Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
65/23.7PTFAR.E1
Relator: JORGE ANTUNES
Descritores: CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
PENA ACESSÓRIA
FINALIDADE
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Se a finalidade da imposição da pena acessória é a de incutir no espírito do arguido/condutor a necessidade de observar rigorosamente as regras de cautela na condução e as obrigações que impendem sobre os condutores, não é indiferente o facto de estarmos perante um condutor primário (sem quaisquer antecedentes criminais, designadamente por crimes da mesma natureza) ou perante um outro que já cometeu e foi condenado, eventualmente por diversas vezes, por condução em estado de embriaguez. Do mesmo modo, não pode ser desatendida a personalidade do arguido, seja ela reveladora de capacidade de autocensura/autocrítica e arrependimento (como no caso dos autos) ou, pelo contrário (como ocorre em tantas outras situações) demonstrativa de indiferença perante o valor dos bens jurídicos colocados em perigo e desprezo pelas advertências solenes subjacentes às condenações anteriores.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
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I – RELATÓRIO

1. No Juízo Local Criminal de … (Juiz …), o arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi submetido a julgamento em processo especial sumário, sendo-lhe imputada a prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292.º, nº 1, e 69, nº 1, al. a), ambos do Código Penal.

2. Por sentença de 29 de junho de 2023, foi decidido:

“Em face do exposto, pelos factos praticados no dia 19 de junho de 2023, pelas 22 horas e 26 minutos, na Estrada …, em …, sita nesta localidade de …, o Tribunal decide:

A) Condenar o arguido, AA, pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º, 1, do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à razão diária de 6,75€ (seis euros e setenta e cinco cêntimos);

B) Proceder ao desconto, na pena imposta em A), de 1 (um) dia, atenta a detenção sofrida pelo arguido à ordem dos autos e nos termos do que se dispõe no n.º 2 do art.º 80.º do Código Penal, impondo-lhe o cumprimento de 59 (cinquenta e nove) dias de multa, à razão diária de 6,75€ (seis euros e setenta e cinco cêntimos), o que perfaz o montante global de 398,25€ (trezentos e noventa e oito euros e vinte e cinco);

C) Declarar que à pena de multa imposta em B) correspondem, nos termos do art. 49.º do Código Penal, 39 (trinta e nove) dias de prisão subsidiária;

D) Condenar o arguido, AA, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 6 (seis) meses, nos termos do art.º 69.º, 1, a), do Código Penal, devendo proceder à entrega da carta de condução e/ou de qualquer outro título que o habilite a conduzir veículos motorizados na via pública, na Secretaria deste Juízo, ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 (dez) dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência, e ser ordenada a apreensão daquele título de condução - art.º 500.º, 2 e 3 do Código de Processo Penal;

E) Condenar o arguido no pagamento das custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (cfr. art.º 8.º, 9 e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais), reduzida a metade em vista da confissão integral e sem reservas, e sem prejuízo do apoio judiciário de que aquele, eventualmente, beneficie.

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Após trânsito:

a) Remeta boletim à Direção dos Serviços de Identificação Criminal (cfr. artigos 6.º, alínea a), e 7.º, n.º 2 da Lei n.º 37/2015, de 05.05);

b) Comunique à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária - art.º 500.º, 1, do Código de Processo Penal -, bem como ao IMT, I.P..

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Notifique e proceda-se ao depósito da sentença (artigo 372.º, n.º 5, do Código de Processo Penal).”.

3. Dessa decisão final interpôs recurso o Ministério Público, limitado à parte referente à pena acessória em que o arguido foi condenado, pedindo que se revogue a decisão nessa parte e se substitua por decisão que condene o arguido na pena acessória de proibição de conduzir por um período de 12 meses.

Extraiu o recorrente da sua motivação de recurso as seguintes conclusões:

“1 - O arguido foi condenado, nos presentes autos, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 60 dias de multa, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses.

2 - A determinação da medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados deve fazer-se mediante os critérios utilizados na fixação da pena principal e definidos no art. 71 do Código Penal.

3 - Assim, há que ter em conta, quanto a tal questão, as exigências de prevenção de futuros crimes, o grau de culpa do arguido, o grau de álcool com que conduzia, a sua inserção social e familiar e a sua idade.

4 - A duração da pena acessória pode ser proporcionalmente diferente da concretamente encontrada para a pena principal por via, desde logo, da diversidade dos objetivos de política criminal ligados à aplicação de cada uma delas.

5 - Esta pena acessória deve contribuir decisivamente para a emenda cívica do condutor infrator, prevenindo a perigosidade deste, mas essencialmente, e cada vez mais, deve ter um efeito de prevenção geral de intimidação, face ao aumento da sinistralidade rodoviária decorrente do consumo abusivo de álcool.

6 - Contra o arguido releva a crescente incidência deste tipo de crimes e a importância do bem jurídico que lhe está subjacente, mostrando-se elevadas as exigências de prevenção geral, que demandam uma maior necessidade de sancionamento com vista ao restabelecimento da confiança na norma violada.

7 - Mostra-se, de igual modo, desfavorável para o arguido, o grau de culpa com que atuou, o qual se situa ao nível do dolo, bem como o elevado grau de ilicitude, patente na concreta taxa de álcool no sangue apresentada, já muito superior ao limite mínimo a partir do qual a prática dos factos em discussão constitui ilícito criminal.

8 - Pesando assim fundamentalmente contra o arguido, a circunstância de conduzir de noite com uma taxa elevadíssima de alcoolemia de 3,03 gr./l,

9 - A aplicação de uma pena de proibição de conduzir por 6 meses transmitiria uma ideia de laxismo que a consciência da comunidade não suportaria, criando um sentimento de desconfiança e de insegurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.

10 - No caso em apreço, face à intensidade do dolo (art. 71 nº 2 alínea b) do Código Penal), bem como ao grau de ilicitude da conduta, tendo em atenção a elevadíssima taxa de álcool no sangue apresentada (art.71 nº 2 alínea a) do C.P.), parece-nos que a pena de 6 meses de proibição de conduzir fixada está desajustada da sua função preventiva especial e da sua função de proteção da comunidade em relação ao arguido ( art.71 nº 1 do Código Penal ).

11 – Face ao exposto e atendendo essencialmente à circunstância de que o arguido conduzia de noite com uma taxa elevadíssima de alcoolemia de 3,03 gr./l, entendo que a pena acessória de proibição de conduzir nunca poderia ser inferior a 12 meses, pelo que se nos afigura que a opção adotada na sentença está desajustada das circunstâncias do caso, parecendo injustificada face às elevadas necessidades de prevenção especial (face a um comportamento apto a colocar em perigo bens jurídicos essenciais, como sejam a segurança rodoviária e indiretamente bens pessoais, como seja a vida ,de indiscutível valor supremo).

12 - Foram assim violados os artigos 69 nº1 alínea a) e 71 nº 1 e nº 2 alíneas a), b) do Código Penal.”.

4. O recurso foi admitido, por ser tempestivo e legal.

5. Foi cumprido o disposto no artigo 411.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, não tendo a defesa apresentado resposta ao recurso.

6. Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta apresentou parecer no sentido da procedência parcial do recurso, exprimindo da seguinte forma a sua posição:

“Vem o Ministério Público recorrer da sentença, que, entre o mais condenou o arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), do Código Penal, na pena de 60 dias de multa, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses.

Por síntese, não se conforma o Ministério Público recorrente com a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses em que foi o arguido condenado.

Fundamentando que a determinação da medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados deve fazer-se mediante os critérios utilizados na fixação da pena principal e definidos no art. 71 do Código Penal, deve relevar as exigências de prevenção de futuros crimes, o grau de culpa do arguido, o grau de álcool com que conduzia, a sua inserção social e familiar e a sua idade.

Avança ainda que a duração da pena acessória pode ser proporcionalmente diferente da concretamente encontrada para a pena principal por via da diversidade dos objetivos de política criminal ligados à aplicação de cada uma delas e que deve contribuir decisivamente para a emenda cívica do condutor infrator, prevenindo a sua perigosidade e ter um efeito de prevenção geral de intimidação, face ao aumento da sinistralidade rodoviária decorrente do consumo abusivo de álcool.

Invoca ainda que a crescente incidência deste tipo de crimes e a importância do bem jurídico que lhe está subjacente aponta para elevadas exigências de prevenção geral, que demandam uma maior necessidade de sancionamento com vista ao restabelecimento da confiança na norma violada.

Invoca-se que contra o arguido milita o grau de culpa com que atuou, o qual se situa ao nível do dolo, bem como o elevado grau de ilicitude, patente na concreta taxa de álcool no sangue apresentada, de 3,03 gr./l,

Conclui que a sujeição do arguido a pena de proibição de conduzir por 6 meses transmitiria uma ideia de laxismo não tolerada pela comunidade, criando um sentimento de desconfiança e de insegurança nas instituições jurídico-penais, perfilhando o entendimento de que a pena acessória de proibição de conduzir nunca poderia ser inferior a 12 meses.

Peticiona, consequentemente que a sentença recorrida seja revogada na parte relativa à condenação na pena acessória e substituída por outra decisão que condene o arguido na pena acessória de proibição de conduzir por um período de 12 meses.

Ponderando os termos da decisão recorrida e a motivação do recurso interposto pelo Ministério Público, manifestamos a nossa concordância genérica com os termos desta e o parecer de que deve o recurso obter provimento parcial, sufragando o parecer de que 12 meses se nos afigure uma medida da pena acessória exagerada, pugnando por uma pena acessória de proibição de conduzir com a duração de 9 meses..”

7. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.

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II – QUESTÕES A DECIDIR.

Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»)

Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência do recurso com a decisão impugnada – a decisão condenatória proferida nos autos –, a questão a examinar e decidir prende-se com a medida da pena acessória fixada ao arguido.

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III – TRANSCRIÇÃO DOS SEGMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA RELEVANTES PARA APRECIAÇÃO DO RECURSO INTERPOSTO.

Da decisão recorrida, conforme consta do respetivo registo áudio, consta o seguinte, com interesse para a questão em apreciação em sede de recurso:

“(…)

Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:

No dia 19 de junho de 2023, pelas 22 horas e 26 minutos, na Estrada …, em …, o arguido, após ter ingerido bebidas alcoólicas, conduziu o veículo automóvel, da marca …, com a matrícula …, sendo portador de uma taxa de álcool no sangue de 3,03 gramas por litro, correspondente à taxa de 3,19 gramas por litro registada, deduzido o erro máximo admissível.

O arguido conhecia as características do veículo e do local onde conduzia, bem sabendo que não podia conduzir na via pública, após ter ingerido bebidas alcoólicas e representou a possibilidade de ser portador de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 gramas por litro, conformando-se com essa possibilidade.

O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, pese embora soubesse que o seu comportamento é censurado como crime pela lei penal.

Mais se apurou que:

Previamente ao exercício da condução, o arguido tinha estado a confraternizar com dois amigos, num restaurante e ingerira vinho branco, em quantidades elevadas, não concretamente apuradas, tendo os três dividido cerca de cinco litros dessa bebida. O arguido ingeriu, também, um “shot” de Licor ….

O arguido transportava um desses amigos no interior do veículo.

Foi sujeito a uma fiscalização aleatória, de rotina e não requereu a realização de exames de contraprova.

Deslocava-se na direção da residência do seu pai, ao tempo da fiscalização, e pretendia percorrer cerca de dois quilómetros.

O arguido é casado.

Reside com o seu pai, em casa arrendada pelo valor de € 425,00 por mês.

A esposa do arguido encontra-se a residir na ….

O arguido presta serviços como pedreiro e pintor da construção civil, e aufere quantitativo médio mensal situado entre 1200 a 1300 euros.

O arguido envia mensalmente, como contribuição para o sustento do seu filho, atualmente com 5 anos de idade, residente na …, quantitativo situado entre 200 a 300 euros.

Contribui, ainda, com o quantitativo de cerca de 200 euros para as despesas domésticas em casa do seu pai.

Paga também 300 euros a título de renda de um outro imóvel e armazém, sitos na freguesia de ….

Possui como habilitações literárias a licenciatura em ….

Confessou integralmente e sem reservas os factos, tal como consignados demonstrados, manifestando o seu arrependimento.

Não possui quaisquer averbamentos no seu certificado de registo criminal.

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Inexistem factos não provados com relevo para a decisão a proferir.

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(…)

Qualificados juridicamente os factos e operada a sua subsunção aos preceitos legais incriminadores, importa operar a escolha e determinação da medida da pena principal a aplicar ao arguido.

O crime que praticou é punido com pena de prisão de 1 mês até 1 ano ou pena de multa de 10 até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Sendo o crime punível em alternativa com pena de prisão ou pena de multa há que, antes de mais, proceder à escolha da pena e, no caso concreto, atento o disposto no artº 70º do Código Penal, nos termos do qual o tribunal deve dar preferência à pena não privativa da liberdade, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, e considerando que o arguido se encontra social, familiar e profissionalmente inserido, não regista antecedentes criminais nem quaisquer condenações no seu certificado de registo criminal, e admitiu de modo espontâneo os factos, revelando estar arrependido, entende este Tribunal que a pena de multa é ainda suficiente para assegurar as finalidades da punição e, nessa medida, opta pela respetiva aplicação, não obstante as necessidades de prevenção geral serem indesmentivelmente muito elevadas, quer relativamente ao reforço da consciência jurídica comunitária, quer no que concerne ao sentimento de segurança face à violação da norma.

Importa, assim, determinar a medida concreta da pena de multa a aplicar ao arguido, a qual é limitada pela sua culpa revelada nos factos e terá de mostrar-se adequada a assegurar as exigências de prevenção geral e especial, nos termos do disposto nos artigos 40º, nº 1, e 70º, nº 1, ambos do Código Penal, havendo que ponderar na determinação daquela medida todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor e contra o arguido, nomeadamente as enumeradas no art. 71º, nº 2, do C. Penal.

Haverá assim que sopesar a ilicitude dos factos, consideravelmente elevada, traduzida no grau de alcoolemia com que o arguido conduzia, quer por referência à taxa legalmente permitida, quer por referência à taxa a partir da qual a conduta assumida é criminalmente punível.

Com efeito, a taxa de alcoolemia apresentada pelo arguido revelava-se muitíssimo acima do limite mínimo de 0,5 g/l não punível por lei, situação que propicia uma acentuada diminuição dos reflexos e descoordenação psicomotora. Quem tripula, na via pública, qualquer tipo de veículo sob efeito de tão elevada taxa de alcoolemia no sangue, como fez o arguido, terá sempre uma diminuição muitíssimo elevada da capacidade para o exercício da condução, a qual é, nas mais das vezes, geradora do maior perigo, numa atividade que, por natureza, já é de risco.

Há que atender que o arguido atuou com dolo eventual, sabendo que o seu comportamento é proibido por lei – não se tendo apurado nenhuma causa que permita excluir a sua responsabilidade criminal.

Militam a favor do arguido o facto de ser primário, de se encontrar social, familiar e profissionalmente inserido, bem como de haver manifestado perante o Tribunal um sentimento de autocensura pela conduta empreendida, revelando sinais de haver já efetuado alguma interiorização do mal da sua conduta e da necessidade de a não reiterar.

Importa atentar nas condições pessoais do arguido e na sua situação económica apuradas nos autos e há que considerar, ainda, as exigências de prevenção geral que, como se disse, são muito elevadas, atento o alto índice de sinistralidade nas nossas estradas, associado à condução sob o efeito do álcool.

Por outro lado, é com enorme ligeireza que se assiste à prática de crimes desta natureza na área da Comarca, situação reveladora do clima de desrespeito pelas normas estradais, bem como pelos restantes seres humanos, condutores e peões, que pagam muitas vezes com a própria vida pela incúria destes condutores, sendo, pois, prementes as necessidades de prevenção geral que se fazem sentir.

Ponderados todos estes factores, tendo em conta a moldura penal aplicável ao crime, afigura-se adequada a fixação da multa em 60 dias.

(…)

Estipula o artigo 69º, nº 1, al. a), do Código Penal, que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor, por um período fixado entre 3 meses e 3 anos, quem for punido por crime punido no artigo 292º (…) No caso concreto, ponderando, por um lado, a indesmentivelmente elevada taxa de alcoolemia apresentada pelo arguido, não podendo deixar-se de considerar a conduta do mesmo como gravemente violadora das regras que pretendem manter a atividade de conduzir dentro das margens do chamado risco permitido; como contraponto, sopesando-se o facto de não registar antecedentes criminais nem outras condenações e de haver revelado já alguma interiorização da necessidade de jamais reiterar a sua conduta, temos por certo que a finalidade da punição a este título se alcança pela aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses, a qual se fixa.

(…)”.

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IV – FUNDAMENTAÇÃO.

Nos presentes autos, foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292.º, nº 1, e 69, nº 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena principal de 60 (sessenta) dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 6 (seis) meses.

O Ministério Público recorre, sem se insurgir contra a escolha e determinação da medida da pena principal, mas apenas contra a determinação concreta da medida da pena acessória, que considera insuficiente, face à intensidade do dolo, bem como ao grau de ilicitude da conduta, tendo em atenção a elevadíssima taxa de álcool no sangue apresentada, concluindo que a pena de 6 meses de proibição de conduzir fixada está desajustada da sua função preventiva especial e da sua função de proteção da comunidade em relação ao arguido, entendendo que a pena acessória de proibição de conduzir nunca poderia ser inferior a 12 meses.

Vejamos.

No que respeita à apreciação das penas fixadas pela 1ª Instância, a intervenção dos Tribunais de 2ª Instância deve ser moderada e seguir a jurisprudência enunciada, quanto à intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão daquele Tribunal Superior de 27/05/2009 (1), no qual se considerou: "... A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que "no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada". (No mesmo sentido, Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 197, § 255).

Assim, só em caso de desproporcionalidade na sua fixação ou necessidade de correcção dos critérios de determinação da pena concreta, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, deverá intervir o Tribunal de 2ª Instância alterando o quantum da pena concreta.

Caso contrário, isto é, mostrando-se respeitados todos os princípios e normas legais aplicáveis e respeitado o limite da culpa, não deverá o Tribunal de 2ª Instância intervir corrigindo/alterando o que não padece de qualquer vício.

De tal resulta que, se a pena fixada na decisão recorrida, em todas as suas componentes, ainda se revelar proporcionada e se mostrar determinada no quadro dos princípios e normas legais e constitucionais aplicáveis, não deverá ser objecto de qualquer correcção por parte do Tribunal de Recurso.

Estas considerações são válidas no que se refere à determinação da medida das penas principais, mas igualmente no que toca à determinação da medida concreta das penas acessórias.

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Para a apreciação da questão, revisitemos as considerações do Tribunal a quo no que se refere à determinação da medida da pena acessória no caso concreto, nos trechos em que enunciou as circunstâncias relevantes:

“No caso concreto, ponderando, por um lado, a indesmentivelmente elevada taxa de alcoolemia apresentada pelo arguido, não podendo deixar-se de considerar a conduta do mesmo como gravemente violadora das regras que pretendem manter a atividade de conduzir dentro das margens do chamado risco permitido; como contraponto, sopesando-se o facto de não registar antecedentes criminais nem outras condenações e de haver revelado já alguma interiorização da necessidade de jamais reiterar a sua conduta, temos por certo que a finalidade da punição a este título se alcança pela aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses, a qual se fixa.”.

Tal como refere Figueiredo Dias, Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, pág.165, a graduação da medida concreta da pena acessória obedece aos mesmos critérios da pena principal e dela se espera que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor leviano ou imprudente.

Com efeito, as penas acessórias desempenham uma função preventiva adjuvante da pena principal, com sentido e conteúdo não apenas de intimidação da generalidade, mas, também, de defesa contra a perigosidade individual – neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26 de maio de 2015 (Processo n.º 915/14.9SGLSB.L1-5, disponível em www.dgsi.pt).

Porque se trata de uma pena, ainda que acessória, deve o julgador, na sua graduação atender, também ao estabelecido no artigo 71.º do Código Penal, tendo presente que a sua finalidade (ao contrário da pena principal que visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente) assenta na censura da perigosidade.

Olhando a decisão recorrida, é forçoso concluir que o Tribunal a quo centrou a sua apreciação quanto à medida da pena acessória nas necessidades de prevenção geral e especial sentidas no caso concreto.

E nessa tarefa, podemos, desde já, afirmar que, contrariamente ao entendimento do recorrente, a sentença recorrida ponderou, de forma rigorosa, todas as circunstâncias factuais (quer as referentes à conduta delituosa, quer as pessoais do arguido), incluindo as relevantes de entre as enumeradas pelo Ministério Público no seu recurso, procedendo à determinação da medida concreta da pena principal e da pena acessória, em estrito cumprimento do estabelecido nos artigos 69º, 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal, não deixando de ter em vista as exigências subjacentes à aplicação da pena e as finalidades visadas pelo legislador ao estabelecer a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, quando em causa se encontra a prática de determinado tipo de ilícitos, ao considerar as elevadíssimas exigências de prevenção geral, atenta a frequência com que tais ilícitos ocorrem, e, por outro lado, as necessidades de prevenção especial.

Tal como entende o recorrente, também o Tribunal a quo entendeu que a ilicitude dos factos praticados é elevada, sendo intensas as necessidades de prevenção geral, importando passar à comunidade a mensagem adequada acerca das consequências (designadamente penais) que devem andar associadas à condução em estado de embriaguez, sobretudo quando estão em causa TAS tão elevadas como a do caso concreto.

No caso dos autos, não pode este Tribunal deixar de considerar a imagem global dos factos cometidos no episódio de vida em julgamento – a eles não pode deixar de estar associada uma séria preocupação com a perigosidade do comportamento e a adequação da mensagem que se passa para a comunidade ao fixarem-se as reações penais correspondentes.

Mas a ponderação não se pode quedar pela valorização das necessidades de prevenção geral.

Mas para além da ilicitude dos factos praticados (na qual o recorrente se centra), não pode o Tribunal deixar de sopesar as circunstâncias que se prendem com a pessoa do arguido. E foi isso que fez o Tribunal a quo.

Deverá reter-se que o artigo 69º do Código Penal, com a alteração introduzida pela Lei n.º 77/2001 de 13/7, agravou de modo significativo a moldura abstrata da mencionada pena acessória, alterando-a, no seu limite mínimo de 1 mês para 3 meses e, no seu limite máximo de 1 ano para 3 anos. A moldura abstrata da pena acessória apresenta-se com uma considerável amplitude, apta a permitir que o Tribunal adeque a reação penal às circunstâncias do caso concreto.

No caso em apreço o recorrente não discordou da escolha da pena principal [correspondente a pena de multa que até foi aplicada abaixo do meio da moldura abstrata], mas insurge-se com a medida da pena acessória [não obstante esta corresponder ao dobro do limite mínimo abstrato], por entender que “contra o arguido releva a crescente incidência deste tipo de crimes e a importância do bem jurídico que lhe está subjacente, mostrando-se elevadas as exigências de prevenção geral, que demandam uma maior necessidade de sancionamento com vista ao restabelecimento da confiança na norma violada” e que “Mostra-se, de igual modo, desfavorável para o arguido, o grau de culpa com que atuou, o qual se situa ao nível do dolo, bem como o elevado grau de ilicitude, patente na concreta taxa de álcool no sangue apresentada, já muito superior ao limite mínimo a partir do qual a prática dos factos em discussão constitui ilícito criminal”.

Centrando-se no grau de ilicitude dos factos e nas exigências de prevenção geral, o Ministério Público limita-se a afirmar que também as necessidades de prevenção especial são elevadas.

Mas, salvo o devido respeito, a avaliação que o Tribunal a quo fez das necessidades de prevenção especial mostra maior equilíbrio, na medida em que faz intervir a favor do arguido todas as circunstâncias atenuantes que a lei pretende ver consideradas, atingindo um resultado de maior proporcionalidade.

Se a finalidade da imposição da pena acessória é a de incutir no espírito do arguido/condutor a necessidade de observar rigorosamente as regras de cautela na condução e as obrigações que impendem sobre os condutores, não é indiferente o facto de estarmos perante um condutor primário (sem quaisquer antecedentes criminais, designadamente por crimes da mesma natureza) ou perante um outro que já cometeu e foi condenado, eventualmente por diversas vezes, por condução em estado de embriaguez. Do mesmo modo, não pode ser desatendida a personalidade do arguido, seja ela reveladora de capacidade de autocensura/autocrítica e arrependimento (como no caso dos autos) ou, pelo contrário (como ocorre em tantas outras situações) demonstrativa de indiferença perante o valor dos bens jurídicos colocados em perigo e desprezo pelas advertências solenes subjacentes às condenações anteriores.

Atentos todos os fatores a ponderar, uma conclusão se impõe: a aplicação da pena acessória na medida imposta pelo Tribunal a quo (6 meses) não evidencia qualquer violação das regras previstas nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal, nem revela qualquer desproporcionalidade que se imponha corrigir.

Tudo ponderado, afigura-se-nos ajustado que o arguido deva ficar proibido de conduzir veículos motorizados pelo período fixado de seis meses [bem acima do mínimo legal de três meses, por imposição das necessidades de prevenção geral, mas ainda assim bem afastado do seu limite máximo (3 anos), por estarmos perante um arguido que não tem antecedentes criminais e revela ter já interiorizado a necessidade de evitar qualquer recidiva]. Essa medida da pena acessória não pode ser qualificada de deficitária, revelando, antes, adequada ponderação da conduta provada e, nomeadamente quanto ao grau de perigosidade revelado, das circunstâncias pessoais do arguido.

A pretensão do recorrente de ver a medida da pena acessória agravada não pode, pois, proceder, sendo que nenhuma disposição legal foi preterida ou violada com a decisão proferida, antes se devendo considerar que a mesma ponderou, de forma cuidada e rigorosa, todos os elementos e factos constantes nos autos, procedendo a uma apreciação de todas as circunstâncias que militam a favor e contra o arguido e determinando, em rigoroso e estrito cumprimento das normas legais e constantes dos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal, a medida da pena a aplicar.

Diferentemente de outras situações (2), neste caso a pena acessória fixada na decisão recorrida revela-se proporcionada e mostra-se determinada no quadro dos princípios e normas legais e constitucionais aplicáveis, pelo que não deverá ser objeto de qualquer correção por parte deste Tribunal de Recurso

O recurso será, assim, face aos termos sobreditos, julgado improcedente.

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V. DECISÃO

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, em confirmar a douta decisão recorrida nos seus precisos termos.

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Sem custas.

D.N.

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O presente acórdão foi elaborado pelo Relator e por si integralmente revisto (art. 94º, n.º 2 do C.P.P.).

Évora, 19 de março de 2024

Jorge Antunes (Relator)

Artur Vargues (1º Adjunto)

Laura Goulart Maurício (2ª Adjunta)

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1 Cfr. Ac. Do STJ de 27 de maio de 2009 – Relator: Conselheiro Raúl Borges; acessível em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e11c50996991c5df802575f20052ae77?OpenDocument

2 De que é exemplificativo o recurso nº 46/23.0GCLLE.E1, igualmente proveniente do Juízo Local Criminal de …, Juiz …, que também nesta data foi julgado nesta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora. Em tal recurso, igualmente interposto pelo Ministério Público, vinha manifestada a discordância quanto à medida da pena acessória, igualmente fixada em 6 meses, peticionando também o MP a alteração para 12 meses. Tratava-se de caso de crime de condução em estado de embriaguez em que era também muito elevada a TAS apresentada pelo arguido (1,877g/l), mas ao contrário do caso destes autos, a condenação ali em apreço correspondia já à quinta vez que o arguido era condenado por esse tipo de crime, tendo ainda outros antecedentes criminais.