Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
633/19.1GFSTB.E1
Relator: RENATO BARROSO
Descritores: PRESUNÇÕES NATURAIS
PROVA INDIRECTA
PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - A prova não pode ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada, mas, ao invés, deve ser valorada na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis, que são meios legítimos de apreciação das provas e de formação da convicção.
II - As provas não têm forçosamente que criar no espírito do julgador uma absoluta certeza dos factos a provar, certeza, essa, que, muitas vezes, seria impossível, ou quase impossível, de alcançar. O que é necessário, é que as mesmas provoquem um grau de probabilidade tão elevado, que se baste, como certeza possível, para as necessidades da vida, de forma a se poder concluir, sem dúvida razoável, que um indivíduo praticou determinados factos.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


1. RELATÓRIO


A – Decisão Recorrida

No processo comum singular nº 633/19.1GFSTB.E1, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo Local Criminal de Setúbal, Juiz 3, foi condenada a arguida C, pela prática, em autoria material e na forma consumadas, de um crime de falsificação de documento, p.p., pelos Artsº 13, 14 nº1, 26, 256 nsº1 al. a), c) e d), por referência ao Artº 255 al. a), todos do C. Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 6.50 (seis euros e cinquenta cêntimos).

B – Recurso

Inconformada com o assim decidido, recorreu a arguida, tendo concluído as respectivas motivações da seguinte forma (transcrição):

1. A arguida, ora recorrente, vinha acusada da prática de um crime de falsificação de documento e dele veio a ser condenada.
2. A condenação da arguida assentou exclusivamente na prova indireta ou indiciária.
3. A sentença recorrida assegura os a prova indireta condenatória se sustenta em elementos indiretos, que, segundo o Tribunal recorrido estão directamente comprovados.
4. Todavia, não existe prova direta que sustenta a comprovação de um fato-base.
5. Não existe um facto de partida que esteja indubitavelmente provado.
6. Os fatos indiciários fundam-se em outras inferências.
7. E, assim, não se pode admitir que a demonstração do facto indício que é a base da inferência seja também ele feito através de prova indiciária.
8. A sentença recorrida não respeita as regras de recurso à prova indiciária.
9. A sentença recorrida não respeita a existência de dúvida e, assim, a aplicação do princípio in dubio pro reo.
10. Na ausência de qualquer prova deve a arguida ser absolvida.

C – Resposta ao Recurso

O M. P, junto do tribunal recorrido, respondeu ao recurso, manifestando-se pela sua improcedência, apesar de não ter apresentado conclusões.

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador Geral Adjunto, que pugnou pela manutenção da decisão recorrida.
Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria), o objecto do recurso define-se pelas conclusões que a recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Na verdade e apesar de a recorrente delimitar, com as conclusões que extrai das suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência, deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios previstos no nº2 do Artº 410 do CPP, mesmo que o recurso se atenha a questões de direito.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem, assim, da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº1 do Artº 379 do mesmo diploma legal.
O objecto do recurso cinge-se às conclusões da recorrente, nas quais impugna a matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido e que permitiu a sua condenação, considerando que a mesma deveria ser considerada como não provada, tendo ainda por referência o princípio in dubio pro reo.

B – Apreciação

Definida a questão a tratar, importa considerar o que se mostra fixado, em termos factuais, pela instância recorrida.

Aí, foi dado como provado e não provado, o seguinte (transcrição):

Dos Factos Provados
Da audiência de julgamento e com relevo para a boa decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
Da acusação em especial
1. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 23-9-2019, P celebrou com a operadora de telecomunicações «NOS» um contrato de prestação de serviços de televisão, internet e telefone na sua habitação, sita na (…..) e, bem assim, para o seu local de trabalho sito na (…..), ao qual foi atribuído o n.º (…..).
2. Posteriormente, no dia 23-9-2019, a arguida que então exercia funções de angariadora de clientes e venda de serviços da «NOS», através da empresa subcontratada para o efeito por esta denominada «S», sem o conhecimento e consentimento de P procedeu à alteração dos termos contratuais referente ao contrato (…..), alterando, além do mais, a velocidade da ligação à Internet, o número de telemóvel de (…..) para o n.º (…..), o que implicou um novo período de fidelização de vinte e quatro meses para aquela.
3. Com efeito, a arguida fez constar da referida alteração contratual os elementos de identificação e moradas de P, designadamente o seu nome completo, o seu número de identificação civil e fiscal, fazendo-a ali figurar como cliente e, no local do dito contrato destinado à assinatura da cliente, pelo seu próprio punho, redigiu a assinatura daquela como se tivesse sido P a assiná-lo, tendo inserido no campo de identificação comercial a sua identificação como trabalhadora da «S» com o n.º (…..).
4. Em consequência, a «NOS» procedeu às alterações contratuais, tendo P ficado sem serviço por alguns dias e viu as suas condições contratuais alteradas à sua revelia.
5. Os referidos serviços foram facturados pela operadora «NOS», e pagos por P, nas datas de vencimento das respectivas facturas, apesar de não serem os que a mesma contratou.
6. A arguida quis agir do modo descrito, com o propósito concretizado de obter benefícios económicos para si ao proceder à angariação, venda e alteração contratual de um serviço de telecomunicações da «NOS», para quem trabalhava através da «S», levando a «NOS» erroneamente a acreditar que o mesmo era celebrado em nome da ofendida e que esta assumiria o pagamento de tais serviços, o que determinou a operadora «NOS» a disponibilizar os mesmos na morada indicada pela arguida.
7. Mais sabia a arguida que P não lhe solicitou qualquer alteração contratual, estando ciente, assim, que a alteração por si efectuada não era devida, que causava prejuízo àquela e à «NOS», ao mesmo tempo que beneficiava financeiramente junto da «S» e da «NOS» com o recebimento de vantagem financeira por ter efectuado tal angariação e venda, enriquecimento que sabia não lhe ser devido e como tal era ilegítimo, o que conseguiu porque imitou a assinatura de P e utilizou os seus dados de identificação no mencionado contrato, apesar de saber que o fazia sem o consentimento e contra a vontade desta.
8. A arguida agiu de modo livre, deliberado e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
Das condições sócio-económicas da arguida e seus antecedentes criminais em especial
9. A arguida nasceu em 9-5-1986, e está solteira.
10.A arguida vive com a sua filha menor de idade, em habitação própria.
11.A arguida exerce a actividade profissional de intermediária de crédito, através da qual aufere, em média, uma retribuição no valor mensal de € 1.000,00.
12.A arguida suporta ainda o pagamento da prestação bancária da casa a quantia mensal de € 500,00 e, além disso, paga ainda três prestações bancárias de créditos pessoais no valor mensal tal de € 350,00.
13.Como habilitações literárias, a arguida tem o 12.º ano de escolaridade.
14.A arguida não regista antecedentes criminais.
*
Factos Não Provados
Com relevância para a boa decisão da causa, inexistem factos por provar.

Estabelecida a base factual na sentença em análise, importa apreciar da bondade do peticionado pelo recorrente:

B.1. Impugnação da matéria de facto provada

Invoca a recorrente que o tribunal recorrido errou ao ter dado como provados, exclusivamente com base em prova indirecta, os factos que permitiram a sua condenação, sem que existissem fundamentos para tanto, violando, assim, o princípio in dubio pro reo.
Atente-se, em primeiro lugar, aos termos em que, pelo tribunal recorrido, foi justificada a motivação da decisão de facto (transcrição):

Fundamentação da Matéria de Facto e Exame Crítico da Prova Produzida
Nos termos do disposto pelo art. 124.º, do Cód. Proc. Penal constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicável.
O princípio básico que norteia a apreciação da prova é o da sua livre apreciação tal como prescrito pelo art. 127.º, n.º 1 do Cód. Proc. Penal: «Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção da entidade competente.»
Instituiu a lei o princípio da livre apreciação da prova [por oposição ao princípio da prova legal] que, no dizer de José de LEBRE DE FREITAS et alia Código de Processo Civil Anotado, 2.º Vol., p. 635: «Se situa na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência aplicáveis.»
Negativamente este princípio significa a ausência de critérios legais predeterminantes do valor a atribuir à prova.
Mas positivamente, como salienta o Prof. Jorge de FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, 1.º Vol., p. 202: «Não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável ou incontrolável e portanto arbitrária da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade (como dissemos que a tem toda a discricionaridade jurídica) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever o dever de perseguir a chamada «verdade material» -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo (possa embora a lei renunciar à motivação e ao controlo efectivos).».
A livre apreciação da prova não pode, pois, ser entendida como uma operação meramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável. Há-de, pelo contrário, traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos cientificos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão. Não se confundindo com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obdiência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
Finalmente, como bem enfatiza Jorge de FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, pp. 233 e 234: «Só os princípios da oralidade e imediação (…) permitem o indispensável conctato vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. eles, por outro lado, permitem avaliar o mais concretamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.».
*
Prevalecento no nosso sistema processual penal, o princípio da livre convicção do julgador, se bem que entendido nos termos supra explicitados, existem, no entanto, algumas restrições legais ao regime da livre apreciação da prova, como sucede com o valor probatório dos documentos autênticos e autenticados [art. 169.º], o efeito de caso julgado nos pedidos de indemnização civil [art. 84.º], a prova pericial [art. 163.º], e a confissão integral e sem reservas [art. 344.º]
Surgem ainda outras condicionantes estruturais à livre apreciação da prova, sendo uma delas, o princípio da legalidade da prova [art. 32.º, n.º 8 da C.R.P.; artigos 125.º e 126.º, ambos do C.P.P.] e outra o princípio in dubio pro reo, enquanto emanação da garantia constitucional da presunção de inocência [art. 32.º, n.º 2 da C.R.P.; art. 11.º, n.º 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948; e art. 6.º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que foi aprovada, para ratificação, pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro]
Tudo isto vale por dizer que o princípio da livre apreciação da prova não tem carácter arbitrário, nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras de experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado, estando ainda sujeito aos princípios estruturantes do processo penal, como o da legalidade das provas e in dubio pro reo − [ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 19 de Abril de 2006, disponível em www.dgsi.pt/jtrp]
Por fim, frisa-se que toda a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento se encontra gravada por sistema de CD, permitindo uma ulterior reprodução da mesma. Desde modo, possibilita-se um rigoroso controlo dos meios de prova que estiveram na base da convicção formada por este Tribunal, no que concerne à matéria de facto, o que legitima uma motivação da matéria de facto mais concisa.
Feita esta breve análise sobre os princípios que norteiam a apreciação e valoração da prova, importa, pois, explanar das razões quanto à concreta decisão crítica sobre a matéria de facto.
*
(i) Os meios de prova utilizados por este Tribunal para formar a sua convicção (positiva ou negativa) dos factos, foram os seguintes

A) PROVA POR DECLARAÇÕES
A arguida prestou declarações em sede de audiência de julgamento.
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B) PROVA TESTEMUNHAL
P, melhor id. a fls. 2;
A, melhor id. a ref.ª Citius 6899760; e
N, melhor id. a ref.ª Citius 6899760.
*
C) PROVA DOCUMENTAL
Auto de notícia de fls. 2-4;
Reclamação de fls. 12-14;
Esclarecimentos da «NOS» de fls. 39;
Contrato de fls. 41-61 e 84-86;
Requerimento de fls. 63-64;
Reclamações de fls. 65-76, 7983;
Informação prestada pela «NOS» quanto à alteração contratual de fls. 88;
Informação «S» de fls. 92;
Informação da «NOS» de fls. 165; e
C.R.C. da arguida junto aos autos.
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(ii)Da Explanação Racional sobre a Formação da Convicção do Julgador subjacente à sua Decisão de Facto, resultante da valoração e apreciação crítica efectuada aos meios de prova supra indicados

Vejamos então, em detalhe, como os diversos meios de prova produzidos, contribuíram para a formação [positiva e negativa] da convicção do Tribunal, relativamente aos factos relevantes para a boa decisão da causa.
É que a sentença, para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova, há-de conter, também, «os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação, ou seja, ao cabo e ao resto, um exame crítico, sobre provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido.» − [acórdão do STJ, de 13-2-1992, CJ, tomo I, p. 36, e acórdão do TC, de 2-12-1998, D.R. na Série de 5-3-1999]
Destarte, para lograr cumprir tal dever de fundamentação, deverá o julgador socorrer-se da concatenação da prova testemunhal, documental e, quando exista, pericial juntas aos autos; sendo que na conjugação de todos estes elementos de prova, o julgador deverá encetar uma apreciação crítica de acordo com o critério ínsito no citado art. 127.º, do Cód. Proc. Penal, segundo o qual, recordamos, a prova deverá ser apreciada de acordo com as regras da experiência e da livre convicção da entidade competente.
Quanto às regras da experiência comum (De acordo com Paulo de SOUSA MENDES, in A Prova Penal e as Regras da Experiência, in Direito da Investigação Criminal e Prova, 2014, p. 129: «As regras da experiência servem para produzir prova da primeira aparência (prima facie evidence), na medida em que desencadeiam presunções judiciais (presumptio judicis), simples, naturais, de homem, de facto ou de experiência (por todas estas designações se tornaram conhecidas), que são aquelas que não são estabelecidas pela lei, mas se baseiam apenas na experiência da vida.».Ainda segundo José António Henrique dos SANTOS CABRAL, Prova Indiciária e Novas Formas de Criminalidade, in Revista Julgar, n.º 17, Lisboa, 2012, pp.26 e 33: «As regras da experiência ou regras da vida como ensinamentos empíricos que simples facto de viver nos concede em relação ao comportamento humano e que se obtém mediante uma generalização de diversos casos concretos tendem a repetir-se ou reproduzir-se logo que sucedem os mesmos factos que serviram de suporte efectuar a generelização.») importa mais uma vez enfatizar que, se bem que elas constituam uma premissa genérica e abstracta que permita todas as conclusões, dever-se-á sublinhar que elas antes obrigam que se parta de factos conhecidos, objectivados em meios de prova controláveis e delimitados por regras da lógica cartesiana para se alcançarem essas conclusões.
Por sua vez, sobre a livre convicção do julgador ensinava Manuel CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, vol. II, p. 298, que esta «é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade. É uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica, e não limitada por prescrições formais exteriores».
Por sua vez, sobre a livre convicção do julgador ensinava o Prof. Manuel CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, vol. II, p. 298, que esta «é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade. É uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica, e não limitada por prescrições formais exteriores.».
Vale por dizer que o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no citado art. 127.º, do Cód. Proc. Penal, permite, por assim dizer, que a decisão do Tribunal seja sempre uma «convicção pessoal - até porque nela desempenham um papel de relevo não a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais.» − [cf. Jorge de FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, voI. I, Ed.1974, p. 204]
Por outro lado, a livre apreciação da prova é indissociável da oralidade com que decorre o julgamento. Como ensinava o Prof. José ALBERTO DOS REIS «a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal.». E concluía aquele Professor, citando CHIOVENDA, que «ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre apreciação é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar.» − [Código de Processo Civil Anotado, vol. IV, pp. 566 e ss.]
Ponto é, porém, que o citado art. 127.º, do Cód. Proc. Penal nos indica um limite à «discricionariedade» do julgador, qual seja: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
Ou seja e em suma: tal princípio da livre apreciação da prova assenta, fundamentalmente, em duas premissas:
A de que o juiz decide de forma livre e de acordo com a sua íntima convicção, formada a partir do confronto das provas produzidas em audiência;
E que tal convicção há-de ser formada com base em regras de experiência comum.

Explicação Prévia
Desde já se diga que o julgador dá aqui por adquirido os teores dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, que se encontram gravados e acessíveis, sendo, pois, inútil estar-se nesta sede a fazer «súmulas exaustivas» — passe o paradoxo — dos mesmos.
O julgador irá sim infra explanar o seu raciocínio crítico sobre a credibilidade e relevância dos diversos meios de prova, tendo em vista legitimar, através de uma fundamentação racional e lógica (apelando às regras da experiência comum e da normalidade da vida – cf. art. 127.º, do C.P.P.), a sua decisão sobre a matéria de facto; sendo, aliás, isso que o legislador reivindica do julgador.
Assim, deve dizer-se que a convicção do Tribunal assentou na análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, bem como do teor dos documentos constantes dos autos, sobre os quais todas as dúvidas foram esclarecidas em audiência, tudo devidamente apreciado com base nas regras da experiência comum e da livre convicção do julgador – [art. 127.º, do C.P.P.] (Como bem se lembra no acórdão da Relação do Porto, de 9-12-2015, relatado por Eduarda LOBO, disponível em www.dgsi.pt: «I -A fundamentação, na sua projecção exterior, funciona como condição de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite da verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que determinaram a decisão, e na perspectiva intraprocessual, está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos. II O exame crítico da prova consiste na enumeração das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção. III A razão de ser da exigência da exposição, dos meios de prova, é não permitir o exame do processo lógico ou racional que subjaz à formação da convicção do julgador, mas também assegurar a inexistência de violação do princípio da inadmissibilidade das proibições de prova.».)
*
Concretizando.
Assim, e quanto aos factos dados como provados nos pontos 1) a 5), deve esclarecer-se que o julgador se baseou, no essencial, na análise da documentação supra id., em conjugação com testemunho prestado, de forma isenta, clara e séria e, nessa medida, credível, por P, nos termos do qual, na sua essência, confirmou tal factualidade, de acordo com a sua percepção, tendo, desse modo, contribuído para que se considerasse provada a matéria de facto acima descrita.
Com efeito, e com relevo, esta testemunha relatou no dia 23-9-2019 ficou sem serviço de comunicações que havia contratado com a firma «NOS», pelo que após ter reclamado de tal anomalia, ficou a saber por esta operadora que lhe haviam alterado os termos contratuais, à sua revelia e, ademais, forjando a sua assinatura enfatizou, já que asseverou não ter tido qualquer tipo de intervenção em tal assunto. Por isso, apresentou reclamação por escrito junto da operadora, tendo até se queixado ao provedor da mesma, conforme atestam as fls. 12 e ss. dos autos. Referiu que ficou a saber que teria sido a aqui arguida a proceder a tal alteração contratual, sem a sua anuência.
*
Em apreciação crítica deste depoimento, deve dizer-se que o mesmo, na óptica deste tribunal à luz da sua livre convicção permitida nos termos do citado art. 127.º, do Cód. Proc. Penal, se revelou sério, preciso, objectivo e, destarte, credível, razão pela qual contribuiu para a formação da convicção positiva do tribunal quanto a esta factualidade nos termos supra indicados, sendo que estando tal depoimento devidamente registado pelo sistema de gravação sonoro, se dispensam, por isso, outras considerações a respeito (O valor da prova baseada em declarações ou testemunhos mede-se em CREDIBILIDADE, factor que será composto pelos seguintes subfactores: (i) Seriedade (boa motivação da testemunha para depor); (ii) Isenção (falta de interesse na causa – pode estar ligada à anterior); (iii) Razão de Ciência (fonte de conhecimento dos factos); (iv) Coerência lógica: - Interna (depoimento confrontado consigo mesmo); - Externa (depoimento confrontado com os demais). É no âmbito da coerência lógica que podem (e devem) ser ponderados aspectos como o rigor (total coerência interna) e a forma objectiva (ausência de divagações, ou depoimento sobre factos irrelevantes). A lógica é equiparada às leis matemáticas. As leis que determinam que um determinado acontecimento só se pode ter verificado dessa maneira e não de outra qualquer. Se a lógica pura e simples não der resposta, aí entra em consideração a livre apreciação do juiz, a sua livre convicção, segundo regras da experiência – [art. 127.º, do C.P.P.]).

Ainda quanto aos mesmos factos dados como provados vertidos nos pontos 1) a 5), deve dizer-se que a convicção positiva do Tribunal sobre a verificação dos mesmos se estribou, para além da (conjugação da) prova testemunhal e documental produzida a respeito nos termos supra indicados, em processos lógico-indutivos, baseados, por sua vez, em métodos intelectuais assentes nas presunções decorrentes das regras da experiência comum e da normalidade da vida, justificando, assim, um prévio enquadramento desta temática, cada vez mais candente, da prova indiciária ou por presunção no domínio do processo penal, temática esta que assume ainda uma maior preponderância neste tipo de casos.
É que nem só quando o arguido faz uma confissão integral e sem reservas dos factos ou quando ocorrem situações de flagrante delito ou em que há testemunhas presenciais ou outras fontes de prova directa pode haver condenações. Parece linear.
Com efeito, são muito variadas e frequentes as situações em que não há prova directa, porque o agente do crime (abundando cada vez mais manifestações criminais sofisticadas, sem testemunhas) procura cometê-lo sem ser notado, às escondidas, dissimuladamente, sorrateiramente, e nem por isso pode deixar de ser punido, através das regras legalmente estabelecidas, como é óbvio.
Se o julgador não tivesse em consideração estas premissas, estar-se-ia a abrir caminho à criação de amplos (e intoleráveis) espaços de impunidade, manifestamente não desejados pela efectiva administração da Justiça em nome do Povo, que constitui, como se sabe, o critério, limite e fundamento da actuação dos Tribunais.
Por isso que a citada «prova indirecta ou indiciária» tem (cada vez mais) um papel fundamental e, destarte, já ninguém lhe nega virtualidade incriminatória para afastar (artificiais) situações de in dubio pro reo.
Com efeito, apesar das reservas e objecções que ainda lhe são opostas, está (cada vez mais) consolidado o entendimento de que, para a prova dos factos em processo penal, é perfeitamente legítimo o recurso à prova indirecta, também chamada prova indiciária, por presunções ou circunstancial.
Quer a prova directa, quer a prova indirecta são modos, igualmente legítimos, de chegar ao conhecimento da realidade (ou verdade) do factum probandum: pela primeira via ou método, «a percepção imediatamente um juízo sobre um facto principal», ao passo que na segunda «a percepção é racionalizada numa proposição, prosseguindo silogisticamente para outra proposição, à base de regras gerais que servem de premissas maiores do silogismo, e que podem ser regras jurídicas ou máximas da experiência. A esta sequência de proposição em proposição chama-se presunção.» − [cf. Germano MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, Vol. II, 1993, p. 79]
Uma vez que em processo penal são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (art. 125.º, do Cód. Proc. Penal), delas (das provas admissíveis) não pode ser excluída a prova por presunções (prevista, como noção geral, no art. 349.º, do Cód. Civil, mas prestável e válida como definição do meio ou processo lógico de aquisição de factos no processo penal) em que se parte de um facto conhecido (o facto base ou facto indiciante, que funciona como indício) para afirmar um facto desconhecido (o factum probandum) recorrendo a um juízo de normalidade (de probabilidade) alicerçado em regras da experiência comum que permite chegar, sem necessidade de uma averiguação casuística, a um resultado verdadeiro.
Neste âmbito, importam as presunções simples, naturais ou hominis, simples meios de convicção, que se encontram na base de qualquer juízo probatório. São meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção, que cedem por simples contraprova, ou seja, prova que origine a dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto. O sistema probatório alicerça-se em grande parte neste tipo de raciocínio (indutivo) e, não havendo confissão, a prova dos elementos subjectivos do tipo (doloso ou negligente) não poderá fazer-se senão por meio de prova indirecta.
Não há, pois, razão para os complexos e pruridos que, ainda, subsistem quanto à prova indiciária.
Importará, porém, expender algumas considerações jurídicas sobre a natureza, valia probatória e alcance da designada prova indiciária ou por presunção no domínio do processo penal.
Assim e em jeito de intróito desta temática, socorremo-nos da lapidar asserção expendida no douto acórdão do STJ, de 17-3-2004, proc. n.º 03P261, cujo relator foi o Ex.mo Cons. Henriques GASPAR, disponível em www.dgsi.pt: «Para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade (ou impressionismo) da convicção sobre os factos, que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção), e de outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão. Relevantes neste ponto, para além dos meios de prova directos, são os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções. A noção de presunção (noção geral, prestável como definição do meio ou processo lógico de aquisição de factos, e por isso válida também, no processo penal) consta do artigo 349.º do Código Civil: «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido».
Importam, neste âmbito, as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido.
As presunções naturais são, afinal, o produto das regras de experiência: o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto.
Neste domínio, como ensinava o Prof. Adriano VAZ SERRA, Direito Probatório Material, in BMJ, n.º 112, p. 190: «Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (…) ou de uma prova de primeira aparência».
Em formulação doutrinariamente bem marcada e soldada pelo tempo, as presunções devem ser «graves, precisas e concordantes». «São graves, quando as relações do facto desconhecido com o facto conhecido são tais, que a existência de um estabelece, por indução necessária, a existência do outro. São precisas, quando as induções, resultando do facto conhecido, tendem a estabelecer, directa e particularmente, o facto desconhecido e contestado. São concordantes, quando, tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem, pelo conjunto e harmonia, a firmar o facto que se quer provar.» − [cf. Carlos MALUF, As Presunções na Teoria da Prova, in Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, Vol. LXXIX, p. 207]
A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção.
A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre o indício e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção – [cf. VAZ SERRA, ibidem]
Desde modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.
A presunção intervém, assim, quando as máximas da experiência da vida e das coisas, baseadas também nos conhecimentos retirados da observação empírica dos factos, permitam afirmar que certo facto é a consequência típica de outro ou outros.
A ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, fundar-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal, em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.
Há-de, pois, existir e ser relevado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência segundo as regras de experiência, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões.
A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, quando respeite a factos que só podem ter sido deduzidos ou adquiridos segundo as regras próprias das presunções naturais, constitui um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da (in)existência dos vícios do artigo 410.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na alínea c) – [cf., v. g., o ac. do STJ, de 7-1-2004, disponível em www.dgsi.pt].
A prova visa, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador (judici fit probatio) um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto − [cf. João ANTUNES VARELA et alia, Manual de Processo Civil, p. 434]
Com efeito, «A verdade em direito é uma convicção prática firmada em dados objectivos que, directamente ou indirectamente, permitem a formulação de um juízo de facto. Quando a base do juízo de facto é indirecta, impõe-se um particular rigor na análise dos elementos que sustentam tal juízo, a fim de evitar erros. Importa constatar, em primeiro lugar, uma pluralidade de elementos; em segundo lugar, importa que tais elementos sejam concordantes; em terceiro lugar, importa que, tendo em conta uma observação de acordo com as regras da experiência, tais indícios afastem, para além de toda a dúvida razoável, a possibilidade dos factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam aqueles indícios probatórios.» − [Sobre a prova indiciária em processo penal veja-se com interesse, La Mínima Actividad Probatória en ei Proceso Penal, J. M. Bosch Editor, 1997, M. Miranda ESTRAMPES, pp. 231 a 249]
Assim, dificilmente o julgador poderá ter a certeza absoluta de que os factos aconteceram tal como eles são por si interiorizados, como são dados como provados. Mas isto não obsta a que o tribunal se convença da realidade dos mesmos, posto que consiga atingir o umbral da certeza relativa. A certeza relativa é afinal um estado psicológico (a tal convicção de que se costuma falar) que, conquanto necessariamente se tenha de basear em razões objectivas e possa ser fundamentável, não demanda que estas sejam inequivocamente conclusivas.
Daqui decorre que não é decisivo para se concluir pela realidade da acusação movida a um qualquer arguido, que haja provas directas e cabais do seu envolvimento nos factos, maxime que alguém tenha vindo relatar em audiência que o viu a praticar os factos, ou que o arguido os assuma expressamente. Condição necessária, mas também suficiente é que os factos demonstrados pelas provas produzidas, na sua globalidade, inculquem a certeza relativa dentro do que é lógico e normal, de que as coisas sucederam como a acusação as define.
Estes elementos têm o valor de indícios, isto é, de circunstâncias a partir das quais se pode, em determinadas condições, fundar a consistência de um facto desconhecido.
Esta prova indiciária conjuga a prova directa (sobe os factos indiciários) (premissa menor) e as presunções na reconstrução do facto histórico em discussão (premissa maior), e constrói-se a partir desses dois elementos para se alcançar a conclusão, a saber:
(i) O indício, facto instrumental provado, o qual deve ter a capacidade de revelar outro facto com o qual está relacionado; tem que estar demonstrado a partir da prova directa e exige-se uma pluralidade de indícios (independentes), para diminuir a possibilidade do acaso; devem também ser concordantes, convergindo para a mesma conclusão, e esta deve ser imediata (sem deduções intermédias); e
(ii) A presunção (ou silogismo), uma inferência efectuada a partir do indício, apoiada na experiência ou em regras da ciência, permitindo suportar um facto distinto. Importa ainda que esta inferência ou conclusão, seja manifesta ou segura e, além disso, excluidora da possibilidade de os factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam os indícios probatórios recolhidos. Neste sentido, os indícios devem ser ainda inequívocos pois só assim suportam com segurança a presunção - [Sobre esta prova indiciária, vd. J. GASPAR, Titularidade da Investigação Criminal e Posição Jurídica do Arguido, especialmente, in RMP 88, Out./Dez. 2001, especialmente pp. 102 e ss., M. Miranda ESTRAMPES, La Mínima Actividade Probatoria En El Proceso Penal, J. M. Bosch Editor, 1997, pp. 231 a 249, ou A. Martinez ARRIETA, La Prueba Indiciaria, in La Prueba En El Proceso Penal, Centro de Estudos Judiciales, vol. 12, Madrid 1993, pp. 53 e ss.; e o recente estudo de Alberto Augusto Vicente RUÇO, intitulado justamente de Prova Indiciária]
Como já se explicitou, a prova directa distingue-se da prova indirecta e a sua vinculação com o raciocínio indutivo. Logicamente que o pronunciamento sobre a valoração do indício e do raciocínio indutivo é uma mistura de controle sobre a valoração da prova (o indício) e de controle sobre o raciocínio contido na decisão (indução) pois aquilo que se trata é de se determinar se o indício é suficientemente forte e também se o mesmo permite concluir, por indução, pela existência de um facto. Aqui não está em causa a aplicação da imediação, mas uma mistura da aplicação de critérios de verosimilhança e critérios lógicos.
É, assim, clássica a distinção entre prova directa e prova indirecta ou indiciária. Aquela incide directamente sobre o facto probando, enquanto esta incide sobre factos diversos do tema de prova, mas que permitem, a partir de deduções e induções objectiváveis e com o auxílio de regras da experiência, uma ilação da qual se infere o facto a provar − [cf. Germano MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, 3.º Ed., vol. II, p. 99]
Embora a nossa lei processual não faça qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indirecta, a aceitação da sua credibilidade está dependente da convicção do julgador que, embora sendo uma convicção pessoal, terá que ser expressa objectivamente e motivada, por forma a permitir o controlo interno e externo de tal racionalidade, como acontece no caso de que aqui nos ocupamos.
Entende, com efeito, Euclides Dâmaso SIMÕES, Prova Indiciária, in Revista Julgar, n.º 2, 2007, p. 205, que o uso de prova indirecta implica dois momentos de análise, quais sejam: um primeiro requisito de ordem material exigirá que os indícios estejam completamente provados por prova directa, os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e sendo vários devem estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência; posteriormente, um juízo de inferência que seja razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, respeitando a lógica da experiência e da vida (dos factos-base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as regras da experiência).
Seguindo alguma jurisprudência nacional dos nossos tribunais [entre outros os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 24-3-2004, 12-9-2007, 19-12-2007 e 12-3-2009, da Relação de Coimbra de 28-4-2009 e da Relação do Porto de 7-11-2007, todos disponíveis em www.dgsi.pt] podemos afirmar que a utilização deste tipo de provas exige:
(i) Em primeiro lugar e em regra, uma pluralidade de elementos indiciários;
(ii) Em segundo lugar, que tais elementos sejam concordantes; e
(iii) Em terceiro lugar, que tais indícios sejam inequívocos, ou seja, tendo em conta uma observação de acordo com as regras da experiência, que tais indícios afastem, para além de toda a dúvida razoável, a possibilidade dos factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam aqueles indícios probatórios.
Ora, os elementos probatórios aludidos, autónoma e directamente comprovados, constituem justamente indícios plurais, todos concorrendo articuladamente para uma solução única, a qual se mostra suportada pelas regras de normalidade e surge como a única que os factos-indícios, de forma segura, autorizam (inequívoca, portanto). Solução que corresponde aos factos descritos. Sendo que a partir daqueles indícios e através da mediação lógica das regras de experiência, resulta infalivelmente confirmada a intenção dos arguidos. Qualquer outra explicação para os factos indícios padecia, face a estes elementos, de um duplo problema: seria necessariamente inverosímil ou improvável e não encontrava, apoio em qualquer elemento objectivo, directamente discernível.
Assim, e não obstante não ter sido produzida nenhuma prova directa quanto à intenção do arguido, e sendo essa factualidade insusceptível de apreensão directa, se não for admitida pelo próprio (através da confissão) por pertencer à vida interior do agente, mesmo assim, é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, donde o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção, avaliados e apreciados, segundo o princípio da normalidade, fundando-se a convicção do julgador em presunções naturais ligadas ao princípio da normalidade e a regras de experiência comum.
Ou seja e em suma: a prova de determinados factos que não são directamente apreensíveis, pode outrossim ser obtida por aproximações empíricas, permitidas pelas deduções decorrentes de factos ou comportamentos, aceitáveis ou pressupostos pela normalidade de consequências que está suposta pelas regras da experiência e do fluir normal dos acontecimentos e relações, ponto é, porém, que tal não prejudique obviamente o basilar princípio da presunção de inocência do arguido, aqui no seu corolário probatório in dubio pro reo.
Sem estes elementos metodológicos de construção e apreciação, o estabelecimento de um facto não directamente apreensível (mas apenas deduzido de referências comportamentais concretas), mais do que uma conclusão não sustentada, pode ser produto, como se referiu, de uma apreciação dominada pelas impressões.
Neste domínio, como bem se enfatiza no acórdão do STJ, de 11-10-2007, proc. n.º 07P3240, cujo relator foi Ex.mo Cons. Manuel SIMAS SANTOS, disponível em www. dgsi.pt: «(…). 4 Como tem sido jurisprudência deste Tribunal, é admissível a prova por presunção, o sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções.».
Tendo presentes estas considerações jurídicas, importa então empreender a consequente análise e apreciação da prova produzida, tendo em vista fundamentar a matéria de facto dada como provada, especificamente, nos referidos pontos 1) a 5), o que se faz nos seguintes termos infra.
Sic ut supra,
Tendo em consideração a concatenação dos meios de prova por declarações, testemunhais e documentais, lidos à luz das regras da experiência comum e da normalidade da vida (art. 127.º, do C.P.P.), temos que:
a) Consta, com efeito, da documentação junta aos autos de fls. 76-87 (especialmente fls. 80), respeitante à aludida alteração contratual, o nome da arguida, bem como o seu SFID/CAV (…..);
b) Mais decorreu das informações prestadas pelas firmas «NOS» de fls. 80 e da «S» de fls. 92, que foi a arguida quem interveio em tal alteração contratual;
c) Mercê da forma de determinação e pagamento da retribuição então auferida pela arguida, tendo uma parte base e outra variável, em função das angariações ou contratualizações (e suas alterações) conseguidas, como bem explicou a testemunha N, apenas aproveitava àquela angariar mais uma operação de «alteração contratual», mesmo que fosse de forma «fraudulenta» (designação usada pela «NOS» na sua informação de fls. 165 vs.), tendo em vista incrementar, por via de tal esquema, o valor da sua remuneração; ademais, não fazendo qualquer sentido alguém usurpar-se do nome da arguida, como esta pretendeu fazer crer, para proceder à dita alteração, seja por outro colaborador que, dessa forma, não teria beneficio algum no acréscimo da sua remuneração, seja até pela própria firma «S», porquanto saberia de antemão que mais tarde tal proveito lhe seria retirado pela «NOS», por via do designado charge-back;
d) Por fim, resultou do depoimento prestado por P, que, de facto, foi elaborada uma alteração contratutal à sua revelia.
Desde já se diga, em apreciação crítica, que o discurso da arguida, designadamente quando negou ter tido qualquer participação em tal alteração contratual, alegando para tal que outros (v. g. os seus superiores) teriam acesso ao seu tablet, como que pretendendo sacudir a água do capote, como bem diz o Povo, não se mostrou estribado numa versão racional, lógica, linear e coerente.
Senão vejamos. Por que razão alguém (ab)usaria o seu nome em tal operação fraudulenta, sem com isso obter qualquer proveito monetário…, enfim… manifestamente a arguida não soube explicar… nem tão-pouco a testemunha A, então sua colega, que evidenciou um discurso não isento e não espontâneo, marcadamente colado à versão ensaida pela arguida e, ademais, nele se detectando ostensivos «detalhes oportunistas» a favor da arguida (Como bem refere Luís Filipe PIRES DE SOUSA, Prova Testemunhal, pp. 310 e 311, «A existência no depoimento de detalhes oportunistas a favor da parte constitui um preditor da falta de objectividade da testemunha. Trata-se de situações em que a testemunha faz referência a dados, mesmo desnecessários, que pretendem beneficiar uma das opções que estão em debate no processo. (…). Uma actuação nestes termos é desnecessária se a declaração é verídica. Sendo tal declaração falsa, é ostensivo que a testemunha pretende ajudar uma das partes. Quer num caso quer noutro, do próprio facto de serem proferidas essas declarações se infere a falta de objectividade da testemunha.».), que acabam por retirar isenção, credibilidade e objectividade a tal testemunho.
Numa palavra, a versão ensaiada pela arguida de modo algum se ajusta às regras da experiência comum e da normalidade da vida supostas pelo art. 127.º, do C.P.P., fazendo-nos crer, ao invés, que ela se mostra deveras comprometido na prática dos factos aqui em apreciação, inexistindo, destarte, qualquer hipótese alternativa e verosímil que pudesse suscitar uma dúvida razoável neste domínio.
Regressando aos factos, dever-se-á concluir que, inexistindo prova directa do facto axial em causa, qual seja: a elaboração forjada da alteração contratual em causa, bem como a assinatura nela constante, ainda assim, não nos podemos ficar, sem mais, pela “preguiçosa dúvida”, antes teremos de recorrer, conquanto num esforço hermenêutico sofisticado, à designada prova indiciária. Com efeito, não sendo possível recorrer à prova directa neste domínio axial, resta, ainda assim, atender à prova indiciária, a qual, como já dissemos, assenta em dois elementos, a saber: o indício, facto instrumental provado, e a presunção, uma inferência efectuada a partir do indício, permitindo suportar um facto distinto, com apoio na experiência ou em regras da ciência.
Na verdade, como se sublinha no acórdão da Relação de Guimarães de 25 de Janeiro de 2010, disponível em www.dgsi.pt: «(…) entre nós, ao contrário do que por vezes se pensa e se ouve a todo o tempo, de muito que se aceita que a prova indiciária, devidamente valorada, permite fundamentar uma condenação (cf., v.g., Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, vol. II, reimp. Lisboa, 1981, págs. 288-295, Id., Curso de Processo Penal, 2.º vol., Lisboa, 1986, págs. 207- 208, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Lisboa/ S. Paulo, 1993, vol. II, pág. 83, Sérgio Gonçalves Poças, Da Sentença Penal-Fundamentação de Facto, in Julgar, n.º 3, Set-Dez. 2007, págs. 27-29 e 42-43, Acs. do S.T.J. de 8-1-1995, B.M.J. n.º 451, pág. 86 e de 12-9-2007, proc.º n.º 4588/07, rel. Cons.º Armindo Monteiro in www.dgsi.pt, Acs. da Rel. de Coimbra de 6-3-1996, Col. de Jur. ano XXI, tomo 2, pág. 44 e de de 9-2-2000, Col. de Jur. ano XXV, tomo 1, pág. 51, de 11-5-2005, proc.º n.º 1056/05, rel. Oliveira Mendes, de 9-7-2008, proc.º n.º 501/01.3TAAGD, rel. Ribeiro Martins, in www.dgsi.pt, o Ac. da Rel. de Lisboa de 7-1-2009, proc.º n.º 10639/2008-3, rel. Carlos Almeida, os Acs da Rel. de Évora de 24-6-2008, proc.º n.º 437/08-1 e de 17-9-2009, proc.º n.º 524/05.3GAABF.E1, ambos relatados por João António Latas, o Ac. da Rel. do Porto de 28-1-2009, proc.º n.º 0846986, rel. Isabel Pais Martins, todos disponíveis na mesma base de dados, e os Acs da Rel. de Guimarães de 9-10-2006, proc.º n.º 2429/05-1, de 29-1-2007, proc.º n.º 2053/06-1, e de 25-6-2007, proc.º n.º 537/07-1, e 19-1-2009, proc.º n.º 2025/08, todos relatados pelo relator do presente, o último dos quais disponível in www.dgsi.pt). Ponto é que os indícios sejam graves, precisos e concordantes, como se exprime o artigo 192.º, n.º 2, do Código de Processo Penal Italiano. Segundo Paolo Tonini, são graves os indícios que são resistentes às objecções e que, portanto, têm uma elevada capacidade de persuasão; são precisos quando não são susceptíveis de diversas interpretações, desde que a circunstância indiciante esteja amplamente provada; são concordantes quando convergem todos para a mesma direcção (La prova penale, 4.ª ed., Pádua, 2000, apud Eduardo Araújo da Silva, Crime Organizado-procedimento probatório, editora Atlas, São Paulo, 2003, pág. 157). Como lapidarmente se consignou no citado Ac. do STJ de 12-9-2007, relatado pelo Sr. Cons.º Armindo Monteiro “A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto punível se da sentença constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova directa (requisito de ordem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, estar interrelacionados de modo que reforcem o juízo de inferência.».
Ora, será que com base nos factos indiciários supra elencados e resultantes dos meios de prova acima expostos, tal nos permite inferir, com a necessária segurança e com pretensão excluidora de outra versão, pelas regras da lógica e da experiência comum supostas pelo citado art. 127.º, do Cód. Proc. Penal, ter sido a arguida a autora da alteração contratual forjada em causa?
Temos para nós que a resposta deverá ser afirmativa, não se descortinando qualquer outra razão válida, verosímil e decorrente dos elementos objectivos constantes dos autos para que a arguida adoptasse tais comportamentos directamente apurados, a não ser o facto de ter sido ela a autora de tal alteração contratual forjada, bem como da assinatura nela aposta, nos termos supra apurados. É que neste tipo de esquema ilícito não convém envolver terceiros…
Na verdade, dos factos objectivos constantes da documentação em causa, v. g. de fls. 76-89, lida à luz da forma de pagamento da retribuição então auferida pela arguida, em que uma parte era variável, em função do número de angariações ou contratualizações (e suas alterações) conseguidas, sendo que quanto mais lograsse mais ganhava em termos salariais, como é óbvio, flui, por inferência e por referência às regras da experiência comum, que a arguida foi de facto a autora da alteração contratual forjada nas apontadas circunstâncias, pois era a única que beneficiava com isso, conforme explicitamos supra.
Com efeito, se é certo que nenhuma das testemunhas percepcionou a arguida no exacto momento em que esta cometeu tal facto (aliás, sequer seria suposto…), é inegável o valor lógico dedutivo das circunstâncias a que supra fizemos referência, razão pela qual, a inexistência de qualquer outra explicação racional e verosímil, resta ao Tribunal aquela que se assume como, de longe, a mais natural e a mais fortemente plausível.
Assim, no caso em apreço, dada a malha apertada de factos apurados, a conclusão a que se chegou é tanto mais segura, quanto tão dificilmente são conjecturáveis quaisquer outras explicações (minimamente verosímeis e plausíveis) alternativas, sendo que aqueles factos apurados, sem qualquer dúvida, se interligam e dão origem à conclusão de que, sem margens para dúvidas razoáveis, a arguida foi, de facto, a autora da alteração contratual forjada.
E não se diga que tal operação teria sido conduzida pela arguida de forma assaz atabalhoada, já que deixou um rasto comprometedor bem evidente ao deixar ficar o seu nome e SFID/CAV na documentação respeitante à alteração contratual fraudulenta, porquanto por um lado deve sublinhar-se que a arguida necessitava de se identificar para, dessa forma, lograr imputar tal angariação no incremento salarial desejado; por outro, como bem assinalado pelo Il. mandatário da vítima, a arguida sequer estaria à espera que aquela providenciasse, de forma tão insistente e abnegada, por tais reclamações, a ponto de a própria operadora admitir ter existido uma alteração contratual fraudulenta (cf. fls. 165 vs.), contando, ao invés, pela habitual inércia e ignorância dos consumidores incautos, que não sabem ou não podem reagir contra tais abusos…
Por fim, salvo melhor entendimento, este tribunal não pode (nem deve) ficar limitado à existência de uma perícia para lograr provar um documento manifestamente forjado, antes ancorando tal percepção com base na prova testemunhal da vítima, quando asseverou não ter sido ela quem ajustou tal alteração contratual (veja-se a actividade indicada no formulário «abate de aves», enfim, a vítima tem uma imobiliária, como explicou; por outro lado, o n.º de telemóvel aposto que não é o da vítima) ou sequer nela apôs a sua assinatura; por outro lado, jamais poderá beneficiar-se o infractor que, de forma astuta, escolhe a forma digital para operacionalizar o esquema ilícito, deliberadamente sem recorrer a assinatura certificada, sabendo, de antemão, que esta afasta qualquer hipótese de perícia, enfim… outro entendimento contrário ao aqui preconizado seria deveras conivente com tal abuso e, ademais, até o incentivaria, tal a impunidade que promoveria.
Ou seja e em suma: da prova produzida em juízo, é seguro asseverar, para além de qualquer dúvida razoável, que a arguida foi, de facto, a autora da alteração contratual forjada, porquanto todas as provas testemunhal e documental, quando analisadas à luz das regras da experiência comum e da normalidade da vida, convergem nesse único sentido.
*
Como já se adiantou supra, dever-se-á consignar que a arguida também prestou declarações (Como avisadamente nos diz o acórdão da Relação de Évora, datado de 6-11-2012, relatado por Maria BARATA BRITO, disponível em www.dgsi.pt: «I - É nula, por deficiente fundamentação da matéria de facto, a sentença que omite a análise da prova por declaração de arguido (...). II - Optando o arguido por responder sobre os factos imputados, impõe-se apreciar a versão apresentada, explanando as razões do seu eventual crédito ou descrédito. (…). IV - O exame da prova é a análise de todas as provas, mesmo daquelas de que nada de útil se retirará; se uma prova é irrelevante, que dizê-lo, pois assim a sentença revela que foram apreciadas todas as provas.»), conquanto apenas aquelas entendeu prestar, diga-se, sendo por isso um depoimento altamente constrangido, não espontâneo e selectivo, para convenientemente alegar que não tinha sido ela quem havia alterado o contrato da vítima nas apontadas circunstâncias…
Como compreendemos a arguida, é que perante o acervo probatório existente nos autos, a única saída para tal «encurralamento», seria de facto, como diz o Povo, sacudir a água do capote… mas debalde o logrou, como é evidente…
Vale por dizer que, em nossa livre apreciação conferida pelo citado art. 127.º, do C.P.P., não emprestamos qualquer credibilidade à versão apresentada pela arguida neste domínio, conforme acima se explicitou, designadamente quando analisada à luz das regras da experiência comum e da normalidade da vida neste tipo de casos, pois este Tribunal, como é evidente, deverá apreciar tais declarações criticamente à luz das regras de valoração de prova explicitadas supra (Como já esclarecemos, o valor da prova baseada em declarações ou testemunhos mede-se em CREDIBILIDADE, factor que será composto pelos seguintes subfactores: (i) Seriedade (boa motivação da testemunha para depor); (ii) Isenção (falta de interesse na causa – pode estar ligada à anterior); (iii) Razão de Ciência (fonte de conhecimento dos factos); (iv) Coerência lógica: - Interna (depoimento confrontado consigo mesmo); - Externa (depoimento confrontado com os demais). É no âmbito da coerência lógica que podem (e devem) ser ponderados aspectos como o rigor (total coerência interna) e a forma objectiva (ausência de divagações, ou depoimento sobre factos irrelevantes). A lógica é equiparada às leis matemáticas. As leis que determinam que um determinado acontecimento só se pode ter verificado dessa maneira e não de outra qualquer. Se a lógica pura e simples não der resposta, aí entra em consideração a livre apreciação do juiz, a sua livre convicção, segundo regras da experiência – [art. 127.º, do C.P.P.]
Como bem se afirma no acórdão da Relação do Porto, recurso n.º 9920001, in www.dgsi.pt: «A actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptadores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem está a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente.».).
Debalde logrou a arguida atingir tal desiderato de enjeitar a sua responsabilidade criminal, diga-se (Como bem se afirma no acórdão da Relação do Porto, recurso n.º 9920001, in www.dgsi.pt: «A actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptadores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares)e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem está a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente.».
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Em síntese, quanto à tarefa axial de imputação dos factos à arguida, pese embora não ter sido produzida prova directa, certo é que os elementos indiciários colhidos conduziram, sem dificuldade, à demonstração da sua autoria. Sabe-se que a prova indiciária [que alguns distinguem da presunção, mas, para o que essencialmente importa, corresponde à mesma realidade silogística: afirmar um facto desconhecido a partir do encadeamento lógico dos dados conhecidos] assenta em dois elementos: o indício, facto instrumental provado, e a presunção, uma inferência efectuada a partir do indício, permitindo suportar um facto distinto, com apoio na experiência ou em regras da ciência. Diz-se ainda que aqueles indícios devem ser plurais, independentes e, sobretudo no que ora monta, concordantes, significando isto que eles devem conduzir, de forma conjugada, para uma conclusão única.
Todos estes elementos indirectos, mas directamente comprovados, coincidem, quando conjugados, na formulação de um resultado unívoco e necessário, atribuindo à arguida a autoria dos factos cometidos, respeitantes à alteração contratual forjada, nos termos supra apurados, inexistindo, quanto a nós, destarte qualquer situação de dúvida razoável ou insuperável que impusesse a aplicação do princípio in dubio pro reo.
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Por outra banda, deve dizer-se que resulta da factualidade material apurada e lido à luz das regras da experiência comum e da normalidade da vida que a arguida da forma como actuou, agiu com cognoscibilidade e intencionalidade (Neste sentido, veja-se o acórdão da Relação de Évora, de 24-5-2005, disponível em www.dgsi.pt., donde se retira que: «pertencendo ao foro interno do agente, o dolo é insusceptível de directa apreensão, apenas sendo possível captar a sua existência através de factos materiais que lhe dêem expressão plástica, segundo as regras da experiência comum.».
Como ensinava Manuel CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, Vol. II, p. 292: «Existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, são susceptíveis de prova indirecta como são todos os elementos de estrutura psicológica»; sufragando esta asserção, diz-nos N. F. MALATESTA, A Lógica das Provas em Matéria Criminal, pp. 172 e 173: «Exceptuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intelectual, senão por meio de provas indirectas: percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita, e dessas coisas passa-se a concluir pela sua existência.».), querendo actuar da descrita forma, a fim de forjar uma alteração contratual, bem como os dados e a assinatura neles aposta, sem autorização da cliente visada, tendo em vista incrementar o valor do seu salário de forma ilegítima, através do engano por si induzido na sua entidade patronal «» e, indirectamente, na operadora «NOS», colocando em causa a credibilidade do documento em causa no tráfico jurídico, o que logrou fazer, bem sabendo ainda que tal conduta era proibida e punível por lei. Com efeito, provado ficou, neste domínio, que a arguida quis agir do modo descrito, com o propósito concretizado de obter benefícios económicos para si ao proceder à angariação, venda e alteração contratual de um serviço de telecomunicações da «NOS», para quem trabalhava através da «S», levando a «NOS» erroneamente a acreditar que o mesmo era celebrado em nome da cliente e que esta assumiria o pagamento de tais serviços, o que determinou a operadora «NOS» a disponibilizar os mesmos na morada indicada pela arguida. Mais se apurou que a arguida sabia que P não lhe solicitou qualquer alteração contratual, estando ciente, assim, que a alteração por si efectuada não era devida, que causava prejuízo àquela e à «NOS», ao mesmo tempo que beneficiava financeiramente junto da «S» e da «NOS» com o recebimento de vantagem financeira por ter efectuado tal angariação e venda, enriquecimento que sabia não lhe ser devido e, como tal, sabia que era ilegítimo, o que conseguiu porque imitou a assinatura de P e utilizou os seus dados de identificação no mencionado contrato, apesar de saber que o fazia sem o consentimento e contra a vontade desta, assim se dando como provada a matéria de facto vertida nos pontos 6) a 8).

Sem embargo, vejamos melhor esta asserção.
Sic ut supra, o Tribunal concatenou todos os elementos probatórios disponíveis e concluiu que todos apontam num único sentido, de tal forma que tornam praticamente impossível que a realidade tenha sido outra que não a dada como provada.
Logrou-se, pois, afastar qualquer dúvida razoável que pudesse pôr em causa tal decorrer dos acontecimentos.
Volvendo agora aos elementos probatórios decisivos [quais sejam: a prova documental constituída designadamente pelo auto de notícia de fls. 2-4, a reclamação de fls. 12-14, os esclarecimentos da «NOS» de fls. 39, o contrato de fls. 41-61 e 84-86, o requerimento de fls. 63-64, a reclamações de fls. 65-76, 7983, a informação prestada pela «NOS» quanto à alteração contratual de fls. 88, a informação «SinalCabo» de fls. 92, em conjugação com os depoimento da vítima P e, em parte, da testemunha N, nos termos dos quais, na sua essência, confirmaram tal factualidade, de acordo com as suas percepções, tendo, desse modo, contribuído para que se considerasse provada a matéria de facto acima descrita], na formação da convicção do Tribunal, ter-se-á de entender que com base nos mesmos apurados nos termos supra, apreciados à luz da teoria da prova indiciária estribada na inferência das regras da experiência comum, da normalidade da vida e da lógica nos termos supra explicitados, logrou estabelecer-se, para além de toda a dúvida razoável, a ligação directa e efectiva do arguido com a prática dos factos com relevância criminal aqui em apreciação.
Quer isto dizer que todos os indícios existentes são concordantes e unívocos, sem que existe qualquer contra-indício que os possa infirmar.
E o contra-indício terá de assumir a mesma forma dos indícios existentes, ou seja, terá de ser concreto, efectivo, real ou minimamente verosímil, e não apenas de natureza hipotética.
Ou seja e em suma: temos para nós que não existem dúvidas razoáveis ou insuperáveis de que a arguida foi o agente dos factos com relevância criminal aqui em apreciação.
Destarte, in casu, salvo o devido respeito por opinião em contrário, cremos que de uma leitura integral da fundamentação de facto constante desta decisão resulta inteiramente percetível a apreciação lógica da prova levada a efeito por esta 1.ª instância, alicerçada em guias ou diretrizes objectivas que conduziram a uma consubstanciação histórica dos factos razoavelmente compatível com o acervo probatório produzido e constante dos autos, com respeito pelos princípios do Estado de Direito Democrático e da Dignidade da Pessoa Humana, plasmados nos artigos 1.º e 2.º da Constituição da República Portuguesa.
É consabido que com base no princípio in dubio pro reo, em sede probatória tem de ser sempre valorado o non liquet a favor do(s) arguido(s).
Contudo, isso impõe-se apenas quando esse non liquet existe.
In casu, sempre se diga ainda que este Tribunal, no que tange à pertinente materialidade fáctica constitutiva do referido tipo legal de crime de falsificação de documento imputado à arguida não chegou a qualquer estado de dúvida que justificasse a intervenção do apontado princípio.
Deste modo, concluímos que as provas não impunham, em juízo de certeza e sem margem para quaisquer dúvidas, outra apreciação e decisão, pelo que a matéria de facto apurada e acima fixada não merece qualquer reparo.
Com efeito, tal análise da prova teve por base a imediação, sendo elaborado um juízo objectivável e racional; sendo que o princípio in dubio pro reo, à luz do princípio da investigação apenas deve ser entendido no sentido de que não devem ser julgados provados os factos relevantes para a decisão que, apesar da prova recolhida, não possam ser subtraídos a dúvida razoável.
Tal princípio só é desrespeitado quando o Tribunal colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas decidiu em tal situação contra o(s) arguido(s).
Verificamos assim que a violação do princípio in dubio pro reo pressupõe que num estado de dúvida insanável, o Tribunal opte por decidir de forma desfavorável ao(s) arguido(s).
Como é sabido, este princípio tem aplicação no domínio da apreciação da prova, refletindo-se nos contornos da decisão de facto. Assim, não se descortinando quais das versões apresentadas é verdadeira, chegando uma situação de não prova dos factos, por contradição insanável da prova produzida, cumpre valorar a versão fáctica que mais beneficia o(s) arguido (s).
Ora, in casu, resulta que, na sua fundamentação, este Tribunal, no que tange à pertinente materialidade fáctica constitutiva do referido tipo legal de crime de falsificação de documento imputado à arguida não manifesta dúvidas sobre a ocorrência dos factos e de quem foi o seu “autor.”
A prova produzida corroborou a materialidade fáctica imputada ao arguido, conforma supra se enfatizou.
Verificamos, assim, que no que à materialidade fáctica constitutiva do aludido crime de falsificação de documento concerne, a dúvida não resultou da prova produzida, nem razão com força legal bastante existe para ter permanecido no espírito do julgador em relação a qualquer facto fundamental, ficando amplamente provada toda a materialidade fáctica tida por relevante relativa a estes o imputado crime.
Ora, mesmo quando tal posição é expressamente tomada, não basta a mera contradição ou negação da factualidade que consubstancia o ilícito para que se recorra ao princípio in dubio pro reo. Pelo contrário, necessário se torna que exista dúvida insanável e irremovível, o que in casu, no que tange aos factos constitutivos do crime de falsificação de documento imputado à arguida face à prova produzida, mais uma vez se enfatiza, não se verificou.
Na verdade, não é qualquer dúvida sobre os factos que autoriza sem mais uma solução favorável aos arguidos, mas sim e apenas a chamada dúvida razoávela doubt for which reasons can be given»).
Por sua vez, cabe dizer com José Manuel Saporiti Machado da CRUZ BUCHO, na esteira do que já há muito tempo decidido foi pelo Tribunal Supremo de Espanha, que tal princípio «não estabelece os pressupostos ou condições em que os juízes podem ou devem duvidar mas tão-somente como devem proceder em caso de dúvida insanável.».
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Ainda neste domínio, convém sublinhar-se que todos os elementos de prova com base nos quais este tribunal formou a sua convicção sobre a ocorrência dos factos relevantes nos termos supra indicados, são válidos e legais, tendo além disso este tribunal observado o cabal respeito pelas garantias de defesa e de contraditório da arguida, conforme atestam os autos.
É que como ensina, por todos, Paulo DÁ MESQUITA (A Prova do Crime e o que se disse antes do julgamento (Tese de Doutoramento), 2011, p. 266.), a propósito da verdade processual e proibições de prova no processo penal português: «[…], o material probatório não é selecionado e utilizável exclusivamente em função do seu valor gnoseológico, existindo vias com potencial epistémico que são recusadas e material informativo disponível que não pode ser utilizado por outros motivos. Mesmo os mais extremos defensores de um conceito operativo de verdade material remetem-no para uma dimensão também formal verdade licitamente adquirida de acordo com as regras do processo.».
Mais se diga que, ao decidir como se decidiu, não se alcança que este Tribunal tivesse valorado contra a arguida, qualquer estado de dúvida razoável em que tenha ficado sobre a existência dos factos com relevo criminal, do mesmo modo que também não se infere que este Tribunal devesse ter ficado com dúvidas razoáveis ou insuperáveis, i. e. devesse efectivamente ter ficado num estado de dúvida insuperável, de tal sorte que impusesse a aplicação do princípio in dubio pro reo, daí que não se mostre violado este princípio, é o que se entende.
Donde se conclui que este Tribunal, no que respeita aos factos constitutivos do crime de falsificação de documento imputado à arguida, não tenha ficado em estado de dúvida razoável quanto à ocorrência de qualquer facto relevante (nomeadamente que integrasse qualquer causa de justificação ou de exclusão da culpa) e que, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra os arguidos, nem que face à globalidade da prova produzida devesse ter ficado na dúvida positiva, racional sobre factos relevantes, que ilida a certeza contrária, ou por outras palavras impeça a convicção do Tribunal.
Ou seja e em suma: nos termos expostos, ponderando todos os elementos de prova referidos, analisados de forma crítica e ponderados segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção do julgador, este tribunal não teve dúvidas em considerar provados os factos supra indicados. Ou seja, depois de produzidas todas as provas julgadas pertinentes, dever-se-á esclarecer (e enfatizar) que nenhuma dúvida razoável ou/e insuperável (i. e. «a doubt for which reasons can be given»), se formou no espírito do julgador neste domínio, que impusesse a aplicação do princípio in dubio pro reo (Com efeito, apenas nos casos em que se forma uma situação de dúvida razoável, insanável ou insuperável [ou seja a dúvida que deve indubitavelmente beneficiar o arguido, não pode ser uma dúvida qualquer; ela tem de ser uma dúvida séria, plausível, inultrapassável para o julgador e sobre os factos relevantes; o que implica que, na apreciação dos factos, se actue de forma séria, experiente e fria e que se possua uma experiência de vida ampla, equilibrada e diversificada – cf. Manuel FERREIRA ANTUNES, Psicologia Judiciária, Apontamentos, p. 75] no espírito do julgador deve necessariamente ser resolvida em benefício da presunção de inocência do arguido, em obediência ao seu corolário probatório do in dubio pro reo - [art. 32.º, n.º 2 da C.R.P.; art. 11.º, n.º 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948; e art. 6.º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que foi aprovada, para ratificação, pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro]. Sem embargo, importa, pois, expender outras singelas considerações adicionais sobre a teleologia e o recorte jurídico do aludido princípio do in dubio pro reo, tendo em vista a fundamentar-se a sua não aplicação ao caso. Desde já se diga que a prova em processo penal, não é, nem pode ser nunca, a certeza absoluta da ocorrência do facto [ela tem como função, para usar a expressão do art. 341.º, do Cód. Civil, a demonstração da realidade dos factos], em razão da impossibilidade de fuga à deformação sofrida até à apreensão pelo receptor dos factos. É, aliás, da natureza das coisas e, como é afirmado, «suspeita, dúvida, certeza, evidência, são etapas de um caminho até à verdade» – [cf. Sentis MELENDO, apud de Miguel Pedrosa MACHADO, O princípio in dubio pro reo e o novo CPP, in ROA 49, pp. 583 a 611]. Os factos, quando ocorrem, esgotam-se em si mesmos, tornando impossível a sua reconstituição natural. O que se pretende – e pretendeu – fazer nesta fase de instrução foi reconstituir o que se passou, através do que ficou retido naqueles que nela testemunharam por estarem presentes. Assim, a verdade que surge ao Tribunal é a verdade da instrução, do que nela se passou, já com o filtro do tempo e com os depoimentos dos arguidos, dos assistentes e das testemunhas, com o perigo que estes trazem ínsitos: como assinalava a doutrina, «o erro espreita insidiosamente a decisão, pelo lado do testemunho verbal» – [veja-se Dário MARTINS DE ALMEIDA, O Livro do Jurado, p. 94] e são elas, as testemunhas, justamente «os auxiliares do juiz, são os olhos e os ouvidos da justiça» e Pietro ELLERO, citando MITTERMAIER, De la certidumbre en los juicios criminales o Tratado de la Prueba en matéria penal, p. 114; vd., por todos, quanto à apreciação da prova testemunhal, pp. 109 a 132]. Continuando na doutrina, sendo incerta a prova impõe-se ao Tribunal que não use um critério formal, como resultante do ónus legal da prova, para decidir da condenação do arguido, a qual terá sempre que assentar na certeza dos factos probandos, impondo-se antes o recurso ao princípio de direito probatório in dubio pro reo, comportando o mesmo a presunção de inocência do arguido – [cf., neste domínio, Manuel CAVALEIRO DE FERREIRA, Direito Penal Português, I, p. 111]. Trata-se, com efeito, de um princípio vigente no que diz respeito à decisão da questão-de-facto. Quer se entenda que constitui «um princípio natural de prova imposto pela lógica e pelo senso moral, pela probidade processual» – [veja-se, neste ponto, Manuel CAVALEIRO DE FERREIRA, in op. cit., p. 310], quer como princípio fundamental do processo penal em qualquer Estado de Direito – [cf. Jorge de FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal, p. 214], trata-se de um princípio indiscutível no que concerne à apreciação da prova na decisão da questão-de-facto. Tanto no que diz respeito à prova dos elementos constitutivos do crime, como à prova dos factos extintivos ou causas de exclusão da responsabilidade criminal – [vejam-se, neste domínio, Manuel CAVALEIRO DE FERREIRA, in op. cit., p. 312, e Jorge de FIGUEIREDO DIAS, in op. cit., p. 215]. Tal princípio, em suma, significa que «em caso de dúvida razoável», após a produção de prova, tem de actuar em sentido favorável ao arguido – [veja-se a formulação de J. FIGUEIREDO DIAS, in op. cit., p. 215]. Já se vê assim, que não é uma qualquer dúvida que obriga à aplicação do referido princípio, mas apenas a dúvida razoável, que persiste no espírito do julgador, após a produção de todas as provas e sua avaliação de acordo com a lei e as regras da experiência comum, nos termos acima referenciados. Se após a ponderação da prova – toda a prova – o julgador se convenceu, com base numa análise objectiva e racional, de acordo com os critérios legais e doutrinais de valoração da prova sem que no seu espírito se tenha instalado a dúvida consistente ou razoável, não se verifica, pois, a violação de tal princípio axial do processo penal.)
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No que se refere aos factos atinentes aos dados pessoais e económicos da arguida, indicados nos pontos 9) a 13), resultaram provados com base nas declarações prestadas pela arguida, em sede de audiência de julgamento, que neste domínio se afiguraram credíveis.
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Quanto à ausência de antecedentes criminais da arguida, consignada nos ponto 14), o Tribunal atendeu ao teor do seu CRC junto aos autos.

Pouco, ou nada, há a acrescentar a esta extensíssima e motivadíssima decisão sobre a matéria de facto, onde,, para além de se discorrer, com profundidade, sobre os requisitos da prova indirecta ou indiciária, se demonstra como a mesma tem plena aplicação na situação dos autos.
Apenas só mais duas ou três notas em remate do que, muito acertadamente, ali se escreveu.
A prova não pode ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada, mas, ao invés, deve ser valorada na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os seus diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção.
Importa ainda dizer, que as provas não têm forçosamente que criar no espírito do julgador uma absoluta certeza dos factos a provar, certeza, essa, que, muitas vezes, seria impossível, ou quase impossível de alcançar.
O que é necessário, é que as mesmas provoquem um grau de probabilidade tão elevado, que se baste, como certeza possível, para as necessidades de vida, de forma a se poder concluir, sem dúvida razoável, que um indivíduo praticou determinados factos.
O tribunal recorrido, na sua longa motivação, explica, demoradamente, a razão pela qual a prova indirecta permite, sem dúvida razoável, dar por adquirido que foi a arguida a autora da falsificação investigada nos autos.
Recordem-se os factos objectivamente provados que permitem, com toda a segurança, dar o salto probatório para tal imputação:
- Consta da documentação junta aos autos respeitante à aludida alteração contratual, o nome da arguida, bem como o seu SFID/CAV (…..), identificação da sua ligação à NOS, por via da empresa S;
- Por ambas as empresas foi referido que a alteração contratual que prejudicou a ofendida foi realizada pela arguida, tendo a NOS concretizado que a mesma se deu por via fraudulenta;
- A ofendida, em depoimento sério e credível, assegurou não ter pedido qualquer alteração do seu contrato, sendo que ao verificar que a mesma tinha sido efectuada sem a sua autorização e consentimento, elaborou, junto da NOS, a respectiva queixa;
- A arguida, em termos de remuneração, auferia uma retribuição base e outra variável, em função das angariações ou contratualizações (e suas alterações) que viesse a conseguir.
Tendo presentes estes elementos, violaria todas as regras da experiência comum, da normalidade da vida e do sentido das coisas, que não se considerasse a arguida como autora das alteração do contrato da ofendida, com o consequente acto de forjar a assinatura desta no pedido dessas alterações contratuais, porquanto, apenas à ora recorrente aproveitava angariar tais operações, aumentando, desse modo, o valor da sua remuneração.
Como bem notou a decisão recorrida, “…não fazendo qualquer sentido alguém usurpar-se do nome da arguida, como esta pretendeu fazer crer, para proceder à dita alteração, seja por outro colaborador que, dessa forma, não teria beneficio algum no acréscimo da sua remuneração, seja até pela própria firma «S», porquanto saberia de antemão que mais tarde tal proveito lhe seria retirado pela «NOS», por via do designado charge-back;
Sendo evidente, em termos da sua retribuição, que quanto mais angariações ou alterações lograsse obter, mais retribuição auferia, parece evidente, por critérios de mera lógica e com base nas regras da experiência comum, que a arguida foi de facto a autora da alteração contratual forjada pois era a única que beneficiava com isso.
Recorde-se o que, muito, acertadamente, se escreveu na decisão recorrida:
“Com efeito, se é certo que nenhuma das testemunhas percepcionou a arguida no exacto momento em que esta cometeu tal facto (aliás, sequer seria suposto…), é inegável o valor lógico dedutivo das circunstâncias a que supra fizemos referência, razão pela qual, a inexistência de qualquer outra explicação racional e verosímil, resta ao Tribunal aquela que se assume como, de longe, a mais natural e a mais fortemente plausível.
Assim, no caso em apreço, dada a malha apertada de factos apurados, a conclusão a que se chegou é tanto mais segura, quanto tão dificilmente são conjecturáveis quaisquer outras explicações (minimamente verosímeis e plausíveis) alternativas, sendo que aqueles factos apurados, sem qualquer dúvida, se interligam e dão origem à conclusão de que, sem margens para dúvidas razoáveis, a arguida foi, de facto, a autora da alteração contratual forjada.
E não se diga que tal operação teria sido conduzida pela arguida de forma assaz atabalhoada, já que deixou um rasto comprometedor bem evidente ao deixar ficar o seu nome e SFID/CAV na documentação respeitante à alteração contratual fraudulenta, porquanto por um lado deve sublinhar-se que a arguida necessitava de se identificar para, dessa forma, lograr imputar tal angariação no incremento salarial desejado; por outro, como bem assinalado pelo Il. mandatário da vítima, a arguida sequer estaria à espera que aquela providenciasse, de forma tão insistente e abnegada, por tais reclamações, a ponto de a própria operadora admitir ter existido uma alteração contratual fraudulenta (cf. fls. 165 vs.), contando, ao invés, pela habitual inércia e ignorância dos consumidores incautos, que não sabem ou não podem reagir contra tais abusos…”
É sabido que no nosso ordenamento jurídico, e particularmente no processo penal, não existe prova tarifada, inexistindo regras de valoração probatória que vinculem o julgador, pelo que, por regra, qualquer meio de prova deve ser analisado e valorado de acordo com o princípio da livre convicção do julgador.
O recorrente, nesta sede, mais não faz do que atentar contra a apreciação da prova, livremente feita pelo tribunal, e segundo a convicção alcançada pelo respectivo julgador, como lho permite o Artº 127 do CPP - princípio da livre apreciação da prova – onde se estipula que : Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Tal princípio assenta, fundamentalmente, em duas premissas:
A de que o juiz decide de forma livre e de acordo com a sua íntima convicção, formada a partir do confronto das provas produzidas em audiência.
E que tal convicção há-de ser formada com base em regras de experiência comum.
Nestes termos, o juiz não está sujeito a critérios de valoração de cada um dos meios probatórios, legalmente pré-determinados, sistema da prova legal, sendo o tribunal livre na apreciação que faz da prova e na forma como atinge a sua convicção.
Contudo, sendo esta uma apreciação discricionária, não é a mesma arbitrária, tendo a referida apreciação os seus limites.
Não verdade, livre convicção não pode ser sinónimo de arbitrariedade.
Ou seja, a livre apreciação da prova tem sempre de se traduzir numa valoração "racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência (…), que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão” de modo a que seja possível, por qualquer pessoa, entender porque é que o tribunal se convenceu de determinado facto, ou, dito de outro modo, porque é que o juiz conferiu credibilidade a uma testemunha e descredibilizou outra, por exemplo.
«A sentença, para além dos factos provados e não provados e da indicação dos meios de prova, deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituam o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados na audiência.»- Ac. do STJ de 13/02/92, CJ Tomo I, pág. 36.
O que o juiz não pode fazer nunca é decidir de forma imotivada ou seja, decidir sem indicar o iter formativo da sua convicção, «é o aspecto valorativo cuja análise há-de permitir (…) comprovar se o raciocínio foi lógico ou se foi racional ou absurdo» (Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, II, pág. 126 e sgs.).
Como diz o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 1º Vol., Coimbra Editora, 1974, págs. 202/203, «a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo»
Por outro lado, e segundo o mesmo, «a livre ou íntima convicção do juiz não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável. (...) Se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros.
Uma tal convicção existirá quando e só quando o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável».
Também o Prof. Cavaleiro Ferreira, in « Curso de Processo Penal », 1986, 1° Vol., pág. 211, diz que o julgador, sem ser arbitrário, é livre na apreciação que faz das provas, contudo, aquela é sempre «vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório».
Directamente ligada a esta apreciação livre das provas, e determinante na formação da convicção do julgador, está o princípio da imediação, que Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 232, define como «a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão».
«(...) Só estes princípios (também o da oralidade) permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. E só eles permitem, por último, uma plena audiência destes mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso».
Ora, analisada a valoração que da prova foi feita pelo tribunal recorrido, é inegável que a convicção alcançada por este se mostra suficientemente objectivada e motivada, capaz, portanto, de se impor aos outros.
E, para assim se concluir, basta atentar-se, com a isenção ou distanciamento exigidos, na forma exaustiva como a decisão recorrida explica a razão como, por via da prova indiciária, deu por assente os factos em causa, por meio de um raciocínio que é inatacável e que se acolhe, por inteiro, à razoabilidade da vida e às regras da experiência comum.
O que se impunha ao tribunal recorrido é que explicasse e fundamentasse a sua decisão, pois só assim seria possível saber se fez a apreciação da prova segundo as regras do entendimento correcto e normal, isto é, de harmonia com as regras comuns da lógica, da razão e da experiência acumulada.
E isso foi feito, poder-se-á dizer, de modo perfeitamente inteligível para qualquer leitor, que logo compreenderá o modo de valoração das provas e o juízo resultante dessa mesma aferição efectuado pelo tribunal a quo, sendo manifesto que as razões que presidiram à motivação da prova provada se apresentam como lógicas, racionais e coerentes com o conjunto da prova produzida.
O raciocínio consequente pelo qual o tribunal recorrido deu por assente os factos que levam à condenação do arguido configura-se, por isso, como adequado às regras de experiência, à normalidade da vida e à razoabilidade das coisas, razão pela qual, não merecendo censura, não é sindicável por este tribunal, inexistindo por isso motivos para ser alterado.
E daí não resulta, ao contrário do que afirma a recorrente, qualquer violação do princípio in dubio pro reo.
Com efeito, a violação deste princípio só se verifica quando, em sede de prova, perante uma dúvida objectiva e intransponível, o tribunal decide desfavoravelmente ao arguido.
Mas esta dúvida não é a que a recorrente entende que o tribunal deveria ter tido, mas a que este efectivamente teve.
Ora, resulta, com toda a clareza, da fundamentação da sentença recorrida, que nenhuma dúvida perpassou pelo espírito do julgador na construção do esqueleto factual dos autos, após a apreciação, livre, mas responsável, livre, mas motivada, da prova produzida em Audiência de Julgamento, corroborada com a já existente nos autos.
Nessa medida, não tem cabimento a aplicação do referenciado princípio in dubio pro reo, pois o tribunal a quo entendeu, e bem, que havia sido produzida suficiente prova do cometimento dos factos pela arguida, entendimento que foi sufragado ao abrigo do já escalpelizado princípio da livre apreciação da aprova, ínsito no Artº 127do CPP.
Importa trazer à colação o já afirmado em Acórdão deste Tribunal da Relação, em 03/05/07, proferido no processo n.º 80/07-3 disponível no sítio da internet www.dgsi.pt,
«O erro na apreciação das provas relevante para a alteração da decisão de facto pressupõe, pois, que estas (as provas) deveriam conduzir a uma decisão necessária e forçosamente diversa e não uma decisão possivelmente diferente; se a interpretação, apreciação e valoração das provas permitir uma decisão, diversa da proferida, mas sem excluir logicamente a razoabilidade desta, neste caso pode haver erro na apreciação das provas, mas não será juridicamente relevante para efeitos de modificação da matéria de facto pelo Tribunal Superior; a decisão proferida com base numa interpretação e valoração (ainda que discutíveis) fundamentadas nas provas produzidas contida no espaço definido pela livre apreciação das provas e pela convicção por elas criada no espírito do juiz, não pode ser alterada, a menos que contra ela se apresentem provas irrefutáveis, já existentes nos autos e desconsideradas ou supervenientes.
Por outras palavras: a sindicância da decisão de facto deve limitar-se à aferição da sua razoabilidade em face das provas produzidas …
… A segunda instância em matéria de facto não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas tão só apreciar se a convicção expressa pelo tribunal a quo na decisão da matéria de facto tem suporte razoável …»
A decisão, nesta matéria, do tribunal recorrido, foi proferida com base numa interpretação e valoração que se mostra suficientemente fundamentada, quer nas provas produzidas, quer pela livre convicção por elas criada no espírito do julgador, só podendo ser alterada, se contra si se apresentassem meios de prova irrefutáveis, existentes nos autos e que tivessem sido desconsiderados, ou se a mesma se configurasse como totalmente irrazoável, contrária às mais elementares regras de experiência ou ao sentido das coisas.
Mas nenhuma destas condições é o caso sub judice, em que o decidido pelo tribunal recorrido, se desenha com lógica ou razoabilidade necessárias, de modo que, se deve concluir como no aresto citado : «… se a interpretação, apreciação e valoração das provas permitir uma decisão, diversa da proferida, mas sem excluir logicamente a razoabilidade desta, neste caso pode haver erro na apreciação das provas, mas não será juridicamente relevante para efeitos de modificação da matéria de facto pelo Tribunal Superior»
Discordar, sem qualquer fundamento legal, leva simplesmente à sua improcedência, como já por este Tribunal foi afirmado em Acórdão de 23/03/01 : «A divergência quanto à decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto será relevante na Relação apenas quando resultar demonstrada pelos meios de prova indicados pelo recorrente a ocorrência de um erro na apreciação do seu valor probatório, sendo necessário para que ele se verifique, que os mencionados meios de prova se mostrem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente».
O presente tribunal só poderia assim alterar o decidido factualmente pela 1ª instância se existissem provas nos autos que impusessem decisão diferente e in casu, embora a prova produzida, eventualmente e no entendimento da recorrente, permitisse uma decisão de facto em sentido diverso, ela não impunha decisão distinta, pelo que o por si pretendido está destinado ao fracasso.
Inexistindo, assim, qualquer erro na avaliação da prova por banda do tribunal a quo e por consequência, qualquer violação do disposto no Artº 127 do CPP, ter-se-á que finalizar pela improcedência do recurso.

3. DECISÃO

Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e em consequência, manter, na íntegra, a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça, atendendo ao trabalho e complexidade das questões suscitadas, em 3 UC, ao abrigo do disposto nos Arts 513 nº 1 e 514 nº 1, ambos do CPP e 8 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa.
xxx
Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos signatários.

Évora, 23 de abril de 2024
Renato Barroso
Maria Gomes Perquilhas
Fernando Pina