Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
12/24.9YREVR.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: SIGILO PROFISSIONAL
MEIOS DE PROVA
Data do Acordão: 01/18/2024
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Sumário:
A) O incidente de levantamento de sigilo exige o prévio cumprimento pelo tribunal de hierarquia inferior dos seguintes passos processuais:
1.º - O tribunal perante o qual a causa está pendente decide da admissão do meio de prova, em despacho sujeito às regras gerais de recurso;
2.º - Admitido o meio de prova, o tribunal solicita a colaboração da pessoa ou entidade visada;
3.º - Caso essa pessoa ou entidade recuse a colaboração solicitada, cabe ao tribunal decidir se a recusa é legítima ou ilegítima, procedendo às averiguações necessárias;
4.º - Decidindo que a recusa é ilegítima, por não se enquadrar em qualquer das condições mencionadas no art. 135.º n.º 2, segunda parte, do Código de Processo Penal, ordena a prestação da colaboração, em despacho igualmente sujeito às regras gerais de recurso;
5.º - Decidindo que a recusa é legítima, mas que a ponderação dos interesses em causa justifica a quebra do sigilo invocado, então sim, suscita o incidente de levantamento do sigilo junto do tribunal superior, que decidirá qual o interesse a prevalecer, nos termos do art. 135.º n.º 3 do Código de Processo Penal.
B) O tribunal superior não tem necessidade de intervir sempre, estando a sua intervenção reservada para as situações em que houve efectivamente uma escusa e se apurou ser tal escusa legítima, mas mesmo assim se considerou imperioso o levantamento do sigilo invocado, na ponderação dos interesses em presença.
(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Integral:
Consigna-se que se procedeu à consulta, através de acompanhamento electrónico, do Proc. n.º 1990/23.0T8FAR, a correr termos no Juízo Central Cível de Faro.
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Na audiência prévia realizada no dia 16.11.2023, a A. AA declarou manter o requerimento probatório que havia formulado na sua petição inicial, no sentido do Banco de Portugal ser notificado para informar nos autos “quais as contas, títulos de investimento mobiliário bem como seguros, Seguro Ramo Poupança/Capitalização e poupança reforma, e quais as respectivas instituições financeiras, de que eram titulares o cabeça-de-casal, desde 1 de Janeiro de 2002 até 31 de Abril de 2003. 2. Obtida esta informação requer-se que sejam notificadas as respectivas instituições financeiras, e aquelas que se encontram identificadas no presente requerimento, para que informem qual os movimentos e valor dos saldos existentes nas contas bancárias, títulos de investimento mobiliário bem como seguros, Seguro Ramo Poupança/Capitalização, poupança reforma e resgate das apólices de seguro do ramo vida «Renda Certa 2002 – 2.ª Série», e respectivos juros, nas datas mencionadas.”
Foi proferido despacho determinando a notificação do R. BB para, em 8 dias, “juntar aos autos Declaração a prestar consentimento para que o Banco de Portugal informe os autos sobre todas as contas e produtos financeiros, nos termos requeridos no ponto 1.) do requerimento probatório da Autora (fls.9), para além dos descritos nos artigos 15º e 16º da Petição Inicial (fls. 5 a 6 verso) e se existem outros em seu nome à data de 05/03/2003.”
Como o R. nada disse, foi proferido despacho notificando a A. “para, em 2 dias, esclarecer se pretende suscitar o incidente de levantamento do sigilo bancário, atendendo a que a informação a solicitar ao Banco de Portugal contende com o mesmo”.
A A. apresentou assim requerimento de levantamento do sigilo bancário e profissional junto do Banco de Portugal e, também, junto do Instituto de Seguros de Portugal (esta última entidade não consta do requerimento probatório apresentado com a petição inicial e admitido na audiência prévia, notando-se, de todo o modo, que tal entidade passou a denominar-se Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF) – art. 2.º n.º 1 do DL n.º 1/2015, de 6 de Janeiro).
Notificado, o R. voltou a nada dizer.
E foi proferido despacho considerando legítima a recusa do Banco de Portugal e do Instituto de Seguros de Portugal na prestação da informação solicitada e suscitando “o incidente de quebra do sigilo bancário perante o Tribunal da Relação de Évora, para que o Banco de Portugal e o Instituto de Seguros de Portugal possam informar a identificação das entidades bancárias onde as partes eram titulares de contas bancárias, à ordem ou a prazo, e de outras aplicações financeiras e respectivos saldos, existentes à data do divórcio, bem como de seguros do ramo poupança/capitalização e poupança reforma em 05.03.2003.”
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Aplicando o Direito, diremos desde já que os autos não se encontram, ainda, em condições para determinar a intervenção deste Tribunal.
O presente incidente está sujeito às regras dos arts. 417.º do Código de Processo Civil e 135.º do Código de Processo Penal, que nos escusamos aqui de reproduzir.
Mas deste conjunto normativo poderemos retirar os seguintes passos processuais a cumprir, para determinar a intervenção do Tribunal Superior em sede de incidente para levantamento do sigilo:
1.º - O Tribunal perante o qual a causa está pendente decide da admissão do meio de prova, em despacho sujeito às regras gerais de recurso;
2.º - Admitido o meio de prova, o Tribunal solicita a colaboração da pessoa ou entidade visada, nos termos gerais do art. 417.º n.º 1 do Código de Processo Civil;
3.º - Caso essa pessoa recuse a colaboração solicitada, nos termos do art. 417.º n.º 3 do Código de Processo Civil, cabe ao Tribunal decidir se a recusa é legítima ou ilegítima, procedendo às averiguações necessárias – art. 135.º n.º 2, primeira parte, do Código de Processo Penal;
4.º - Decidindo que a recusa é ilegítima, por não se enquadrar em qualquer das condições mencionadas naquele normativo, ordena a prestação da colaboração (mencionado art. 135.º n.º 2, segunda parte, do Código de Processo Penal), em despacho igualmente sujeito às regras gerais de recurso;
5.º - Decidindo que a recusa é legítima, mas que a ponderação dos interesses em causa justifica a quebra do sigilo invocado, então sim, suscita o incidente de levantamento do sigilo junto do Tribunal Superior, que decidirá qual o interesse a prevalecer, nos termos do art. 135.º n.º 3 do Código de Processo Penal.
Note-se que o Tribunal Superior não tem necessidade de intervir sempre, apenas o fazendo nos estritos limites traçados no art. 135.º n.º 3 do Código de Processo Penal, estando a sua intervenção reservada para as situações em que houve efectivamente uma escusa e se apurou ser tal escusa legítima, mas mesmo assim se considerou imperioso o levantamento do sigilo invocado, na ponderação dos interesses em presença.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-01-2014, Proc. 664/04.6TJVNF-C.P1, publicado em www.dgsi.pt, «verifica-se, assim, que existe um tratamento diferenciado para os casos de legitimidade e de ilegitimidade da escusa de prestação de informações por parte das instituições bancárias, sendo mais simples esta segunda hipótese, que é da competência do próprio tribunal onde a escusa tenha sido invocada, porquanto há tão somente que constatar a inexistência de sigilo e, apurada a ilegitimidade da escusa, determinar a prestação das informações. Já no caso da legitimidade da escusa, pois os elementos pretendidos acham-se cobertos pelo segredo, torna-se imprescindível desencadear o incidente de quebra de segredo para obrigar a entidade bancária a prestar tais elementos, sucedendo que o juízo sobre os interesses em conflito deverá, face ao texto legal, ser cometido a um tribunal superior.»
Não foi, porém, este o regime seguido na primeira instância.
Apenas se procedeu à admissão do meio de prova requerido, e de imediato se avançou para este procedimento, sem apurar se as entidades visadas invocavam sigilo bancário e profissional – e sem se garantir, também, que tais entidades tinham a possibilidade de exercer o seu contraditório neste incidente.
Mais, requereu-se, até, o levantamento de sigilo profissional junto de entidade em relação à qual não havia sido requerida qualquer colaboração e, consequentemente, admitida a produção de qualquer prova.
Falamos da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), que não consta do requerimento probatório, apenas se detectando referências à entidade que a antecedeu – o Instituto de Seguros de Portugal – no requerimento de levantamento de sigilo de 03.12.2023, sem que exista qualquer despacho determinando a ampliação do requerimento probatório também em relação a essa entidade.
Não estando reunidos, ainda, os legais pressupostos do incidente que poderiam determinar a intervenção deste Tribunal da Relação, recusa-se a sua apreciação e determina-se a devolução dos autos à primeira instância.
Custas pela parte vencida a final.
Notifique e comunique de imediato ao Proc. n.º 1990/23.0T8FAR.

Évora, 18-01-2024
a) Mário Branco Coelho