das frações autónomas designadas pelas letras “R” e “C”, destinadas a habitação e estacionamento coberto, sito na (…), Vale de (…), Fonte (…), Urbanização (…), denominado Lote 2 e Cave, Rio Maior, descrito na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior sob o n.º (…), da freguesia (…), identificada na Matriz Predial sob o artigo (…), da freguesia e concelho de Rio Maior, passando a ser comproprietária do(s) referido(s) imóvel(is).
Entretanto, tendo em conta que o imóvel adquirido continua a ser usufruído exclusivamente por V. Exa., contra a vontade da Adquirente, por se tratar de um bem comum, e, portanto, também teria o direito a gozar da plenitude do bem, enquanto legítima comproprietária.
Muito embora detenha o direito legal de poder servir-se e usufruir da coisa comum, a verdade é que a notificante tem sido impossibilitada do exercício legal de uso, gozo e fruição da propriedade em igualdade de circunstâncias, violando a lei, que determina que é lícito a cada um dos comproprietários servir-se da totalidade da coisa.
Além do mais, o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior, razão pela qual, vem, a minha Constituinte demonstrar a intenção de aceder, usar, fruir da propriedade comum em igualdade de circunstâncias.
Sendo assim, visando a solução pacífica do presente caso, vem a notificante, requerer a V. Exa., realize o pagamento de indemnização pelo uso do imóvel, nos termos aqui descritos.
Enfatiza-se que V. Exa., deverá realizar o pagamento de todos os meses que estiver no imóvel, a contar desde a data em que o imóvel foi adquirido pela notificante, ou seja, no quinto dia de cada mês.
Pelo que, deve V. Exa., realizar o pagamento supra no prazo máximo de 10 dias a contar da receção da presente missiva.
Destaca-se ainda que, sendo do interesse de V. Exa., proceder com a venda da sua quota parte da fração à notificante, informa a V. Exa., que deverá manifestar-se nesse sentido no mesmo prazo acima indicado.
Todavia, não ocorrendo qualquer das duas manifestações no referido prazo, solicita que V. Exa., entregue imediatamente uma cópia das respetivas chaves do imóvel à notificante, podendo agendar dia e hora para tal ato, posto que na posição de comproprietária a notificante tem esse direito consagrado na lei.
(…)”.
7. A Ré remeteu à Autora por e-mail datado de 2023/03/27, com o assunto “M/ Ref.ª: (…) V/ Ref.ª compropriedade fração autónoma e garagem – sitos em Praceta do (…), n.º 15, 3º-Esq., Rio Maior”, com o seguinte teor, no que ao caso releva:
“(…) Fui mandatada pela m/constituinte, sra. (…), comproprietária das frações autónomas (apartamento e garagem), sitos na morada supra id. (artigos …-C e …-R, freguesia de Rio Maior), de comunicar a V. Exas., (também comproprietários), que a m/constituinte pretende vender a sua quota parte nas referidas frações, indo colocar as mesmas à venda, em imobiliárias locais, respetivamente pelos seguintes valores:
½ (metade da fração autónoma) pelo valor de € 65.000,00;
½ (metade da fração autónoma) pelo valor de € 5.000,00;
Mais, informo V. Exas., que até essa venda, o pagamento das quotas de condomínio devido o valor de € 32,00 mensais, deve ser pago em partes iguais pela m/constituinte e por V. Exas.,
De modo que vindo a m/constituinte a liquidar a totalidade do mesmo (€ 446,60) apesar de V. Exas., terem adquirido metade das frações, em Setembro de 2022, são V. Exas., devedores à m/constituinte do valor de € 223,30 (duzentos e vinte e três euros e trinta cêntimos), cujo pagamento agradeço que seja efetuado até á próxima sexta-feira, dia 31 de março (…)”.
8. A Autora remeteu à Ré por e-mail datado de 2023/03/30, com o assunto “M/ Ref.ª: (…) V/ Ref.ª compropriedade fração autónoma e garagem – sitos em Praceta do (…), n.º 15, 3º-Esq., Rio Maior”, com o seguinte teor, no que ao caso releva:
“(…) venho por meio deste apresentar a melhor proposta para a compra das frações em discussão (apartamento e garagem), pelo valor de € 40.000,00 (quarenta mil euros).
Enfatiza-se também que Vossa Constituinte realize o pagamento referente à metade do valor da renda média do bem pelo uso do imóvel de todos os meses que estiver no imóvel, a contar desde a data em que o imóvel foi adquirido pela notificante, qual seja € 350,00, tendo em vista que a renda média do imóvel citado é por volta dos € 700,00.
Deste modo, a quantia acumulada deve ser paga atualmente perfaz o montante de € 1.750,00 (mil e setecentos e cinquenta euros), conforme descrito abaixo:
05/11/2022 = € 350,00
05/12/2022 = € 350,00
05/01/2022 = € 350,00
05/02/2022 = € 350,00
05/03/2022 = € 350,00
Pelo que, deve V. Exa., realizar o pagamento supra no prazo máximo de 5 dias a contar deste envio.
Destaca-se que estamos cientes dos valores referentes às quotas de condomínio a serem pagas na proporção da permilagem e da metade da fração adquirida, a serem pagas no que diz respeito, contudo, ao administrador do condomínio ou depositado na conta do condomínio. Ora tendo sido pagas por V. Constituinte, solicito que nos envie os comprovativos dos valores, os quais poderão ser abatidos nos valores das rendas acima expostas. (…).”
9. A Autora remeteu à Ré por e-mail datado de 2023/04/14, com o assunto “M/ Ref.ª: (…) V/ Refª compropriedade fração autónoma e garagem – sitos em Praceta do (…), n.º 15, 3º-Esq., Rio Maior”, com o seguinte teor, no que ao caso releva:
(…) Venho por meio deste, na sequência da comunicação infra, destacar que o prazo estipulado para pagamento decorreu sem qualquer manifestação por parte de V. Exa., pelo que, visando a solução pacífica do presente caso, reitera-se a comunicação enviada, devendo o depósito das rendas ser efetuado para o IBAN que segue, no prazo máximo de 3 (três) dias (…).”
10. A Ré remeteu à Autora por e-mail datado de 2023/04/27, com o assunto “M/ Ref.ª: (…) V./ Ref.ª compropriedade fração autónoma e garagem – sitos em Praceta do (…), n.º 15, 3º-Esq., Rio Maior”, com o seguinte teor, no que ao caso releva:
“(…) Tal como vos havia dado conhecimento a quota parte das frações (metade), pertencentes à m/constituinte supra id. foram pela mesma colocadas à venda, na imobiliária (…), sita em Rio Maior, cfr. CIMI que anexo, pelo valor de € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros);
Tendo a imobiliária me informado no dia de hoje que têm uma cliente interessado, e que o mesmo ofereceu para aquisição da totalidade das frações (caso V. Exas., também estejam interessados em vender), (Apt. + garagem), o valor de total € 120.000,00.
Pelo que caso exista da V/parte interesse nesse sentido, ou em adquirir a quota parte da m/constituinte, sugiro que entrem em contacto com a imobiliária (…).”
11. A Autora remeteu à Ré por e-mail datado de 2023/05/02, com o assunto “Frações R e C – sita em (…), Rio Maior, artigo matricial (…)”, com o seguinte teor, no que ao caso releva:
“(…) Em atenção ao que foi acima exposto, serve a presente para informar que a m/constituinte pretende vender a sua quota parte nas referidas frações e discussão (apartamento e garagem) pelo valor de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), acrescido dos valores referentes à metade do valor da renda média do bem pelo uso do imóvel de todos os meses que estiver no imóvel a título de indemnização pelo uso exclusivo do imóvel, a contar desde a data em que o imóvel foi adquirido pela notificante, e até a data da efetiva venda ou da entrega das chaves.
Sublinhe-se, em conformidade às reiteradas comunicações prévias, que a quantia acumulada que deve ser paga atualmente perfaz o montante atualizado de € 2.100,00 (dois mil e cem euros), conforme descrito abaixo:
05/11/2022 = € 350,00
05/12/2022 = € 350,00
05/01/2022 = € 350,00
05/02/2023 = € 350,00
05/03/2023 = € 350,00
05/04/2023 = € 350,00
Pelo que caso exista da v/parte interesse em adquirir a quota parte da m/constituinte, deve-se manifestar neste sentido no prazo de 5 (cinco) dias a contar deste envio (…).”
12. A Ré remeteu à Autora por e-mail datado de 2023/05/03, com o assunto “Frações R e C – sita em (…), Rio Maior, artigo matricial (…)”, com o seguinte teor, no que ao caso releva:
“(…) Face à v/resposta, deverão, sendo assim comunicar a vossa decisão à imobiliária, cujo contacto vos facultei na última comunicação.
Relativamente “às rendas”, entendi até esta data, abster-me de me pronunciar, tendo em conta sermos todos juristas, contudo face ao reiterar da questão, não posso deixar de o fazer dizendo que não existe qualquer contrato de arrendamento, ou sequer acordo verbal nesse sentido, ou sequer acordo tácito, pelo que a v/constituinte exigir valores de rendas “unilateralmente” decididos porque quem dos mesmos pretende beneficiar (…)”.
13. No dia 24 de julho de 2023 a Autora afixou na fração identificada em 1 da matéria de facto provada uma “notificação”, com o seguinte teor, no que ao caso releva:
“Serve a presente para notificar o(s) comproprietário(s) do imóvel sito na “Praceta do (…), n.º 15 – (…) Rio Maior.”
A sociedade (…), Unipessoal, Lda., adquiriu a compropriedade deste imóvel.
Pelo que, nos termos do artigo 1403.º e seguintes do Código Civil, adquiriu os mesmos direitos e obrigações do que qualquer comproprietário ou possuidor do mesmo.
Assim sendo e após várias tentativas de contacto sem sucesso, a sociedade (…), Unipessoal, Lda., vem assim através desta informar que se procedeu ao respetivo bloqueio da fechadura deste imóvel assim sendo devem os mesmos no prazo máximo de 8 dias, solicitar uma cópia das chaves deste imóvel, para o escritório na morada: Caminho do (…), Edifício (…), n.º 138, bloco (…) – loja W, Código Postal (…), (…), Funchal – Ilha da Madeira.
No caso de não reclamação de cópia das chaves, a empresa reserva-se no direito de acessar o imóvel para que possa usufruir de seu direito de igualdade de acesso.
Contacto móvel do escritório: (…)/(…)
(…), Unipessoal, Lda.,
NIPC: (…)
(…)@gmail.com.”
14. A Autora efetuou o pagamento da quantia de € 926,18 (novecentos e vinte e seis euros e dezoito cêntimos), correspondente às quotas de condomínio da fração identificada em 1 da matéria de facto provada (no valor mensal de € 32,00) e demais despesas, de agosto de 2022 e janeiro de 2023, fevereiro de 2023 a julho de 2023 e de agosto de 2023 a fevereiro de 2024.
15. A Autora não tem acesso à fração identificada em 1 da matéria de facto provada.
16. A Ré não fez entrega à Autora da cópia da chave da fração identificada em 1.
17. A fração identificada em 1 tem um valor locatício não concretamente apurado”.
18. A autora tem por objeto social “a compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para o mesmo fim”, a par da “remodelação de edifícios, atividades de arrendamento e exploração de bens imobiliários”, conforme certidão permanente junta aos autos com a petição inicial.
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Não se provou que:
a, b) e c) – Eliminados
d) o valor locativo da fração fosse de € 879,00 (oitocentos e setenta e nove euros), correspondente às condições de mercado existentes desde 12/2022.
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De Direito
Do direito a indemnização pela privação do uso
A Autora veio a juízo reclamar o reconhecimento do seu direito a ser indemnizada pela ré, dada a prática, por esta, de facto lesivo consubstanciado na privação do direito a usar e fruir da fração da qual é comproprietária, indicando sofrer prejuízo equivalente a metade do valor locativo da mesma.
Não se encontrando controvertido que autora e ré são comproprietárias da fração identificada em 1 – cfr. artigo 1403.º, n.º 1, do Código Civil (diploma ao qual pertencerão as demais disposições legais que vierem a ser citadas sem menção da sua origem) –, nem tão pouco que a mesma vem sendo usada em exclusivo pela agora apelada, considerou-se, porém, na sentença recorrida que tendo a demandada “o direito de gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição” da coisa comum, a sua permanência na fração não era violadora de qualquer direito subjetivo da demandante, tendo sido meramente consequente a improcedência da ação.
Não cremos, porém, que tal juízo possa subsistir.
Vejamos:
Nos termos do n.º 1 do artigo 1405.º “Os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular”, integrando o direito de propriedade os poderes de uso, fruição e disposição da coisa sobre a qual incide (artigo 1305.º).
Resulta ainda do disposto no artigo 1403.º, n.º 2, que, podendo ser quantitativamente diferenciados, o que não é aqui o caso, os direitos dos comproprietários sobre a coisa comum são sempre qualitativamente iguais, ou seja, independentemente da sua quota no bem comum, na falta de acordo sobre o seu uso, todos e cada um têm o poder de usar toda a coisa, posto que observem os limites impostos pelo artigo 1406.º, a saber, não a “empreguem para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não privem os outros consortes do uso a que igualmente têm direito” (vide n.º 1 do preceito e, sobre o entendimento exposto, A. Varela e Pires de Lima, CC anotado, vol. III, 2.ª ed., em comentário ao preceito).
É, pois, certo que a regra do n.º 1 do art.º 1405.º “não significa que só em conjunto os comproprietários possam exercer todas essas faculdades”, como se chama a atenção no acórdão do STJ de 7 de Maio de 2020 (processo n.º 3001/15.0T8OER.L1.S1, em www.dgsi.pt). Com efeito, e como nele se refere, “na realidade, a resposta é diferente para cada uma. Todos e cada um, separadamente, têm o direito de usar a coisa comum, respeitando os limites já referidos; cada um participa na proporção da sua quota na respectiva fruição; e só é possível dispor da totalidade da coisa comum se todos intervierem, tal como só é possível “alienar ou onerar parte especificada da coisa comum” com o “consentimento dos restantes consortes” (n.º 1 do artigo 1408º do Código Civil); note-se que para o arrendamento é necessário unanimidade dos comproprietários (n.º 2 do artigo 1024.º do Código Civil), tal como é necessária a unanimidade para a venda (n.º 1 do artigo 1408.º)”. Mas se assim é, como compatibilizar os direitos dos vários comproprietários quando, como é aqui o caso, não existe acordo entre eles? Afigura-se que através da atribuição ao consorte prejudicado da devida compensação, conforme se tentará demonstrar.
Resulta da factualidade apurada que, pese embora a ré venha ocupando a fração desde o ano de 2005, aí residindo com as filhas, ocupação exclusiva que se mantém até ao presente, tendo para tanto beneficiado, ou assim se presume, da anuência do anterior comproprietário, seu ex-companheiro, a partir do momento em que pela autora foi adquirida a quota que a este último pertenceu, fez saber que não concordava com aquela utilização exclusiva e excludente, pretendendo ser compensada pela privação do uso e fruição da mesma. Faz-se ainda notar que a autora pretendia, conforme comunicou à ré, rentabilizar a fração através da venda ou arrendamento, finalidade que se retirava desde logo do seu objeto social, sendo de outro lado absolutamente contrária às regras da experiência a consideração de que, tendo feito um investimento na aquisição da fração, nenhum rendimento dele pretendesse retirar, como aconteceria se permitisse a permanência da ré na fração, perpetuando a ocupação exclusiva e gratuita que dela vinha fazendo. Deste modo, não podendo a ré impor à autora o uso permanente e exclusivo da fração comum, por tal implicar a privação do respetivo uso por banda da consorte, e não havendo acordo sobre a utilização, a sua permanência na fração nos termos apurados consubstancia a prática de um ilícito.
Quanto ao dano correspondente, sendo nosso entendimento, conforme tivemos antes oportunidade de referir (cfr. acórdão deste mesmo TRE de 14/7/2020, processo 551/18.0T8FAR.E1, acessível em www.dgsi.pt) que o denominado dano de privação do uso assume natureza patrimonial, orientação que cremos ser hoje largamente maioritária, é ainda de considerar que a ocupação ilícita de um imóvel, importando para o titular do direito de propriedade – ou, como ocorre no caso que nos ocupa, de compropriedade –, a privação do respectivo gozo, impedindo-o designadamente de o rentabilizar através do arrendamento ou promover a sua venda lucrativa (no caso do comproprietário, da respetiva quota, como prevê o artigo 1408.º) constitui um dano indemnizável, não se impondo ao lesado que alegue e prove a existência de concretas propostas que se tenha visto na contingência de recusar. Bastará, portanto, “que a realidade processual mostre que o lesado pretendia usar a coisa ou que normalmente a usaria, para que o dano decorrente da sua privação ocorra e, por via disso, a respectiva indemnização pela privação do uso seja devida” (cfr. os arestos dos STJ de 01/03/2018, processo n.º 4685/14.2T8FNC.L1.S1 e de 28/01/2021, processo n.º 14232/17.9T8LSB.L1.S1, acessíveis em www.dgsi.pt; na doutrina, Prof. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 9ª edição, pág. 348).
No caso em apreço, resultou demonstrado que a apelante pretendia rentabilizar o investimento efetuado com a aquisição da quota da fração, procedendo designadamente à locação do imóvel, para o que privilegiou naturalmente a manutenção da ré na fração. Não estando a ré vinculada, como é evidente, a celebrar com a apelante um contrato de arrendamento, encontra-se no entanto obrigada, na sua qualidade de autora do facto ilícito danoso, a compensá-la pelo dano sofrido e que corresponde ao valor do uso que excede a quota de que é titular, afigurando-se que para efeitos do cálculo respetivo é perfeitamente razoável e adequado o recurso ao valor locativo da fração como critério referencial.
Resulta do exposto que a ré se encontra obrigada a indemnizar a autora pelo valor correspondente a metade do montante que seria devido a título de renda, caso a fração fosse objeto de um contrato de arrendamento, com início em Setembro de 2022, mês seguinte àquele em que a apelante lhe comunicou a sua oposição à ocupação exclusiva que vinha fazendo da fração. Não tendo sido possível, como se vê dos factos apurados, apurar o valor locativo da fração, resta remeter para posterior liquidação o valor que a este título é devido à demandante (cfr. artigo 609.º, n.º 2, do CPC).
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III. Decisão
Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o recurso, condenando em consequência a Ré a pagar à Autora, a título de compensação pela privação do uso da fração de que ambas são comproprietárias, o valor correspondente a metade do valor locativo da mesma, a apurar em posterior liquidação, sendo tal montante devido mensalmente desde Setembro de 2022 até cessação dessa ocupação exclusiva, acrescido de juros de mora contados à taxa supletiva legal desde a citação (artigo 805.º, nº 3, do CC).
Custas nesta e na 1ª instância a cargo de Autora e Ré em partes iguais, procedendo-se a rateio após a liquidação, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que à segunda foi concedido.
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Sumário: (…)

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Évora, 13 de Novembro de 2025
Maria Domingas Alves Simões (Relatora)
Vítor Sequinho dos Santos (1º Adjunto)
José Manuel Tomé de Carvalho (2º Adjunto)