Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
516/21.5T8PTM-A.E1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: ARRESTO
REQUISITOS
Data do Acordão: 09/14/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – Não deve fazer parte da factualidade matéria conclusiva que corresponde ao próprio resultado da acção.
II – É suficiente uma prova sumária do “justo receio de perda da garantia patrimonial” no arresto, o facto dos requeridos serem estrangeiros e não terem outros bens em Portugal.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1- Relatório

(…) e (…) vieram deduzir oposição ao decretamento da providência cautelar de arresto, cuja decisão foi proferida, sem contraditório prévio, no âmbito do presente procedimento cautelar intentado por (…), Lda..
Alegam, para tanto e em síntese, que a Requerente, ao contrário do que foi considerado indiciariamente provado, não detém qualquer crédito sobre os Requeridos e que não se verifica o justo receio de perda de garantia patrimonial.
Procedeu-se à tomada de declarações de parte do Requerido (…) e à inquirição das testemunhas arroladas pelos Requeridos.
Foi proferida decisão que julgou improcedente a Oposição e manteve o arresto decretado.
O nosso recurso incide sobre essa decisão.
Inconformados com esta decisão recorreram os requeridos concluindo o seguinte:
A) Uma vez decretado o arresto sobre o prédio e os Requeridos e ora Recorrentes citados, apresentarem os mesmos oposição, em que apresentaram prova documental e testemunhal capaz de alterar a matéria de facto da sentença inicial e consequentemente determinar a revogação do arresto.
B) A matéria de facto dada como indiciariamente provada carece de recurso e alteração.
C) Ainda que assim não se entenda, a matéria de facto da sentença não logra preencher o requisito da perda de garantia patrimonial.
D) Os Requerentes puseram em causa de forma eficaz o crédito da Requerida; fizeram naufragar o facto de ter sido uma venda urgente e secreta; provaram que os Requeridos detém vários bens; de todo o circunstancialismo não se verifica perda de garantia patrimonial.
E) O artigo número 3 da sentença deve ser alterado para:
O Requerido e a Requerida são cidadãos dos Países Baixos, assim como o legal representante da Requerente (…), com base no testemunho de (…) que referiu expressamente aquele ser holandês.
F) A nacionalidade do gerente da Requerida, e a sua relação de proximidade com o pais, importa para efeitos de facilidade de cobrança, aliada à existência de mecanismos processuais civis e afastar a ideia de perda de garantia patrimonial e dificuldade na cobrança do crédito.
G) O facto número 8 deve ser apenas O Requerido e a Requerida em 20.09.2018 (...) até final, eliminando-se a expressão “em consequência do mencionado em 7. “
H) Não é concebível, e resulta das regras da experiência comum, o que foi afirmado pelos Requerido em sede de declarações de parte, ou seja, primeiro escolhe-se o lote de terreno, depois desenvolve-se o Projeto de acordo com as suas dimensões, características e aptidão física e construtiva. Pois não se pode desenvolver um projeto de 200 m2 de implantação para um terreno com 150 m2.
I) O Requerido declarou expressamente que o Projeto foi desenvolvido em função do lote.
J) Os artigos 7 e 13 da matéria de facto provada devem ser alterados para a seguinte redação, respetivamente:
7. A Requerente não cumpriu integralmente as suas obrigações quanto à Planificação do Projeto.
13. A Requerente não cumpriu integralmente as obrigações a que se vinculou relativamente à Gestão do Projeto.
K) Para a referida alteração da matéria de facto concorrem a prova documental apresentada com a oposição, documento números 2 e 3, bem como as declarações do Requerido e a testemunha Arq. (…) nos excertos transcritos na motivação de recurso.
L) Nomeadamente desconformidades com o projeto e com a construção: construtor não respeitou o projeto, falta de contato com os clientes quando deveria haver reporte periódico, localização da piscina, escadas, pés direito da cave, a implantação da cave; desconformidade legal relativa às acessibilidades, construção diversa do projeto, construção diversa do pretendidos, quando era obrigação da Requerente na qualidade de Autora e de Project Manager garantir a sua conformidade global.
M) Admitindo- se que em sede de providencia cautelar o Tribunal se basta com juízos sumários, e que por outro lado a única prova da Requerida (…) quanto a esse assunto foi a sua funcionária, Advogada de empresa, que pouco ou nada referiu relativamente ao esse ponto ou que não seria bastante para manter os factos da forma como constam da sentença.
N) Os Requeridos não escolherem per si o Empreiteiro, foi sim uma escolha da Requerida, e único orçamento apresentado, pelo que o facto número 9 deve ser alterado no sentido de que os Requeridos escolheram a Empreiteira que a Requerida indicou.
O) O facto número 12 deve ser corrigido em função do que resulta do contrato apresentado com o articulado inicial, atenta a soma de valores: de uma quantia inicial de € 7.000,00 (relativa ao início dos trabalhos e entrega do caderno de trabalhos a realizar e desenhos respetivos)".
P) O facto 14 merece censura e deve ser alterado para Após início das obras, os Requeridos apresentaram instruções no sentido de serem introduzidas alterações, porquanto a extensão de factos gravidade que o douto tribunal expressou não resultou da prova produzida, tão só as declarações da testemunha Marta Sousa, que trabalha para a Requerente ainda que em open space, mas incapaz de testemunhar tudo quanto o tribunal expressou naquele facto.
Q) Cumpre alterar a facto número 15, com base igualmente no que já se referiu supra relativamente aos factos 7 e 13 com o seguinte sentido “A Requerente, em coordenação com o empreiteiro procurou promover algumas alterações pretendidas pelos Requeridos e outras necessárias face à existência de erros no projeto e na construção, mas a partir de um determinado momento tornou-se inviável continuar a execução da obra sem reformulação da planificação, nova quantificação de custo, assunção de responsabilidade pelos erros e desconformidades e respetiva formalização.
R) É do conhecimento geral que os projetos carecem sempre se ajustes e alterações em fase de execução.
S) Os Requeridos foram sempre informados pela Requerida que pese embora o desenho global inicial, poderiam sempre introduzir pequenas alterações e ajustes, arma que agora a Requerida quis usar contra si.
T) É certo que face às desconformidades e erros existentes as Partes envolvidas, Requerida, Requeridos e Construtor tiveram de suspender trabalhos para rever Projeto, Execução, Custos e responsabilidades. Cessação que ocorreu por acordo conforme resulta de documento bilateral assinado e não meramente recepticio junto pela Requerida sob documento n.º 6 e as declarações da testemunha (…), e que importa a alteração do facto 17 em conformidade.
U) O Cliente identificado em 28 e 29 deve ser identificado como sendo a testemunha (…), amigo do legal representante da Requerida, que em sede de primeira audiência sem contraditório, tudo respondeu e ludibriou criando falsas convicções ao Tribunal a quo e que e sede de contraditório quis recusar-se a responder, mas afinal desmistificou tais falsas aparências. A proposta que lhe foi apresentada não havia sido inusitada, ficou com agrura porque não logrou apresentar a sua proposta, e pese embora fosse vizinho, nunca viu duas das placas publicitarias que aí foram colocadas. O seu testemunho – aliás na condição de amigo pessoal de (…) sócio-gerente da (…), Lda. – deveria por isso ter sido valorizado de outra forma. Vide elucidativamente depoimento transcrito.
V) O facto número 32 deve ser desenvolvido no sentido de que a (…), Mediação Imobiliária não publicitou com cartaz no local ou no site a venda porque já tinha potenciais clientes interessados, o que resulta das declarações da testemunha (…). Pois a leitura de tal facto de forma isolada e apressada pode uma vez mais resvalar para o argumento da venda secreta.
W) Existem várias formas de divulgação de venda de imóvel usadas pelas mediadoras, foi referido pelas testemunhas (…) e (…).
X) Na sua fundamentação o Tribunal a quo afastou a ideia de venda secreta e inusitada mas cai ainda no erro de referir no artigo 33º que foi uma venda urgente... Urgente para? Com que fito? Se foram os Recorrentes a colocar a Recorrida em Tribunal por um crédito bem superior como a Meretíssima bem sabia?
Y) A venda pese embora possa ter sido rápida não foi urgente. A mediadora, não conhecida dos Requeridos, tinha apenas um mês para provar a sua habilidade no mercado e logrou obter valor que faria os mesmos aceitar a venda. Rapidez essa provinda da mediadora e não dos Requeridos.
Z) Deve acrescer à matéria de facto a circunstância de Os Requeridos e aqui Apelantes possuem conjuntamente valores monetários depositados em contas bancárias nos Países Baixos e Dubai com cerca de € 800.000,00 (oitocentos mil euros), fruto das suas declarações e ponderação global. Tendo o douto Tribunal a quo transcrito a circunstância de serem proprietários de bens imóveis sem ónus, acrescente-se em sede recursória, deveria ainda aditar a conta bancária.
AA) O que releva para efeitos de argumentação de garantia patrimonial.
BB) O crédito da Requerente foi a retaliação da cessação contratual e pleito iniciado contra si pelos Recorrentes e foi desde o seu início posto em causa de forma assertiva.
CC) A perda de garantia patrimonial e a impossibilidade ou difícil cobrança padecem de falta de fundamentação porquanto, os Requeridos e ora Apelantes, possuem bens bastantes para satisfazer o crédito em causa.
DD) O Tribunal aceitou em sede de fundamentação que os Requeridos não têm problemas de liquidez. Em momento algum esteve em causa a perda de garantia patrimonial por parte da Requerida e continua a não estar, pois, a utilidade da decisão final será, face aos status quo demonstrado pelos Requeridos, exatamente a mesma, quedando assim as finalidade da providência.
EE) O douto Tribunal a quo não mencionou nem explorou o necessário juízo de proporcionalidade atenta a diferença entre o crédito da Requerida e o bem dos Requeridos e o potencial risco de perde de valor face ao atraso na venda.
FF) Sendo certo que se pugnou pela alteração da matéria de facto relativamente à existência dos erros e desconformidades e que põe em causa o crédito a sentença não aborda em ponto, ou fundamentação alguma, tais factos obrigando os Requeridos a pugnar pela nulidade de omissão de pronúncia. A par da ausência de fundamentação.
GG) A não tomada em consideração de outros factos e correlatas provas ao arrepio do plasmado no artigo 154.º do CPC tem necessariamente influencia na determinação da existência do crédito como requisito base do decretamento da providencia.
Nestes termos e nos demais de Direito que V/Exas. doutamente suprirá, requer-se seja o presente Recurso julgado procedente por provado e subsequentemente seja, nos termos e para os efeitos do número três do artigo 372.º do CPC, a providência de arresto revogada, fazendo-se assim a acostumada JUSTIÇA!»
Respondeu a requerente, com as seguintes as suas conclusões:
« A. Pelos motivos detalhadamente descritos no corpo da alegação, relativamente ao recurso da matéria de facto, é forçoso concluir que não devem ser alterados os pontos da matéria de facto nos termos pretendidos pelos Apelantes, porquanto os Apelantes não foram capazes de produzir, em relação a nenhum daqueles pontos, prova apta a contrariar a factualidade considerada indiciariamente provada pelo Tribunal a quo, inexistindo motivo que imponha a sua alteração.
B. Encontram-se plenamente demonstrados os pressupostos de que depende o decretamento do arresto, considerando que:
a. Não restam dúvidas quanto à provável existência do crédito da Apelada, o qual emerge do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes, não tendo os Apelantes logrado produzir prova suscetível de alterar a convicção do Tribunal a quo quanto à sua provável existência.
b. Ficou amplamente demonstrado que os Apelantes se encontravam a realizar atos alienação do imóvel arrestado.
c. A prova produzida pelos Apelantes veio confirmar a que não existem outros bens em Portugal, capazes de garantir o crédito da Apelada.
d. A alienação do Terreno tornaria a cobrança do crédito da Apelada substancialmente mais difícil.
C. O arresto decretado não viola o princípio da proporcionalidade, por não existirem outros bens que pudessem ser arrestados em alternativa e por dele não resultar para os Apelantes um prejuízo manifestamente superior ao crédito da Apelada.
D. O Tribunal recorrido, na Sentença compósita recorrida, pronunciou-se sobre as questões que foi chamado a decidir – análise dos pressupostos, o decretamento do arresto e a manutenção da decisão do arresto – não acarretando vício de omissão de pronuncia a circunstância de o tribunal não se ter pronunciado sobre motivos ou argumentos concretamente alegados pelos Apelantes.
E. A decisão recorrida não padece de vício de nulidade por falta de fundamentação, na medida em que o Tribunal a quo indica os elementos de prova considerados para a decisão da causa e a análise que fez sobre a mesma e a sentença contém a motivação, suficientemente sustentada de modo a permitir aos destinatários compreender as razões de facto e de direito da decisão proferida.
Nestes termos e nos restantes de direito aplicáveis, deve improceder o recurso interposto pelos Apelantes e ser mantida na integra a decisão recorrida».
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Foram considerados indiciariamente provados na 1ª instância na decisão após a Oposição os seguintes factos:
«1. A Requerente é uma sociedade que tem por objeto social: atividades de arquitetura e engenharia. Gestão, fiscalização e planeamento de projetos e obras de construção civil. Consultoria em projetos de construção civil. Construção civil, reparação, manutenção e serviços de assistência de imóveis. Decoração de interiores e design. Compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim. Importação e exportação, compra, venda, aluguer de mobiliário e equipamentos de jardim, incluindo equipamento de iluminação para exteriores e interiores. Promoção e investimentos imobiliários. Investimentos diversos. Gestão e consultadoria de investimento e atividades conexas.
2. O Requerido e a Requerida são cidadãos dos Países Baixos.
3. Em 14-07-2018, a Requerente outorgou com o Requerido e a Requerida um contrato que as partes denominaram de “Agreement of services”.
4. O acordo mencionado em 3. tinha por objeto dois grupos de obrigações: a) A planificação de um projeto de construção de uma moradia (a “Planificação do Projeto”); e b) A subsequente gestão do projeto (a “Gestão do Projeto”).
5. Não incumbia à Requerente a construção da moradia.
6. Consta do clausulado do acordo mencionado em 3. que são obrigações principais na fase Planificação do Projeto: Para a Requerente: Elaboração do projeto de arquitetura, design completo (excluindo custos com levantamento topográfico), projetos estruturais incluindo águas, resíduos, eletricidade, gás, isolamento, som, fogo, telecomunicações, ventilação, projetos técnicos e acústicos (excluindo testes técnicos e acústicos); Submissão do projeto, obtenção da licença de construção e habitabilidade. Para o Requerido e a Requerida: Pagamento da quantia de € 45,00/m2 do projeto, dividido da seguinte forma: € 5.000,00 com o início da planificação; 25% do valor remanescente com a apresentação do design do projeto; 25% do valor remanescente quando o projeto de arquitetura estiver pronto para ser submetido para aprovação pela Câmara Municipal; 25% do valor remanescente quando os projetos técnicos estiverem prontos para ser submetidos para aprovação pela Câmara Municipal; 25% do valor remanescente com o pedido de licença de construção à Câmara Municipal; Pagamento de quantias devidas às entidades públicas encarregues do licenciamento; Pagamento de alterações ao design final aceite pelos Requerido e Requerida.
7. A Requerente cumpriu integralmente as suas obrigações quanto à Planificação do Projeto.
8. Em consequência do mencionado em 7. o Requerido e a Requerida, em 20-09-2018, adquiriram o lote de terreno em que a moradia seria construída, sito em (…), Lote 1, União das Freguesias de (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz com o artigo (…).
9. Em 30-04-2019, os Requeridos celebraram com o empreiteiro que escolheram para executar a obra o respetivo contrato de empreitada.
10. Consta do contrato mencionado em 9. que “[o]s trabalhos a executar pela Segunda Contratante [i.e., o Empreiteiro] encontram-se definidos nas Peças Desenhadas ref. 1249_09.04.2019 (doc. 1), e PO2/PO4_30.04.2019, documento de Especificações ref. 1249_30.04.2019 (doc. 2) e no Caderno de Obra ref. 1249_09.04.2019, os quais, após análise cuidadosa do seu conteúdo, ambos os Contraentes declaram ter conhecimento integral e concordam com o mesmo, pelo que vão rubricar e assinar todas as páginas, concordando que todos os trabalhos aí descritos estão incluídos no preço mencionado na Cláusula 6”.
11. Com o início da execução da obra objeto do contrato mencionado em 9., entrou-se na segunda fase do contrato referido em 3., designada por Gestão do Projeto.
12. Consta do clausulado do acordo mencionado em 3., que a Gestão do Projeto tem como obrigações principais: Para a Requerente: Elaboração de um caderno de trabalhos a realizar e desenhos respetivos; Obtenção de orçamentos para construção; Elaboração de contratos; Contínua verificação financeira da obra, de acordo com o calendário de pagamentos ao Empreiteiro; Reporte mensal integral e monitorização da obra; Controlos de qualidade do material aplicado; Monitorização de tudo o instalado e compatibilidade com os planos iniciais; Procura de equipamentos sanitários e materiais (incluindo tintas e telhas); Aconselhamento relativo a climatização, painéis solares, equipamento da piscina e segurança; Coordenação com o Empreiteiro para garantir cumprimento de prazos e qualidade; Informação sobre materiais e alterações às especificações acordadas; e Instalação e controlo de segurança de eletricidade, gás e água. Para os Requeridos: Pagamento de uma quantia equivalente a 10 % dos custos totais de construção, acrescida de uma quantia inicial de € 7.200,00 (relativa ao início dos trabalhos e entrega do caderno de trabalhos a realizar e desenhos respetivos).
13. A Requerente cumpriu as obrigações a que se vinculou relativamente à Gestão do Projeto.
14. Após o início da obra, os Requeridos apresentaram sucessivas e contraditórias instruções relativas à respetiva execução, exigindo que fossem introduzidas alterações que colidiam com “as Peças Desenhadas ref. 1249_09.04.2019 (doc. 1), e PO2/PO4_30.04.2019, documento de Especificações ref. 1249_30.04.2019 (doc. 2) e no Caderno de Obra ref. 1249_09.04.2019”.
15. A Requerente procurou acomodar, na medida do possível e em coordenação com o empreiteiro, algumas das alterações pretendidas, mas a partir de determinado momento tornou-se inviável continuar a execução da obra sem reformulação da planificação, nova quantificação de custo e respetiva formalização.
16. A Requerente, os Requeridos e o Empreiteiro não chegaram a um acordo quanto ao custo de todas as alterações pretendidas.
17. Em 28-11-2019, os Requeridos ordenaram ao Empreiteiro a cessação imediata dos trabalhos de empreitada.
18. Em 09-07-2020, os Requeridos declararam denunciar o acordo mencionado em 3., alegando “reiterado incumprimento contratual”.
19. A Requerente negou o incumprimento invocado e reclamou o pagamento de quantias em dívida pelos Requeridos e de que a mesma se arrogava credora.
20. Os Requeridos propuseram uma ação judicial contra a Requerente, no âmbito da qual peticionaram a condenação da Requerida no pagamento de uma indemnização no valor de € 167.972,58.
21. No âmbito da ação judicial referida em 20., a Requerente deduziu defesa por impugnação, rejeitando dever qualquer quantia aos Requeridos, e deduziu reconvenção peticionando a condenação dos Requeridos no pagamento da quantia de € 50.408,21, calculada do seguinte modo: € 5.518,21, correspondente a uma fatura vencida, mas não paga; € 18.080,00, decorrente das penalidades contratualmente previstas para o não pagamento tempestivo da fatura mencionada em a.; € 20,00 por cada dia volvido sem que a fatura mencionada em a. seja paga, até efetivo pagamento; € 18.690,00, correspondente a trabalhos de planificação adicionais que resultaram dos sucessivos pedidos de alteração dos Requeridos; € 2.350,00, a título de despesas em que a Requerente incorreu com fiscalização e coordenação (não previstas no Contrato); € 770,00, devidas por cópias extra do projeto; € 7.000,00, decorrente de despesas relativas a deslocações não cobertas pelo preço previsto no Contrato; e € 5.000,00, a título de penalidade por cessação do Contrato sem razão válida.
22. No âmbito da ação judicial referida em 20., a qual corre termos neste Juízo Central Cível de Portimão - Juiz 3, relativamente à qual os presentes autos constituem um apenso, realizaram-se, até à presente data, sete sessões de julgamento (em 6, 7 e 21 de dezembro de 2022, em 17 e 25 de janeiro de 2023 e em 01 e 17 de fevereiro de 2023) e encontra-se agendada uma sessão adicional (para 20 de junho de 2023).
23. Os Requeridos intentaram ação judicial contra o empreiteiro, a correr termos no Juízo Central Cível de Portimão – Juiz 1, com o n.º de processo 40/21.6PTM, à qual atribuíram o valor de € 747.726,40.
24. No âmbito do processo judicial identificado em 23., o Empreiteiro apresentou defesa por impugnação e deduziu reconvenção, peticionando a quantia de € 172.349,08.
25. O único bem imóvel que os Requeridos possuem em Portugal é o prédio identificado em 8.
26. As contas bancárias que o Requerido e a Requerida utilizaram para os pagamentos que efetuaram à Requerente estão domiciliadas ou no Dubai ou nos Países Baixos.
27. Os Requeridos mandataram a sociedade (…) – Mediação Imobiliária, Lda. para proceder à venda do prédio identificado em 8., pelo preço de € 850.000,00, em regime de exclusividade, através de acordo celebrado em 28-11-2022 e válido até 31-12-2022.
28. A Requerente teve conhecimento da colocação à venda do prédio identificado em 8. porque o mesmo foi oferecido a um cliente seu, que por mero acaso lhe transmitiu que aquele estava à venda, nas circunstâncias referidas em 27.
29. O cliente da Requerente mencionado em 28. manifestou interesse na aquisição, em 02-01-2023, mas rapidamente foi informado que já existe um princípio de acordo entre os Requeridos e um outro comprador para a respetiva venda.
30. Os Requeridos contactaram a (...) da zona do (…), Algarve, de modo a procederem à divulgação da venda e angariação de possíveis interessados na compra do imóvel identificado em 8..
31. A 12 de novembro de 2022, a sociedade imobiliária (…) afixou, no imóvel identificado em 8., pelo menos um cartaz, fazendo menção à sua identificação e a um contacto telefónico.
32. A (…) – Mediação Imobiliária, Lda. não publicitou a venda.
33. A negociação da venda do imóvel identificado em 8., foi efetuada de forma urgente.
34. O Requerido é titular da conta bancária com o n.º (…), junto do Banco (…), balcão de (…), que se encontra aprovisionada com o montante de € 4.000,00.
35. Os Requeridos possuem dois bens imóveis localizados nos Países Baixos.
*
B) FACTOS INDICIARIAMENTE NÃO PROVADOS
Consideram-se como não indiciariamente comprovados os demais factos alegados, excluindo-se aqueles que contêm matéria conclusiva, irrelevante, de direito, de mera remissão para documentos, uma vez que sobre os mesmos não poderão incidir quaisquer considerações probatórias.


2 – Objecto do recurso:

Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações, nos termos do artigo 684.º, n.º 3, CPC, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil):
1ª Questão – Saber se a sentença é nula, por falta de fundamentação/ou/ omissão de pronúncia nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e d), do CPC.
2ª Questão – Saber se devem ser alterados os factos provados correspondentes ao nºs 2, 7, 8, 9, 12, 13, 14, 15, 32 e acrescentado um facto.
3ª Questão – Saber se se verificam os requisitos do arresto.


3. Análise do Recurso:

1ª Questão – Saber se a sentença é nula, por falta de fundamentação nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e d), do CPC.

O recorrente põe em causa a decisão recorrida, alegando o seguinte:« FF) Sendo certo que se pugnou pela alteração da matéria de facto relativamente à existência dos erros e desconformidades e que põe em causa o crédito a sentença não aborda em ponto ou fundamentação alguma tais factos obrigando os Requeridos a pugnar pela nulidade de omissão de pronúncia. A par da ausência de fundamentação
GG) A não tomada em consideração de outros factos e correlatas provas ao arrepio do plasmado no artigo 154.º do CPC tem necessariamente influencia na determinação da existência do crédito como requisito base do decretamento da providencia».
Nos termos da alínea b) e d) do número um do artigo 615.º do CPC: «1 - É nula a sentença quando:
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;»
Não tem qualquer razão.
Já o Professor Alberto dos Reis referia que “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade do n.º 2 do artigo 668.°” [in "Código de Processo Civil Anotado", V, 140].
E como refere Teixeira de Sousa, “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (artigo 208.º, n.º 1, CRP; artigo 158.º, n.º 1)”.
E acrescenta o mesmo autor: “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível” [In “Estudos sobre o Processo Civil”, pág. 221]. No mesmo sentido Lebre de Freitas, In CPC, pág. 297 e Rodrigues Bastos in "Notas ao Código de Processo Civil", III, pág. 194].
Ou seja, a nulidade da sentença não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final.
No caso dos autos, resulta à saciedade que a fundamentação da decisão recorrida existe.
O recorrente pode não concordar com a fundamentação da decisão, mas tal discordância, só por si, como resulta meridianamente claro, não consubstancia qualquer nulidade.
Inexiste, pois, a invocada nulidade.
E inexiste também qualquer omissão de pronúncia, pois ao contrário do que alegam os recorrentes, a decisão reafirma a existência do crédito (pág. 215 dos autos).
Note-se que, esta nulidade só ocorre quando ficam por analisar pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções, e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos” invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, deixando o juiz de os apreciar, conhecendo contudo da questão.
Há, assim, que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver): “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Alberto dos Reis in Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 143).
Ou seja, a recorrente discorda do mérito da decisão.
Tanto basta para a improcedência do recurso no que diz respeito à nulidade da sentença.


2ª Questão – Saber se devem ser alterados os factos provados correspondentes ao nºs 2, 7, 8, 9, 12, 13, 14, 15, 32 e acrescentado um facto.

A título introdutório importa esclarecer que, a impugnação da matéria de facto é actividade dirigida a um fim específico e cuja existência é condicionada por tal escopo.
''Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º'' – vide o Acórdão da Relação de Coimbra de 24.04.2012 proferido no processo n.º 219/10.6T2VGS.C1 e disponível em www.gde.mj.pt.
Como refere Abrantes Geraldes, In Recursos em Processo Civil Novo Regime, 2.ª edição revista e actualizada pág. 297: “De acordo com as diversas circunstâncias, isto é, de acordo com o objecto do recurso (alegações e, eventualmente, contra-alegações) e com a concreta decisão recorrida, são múltiplos os resultados que pela Relação podem ser declarados quando incide especificamente sobre a matéria de facto. Sintetizando as mais correntes: (…) n) Abster-se de conhecer da impugnação da decisão da matéria de facto quando os factos impugnados não interfiram de modo algum com a solução do caso, designadamente por não se visionar qualquer solução plausível da questão de direito que esteja dependente da modificação que o recorrente pretende operar no leque de factos provados ou não provados”. No mesmo sentido cfr. os Acórdãos da Relação de Évora de 12.07.2018, processo n.º 29033/16.3T8LSB.E1 e da Relação de Guimarães de 10.09.2015, processo n.º 639/13.4TTBRG.G1.
Vejamos então a impugnação dos autos:
Os recorrentes pretendem a alteração do facto 2 (“O Requerido e a Requerida são cidadãos dos Países Baixos”) defendendo que se deve acrescentar : “… assim como o legal representante da Requerente …”, com base no testemunho de … argumentando que a nacionalidade do gerente da Requerida, e a sua relação de proximidade com o pais, importa para efeitos de facilidade de cobrança, aliada à existência de mecanismos processuais civis e afastar a ideia de perda de garantia patrimonial e dificuldade na cobrança do crédito.
Ora, para além de se tratar de um facto que deve ser provado apenas por documento (a nacionalidade), tal facto afigura-se irrelevante para a decisão, uma vez que, o requisito de “justo receio de perda da garantia patrimonial” baseia-se no caso dos autos, no facto dos requeridos serem estrangeiros e não terem outros bens em Portugal, factos que não são infirmados pelos recorrentes e que a nosso ver são suficientes – tal como expressa a decisão – para preencher o requisito em causa, que não cremos que possa ser afastado, ainda que fosse atendida a impugnação em causa.
É, assim, de todo inútil a sua reponderação.
Também pretendem a alteração - para não provados - do facto 7 (7. A Requerente cumpriu integralmente as suas obrigações quanto à Planificação do Projeto) e 13 (13. A Requerente cumpriu as obrigações a que se vinculou relativamente à Gestão do Projeto).
Porém, traduzem os mesmos matéria conclusiva, o que traduz uma técnica jurídica incorrecta e não deveria constar dos factos, pois, desde logo, corresponderia ao próprio resultado da acção (saber se houve ou não incumprimento é o que se discute).
No actual regime processual, tal como no pretérito, na decisão sobre a matéria de facto apenas devem constar os factos provados e os factos não provados, com exclusão de afirmações genéricas, conclusivas (que são que a lógica ilacção de premissas) e que comportem matéria de direito pois são os factos que o n.º 4 do artigo 607.º do CPC impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo juiz, na sentença.
Sempre que, um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos, que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado - neste sentido Miguel Teixeira de Sousa, ‘Estudos sobre o Novo Processo Civil’, Lex, 1997, pág. 312 e Paulo Faria, “A reforma da base instrutória: uma regressão, A Reforma do Processo Civil-Contributos”, Revista do Ministério Público, Cadernos II, 2012, págs. 37-48 onde se pode ler o seguinte: se “o tema da instrução pode aqui ser identificado por referência a conceitos de direito ou conclusivos (…) já a decisão sobre a matéria de facto nunca se poderá bastar com tais formulações genéricas, de direito ou conclusivas, exigindo-se que o tribunal se pronuncie sobre os factos essenciais e instrumentais.»
De resto, perante o relevo do facto 5 (5. Não incumbia à Requerente a construção da moradia) sempre seria inócua a referência à construção.
Assim, sendo tal matéria integrada no thema decidendum do presente pleito, pois está ali contida a resposta à solução plausível de direito, tem-se, assim, por conclusiva a matéria ali retratada, que deve se expurgada.
Pelo exposto, elimina-se do elenco dos Factos Provados os pontos 7 e 13 e, consequentemente, não se conhece da impugnação da decisão da matéria de facto a tal propósito.
Consequentemente altera-se o facto 8 nos termos pretendidos (“8. Em consequência do mencionado em 7. o Requerido e a Requerida, em 20-09-2018, adquiriram o lote de terreno em que a moradia seria construída, sito em …, Lote 1, União das Freguesias de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o n.º … e inscrito na respetiva matriz com o artigo …”) eliminando-se a expressão “em consequência do mencionado em 7”.
Pretendem ainda os recorrentes a alteração - para não provados - do facto 9 (“9. Em 30-04-2019, os Requeridos celebraram com o empreiteiro que escolheram para executar a obra o respetivo contrato de empreitada”) defendendo que deve ser alterado no sentido de que os Requeridos escolheram a Empreiteira que a Requerida indicou.
Também esta eventual alteração se afigura irrelevante, nos termos supra referido pois tal autoria da escolha – aceite pelos recorrentes – não afecta de forma alguma o teor das obrigações.
Também a correcção do facto nº 12, quanto ao valor, se afigura inócua (“…Pagamento de uma quantia equivalente a 10 % dos custos totais de construção, acrescida de uma quantia inicial de € 7.200,00 (relativa ao início dos trabalhos e entrega do caderno de trabalhos a realizar e desenhos respetivos) defendida, em função do que resulta do contrato apresentado com o articulado inicial, atenta a soma de valores: de uma quantia inicial de € 7.000,00 (relativa ao início dos trabalhos e entrega do caderno de trabalhos a realizar e desenhos respetivos)" pois não afecta o silogismo da decisão já que tal diferença não põe em causa a verificação dos requisitos do arresto.
O mesmo se diz das pretendidas alterações aos factos 14 (14. Após o início da obra, os Requeridos apresentaram sucessivas e contraditórias instruções relativas à respetiva execução, exigindo que fossem introduzidas alterações que colidiam com “as Peças Desenhadas ref. 1249_09.04.2019 (doc. 1), e PO2/PO4_30.04.2019, documento de Especificações ref. 1249_30.04.2019 (doc. 2) e no Caderno de Obra ref. 1249_09.04.2019”) pretendendo que seja alterado para “Após início das obras, os Requeridos apresentaram instruções no sentido de serem introduzidas alterações”.
E do 15. (“A Requerente procurou acomodar, na medida do possível e em coordenação com o empreiteiro, algumas das alterações pretendidas, mas a partir de determinado momento tornou-se inviável continuar a execução da obra sem reformulação da planificação, nova quantificação de custo e respetiva formalização). pretendendo que seja alterado para: “A Requerente, em coordenação com o empreiteiro procurou promover algumas alterações pretendidas pelos Requeridos e outras necessárias face à existência de erros no projeto e na construção, mas a partir de um determinado momento tornou-se inviável continuar a execução da obra sem reformulação da planificação, nova quantificação de custo, assunção de responsabilidade pelos erros e desconformidades e respetiva formalização.
São meras alterações de redacção, que não infirmam o facto principal (a existência de alterações) para além de que, atento o facto 5, sempre seria irrelevante os aspectos relativos à construção.
Pretendem ainda os recorrentes o desenvolvimento do facto número 32 (“32. A … Mediação Imobiliária, Lda. não publicitou a venda”) no sentido de que a (…) Mediação Imobiliária não publicitou com cartaz no local ou no site a venda porque já tinha potenciais clientes interessados, o que resulta das declarações da testemunha (…), pois a leitura de tal facto de forma isolada e apressada pode uma vez mais resvalar para o argumento da venda secreta.
Quanto a este aspecto, sendo relevante perceber porque razão não houve publicidade nos termos referidos – ouvido o depoimento em causa – verifica-se que a testemunha (…) afirma que, o motivo para não ter publicitado a venda foi o facto de já ter clientes interessados, mas após referir que ligou à testemunha (…) a mesma não estava interessada, pelo que não podemos considerar como demonstrada – por não convencer – a razão invocada, improcedendo assim nesta parte a impugnação, confirmando-se o sentido da decisão recorrida.
Finalmente, pretendem os recorrentes que acresça à matéria de facto a circunstância de “Os Requeridos e aqui Apelantes possuem conjuntamente valores monetários depositados em contas bancárias nos Países Baixos e Dubai com cerca de € 800.000,00 (oitocentos mil euros)”, fruto das suas declarações e ponderação global, o que releva para efeitos de argumentação de garantia patrimonial.
Mas não tem razão.
Para além de que, para esse efeito não serem suficientes as declarações das partes, tal matéria afigura-se irrelevante pois o que é importante, como já referimos e consta do artigo 25 (“25. O único bem imóvel que os Requeridos possuem em Portugal é o prédio identificado em 8”), ou seja, só são relevantes os bens existentes em Portugal .
Em suma, julga-se parcialmente procedente a impugnação da matéria de facto e em consequência:
Elimina-se do elenco dos Factos Provados os pontos 7 e 13 e, consequentemente, não se conhece da impugnação da decisão da matéria de facto sobre esta alínea.
E altera-se o facto 8 nos termos pretendidos, eliminando-se a expressão “em consequência do mencionado em 7”.
Tais alterações não implicam, porém, qualquer alteração no sentido da decisão, como veremos de seguida.


3ª Questão– Saber se se verificam os requisitos do arresto.

Os recorrentes põem em causa a existência dos requisitos do arresto.
Relembremos quais são:
A prova de que:
A) «Ser provável a existência do crédito», isto é, não que o seu crédito é certo, indiscutível, mas antes que há grandes probabilidades de ele existir;
B) se justifique o seu receio de perder a garantia patrimonial, isto é, que qualquer pessoa de são critério, em face do modo de agir do devedor, colocado no seu lugar, também temeria vir a perder o seu crédito.
A) - Quanto à provável existência do crédito:
O requisito «provável existência do crédito» reconduz-se à ideia da «aparência do direito».
Nas decisões que julgaram procedente o requerido arresto, o Tribunal a quo considerou que a requerente justificou a probabilidade da existência do seu crédito, bem como o justo receio de perda da garantia patrimonial.
Na verdade, como se refere nos Ac. RP de 21/4/09 Proc. nº 1243/08.4TBCBR-A.C1, Ac. RL de 22 de Abril de 2010, Proc. n.º6406/09.2TVLSB-A-6 e Ac. RC de 30 de Junho de 2009, Proc. n.º972/08.7TBLSA-A.C1, disponíveis em www.dgsi.pt: para ser decretado o arresto não é necessário que se prove que o crédito seja, certo, líquido e exigível, bastando somente que se prove a probabilidade séria da sua existência.
E tal como a 1ª instância concluímos que existe essa probabilidade.
Com efeito, está indiciariamente demonstrado o contrato donde imerge a obrigação de pagamento:
«3. Em 14-07-2018, a Requerente outorgou com o Requerido e a Requerida um contrato que as partes denominaram de “Agreement of services”.
4. O acordo mencionado em 3. tinha por objeto dois grupos de obrigações: a) A planificação de um projeto de construção de uma moradia (a “Planificação do Projeto”); e b) A subsequente gestão do projeto (a “Gestão do Projeto”).
5. Não incumbia à Requerente a construção da moradia.
6. Consta do clausulado do acordo mencionado em 3. que são obrigações principais na fase Planificação do Projeto: Para a Requerente: Elaboração do projeto de arquitetura, design completo (excluindo custos com levantamento topográfico), projetos estruturais incluindo águas, resíduos, eletricidade, gás, isolamento, som, fogo, telecomunicações, ventilação, projetos técnicos e acústicos (excluindo testes técnicos e acústicos); Submissão do projeto, obtenção da licença de construção e habitabilidade. Para o Requerido e a Requerida: Pagamento da quantia de € 45,00/m2 do projeto, dividido da seguinte forma: € 5.000,00 com o início da planificação; 25% do valor remanescente com a apresentação do design do projeto; 25% do valor remanescente quando o projeto de arquitetura estiver pronto para ser submetido para aprovação pela Câmara Municipal; 25% do valor remanescente quando os projetos técnicos estiverem prontos para ser submetidos para aprovação pela Câmara Municipal; 25% do valor remanescente com o pedido de licença de construção à Câmara Municipal; Pagamento de quantias devidas às entidades públicas encarregues do licenciamento; Pagamento de alterações ao design final aceite pelos Requerido e Requerida.»
B) - Justo receio de perda da garantia patrimonial:
Mas, para além da probabilidade da existência do crédito, com vista ao decretamento do arresto, exige-se um outro requisito: o justo receio de perda da garantia patrimonial.
E também a verificação deste requisito é posto em causa pelos recorrentes.
O requisito de “justo receio de perda da garantia patrimonial” tem uma formulação bastante ampla que pretende abarcar todas as situações relativas a suspeita de fuga do devedor, ao receio de subtracção de bens ou ao risco de perda das garantias do crédito.
Como escreveu Lebre de Freitas “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2.º, 119/120), «integra o conceito de justo receio qualquer causa idónea a provocar num homem normal esse receio; pode tratar-se do receio de insolvência do devedor (a provar através do apuramento geral dos bens e das suas dívidas) ou do da ocultação, por parte deste, dos seus bens (se, por exemplo, ele tiver começado a diligenciar nesse sentido, ou ousar fazê-lo para escapar ao pagamento das suas dívidas); ou do receio de que o devedor venda os seus bens (como quando se prove que está tentando fazê-lo) ou de qualquer outra actuação do devedor que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor, a temer a perda da garantia patrimonial do seu crédito.
A jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem considerado a verificação de justo receio, para efeitos de decretamento do arresto, em situações em que exista a tentativa do devedor em alienar os seus bens, o risco de o devedor ficar em situação de insolvência por dissipação ou oneração do seu património, a prova de que o devedor se furta aos contactos e diligência, a venda ou ocultação do seu património conhecido, o acentuado deficit entre o crédito exigível e o valor do património conhecido do devedor, juntamente com a circunstância de ser facilmente ocultável, a descapitalização de empresas ou a prática de actos de alienação gratuita a favor de terceiros ou actos simulados de alienação ou de oneração do património.»
O receio, para ser justificado tem que se basear em factos concretos que revelem à luz de uma prudente apreciação, a forma da actividade do devedor, a sua situação económica e financeira, a maior ou menor solvabilidade, a natureza do património, a dissipação ou extravio de bens, a ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir, o montante do crédito, a própria relação negocial estabelecida entre as partes (neste sentido, vide Ac. RP de 26/1/09, proc. n.º 0846632, disponível em www.dgsi.pt.).
Nas palavras do Professor Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, este receio pode fundar-se em qualquer “actuação do devedor que levasse uma pessoa de são critério, colocada na posição do credor, a temer a perda da garantia patrimonial do seu crédito.”
Concordamos com a sentença recorrida quando conclui que, sendo suficiente uma prova sumária, esse requisito decorre do facto dos requeridos serem estrangeiros e não terem outros bens em Portugal.
Tanto basta para manter a decisão, improcedendo o recurso.

Sumário: (…)

4. Dispositivo:

Pelo exposto acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, manter a sentença.
Custas pelos recorrentes.
Évora, 14.09.2023
Elisabete Valente
Ana Pessoa
Albertina Pedroso