Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2190/17.4T8FAR.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: DANO BIOLÓGICO
DANO FUTURO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 06/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - O Réu BB, nas suas alegações recursivas, e no que tange aos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte ouvidas em audiência de julgamento, não indicou com exactidão quais as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, nomeadamente o minuto inicial do depoimento ou das declarações em causa e também não indicando o minuto final e, além disso, não colocando sequer qualquer referência a minutos iniciais ou finais dos depoimentos ou das declarações em causa, incumprindo assim, de forma directa e expressa, o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do CPC, não permitindo – de todo – localizar correctamente tais depoimentos ou declarações de parte, o que determina, sem mais, a imediata rejeição do recurso no que tange à impugnação da matéria de facto efectuada por aquele Réu.
- No cálculo da indemnização em dinheiro do dano futuro de incapacidade parcial permanente – dano biológico – importa seguir o entendimento, que ultimamente vem prevalecendo na jurisprudência dos nossos tribunais superiores, de que a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir, mas que se extinga no final do período provável de vida, tendo-se sempre presente o princípio da equidade que deverá presidir à fixação do valor em causa.
- Por outro lado, a indemnização por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico para que possa, de forma efectiva, satisfazer a finalidade a que se destina.
- Assim, temos como perfeitamente adequada e equilibrada, mostrando-se equitativamente ajustada, face às lesões sofridas no acidente e ao autêntico “calvário” por que passou o Autor, a atribuição ao lesado de uma indemnização no valor de € 85.000,00, a título de danos não patrimoniais, onde se inclui o dano biológico.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Relator: Rui Machado e Moura
1º Adjunto: José Manuel Barata
2º Adjunto: Ana Margarida Leite


P. 2190/17.4T8FAR.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

AA intentou a presente acção declarativa comum contra BB, Logo, S.A. (atual Generali Seguros, SA) e Fundo de Garantia Automóvel (FGA), pedindo que os RR. sejam condenados a pagar ao A. as seguintes quantias:
A) a quantia de € 2.815,74 a título de compensações devidas por danos morais complementares – Internamento, por cada dia de internamento (no Hospital ... de 7 de julho 2012 a 8 agosto de 2012, sendo que o Autor esteve inclusive em coma, o que perfaz 33 dias de internamento, peticionando-se € 30,78 por cada dia; e no Centro de Medicina ..., de 9 agosto de 2012 a 19 outubro de 2012, o que perfaz 72 dias de internamento, peticionando-se € 25,00 por cada dia);
B) a quantia de € 15.000,00, a título de dano estético, pelas diversas cicatrizes, em consequência do acidente;
C) a quantia de € 102.522,55 a título de danos patrimoniais futuros;
D) A quantia de € 25.000,00 a título de dano biológico (lesão à integridade física e/ou psíquica);
E) A quantia de € 25.000,00 a título de dano de afirmação pessoal (limitações que o lesado adquire do ponto de vista funcional e social, que interferem na sua capacidade de realização de atividades lúdicas e de lazer);
F) A quantia de € 30.000,00 a título do quantum doloris (dores, sofrimento, angústia, desespero, humilhação, défices cognitivos e vexames ocasionados pelas lesões e tratamentos;
G) A quantia que se vier a apurar, a ministrar diretamente, no futuro, todo o tipo de tratamentos, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso, suportando ainda os custos e encargos com a intervenções cirúrgicas, internamentos e valências de psiquiatria / psicologia, sendo tais quantias acrescidas de juros à taxa legal desde a citação até integral e efetivo pagamento.
Para o efeito veio o A. alegar, em síntese, que foi vítima de um acidente de viação enquanto passageiro do veículo de matrícula ..-..-GD, o qual se despistou, tendo sofrido ferimentos diversos que lhe provocaram vários danos patrimoniais e morais.
O R. BB, pessoal e regularmente citado, deduziu contestação invocando a sua ilegitimidade passiva em virtude de não ser o proprietário do veículo e do mesmo ter seguro de responsabilidade civil válido e eficaz, bem como a prescrição do direito e impugnando ainda os danos peticionados.
O R. FGA, pessoal e regularmente citado, deduziu contestação, na qual impugnou os danos peticionados.
Por sua vez a R. Generali Seguros, SA, pessoal e regularmente citada, deduziria contestação invocando a sua ilegitimidade passiva em virtude do veículo de matrícula ..-..-GD não ter contrato de seguro de responsabilidade civil válido e eficaz à data do sinistro, em virtude do seguro existente ter caducado por venda do veículo a terceiro em data anterior ao sinistro, bem como a prescrição do direito e impugnando também os danos peticionados.
O A. pugnou pela improcedência da excepção dilatória deduzida, bem como pela improcedência da excepção peremptória da prescrição.
Foi admitida a intervenção principal provocada de CC, o qual deduziu contestação nos termos da qual impugnou ser o proprietário do veículo em causa nos autos, bem como invocou a prescrição do direito do A. e impugnou os danos peticionados.
Veio a ser proferido despacho saneador, que fixou o valor da acção, o objecto do litígio e, ainda, os temas de prova.
De seguida, realizou-se a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença que julgou parcialmente procedente, por provada, a presente acção e, em consequência, decidiu:
a) Absolver os RR. Generali Seguros, S.A. e CC dos pedidos formulados pelo A.;
b) Condenar os RR. FGA e BB a pagarem, solidariamente, ao A. a quantia de € 110.000,00 a título de danos não patrimoniais (incluindo o dano biológico), acrescida de juros de mora desde o dia seguinte à data da prolação da sentença até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, absolvendo os mesmos do demais peticionado.

Inconformados com tal decisão dela apelaram os RR. FGA e BB, tendo apresentado para o efeito as suas alegações e conclusões de recurso.
Assim, quanto ao R. FGA, as conclusões de recurso apresentadas são as seguintes:
A) Embora se aceite que, o entendimento de não aplicação dos valores fixados pela Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, por estabelecerem valores mínimos de proposta razoável, o que é certo é que cada vez mais se verifica uma grande aproximação de valores face á jurisprudência superior mais recente.
B) Com o devido respeito, e não querendo, de todo, minimizar o sofrimento do Autor, mas face às lesões apresentadas Quantum Doloris de grau 5/7; Dano estético e repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 3/7, os nossos Tribunais superiores têm decidido, recorrendo, igualmente ao recurso a juízos de equidade, sendo certo que o valor global sentenciado, a título de danos não patrimoniais de € 110.000,00 que se mostram manifestamente exagerados e, salvo melhor opinião tal valor deveria ser fixado em € 50.000,00.
C) A douta sentença recorrida ao fixar os montantes indemnizatórios em termos de danos não patrimoniais, mesmo incluindo o dano biológico, violou, assim, o disposto nos artigos 494.º, 496.º e 562.º, todos do Código Civil.
D) Termos em que, revogando-se a douta sentença recorrida, no âmbito delimitado pelo objeto do presente recurso, se fará, como sempre, Justiça.

Por sua vez, quanto ao R. BB, as conclusões de recurso apresentadas são as seguintes:
1. Vem o presente recurso, que versa matéria de facto e de direito, interposto da, aliás douta, sentença de fls. … que julgando parcialmente procedente, por provada, a presente ação e decidiu Absolver os Réus Generali Seguros, SA e CC dos pedidos e condenar os Réus Fundo de Garantia Automóvel e BB a pagarem, solidariamente, ao Autor AA a quantia de € 110.000,00 a título de danos não patrimoniais (incluindo o dano biológico), acrescida de juros de mora desde o dia seguinte à data da prolação da sentença até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, absolvendo-os do demais peticionado.
- DO ERRO DE JULGAMENTO DE FACTO E DE DIREITO:
2. Diz a sentença recorrida que a convicção do Tribunal se alicerçou na análise crítica e ponderada dos seguintes meios de prova:
a) (…);
b) Nos documentos juntos aos autos, cujo teor não foi impugnado, designadamente:
9) Declarações feitas na averiguação da seguradora, de fls. 243 e 244;
3. Ora, salvo o devido respeito, as aludidas declarações foram expressamente impugnadas pelo Réu aqui recorrente, conforme decorre do item 25 da sua contestação, para além dos pontos 15 a 24 desse articulado em que impugna especificadamente ser o proprietário da viatura à data do acidente.
4. Nesse sentido, atente-se ainda no teor das declarações de parte e depoimentos de testemunhas indicadas pelo Réu aqui Recorrente, parcialmente transcritas na fundamentação de facto da sentença recorrida e que infirmam tal conclusão:
a) Declarações de parte do Recorrente, BB, o qual referiu em audiência de julgamento que “(…). A declaração de fls. 243 tem a sua letra e assinatura, mas escreveu a mando de alguém. Alguém o abordou para fazer e não ter problemas e acabou por assinar. Assinou pensando que tal facto não o ia prejudicar e para não arranjar problemas ao cunhado. A data foi sugerida por quem lhe disse para escrever. Era uma pessoa da seguradora, mas não lhe disse quem era. Esteve com o carro 2 semanas e o cunhado foi para o ... em outubro. (…). O carro apenas foi emprestado porque o cunhado não precisava dele. Não combinaram qualquer preço. (…)”
b) Declarações de parte do Chamado, CC, cunhado e amigo do Réu BB, o qual em audiência de julgamento referiu que “pretendia emigrar e entregou o automóvel em causa nos autos ao cunhado porque ele manifestou interesse em ficar com ele. Não acordaram preço nem comunicaram à seguradora, nem sabia que era preciso comunicar. Deu-lhe o carro para ele experimentar. Depois do acidente, disseram- lhe para assinar um papel e ir para o ... descansado e assinou. Era um Sr. da seguradora, a quem disse que tinha dado o carro ao BB para ele andar
e foi aconselhado a fazer o papel e dizer que tinha vendido para não ter problemas porque ia viajar. Ele andou 2 semanas com o carro. (…). O perito é que ditou o que escreveu. Chegou a ter um papel no veículo a anunciar a venda no carro, mas quando o BB começou a andar com ele tirou-o, tendo falado em vender por cerca de € 2.000,00, mas não acertaram o valor. Foi só apalavrado, mas não fizeram papéis.
Depoimento das testemunhas arroladas pelo Réu, aqui Recorrente:
II) DD, (…). O carro era do CC, mas o BB andava com ele várias vezes.
III) EE, “(…). O carro era do CC e acha que estava empestado ao BB.”
IV) FF, mulher do Réu BB, estando separados há 5 ou 6 anos e irmã do Réu CC, a qual referiu que o seu irmão ia viver para o estrangeiro e queira vender o carro, tendo alado com o seu marido que disse que gostaria de comprá-lo e o CC emprestou-lhe o carro para ele experimentar. O CC sempre lhe emprestou carros. Não falaram em preço. Um senhor da seguradora sugeriu ao CC que ele fizesse uns papéis para não ter problemas já que se ia embora do país. O carro não foi vendido, tinha seguro e ficaram prejudicados com esta situação.”
5. Dúvidas não restam que o Recorrente impugnou os documentos de fls. 243 e 244, ocorrendo erro na apreciação e valoração da prova por parte do tribunal «a quo».
6. No que se reporta aos factos dados como provados em 32 e 33, a saber:
“32) No dia 24 de junho de 2012 o Réu CC vendeu o veículo de matrícula ..-..- GD ao Réu BB Cfr. declarações prestadas pelos Senhores CC e GG que ora se juntam e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais sob o documento (artigo 19º da contestação da Ré Generali Seguros, SA). 33) O Réu BB utilizava o veículo de matrícula ..-..-GD no seu próprio e exclusivo interesse (artigo 23º da contestação do Réu CC), o tribunal «a quo» entendeu estarem provados com base na autoridade de caso julgado relativamente aos Réus Fundo de Garantia Automóvel e BB.”
7. Neste segmento a douta sentença, ao aludir a uma decisão proferida no âmbito de um Proc. n.º 2081/16...., padece de lapso manifesto.
8. Mas ainda que a sentença se esteja a referir à decisão proferida no âmbito da ação declarativa de condenação n.º 1076/13.... do Juízo de Competência Genérica ...- Juiz ... (o que se presume), sempre se dirá que não se vislumbra verificar-se a aludida autoridade de caso julgado como refere a decisão recorrida, porquanto para que isso sucedesse impunha-se a tríplice identidade, como seja, serem as partes as mesmas, assim como o pedido e a causa de pedir, o que no caso não se verifica, dado que naquele outro processo apenas intervieram como partes a empresa GP-Saúde – Sociedade Gestora de (…), SA., na qualidade de Autora, e o Fundo de Garantia Automóvel e o aqui Recorrente BB na qualidade de Réus, ao passo que nos presentes autos as partes não são as mesmas, assim como são diferentes o pedido e a causa de pedir. Ademais,
9. Nos presentes autos a Mmª Juiz a quo fixou em sede de despacho saneador o seguinte objecto do litígio:
a) Apurar se o direito peticionado pelo Autor se encontra prescrito;
b) Em caso negativo, apurar a responsabilidade no acidente de viação em causa nos autos, bem como se existia ou não seguro válido relativo ao veículo a quem o Autor imputa a responsabilidade no despiste dos autos e no qual seguia como passageiro;
c) Caso se conclua que há obrigação de indemnizar por parte de alguns dos Réus, apurar quais os danos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo Autor na sequência do acidente de viação dos autos e que devem ser indemnizados.
10. E decidiu serem os seguintes os temas da prova:
1) Circunstâncias em que ocorreu o despiste do veículo de matrícula ..-..-GD em causa nos autos no qual o Autor seguia como passageiro;
2) Conhecimento do estado de embriaguez do condutor do veículo de matrícula ..- ..-GD por parte do Autor antes do despiste;
3) Lesões, respetivas sequelas, incapacidades, despesas, perdas de ganho e incómodos sofridos pelo Autor em consequência do acidente de viação de que foi vítima;
4) Proprietário do veículo de matrícula ..-..-GD e se o veículo tinha seguro de responsabilidade civil titulado pela apólice n.º ...14 na data do acidente.
11. Ora, pese embora tenha carreado para o objecto do litígio e para os temas da prova a questão, fundamental, de apurar quem era o Proprietário do veículo de matrícula ..-..-GD e se o veículo tinha seguro de responsabilidade civil titulado pela apólice n.º ...14 na data do acidente, o tribunal «a quo» proferiu decisão com base em documentação já existente nos autos à data da prolação do despacho saneador, concretamente a certidão da sentença exarada no âmbito do processo n.º 1076/13.... do Juízo de Competência Genérica ...- Juiz ....
12. Entretanto, na convicção de que essa matéria estava em discussão, convicção criada pelo tribunal a quo, o aqui Recorrente indicou tempestivamente os meios de prova quanto a essas questões, no sentido de provar em julgamento que não era o proprietário do veículo à data do acidente e que a viatura possuía seguro válido e eficaz transferido para a co-Ré, Generali Seguros SA. titulado pela apólice n.º ...14.
13. Nesse sentido, atente-se uma vez mais no teor das declarações de parte e depoimentos de testemunhas parcialmente transcritas supra, e cujo teor a douta sentença também reproduziu em sumula como segue:
- Declarações de parte do Recorrente, BB, o qual referiu que deu boleia ao Autor de uma discoteca para ..., apesar de inicialmente ter recusado, sendo aquele que insistiu que o trouxesse. Encadeou-se com o sol e entrou em despiste. O carro não o comprou ao cunhado antes da data do acidente, mas tendo havido intenção de venda quando ele fosse para o .... A declaração e fls. 243 tem a sua letra e assinatura, mas escreveu a mando de alguém. Alguém o abordou para fazer e não ter problemas e acabou por assinar. Assinou pensando que tal facto não o ia prejudicar e para não arranjar problemas ao cunhado. A data foi sugerida por quem lhe disse para escrever. Era uma pessoa da seguradora, mas não lhe disse que era. Esteve com o carro 2 semanas e o cunhado foi para o ... em outubro. O Autor sabia que o declarante tinha bebido álcool e insistiu em ir consigo. O carro apenas foi emprestado porque o cunhado não precisava dele. Não combinaram qualquer preço. Não sabia que o carro ia ficar sem seguro.
- Declarações de parte do Chamado, CC, cunhado e amigo do Réu BB, o qual referiu que pretendia emigrar e entregou o automóvel em causa nos autos ao cunhado porque ele manifestou interesse em ficar com ele. Não acordaram preço nem comunicaram à seguradora, nem sabia que era preciso comunicar. Deu-lhe o carro para ele experimentar. Depois do acidente, disseram-lhe para assinar um papel e ir para o ... descansado e assinou. Era um Sr. da seguradora, a quem disse que tinha dado o carro ao BB para ele andar e foi aconselhado a fazer o papel e dizer que tinha vendido para não ter problemas porque ia viajar. Ele andou 2 semanas com o carro. Não sabia as consequências da venda. O carro foi para abate e depois do acidente acordaram um preço de cerca de € 2.000,00. Antes do acidente, chegaram a falar de valores, mas não acordaram o valor certo. O perito é que ditou o que escreveu. Chegou a ter um papel no veículo a anunciar a venda no carro, mas quando o BB começou a andar com ele tirou-o, tendo falado em vender por cerca de € 2.000,00, mas não acertaram o valor. Foi só apalavrado, mas não fizeram papéis.
Depoimento das testemunhas do Réu, aqui Recorrente:
II) DD, motorista manobrador e amigo dos Réus BB e CC, o qual referiu que estava na discoteca na noite do acidente e viu o BB a beber. O carro era do CC, mas o BB andava com ele várias vezes.
III) EE, amigo dos Réus BB e CC, o qual referiu que foi à discoteca na noite do acidente estiveram todos a beber, não sabendo o que cada um bebeu. O Autor insistiu bastante para ir com o BB de boleia. O carro era do CC e acha que estava empestado ao BB.
IV) FF, mulher do Réu BB, estando separados há 5 ou 6 anos e irmão do Réu CC, a qual referiu que o seu irmão ia viver para o estrangeiro e queira vender o carro, tendo alado com o seu marido que disse que gostaria de comprá-lo e o CC emprestou-lhe o carro para ele experimentar. O CC sempre lhe emprestou carros. Não falaram em preço. Um senhor da seguradora sugeriu ao CC que ele fizesse uns papéis para não ter problemas já que se ia embora do país. O carro não foi vendido, tinha seguro e ficaram prejudicados com esta situação.
14. Foi o Recorrente surpreendido com a decisão aqui em crise que não valorou a prova produzida em julgamento no âmbito dos presentes autos quanto à questão da propriedade do veículo matrícula ..-..-GD e a consequente existência de seguro válido e eficaz transferido para a seguradora por contrato de seguro titulado pela apólice nº ...14, tendo assente a sua decisão de facto na aludida sentença por apelo à autoridade de caso julgado.
15. Ou seja, o douto tribunal a quo criou na parte a expectativa de que a decisão de facto seria tomada com base na prova a produzir nestes autos, levando-a a praticar uma actividade processual que sabia, de antemão, ser inconsequente, o que contraria a proibição legal da prática no processo de actos inúteis (artigo 130.º do CPC).
16. Com a devida vénia, mal andou o tribunal a quo ao valorar e julgar provados os pontos 32 e 33 com base na aludida autoridade de caso julgado, que não se verifica no caso vertente.
17. A prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e que acima ficou transcrita, contraria claramente o teor dos pontos 32 e 33 da matéria provada. Essa prova impõe decisão diversa da que foi dada pelo tribunal a quo que, por via disso, incorreu em erro de julgamento quanto à matéria neles contida.
18. Requer-se assim que os aludidos pontos da matéria de facto sejam objecto de reapreciação por V. Exas., julgando-se os mesmos não provados com as legais consequências. Sem prescindir, nem conceder,
– DO EXCESSIVO QUANTUM INDEMNIZATÓRIO:
19. A sentença recorrida condenou os Réus Fundo de Garantia Automóvel e BB a pagarem, solidariamente, ao Autor AA a quantia de € 110.000,00 (cento e dez mil euros) a título de danos não patrimoniais (incluindo o dano biológico), acrescida de juros de mora desde o dia seguinte à data da prolação da sentença até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, absolvendo-os do demais peticionado.
20. Com a devida vénia, tem-se por excessivo o valor indemnizatório fixado na douta sentença. Vejamos porquê:
21. Nos presentes autos provou-se que o A. como consequência do acidente sofreu lesões, e do relatório de perícia médico-legal resultou que:
III) Consolidação das lesões em 17-05-2013;
IV) Défice Funcional Temporário Total de 314 dias;
V) Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total – 158 dias;
VI) Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial – 155 dias;
VII) um Quantum Doloris no grau 5/7;
VIII) um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 9,84 pontos em 100;
IX) Repercussão Permanente na Atividade Profissional impeditivas da atividade profissional habitual, mas compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional;
X) Dano Estético Permanente no grau entre 3/7 e 4/7;
XI) Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer no grau entre 3/7 e 5/7;
22. A Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio fixou os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, valores actualizados pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho.
23. Note-se que a portaria em apreço propõe para um jovem que não iniciou vida laboral (como sucede no caso vertente), e que fique portador de uma Incapacidade Permanente Absoluta (IPA), uma indemnização até € 150.000,00, sendo que o direito à vida aí surge avaliado em € 61.560,00.
24. No caso dos autos estamos a perante um jovem que fixou portador de uma IPP fixável em 9,84, ou seja, com uma capacidade restante superior a 90%.
25. Nesta situação a portaria propõe uma verba até 25.650,00 (vinte e cinco mil seiscentos e cinquenta euros) que se afigura ajustada.
26. O quantum doloris no caso dos autos é de grau 5, numa escalar de 7. Segundo a portaria actualizada esse dano é ressarcível em € 1.641,60.
27. Quanto ao dano estético que no caso dos autos pode ser de grau 3 ou 4 numa escala de 7, segundo as portarias seria indemnizável em € 4.104,00 (o grau 4).
28. Ou seja, segundo as portarias em apreço, estamos a falar num valor indemnizatório na ordem dos € 31.395,60 muito longe dos € 110.000,00 arbitrados pelo tribunal a quo.
29. Destarte, tendo presente os valores indemnizatórios constantes das portarias n.ºs 377/2008, de 26 de Maio e 679/2009, de 25 de Junho, o valor que o tribunal a quo fixou globalmente a titulo de “dano biológico” subsumindo-o à categoria de danos não patrimoniais, mostra-se excessivo, impondo-se a sua reformulação para um valor mais próximo dos € 31.395,60 (trinta e um mil, trezentos e noventa e cinco euros e sessenta cêntimos), que se afigura mais ajustada à situação dos autos.
30. Nesta confluência, pela errada interpretação e aplicação que deles fez a douta decisão recorrida viola, entre outras, as seguintes disposições e diplomas legais:
- Do Código de Processo Civil: artigos 3.º, n.º 3, 130.º, 152.º, 154.º, 195.º, 196.º, 572.º, 573.º, 574.º, 576.º, 577.º, 578.º, 579.º, 580.º, 581.º, 590.º, 591.º, 595.º, 596.º, 608.º, 613.º, 614.º, 615.º, 619.º e 621.º;
Da Constituição da República Portuguesa: 20.º, n.º 4;
Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio;
Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho.
31. Nestes termos, e nos melhores de Direito, que V. Exas, doutamente suprirão, vem requerer que seja concedido provimento ao presente recurso, e consequentemente:
a) Procedam V. Exas. à reapreciação da matéria constante dos pontos 32 e 33 dos factos provados, julgando-a não provada com as legais consequências;
b) Ou, quando assim doutamente se não decida, que seja declarada a nulidade da decisão recorrida por omissão de valoração de prova produzida em julgamento;
c) Em qualquer das hipóteses que seja reformulado o quantum do valor indemnizatório arbitrado ao Autor, decidindo V. Exas. por uma quantia na ordem dos € 31.395,60 (trinta e um mil, trezentos e noventa e cinco euros e sessenta cêntimos), que se afigura mais ajustada à situação dos autos;
d) Todavia, V. Exas, Venerandos Desembargadores, farão a costumada Justiça.

Pela Ré Generali Seguros, S.A. foram apresentadas contra alegações de recurso, nas quais pugna pela manutenção da sentença recorrida.
Foram colhidos os vistos juntos dos Ex.mos Juízes Adjuntos – cfr. artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que os recorrentes rematam a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável aos recorrentes (artigo 635.º, n.º 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4 do mesmo artigo 635.º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação dos recorrentes, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço – no que tange às conclusões da alegação de recurso apresentadas pela Ré FGA, ora apelante – o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se a indemnização arbitrada ao Autor (a título de danos não patrimoniais aí se incluindo o dano biológico), deverá ser reduzida para o montante de € 50.000,00.
Por outro lado – relativamente às conclusões da alegação de recurso apresentadas pelo Réu BB, ora apelante – o seu objecto está delimitado pela apreciação das seguintes questões:
1º) Saber se foi incorrectamente valorada pelo tribunal a quo a prova carreada para os autos e, por via disso, deve ser alterada a factualidade dada como provada e não provada;
2º) Saber se a indemnização arbitrada ao Autor (a título de danos não patrimoniais aí se incluindo o dano biológico), deverá ser reduzida para a quantia de € 31.395,60.

Antes de nos pronunciarmos sobre as questões supra referidas importa ter presente qual a factualidade que foi dada como provada no tribunal a quo e que, de imediato, passamos a transcrever:
1) No dia 7 de julho de 2012, pelas 06.30 horas, ao km 121 da EN ...25, na localidade de ..., concelho ..., no sentido ..., o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-GD era conduzido pelo Réu GG (artigo 31º da petição inicial).
2) No veículo de matrícula ..-..-GD seguia como passageiro, no banco da frente, o Autor AA (artigo 32º da petição inicial).
3) O Réu BB e condutor do veículo de matrícula ..-..-GD seguia na hemi-faixa da direita atento o seu sentido de trânsito, a velocidade não concretamente apurada, entrou em despiste e invadiu a berma direita que tinha 4,10 m de largura, indo colidir com a lateral direita do seu veículo numa casa adjacente à faixa de rodagem, deixando impressa na parede da mesma um vinco com 6 m de comprimento (artigos 33º e 34º da petição inicial).
4) Quando retomou a faixa de rodagem, o veículo de matrícula ..-..-GD derrubou o semáforo e foi colidir frontalmente com uma outra casa também adjacente à faixa de rodagem, do lado direito, onde ficou imobilizado (artigo 35º da petição inicial).
5) O local do acidente apresenta as seguintes características:
a) Estrada com largura entre bermas de sete metros;
b) Reta com boa visibilidade;
c) Existência de sinalização vertical, horizontal e luminosa;
d) Boas condições atmosféricas (artigo 37º da petição inicial-parte).
6) O veículo de matrícula ..-..-GD deixou marcas de derrapagem impressas no pavimento, imediatamente antes do local da primeira colisão (artigo 10º da petição inicial).
7) O Réu BB conduzia o referido veículo de matrícula ..-..-GD apresentando uma taxa de alcoolémia no sangue de 1,02 g/l (artigo 36º da petição inicial).
8) Em consequência do despiste, o Autor foi levado inconsciente do local pelo INEM, tendo sido assistido no Hospital ..., tendo-lhe sido realizado diversos exames médicos, apresentando vários hematomas, fraturas, traumatismo intracraniano, tendo neste seguimento, tido alta da serviço de urgência para o serviço de internamento – unidade de cuidados intermédios, devido ao seu estado de saúde, onde permaneceu internado em coma, desde o dia 7 de Julho até dia 8 de Agosto de 2012, data a partir da qual e até 19 de Outubro de 2012, ficou internado no Centro de Medicina ..., onde teve entre outros, tratamentos de fisioterapia (artigo 38º da petição inicial).
9) Em 18 de julho de 2012, o Autor foi submetido a cirurgia para uma traqueostomia (artigo 39º da petição inicial).
10) Foram-lhe diagnosticadas as seguintes lesões:
• traumatismo craniano lateral de impacto elevado;
• traumatismo da face;
• traumatismo do pescoço;
• traumatismo da região dorso-lombar;
• traumatismo dos membros superiores e membro inferior direito (artigo 41º da petição inicial).
11) Em consequência do embate, o Autor:
I) Sofreu traumatismo crânio-encefálico com perda de conhecimento e traumatismo toraco-abdominal e apresenta como sequelas:
II) Perturbações cognitivas com alterações de humor, perturbações de sono e da memória, bem como dificuldade na coordenação motora do membro superior esquerdo e ainda cefaleias ocasionais e perturbações da visão (miopia), tendo a acuidade visual diminuído, necessitando de prótese ocular;
Crânio - Cicatriz linear na região frontal direita com 7 cm e complexo cicatricial irregular na região frontão parietal direita numa área de 7*5 sem deformidade aparente da calotecraniana. Diminuição da acuidade visual com necessidade de prótese ocular
Pescoço - área cicatricial em forma estrelada a nível da fúrcula esternal de 3*2 cm, correspondente a provável incisão de traqueostomia e outra de 2*0,5 cm na região lateral do hemotórax direito correspondente a ponto de dreno torácico
Membro superior esquerdo - dor residual do ombro direito com boa mobilidade ativa e passiva;
III) Consolidação das lesões em 17-05-2013;
IV) Défice Funcional Temporário: total de 314 dias;
V) Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total- 158 dias;
VI) Período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial- 155 dias;
VII) um Quantum Doloris no grau 5/7;
VIII) um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 9,84 pontos em 100;
IX) Repercussão Permanente na Atividade Profissional- impeditivas da atividade profissional habitual, mas compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional;
X) Dano Estético Permanente no grau entre 3/7 e 4/7;
XI) Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer no grau entre 3/7 e 5/7;
XII) O Autor necessita de ajudas medicamentosas consultas de oftalmologia, uso de óculos e analgésicos (artigos 46º a 49º e 51º a 53º da petição inicial e relatório pericial).
12) O Autor tinha grandes ambições e visionava um futuro no clube de ... ... (artigo 40º da petição inicial-parte).
13) Após estes tratamentos todos, o Autor, que sofreu durante o tratamento, atentas as cirurgias a que foi sujeito e as limitações de que padecia, ficou angustiado, desesperado e frustrado, tendo lhe sido igualmente diagnosticado um status pós-traumatismo crânio-encefálico moderado, a 26 de outubro de 2012, sendo que nesta altura, parecer já não apresentar défices de movimento valorizáveis e na haver inconveniente que se desloque a esses serviços, apresentava, sem margem de dúvida, amnésia pós-traumática com défices de memória e défices de raciocínio lógico (artigos 41º-parte e 42º da petição inicial).
14) Um ano depois do acidente, o Autor necessitou de acompanhamento psicológico, devido ao trauma de que foi vitima e que afetar a sua vida, tendo no ano de 2013, entrado num estado de revolta e depressão, tornando-se agressivo inclusive (artigo 44º da petição inicial).
15) O Autor foi seguido no CMR Sul, pelo gabinete de psicologia clínica / neuropsicologia, sendo relatado a informação clinica do Autor, onde refere que “Desde a admissão a internamento (08.08.2012) até 19.10.2012, o doente veio a revelar importantes melhorias (tendo em conta o seu status inicial). Nos domínios cognitivo e psicológico todavia, mais do que exclusivamente os desempenhos em provas quantitativas (ainda deficitários face à normal), é em funcionalidade qualitativa (ou naquilo que consegue efetivamente fazer), que deverá ser observado”, “Mantinha alterações neuropsicológicas ligeiras a moderadas (consoante função) com interferência em funcionalidade. Ainda atribuía pouco significado emocional a diferenças que pudessem existir no seu comportamento e cognição, embora mantivesse motivação em tratamento. Necessitava de continuidade de reforço no processo de adaptação às limitações. Mantinha dificuldades ligeiras nas funções executivas expressas essencialmente em comportamento e inibição: interação social moderadamente ajustada no setting “um para um” – preocupação com tal e esforços ao controlo inibitório. Na atenção, dificuldade em manter o foco durante a realização das tarefas, o que prejudica, por vezes, o seu desempenho; apresentava baixa iniciativa. No que se refere a memória (componente auditivo-verbal) sem pistas associativas, naquela data, matinha alterações: retenção imediata normativa; alteração morada a acentuada na evocação imediata; alteração moderada a acentuada na evolução na aprendizagem; sem importantes efeitos de contraste (embora tendesse a instruções por difusão da informação); alteração moderada a acentuada na evocação diferida; alteração moderada na percentagem de retenção e alteração moderada no reconhecimento diferido. Assim mantinha dificuldades tanto de codificação como de armazenamento (principalmente este) de informação.” (artigo 45º da petição inicial).
16) O Autor não procura garantir a sua independência financeira, estando desempregado, não tem planos para o seu futuro, não tendo melhorado a título cognitivo, com défices de memória, concentração, atenção e cálculo e na interação social com outras pessoas (artigo 51º da petição inicial).
17) A nível profissional, o Autor, ficou bastante afetado, pois tinha um futuro promissor, como jogador de ..., sendo que o Autor, era portador do nº de licença nº ... da Federação Portuguesa de ..., e representou o ..., nas épocas de 2006 a 2012, sendo que na altura do acidente de viação, na época desportiva 2012- 2013, representava a equipa de juniores, que participa no Campeonato Nacional da ... (ponto 3 da petição inicial).
18) O Autor era um jogador de ... no clube ..., tendo pela frente uma carreira profissional no ..., tendo ficado sem emprega/carreira, aquando do acidente, devido as sequelas e lesões de que foi vitima, no âmbito do acidente de viação (ponto 4 da petição inicial).
19) O Autor que era um jovem com um futuro promissor como jogador de ..., visando concluir os estudos, era pessoa jovem, com os seus 18 anos, alegre, bem-disposta, simpático, educado, com projetos para um futuro melhor, em pleno vigor, era fisicamente bem constituído e saudável, sem qualquer defeito físico (ponto 4 da petição inicial).
20) Atualmente é uma pessoa triste, amargurada, revoltada, tendo inclusive episódios de agressividade, tendo os défices cognitivos se mantendo e prejudicado por completo a vida do Autor, o que tem afetado gravemente os progenitores do Autor (ponto 7 da petição inicial).
21) As dores, a mobilidade limitada, as dificuldades em dormir e o sono agitado, a falta de independência e autonomia, que ainda hoje persistem, causaram na Autor, grave angústia, sofrimento, desespero, desilusão e tristeza (ponto 11 da petição inicial).
22) O acidente causa no Autor, frequentemente uma situação de revivescência do mesmo, sempre que se olha a si próprio, ou sente dores (ponto 15 da petição inicial).
23) O Autor deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido BB e contra o Fundo de Garantia Automóvel no processo crime n.º 599/12.... do Juízo de Competência Genérica ... - Juiz ..., peticionando a condenação no pagamento de um valor quantitativo a título de danos não patrimoniais e patrimoniais na sequência dos feriem-nos sofridos enquanto passageiro do veículo de matrícula ..-..-GD, tendo sido decidido, por despacho judicial proferido e notificado em data posterior a 23 de junho de 2016 remeter as partes para os tribunais civis porquanto a apreciação e julgamento do pedido cível deduzido pelo demandante AA conduziria a um retardamento intolerável da matéria criminal (artigos 2º a 7º da petição inicial).
24) A ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum n.º 1076/13.... do Juízo de Competência Genérica ...- Juiz ... foi intentado por GP-Saúde – Sociedade Gestora de (…), SA contra Fundo de Garantia Automóvel, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 26.845,78, acrescida de juros de mora vencidos no valor de € 408,94 e vincendos até integral pagamento (artigo 26º da petição inicial).
25) GP-Saúde – Sociedade Gestora de (…), SA alega que prestou serviços de saúde a AA em virtude de acidente de viação ocorrido em 7 de julho de 2012, no qual foi interveniente o veículo automóvel de matrícula ..-..-GD conduzido por BB e no qual seguia como passageiro o seu paciente, não tendo sido localizado seguro obrigatório de responsabilidade civil daquele veículo (artigo 23º da contestação da Ré Generali Seguros, SA).
26) O Fundo de Garantia Automóvel, na sua contestação, assumiu que não existia seguro válido e eficaz, impugnando o montante da indemnização a pagar e invocou a sua ilegitimidade passiva em virtude de haver litisconsórcio necessário com o condutor do veículo ..-..-GD, tendo o GP-Saúde – Sociedade Gestora de (…), SA requerido a intervenção principal provocada de BB, o qual, na sua contestação, invocou a existência de seguro de responsabilidade civil emergente de acidente de viação do veículo ..-..-GD na Seguros Logo, SA, sendo o proprietário do veículo CC, tendo sido admitida a intervenção principal provocada da Seguros Logo, SA que, na sua contestação, invocou a inexistência de seguro de responsabilidade civil automóvel na sequência da venda do veículo, em 24 de junho de 2012, a BB, pelo que cessou o contrato de seguro em vigor (artigo 23º da contestação da Ré Generali Seguros, SA).
27) Na sentença do processo n.º 1076/13...., transitada em julgado em 03-11-2017, deu-se como provado, com relevância para os autos:
- “(…) 4. No dia 07 de julho de 2012, ao km 121 da EN ...25, na localidade de ..., no sentido ... ocorreu um acidente de viação, no qual foi interveniente o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-GD, conduzido por BB, o qual entrou em despiste e colidiu com uma casa adjacente à via pública.
5- Nessa sequência, a Guarda Nacional Republicana do Destacamento Territorial ... lavrou auto de ocorrência, tendo apurado que o condutor do veículo referido em 4) conduzia o mesmo com a taxa de álcool no sangue 1,02 g/l.
6. No veículo referido em 4) seguia como passageiro AA, a quem o Autor prestou cuidados médicos.
7. Em consequência do acidente de viação referido em 4), AA sofreu graves ferimentos corporais, tendo sido subsequentemente encaminhado para o CM..., no qual ficou internado um total de 58 dias.
8. Em consequência do acidente referido em 4) AA necessitou de acompanhamento regular da evolução da sua condição física no CM... consubstanciado em consultas médicas, sessões terapêuticas, ajudas técnicas, atribuídas a pessoas com limitações funcionais, entre outros.
9. Os cuidados de saúde prestados a AA foram-no entre agosto de 2012 e fevereiro de 2013 e ascenderam ao valor global de € 26.845,76.
10. Não foi localizado seguro de responsabilidade civil automóvel válido que garantisse à data mencionada em 4), os danos decorrentes da circulação do veículo com a matrícula ..-..-GD.
11. Na sequência do referido em 10) a Autora solicitou ao Fundo de Garantia Automóvel o pagamento das despesas de saúde referidas em 9).
12. O Fundo de Garantia Automóvel assumiu a responsabilidade pela inexistência de seguro de responsabilidade civil automóvel válido e eficaz à data do acidente, mas recusou o pagamento da totalidade da dívida, alegando que 25% das despesas de saúde não deveriam ser por si suportadas, alegando que (…) o passageiro da viatura sem seguro ao aceitar ser transportado por um condutor com uma taxa de álcool no sangue de 1,02 g/l, colocou-se a si próprio numa situação e risco (…).
13. O Autor não aceitou a posição assumida pelo Fundo de Garantia Automóvel.
14. À data do acidente mencionado em 4) a propriedade do veículo automóvel encontrava-se inscrita a favor de CC.
15. No exercício da sua atividade comercial, a chamada Seguros Logo, SA, celebrou em 29.02.2012, com CC, um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice n.º ...14, mediante o qual garantiu a responsabilidade civil inerente à circulação do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-GD.
16. Na data referida em 15) CC era o proprietário e condutor habitual do veículo ....
17. Em 24.06.2012, CC vendeu o veículo GD a BB.” (artigo 24º da contestação da Ré Generali Seguros, SA).
28) Na sentença do processo n.º 1076/13...., transitada em julgado em 03-11-2017, deu-se como não provado que “À data do sinistro em 4) a responsabilidade pelo risco de circulação do veículo automóvel com a matrícula ..-..-GD encontrava-se transferida através da apólice n.º ...14 para a Seguros Logo, SA.” (artigo 24º da contestação da Ré Generali Seguros, SA).
29) No referido processo n.º 1076/13...., por decisão transitada em julgado em 03-11-2017, com aplicação do DL 218/99, de 15 de junho, foi decidido:
“1) Absolvo a chamada, Seguros Logo, SA, do pedido contra si formulado;
2) Condeno solidariamente os Réus, Fundo de Garantia Automóvel e BB a pagar à Autora a quantia de € 26.845,78 (…) acrescida de juros de mora vencidos, no valor de € 408,94 (…) e ainda nos vincendos até efetivo e integral pagamento, à taxa de 4%”, tal como resulta de fls. 77 a 92, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 24º da contestação da Ré Generali Seguros, SA).
30) O Autor nasceu em .../.../1994 (artigo 40º da petição inicial – parte).
31) No exercício da sua atividade comercial, no dia 29.02.2012, a Ré Generali Seguros, SA (anterior Logo, SA) celebrou um contrato de seguro do ramo automóvel com o Réu CC, titulado pela apólice n.º ...14, mediante o qual garantiu a responsabilidade civil inerente à circulação do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-..-GD de que este era proprietário e condutor habitual (artigos 17º e 18º da contestação da Ré Generali Seguros, SA).
32) No dia 24 de junho de 2012 o Réu (…) vendeu o veículo de matrícula ..-..-GD ao Réu BB Cfr. declarações prestadas pelos Senhores CC e GG que ora se juntam e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais sob o documento (artigo 19º da contestação da Ré Generali Seguros, SA).
33) O Réu BB utilizava o veículo de matrícula ..-..-GD no seu próprio e exclusivo interesse (artigo 23º da contestação do Réu CC).
34) A presente ação foi intentada em 7 de julho de 2017, a Ré Generali Seguros, SA foi citada em 17 de agosto de 2017, o Réu BB foi citado em 29 de maio de 2018 e o Réu CC foi citado em 14 de maio de 2019.

Apreciando agora os dois recursos em causa desde já adiantamos que iremos conhecer, de imediato, daquele que foi interposto pelo R. BB e, nomeadamente, quanto à primeira questão por ele suscitada – relativa à impugnação da matéria de facto – sendo que, em relação à segunda questão – redução do quantum indemnizatório fixado ao A. a título de danos não patrimoniais por ele sofridos – será a mesma tratada conjuntamente com a (única) questão que foi levantada no recurso interposto pelo R. FGA, pois a divergência dos apelantes, como se constata das respectivas conclusões de recurso, diz apenas respeito à redução do montante da indemnização que, em concreto, deverá ser pago ao A. a título dos referidos danos não patrimoniais sofridos.
Ora – no que tange à questão da impugnação da matéria de facto e consequente alteração da factualidade dada como provada sustentada pelo R. BB – importa dizer a tal respeito que iremos seguir aqui de perto as razões e os fundamentos que sufragamos no acórdão por nós relatado neste Tribunal Superior, datado de 20/12/2018, no P.5173/15.5T8ENT-A.E1, disponível in www.dgsi.pt.
Assim sendo, desde já adiantamos que é nosso entendimento que o recorrente não deu integral cumprimento aos requisitos (cumulativos) de que depende a alteração da matéria de facto com reapreciação da prova gravada (sublinhado nosso).
Na verdade, a sindicância da matéria de facto pelo Tribunal da Relação não é livre, só podendo ser exercida nos termos previstos no artigo 662.º do C.P.C..
Por isso, atento o disposto no n.º 1 da referida disposição legal a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa, sendo de salientar que, nesta matéria, o legislador não se contentou com uma mera faculdade - como por exemplo “podiam dar lugar”, em vez de “impunham” – mas antes consagrando um imperativo (sublinhado nosso).
Todavia, não obstante a reforma operada pela Lei 41/2013, de 26/6 impor à Relação o dever (oficioso) da renovação da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento, a impugnação da matéria de facto não importa a realização de um novo julgamento global – n.º 3, alínea a) do artigo 662.º do C.P.C. – nem afasta o princípio da livre apreciação da prova pelo julgador da primeira instância.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 640.º do C.P.C., a impugnação da decisão de facto deve obedecer às especificações obrigatórias nele impostas aí se estipulando que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Acrescentando o n.º 2 daquele preceito legal o seguinte:
- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (sublinhado nosso);
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
In casu, embora se possa considerar que os recorrentes cumpriram, minimamente, o disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, não deram cumprimento – de todo – ao que se dispõe no n.º 2, alínea a), de tal normativo, sendo certo que tal omissão, ao ser detectada por este Tribunal Superior, não é passível de correção, através de prolação de despacho de aperfeiçoamento, uma vez que não obstante as expressões utilizadas no artigo 640.º do CPC (no corpo do n.º 1, “rejeição” e no n.º 2, alínea a), “imediata rejeição”) não serem totalmente coincidentes, as mesmas significam que o efeito de rejeição não é precedido de qualquer despacho de aperfeiçoamento” sendo que a comparação “com o disposto no artigo 639.º do CPC não deixa margem para dúvidas quanto à intenção do legislador de reservar o convite ao aperfeiçoamento para os recursos da matéria e direito – cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, pág. 128 (sublinhado nosso).
Na verdade, as exigências legais relativamente “a impugnação da matéria de facto, devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor” decorrente do princípio da auto-responsabilidade das partes, devendo impedir-se que as situações de impugnação “se transformem numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”, e como será evidente, “ao mesmo tempo, racionalizar o exercício do direito de recurso, reduzindo abusos” e colocando “sobre o recorrente a tarefa de, na sua auto-responsabilidade, restringir o objeto do recurso” – cfr., nesse sentido, Rui Pinto, in Notas ao Código de Processo Civil, 1ª ed., pág. 418.
Ora, no caso em apreço, verifica-se que o R. BB, nas suas alegações recursivas, e no que tange aos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte ouvidas em audiência de julgamento, não indicou com exactidão quais as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, nomeadamente o minuto inicial do depoimento ou das declarações em causa e também não indicando o minuto final e, além disso, nem sequer colocando qualquer referência a minutos iniciais ou finais dos depoimentos ou das declarações em causa, incumprindo assim, de forma directa e expressa o disposto na alínea a) do n.º 2 do citado artigo 640.º, não permitindo – de todo – a este Tribunal Superior localizar correctamente tais depoimentos ou declarações de parte.
Ora, a referida omissão demonstra, indubitavelmente, uma clara violação por parte do R. BB, aqui apelante, do ónus que lhe é imposto no artigo 640.º, n.º 2, alínea a), do C.P.C. e, por isso, determina a imediata rejeição do recurso no que tange à impugnação da matéria de facto por ele efectuada.
Neste sentido, aliás, pode ver-se, entre outros, o Ac. da R.G de 19/6/2014 (relator Manuel Bargado), disponível in www.dgsi.pt, onde, a dado passo, é afirmado o seguinte:
- (…) Ora, o artigo 640.º do novo CPC, estabelece os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, prescrevendo no seu n.º 2, alínea a), que no caso de ter havido gravação da prova, «incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».
Com este n.º 2 «introduziu-se mais rigor no modo como deve ser apresentado o recurso de impugnação da matéria de facto» impondo-se que «se, pelo modo como foi feita a gravação e elaborada a acta, for possível (exigível) ao recorrente identificar precisa e separadamente os depoimentos, o ónus de alegação, no que concerne à impugnação da decisão da matéria de facto apoiada em tais depoimentos, (…) a indicação exacta das passagens da gravação em que se funda (…).» E «o incumprimento de tal ónus implica a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem possibilidade sequer de introdução de despacho de aperfeiçoamento
Na verdade, «impugnando o recorrente a decisão sobre a matéria de facto, encontra-se sujeito a alguns ónus que deve satisfazer, sob pena de rejeição do recurso», sendo um deles o de «indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda (…) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a indicação precisa e separada dos depoimentos».
Por outro lado, decorre também da letra da lei que a mesma não comporta qualquer outra interpretação que não seja a da imposição da imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, caso não seja observado pelo recorrente algum dos ónus mencionados, não sendo defensável que se lance mão do convite ao aperfeiçoamento em tal matéria.
O novo CPC veio, aliás, manter em termos praticamente idênticos todos os ónus anteriormente existentes, aditando ainda o de o recorrente dever especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, mantendo igualmente a cominação da imediata rejeição do recurso para o seu incumprimento (sublinhado nosso).
No mesmo sentido veja-se ainda o Ac. da R.G. de 29/9/2014 (relator Filipe Caroço), também disponível in www.dgsi.pt, onde, a dado passo, se escreveu o seguinte:
- (O apelante) o que deveria ter feito era discriminar, por referência a unidades de tempo, expressas em horas, minutos e segundos, o início e o termo dos excertos de cada depoimento testemunhal que, em seu critério, relevam para a impugnação da matéria de facto que especificou por referência a determinados pontos dos factos dados como provados e da matéria dada como não provada.
Poderá argumentar-se que, apesar daquela omissão, a recorrente transcreveu algumas passagens da gravação das alegações do recurso. Todavia, como se extrai ainda da citada alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, tal transcrição não passa de uma faculdade concedida ao recorrente (e ao recorrido; cfr. subsequente alínea b)) e não substitui a obrigatoriedade da indicação exata das passagens da gravação. Sem esta indicação, tão-pouco sem que se identifiquem as passagens transcritas, a Relação teria analisar o recurso em matéria de facto pela audição integral dos depoimentos gravados e identificados, o que só depois da análise das passagens que deveriam ter sido indicadas se poderá tornar exigível.
De resto, resulta das alegações da recorrente que a importância da prova gravada não se esgota nas passagens que transcreveu, nada indiciando também que se imponha a audição integral dos depoimentos testemunhais. O próprio legislador como que presume que, não sendo impugnada toda a matéria de facto, não interessa toda prova produzida nem a totalidade da prova gravada.
A lei do processo é clara ao cominar, na mesma alínea b) do n.º 2 do artigo 640.º, com a imediata rejeição do recurso, na respetiva parte, o incumprimento daquele ónus processual.
A propósito, é pertinente chamar a atenção para o que escreveu A. Abrantes Geraldes: “Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo - Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129.
Na verdade, no caso de o recurso envolver a impugnação da matéria de facto, o recorrente, sob pena de rejeição, além de cumprir os ónus que lhe são impostos no n.º 1 do artigo 640.º do C.P.C., deve indicar, ainda, quais as concretas passagens da gravação em que se funda, no que tange aos depoimentos das testemunhas e às declarações de parte, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder também à respetiva transcrição (com referência às concretas passagens da gravação supra referidas) – cfr. n.º 2, alínea a), do citado artigo 640.º e Abrantes Geraldes, ob. cit. pág. 153.
Ou seja, não basta ao recorrente, para obter em 2ª instância a reapreciação da prova produzida no tribunal a quo, quedar-se numa transcrição genérica de depoimentos prestados, pois, sobre ele, impende o ónus de especificar quais os concretos pontos de facto que reputa indevidamente apreciados, com referência precisa e exacta às passagens da gravação em que se funda o seu recurso, bem como indicar o sentido concreto em que a matéria fáctica impugnada deveria ter sido julgada pelo tribunal recorrido – cfr., entre outros, o Ac. do S.T.J. de 10/12/2009, in www.dgsi.pt, bem como os Acórdãos da R.C. de 25/5/99 e 24/10/2000, da R.L. de 2/11/2000 e de 12/2/2014 e da R.G. de 14/3/2013 in, respectivamente, B.M.J. 483º, pág. 371, JTRC01137/ITIJ/Net e, restantes arestos, disponíveis in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, vejam-se ainda os Acórdãos do STJ de 7/7/2016 e de 27/10/2016, também disponíveis in www.dgsi.pt – (sublinhado nosso).
Em sentido idêntico, e sobre esta mesma temática, veja-se ainda Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, que, a dado passo, afirmam o seguinte:
- “(…) o recorrente que impugne a matéria de facto deve procurar demonstrar o erro de julgamento dessa matéria, demonstração que implica a produção de razões ou fundamentos que, no seu modo de ver, tornam patente tal erro “(…).
E mais adiante:
- “(…) não parece excessivo exigir ao apelante que, no curso da alegação, exponha, explique e desenvolva os fundamentos que mostram que o decisor de 1.ª instância errou quanto ao julgamento da matéria de facto, exposição e explicação que deve consistir na apreciação do meio de prova que justifica a decisão diversa da impugnada, o que pressupõe, naturalmente, a indicação do conteúdo desse meio de prova, a determinação da sua relevância e a sua valoração. Este especial ónus de alegação, a cargo do recorrente (…), deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor, caso contrário, a impugnação da matéria de facto banaliza-se numa mera manifestação inconsequente de inconformismo” – cfr. dos Recursos, págs. 253/254.
Nestes termos, atentas as razões e fundamentos acima explanados e visto o disposto no n.º 2 do mencionado artigo 640.º do C.P.C., forçoso é concluir que não poderá este Tribunal Superior conhecer do recurso do apelante BB quanto à impugnação da matéria de facto apurada no tribunal a quo (em virtude de, alegadamente, ter sido incorrectamente valorada a prova testemunhal e por declarações das partes produzida nos autos) e, por via disso, deverá o mesmo ser rejeitado, nesta parte, o que aqui se determina para os devidos e legais efeitos.
Em consequência, mantém-se integralmente toda a factualidade que veio a ser apurada no tribunal a quo e que consta da sentença recorrida – a qual, aliás, se mostra transcrita supra – improcedendo, assim, esta primeira questão suscitada pelo R. supra identificado no presente recurso.

Como já acima fizemos referência, quanto à segunda questão recursiva levantada pelo R. BB – redução do quantum indemnizatório fixado ao A. a título de danos não patrimoniais por ele sofridos – será a mesma tratada, em conjunto, com a (única) questão que foi levantada no recurso interposto pelo R. FGA, pois a divergência dos dois apelantes, como se verifica das respectivas conclusões de recurso, diz apenas respeito à redução do montante da indemnização que, em concreto, deverá ser paga ao A. a título dos referidos danos não patrimoniais sofridos.
Ora, a este propósito, sempre se dirá que, na indemnização que foi atribuída ao A. pela Julgadora a quo, estão em causa os valores indemnizatórios relativos ao dano biológico (ou dano futuro como também é apelidado) e aos danos não patrimoniais por aquele sofridos, os quais foram fixados na sentença recorrida no valor global de € 110.000,00.
Quanto ao dano biológico, importa ter presente que a nossa lei não contém regras precisas com vista à fixação do “dano futuro”, pelo que tais danos devem calcular-se com recurso à equidade, segundo critérios de verosimilhança e de probabilidade, de acordo com o que é normal acontecer, segundo o curso normal das coisas.
O que se exige é uma comparação entre duas situações patrimoniais presentes, uma real e outra hipotética, que impõe considerar eventuais evoluções hipotéticas do património do lesado, se não tivesse ocorrido a lesão, critério que sempre terá de ser completado por sãos juízos de equidade – artigo 566.º, nºs 2 e 3, do Código Civil.
Na valoração desse dano deve ter-se em conta todos os prejuízos que ocorrerão, com grande probabilidade, incluindo os relacionados com as dificuldades de ingresso (ou de progressão) na carreira profissional.
O lesado não tem de alegar perda de rendimentos laborais para o tribunal lhe atribuir indemnização por ter sofrido incapacidade parcial permanente.
Apenas tem de alegar e provar que sofreu incapacidade permanente parcial, dano cujo valor deve ser apreciado equitativamente (cfr., nesse sentido, entre outros, o Ac. do S.T.J. de 11-2-99, BMJ. 484, pág. 352, o Ac. do S.T.J. de 17-11-05, C.J., Tomo 3º, pág. 127 e o recente Ac. do STJ de 22/6/2017, disponível in www.dgsi.pt).
Ora, o Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 9,84 pontos em 100 de que o A. ficou afectado produz um dano futuro, que se traduz, in casu, no A. ter ficado a padecer das sequelas descritas no ponto 11) dos factos provados, sendo que a indemnização de tais danos tem por objectivo compensar as limitações funcionais, redutoras das possibilidades futuras de exercício ou reconversão profissional, impeditivas da atividade profissional habitual (jogador de ...), mas compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico-profissional.
A este propósito pode ver-se, entre outros, o Ac. do S.T.J. de 9/11/2006, in www.dgsi.pt, onde, a dado passo, é afirmado o seguinte:
- Atentemos agora no critério legal de cálculo da indemnização por danos patrimoniais decorrente de incapacidade permanente.
O ressarcimento dos danos futuros, como é o caso vertente, por cálculo imediato, depende da sua previsibilidade e determinabilidade (artigo 564.º, n.º 2, 1ª parte, do Código Civil).
Assim, na fixação da indemnização devem ser atendidos os danos futuros - sejam danos emergentes, sejam lucros cessantes - desde que previsíveis.
No caso de os danos futuros não serem imediatamente determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (artigo 564.º, n.º 2, 2ª parte, do Código Civil).
Os danos futuros previsíveis, a que a lei se reporta, são essencialmente os certos ou suficientemente prováveis, como é o caso, por exemplo, da perda ou diminuição da capacidade produtiva de quem trabalha e, consequentemente, de auferir o rendimento inerente, por virtude de lesão corporal.
A regra é no sentido de que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que se verificaria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação, a fixar em dinheiro, no caso de inviabilidade de reconstituição em espécie (artigos 562.º e 566.º, n.º 1, do Código Civil).
A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que ele teria então se não tivesse ocorrido o dano, e, não podendo ser determinado o seu valor exacto, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (artigo 566.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil).
A incapacidade permanente é susceptível de afectar e diminuir a potencialidade de ganho por via da perda ou diminuição da remuneração ou da implicação para o lesado de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou exercer as várias tarefas e actividades gerais quotidianas.
No primeiro caso, procurando atingir a justiça do caso, têm os tribunais vindo a acolher a solução de a indemnização do lesado por danos futuros dever representar um capital que se extinga no fim da sua vida activa e seja susceptível de lhe garantir, durante ela, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho.
Têm sido utilizadas, para o efeito, pela jurisprudência, fórmulas e tabelas financeiras várias, na tentativa de se conseguir um critério tanto quanto possível uniforme.
Mas as referidas fórmulas não se conformam com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, certo que não é possível determinar o tempo de vida útil, a evolução dos rendimentos, da taxa de juro ou do custo de vida.
Acresce que não existe uma relação proporcional entre a incapacidade funcional e o vencimento auferido pelo exercício profissional em termos de se poder afirmar que ocorre sempre uma diminuição dos proventos na medida exactamente proporcional à da incapacidade funcional em causa.
Assim, nesse caso, as mencionadas tabelas só podem ser utilizadas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta.
Como se trata de dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora, face à inerente dificuldade de cálculo, com a ampla utilização de juízos de equidade.
A partir dos pertinentes elementos de facto, independentemente do seu desenvolvimento no quadro das referidas fórmulas de cariz instrumental, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso.
Apesar do longo período de funcionamento da previsão, a quantificação deve ser imediata, sob a atenuação da fluidez do cálculo, no confronto da referida previsibilidade, no âmbito da variável inatingível da trajectória futura do lesado, quanto ao tempo de vida e de trabalho e à espécie deste, por via dos referidos juízos de equidade.
Devem, pois, utilizar-se juízos lógicos de probabilidade ou de verosimilhança, segundo o princípio id quod plerumque accidit, com a equidade a impor a correcção dos valores resultantes do cálculo baseado nas referidas fórmulas de cariz instrumental.
No fundo, a indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas, ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção e ou a omissão lesiva em causa.
No caso dos autos – e no que tange ao cálculo do quantum indemnizatório devido ao A. por virtude da incapacidade permanente de que ficou afectada – haverá que frisar, desde já, que é entendimento pacífico na jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores que a Portaria 377/2008, de 26/5 (respeitante aos critérios e às fórmulas plasmadas para a fixação da indemnização devida pelo dano corporal), apenas tem aplicação para dirimir litígios extrajudiciais, o que, manifestamente, não se verifica no caso em apreço.
Nesse sentido, veja-se, entre outros, o Acórdão do STJ de 7/7/2009, disponível in www.dgsi.pt, no qual é afirmado o seguinte:
- No que diz respeito à indemnização devida pelo dano (morte), a Portaria 377/2008, de 26-05, tem um âmbito institucional específico de aplicação extrajudicial, sendo que, por outro lado, e, pela natureza do diploma que é, não derroga Lei ou DL, situando-se em hierarquia inferior, pelo que o critério legal necessário e fundamental, em termos judiciais – como o caso dos autos – é, apenas, o definido no Código Civil.
Assim, atentas as razões e fundamentos supra explanados – e tendo em conta a factualidade relevante apurada nos autos, nomeadamente a extensão das lesões sofridas pelo A. (cfr. pontos 8) a 22) dos factos provados) – haverá que considerar que aquele, à data do acidente, era ainda um jovem, pois tinha 18 anos de idade, sendo a esperança média de vida para os homens em Portugal de cerca de 80 anos de idade e, como consequência do acidente, sobreveio-lhe um Défice Funcional Permanente de 9,84 em 100.
Ora, as sequelas de que o A. ficou a padecer repercutem-se, necessariamente, no desempenho da actividade profissional que, no futuro, vier a desenvolver (actualmente está desempregado), pois vão implicar esforços suplementares também no domínio da sua vida quotidiana (é um dado da experiência…), sendo, por isso, perfeitamente justa e equilibrada, a atribuição de uma indemnização, a título de danos futuros, na vertente do dano biológico.
Por outro lado – no que tange aos danos não patrimoniais propriamente ditos – haverá que referir a tal propósito que a obrigação de indemnização decorre, neste âmbito, do estipulado no artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, o qual estabelece que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
No caso dos autos é pacífico que, pela sua gravidade, os danos sofridos pelo A., merecem ser indemnizados, estando apenas em causa o quantum indemnizatório fixado na sentença a este título.
Ora, estabelece o n.º 3 do citado artigo 496.º que “o montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º”. Isto é, a indemnização por danos não patrimoniais, deve ser fixada de forma equilibrada e ponderada, atendendo em qualquer caso (quer haja dolo ou mera culpa do lesante) ao grau de culpabilidade do ofensor; à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, como por exemplo, o valor atual da moeda.
Como afirmam Pires de Lima e Antunes Varela, o montante da indemnização «deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realidade da vida» – cfr. Cód. Civil Anotado, vol. I., 3ª ed., pág. 474.
A indemnização por danos não patrimoniais é, mais propriamente, uma verdadeira compensação: segundo a lei, o objectivo que lhe preside é o de proporcionar ao lesado a fruição de vantagens e utilidades que contrabalancem os males sofridos, e não o de o recolocar “matematicamente” na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e nessa exacta medida, irreparáveis) é uma reparação indirecta, comandada por um juízo equitativo que deve atender às circunstâncias mencionadas no artigo 494.º” – cfr. Acórdão do S.T.J. de 14/9/2010, também disponível in www.dgsi.pt.
Este recurso à equidade não afasta, porém, «a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso» – cfr. Ac. do STJ de 3/2/2011, também disponível in www.dgsi.pt.
Na verdade, como em todas as coisas, na fixação de tais danos, deve imperar o bom senso, sem perder de vista os dados objectivos em que se apoia o juízo de equidade, como sejam a gravidade objectiva das lesões e sua extensão, o tempo de recuperação das mesmas e eventuais sequelas, os sinais externos de sofrimento, etc..
Daí que é entendimento actual e maioritário na jurisprudência que a compensação por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do artigo 496.º do Código Civil e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar, pelo que não pode, de todo em todo, ser meramente simbólica ou miserabilista – cfr. nesse sentido, entre outros, os Acórdãos do S.T.J. de 16/12/93 e de 8/6/99, in CJSTJ, Ano I, Tomo 3º, pág. 183 e BMJ 488, pág. 323, respectivamente e, ainda, o Acórdão do S.T.J. de 19/4/2012, disponível in www.dgsi.pt.
No mesmo sentido jurisprudencial podem ver-se ainda os Acórdãos do S.T.J. de 27/1/2005, 8/3/2005 e 3/3/2009, todos disponíveis in www.dgsi.pt, onde foram fixados valores de € 100.00,00 e € 150.000,00 para tais danos.
Voltando agora ao caso em apreço (e a propósito dos referidos danos não patrimoniais), constata-se que ficou apurado nos autos que estamos na presença de um acidente que provocou graves lesões no corpo do A., determinando grande sofrimento e limitações que ainda hoje perduram e que vão acompanhá-lo para o resto da sua vida – cfr. pontos 8) a 22) dos factos provados.
Além disso, verifica-se um elevado prejuízo de afirmação pessoal e de sofrimento físico na pessoa do A., que lhe gera angústia, vendo diminuída a sua autoestima, tendo sofrido, com este acidente, um verdadeiro e autêntico “calvário”!
Por isso, tendo em conta a idade do A. quando do acidente (18 anos), a natureza e a gravidade das lesões sofridas, o período de internamento e de convalescença, os tratamentos a que teve, sucessivamente, de se submeter, o período de tempo que as lesões demoraram a curar, as sequelas com que ficou e a repercussão na sua vida quotidiana, o grau de quantum doloris fixado em 5 pontos numa escala crescente de 1 a 7, o sofrimento que, segundo as regras da experiência, tudo isso implica, com tendência a agravar-se à medida que a sua idade for avançando, o facto do acidente se ter devido a culpa exclusiva e grave do condutor do veículo em que o A. seguia como passageiro, sem qualquer parcela de responsabilidade por parte do A., temos amplamente por justificada e equitativa uma compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, sendo que a indemnização atribuída irá minorar todo o sofrimento por que o A. passou (e, embora clinicamente possa já estar curado, irá a recorrente sofrer, pelo resto da vida fora, de dores e desconfortos vários pelas sequelas das lesões sofridas).
Nestes termos, face à extensão e à gravidade dos danos sofridos pelo A., sendo certo que os não patrimoniais são, com frequência, mais difíceis de suportar do que os danos patrimoniais – in casu alguns nunca se irão extinguir, pois sempre estarão presentes durante toda a vida do A. – ponderando-se ainda que uma indemnização para ser justa tem que ser significativa, mas sem se cair nos exageros do sistema anglo-saxónico, entendemos que o montante de € 110.000,00, fixado pelo tribunal a quo, peca por algum excesso e, por via disso, revoga-se parcialmente a sentença recorrida, reduzindo-se tal montante para o valor de € 85.000,00, a título de danos não patrimoniais (onde se inclui o dano biológico), quantia essa que é actualizada na data da presente decisão, conforme jurisprudência assente (cfr. AUJ n.º 4/2002, de 9/5/2002, in D.R., Série I-A de 27/6/2002), à qual acrescem juros de mora, desde o dia seguinte à data da prolação deste aresto até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis.
***
Por fim, atento o estipulado no n.º 7 do artigo 663.º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
(…)

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedentes os (dois) recursos de apelação interpostos pelos Réus BB e FGA e, em consequência, revoga-se parcialmente a sentença recorrida, fixando-se ao Autor uma indemnização no valor de € 85.000,00, a título de danos não patrimoniais por ele sofridos, aí se incluindo o dano biológico.
Custas pelo A. e pelos RR., ora apelantes, na proporção do respectivo vencimento (sem prejuízo do apoio judiciário de que o A. é beneficiário).
Évora, 15 de Junho de 2023
Rui Machado e Moura (Relator)
José Manuel Barata (1º Adjunto)
Ana Margarida Leite (2ª Adjunta)
__________________________________________________
[1] Cfr., neste sentido, Alberto dos Reis in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, n.ºs 32/33, pág. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, n.º 17, pág. 3), de 12/12/1995 (in BMJ n.º 452, pág. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ n.º 486, pág. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), Castro Mendes (in “Direito Processual Civil”, 3º, pág. 65) e Rodrigues Bastos (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, págs. 286 e 299).