Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
285/15.8JAFAR.E1
Relator: RENATO BARROSO
Descritores: INQUÉRITO CRIMINAL
DIREITOS FUNDAMENTAIS
COMPETÊNCIA DO JUIZ DE INSTRUÇÃO
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. O Ministério público é o titular da ação penal e, por essa via, o dominus do inquérito.
II. Mas a Constituição atribui ao juiz de instrução criminal o poder/dever de controlar a atividade instrutória do inquérito, nomeadamente no que esta possa contender com direitos fundamentais dos cidadãos.
III. A competência do juiz de instrução na fase de inquérito é matricialmente definida nos artigos 202.º, 32.º/5, 20.º/5.º da Constituição e ordinária e genericamente consagrada no artigo 17.º do CPP.
IV. Competindo-lhe praticar, ordenar, autorizar e validar os atos praticados no inquérito que diretamente contendam com os direitos e liberdades fundamentais das pessoas envolvidas, designadamente dos arguidos, e conhecer da aflição dos seus direitos fundamentais.
IV. Existindo recusa por parte do Ministério Público de acesso pelo arguido aos autos para preparar o requerimento de abertura de instrução, poderá este apresentar requerimento ao juiz de instrução criminal, solicitando a reversão de tal decisão, o qual decidirá por despacho irrecorrível.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


1. RELATÓRIO


A – Decisão Recorrida

No Proc. 285/15.8JAFAR, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Instrução Criminal ..., Juiz ..., encerrado o inquérito e proferido despacho de acusação pelo MP, contra, entre outros, o arguido AA, por este foi deduzido requerimento dirigido ao Ministério Público, no sentido de lhe ser facultada cópia integral, em suporte digital, dos autos ou, no caso de tal se revelar impossível, a confiança integral do processo para exame fora da secretaria do tribunal, por se encontrar a decorrer o prazo para requerer a abertura da instrução, devendo, neste caso, ser determinada uma escala que permitisse a todos os Mandatários dos arguidos a consulta dos autos nos mesmos termos.
Tal requerimento viu a sua pretensão, ab initio, ser objecto de deferimento, para depois ser proferido sobre o mesmo o seguinte despacho pela Digna Magistrada do Ministério Público (transcrição):

Foi por nós decidido em, 04.11.2022, deferir a pretensão do requerente em obter a consulta digital dos autos, nos moldes a definir pela secretaria porquanto a confiança do processo cerceava o direito de acesso aos autos pelos demais intervenientes (arguidos e/ou ofendidos), o que se indeferiu.
Acontece que a Secretaria veio informar o seguinte:
Quanto ao processo:
- como é consabido, é constituído por 21 volumes (5368 folhas), acrescidos de 8 volumes de anexos documentais .com cerca de 2500 folhas);
- encontram-se nele insertos diversos documentos guardados em folhas transparentes, vulgo “micas”;
Quanto às condições logísticas:
- a 2ª Secção deste D/AP, onde corre o inquérito em causa, apenas dispõe de um digitalizador folha-a-folha, partilhado com a Secção;
- a digitalização física do processo demoraria cerca de um mês, mesmo com um Oficia/ de Justiça em permanência, o que consequentemente atrasaria também a digitalização de documentos da secção centra/ e da Secção; a 2ª Secção tem quadro deficitário de pessoa e tem grande acumulação de serviço.
Destarte, a digitalização do Processo n.º 85/15.... mostra-se inviável.
Termos em que apenas é possível deferir a consulta física dos autos na secretaria, em horário de expediente.
Notifique.

Não se conformando com o assim decidido, veio o ora recorrente apresentar requerimento dirigido à Mmª Juíza de Instrução Criminal, alegando a nulidade, irregularidade e inconstitucionalidade do decidido pela Digna Magistrada do Ministério Público, por inobservância do estatuído nos Artsº 86 nº1, 89 nsº1, 3 e 4, ambos do CPP e 32 nº1 da CRP.
Mais ali requereu que a Mmª Sra. Juíza de Instrução Criminal solicitasse ao Presidente da Comarca do Tribunal os meios que considerasse necessários para a pretendida digitalização dos autos, ou, se tal se revelasse impossível, prorrogasse o prazo de abertura de instrução.

Sobre tal requerimento recaiu o seguinte despacho judicial, datado de 16/11/22 (transcrição na parte em que interessa à decisão da causa):

Todavia, os presentes autos são, ainda, de inquérito, e tal nulidade foi arguida na pendência do mesmo motivo pelo qual o conhecimento da nulidade invocada incumbe ao Ministério Público e não ao Juiz de Instrução Criminal.
Com efeito, a competência do Juiz de Instrução Criminal na fase de inquérito, está delimitada pelos arts. 17.º 268.º e 269.º do Código de Processo Penal, pelo que é competente para conhecer e declarar a nulidade dos actos que são da sua competência e por si determinados nesse âmbito.
Atente-se que da análise dos arts. 119.º e 120.º do CPP não se verifica que a declaração das nulidades elencadas sejam da competência do juiz de instrução criminal.
Por outro lado, o Ministério Público é o dominus do inquérito, sendo seu titular, e, enquanto tal, compete ao mesmo conhecer as nulidades relativas ao inquérito.
O juiz de instrução crimina/ apenas controla o resultado da actividade instrutória do Ministério Público, quando o arguido requerer esse controlo através do requerimento de abertura de instrução - cf. Art. 17.º do CPP.
Face ao exposto, o Tribuna/ decide não conhecer a nulidade arguida no requerimento de fls. 5374 [requerimento apresentado pelo Arguido AA], porquanto, na fase em, que se encontra, a apreciação da mesma é da competência do Ministério Público e não do Juiz de Instrução.

Na sequência do assim decidido, apresentou o ora recorrente um requerimento nos autos, suscitando a nulidade de tal despacho, ou, se assim não se considerasse, a sua irregularidade, bem como, a inconstitucionalidade do mesmo, por violação dos Artsº 17, 86 nº1, 89 nsº1, 2, 4 e 6, 262 nº1 e 276 nº1, todos do CPP, bem como, dos Artsº 20 nsº1 e 4 e 32 nº1, ambos da CRP.

Este requerimento foi apreciado nos seguintes termos, em 02/12/22, (transcrição):

Requerimento de fls 5420: veio o arguido AA arguir:
- a nulidade/irregularidade/inconstitucionalidade por impossibilidade de consulta da integralidade dos presentes autos.
- a nulidade do despacho proferido anteriormente por omissão de pronuncia; e
- suspender ou prorrogar o prazo de abertura de instrução.
Sobre a consulta de processos durante a fase de inquérito estipula o artigo 89º do Código Processo Penal que cabe ao Ministério Público decidir da oportunidade do deferimento do pedido e, se o mesmo estiver sob segredo de justiça, tendo o Magistrado do Ministério Público recusado a consulta, o requerimento é presente ao Juiz que decide por despacho irrecorrível.
A norma é clara, só haverá lugar à apresentação do requerimento ao Juiz se o fundamento da recusa for o segredo de justiça, se os fundamentos da recusa forem outros, não há lugar à apresentação do referido requerimento ao Juiz.
Sem prescindir, não tendo os presentes autos ainda sido distribuídos ao Juiz de Instrução Criminal, sendo certo que quem proferiu a ultima decisão foi a Digna Magistrada do Ministério Público, é esta a competente para apreciar e decidir o pedido de consulta dos autos formulado pelo arguido.
Assim, tal como já proferido no despacho anterior, a competência do Juiz de Instrução Criminal, na fase de inquérito, está delimitada pelos arts. 17.º, 268.º e 269.º do Código do Processo Penal, pelo que é competente para conhecer e declarar a nulidade dos actos que são da sua competência e por si determinados nesse âmbito. Atente-se que da análise aos arts. 119.º e 120.º do Código Processo Penal não se verifica que a declaração das nulidades elencadas seja competência do juiz de instrução criminal.
Por outro lado, o Ministério Público é o dominus do inquérito, sendo seu titular, e, enquanto tal, compete ao mesmo conhecer as nulidades relativas ao inquérito.
O Juiz de Instrução Criminal apenas controla o resultado da actividade instrutória do Ministério Público, quando o arguido requerer esse controlo através do requerimento de abertura de instrução – cf. art. 17.º do CPP. Dos despachos do Ministério Público reclama-se para o superior hierárquico, não para o Juiz de Instrução Criminal.
Deste modo, mantem-se o já decidido anteriormente: não conhecer a nulidade arguida no requerimento de fls. 5374, porquanto, na fase em que se encontra, a apreciação da mesma é da competência do Ministério Público e não do Juiz de Instrução.
Por outro lado, veio ainda o arguido AA requerer a prorrogação do prazo para apresentação da abertura de instrução, alegando em síntese que o processo reveste especial complexidade, face à sua dimensão e impossibilidade de o consultar.
A Digna Magistrada do Ministério Público, no despacho proferido com a referência nº ...71, sublinha que o presente processo não encerra especial complexidade.
Apreciando.
A referência à “especial complexidade” encontra-se prevista no art.º 215.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal, podendo ter lugar face “ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime”.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/01/2005, proc. n.º05P3114, disponível in www.dgsi.pt, a verificação de especial complexidade num dado processo carece de ser analisada casuisticamente, devendo ser ponderado todo o processo de forma a determinar se se justifica a sua aplicação.
No caso em análise, considera-se não haver especial complexidade. De facto, pese embora o número de documentos e de testemunhas em causa seja já assinalável, a acusação, assenta, no essencial, na análise e contraposição dos fluxos financeiros dos diversos intervenientes, espelhados nos anexos documentais facilmente apreensíveis por consulta.
Deste modo, e nos termos dos art.ºs 107.º, n.º 6, 215.º, n.º 3 e 287.º, todos do Cód. Proc.
Penal, indefere-se a requerida prorrogação do prazo para apresentação do requerimento de abertura de instrução.
Notifique.

B – Recurso

Inconformado com o assim decidido, ou seja, com os dois despachos judiciais que supra se transcreveram, recorreu o arguido, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

1. Por requerimento datado de 27-10-2022, dirigido à Digna Magistrada do M.P., o Recorrente, requereu a consulta do processo, concretamente, que lhe fosse facultada a cópia integral do suporte digital dos autos e, no caso de tal se revelar impossível, a confiança do processo integral para exame fora da secretaria do Tribunal.
2. Assim o fez, não só por se tratar de um processo que conta com um avultado número de Arguidos e, portanto, certamente que vários Mandatários também terão a pretensão de consultar os autos neste momento, mas também por ser um processo de elevada complexidade e dimensão, o que tornaria completamente inviável proceder à consulta dos mesmos junto da secretaria do Tribunal.
3. Em resposta, foi proferido despacho pela Digna Magistrada do M.P., no qual, não obstante, ab initjo, ter deferido a pretensão do Recorrente em obter a cópia digital dos autos, veio depois a indeferir a mesma em função de informação remetida pelos Exmos. Srs. Funcionários da Secretaria do Tribunal, através da qual foram alegados meros constrangimentos técnicos.
4. Em consequência, não se conformando com a decisão proferida pela Digna Magistrada do Ministério Público, veio o Recorrente, por requerimento dirigido à Mma. JIC, em 10-11-2022, arguir a nulidade, irregularidade e inconstitucionalidade do referido despacho.
5. Sucede que, por despacho proferido em 16-11-2022 - despacho ora recorrido -, veio a Mma. JIC, a proferir a seguinte decisão: “Todavia, os presentes autos são, ainda, de inquérito, e tal nulidade foi arguida na pendência do mesmo, motivo pelo qua/ o conhecimento da nulidade invocada incumbe ao Ministério Público e não ao Juiz de Instrução Criminal. (...) Por outro lado, o Ministério Público é o dominus do inquérito, sendo seu titular, e, enquanto tal, compete ao mesmo conhecer as nulidades relativas ao inquérito. O juiz de instrução crimina/ apenas controla o resultado da actividade instrutória do Ministério Publico, quando o arguido requerer esse controlo através do requerimento de abertura de instrução — cf. Art. 17.º do CPP. Face ao exposto, o Tribuna/ decide não conhecer a nulidade arguida no requerimento de fls. 5374 [requerimento apresentado pelo Arguido AA], porquanto, na fase em, que se encontra, a apreciação da mesma é da competência do Ministério Público e não do Juiz de Instrução” - bold e sublinhado nossos -
6. Não se conformando com a decisão proferida pela Mma. JIC, e sem prejuízo da apresentação da presente peça recursiva, veio o Recorrente, por requerimento datado de 25-11-2022, suscitar a nulidade (e, quando assim não se considere, a irregularidade) e a inconstitucionalidade do despacho supramencionado. Mais solicitando, atendendo à complexidade dos autos, a prorrogação do prazo para a apresentação de requerimento de abertura de instrução.
7. Sucede que, por despacho datado de 02-12-2022 - segundo despacho ora recorrido - veio a Mma. JIC a indeferir o requerido pelo aqui Recorrente, nos seguintes termos: por um lado, “mantém-se o já decidido anteriormente: não conhecer a nulidade arguida no requerimento de fls. 5374, porquanto, na fase em que se encontra, a apreciação da mesma é da competência do Ministério Público e não do Juiz de Instrução”; e, por outro lado, “No caso em análise, considera-se não haver especial complexidade. De facto, pese embora o número de documentos e de testemunhas em causa seja já assinalável, a acusação, assenta, no essencial, na análise e contraposição dos fluxos financeiros dos diversos intervenientes, espelhados nos anexos documentais facilmente apreensíveis por consulta. Deste modo, e nos termos dos art e s 107.º n.º 6, 215.º n. 2 3 e 287.º , todos do Cód. Proc. Penal, indefere-se a requerida prorrogação do prazo paraapresentação do requerimento de abertura de instrução.”
8. Ora, desde logo, é indubitável que os despachos aqui colocados em crise - a saber, despachos datados de 16-11-2022 e de 02-12-2022 - são manifestamente lesivos dos direitos de defesa que assistem ao Recorrente, pelo que, com o devido respeito, que é muito, não pode o mesmo aceitar, nem se conformar com a posição sufragada pelo Tribunal a quo - motivo pelo qual, entendeu o Recorrente ter de submeter à apreciação de V, Exas. ambos os despachos objeto da presente e a recursiva.
9. Antes de mais importa sublinhar que contrariamente ao que é sustentado elo Tribunal recorrido em ambos os despachos recorridos a fase de inquérito nos presentes autos encontra-se ENCERRADA desde o momento em que foi deduzida Acusação elo Ministério Público em conformidade com o disposto no n 1 do artigo 276 e no n 1 do artigo 262.º ambos do C.P.P. tendo o Recorrente requerido a cópia digitalizada dos autos em momento posterior à prolação do despacho de Acusação.
10. Pelo que contrariamente ao que foi sustentado ela Mma. JIC em ambos os despachos recorridos é por demais evidente que os presentes autos já não estão em fase de inquérito tendo os vícios suscitados elo Recorrente sido arguidos APOS o encerramento do inquérito.
11. Por outro lado, o Juiz de Instrução Criminal é a única entidade competente para exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito - conforme artigos 17, 268 e 269., todos do C.P.P. abrangendo essa competência não só a fase de inquérito propriamente dita, mas também o período temporal que decorre entre a dedução de acusação e a abertura da fase de instrução - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19-12-2017, processo n. 2 35/15.9FIEVR-E.C1, e disponível em www.dgsi.pt.
12. Ademais, resulta do disposto nos n.º s 1 e 2 do artigo 89.º do C.P.P. o seguinte;
Durante o inquérito o arguido o assistente o ofendido o lesado e o responsável civil podem mediante requerimento consultar o processo ou elementos dele constantes obter em formato de a e/ ou digital os correspondentes extratos, cópias ou certidões e aceder ou obter cópia das gravações áudio ou audiovisual de todas as declarações prestadas salvo quando, tratando-se de processo que se encontre em segredo de justiça, o Ministério Público a isso se opuser por considerar, fundamentadamente, que pode prejudicar a investigação ou os direitos dos participantes processuais ou das vítimas. 2 - Se o Ministério Público se opuser à consulta ou à obtenção dos elementos revistos no número anterior o requerimento é presente ao juiz que decide por despacho irrecorrível, - bold e sublinhado nossos -
13. Ademais, resulta do artigo 89.º , n.º s 1 e 2 do C.P,P. que, se o Ministério Público se opõe à pretensão do Arguido no sentido de lhe ser facultada a cópia digitalizada dos autos, tanto essa questão como os vícios que emanam, no entendimento deste último, da decisão do Ministério Público, sempre seriam sindicáveis perante o JIC, por ser a entidade judiciária competente para o efeito.
14. Sendo relevante evidenciar ue ambos os Acórdãos indicados no desp acho ora em crise datado de 16-110022 (a saber, AC. do Tribunal da Relação de Évora de 22-09-2015 e AC. Do Tribunal da Relação de Guimarães de 25-05-2020 não são de a ficar ao caso concreto porquanto os mesmos dizem respeito a questões levantadas durante a pendência do inquérito e que em nada se relacionam com a consulta ou cópia dos autos mas antes e respetivamente com a nulidade de procedimento por falta de inquérito e a irregularidade do despacho de validação de bens apreendidos por falta de fundamentação.
15. Pelo que, salvo o devido respeito, não se compreende em que circunstância é que é referido na normal legal supramencionada que “só haverá lugar à presentação do requerimento ao Juiz se o fundamento da recusa for o segredo de justiça” conforme é sustentado pela Mma. JIC no despacho de que ora se recorre datado de 02-12-2022.
16. Cumpre acrescentar que, tanto na pendência do inquérito, como no momento imediatamente subsequente à dedução de acusação pelo Ministério Público, é da competência do JIC residir praticar ou autorizar todos os atos que diretamente se rendem com os direitos fundamentais das pessoas - em conformidade com o n.º 45 do artigo 2.º da Lei n.º 43/86, de 26 de setembro (Autorização legislativa em matéria de processo penal).
17. Pelo que ainda que o Ministério Público seja quem dirige o Inquérito o Juiz de Instrução Criminal é (ou deveria ser) o Juiz dos Direitos, Liberdades e Garantias situação que evidentemente se mantém na fase subsequente ao encerramento do inquérito (e antes de ser requerida a abertura de instrução), como sucede nos presentes autos.
18. De facto, sempre que considere estarem a ser postos em causa Direitos, Liberdades ou Garantias, é da competência do JIC pronunciar-se sobre tal questão mesmo que a matéria em causa seja da competência do Ministério Público - o que, in casu, nem sequer se verifica, uma vez que, conforme decorre do disposto no nº 2 do artigo 89.º do C.P.P., a matéria em apreço sempre deveria ser apreciada e decidida pelo JIC.
19. Nestes termos, não podia a Mma. JIC deixar de conhecer dos vícios invocados pelo
Recorrente por considerar que, nesta fase processual, a apreciação dos mesmos é da competência do Ministério Público e não do Juiz de Instrução Criminal.
20. Sendo que, ao tê-lo feito? as decisões ora em crise (despachos datados de 16-11-2022 e de 0212-2022) são nulas, por violação do disposto nos artigos 17.º 869 n.º 1, 890º, n.º s 1, 2, 4 e 6, 262.º n.º 1 e 276.º naº 1 todos do C.P.P porquanto violam gritantemente as regras de competência do Tribunal - nulidades que aqui novamente expressa e tempestivamente se invocam para os devidos efeitos legais, ao abrigo do disposto na alínea e) do artigo 1199 do C.P.P..
21. Ademais ao recusar-se a conhecer do pedido formulado elo Recorrente o Tribunal recorrido deixou de se pronunciar sobre questão de que estava obrigado a conhecera praticando, assim, por omissão a nulidade revista na primeira arte da alínea c do naº 1 do artiº 379. 2 do C.P.P. preceito que tem de considerar-se aplicável aos despachos, por força do disposto no artigo 4.º do mesmo diploma legal e, ainda nos artigos 20.º, n.º 1 e 2029º. n.º 2 da C.RDP. - nulidade que aqui expressa e tempestivamente se argui, uma vez mais, para os devidos efeitos legais.
22. Deve, por isso, declarar-se nula a decisão e, por força do disposto no artigo 122º por ser manifesta a sua influência determinante nas opções que o Recorrente terá de adotar no que concerne à eventual pretensão em requerer a abertura de instrução, deve declarar-se nulo todo o processado posterior à mesma, inclusive, deve ser determinada a suspensão imediata do prazo para, querendo, apresentar o respetivo requerimento de abertura de instrução.
23. Caso assim não se considere - o que se concebe por mera cautela de patrocínio sem se conceder - ambos os despachos ora recorridos ofenderam assim o disposto nos artºs 17.º 86.º nº 1 2 4 e 6, 262.º n.º 1, 276.º n.º 1 e 379º n.º 1 alínea c todos do C.P.P. sendo ambos irregulares nos termos do artº 123.º do C.P.P. irregularidade expressa e tempestivamente se argui, uma vez mais, para os devidos efeitos legais.
24. Por fim, considera ainda o Recorrente que a interpretação dos artigos 17.º 86.º n.º 1, 89.º, n.º 1, 2, 4 e 6, 262.º n.º 1 e 276.º n.º 1, todos do C.P.P., no sentido de que o juiz de instrução não tem competência para decidir sobre a consulta/obtenção de elementos do processo após ter sido proferida a acusação, para efeitos de se poder, querendo, requerer a abertura de instrução, consubstancia uma inconstitucionalidade material, por violação dos direitos de defesa do Arguido, em expressa contradição com o disposto nos artigos 20.º n.º s 1 e 4 e 32.º n.º 1, ambos da CR.P. inconstitucionalidade que também aqui novamente se invoca.
25. Sendo que, quanto à irregularidade e inconstitucionalidade arguidas pelo Recorrente, a Mma. Juíza de Instrução Criminal nem uma palavra lhes dedica, limitando-se a considerar pelo não conhecimento da nulidade supramencionada - verificando-se que ambos os despachos recorridos padecem de falta de fundamentação e, em consequência, enfermam de irregularidade, nos termos conjugados das disposições contidas no n.º 5 do artigo 97.? e 123.º, ambos do C.P,P., o que pelo presente se suscita.
26. Por requerimento datado de 27-10-2022, veio o Recorrente requerer a cópia integral do suporte digital dos autos.
27. Em resposta, foi proferido despacho pela Digna Magistrada do M.P., em 07-11-2022, nos seguintes termos: “Foi por nós decidido em, 04112022, deferir a pretensão do requerente em obter a consulta digital dos autos, nos moldes a definir pela secretaria porquanto a confiança do processo cerceava o direito de acesso aos autos pelos demais intervenientes (arguidos e/ou ofendidos), o que se indeferiu. Acontece que a Secretaria veio informar o seguinte: Quanto ao processo: - como é consabido, é constituído por 21 volumes (5368 folhas), acrescidos de 8 volumes de anexos documentais com cerca de 2500 folhas); encontram-se nele insertos diversos documentos guardados em folhas transparentes, vulgo “micas”;. Quanto às condições logísticas: - a 2ª Secção deste DIAP, onde corre o inquérito em causa, apenas dispõe de um digitalizador folha-a-folha, partilhado com a 1ª Secção; - a digitalização física do processo demoraria cerca de um mês, mesmo com um Oficial de Justiça em permanência, o que consequentemente atrasaria também a digitalização de documentos da secção central e da 1ª Secção; - a 2ª Secção tem quadro deficitário de pessoa e tem grande acumulação de serviço. Destarte, a digitalização do Processo n. 0 285/15.8JAFAR mostra-se inviável” bold e sublinhado nossos
28. Ora, desde logo, tendo sido, ab initio, através de decisão datada de 04-11-2022 (conforme resulta do despacho datado de 07-11-2022), deferida pela Digna Magistrada do Ministério Público a pretensão do aqui Recorrente em obter a consulta digital dos autos, não podem os constrangimentos técnicos alegados pela Secretaria prevalecer sobre os direitos de defesa do Arguido!
29. É que se é um facto que a digitalização do processo seria demorada, também é um facto de que esta seria efetivamente possível, não se afigurando como legal ou sequer constitucional, vedar uma forma do Arguido consultar o processo, exercendo o seu direito, face aos constrangimentos técnicos apresentados.
30. No entendimento do Recorrente um indeferimento da obtenção de tal cópia nos moldes a ui mencionados veta em absoluto o direito de defesa do Arguido constitucionalmente consagrado no artigo 32.º n.º 1 da CR.P., inibindo o direito à consulta integral e efetiva do processo por parte daquele.
31. Conforme explanou em sede devida, e uma vez que se encontra a decorrer o prazo para requerer a abertura de instrução, o Recorrente pretende consultar, de forma séria e cabal, os presentes autos, não se bastando com o mero acesso formal, isto é, a faculdade de se poder dirigir à secretaria para “olhar” para eles.
32a Ao invés, na defesa intransigente dos direitos do Arguido, o Mandatário do aqui Recorrente solicitou a consulta material dos autos que, como o Tribunal Constitucional já se pronunciou ainda para mais em processos desta natureza e dimensão — só se acha verdadeiramente cumprido tal desiderato com o exame detalhado dos autos fora da secretaria, para que o Arguido possa efetivamente defender-se.
33. Ainda para mais quando existe a possibilidade de se proceder à digitalização dos presentes autos, bastando-se o Recorrente com a disponibilização de uma cópia.
34. Não se pode olvidar que o conhecimento dos autos e o exercício cabal e efetivo do direito de defesa dos Arguidos só se logram obter com o acesso ilimitado e irrestrito a todo o processo ou, melhor dito, à integralidade dos autos cfr., nesse sentido, veja-se os Acórdãos do Tribunal Constitucional n. 2 395/95, de 5 de dezembro e n. 2 363/2000, de 5 de julho, processo n. 2 838/98, DR, II Série, de 13 de novembro de 2000.
35. Ademais, facultar a cópia integral do processo digitalizado - quando o mesmo já não se encontra sob segredo interno - é, apenas, efetivar o direito que assiste (constitucionalmente) ao Recorrente.
36. Isto porque, obviamente, e pese embora a Exma. Senhora Procuradora do Ministério Público tenha admitido a consulta do processo físico junto da Secretaria, autorizou-o de tal forma que o direito de consulta não seja um direito efetivo.
37. Assim, a impossibilidade de consulta da integralidade do processo - impossibilidade esta que foi reiterada pelo Tribunal recorrido, por não se ter pronunciado sobre a mesma, quando o deveria ter feito consubstancia uma nulidade, resultante da inobservância do disposto nos artigos 86.º n.º 1 e 89.º n.º s 1, 3 e 4, todos do C.P.P., nulidade esta que expressamente se invoca, uma vez mais, para os devidos efeitos legais - ou, caso assim não se considere, o que se concebe por mera cautela de patrocínio, sem se conceber, uma irregularidade, nos termos do disposto no artigo 123,º do CP.P., irregularidade que também aqui novamente se suscita para os devidos efeitos legais.
38. Ademais, a interpretação dos artigos 86.º n.º 1 e 89.º, n.º s 1, 3 e 4, todos do C.P.P„ segundo a qual, um processo constituído por 21 volumes (5368 folhas), acrescidos de 8 volumes de anexos documentais, ou seja, de elevada complexidade e extensão, pode ser consultado fisicamente na secretaria do Tribunal, no prazo máximo de 20 dias que é concedido ao Arguido para requerer a abertura de instrução, consubstancia uma inconstitucionalidade material, por violação dos direitos de defesa do Arguido, em expressa contradição com o disposto no artigo 329 n.º 1 da C.R.P. inconstitucionalidade esta que também aqui novamente se invoca.
39. Aliás, já tendo sido determinado o encerramento da fase de inquérito, não se encontrando os presentes autos em investigação, e encontrando-se, por outro lado, sujeitos ao princípio do contraditório, é fundamental que o Recorrente, a par dos restantes Arguidos, tenha o acesso irrestrito a todos os elementos do processo.
40. E, como bem se sabe, atento o volume dos presentes autos, bem como a complexidade das questões que lhe são inerentes, não é viável supor-se que o Mandatário do Recorrente, que tem escritório em Lisboa, mais precisamente a cerca de 300 quilómetros do local onde se encontra o processo físico - o que implicaria viagens sucessivas, com custos de estadia, alimentação, entre outros, para consultar o processo que, como resulta do próprio despacho da Digníssima Procuradora do Ministério Público, se revela longo, e cuja consulta estaria limitada ao horário de expediente da Secretaria e, assim, exigiria uma permanência de maior duração no distrito de Faro tenha tempo suficiente para consultar e analisar todos os volumes e apensos do processo.
41. Ainda para mais quando se trata de um processo como o dos presentes autos, que conta com vários Arguidos, e em que certamente os Mandatários dos outros Arguidos também irão pretender consultar o processo.
42. Pelo que, se se considera não ser viável que a Secretaria proceda à digitalização dos autos digitalização esta que já poderia ter sido efetuada em momento anterior, ainda que de forma gradual -, em virtude de a mesma poder demorar cerca de um mês, por existir apenas “um digitalizador folha-a-folha, partilhado com a l.ª Secção” e, ainda, porque “a 2.ª Secção tem um quadro deficitário de pessoa e tem grande acumulação de serviço”, já se entende ser viável a consulta física dos autos pelo Mandatário junto da Secretaria, em que o mesmo terá de se limitar a “tirar notas” de TODO O PROCESSO? Sendo certo que se a digitalização folha-a-folha levaria cerca de um mês, então esta segunda situação levaria quanto tempo? E os restantes Mandatários como é que conseguiriam consultar os autos?
43. Nestes termos, reiteramos, existindo despacho da Digna Magistrada do Ministério Público a DEFERIR TOTALMENTE a pretensão do ora Recorrente em obter a consulta digital dos autos, não podem os impedimentos ultrapassáveis da secretaria do Tribunal sobreporem-se a este deferimento, condicionando o mesmo, quando é esta a alternativa mais viável para os direitos de defesa dos Arguidos estes que, contrariamente aos Srs. Funcionários da Secretaria do Tribunal, são verdadeiros intervenientes processuais.
44. Face ao exposto, requer-se a V. Exas. se dignem declarar a nulidade e, quando assim não se considere, o que se concebe por mera cautela de patrocínio, sem se conceder, a irregularidade e inconstitucionalidade aqui tempestivas e expressamente invocadas, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 86.º n.º 1 e 89.º, nº s 1, 3 e 4, ambos do C.P.P., e no artigo 32.º n.º 1 da CR.P., uma vez que, conforme resulta do acima exposto, o deferimento da entrega de uma cópia digitalizada dos autos, consubstancia, in casu, atenta a extensão e complexidade de análise do processo em questão, a única forma processual de garantir a efetividade do direito de defesa do Recorrente.
45. Mais se requerendo que, em consequência, V. Exas. se dignem revogar os despachos proferidos pela Mma. JIC, substituindo-os por outro, no qual seja admitida a entrega ao Recorrente de cópia do suporte informático de todo o processo, sob pena de violação do direito de defesa que assiste ao mesmo.
46. Através de requerimento datado de 10-11-2022, o Recorrente requereu que o Tribunal recorrido procedesse à suspensão ou à prorrogação do prazo de abertura de instrução, nos termos do artigo 107.º n.º 6 do C.P.P., uma vez que os Arguidos só o poderão fazer após terem acesso à consulta/cópia integral dos autos (questão que já havia suscitado no requerimento apresentado em 27-10-2022, a qual não mereceu qualquer palavra por parte do Tribunal recorrido no despacho de 16-11-2022).
47. Tendo o Tribunal recorrido vindo a indeferir o requerido - somente no despacho datado de 0212-2022 nos seguintes termos: “No caso em análise, considera-se não haver especial complexidade. De facto, pese embora o número de documentos e de testemunhas em causa seja já assinalável, a acusação, assenta, no essencial, na análise e contraposição dos fluxos financeiros dos diversos intervenientes, espelhados nos anexos documentais facilmente apreensíveis por consulta.
Deste modo, e nos termos dos artº s 1078 n.º 6, 215,º n.º 3 e 287.º todos do Cód. Proc. Penal, indefere-se a requerida prorrogação do prazo para apresentação do requerimento de abertura de instrução.”
48. Ora, in casu, atento o número de Arguidos e respetivos Mandatários, a vastíssima dimensão e extensão do processo físico, que conta com milhares de páginas, dezenas de volumes e apensos dos mais variadíssimos temas, e várias dezenas de inquirições de testemunhas e de documentação bancária, é por demais evidente que se verifica um manifesto fundamento jurídico material para ser determinada a prorrogação do prazo de abertura de instrução, nos termos do artigo 107. º n.º 6 do C. p. p. .
49. Reiterando que, pese embora a consulta dos autos tenha sido deferida, o facto de apenas se admitir a sua consulta junto da secretaria deste Tribunal, atenta a manifesta extensão do processo e o número de Arguidos e seus respetivos Mandatários, inviabiliza e constrange, não só de forma ilegal, como também inconstitucional, o cabal acesso do Recorrente aos autos.
50. Face ao exposto, o despacho proferido pela Mma. JIC, datado de 02-12-2022, no qual é indeferida a prorrogação do prazo para requerer a abertura de instrução, é nulo, por violação do disposto nos artigos 107.º n.º 6, 215.º, n.º 3 e 287.º, todos do C.P.P. nulidade esta que expressamente se invoca - ou caso assim não se considere o que se concebe por mera cautela de patrocínio, sem se conceber, é irregular e nos termos do disposto no artigo 123. 2 do C.P.P., irregularidade que também aqui se suscita.
51. Ademais, a interpretação dos artigos 107.º n.º 6 e 215.º noº 3, ambos do C.P.P., segundo a qual, um processo constituído por 21 volumes (5368 folhas), acrescidos de 8 volumes de anexos documentais ou seja de elevada complexidade e extensão não configura um caso de especial complexidade e, assim, não deve ser prorrogado o prazo para os Arguidos, querendo requererem a abertura de instrução consubstancia uma inconstitucionalidade material por violação dos direitos de defesa do Arguido em expressa contradição com o disposto no artigo 32.º n.º 1 da C.R.P. - inconstitucionalidade esta que aqui também se invoca.
52. Atento os fundamentos supra expostos deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que conceda a prorrogação do prazo para apresentação de requerimento de abertura de instrução, pois só assim se permitirá salvaguardar os direitos de defesa do ora Recorrente.
53. Importa sublinhar por fim, e a mero título informativo, que volvidos mais de dois meses desde o momento em que o Recorrente requereu a entrega de cópia digitalizada dos autos, o Tribunal recorrido já podia ter sanado esta questão ordenando a digitalização dos autos - o que não sucedeu.
54. Até porque, decorre expressamente da informação prestada pelos Srs. Funcionários do Tribunal (cfr. despacho proferido pela Exma. Sra. Procuradora da República BB, datado de 0711- 2022) que “a digitalização física do processo demoraria cerca de um mês”. Efetivamente, já passaram dois meses e nenhuma digitalização foi efetuada!
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, deverão V. Exas.:
a) Declarar a nulidade (por violação do disposto nos artigos 17.º, 86.º, 1, 89.º, 1, 2, 4 e 6, 262.º, n.º 1, 276.º, n.º 1 e 379.º, n.º 1, alínea c), todos do C.P.P., ao abrigo do disposto na alínea e) do artigo 119.º do C.P.P.) - e, quando assim não se considere, o que se concebe por mera cautela de patrocínio, sem se conceder, a irregularidade (por violação do disposto nos artigos supramencionados, ao abrigo do artigo 123.º do C.P.P.) inconstitucionalidade (na interpretação que é feita pelo Tribunal recorrido dos artigos 17.º, 86.º, 1, 89.º, 1, 2, 4 e 6, 262.º, n.º 1, 276.º, n.º 2 do C.P.P., por violação dos artigos 20.º n.ºs 1 e 4 e 32 nº 1, ambos da C.R.P.) dos despachos ora recorridos, tempestivas e expressamente invocadas, nos termos supra expostos;
b) Declarar a nulidade - e, quando assim não se considere, o que se concebe por mera cautela de patrocínio, sem se conceder, a irregularidade e inconstitucionalidade aqui tempestivas e expressamente invocadas, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 86.º n.º 1 e 899, nº s 1, 3 e 4, ambos do C.P.P., e no artigo 32.º n. º 1 da C.R.P., uma vez que, conforme resulta do acima exposto, o deferimento da entrega de uma cópia digitalizada dos autos, consubstancia, in casu, atenta a extensão e complexidade de análise do processo em questão, a única forma processual de garantir a efetividade do direito de defesa do Recorrente.
E, em consequência:
c) Revogar os despachos ora recorridos, substituindo-os por outro, no qual seja admitida a entrega ao Recorrente de cópia do suporte informático de todo o processo.
Caso assim não se considere, o que se concebe por mera cautela de patrocínio, sem se conceder,
a) Declarar a nulidade do despacho recorrido, datado de 02-122022, no qual é indeferida a prorrogação do prazo para requerer a abertura de instrução, por violação do disposto nos artigos 107.º, n.º 6, 215.º n.º 3 e 287.º, todos do C.P.P. - ou, caso assim não se considere, o que se concebe por mera cautela de patrocínio, sem se conceber, a irregularidade, nos termos do disposto no artigo 123.º do CP.P. bem como a inconstitucionalidade do mesmo, por violação dos direitos de defesa do Arguido, em expressa contradição com o disposto no artigo 32,º, n 1 da C.R.P., atenta a interpretação que efetuada pelo Tribunal recorrido dos artigos 107.º, n.º 6 e 215º n.º 3, ambos do C.P.P., segundo a qual, um processo constituído por 21 volumes (5368 folhas), acrescidos de 8 volumes de anexos documentais, ou seja, de elevada complexidade e extensão, não configura um caso de especial complexidade e, assim, não deve ser prorrogado o prazo para os Arguidos, querendo, requererem a abertura de instrução E, em consequência:
c) Revogar o despacho recorrido, substituindo-o por outro que conceda a prorrogação do prazo para apresentação de requerimento de abertura de instrução.

C – Resposta ao Recurso

O M. P, junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

- Só haverá lugar à apresentação do requerimento ao Juiz se o fundamento da recusa for o segredo de justiça, se os fundamentos da recusa forem outros, não há lugar à apresentação do referido requerimento ao Juiz — como é o caso.
- Destarte, a Meritíssima Juiz de Instrução Criminal, manteve o já decidido anteriormente: não conhecer a nulidade arguida no requerimento do recorrente de fls. 5374, porquanto, na fase em que se encontra o processo (inquérito), a apreciação da mesma é da competência do Ministério Público e não do Juiz de Instrução.
- Posto, isto, o acesso integral aos autos pelo recorrente esteve sempre garantido e disponível, só não nas modalidades preferidas pelo mesmo (através da confiança integral do processo em suporte papel fora da secretaria ou disponibilidade de todo o seu conteúdo de forma digital), porquanto tal se mostrou impraticável pelos incontornáveis motivos:
- o processo é constituído por 21 volumes (5368 folhas), acrescidos de 8 volumes de anexos documentais .com cerca de 2500 folhas), sendo que neles estão insertos diversos documentos guardados em folhas transparentes, vulgo “micas”; o a 2.ª Secção deste DIAP apenas dispõe de um digitalizador folha-a-folha, partilhado com a l.ª Secção; o a digitalização física do processo demoraria cerca de um mês, mesmo com um Oficial de Justiça em permanência, o que consequentemente atrasaria também a digitalização de documentos da secção central e da l.ª secção; o a 2. a secção tem quadro deficitário de pessoa e tem grande acumulação de serviço.
- Atente-se que a consulta integral dos autos dos autos na secretaria foi sempre permitida e esteve sempre disponível, só não foi usada essa forma de consulta do processo (em tudo idêntica à consulta, também em suporte papel, que a confiança do processo fora da secretaria permite) porque o recorrente assim não quis, escusando-se a alocar os meios humanos do respectivo escritório paraesse efeito.
- O presente processo não revela excepcional complexidade, é tão só volumoso, mormente devido às cartas rogatórias expedidas e aos anexos documentais (fiscais e bancários) que o compõem.
- As exigências de um processo equitativo são o princípio do contraditório, o princípio da igualdade de armas, sendo que a alínea b) do nº 3 do art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos refere que o acusado tem o direito de dispor de tempo e dos meios necessários para a preparação da defesa, devendo como tal ser-lhe assegurada a possibilidade de se organizar de maneira adequada e sem restrições.
- Num direito processual penal do arguido, devem ser-lhe asseguradas as garantias de defesa, com tutela constitucional (art. 32º da Constituição da
República Portuguesa).
- E é ao arguido que compete decidir sobre a sua defesa, escolhendo como e quando se quer defender, designadamente requerendo a abertura da instrução, ou antecipando na contestação a sua posição sobre os factos da acusação, ou antes relegando-a para a audiência de julgamento.
- No caso em apreço, optando o arguido pela abertura de instrução terá que o fazer no prazo legal estabelecido, que é de 20 dias, cabendo à sua defesa definir e alocar os meios (humanos elou técnicos) que tem à sua disposição para tal, neles se incluindo a consulta dos autos;
- Se o recorrente não consultou os autos até ao momento, foi por opção própria.
- Pelo que ficou dito, não sofre o despacho recomido qualquer gravame, devendo o recurso ser julgado totalmente improcedente, assim se fazendo JUSTIÇA.

D – Tramitação subsequente

Recebidos os autos nesta Relação, foram os mesmos com vista à Exª Procuradora-Geral Adjunta, que emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumprido o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, o arguido apresentou resposta, reafirmando os seus argumentos.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria), o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação.
Assim sendo, as questões em aferição no presente recurso são as seguintes:

1) Nulidade dos despachos por omissão de pronúncia
2) Nulidade/irregularidade/inconstitucionalidade por impossibilidade de consulta do processo
3) Suspensão ou prorrogação do prazo para requerer a abertura da instrução

B – Apreciação

Tendo sido já transcritas as peças processuais em causa, importa analisar as referenciadas questões.

B.1. Nulidade dos despachos por omissão de pronúncia

Como resulta do que infra se escreveu sobre a dinâmica dos autos, o ora recorrente requereu ao MP cópia integral, em suporte digital, dos autos, ou, no caso de tal se revelar impossível, a confiança integral do processo para exame fora da secretaria do tribunal, por se encontrar a decorrer o prazo para requerer a abertura da instrução, devendo, neste caso, ser determinada uma escala que permitisse a todos os Mandatários dos arguidos a consulta dos autos nos mesmos termos.
A Digna Magistrada do Ministério Público, num primeiro momento, deferiu tal pretensão - ou seja, a consulta digital dos autos - para depois a indeferir por inexistirem condições logísticas que permitissem a digitalização do processo, deferindo-se apenas a sua consulta física na secretaria do tribunal, durante o horário de expediente.
Não se conformando com o assim decidido, veio o ora recorrente dirigir um requerimento à Mmª Juíza de Instrução Criminal, alegando a nulidade, irregularidade e inconstitucionalidade do decidido pela Digna Magistrada do Ministério Público, por inobservância do estatuído nos Artsº 86 nº1, 89 nsº1, 3 e 4, ambos do CPP e 32 nº1 da CRP, questões que não foram apreciadas judicialmente, por se ter entendido – em qualquer um dos dois despachos recorridos – em apertada síntese, que estando ainda os autos em fase de inquérito, a aferição das invocadas nulidades cabia ao MP e não ao Juiz de Instrução Criminal.
Com o devido respeito por opinião contrária, não se concorda com o entendimento vertido nos despachos sindicados.
Sendo indiscutível que o MP é o titular da acção penal e, por essa via, o dominus do inquérito, é sabido que o juiz de instrução criminal tem o poder/dever de controlar a actividade instrutória do MP, nomeadamente no que esta possa conter com direitos fundamentais dos cidadãos.
É, assim, a própria arquitectura do inquérito criminal que atribui competência ao juiz de instrução para tutelar os direitos fundamentais dos cidadãos, razão pela qual, qualquer invalidade de uma decisão do MP que contenda com esses direitos fundamentais deve ser conhecida pelo juiz de instrução.
Como já se disse em Acórdão desta Relação de 02/07/96, in CJ, Tomo IV, 1996, a impossibilidade de arguir perante um juiz invalidades da actuação processual do Ministério Público durante a fase de inquérito levaria a uma eficácia de caso julgado dessa actuação processual que é privativa da função jurisdicional.
É certo que a competência concorrente do Ministério Público e do juiz de instrução na fase de inquérito tem limites que resultam da estrutura acusatória do processo penal. Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código do Processo Penal: "Esta estrutura implica uma separação orgânica e funcional entre as duas magistraturas que se verifica mesmo na fase de inquérito. Assim, durante o inquérito, o juiz de instrução só pode conhecer da ilegalidade de atos da sua competência (...). A competência do juiz de instrução não deve constituir oportunidade para ele se alçar em senhor do inquérito, o que aconteceria se o juiz se colocasse numa posição de sindicante permanente da atividade do Ministério Público (...). Portanto, o juiz de instrução não pode declarar, durante o inquérito a invalidade de atos processuais presididos pelo Ministério Público.
Daí que alguns entendam - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/02/12, proferido no Proc. n.° 36/09.6TAVNH.PI - que tratando-se de acto respeitante ao inquérito, cuja direcção cabe exclusivamente ao MP, terá de ser este magistrado a apreciar a nulidade ou irregularidade de um despacho proferido nesta fase processual, cabendo por isso do mesmo, na esteira desta raciocínio, reclamação para o respetivo superior hierárquico.
Crê-se, todavia, que o entendimento correcto deverá ser concretizado noutros termos.
Não se questionando que o juiz de instrução não deve funcionar como instância de recurso dos actos decisórios do MP, na medida em que, respeitando a autonomia deste, é hierarquicamente incompetente para os anular, a verdade é que importa não esquecer que resulta de toda a estrutura constitucional, em particular do Artº 202 da Constituição da República Portuguesa, que compete aos tribunais assegurar a “defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”, sendo evidente que o direito de acesso aos autos constitui um direito fundamental do ora Recorrente, na medida em que integra as garantias de defesa previstas no Artº 32 da Norma Fundamental.
Assim sendo, e enquanto função reservada aos tribunais, incumbe ao juiz de instrução sindicar a validade dos actos do Ministério Público que colidam com direitos fundamentais dos cidadãos, como é o caso do direito de consulta integral dos autos pretendido pelo ora recorrente, necessário para o pleno exercício do seu direito de defesa.
Sendo seguro que é ao MP que cabe exclusivamente a direcção do inquérito, não menos seguro é que não lhe compete definir ou delimitar direitos, nem se pronunciar pela sua eventual violação dos mesmos, assim como, das garantias e das liberdades.
Nessa medida, o juiz de instrução é materialmente competente para se pronunciar sobre todas as questões respeitantes a direitos liberdades e garantias, deve decidir sobre estas matérias, não se demitindo da sua função de garante das mesmas.
Quer isto dizer, que embora o juiz não seja hierarquicamente competente para anular despachos do MP, tem o poder/dever e a competência material para apreciar qualquer questão que contenda com direitos, liberdades e garantias fundamentais.
Esta é a devida conjugação/conciliação que importa efectuar entre o princípio da autonomia do Ministério Público e a garantia dos direitos liberdades e garantias fundamentais que cabe ao Juiz de Instrução assegurar, cabendo-lhe, em exclusivo, a competência material para decidir essas questões em inquérito, assegurando-se assim a apreciação jurisdicional sobre tais matérias. (Cfr, neste sentido, principalmente, o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07/12/16, proferido no Proc. 333/14.9TELSB-3 e também, ainda que em âmbito algo distinto, Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/12/17, no Proc. 35/15.9FIEVR-E.C1)
Acredita-se assim, que qualquer interpretação no sentido de as invalidades de um acto processual praticado durante a fase de inquérito pelo MP e que possa afectar direitos liberdades e garantias apenas poderem ser conhecidas pelo próprio Ministério Público é inconstitucional, por violação do direito de acesso ao direito e aos tribunais previsto no Artº 20 da CRP, violando ainda o direito a um processo equitativo previsto no Artº 6 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, segundo o qual “qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examina equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial”.
Sendo o Juiz de Instrução, a única entidade competente para exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito, não pode deixar de se entender que tal competência se estende ao período temporal que decorre entre a dedução de acusação e a abertura da fase de instrução, como sucede in casu, porquanto, em bom rigor técnico, aquando da apresentação do requerimento em causa, por parte do ora recorrente, já o inquérito se mostrava encerrado, na medida em que, nos termos combinados dos Artsº 262 e 276 nº1, ambos do CPP, o MP tinha proferido o respectivo despacho de acusação.
Por outro lado e sempre com o devido respeito por opinião contrária, não se vislumbra como se pode sustentar a conclusão assumida nos despachos recorridos no sentido de, nos termos do Artº 89 do CPP, só haver lugar à apresentação do requerimento aí aludido ao juiz se o fundamento da recusa do acesso aos autos for, da parte do MP, o segredo de justiça.
Lido o corpo dos nsº1 e 2 desta norma, não parece que se possa retirar tal asserção, sob pena de daí resultar que nas situações em que a oposição do MP não se funda no segredo de justiça, as partes estariam impedidas de submeter a validade de tal oposição ao crivo jurisdicional, o que se crê não fazer sentido, na medida em que a oposição baseada no segredo de justiça é, seguramente, a que se revela como mais consentânea com a possibilidade material da recusa à consulta dos elementos dos autos, não parecendo por isso curial que, em casos menos graves, as partes não pudessem submeter ao juiz de instrução a apreciação da nulidade dessa recusa por violação do seu direito ao acesso aos autos para o pleno exercício dos seus direitos processuais.
Nessa medida, sempre que exista uma recusa, por parte do MP, no acesso pelos arguidos aos elementos do processo, pode ser apresentado requerimento ao juiz de instrução no sentido de reverter tal decisão, que decide por despacho irrecorrível.
Ora, in casu, o dito requerimento não foi apreciado materialmente pelo juiz de instrução, que julgou, em qualquer um dos despachos recorridos, não dever pronunciar-se sobre o mesmo, por não ser da sua competência, a qual, em tal entendimento, caberia, hierarquicamente, ao MP.
Ao recusar-se a conhecer dos alegados vícios praticados pelo MP no seu despacho que recusou o acesso á cópia integral em sede digital de todo o processado, bem como, à consulta dos autos fora da secretaria do tribunal – vícios que foram qualificados como nulidade ou irregularidade e ainda, como violadores do tecido constitucional por conterem com um efectivo exercício do direito de defesa no âmbito de um processo penal que se quer justo e equitativo, a Mª juiz a quo omitiu pronúncia sobre matérias das quais estava legalmente obrigada a se pronunciar, o que acarreta, não a nulidade dos ditos despachos, na medida em que se entende que o estatuído no Artº 379 nº1 al. c) do CPP não é aplicável aos despachos judiciais (como já expresso em Acórdão desta Relação, de 08/11/22, proferido no Proc. 297/22.0PBEVR, relatado pela aqui Adjunta), mas a sua irregularidade, a qual se mostra tempestivamente arguida pelo ora recorrente, sendo certo que a mesma sempre afectaria o valor do próprio acto, nos termos do Artº 123 nsº1 e 2 do CPP.
Deverá pois o tribunal a quo pronunciar-se sobre tais matérias, conhecendo dos vícios invocados pelo ora recorrente em relação ao decidido pelo MP quanto à por si pretendida consulta e acesso aos autos.
Com o agora determinado ficam prejudicadas as demais questões suscitadas no recurso, não se prosseguindo, por isso, na sua apreciação.

3. DECISÃO

Nestes termos, julga-se procedente o recurso e em consequência, revogam-se os despachos recorridos, devendo ser proferido, pelo tribunal a quo, novo despacho que conheça dos vícios invocados pelo ora recorrente em relação ao decidido pelo MP quanto à possibilidade de consulta e acesso aos autos.
Sem custas.
xxx
Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos signatários.
xxx
Évora, 28 de Março de 2023
Renato Barroso (Relator)
Maria Fátima Bernardes (Adjunta)
Fernando Pina (Adjunto)