Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3136/22.3T8FAR.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
FORMA DE PROCESSO
ERRO NA FORMA DE PROCESSO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA NO TRABALHO
RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR
CASO JULGADO
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I- A ação especial de acidente de trabalho constitui o processo adequado para discutir e decidir sobre a verificação de um acidente qualificável como de trabalho; sobre a(s) entidade(s) responsável(eis) pela reparação do acidente; e, sobre as concretas prestações devidas ao sinistrado, salientando-se que o regime legal (processual e substantivo) aplicável a esta ação permite que se demandem, na mesma, todas as entidades que, potencialmente, possam ser responsáveis pela reparação do acidente.
II- Se na ação de acidente de trabalho respeitante a um determinado sinistro se fixou, por decisão transitada em julgado, a responsabilidade pelo acidente apenas pelo risco, tendo ficado a reparação do acidente a cargo da seguradora para a qual a entidade empregadora havia transferido a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, não pode admitir-se a existência e prosseguimento de uma ação declarativa, com processo comum, intentada pela sinistrada contra a entidade empregadora, com fundamento na responsabilidade prevista no artigo 18.º da LAT (Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro), porquanto se verifica a repetição de uma causa que já tinha sido decidida por sentença que já não admita recurso ordinário, ou seja, verifica-se a exceção de caso julgado.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

I. Relatório
AA intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Serviço De Utilização Comum Dos Hospitais - SUCH, pedindo que o Réu seja condenado a pagar-lhe as seguintes quantias:
a) € 3502,44, a título de lucros cessantes;
b) € 185,85, a título de compensação por despesas não ressarcidas;
c) € 919,12, por férias que deixou de poder beneficiar;
d) € 5000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Mais peticionou a condenação do Réu no pagamento dos juros vencidos e vincendos, à taxa legal.
Alegou, em breve síntese, que, no dia 29 de agosto de 2018, pelas 10h, quando exercia as funções de empregada de balcão de 2.ª, por conta do Réu, na cafetaria do Hospital de Faro, foi vítima de acidente de trabalho que deu origem ao processo de acidente de trabalho com o n.º 2214/20.8T8FAR – J1. Tal acidente consistiu num choque elétrico e o mesmo ficou a dever-se a culpa do Réu, que não observou as regras sobre higiene e segurança no trabalho, pois havia sido alertado para a necessidade de reparar a torradeira e para o potencial perigo que a mesma constituía, e não realizou, atempadamente, a sua reparação. Em consequência do referido evento, a Autora sofreu incapacidades já ressarcidas no processo de acidente de trabalho. Não obstante, sofreu perda patrimonial, porquanto a indemnização por ITA não contemplou toda a retribuição, tendo, por isso, visto os seus rendimentos diminuírem em montante que indicou. Por outro lado, durante o período em que não esteve a trabalhar, deviam ter-se vencido férias - 2019, 2020 e 2021 – que pretende que lhe sejam pagas. Acrescentou, também, que incorreu em despesas de deslocação, medicamentosas e de alimentação, que não lhe foram pagas, e que sofreu danos morais que devem ser ressarcidos.
Citado o Réu, realizou-se audiência de partes, na qual não foi possível obter uma solução conciliatória para o litígio.
O Réu contestou, arguindo a exceção de caso julgado, em virtude de ter corrido termos o processo por acidente de trabalho n.º 2214/20.8T8FAR, no qual só teve intervenção a seguradora para a qual tinha a responsabilidade infortunistica transferida, por o acidente não ter sido causado por si. Subsidiariamente, impugnou os factos e suscitou a litigância de má-fé da Autora, em virtude de, afirmando não ter recebido a remuneração de férias de 2019 a 2021, ter gozado as mesmas em 2019, 2021 e 2022.
Requereu, ainda, a intervenção principal da seguradora Generali – Companhia de Seguros, S.A.
Designada data para realização de audiência prévia, nesta diligência foi debatida a exceção invocada e foi exercido o contraditório quanto à litigância de má-fé.
Após, foi prolatada sentença, que julgou procedente a exceção dilatória de caso julgado e, em consequência, foi o Réu absolvido da instância.
Foi fixado o valor da causa em € 9.607,41.
-
Inconformada com a sentença, a Autora veio interpor recurso para esta Relação, rematando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem:
«A) A responsabilidade regra da entidade patronal quanto aos acidentes sofridos pelos trabalhadores é objetiva, sem embargo do recurso à responsabilidade subjetiva para todas as matérias não especialmente reguladas e, também, nos casos do art. 18.º desse diploma legal.
B) Contudo, a Autora não teve, sequer, oportunidade de fazer a prova que lhe competia na medida em que a sentença proferida absolveu a Ré por considerar estar perante uma situação de caso julgado.
C) Salvo melhor entendimento, a decisão proferida no âmbito do processo nº 2214/20.8T8FAR que correu os seus termos no J1 daquele mesmo Tribunal não constitui caso julgado.
D) O conhecimento do caso julgado tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica.
E) Dito isto, são requisitos do caso julgado, que existam uma mesma identidade quanto aos sujeitos, ao pedido e causa de pedir.
F) É, pois, nesta matéria que divergimos do douto tribunal, já que, desde logo, esta ação não é idêntica à que se lhe antecedeu, não se verificando os requisitos para o caso julgado.
G) Com efeito, há identidade de sujeitos quando as partes sejam portadoras do mesmo interesse substancial.
H) Ora, no caso concreto a Ré não adotou qualquer posição nesse mesmo processo, não estando aqui em causa o interesse substancial que ali se pretendeu fazer valer.
I) Salvo melhor entendimento, também quanto à identidade do pedido, o mesmo não se verifica, porquanto o que estava em causa no processo anterior era saber se tinha havido um acidente de trabalho e qual a consequência, nos termos legais, para a sinistrada sendo que aqui se pretende coisa diferente, nomeadamente saber se o acidente teve como causa a falta de respeito, por parte da entidade patronal, de obrigações próprias na garantia de segurança da autora, sua trabalhadora.
J) Por fim, há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas demandas procede do mesmo facto jurídico, requisito que também não se verifica.
K) Ainda que subjacente num e noutro processo, esta ação visa um fim distinto e parte de um facto jurídico distinto, já aqui referido.
L) Em suma, a relação ou situação jurídica material definida pela primeira decisão não ficará, na eventualidade de se obter aqui uma condenação ou uma absolvição do pedido, prejudicada nem será contrariada por esta segunda decisão.
M) Não comportando, por isso, qualquer risco de vir a decidir de forma diferente do que já foi decidido e não será, igualmente, uma decisão inútil.
N) Salvo melhor entendimento, desde que respeitado o prazo previsto no disposto no nº 1 do art. 179º da Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro, a presente ação é válida.
O) Face ao exposto, deve a sentença ser revogado, prosseguindo o processo os seus normais trâmites.».
-
O Réu contestou, pugnando pela improcedência da ação.
-
A 1.ª instância admitiu o recurso, com subida imediata, nos próprios autos, conferindo-lhe efeito meramente devolutivo.
-
Após a subida do processo à Relação, foi observado o disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer favorável à manutenção da decisão recorrida.
O Réu respondeu, manifestando a sua concordância.
O recurso foi mantido e foram colhidos os vistos dos Exmos. Adjuntos.
Cumpre, agora, apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, a única questão que importa analisar e decidir é a de saber se não se verifica a exceção dilatória de caso julgado, declarada pelo tribunal a quo.
*
III. Matéria de Facto
Extrai-se da sentença recorrida que a materialidade considerada foi a seguinte:
1- No âmbito do processo emergente de acidente de trabalho com nº 2214/20.8T8FAR, por decisão transitada em julgado, declarou-se que a sinistrada, ora Autora, em decorrência do acidente de trabalho sofreu ITA entre 30 de agosto de 2019 e 09 de setembro de 2019, incapacidade temporária parcial de 5% entre 22 de abril de 2021 e 8 de setembro de 2021, tendo ficado afetada de incapacidade permanente parcial de 2% a partir de 8 de outubro de 2021.
2- Consequentemente, condenou-se a Generali – Companhia de seguros S.A. a pagar-lhe indemnização pelas ITA e ITP e o capital de remição calculado em função de uma pensão anual e vitalícia de € 122,00.
3- Anteriormente a tal decisão, no mesmo processo, indeferiu-se a petição inicial aí apresentada pela sinistrada contra a seguradora, com pedido de intervenção principal provocada do ora Réu, no âmbito da qual, com a mesma causa de pedir agora invocada, formulou igual pedido ao agora formulado.
4- Radicou tal indeferimento liminar na circunstância de “ Sendo evidente (veja-se que a sinistrada disse reclamar apenas “o pagamento da pensão a que tiver direito, calculado com base no salário referido à data do acidente e o grau de incapacidade que lhe vier a ser atribuída por Junta Médica”, numa clara alusão à tramitação prevista no art.138º e 117º nº1 al. b) do CPT e omitindo completamente as prestações referidas no art.18º da Lei 98/2009,04/09), que a divergência dos participantes na tentativa de conciliação se limitou à questão da incapacidade não pode agora a sinistrada indicar outro corresponsável, nem discutir questões distintas daquela e não referidas em sede de tentativa de conciliação .”
5- De nenhuma daquelas decisões foi interposto recurso tendo a sinistrada intentado a presente ação.
*
IV- Enquadramento jurídico
Conforme já referimos, a única questão que importa dilucidar e resolver é a de saber se se verifica, ou não, a exceção dilatória de caso julgado.
Na decisão recorrida entendeu-se que sim, com apoio na seguinte fundamentação:
«III- Da exceção do caso julgado
Estatui o art.580º do Código de Processo Civil que “(…) as exceções de litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; (…) se a repetição de verifica depois da primeira causa ter sido julgada por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar á exceção do caso julgado.”
Nos termos do disposto no art.581º do mesmo diploma “1- Repete-se uma causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2- Há identidade de sujeitos se as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3- Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico;
4- Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.(…) nas ações constitutivas (…) é o facto concreto (…) que se invoca para obter o efeito pretendido.”
É sabido que a configuração da exceção de caso julgado é independente da natureza das ações propostas e para que haja identidade de pedido entre duas ações não é necessária uma rigorosa identidade formal entre um e outro, bastando que sejam coincidentes o objetivo fundamental de que dependa o êxito de cada uma delas.
À noção geral do caso julgado acabada de referir o art.154º do Código de Processo de trabalho acrescenta outra quando, no seu número dois, refere que “As decisões transitadas em julgado que tenham por objeto a qualificação do sinistro como acidente de trabalho ou a determinação da entidade responsável têm valor de caso julgado (…)” para os processos previstos no nº 1, ou seja para os processos destinados à efetivação de direitos conexos com acidente de trabalho sofrido por outrem que não o sinistrado.
Em matéria de acidente de trabalho, estão previstas três formas de processo:
– o processo para efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, previsto nos art.99º a 150º do Código de Processo de trabalho;
- o processo para declaração de extinção de direitos de acidente de trabalho, previsto nos arts.151º a 153º e
- o processo para efetivação de direitos de terceiros conexos com acidente de trabalho, previsto no art.154º.
Conforme decorre do disposto no art.99º do citado diploma, a fase conciliatória do processo para efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho visa alcançar a satisfação dos interesses emergentes do acidente de trabalho de forma amigável assegurando-se o Ministério Público, pelos necessários meios de investigação, da veracidade dos elementos constantes do processo e declarações das partes e de que o acordo a que eventualmente se chegue respeita as regras legais imperativas (cfr.art.104º nº 1, 109º e 114º do CPT).
Tendo em vista tal fim o Ministério Público designa tentativa de conciliação à qual, nos termos do disposto no art.108º nº 1 do mesmo diploma, são chamados o sinistrado ou seus beneficiários legais e entidades empregadoras ou seguradoras, conforme os elementos constantes da participação.
Nos termos do nº 2 da mesma norma “se das declarações prestadas na tentativa de conciliação resultar a necessidade de convocação de outras entidades, o Ministério Público designa data para nova tentativa de conciliação, a realizar num dos 15 dias seguintes.”
Na tentativa de conciliação o Ministério Público promove o acordo de harmonia com os direitos consignados na lei, tomando por base os elementos fornecidos pelo processo, designadamente o resultado da perícia médica e as circunstâncias que possam influir na capacidade geral de ganho do sinistrado (cfr.art.109º do CPT).
Chegando-se a acordo os autos são submetidos a juiz para verificação da sua conformidade com os elementos fornecidos pelo processo e normas legais, regulamentares ou convencionais e homologação (cfr.art.111º e 114º do CPT), findando a fase conciliatória e não havendo lugar à contenciosa.
Frustrando-se o acordo consignam-se em auto os factos sobre os quais tenha havido acordo, referindo-se expressamente se houve ou não acordo acerca da existência e caracterização do acidente, do nexo causal entre lesão e acidente, da retribuição do sinistrado, da entidade responsável e da natureza e grau da incapacidade atribuída (cfr.art.112º do CPT), existindo um dever por parte dos participantes de tomarem posição sobre cada um dos factos e sobre o que entendem serem os seus direitos e responsabilidades ( cfr.art.112º nº2 do CPT) o que se afigura determinante para se definirem os direitos do sinistrado e, consequentemente, se alcançar o fim da ação emergente de acidente de trabalho.
Quando o objeto da discordância se limitar à questão da incapacidade a fase contenciosa inicia-se com o requerimento de junta médica a que alude o disposto no art.138º do CPT para efeitos de fixação da incapacidade ( cfr. art.117º nº 1 al. b) do CPT).
Se a falta de acordo for além da questão da incapacidade a fase contenciosa inicia-se com a petição inicial em que o sinistrado, doente ou seus beneficiários formulam, contra a (s) entidade (s) responsável(eis), o pedido, expondo os seus fundamentos (cfr.117º nº 1 al. a) e 119º do CPT), devendo, por força do disposto no art.131º nº1 al. c) do CPT, dar-se como assentes os factos sobre que tenha havido acordo na tentativa de conciliação .
De tudo quanto se referiu resulta a particular importância da tentativa de conciliação, presidida pelo Ministério Público, porquanto se, por um lado, em caso de acordo, na mesma ficam logo definidos os direitos do sinistrado e respetivo reconhecimento pela entidade ou entidades responsáveis, com o que, após homologação, se porá termo ao processo, quando aquele acordo não se verificar a mesma servirá para delimitar o litigio, circunscrevendo as questões/factos sobre os quais incidirá a discussão na fase contenciosa na qual apenas se poderão discutir as questões que obstaram ao acordo total na fase conciliatória (neste sentido vide Ac. RE de 13/07/2017, proc.1776/15.6T8TMR.E1 e RC de 25/10/2019, proc. 5068/17.8T8LRA-A.C1, ambos acessíveis in www.dgsi.pt).
Evidentemente que, em face de tal âmbito, para a tentativa de conciliação devem ser convocadas todas as entidades que se considerem responsáveis, quer por via da indicação na participação quer pelas declarações prestadas em tal diligência, por forma a que com todas se tente a conciliação.
Sendo evidente que a finalidade do processo emergente de acidente de trabalho tem como fim a reparação dos danos emergentes do referido evento, o supra exposto permite, pois, concluir que, em obediência à natureza pública dos direitos e ao carácter oficioso do processo, todas as questões relacionadas com a caracterização do acidente de trabalho e determinação da entidade responsável e âmbito da responsabilidade desta/s têm (e só podem ) ser debatidas no âmbito do processo para efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho previsto nos art.99º a 150º do Código de Processo de trabalho, sob pena de preclusão, o que justifica o estatuído no art.154º nº 2 do CPT com o qual se visa obstar a que a decisão proferida em sede de acidente de trabalho seja posta em causa ao permitir-se uma decisão contrária à mesma noutra ação (exemplo disso é a hipótese de no processo de acidente de trabalho se ter concluído que a seguradora era a principal responsável e no processo subsequente que a mesma era apenas responsável subsidiária por conta da culpa da entidade patronal ).
Ora, conforme resulta dos autos, no âmbito do processo emergente de acidente de trabalho que correu termos neste Juízo do trabalho sob o nº 2214/20.8T8FAR, por decisão transitada em julgado, declarou-se que a sinistrada, ora A., em decorrência do acidente de trabalho sofreu ITA entre 30 de agosto de 2019 e 09 de setembro de 2019, incapacidade temporária parcial de 5% entre 22 de abril de 2021 e 8 de setembro de 2021, tendo ficado afetada de incapacidade permanente parcial de 2% a partir de 8 de outubro de 2021.
Consequentemente condenou-se a Generali – Companhia de seguros S.A. a pagar-lhe indemnização pelas ITA e ITP e o capital de remição calculado em função de uma pensão anual e vitalícia de €122,00.
Anteriormente a tal decisão, no mesmo processo, indeferiu-se a petição inicial aí apresentada pela sinistrada contra a seguradora, com pedido de intervenção principal provocada da ora R., no âmbito da qual, com a mesma causa de pedir agora invocada formulou igual pedido ao agora formulado.
Radicou tal indeferimento liminar na circunstância de “ Sendo evidente (veja-se que a sinistrada disse reclamar apenas “o pagamento da pensão a que tiver direito, calculado com base no salário referido à data do acidente e o grau de incapacidade que lhe vier a ser atribuída por Junta Médica”, numa clara alusão à tramitação prevista no art.138º e 117º nº1 al. b) do CPT e omitindo completamente as prestações referidas no art.18º da Lei 98/2009,04/09), que a divergência dos participantes na tentativa de conciliação se limitou à questão da incapacidade não pode agora a sinistrada indicar outro corresponsável, nem discutir questões distintas daquela e não referidas em sede de tentativa de conciliação .”
De nenhuma daquelas decisões foi interposto recurso tendo a sinistrada intentado a presente ação.
Ora, se é certo que o disposto no art.590º nº 1 do CPC ex vi art.1º nº 2 al. a) do CPT manda aplicar às situações de indeferimento liminar da petição inicial o disposto no art.560º do mesmo diploma, no seguimento de António Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do processo civil, I Volume, Almedina, 1997, p. 234 (que mantém atualidade) a apresentação da nova petição inicial pressupõe que o vicio que determinou o indeferimento liminar seja remediável.
Sendo manifesto, em face da fundamentação do indeferimento liminar, que o vicio que determinou aquele indeferimento não é remediável e radicou na manifesta improcedência do pedido é evidente que existe caso julgado porquanto o tribunal sobre a mesma questão (veja-se que a causa de pedir era igual, o pedido também e pedia-se a intervenção principal provocada da ora R.) já se pronunciou e tal decisão transitou em julgado.
Mas acrescentaremos ainda o seguinte tendo presente que na ação emergente de acidente de trabalho já foi proferida decisão final, com trânsito em julgado.
Não se olvidando que a presente ação foi intentada pela sinistrada sem recurso ao disposto no art.154º do CPT (o que bem se compreende por não se tratar de terceiro relativamente ao acidente) a norma constante do nº 2 de tal artigo não tem aplicação no caso.
Porém a ratio ( que já se explanou) que subjaz à mesma, conjugadamente com o âmbito do caso julgado material (que visando obstar a que sobre a mesma relação jurídica ou direitos substantivos se profiram decisões contraditórias, atentando-se contra os valores da segurança e certezas jurídicas), permite concluir que uma vez decidido o processo emergente de acidente de trabalho a decisão que nele se profira, após o trânsito em julgado, adquire força de caso julgado impeditivo da sua reapreciação.
Por isso, em face de tudo quanto se referiu, ainda que não se esteja perante situação subsumível ao disposto no art.154º do CPT, pretendendo-se com esta ação discutir, de novo, o acidente de trabalho, seus responsáveis e responsabilidades, dúvidas não temos de que se com ela se pretende pôr em causa a decisão definitiva proferida no processo emergente de acidente de trabalho no que respeita aos seus responsáveis e medidas de responsabilidade. Permitir-se tal discussão violaria o caso julgado e, por isso, a presença da exceção arguida é inequívoca.
Neste sentido vejam-se os Ac.RE de 26/05/2022 e AC. STJ de 28/10/2020, ambos acessíveis in www.dgsi.pt.
Constituindo o caso julgado uma exceção dilatória, insuprível, conduz tal à absolvição da R. da instância – cfr. artigo 577º al. i) e artigo 493º nº 2 do Código de Processo Civil – o que deve ser decretado, com prejuízo para a apreciação da intervenção principal provocada e da litigância de má-fé (esta última porquanto, a nosso ver, atenta a fundamentação, foi invocada para o caso da exceção não proceder prosseguindo a instância para apreciação do mérito da mesma).»
Desde já adiantamos que a decisão recorrida não merece censura.
Constituindo a ação especial de acidente de trabalho o processo adequado para discutir e decidir sobre a verificação de um acidente qualificável como de trabalho; sobre a(s) entidade(s) responsável(eis) pela reparação do acidente; e, sobre as concretas prestações devidas ao sinistrado, importa salientar que o regime legal (processual e substantivo) aplicável a esta ação permite que se demandem, na mesma, todas as entidades que, potencialmente, possam ser responsáveis pela reparação do acidente.
Ora, no processo especial de acidente de trabalho com o n.º 2214/20.8T8FAR fixou-se a responsabilidade pelo acidente apenas pelo risco, tendo ficado a reparação do acidente a cargo da seguradora para a qual a entidade empregadora havia transferido a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho ocorridos com a ora Apelante.
(Aliás, a petição inicial e o pedido de intervenção do ora Apelado, apresentados pela sinistrada naquela ação, foram liminarmente indeferidos, por despacho que transitou em julgado, precisamente com o fundamento de que não estava em causa a possibilidade da existência de qualquer outro corresponsável pela reparação do acidente, de acordo com o objeto processual configurado na ação.)
Em face do decidido na ação de acidente de trabalho não pode admitir-se a existência e prosseguimento da presente ação, porquanto a causa de pedir apresentada obrigaria a que, novamente, se apreciasse a dinâmica do acidente e se determinasse a entidade responsável pela sua reparação, o que já foi decidido, sem possibilidade de recurso ordinário.
Ora, nos termos previstos pelo artigo 580.º do Código de Processo Civil, a exceção dilatória do caso julgado visa precisamente evitar a repetição de uma causa que já tenha sido decidida por sentença que já não admita recurso ordinário.
É certo que a exceção do caso julgado exige a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir – artigo 581.º do Código de Processo Civil.
E, não obstante o Réu não tenha tido intervenção na ação de acidente de trabalho, a identidade de sujeitos a que se reporta o n.º 2 do aludido artigo 581.º refere-se à qualidade jurídica, e não física, dos sujeitos.
É consabido que na ação especial de acidente de trabalho, as partes demandadas são, necessariamente, as partes responsáveis pela reparação do acidente, à luz do Regime Especial consagrado na Lei de Acidentes de Trabalho (LAT)[2].
Sendo assim, o Réu apenas poderia ter sido demandado, para efeitos de reparação do acidente de trabalho, na mesma qualidade em que é demandado na presente ação judicial, ou seja, como entidade empregadora da sinistrada.
O Réu só não foi demandado na ação de acidente de trabalho porque ficou estabelecido que estava em causa uma responsabilidade pelo risco e a responsabilidade transferida para a seguradora cobria a totalidade da remuneração da sinistrada.
Logo, entendemos que existe identidade de sujeitos, porquanto na relação material controvertida, a Apelante assume a qualidade de sinistrada e o Apelado a qualidade de empregador.[3]
Quanto à identidade de pedido, tal situação verifica-se quando numa e noutra ação se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
Ora, na ação especial de acidente de trabalho o efeito jurídico pretendido é a reparação dos danos sofridos em consequência do acidente.[4]
E é precisamente esse o efeito jurídico que se pretende obter na presente ação.
Em rigor, o que a Apelante (sinistrada) deveria ter feito era ter invocado na ação de acidente de trabalho que o acidente que sofreu foi causado por falta de observação, por parte da entidade empregadora, das regras sobre higiene e segurança no trabalho, e, nessa ação, ter reclamado todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente.
Não pode é, agora, por via da presente ação, tentar obter o mesmo efeito jurídico.
Escreveu-se no Acórdão da Relação de Coimbra de 26/02/2019, prolatado no Proc. 1600/16.2T8FIG.C1[5]:
«Na verdade, o caso julgado abarca o deduzido e o dedutível, isto é, estão abrangidos pela força do caso julgado todas as possíveis razões do autor invocadas e meios de defesa deduzidos, como também as que não foram alegadas ou deduzidas, mas eram alegáveis ou dedutíveis, desde que pertinentes para a resolução do litígio. Significa isto que o caso julgado abrange não só o que foi efetivamente deduzido, mas, também, o que poderia ter sido deduzido e o não foi. Na segunda ação não pode a parte alegar factos, formular pedidos ou apresentar defesas que deveria ter apresentado e alegado na primeira ação, mas que, por qualquer razão, o não fez, abarcando, assim, o caso julgado, não só o que foi objeto de discussão no processo, mas também tudo aquilo que a esse objeto respeitando tivesse o autor ou o réu o ónus de submeter também à discussão (neste sentido pode ainda ver-se Manuel de Andrade, Noções Elementares, pág. 324, Anselmo de Castro, D. Proc. Civil, Vol. III, pág. 394, e Ac. do STJ, de 21.4.2010, Proc.6640/07.0TBSTB e da Rel. Porto, citado na decisão recorrida, ambos em www.dgsi.pt).»
Em suma, consideramos que se verifica, igualmente, identidade do pedido.
Por fim, quanto à identidade da causa de pedir, estatui o n.º 4 do artigo 581.º que há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.
Ora, parece-nos ser evidente que, tanto na ação de acidente de trabalho, como na presente ação, as pretensões deduzidas emergem do mesmo facto jurídico – a ocorrência de um acidente qualificável como de trabalho.
Destarte, verifica-se a tríplice identidade exigida para que se considere que há uma repetição da causa.
Por conseguinte, bem andou o tribunal a quo ao declarar procedente a exceção dilatória do caso julgado.
Sufragamos, pois, a decisão recorrida.
-
Concluindo, o recurso mostra-se improcedente.
*
V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Sem custas, por a Apelante estar isenta.
Notifique.
-------------------------------------------------------------------------------

Évora, 14 de setembro de 2023
Paula do Paço (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Mário Branco Coelho (2.º Adjunto)

__________________________________________________
[1] Relatora: Paula do Paço; 1.ª Adjunta: Emília Ramos Costa; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho
[2] Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.
[3] Cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 26/02/2019, proferido no Proc. n.º 1600/16.2T8FIG.C1, consultável em www.dgsi.pt.
[4] O que pode abranger os prejuízos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da atuação culposa do empregador- Artigo 18.º da LAT.
[5] Publicado em www.dgsi.pt.