Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
237/18.6T8SSB.E2
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: RUÍDO
INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
Data do Acordão: 01/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - No recurso em que se impugna a matéria de facto – e sob pena de rejeição, nos termos do disposto no artigo 640.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a), do CPC – impendia obrigatoriamente sobre a recorrente o ónus de indicar, com exactidão, quais os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diversa da recorrida (identificação das testemunhas inquiridas), bem como indicar ainda concretamente quais as passagens da gravação em que se funda o seu recurso – com referência clara e expressa aos factos dados como provados e aos factos dados como não provados – o que aquela, de todo, não veio a fazer relativamente aos pontos 12, 13, 15, 18 e 20 a 26 dos factos provados.
- Por outro lado, face à imutabilidade do quadro factual dado como assente, relativamente ao enquadramento jurídico que a M.ma Juíza ”a quo” deu aos factos, entendemos que nenhuma censura haverá a fazer à posição por ela perfilhada na decisão recorrida, a qual se mostra especificadamente fundamentada, nela constando tudo o que com interesse se poderia consignar, sendo que a impugnação efetuada pelo recorrente – no que ao Direito respeita – tinha subjacente o deferimento da sua pretensão de modificação da matéria de facto dada como provada e, por via disso, a subsunção do Direito a esse novo quadro factual, pretensão esta que, como vimos, não foi atendida por este Tribunal Superior.
- Assim sendo, resultando da matéria fáctica apurada nos autos a prática pela Ré de factos voluntários, ilícitos e culposos e ainda a existência de um nexo causal entre esses factos e os danos sofridos pela A. (cfr. artigo 483.º do Código Civil), o pleito terá forçosamente de ser decidido a favor da parte que cumpriu esse ónus relativamente a factos indispensáveis à sua pretensão, ou seja, “in casu”, a favor da Autora – cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.
- Além disso, a indemnização por danos não patrimoniais arbitrada A. deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico para que possa, de forma efectiva, satisfazer a finalidade a que se destina, pelo que deverá manter-se a indemnização fixada na 1ª instância a esse título, no montante de € 15.000,00, a qual é perfeitamente justa e equilibrada para o caso dos autos, indemnização essa que, de alguma forma, irá minorar todo o sofrimento moral por que a A. passou ao longo de, pelo menos, 3 anos.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P. 237/18.6T8SSB.E2

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) instaurou a presente acção declarativa, sob a forma comum, contra MEO – Serviços de Comunicações e Multimédia S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 21.900,00, acrescida de juros à taxa legal em vigor, desde a citação até integral pagamento, e ainda pagar-lhe a indemnização diária de € 20,00 por cada dia que decorra até à efectiva eliminação dos ruídos que causam prejuízo à A. desde a data de propositura da presente acção.
Alegou para tanto que, conforme provado em sede de acção de tutela da personalidade, que correu termos neste tribunal, a R. tem vindo a afectar o seu direito ao descanso e sossego, com equipamentos instalados em prédio contíguo à sua residência que propagam ruídos geradores de danos para a A.
Devidamente citada para o efeito veio a R. contestar, defendendo-se por excepção, invocando a incompetência absoluta do tribunal e a prescrição do direito indemnizatório da A. Defendeu-se ainda por impugnação, alegando que já procedeu à efectiva eliminação do ruído e, caso possa existir alguma incomodidade para a A., derivada da actividade da R., a mesma age sem culpa, inexistindo nexo de causalidade entre a conduta da R. e os danos peticionados pela A., os quais, a provarem-se, não devem, além do mais, merecer a tutela do direito.
Notificada para o efeito, a A. respondeu às invocadas excepções, pugnando pela improcedência das mesmas.
Procedeu-se ao saneamento do processo com dispensa de audiência prévia, tendo sido proferida decisão que julgou improcedentes as excepções alegadas pela R. Foi ainda fixado o valor da acção, o objecto do litígio e os temas de prova, não tendo existido quaisquer reclamações das partes.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 21.900,00, acrescida de juros moratórios computados à taxa legal em vigor, desde a data da presente sentença até pagamento integral e efectivo, absolvendo-se a R. do demais peticionado.
Inconformada com tal decisão dela apelou a R. para este Tribunal Superior que, por acórdão proferido em 30/1/2020, anulou a sentença recorrida e determinou a repetição do julgamento a fim de ser apurado o concreto período de tempo que o ruído produzido na habitação da A., pelos equipamentos da R., perturbou o descanso e a tranquilidade daquela, com vista à posterior fixação de uma indemnização à A., a título de danos não patrimoniais.
Assim, veio a ser realizada uma nova audiência de julgamento na 1ª instância, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida uma nova sentença qual julgou a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 15.000,00, acrescida de juros moratórios computados à taxa legal em vigor, desde a data da presente sentença até pagamento integral e efectivo, absolvendo-se a R. do demais peticionado.

Inconformada novamente com tal decisão dela veio apelar a R., tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
1. A inconformidade da Recorrente face à douta sentença ora recorrida resulta essencialmente dos seguintes motivos:
i) falta de fundamentação da decisão quanto aos factos provados;
ii) existência de manifesto erro de julgamento, por serem dados como provados factos que obtiveram prova em sentido diverso;
iii) porque os meios probatórios existentes nos Autos, bem como a prova testemunhal produzida em sede de Audiência de julgamento, impunham decisão diversa;
iv) por ter havido uma incorrecta interpretação e aplicação das disposições e princípios legais do Código Civil.
2. A Meritíssima juíza a quo considerou provados os factos dos pontos 12, 13, 14, 15, 16, 22, 23, 25 e 26 no que respeita à localização dos quartos da residência da Recorrida e à necessidade de os deslocalizar para a sala devido ao ruído da central da MEO, sem que, no entanto, os mesmos se encontrem provados atendendo à prova produzida nos autos e em audiência de julgamento.
3. Com efeito, para dar tais factos como provados – que são determinantes para a solução de Direito a dar no presente pleito – a Meritíssima Juíza a quo bastou-se com as declarações de parte da A. e depoimento da testemunha (…), mas esses factos apenas teriam que ser devidamente provados por documento (fotografias, plantas ou outros), o que não aconteceu.
4. Deste modo, não se compreende por que motivo considerou a Meritíssima Juíza a quo tais factos como provados, tanto mais atendendo a que estes factos consistem nos danos alegados pela Recorrida e que consubstanciam a alegada responsabilidade de indemnizar que imputa à Recorrente.
5. Deveria a Meritíssima Juíza a quo, ao invés, ter dado como não provado, seja que os quartos da habitação da Recorrida eram contíguos ao edifício da MEO, seja que a mesma efectuou, em momento algum, qualquer alteração da disposição e utilização dessa habitação em resultado exclusivo da existência de ruído no quarto, e em consequência, proferir decisão diversa daquela que foi preconizada na sentença ora recorrida.
6. Deu também a Meritíssima Juíza a quo por provados os factos 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 21, 23, 24 e 25 no sentido que a Recorrida sofreu maleitas derivadas da privação de sono e forte irritabilidade proveniente do ruído que alegava sentir, mas uma vez mais, não foi produzida qualquer prova documental, de nenhuma natureza de tais factos, e a prova testemunhal produzida foi vaga e inconsistente, sendo que essa prova lhe competia na totalidade, de acordo com as regras da repartição da prova.
7. Deste modo, não se compreende por que motivo considerou a Meritíssima Juíza a quo tais factos como provados, sendo que atendendo a que estes factos consistem nos danos alegados pela Recorrida e que consubstanciam a alegada responsabilidade de indemnizar que imputa à Recorrente, não poderiam ter sido dados como provados, com a correspondente consequência a nível de responsabilidade civil que a Meritíssima Juiz a quo lhes vem atribuir, sem que tivesse sido carreada para aos Autos prova cabal da sua veracidade.
8. A Meritíssima Juíza a quo veio a dar como provados os factos 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20 e 21, 22, 23, 24, 25 respeitantes às legadas doenças do foro neurológico que a Recorrida alega ter sofrido em consequência do ruído que alega ouvir na sua residência.
9. Uma vez mais, não foi produzida qualquer prova documental, de qualquer natureza, de tais factos, e até a prova testemunhal produzida foi vaga e inconsistente, sendo que a prova desses factos – que se impunha fazer e que competia legalmente à Recorrida fazer e sem a qual não se compreende como se podem considerar provados tais factos – era facilmente obtenível e passível de ser efectuada documentalmente pela Recorrida.
10. Na verdade, a mesma refere um quadro clínico cuja gravidade e consequências apenas poderiam ter sido atestadas por profissional clínico, mas não foram carreadas para os autos nenhumas provas da intervenção de um médico no auxílio e acompanhamento terapêutico das patologias alegadas pela Recorrida.
11. De igual modo, a Recorrida refere tomar abundante medicação psicotrópica que depende de receita médica, mas não é provada nem a necessidade de quaisquer medicamentos, nem a respectiva designação de mercado, nem forma juntas receitas e/ou recibos da farmácia relativos à respectiva aquisição.
12. A Recorrida que fazer prova da prescrição desses medicamentos para ser crível e poder provar que tais patologias se verificam e que possuíam efectivamente impacto na vida da Recorrida, conforme esta vem alegar, o que não fez em absoluto, quando lhe competia legalmente provar tais factos e era facilmente obtenível e passível de ser efectuada documentalmente pela Recorrida …
13. Acresce que, embora o limite de referência da Lei do Ruído se tenha apurado não ser elevado para o normal das pessoas e de tenha in casu constatado que o ruído na casa da Recorrida não era sequer claramente perceptível (cfr. testemunhas … e …), a pessoa em causa pode ter especial e anómala sensibilidade em relação às demais, pelo que teria a Recorrida que provar que efectivamente sofria dessas patologias clínicas derivadas do ruído que alegava sentir, pois essas patologias derivariam necessariamente de especial sensibilidade da mesma.
14. Ao invés de fazer tal prova para os autos a Recorrida não carreou para os autos elemento probatório, sendo, assim, patente que nenhuma prova foi feita de tais factos, donde não poderia ter dado a Meritíssima Juiz a quo dar tais factos como provados, como erradamente e em violação das regras da prova veio a fazer.
15. E mais: dos pontos 14., 16., 17. e 19. refere-se que se deu como provado que os ruídos derivados na Central da Recorrente eram audíveis, incomodativos, provocava que a Recorrida acordasse e não conseguisse voltar a dormir, que tivesse de tomar soporíferos para o efeito, e que incomodavam não só a Recorrida mas também os demais membros da família.
16. Ora, para a prova de tais factos, que implicavam que se verificasse concretamente um nível elevado de ruído na residência da Recorrida que provocava desmedida perturbação na vida e saúde de todos, bastou-se uma vez mais a Meritíssima Juiz a quo com a mera alegação desse facto pela Autora, quando nos autos foi produzida prova em sentido divergente deste, i. e., que o ruído sentido na residência da Recorrida era de pequena monta, de tal forma que o mesmo nem era percepcionado por outros que não a própria Recorrida, e como, tal, insusceptível de causar as gravosas consequências que a recorrida lhe atribui – cfr depoimentos das testemunhas (…) aos 18m30s e aos 18m45s e de (…), 7m25s e aos 15m30 dos seus depoimentos.
17. Assim, claramente a Meritíssima Juiz a quo deu resposta à matéria de facto em clara contradição com as provas produzidas nos autos, pelo que deverá ser efectuada a correspondente alteração à resposta à matéria de facto, dando-se tais factos como não provados.
18. Com efeito, a resposta inadequada que a Meritíssima Juiz a quo deu a tais factos condiciona inexoravelmente a decisão que preconizou na sentença recorrida e ao terem sido tais factos sido dados como provados sem que exista qualquer prova que os sustente, foi efectuada incorrecta decisão pela Meritíssima Juiz a quo, pois sustentou a responsabilidade civil em que condenou a Recorrente sem que tivesse sido carreada para aos Autos prova cabal da sua verificação.
19. Assim, tais conclusões, uma vez mais, colidem com a prova produzida, ou seja, os meios probatórios existentes nos Autos e a prova testemunhal produzida em sede de julgamento impunham necessariamente uma conclusão diversa daquela que a mesma alcançou, e por consequência lógica, uma decisão diversa da preconizada na sentença ora recorrida.
20. Existiu, assim, manifesto erro de julgamento, ao terem sido dados por provados factos que não obtiveram qualquer prova nesse sentido.
21. A Recorrente não consegue alcançar porque é que estes factos foram considerados provados, tanto mais que a Meritíssima Juiz a quo não fundamentou a sua decisão, pois limita-se a dar todos os factos por provados apenas por tal assim ter sido referido pela Recorrida em alegações de parte e aflorados no depoimento da testemunha (…), mas nem sequer justifica porque considera tas declarações suficientemente conclusivas para dar esses factos por provados ou por que motivo entende que seria dispensável qualquer prova documental dos mesmos, nomeadamente aqueles que claramente dela careceriam, como sendo a necessidade e prescrição de medicamentos psicotrópicos, que requerem acompanhamento médico na sua prescrição e na terapêutica.
22. Assim, a parca prova testemunhal produzida e a total ausência de prova documental quanto a todos esses factos não poderia ter deixado de ser devidamente valorada pela Meritíssima Juiz a quo, uma vez que não poderia ter dado por provados os factos constantes dos citados pontos.
23. Pelo que em consequência, não poderia a Meritíssima Juíza a quo ter concluído como erradamente fez que a Recorrente sofreu os alegados danos e que os mesmos são imputáveis à Recorrente.
24. Assim e em suma, a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, bem como a ausência de quaisquer documentos probatórios nos Autos impunham necessariamente que a resposta à matéria de facto fosse diferente, nos termos supra descritos, ou seja, que tivessem sido dado como não provados.
25. A Meritíssima Juiz a quo extraiu dos meios de prova produzidos em audiência e dos documentos constantes dos Autos uma conclusão diversa da que dos mesmos clara e evidentemente resulta, donde é manifesto que o tribunal a quo, na decisão ora recorrida, não teve em consideração todos os elementos de prova constantes dos Autos e ainda incorreu numa incorrecta apreciação e conjugação dos mesmos.
26. Deste modo, resulta evidente que não se poderia ter considerados por provados os quesitos supra identificados, que deveriam constar do elenco dos “factos não provados” e, em consequência, não poderia considerar-se procedente o pedido da Recorrida, por tal entendimento não possuir qualquer sustentação lógica nem resultar da prova produzida nos Autos.
27. De igual modo entende a Recorrente que não foi devidamente apreciada a prova produzida nos autos pela Meritíssima Juíza a quo quando veio a dar como não provados os factos 2. e 3. dos Factos Não Provados, relativos ao imóvel onde a Recorrida habita, porquanto foi efectuada prova testemunhal (declarações de parte, … e …) e testemunhal desses factos, donde esses factos deveriam passar a constar dos Factos Provados.
28. Assim, atendendo ao supra exposto, conclui-se que: i) prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, bem como os documentos juntos aos Autos e aos ausentes dos autos impunham necessariamente que a resposta à matéria de facto fosse diferente, nos termos supra descritos; ii) A Meritíssima Juiz a quo extraiu dos meios de prova produzidos em audiência uma conclusão diversa da que dos mesmos clara e evidentemente resulta; iii) é manifesto que o tribunal a quo, na decisão ora recorrida, não teve em consideração todos os elementos de prova constantes dos Autos e ainda incorreu numa incorrecta apreciação e conjugação dos mesmos – e, em consequência dessa incorrecta apreciação, em erro de julgamento.
29. Na sentença ora recorrida veio a Meritíssima Juiz a quo a concluir que se verificam os requisitos da responsabilidade extracontratual, logo, que houve danos susceptíveis de indemnização pela Recorrente nos termos gerais do artº 496º do Código Civil com o que a Recorrente não se pode conformar, na medida em que os elementos de prova constantes dos Autos impunham decisão oposta e diversa à procedência da acção.
30. A Meritíssima Juiz a dar como provados danos decorrentes do ruído da central, alegando que “da factualidade provada resulta clara a violação do direito da Autora, nomeadamente o direito ao repouso, ao descanso e ao sono” (sic), quando nenhuma prova efectiva dos mesmos foi efectuada nos autos, bastando-se para tal com a mera alegação de tais factos e – presume-se – pela existência de relatório que referia um (ainda que diminuto) acréscimo do nível legal.
31. Acontece que, conforme veio a ser explanado pelos peritos que elaboraram o relatório pericial, esse acréscimo não resulta de nenhum verdadeiro nível significativo de ruído, que de facto não se verificava, mas apenas de uma penalização que a lei obriga a colocar nos níveis aferidos derivado da existência de uma tonalidade – cfr. (…) aos 6m30s e aos 9m10s e (…) aos 2m dos seus depoimentos.
32. Assim, ficou provado que o nível de ruído em causa não era consideravelmente audível, pelo que não se compreende que apenas pela existência do mesmo tenha vindo a Meritíssima Juíza a quo vindo a entender que houve acto ilícito da Recorrida, danos e obrigação de indemnizar, pois é pressuposto da responsabilidade civil a existência efectiva de danos e não foi provada a verificação de quaisquer danos.
33. Não basta a susceptibilidade de serem provocados danos não patrimoniais para que os mesmos seja indemnizáveis, é necessário que os mesmos se tenham efetivamente verificado e apenas são efectivos danos aqueles que se reflectem verdadeiramente na saúde da pessoa e ficou demonstrado pela vaguidade dos depoimentos das testemunhas quanto a tais factos e da ausência de qualquer documento probatório de tais alegados “danos” que os mesmos, a terem existido, não possuíram efectivo impacto na Recorrida.
34. Com efeito, não bastaria a verificação da existência de um ruído alegadamente audível na habitação da Recorrida para que esta tenha direito a ser indemnizada, é necessário que esse ruído lhe fosse especialmente incomodativo de modo a lhe poder provocar danos morais e que esses danos se tenham efetivamente verificado, para que se tivesse verificado a gravidade que a Lei exige para a ressarcibilidade desse incómodo, nos termos do n.º 1 do artigo 496.º do Código Civil, que exige “gravidade” e do artigo 41.º da Lei de Bases do Ambiente, que exige “dano significativo”.
35. Ora, não tendo resultado provados quaisquer danos e tendo a Recorrida se limitado alegar meros incómodos, e sem produzir qualquer prova sequer de tais incómodos e de modo algum lograr demonstrar seja a veracidade dos mesmos, seja que tais incómodos sejam efectivamente graves e que se revelem susceptíveis de lhe causar efectivos danos morais, não se pode considerar que para os efeitos da Lei tenham ocorrido danos não patrimoniais susceptíveis de ressarcimento.
36. Para que a Recorrida tivesse direito a qualquer indemnização por esses alegados ruídos, não basta a verificação dos mesmos, sendo absolutamente necessário que esses ruídos afectassem a Recorrida e lhe causassem graves danos de ordem espiritual, de saúde ou de sofrimento, o que não se provou, pelo que não existe fundamento para que a Meritíssima Juíza a quo tivesse decidido que existe in casu violação nos artigos 64.º e 66.º da CRP.
37. É, assim, indispensável que se verifiquem e resultem provados reais e concretos danos e que os mesmos se encontrem devidamente provados nos autos para que se possa atribuir indemnização ao lesado – cfr. STJ Ac. Revista no proc. n.º 479/10.2TBCHV.P1.S1 - 1.ª Secção - Alves Velho (Relator), de 27.11.2012, Ac. Revista no proc. 4212/07.8TTLSB.L1.S1, de 25.01.2012, Ac. Revista no proc. n.º 1187/07 - 1.ª Secção - Alves Velho (Relator), de 24.05.2007.
38. Ora, in casu, fazendo o correcto julgamento da matéria de facto, afere-se não só que não foi feita prova de terem ocorrido os danos morais alegados pela Recorrida – alteração na sua residência, perturbação do sono, irritabilidade, dores de cabeça – como também e muito menos que a terem ocorrido tais circunstâncias as mesmas se revestiram de monta e com um grau considerável de gravidade e não se revestiram de meros incómodos e aborrecimentos que não ultrapassam a normalidade.
39. Como tal, mal andou a Meritíssima Juíza a quo quando decidiu que os alegados incómodos sentidos em resultado dos factos dos Autos mereceriam a tutela do Direito, pois claramente não possuem a gravidade que a Lei exige para a respectiva ressarcibilidade.
40. A sentença ora recorrida decidiu no sentido de procedência da acção por, por um lado, não ter valorado devidamente os factos que obtiveram prova e a ausência de prova de outros, e por outro, ter e entendido como provados factos que claramente não os estavam, tendo procedido a incorrecta valoração das provas produzidas.
41. Assim, efectuada tal correcta valoração, as conclusões de Direito a retirar terão que ser forçosamente outras, ou seja, as supra explanadas, que conduziriam necessariamente à improcedência da acção.
42. O que importava verdadeiramente apurar nos presentes Autos é se existiram danos para a Recorrida derivados desse facto e a medida em que a Recorrente se constituiu na obrigação de a indemnizar pelos mesmos, pelo que mal andou a Meritíssima Juiz a quo ao ter condenado a ora Recorrente no ressarcimento de danos não patrimoniais alegadamente sofridos pela Recorrida, pois os mesmos não resultaram de forma alguma provados.
43. A obrigação de indemnizar só existe relativamente aos danos efectivamente sofridos pelo lesado (cfr. artigos 562.º e 563.º do CC) e não ficou provado que de facto tenham ocorrido danos não patrimoniais e ainda menos que, a existirem, tivessem a gravidade que a lei exige para o respectivo ressarcimento, pelo que ao não ter decidido em conformidade com o supra alegado, a sentença do tribunal a quo ora recorrida violou o disposto nos artigos 483.º, 496.º, 563.º e 564.º todos do Código Civil.
44. A douta sentença recorrida veio condenar a ora Recorrente no pagamento na totalidade da quantia peticionada de € 15.000,00, acrescida de juros de juros desde a data da sentença até pagamento, a título de indeminização por danos não patrimoniais.
45. No entanto, a jurisprudência tem-se pronunciado que o artigo 496.º Código Civil deve ser interpretado no sentido de que os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais (cfr. por ex., Acórdãos do STJ de 12.10.1973 e de 18.11.1975, Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 20.10. 2005).
46. Assim, nos termos da Lei só são indemnizáveis os danos que afetem profundamente o bom-nome ou gravemente a saúde, sendo que as meras ilações de tal situação, cuja existência, gravidade e consequências se desconhecem, não podem constituir danos não patrimoniais ressarcíveis e a verdade é que não foram provados tais danos, donde não existe fundamento para se determinar uma indemnização.
47. Acontece que, ainda que assim não se considerasse, sempre o quantum indemnizatório em que a Meritíssima Juiz a quo condenou seria
manifestamente desproporcional e exagerado, pois nunca poderia ir além da extensão do dano sob pena de ser excessivo.
48. Quanto muito, nos termos de 566.º, n.º 3, do Código Civil, o doutro Tribunal poderia, com base na equidade e mas na verdade é que no caso dos autos estes elementos são manifestamente insuficientes para o recurso à equidade, pois a Recorrida não trouxe para este processo elementos suficientes de prova sequer da verificação dos factos de onde faz derivar os alegados danos, pelo que não se poderia, em justiça, ter fixado, nem por equidade, nenhum valor indemnizatório por danos cuja veracidade e prova se desconhecem.
49. E ainda que assim não se atendesse, não se pode deixar de considerar, que ainda que a Recorrida tivesse sofrido danos não patrimoniais derivados da perturbação que alega que o ruído lhe causava – o que não se admite face à precaridade da prova desses danos existente nos autos – os mesmos não poderiam deixar der ser de pouca monta.
50. Com efeito, e conforme prova produzida nos autos, não existia efectivamente um ruído significativamente audível na residência da Autora que pudesse causar os danos tão extensos que a mesma alega ter sofrido, de tal forma que o mesmo nem era percepcionado por outros que não a própria Recorrida, incluindo os próprios peritos que efectuaram as medições, quer apenas detectaram o ruído através dos sonógrafos e não através da sua simples audição – cfr. depoimentos das testemunhas (…) e (…).
51. Ora, face a todos estes testemunhos que relevam de forma clara que o ruído em causa era objectivamente diminuto e como tal insusceptível de causar incómodos de grande relevo e muito menos as demais patologias referenciadas pela Recorrida, entende a Recorrente que não poderia ter a Meritíssima Juiz a quo ter condenado no valor de quase € 15.000,00 por tais incómodos, que é uma valor manifestamente excessivo e desajustado face aos valores fixados na jurisprudência para danos mais relevantes, com o sendo dano corporal, incapacidade e morte, motivo pelo qual a Recorrente não se pode conformar com o quantum indemnizatório atribuído e condenado.
52. Resulta claramente da Lei e de toda a jurisprudência dos tribunais portugueses que os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais, apenas o justificando os danos que afectem profundamente a vida ou saúde da pessoa, que manifestamente não resultaram provados nos autos, pelo que a atribuir algum valor a título de indemnização por tais danos, teria que ser de valor substancialmente reduzido.
53. Assim, a Meritíssima Juiz a quo fez uma errónea interpretação do artigo 496.º do Código Civil, ao ter condenado a Recorrente, quando não se verificaram os pressupostos da obrigação de indemnizar, e atribuiu a título de indemnização um valor levado, desadequado, injusto e desproporcional, violando deste modo o disposto no artigo 609.º do Código de Processo Civil e 496.º, n.º 4 e 494.º do Código Civil.
54. Nesta conformidade deve o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, revogar-se a sentença proferida, substituindo-se a mesma por outra que tenha em consideração o expendido no presente recurso e que julgue a acção improcedente, por não provada, e, consequentemente, que absolva as ora Recorrente, nos termos explanados, com as demais consequências legais.
55. Termos em que, com o douto suprimento do Venerando Tribunal da Relação:
a) deverá ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, por nulidade da mesma por contradição entre fundamentos e decisão, ou substituindo-se por outra, alterando-se as respostas dadas na primeira instância aos pontos 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 20, 22, 23, 25 e 26 da matéria de facto, no sentido supra referido, e considerar-se provados os factos 2. e 3. do Factos Não Provados, e consequentemente, absolver a ora Recorrente nos termos supra descritos, com as demais consequências legais;
b) ou caso assim não se entenda e apenas por mero dever de patrocínio, que seja reduzido o quantum indemnizatório constante da sentença por se revelar arbitrário, excessivo e desproporcionado aos meros incómodos que retende ressarcir, fazendo-se assim Justiça.

Pela A. foram apresentadas contra-alegações, nas quais pugna pela improcedência do recurso interposto pela R.
Além disso, a A. veio ainda interpor recurso subordinado da sentença proferida na 1ª instância, tendo apresentado para o efeito as suas alegações e conclusões, nas quais veio sustentar que a indemnização fixada na 1ª instância é insuficiente e, por isso, o seu valor deverá ser aumentado, fixando-se na quantia de € 21.900,00 (valor este que corresponde, afinal, ao seu pedido nesta acção).
Pela R. não foram apresentadas contra-alegações ao recurso subordinado interposto pela A.
Atenta a não complexidade das questões a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.

Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que os recorrentes rematam a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, os recursos abranjam tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável aos recorrentes (artigo 635.º, n.º 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo artigo 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação dos recorrentes, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela R., ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação das seguintes questões:
1º) Saber se foi incorrectamente valorada pelo tribunal “a quo” a prova carreada para os autos, devendo, por isso, ser alterada a factualidade dada como provada e não provada;
2º) Saber se inexiste nexo de causalidade entre a conduta da R. e os danos peticionados pela A., os quais, a provarem-se, traduzem apenas simples incómodos ou contrariedades que não justificam, de todo a indemnização por danos não patrimoniais, mas, caso assim não se entenda, sempre deverá ser reduzido o quantum indemnizatório de € 15.000,00 arbitrado à A., por se revelar arbitrário, excessivo e desproporcionado.
Por sua vez, no que tange ao recurso subordinado interposto pela A., resulta das conclusões por esta apresentadas que o seu objecto está delimitado à apreciação da questão de saber se a indemnização arbitrada à A., a título de danos não patrimoniais, peca por defeito e, como tal, deverá ser aumentada, fixando-se na quantia de € 21.900,00, valor este que corresponde ao pedido por si formulado nesta acção.

Antes de apreciar as questões supra enunciadas importa ter presente qual a factualidade apurada na 1ª instância que, de imediato, passamos a transcrever:
1. (…) é proprietário, por tê-lo adquirido por herança, do rés-do-chão esquerdo, para habitação, e logradouro, este com 28.80 m2, a que corresponde a fração A, do prédio urbano, em propriedade horizontal, sito em Sesimbra, na Praceta (…), n.º 120, descrito sob a ficha …/20120120 na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra, inscrito em seu nome pela apresentação (…), de 20 de janeiro de 2012;
2. (…) cedeu à Autora, sua filha, a título gratuito, o gozo temporário da fração identificada em 1º, para nela habitar com o seu agregado familiar, durante a sua vida;
3. A Autora tem uma filha, (…), nascida em 18.12.2015;
4. A Autora habita a casa desde 2012, nela centralizando a sua vida familiar e doméstica;
5. A Ré Meo, é por sua vez, proprietária de um prédio urbano com a área de 394 m2, composto por rés-do-chão, com átrio, primeiro e segundo andares, sito no Largo dos (…), n.º 5, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob a ficha …/19900906, e inscrito a favor da Ré pela apresentação (…), de 17 de dezembro de 2015;
6. O prédio descrito em 5. é contíguo ao andar onde vive a Autora, sendo separados por duas parcelas paralelas;
7. A Ré exerce a sua atividade comercial nesse prédio, onde instalou vários equipamentos de comunicações que funcionam 24 horas por dia, durante todo o ano;
8. Destes equipamentos fazem parte: um ventilador, bastidores de telecomunicações e um compressor;
9. Os bastidores de telecomunicações funcionam continuamente sem flutuações de ruído e com um nível sonoro constante de 68 db;
10. O compressor, ligado com condutas, funciona com arranques e paragens, cíclicas e variáveis com um nível sonoro noturno máximo de 7 db;
11. Tais equipamentos produziam vibrações, ruído contínuo e zumbido que se propagava para a residência e quarto da Autora;
12. O quarto da Autora é contíguo à divisão onde estavam instalados os equipamentos da Ré;
13. Por causa daquele ruído, e para atenuar o incómodo, a Autora mudou o seu quarto para outra divisão da sua habitação, a sala de jantar, para onde teve de transportar as camas da Autora e da filha;
14. Mas os ruídos eram audíveis e incomodativos para a Autora, que todas as noites acordava;
15. Depois de acordar, a Autora tinha muita dificuldade em voltar a adormecer o que a irritava e perturbava fortemente;
16. Muitas vezes, a Autora só conseguia voltar a dormir com recurso a medicamentos;
17. O ruído produzido na casa da Autora pelos equipamentos perturbava a tranquilidade e o descanso da Autora e família;
18. O ruído criou à Autora ansiedade, nervosismo, cefaleias, fadiga e irritabilidade;
19. A Autora não conseguia dormir sem interrupções no sono;
20. E o sono interrompido, além de não proporcionar descanso à Autora, é fonte de grande stress e forte irritação;
21. A Autora sentia-se permanentemente irritada;
22. A Autora deixou de ter no andar dois espaços separados de lazer (sala) e de descanso (quarto);
23. O que transtornava, diariamente, a vida da Autora, pois a impedia de usufruir da sala, local onde dormia também uma criança;
24. A Autora não podia convidar amigos ou familiares para casa, pois não tinha onde recebê-los;
25. A Autora viu-se obrigada a tomar todas as refeições na cozinha;
26. Por outro lado, e apesar do ruído, devido a problemas de saúde da filha, a Autora teve algumas vezes (quando a filha se encontrava doente com asma) de pernoitar no quarto;
27. No âmbito da ação de tutela de personalidade que a Autora intentou contra a Ré, que sob o nº 122/17.9T8SSB, correu termos no Juízo de Competência Genérica de Sesimbra, foi a Ré condenada a:
“1. Realizar, nas suas instalações sitas no Largo dos (…), n.º 5, em Sesimbra, para impedir a emissão e propagação de ruídos acima dos legais limites, ao prédio contíguo sito na Praceta (…), n.º 120, em Sesimbra as seguintes medidas:
a. Compressor e condutas:
i. Instalação sobre material resiliente, capaz de absorver e evitar a propagação de vibrações para os elementos estruturais do edifício;
ii. Inserção em estrutura envolvente, isolante, revestida interiormente com material absorvente sonoro ou, alternativamente, confinar o espaço onde está instalado e revestir as paredes interiores com material absorvente.
b. Bastidor de telecomunicações:
iii. Redução do espaço livre onde se encontra instalado, através da instalação nas paredes interiores de material absorvente sonoro, para evitar propagação dos acréscimos sonoros por reflexão.
2. No prazo de sessenta (60) dias;
3. No pagamento de sanção pecuniária compulsória por cada dia após este prazo, sem que as mesmas se mostrem integralmente realizadas, no montante de cem euros (€ 100,00 euros); e
4. No integral pagamento das custas.”;
28. A Ré possui há largos anos uma Central na Praceta (…), em Sesimbra, a qual alberga vários equipamentos que compõem a sua rede básica de Telecomunicações;
29. Em 2/3 de março 2016 foram realizados ensaios, em articulação com a Câmara Municipal de Sesimbra, em casa da ora Autora, sendo que o resultado foi que o limiar do Nível de Exposição não era atingido, pelo que a legislação determina que não se efetue a avaliação do Critério de Incomodidade, sendo a conclusão de cumprimento pela MEO dos níveis legais;
30. Apesar disso, a MEO continuou a diligenciar na execução de trabalhos para desligamento de equipamentos da Central;
31. No dia 1 de junho 2016 foi desligado um equipamento de telecomunicações (comutador digital), com significativo impacto no consumo de energia e consequente calor produzido;
32. O desligamento deste equipamento permitiu planear o desligamento dos equipamentos de ar condicionado, o que aconteceu no dia 4 de julho 2016, em que foram desligados os equipamentos que estavam identificados como fonte de ruído, os quais não mais voltaram a ser ligados;
33. Com este desligamento verificou-se praticamente a eliminação dos ruídos e da incomodidade provocada por tais equipamentos;
34. Os trabalhos efetuados foram precedidos de estudos técnicos que permitiram garantir desde logo que o ruído sentido na habitação da Autora ficaria substancialmente reduzido;
35. Contudo, nos dias 27 de agosto a 1 de setembro 2016 foram efetuados ensaios, promovidos pela Câmara Municipal de Sesimbra (relatório de que a MEO apenas tomou conhecimento do âmbito da ação intentada pela Autora que correu termos sob o nº 122/17.9T8SSB), que alegavam incumprimento;
36. No dia 12-07-2017, pelas 22:00, foram efetuados ensaios de avaliação de ruído emanado pela Central de Sesimbra pela perícia colegial composta pela … (Grupo …) em representação do Tribunal, a (…) representando o reclamante e o (…) representando a MEO;
37. Esses peritos produziram em 22-09-2017 um Relatório dos Ensaios de Ruído, que identifica ruído ligeiramente acima do legalmente permitido no período noturno originado pelo compressor de cabos existente no edifício;
38. Na sequência das conclusões alcançadas por esse relatório – nomeadamente da surpreendente revelação que a principal fonte de ruído provinha do compressor – a MEO iniciou as diligências para lhe dar cumprimento;
39. Assim, em 26-09-2017 foram substituídos os cine-blocos de apoio do motor do pressurizador, tendo a trepidação ficado quase impercetível;
40. Em 04-01-2018 foi alterado o local de instalação do compressor dos cabos, passando para um local mais afastado, a cave, e reforçado o sistema de insonorização/trepidação com a colocação de novos conjuntos de cine-blocos;
41. Em 13-03-2018, foi efetuado o tamponamento para redução de ruído para o exterior com gesso cartonado nas aberturas de grelhas da Sala AVAC com Sala Equipamento Digital/DSLAMs);
42. Por fim, em 21-03-2018 o ventilador do DISLAM foi substituído por modelo low noise, sendo notória a elevada redução do ruído;
43. O Relatório de Ensaio ao ruído ambiente elaborado em 4 de maio de 2018 concluiu que, embora não pudesse ser feita a análise do interior da habitação da Autora, e apenas dentro da central (onde o ruído é necessariamente superior uma vez que daí provém a fonte do mesmo), pela análise dos resultados conclui-se que, nas condições apresentadas não se aplicará a verificação do critério de incomodidade sonora da situação específica de ruído com os limites estabelecidos no ponto 5 do artigo 13º do Decreto-Lei nº 9/2007, de 17 de janeiro, uma vez que o valor do indicador Laeq do ruído ambiente obtido no interior do local de receção é igual ou inferior a 27 dB(A);
44. Consta do relatório referido em 43º que: ”Dado que não foi possível determinar o Critério de Incomodidade, por impossibilidade de fazer medições na habitação da Requerente, através das medições efetuadas na Sala Contígua à habitação pode concluir-se, quer pela ausência de tonalidades da Tabela 5 (Ponto 3 - Sala contígua à habitação), quer pela análise dos gráficos elaborados a partir das medições deste Laboratório após as melhorias preconizadas, que não é refletida qualquer das tonalidades presentes nas fontes principais de ruído, Ponto 1 e Ponto 2, nomeadamente a tonalidade de 160 Hz detetada no Relatório Pericial”;
45. A central da Ré é anterior, pelo menos, à aquisição da habitação em causa pelo pai da Autora;
46. Pelo menos, desde 2013 a MEO encontra-se a efetuar alterações técnicas e trabalhos de insonorização na referida Central de modo a evitar que a mesma produzisse ruídos percetíveis;
47. O referido nos factos provados de 11. a 26. verificou-se desde 2014 até 21.03.2018.

Apreciando, de imediato, o recurso interposto pela R. e a primeira questão por esta suscitada – saber se foi incorrectamente valorada pelo tribunal “a quo” a prova carreada para os autos, devendo, por isso, ser alterada a factualidade dada como provada e não provada – importa dizer a tal respeito que, no que tange aos factos provados insertos nos pontos 12, 13, 15, 18 e 20 a 26, a R. não indicou, de todo, nas respectivas alegações e conclusões, quais os concretos meios probatórios constantes do processo que impunham decisão diversa da recorrida, no sentido dos mesmos virem a obter respostas negativas (“não provados”), em obediência, aliás, ao que se encontra expressamente estipulado no artigo 640.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, alínea a), do C.P.C.
Na verdade, a R./apelante limitou-se a afirmar no recurso ora em análise que, “in casu”, a factualidade supra referida só podia ser provada documentalmente, além de que a prova testemunhal produzida em julgamento sobre tal matéria fáctica tinha sido vaga e inconsistente.
Todavia, por um lado, resulta claro que inexiste qualquer impedimento legal que proíba a produção de prova testemunhal ou por declarações de parte relativamente à factualidade aqui em causa (pontos 12, 13, 15, 18 e 20 a 26 dos factos provados) – inequivocamente produzida nos autos – e, por outro, é manifestamente conclusivo afirmar-se que a prova testemunhal é vaga e inconsistente, sem se concretizar, afinal, quais foram os depoimentos (indicando o nome das testemunhas) e apontar, com exactidão, quais as respectivas passagens de gravação que iriam levar à conclusão de que tais depoimentos eram imprecisos e inócuos para a prova da factualidade supra referida!
Deste modo, face ao teor das alegações e conclusões do recurso apresentadas pela R., torna-se evidente que a recorrente não deu cumprimento, de todo, ao ónus que lhe era imposto na alínea a) do n.º 2 e na alínea b) do n.º 1 do citado artigo 640.º do C.P.C..
Nesse sentido, aliás, pode ver-se Amâncio Ferreira que sustenta que a não satisfação dos ónus impostos pelo artigo 685.º-B do antigo C.P.C. (que corresponde ao actual artigo 640.º do C.P.C.), a cargo do recorrente, implicam a rejeição imediata do recurso (sublinhado nosso) – cfr. Manual dos Recursos em Processo Civil, 4ª ed., páginas 157.
Com entendimento semelhante também se pronuncia Lopes do Rego ao afirmar que este preceito não previu o convite ao aperfeiçoamento quando o recurso versa sobre a matéria de facto que se pretende impugnar e que, desde logo, não satisfaça minimamente o estipulado nos nºs 1 e 2 pois, se isso acontecer, o recurso é logo liminarmente rejeitado – cfr. Comentário ao C.P.C., 1999, páginas 466 (sublinhado nosso).
Também a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores tem entendido que o recurso em que se impugna a matéria de facto deve ser rejeitado quando não levar às conclusões, não apenas a indicação precisa e concreta dos factos que considera incorrectamente julgados pelo tribunal recorrido, como também quais os concretos meios probatórios que impõem decisão diversa (sendo que, tratando-se de prova gravada – como a testemunhal – indicando-se também, com exactidão, as respectivas passagens de gravação). Ou seja, não basta ao recorrente, para obter em 2ª instância a reapreciação da prova produzida no tribunal “a quo”, quedar-se numa transcrição genérica de depoimentos prestados, ou na indicação de alguns documentos trazidos ao processo pelas partes, pois, sobre ele, impende o ónus de especificar quais são os pontos de facto em concreto que reputa indevidamente apreciados, indicando também de forma precisa os aludidos depoimentos e quais as respectivas passagens de gravação e/ou documentos – cfr., entre outros, os Acs. do S.T.J. de 5/2/2004, 1/7/2004, 20/9/2005, 5/9/2018, 26/9/2018 e 27/9/2018, todos disponíveis in www.dgsi.pt, bem como os Acs. da R.C. de 25/5/99, e 24/10/2000 e da R.L. de 2/11/2000 in, respectivamente, B.M.J. 483º, pág. 371, JTRC01137/ITIJ/Net e www.dgsi.pt.
Também o relator do presente aresto veio já a pronunciar-se nesse sentido, em casos semelhantes ao dos presentes autos, no Ac. da R.E. de 9/2/2006, proferido no P. 2135/05, no Ac. da R.L. de 21/11/2006, proferido no P. 8538/06 e ainda no Ac. da R.E. de 10/4/2008, proferido no P. 748/08.
Nestes termos, ao abrigo do n.º 1, “in fine”, do mencionado artigo 640.º do C.P.C., não é possível a este Tribunal Superior conhecer do recurso da apelante quanto à impugnação da factualidade apurada no tribunal “a quo” – relativamente aos pontos 12, 13, 15, 18 e 20 a 26 dos factos provados – (em virtude de, alegadamente, ter sido incorrectamente valorada a prova testemunhal produzida nos autos) e, por via disso, deverá o mesmo ser rejeitado, nesta parte, o que aqui se determina para os devidos e legais efeitos.
Por outro lado – no que tange aos pontos 14, 16, 17 e 19 dos factos provados – entende a recorrente que os mesmos devem obter respostas negativas, tendo por base os depoimentos prestados em audiência de julgamento pelas testemunhas (…) e (…).
Todavia, a este propósito, sempre se dirá que, não obstante afirmar-se que o registo de prova produzido em audiência tem por fim assegurar um verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, a realidade, como todos sabemos é bem diferente, já que “nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso[5].
A recorrente põe em causa a objectividade de apreciação dos factos materiais que a Mma. Juiz “a quo” manteve como razão da sua convicção/decisão, designadamente os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, não obstante o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador, consignado expressamente na lei – cfr. artigo 607.º, n.º 5, do C.P.C..
Ora, ao tribunal de 2ª instância não é lícito, de todo, subverter o principio da livre apreciação da prova devendo, tão só, circunscrever-se a apurar da razoabilidade da convicção probatória do primeiro grau dessa mesma jurisdição, face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos e, a partir deles, procurar saber se a convicção expressa pelo tribunal de 1ª instância tem suporte razoável naquilo que a prova testemunhal escrita e em outros elementos objectivos neles constantes, pode exibir perante si, sendo certo, que se impõe ao julgador que indique “os fundamentos suficientes para que, através da regras de ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade d(aquel)a convicção sobre o julgamento de facto como provado ou não provado[6].
Assim, a constatação de erro de julgamento no âmbito da matéria de facto, impõe que se tenha chegado à conclusão que a formação da decisão devia ter sido em sentido inverso daquele em que se julgou, emergindo “de um juízo conclusivo de desconformidade inelutável e objectivamente injustificável entre, de um lado, o sentido em que o julgador se pronunciou sobre a realidade de um facto relevante e, de outro lado, a própria natureza das coisas[7].
Em suma, o que a lei visa ao permitir às partes e ao facultar-lhes a possibilidade processual de impugnação da decisão relativa à matéria de facto, no segmento que vimos a analisar, é a correcção, pelo Tribunal “ad quem”, do erro de julgamento quanto a um determinado ponto de facto, por a prova produzida, como expressamente nos diz a lei, impor decisão diversa à encontrada pelo Tribunal “a quo”.
Aliás, atentos os meios técnicos em que são documentados os depoimentos prestados em julgamento, não poderia o legislador ter outro desiderato, ao facultar às partes a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, do que restringir essa impugnação aos erros de julgamento.
Na verdade, do teatro do julgamento, o Tribunal “ad quem” apenas tem acesso à sua versão radiofónica, o que não lhe permite uma avaliação cabal do desempenho dos diversos actores, dado que, como sabemos, a expressão corporal desses actores é importante, não só por si, mas na interligação com os restantes actores processuais, para a avaliação do seu desempenho no âmbito dos poderes de livre apreciação destes meios de prova pelo Tribunal “a quo”.
E, como sabemos, cada vez mais, os Srs. Juízes da 1ª Instância, evidenciam a importância da análise comportamental dos depoentes e da sua interligação com os restantes actores processuais, para avaliarem a relevância de um determinado depoimento, no âmbito do cômputo geral da apreciação dos meios de prova produzidos.
Ora, a percepção desta face de um depoimento, muitas das vezes tão importante para a sua valorização, está vedada ao Tribunal “ad quem”, que não tem acesso, de todo, à visualização dos depoimentos produzidos, o que vem reforçar a tese restritiva que vimos equacionando quanto ao âmbito e limites da impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
Concluindo, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, apenas deve proceder, quando o recorrente demonstrar, com evidência, através de um juízo crítico sobre todas as provas produzidas sobre um determinado ponto de facto, que esses meios de prova impunham, de forma clara, uma decisão diversa sobre determinado ponto de facto, patenteando assim o erro de julgamento do Tribunal “a quo” sobre essa concreta matéria.
Ora, no caso em apreço, a matéria de facto dada como provada e não provada mostra-se devidamente fundamentada na sentença recorrida, com a indicação dos vários depoimentos testemunhais, bem como da prova documental e pericial relevante para tal.
Da análise global e integral dos depoimentos de todas as testemunhas inquiridas, após audição das respetivas gravações, conexionados com a análise crítica da prova efectuada com base nos documentos juntos aos autos e no relatório pericial, entendemos que tais elementos probatórios não consentem as pretendidas modificações, pois, deles não se pode retirar a conclusão de ter havido erro de julgamento, por parte do Julgador a quo, erro esse traduzido na desconformidade inexorável e flagrante entre os elementos probatórios e a decisão. E, quando esses elementos são de carácter testemunhal, deve dar-se posição de primazia, relativamente à apreciação da credibilidade dos depoimentos e dos outros elementos probatórios, ao Julgador a quo, que deteve a possibilidade de ouvir, perante si, os relatos das pessoas inquiridas, de confrontar os seus depoimentos com os outros elementos documentais existentes nos autos, isto não obstante a valoração diferente que possa ser dada aos mesmos por terceiros – nomeadamente pela R., aqui recorrente – que lhe possibilita chegar a conclusões divergentes das do Julgador “a quo”.
Não podemos olvidar o que é dito por quem, em sede de audiência de julgamento, analisou criticamente as provas segundo o seu prudente e livre arbítrio, conforme a lei lhe faculta, sendo que, a Mma. Juiz “a quo” que presidiu ao julgamento se mostrou interventiva no decorrer da audiência, procurando esclarecer-se acerca do conteúdo de cada um dos depoimentos testemunhais, não deixando que as instâncias se tornassem repetitivas e que as perguntas não incidissem sobre factos que as mesmas tivessem tido conhecimento (directo ou indirecto) procurando aferir da sua razão de ciência, com vista à valoração das respectivos depoimentos, em conjugação com a restante prova (documental e pericial) carreada para os autos.
Com efeito, não será demais repetir que, na sustentação sobre a matéria de facto dada como provada e não provada a Mma. Juiz “a quo” mostrou-se convincente quanto à certeza da sua decisão e porque, em sua convicção, era de dar credibilidade aos depoimentos prestados por algumas das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento e ainda aos documentos juntos aos autos e ao relatório pericial, no sentido, aliás, em que foi consignado na respectiva motivação da sentença recorrida.
Por isso, dos elementos probatórios documentais, pericial e testemunhais que nos foi dado apreciar, desde já diremos que não obstante as objecções levantadas pela recorrente, não podemos deixar de corroborar a motivação expressa pelo Julgador “a quo”, em que analisou criticamente os elementos probatórios supra referidos, concluindo por firmar a sua convicção, que, quanto a nós, se mostra correcta, ajustada e adequada ao caso concreto em discussão.
Aliás, sempre se dirá que, após a audição da gravação dos depoimentos das testemunhas inquiridas em julgamento, e tendo em conta o teor dos documentos juntos aos autos e do relatório pericial, é nosso entendimento não assistir razão à recorrente, pois torna-se evidente que o juízo formulado pelo Julgador “a quo” é o que se mostra mais consentâneo com a realidade, pelo que a análise crítica da prova que foi efetuada por aquele merece a nossa plena e total concordância.
E, voltando agora à análise dos pontos 14, 16, 17 e 19 dos factos provados – que a R. pretende que obtenham respostas negativas – importa frisar que tal factualidade diz respeito aos ruídos produzidos na casa da A., pelos equipamentos da R., instalados no imóvel contíguo à habitação daquela, os quais perturbavam o sono, a tranquilidade e o descanso da A.
E, sobre tal matéria dada como provada, a A. prestou declarações de parte, que se reputaram de isentas, sinceras, lógicas e credíveis, bem como vieram a depor Fernando Rodrigues (pai da A.) e Ana Vassalo (vizinha da A. até Novembro de 2019), cujos depoimentos foram considerados credíveis e imparciais, corroborando, afinal, a versão dos factos narrados pela A. e demonstrando conhecimento dos factos em causa.
Aliás – da audição das gravações produzidas audiência de julgamento – resulta claro que o depoimento da testemunha (…) foi assaz cristalino e afirmativo, quanto a tal factualidade, pois a mesma reiterou as declarações da A. quando referiu que também lhe sucedeu a mesma falta de descanso e de sono tranquilo, pois também sentia e ouvia na sua casa os mesmos barulhos e ruídos vindos do imóvel contíguo ao seu, onde a R. tinha e em diversos equipamentos instalados. Além disso, afirmou ainda que o quarto do seu filho menor era “colado” à parede do imóvel da R., pelo que face ao barulho oriundo dos equipamentos, nomeadamente do ar condicionado, o seu filho chegou mesmo a dormir na sala. Mais acrescentou que uma vez, em 2016 ou 2017, até chamou a GNR ao local devido ao ruído, porque este era de tal modo forte e muito incomodativo que perturbava até o sono, tanto da própria testemunha, como também do seu filho, que no dia seguinte tinha de ir para escola. E, finalizou, referindo que, sobretudo, no Verão, ou quando estava calor, devido ao funcionamento dos aparelhos do ar condicionado, o barulho era imenso, era “horrível” (sic).
Quanto à audição da gravação dos depoimentos prestados pelas testemunhas (…) e (…) – que, não será demais repetir, a R. sustenta imporem uma resposta negativa aos pontos 14, 16, 17 e 19 dos factos provados – apenas se dirá que o primeiro, além de ter sido trabalhador da R., referiu, quando das medições efectuadas na casa da A., que o ruído era pouco perceptível.
Ora, tal depoimento, além de vago, torna-se conclusivo e com uma grande dose de subjectividade, porque aquilo que interessava saber, em concreto, era se o ruído era incomodativo para a A. e se as medições estavam acima do limite legal, o que, manifestamente, ocorreu até 21/3/2018 – cfr. ponto 42 dos factos provados.
No que respeita ao depoimento da testemunha (…) – perita nomeada pelo tribunal para fazer as medições de ruído na casa habitada pela A., coadjuvada pelos peritos indicados pelas partes – referiu aquela que se tratava de um ruído baixinho, mas logo adiantando que não quer dizer com isso que (o ruído) não seja incomodativo (para A.), porque isso é subjectivo. Mais acrescentou que “se estivéssemos lá às 3 horas da manhã” (na casa onde vive a A.) “a tentar dormir, se calhar começava-se a perceber melhor aquilo” (o ruído).
Assim, este último depoimento não demonstra, afinal, aquilo que a R. pretendia fazer crer a este Tribunal Superior, ou seja, que o ruído que se ouvia na casa habitada pela A. era praticamente inexistente e nada incomodativo para aquela, quase se podendo dizer até (em tom jocoso) que se tratava de uma mera invenção na cabeça da A...
Nestes termos, pelas razões e fundamentos supra explanados, é nosso entendimento que bem andou a Julgadora “a quo” ao dar como assente a factualidade constante dos pontos 14, 16, 17 e 19 dos factos provados que, por isso, se mantém integralmente.

Por último, vem a R. pugnar por respostas positivas aos pontos 2 e 3 dos factos não provados – com base em prova testemunhal e documental produzida nos autos – tendo aqueles a seguinte redacção:
2. A Autora reside numa construção antiga, de qualidade e insonorização acústica duvidosas e que se situa num rés-do-chão completamente térreo.
3. Quando a Autora foi habitar a fracção descrita no artº 1º dos factos provados, bem sabia que a central da Ré é anterior pelo menos à aquisição da habitação em causa pelo pai da Autora e ainda assim não apenas decidiu habitar a mesma, como decidiu usar o espaço contíguo à central como seu quarto, como também não empreendeu qualquer actuação de forma a evitar ser incomodada por quaisquer ruídos que poderiam emanar da central, o que apenas se pode admitir por não serem assim tão notórios quaisquer ruídos nessa habitação.
Relativamente ao ponto 2 supra transcrito resulta da audição da gravação do depoimento da testemunha (…) que o mesmo referiu que ter adquirido, por herança, o r/c do prédio onde a A., sua filha, habita, o qual já tem, pelo menos, 45 anos de construção.
Assim sendo, tendo por base tal prova testemunhal, a que acrescem os documentos nºs 1, 2 e 3 (fotos do prédio em causa) juntos com a contestação, entendemos acrescentar aos factos provados constantes da sentença recorrida o ponto 48, com a seguinte redacção (a negrito):
48. A A. reside no r/c de um prédio com pelo menos 45 anos de construção.
Quanto ao ponto 3., também supra transcrito, resulta que o mesmo é manifestamente conclusivo, abarcando também uma grande dose de subjectividade, pois aquilo que a R. aqui pretendia demonstrar era que os ruídos na habitação da A. não eram assim tão notórios, sendo certo que, por outro lado, como já acima ficou demonstrado, veio a ser feita abundante prova nestes autos de que – muito pelo contrário – os ruídos em causa, resultantes dos equipamentos da R. instalados no imóvel contíguo à habitação da A., eram audíveis e incomodativos para ela, que todas as noites acordava, perturbando-lhe o sono, a tranquilidade e o seu descanso (cfr. pontos 11 a 26 dos factos provados.) sendo certo que, no âmbito do direito de personalidade – como é o caso do direito à saúde e ao repouso – deverá ter-se em conta a especial sensibilidade da lesada (“in casu” a Autora) tal como ela é na realidade.
Assim sendo, forçoso é concluir que, após a audição das gravações relativas aos depoimentos testemunhais prestados em julgamento, nada nos permite afastar a convicção criada no espirito do julgador do tribunal recorrido, convicção essa que não é merecedora de qualquer reparo, porque perfeitamente adequada à prova produzida, corroborando-se, por inteiro, a fundamentação efetuada pela Mma. Juiz “a quo” na decisão sobre a matéria de facto – para quem teve, aliás, o privilégio da imediação (o que, repete-se, não se verifica, de todo, neste Tribunal Superior) – não relevando, de todo, a apreciação crítica da prova que nos é dada pela recorrente, com excepção do ponto 48 aditado aos factos provados.
Por outro lado, devemos ter em consideração que não se pode deixar de reconhecer que a lei atribui a posição de primazia na valoração da prova ao Julgador “a quo” – enão às partes – que a aprecia livremente segundo a sua prudente convicção, uma vez que os meios de prova em causa nestes autos são, todos eles, de livre apreciação (cfr. artigo 607.º, n.º 5, do C.P.C.) – sublinhado nosso.
Por último, importa aqui repetir – uma vez mais – que só perante uma situação de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão é que haverá erro de julgamento, situação essa que não ocorre quando estamos na presença de elementos de prova contraditórios, pois nesse caso entendemos dever prevalecer a resposta dada pelo tribunal “a quo”, por estarmos no domínio e âmbito da convicção e da liberdade de julgamento (cfr. artigo 607.º, n.º 4, do C.P.C.) que não compete a este tribunal “ad quem” sindicar, a não ser que efetivamente a desconformidade entre os elementos de prova e a decisão a que se chegou, seja manifesta, o que, como vimos, não veio – de todo em todo – a suceder “in casu”.
Em suma, diremos que estando a factualidade apurada e não apurada, devidamente fundamentada, não se revelando arbitrária nem discricionária, estando, quanto a nós, em conformidade com o que resulta da prova registada em áudio, conjugada com a prova documental e pericial carreada para os autos, entendemos não proceder a qualquer modificação da factualidade que vem dada como provada e não provada – com excepção, repete-se, do aditamento do ponto 48 aos factos provados – tal como era pretendido pela R., aqui recorrente.
Deste modo, pelas razões e fundamentos acima explanados, forçoso é concluir que improcede esta primeira questão levantada pela R./apelante no presente recurso – com excepção do aditamento do ponto 48 aos factos provados – mantendo-se imutável a restante factualidade apurada no tribunal “a quo” – a qual se mostra transcrita supra (cfr. fls. 17 a 22 deste aresto) – não sendo a mesma passível de qualquer alteração no presente acórdão.

Analisando agora a segunda questão levantada pela R., ora apelante – saber se inexiste nexo de causalidade entre a conduta da R. e os danos peticionados pela A., os quais, a provarem-se, traduzem apenas simples incómodos ou contrariedades que não justificam, de todo a indemnização por danos não patrimoniais, mas, caso assim não se entenda, sempre deverá ser reduzido o quantum indemnizatório de € 15.000,00 arbitrado à Autora, por se revelar arbitrário, excessivo e desproporcionado – haverá que referir a este propósito que tal questão está directamente relacionada com aquela que a A. veio colocar no recurso subordinado por si interposto para esta Relação, no qual sustenta que a indemnização a que tem direito, a título de danos não patrimoniais, em vez de ser excluída ou diminuída (como sustenta a R.), deve ser aumentada para o valor constante do pedido que formulou nos presentes autos (€ 21.900,00).
Assim sendo, pelas razões supra referidas, importa apreciar em conjunto, quer a segunda questão suscitada pela R., aqui apelante, quer a (única) questão levantada pela A. no recurso subordinado.
Ora, relativamente aos danos não patrimoniais propriamente ditos, a obrigação de indemnizar imposta ao lesante decorre, neste âmbito, do princípio geral consagrado no artigo 483.º do Cód. Civil, o qual estipula:
- “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
E, por outro lado, verificados os requisitos supra referidos – é necessário que haja um facto voluntário do agente, que esse facto seja ilícito, que haja um nexo de imputação do facto ao lesante, que à violação do direito subjetivo sobrevenha um dano e que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., pág. 471) – importa chamar à colação o disposto no artigo 496.º, n.º 1, do Cód. Civil, o qual estabelece que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
No caso em apreço é pacífico que, atenta a factualidade apurada nos autos (cfr. pontos 11 a 26 dos factos provados), os danos sofridos pela A., face à sua gravidade, merecem ser indemnizados, estando apenas em causa o quantum indemnizatório fixado na sentença a este título.
Ora, estabelece o nº 3 do citado artigo 496.º que “o montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º”. Isto é, a indemnização por danos não patrimoniais, deve ser fixada de forma equilibrada e ponderada, atendendo em qualquer caso (quer haja dolo ou mera culpa do lesante) ao grau de culpabilidade do ofensor; à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, como por exemplo, o valor atual da moeda.
Como afirmam Pires de Lima e Antunes Varela, o montante da indemnização «deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realidade da vida» – cfr. Código Civil Anotado, Vol. I., 3ª ed., pág. 474.
A indemnização por danos não patrimoniais é, mais propriamente, uma verdadeira compensação: segundo a lei, o objectivo que lhe preside é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos, e não o de o recolocar “matematicamente” na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e nessa exacta medida, irreparáveis) é uma reparação indirecta, comandada por um juízo equitativo que deve atender às circunstâncias mencionadas no artigo 494.º – cfr. Acórdão do STJ de 14/9/2010, disponível in www.dgsi.pt.
Este recurso à equidade não afasta, porém, «a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso» – cfr. Acórdão do STJ de 3/2/2011, também disponível in www.dgsi.pt.
Na verdade, como em todas as coisas, na fixação de tais danos, deve imperar o bom senso, sem perder de vista os dados objectivos em que se apoia o juízo de equidade, como sejam a gravidade objectiva das lesões e sua extensão no tempo, bem como eventuais sequelas ou sinais externos de sofrimento, etc.
Daí que é entendimento actual e maioritário na jurisprudência que a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do citado artigo 496.º do Código Civil e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar, pelo que não pode, de todo em todo, ser meramente simbólica ou miserabilista – cfr., nesse sentido, entre outros, os Acs. do S.T.J. de 16/12/93 e de 8/6/99, in CJSTJ, Ano I, Tomo 3º, pág.183 e BMJ 488, pág.323, respectivamente e ainda o Ac. do STJ de 19/4/2012, disponível in www.dgsi.pt. – sublinhado nosso.
No mesmo sentido jurisprudencial podem ver-se ainda os Acs. do STJ de 27/1/2005, 8/3/2005 e 3/3/2009, todos disponíveis in www.dgsi.pt, onde foram fixados valores de € 100.00,00 e € 150.000,00 para tais danos.
Voltando agora ao caso em apreço (e a propósito dos referidos danos não patrimoniais) ficou provado nos autos que:
- Tais equipamentos (da R.) produziam vibrações, ruído contínuo e zumbido que se propagava para a residência e quarto da Autora;
- O quarto da Autora é contíguo à divisão onde estavam instalados os equipamentos da Ré;
- Por causa daquele ruído, e para atenuar o incómodo, a Autora mudou o seu quarto para outra divisão da sua habitação, a sala de jantar, para onde teve de transportar as camas da Autora e da filha;
- Mas os ruídos eram audíveis e incomodativos para a Autora, que todas as noites acordava;
- Depois de acordar, a Autora tinha muita dificuldade em voltar a adormecer o que a irritava e perturbava fortemente;
- Muitas vezes, a Autora só conseguia voltar a dormir com recurso a medicamentos;
- O ruído produzido na casa da Autora pelos equipamentos perturbava a tranquilidade e o descanso da Autora e família;
- O ruído criou à Autora ansiedade, nervosismo, cefaleias, fadiga e irritabilidade;
- A Autora não conseguia dormir sem interrupções no sono;
- E o sono interrompido, além de não proporcionar descanso à Autora, é fonte de grande stress e forte irritação;
- A Autora sentia-se permanentemente irritada;
- A Autora deixou de ter no andar dois espaços separados de lazer (sala) e de descanso (quarto);
- O que transtornava, diariamente, a vida da Autora, pois a impedia de usufruir da sala, local onde dormia também uma criança;
- A Autora não podia convidar amigos ou familiares para casa, pois não tinha onde recebê-los;
- A Autora viu-se obrigada a tomar todas as refeições na cozinha;
- Por outro lado, e apesar do ruído, devido a problemas de saúde da filha, a Autora teve algumas vezes (quando a filha se encontrava doente com asma) de pernoitar no quarto;
- O referido nos factos provados de 11. a 26. verificou-se desde 2014 até 21.03.2018.
Ora, perante este quadro factual tão exaustivo – cfr. pontos 11 a 26 e 47 dos factos provados – constata-se que a A., face à conduta da R. (para a qual aquela não contribuiu), sofreu um autêntico “calvário” durante um período de tempo de, pelo menos 3 anos, que violou um dos direitos de personalidade da A., ou seja, o seu direito à saúde, ao descanso e ao repouso, essenciais para uma existência física e mental sã e equilibradas por parte da Autora.
Assim sendo, temos amplamente por justificada e equitativa uma compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela A., devendo manter-se a indemnização fixada na 1ª instância a esse título, no montante de € 15.000,00, a qual é perfeitamente justa e equilibrada para o caso dos autos, indemnização essa que, de alguma forma, irá minorar todo o sofrimento moral por que a A. passou ao longo daqueles (3) anos.
Nestes termos, dado que os recursos em análise não versam outras questões, entendemos que a sentença recorrida – no que respeita à aplicação do Direito – não merece qualquer censura ou reparo, sendo, por isso, de manter integralmente. Em consequência, improcedem, “in totum”, as conclusões de recurso formuladas, quer pela R./apelante, quer pela A. no recurso subordinado, não tendo sido violados os preceitos legais por elas indicados.
***
Por fim, atento o estipulado no n.º 7 do artigo 663.º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
(…)

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedentes, quer o recurso de apelação interposto pela R., quer o recurso subordinado interposto pela A., confirmando-se inteiramente a sentença proferida pelo tribunal “a quo”.
Custas pela R. e pela A., no que tange, respectivamente, à apelação e ao recurso subordinado interpostos.
Évora, 14 de Janeiro de 2021
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás

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[1] Cfr., neste sentido, Alberto dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
[5] - Preâmbulo do Dec. Lei 39/95, de 15/02.
[6] - Cfr. M. Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Cód. Proc. Civil, 1997, 348.
[7] - Desembargador Pereira Batista em muitos acórdãos desta Relação, nomeadamente Apelação n.º 1027/04.1, disponível em www.dgsi.pt.
[8] - “Existem aspectos comportamentais ou reacções do depoente que apenas são percepcionados, aprendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia” (Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil II, Almedina, 4ª edição, 266).