Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
| Processo: |
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| Relator: | SÓNIA MOURA | ||
| Descritores: | MAIOR ACOMPANHADO MEIOS DE PROVA PERÍCIA SEGUNDA PERÍCIA | ||
| Data do Acordão: | 11/27/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
| Sumário: | Sumário:
1. O critério que preside à instrução da causa no processo de acompanhamento de maior é o da pertinência e relevância dos meios probatórios para a sua boa decisão, o que se reconduz a saber se esses meios probatórios contribuem para apurar a natureza e grau de incapacidade de que eventualmente padeça o requerido e definir as medidas mais adequadas para suprir esta situação. 2. Entre esses meios avulta a perícia, quando esteja em causa uma alegada condição de saúde do foro psiquiátrico. 3. A utilidade da segunda perícia para a boa decisão da causa reside na circunstância da sua realização poder conduzir a um resultado pericial diverso. (Sumário da responsabilidade da Relatora, nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil) | ||
| Decisão Texto Integral: | ***
Apelação n.º 92/23.4T8CSC-A.E1 (1ª Secção) *** Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: I - Relatório 1. AA instaurou ação especial de acompanhamento de maior, cumulada com incidente de suprimento de consentimento, relativamente a BB, sua mãe. 2. Citada a Beneficiária, juntou procuração a Il. Mandatária e apresentou resposta, pugnando pela improcedência da ação. 3. Também o Ministério Público apresentou resposta, requerendo, a final, que seja ordenada ao INML a elaboração de relatório pericial à Beneficiária, nos termos dos artigos 897.º, n.º 1 e 899.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, de forma a averiguar qual o seu real e atual estado de saúde, relatório esse que, para além do mais, deverá versar sobre a capacidade de o beneficiário expressar de forma livre e consciente a sua vontade. 4. Nesta sequência, foi ordenada a realização de relatório pericial nos termos requeridos pelo Ministério Público, bem como foi ordenada a solicitação aos Hospitais referenciados pelo Requerente de informação sobre se a Beneficiária aí esteve internada ou foi atendida em serviço de urgência e, na positiva, o envio da informação clínica sobre o seu estado de saúde. 5. Foi elaborado relatório de psicologia e, a final, relatório de perícia psiquiátrica, do qual consta, designadamente, o seguinte: - Fontes de Informação: “1. Entrevista com a examinanda, realizada no Gabinete Médico-Legal e Forense do Médio-Tejo no dia 11.06.2024; ....................................................................... 2. Entrevista com o neto da examinanda, CC realizada no Gabinete Médico-Legal e Forense do Médio-Tejo no dia 11.06.2024; .................... 3. Informação do Processo n.º 92/23.4...; ..................................................... 4. Resumo do episódio de Urgência do Hospital de Cidade 1 05.04.2022; ................... 5. Relatório da Perícia Médico-Legal (Psicologia) elaborado pela Dra. DD.” - Exame indireto: “Do Relatório da Perícia Médico-Legal (Psicologia) elaborado pela Dra. DD: “A Examinanda apresenta-se colaborante ao longo do exame. Apresentação cuidada, idade aparente corresponde à sua idade real. ..................................................................... Contacto adequado e cordial. Discurso fluente e coerente. ............................................ À data da avaliação mostra-se orientada na pessoa, no espaço e tempo. Mostra capacidade de atenção ao longo da avaliação. .......................................... Não se apuram alterações senso percetivas e do pensamento. ...................................... Aparenta humor subdepressivo e sintomatologia ansiosa, com pensamentos ruminativos acerca de questões económicas e partilhas de património com o filho, com expressão de afetos congruentes ao discurso. .................................................. Da história de vida destaca-se história de desenvolvimento descrita como envolvendo violência inter-parental, 4.º ano de escolaridade sem discrição de dificuldades de aprendizagem, percurso profissional desde infância com hábitos de trabalho ao longo da vida. História de vida sugestiva de facilidade nas relações interpessoais. Marcado conflito com o filho por questões económicas e partilha de bens. .............................................. Sem antecedentes criminais ou consumo de substâncias. ............................................ Da avaliação instrumental apura-se sintomatologia depressiva e ansiosa moderada, que associa a questões económicas e judiciais com o filho. ................................................ Da avaliação instrumental neuropsicológica, não se apuram défices significativos em qualquer área cognitiva, tendo em conta a idade e como contexto emocional. ............... Do ponto de vista da avaliação funcional e instrumental das capacidades de gestão do quotidiano, apura-se: .............................................................................................. - Capacidade para realizar higiene pessoal; ................................................................ - Capacidade para planear, providenciar de modo organizado a higiene de casa e as refeições; . - Capacidade para manter a casa em segurança; ......................................................... - Capacidade para fazer deslocações sozinho; ............................................................. - Capacidade para ser responsável pela sua saúde ou pela sua medicação. .................... Da avaliação instrumental das capacidades de gestão financeira, apura-se: - Capacidade para gerir dinheiro .............................................................................. - Capacidade de gerir despesas mensais e contas bancária; .......................................... - Capacidade para outorgar testamento ou procuração; ............................................... Atualmente, tendo em conta entrevista e a avaliação cognitiva, a examinanda mostra capacidade de compreensão e de livre autodeterminação para atos que necessitem de memória, capacidade de abstração, resolução de problemas e juízo social. .............. Sugere-se que mantenha apoio comunitário e seguimento em consultas de psiquiatria e psicologia, que se considera apoiante do ponto de vista emocional. Acresce que o processo em causa ou semelhantes são fatores desestabilizadores do ponto de vista emocional para a mesma.” - Exame direto: “Exame Mental Entra no gabinete com postura e sem alterações da marcha. Apresenta idade aparente compatível à idade real. Aspeto cuidado e limpo, vestuário e arranjo pessoal cuidados de acordo com o nível sociocultural. Durante a entrevista, a examinanda está ansiosa, com discurso circunstancial, espontâneo, fluente e gramatical. Tenta responder às questões e encontra-se orientada no tempo e no espaço. Atenção captável e mantida. Humor subdepressivo reativo questões financeiras e familiares, sem grande expansividade ou variação. Sem outras alterações do pensamento ou alterações da sensopercepção. .......... Sabe dizer o seu nome completo, a sua idade e data de nascimento. Sem dificuldades nos cálculos (30-3). Apresenta capacidade de abstração, interpreta provérbios, sabe a semelhança entre um pássaro e um avião. Reconhece o dinheiro e sabe o seu valor. Não sabe o nome do Primeiro Ministro (mas sabe que está há pouco tempo), mas sabe o nome do Presidente da República. Costuma votar e sabe quais são os principais partidos políticos. Obtém 28 pontos no Mini Mental State Examination (máximo da pontuação 30, considera-se que as pessoas com 1 a 12 anos de escolaridade têm defeito cognitivo as que obtêm pontuação ≤ 22) Sem alterações do sono, nega alterações do apetite. Sem manifestações de agressividade.” - Conclusões: “1. De acordo com a avaliação Clínico-Psiquiátrica efetuada (numa perspetiva médico-forense, tanto quanto possível) e reunidos os elementos indispensáveis à apreciação do presente caso, quer em termos de História Pregressa (incluindo os relativos da personalidade pré-mórbida), quer os apurados pelo Exame Mental e podemos afirmar que a examinanda sofre de Perturbação de Ajustamento que corresponde à rubrica F43.2 englobável na International Classification of Diseases and Related Health Problems, Tenth Revision (ICD-10). ..................................... 2. Resposta aos quesitos: .................................................................................. A Beneficiária padece de alguma patologia de ordem física, psíquica ou mental? Em caso afirmativo qual? ............................................................................... - A examinanda sofre de Perturbação de Ajustamento com sintomatologia depressiva e ansiosa reativa a questões financeiras e familiares (problemas judiciais com o filho). .................. A Beneficiária sofre de encefalopatia vascular microangiopatica aterosclerótica crónica? Em caso afirmativo desde quando? ...................................................... - A encefalopatia vascular microangiopatica aterosclerótica crónica não é em si mesmo uma patologia, mas sim eventos descritos na TC-CE, significa que a examinanda sofreu obstrução de pequenas artérias cerebrais, que poderão ou não ter sido acompanhados por sintomas. ...... A Beneficiária padece de problemas de saúde que a debilitem, ou possam debilitar, do ponto de vista físico e psíquico? .................................................................. - Atualmente, não sofre de problemas de saúde que a debilitem do ponto de vista físico ou psíquico. Os seus problemas de saúde encontram-se controlados, no entanto apresenta um factor de risco importante no futuro: a sua idade. .............. A Beneficiária padece de déficit, ou poderá padecer, no sentido de qualquer perda ou anomalia da estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatómica condicionadora da acções físicas, mentais e situacionais? ................................... - Atualmente a examinanda não sofre de défices cognitivos significativos. Não é possível referir se no futuro poderá apresentar. ................................................. Em caso afirmativo, tal deficit limita ou pode limitar, no imediato ou a prazo, o desempenho da Beneficiária em termos volitivos e cognitivos? Em caso afirmativo em que medida? .................. - Atualmente, não sofre de défices cognitivos significativos que limitem o desempenho da examinanda em termos volitivos e cognitivos. ............................ Qual o estado da Beneficiária e o prognóstico futuro? ......................................... - A examinanda não apresenta défices cognitivos relevantes. À luz dos conhecimentos atuais não é possível prever se terá ou não alguma doença grave que a possa limitar. ......................... A Beneficiária revela sintomas demenciais e/ou de declínio cognitivo? ................. - A examinanda não revela sintomas demências ou declínio cognitivo. .................. A Beneficiária sofre, ou pode sofrer, desmaios; perdas de conhecimento; convulsões associadas a acidente vascular cerebral; vertigens; incontinência? ....................... - A examinanda não tem apresentado os sintomas descritos, está medicada com medicação anticoagulante. À luz dos conhecimentos atuais não é possível prever se terá no futuro. ........... 3. Do ponto de vista psiquiátrico-forense, a examinanda, sofre está capaz para exercer por si só, os seguintes direitos/atos: ................................................................ - Casar ou situações de união de facto; ............................................................ - Deslocar-se no país ou no estrangeiro; .......................................................... - Fixar domicílio e residência; ......................................................................... - Estabelecer relações com quem entender; ...................................................... - Administrar e gerir património; ..................................................................... - Execução de negócios da vida corrente com baixas quantias de dinheiro; ........... - Outorgar Testamento ou uma Procuração; ...................................................... - Elaborar testamento vital; ............................................................................ - Aceitar/recusar tratamentos que medicamente sejam indicados ou propostos; .... - Compreender o alcance da sua audição pessoal pelo Tribunal e responder a questões nesse âmbito. .................................................................................. 4. Sugere-se que mantenha apoio comunitário e seguimento em consultas de psiquiatria e psicologia, que se considera apoiante do ponto de vista emocional. Acresce que o processo em causa ou semelhantes são fatores desestabilizadores do ponto de vista emocional para a mesma”. ......................................................... 5. Em conclusão, não recomendamos a manutenção da proteção do maior através de acompanhamento.” 6. Na sequência da notificação dos relatórios acima indicados, veio o Requerente solicitar a realização de segunda perícia, colegial, sendo um perito nomeado pelo Tribunal e os outros dois por cada uma das partes, concluindo nos seguintes termos: “Requer-se, por conseguinte, uma avaliação atenta com realização de exames que se impõem ao seu estado e saúde mental e que culminarão, com toda a certeza, na incapacidade da requerida, sendo necessária a nomeação de um acompanhante e constituição de conselho família tendo em conta o avultado património a adjudicar à beneficiária em sede judicial.” 7. A Beneficiária e o Ministério Público responderam, pugnando pelo indeferimento do requerimento de segunda perícia. 8. Sobre esse requerimento foi proferido, em 17.07.2025, o seguinte despacho: “A segunda perícia incide sobre os mesmos factos da primeira e visa a correcção de inexactidões dos resultados da primeira, devendo as partes indicar de forma fundamentada a razões da sua discordância. Na situação vertente, a Sra. Perita abordou a questão suscitada com pormenor e profundidade, aludindo aos critérios por que pautou a sua análise. A divergência manifestada pelo requerente assenta num juízo pessoal sobre a suposta ausência de elementos clínicos e de psicologia da beneficiária, sem sustentabilidade suficiente para comprometer os fundamentos do relatório pericial e, logo, a conclusão, vertida no mesmo. Na verdade, foi realizada a indicada perícia de psicologia. Depois, foi considerado episódio de urgência de 05-04-2022 e demais elementos dos presentes autos. Aliás, o requerente não indica, como devia, quais os pontos concretos presentes no relatório (dados de facto) que não podem ser acolhidos e que comprometem as conclusões nele vertidas. Pretende uma diferente conclusão pericial, com base na sua análise pessoal, em total desconsideração dos fundamentos referidos no próprio relatório, sem que se atinja porque deve prevalecer o por si apontado em detrimento da percepção efectuada pela Sra. Perita. Por fim, releva a circunstância de não resultar qualquer dúvida, objectiva e fundada, quanto à capacidade da beneficiária. Pelo exposto, indefere-se o requerido pelo requerente.” 9. Inconformado com este despacho, veio o Requerente apelar do mesmo, formulando as seguintes conclusões: “1- O aqui Recorrente não pode deixar de demonstrar a este Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que o Despacho com a Ref. CITIUS 100431629, enferma de nulidade por falta de fundamentação, nulidade essa que argui para os devidos e legais efeitos. 2- Com o devido respeito, o Recorrente indicou sim, de forma fundamentada, as razões da sua discordância quanto a esta segunda Perícia. 3- Aliás, se a primeira Perícia foi totalmente omissa de qualquer avaliação a segunda períca mais não é do que uma constante acusação contra o aqui Requerente sem se fazer uma análise detalhada às incapacidades da Beneficiária, que existem sim, como aliás, resulta de um parecer médico. 4- O Recorrente na sua reclamação alegou que o Relatório da Perícia Psiquiátrica Forense realizado a BB, no que respeita à entrevista feita à Beneficiária, nada mais é do que um relato, queixas e denúncias perpetradas contra o seu filho aqui Requerente, desprovidas de verdade e de acusações graves à pessoa do aqui Requerente. 5- Mais alegou que o mais impressionante e que merece a completa perplexidade, é que a Sra. Perita que presidiu à Perícia só transporta para o Relatório toda uma panóplia de acontecimentos, histórias e fábulas contadas dando relevo e importância a factos que em nada motiva e fundamenta o real estado de saúde da Beneficiária, nomeadamente, a história mal contada mais não é do que uma revolta manifestada à Acção Judicial pendente (processo de inventário para partilha de bens por óbito do pai do Requerente e ex marido da beneficiária) com decisão ainda não transitada em julgado e que evidentemente divide as partes neste litígio, e que respeita ao processo judicial a correr termos com o nº 1283/14.4...-A, no Juiz 1 de Cidade 1, do Juízo de Família e Menores. 6- Não pode ser desconsiderado por este Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, que a Perícia não fundamenta a real capacidade e saúde da Beneficiária, numa completa ausência da realização de uma verdadeira Perícia, não existem factos, não existem sequer Relatórios Médicos juntos aos Autos que atestem o verdadeiro estado de saúde da beneficiária. 7- Aliás, o douto Despacho de que se recorre refere “foi considerado episódio de urgência de 05-04.2022 e demais elementos dos presentes autos” que demais elementos?! 8- O Despacho não descrimina que elementos são porque os mesmos não existem! 9- Onde se encontram os exames, relatórios, episódios de urgência da Beneficiária que o Recorrente solicita ao longo deste processo que o Digníssimo Tribunal a quo ordene notificar as respectivas Unidades Hospitalares para que sejam juntos aos Autos esses elementos clínicos. 10- A verdade é apenas e somente uma, sem elementos clínicos que provem o estado de saúde da Beneficiária o Douto Despacho com a ref. 100425042 sem qualquer fundamentação, decide “por fim, releva a circunstância de não resultar qualquer dúvida, objectiva e fundada, quanto à capacidade da beneficiária.” 11- Ora, é notória a nulidade por falta de fundamentação. 12- Sucede que, mais alegou o Recorrente na reclamação à segunda Perícia, referindo-se a ponto por ponto da Perícia realizada que “ quanto à informação clínica, constata o Requerente que a Informação prestada pela UNIDADEHOSPITALAR DE vários episódios de urgência com várias causas de admissão, sendo a última em 3 de fevereiro de 2024, com alta em 4 /2/2024, mas SEM enviar a informação solicitada, o que igualmente se requereu á Mma Juiz a quo que se dignasse ordenar na junção, mas que não só não o fez como não se pronunciou sobre o requerido…. 13- Razão pela qual, o Recorrente requereu que o Digníssimo Tribunal se dignasse ordenar oficiar INMLCF, a Unidade Hospitalar de Cidade 2 e a Unidade Hospitalar de Cidade 3, no sentido de clarificar as omissões quanto aos Relatórios Médicos, sem que até à data conste o que quer que seja no processo. 14- Pelo contrário, avalia-se a beneficiária, sem exames clínicos, apenas o resumo do episódio de Urgência do Hospital de Cidade 1 de 5 de Abril de 2022, faz-se entrevista com o neto da Examinanda, CC, que está de relações cortadas com o aqui Requerente, e o exame feito são acusações constantes ao aqui Requerente, referindo processos e dificuldades económicas e ameaças, e conclui-se que a mesma está perfeita de saúde!!!!Assim sem mais!!! 15- É que curiosamente, a Beneficiária no episódio de urgência do Hospital de Cidade 1 a 5 de Abril de 2022, reproduzido no Ponto IV Exame Indirecto da Perícia, refere: “(…) Anda mais ansiosa. Relação conflituosa com filha diagnóstico de cancro da mama” 16- Passou de estar numa relação de ansiedade atenta a conflitualidade com a filha, para uma conflitualidade com o filho!!! 17- A Beneficiária tem sim distúrbios, e tanto assim que o que deveria estar fundamentado na Perícia não está! Nomeadamente, o facto da examinanda sofrer de “Perturbação de Ajustamento que corresponde à rubrica F43.2”. para tanto requereu-se á Mma Juiz dos Autos se dignasse ordenar a Sra Perita a vir informar e identificar a rubrica F43.2. 18- Não só não o fez como não se pronunciou… 19- Mais parece que este tribunal a quo não pretende documentar-se cabalmente do histórico clínico da requerida… ao contrário do Digno Tribunal de Cidade 1 que ordenou a instauração de processo maior acompanhado tendo em conta o seu comportamento no âmbito do Processo crime que instaurou contra o aqui Recorrente. 20- É que não pode ser desconsiderado por este Venerando Tribunal da Relação de Lisboa como é que tudo se iniciou, a beneficiaria apresentou queixa crime contra o Requerente e não só o processo foi arquivado como consta do despacho de arquivamento que deve ser instaurado processo de maior acompanhado, conforme resulta da 2ª Secção do Ministério Público de Cidade 1 com o nº de processo 419/22.2..., 21- A agressividade da Beneficiária está sim demonstrada com as acusações infames que faz a um dos seus filhos porque não se conforma com as acções judiciais pendentes… 22- A Ex.ma Sra. Dra. EE, Perita Médica de Psiquiatria não fundamenta que perturbação é esta mas deveria tê-lo feito. 23- Refere o Relatório que a examinanda tem capacidade para realizar a higiene pessoal, planear, providenciar de modo organizado a higiene da casa e refeições… 24- Ao que se tem de perguntar qual a motivação para esta conclusão por parte da Sra Perita? Deslocou-se a casa da examinanda? Assistiu à sua higiene? E a higiene da casa? Verificou a organização e confeção das refeições?; refere ainda capacidade para manter a casa em segurança, como é que a Sra. Perita avaliou? 25- Capacidade para fazer deslocações sozinha, ora com todo o respeito basta atentar à forma como a beneficiária se desloca, sempre suportada e apoiada por terceiros, transportada em veículos dos bombeiros e do INEM… requerendo-se para tanto a V.Exa se digne ordenar comparecer a beneficiaria em Juízo para V.Ex.a aferir da sua locomoção; 26- E o Recorrente referiu ponto por ponto do que deveria ter sido avaliado e não foi, pelo que, com o devido respeito, não corresponde à verdade que a Reclamação não tenha sido fundamentada, muito pelo contrário. 27- Nomeadamente, da reclamação apresentada pelo Recorrente ao relatório pericial referiu:Capacidade para ser responsável pela sua saúde e medicação, sendo o relatório omisso á forma como a beneficiaria obtém a medicação, quem a prescreve, a regularidade das consultas e a forma como a toma… 28- E porque nenhuma destas capacidades verificadas se encontram motivadas e fundamentadas pela Sra Perita, as mesmas foram arguidas e o relatório foi impugnado; 29- Capacidade para gerir dinheiros, qual o fundamento e motivação para se concluir por esta capacidade… a que gestão a Sra Perita se refere? Qual a gestão que faz? Como é que a Sra Perita o aferiu? O mesmo se aplica a capacidade gerir despesas mensais e contas bancárias… A Sra Perita questionou a beneficiária quanto às contas bancaria que tem como as movimenta?, se tem cartões de crédito, quais os fundos que dispõe, como o gere… como é que suporta as suas despesas… 30- Vidé que tanto assim é que a própria Sra Perita sugere manter apoio comunitário e seguimento em consultas de psiquiatria e psicologia. 31- Evidentemente que este seguimento não nos convence, exatamente porque a beneficiária não tem capacidade plena para o seu dia a dia impondo-se ser acompanhada, para além do apoio que se impõe a nível emocional que determina desde logo a sua volabilidade. 32- Com todo o respeito qualquer processo judicial que tenha por objecto avultado património, nomeadamente, imobiliário, deixa qualquer um destabilizado, ansioso e emocionalmente agitado! 33- Pelo que, e com o devido respeito, não se trata de “num juízo pessoal sobre a suposta ausência de elementos clínicos e de psicologia da beneficiária”, eles não existem e a Ex.ma Sra. Perita não elaborou um verdadeiro Relatório afim de atestar a capacidade ou incapacidade da Beneficiária. 34- É que, se reitera junto deste Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, o regime do maior acompanhado possui um carácter subsidiário ou supletivo, devendo limitar-se ao necessário (cf., artigos 140.º, n.º 2, e 145.º, n.º 1, do Código Civil), devendo atentar-se no artigo 138.º do Código Civil quanto aos seus pressupostos gerais de aplicação. 35- No caso concreto realizou-se à beneficiária avaliação que atestasse as suas limitações físicas e cognitivas e se a mesma carece de uma supervisão e acompanhamento regulares? 36- Atestou-se se o seu estado de saúde e as suas limitações ao exercício livre, pessoal, directo, dos seus direitos pessoais, assim como, correlativamente, no cumprimento dos seus deveres - pelo menos num sentido pleno / total -? 37- E se a assistência de que carece poderá ser suprida por meio de deveres gerais de cooperação e de assistência? 38- Não, não se fez! 39- Com o devido respeito o que resulta dos presentes Autos é de que o Digníssimo Tribunal tirando a ilação de que o Recorrente, Requerente no presentes Autos, é um mau filho na descrição feita pela Beneficiária, não se apura se a mesma carece ou não de acompanhamento. 40- Impõe-se sim a revisão ao Relatório Pericial, e apela-se a que este Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que a determine. 41- Até porque a Sra Perita refere no seu relatório que a examinanda tem capacidade para encetar negócios com baixas quantias de dinheiro. Então aqui estaremos de acordo quanto à sua incapacidade para negócios e gestão de um património avultado em avaliado em mais de 3 milhões de euros. 42- Deveria a Sra Perita informar o Tribunal se questionou a requerida sobre o seu património e da facilidade ou dificuldade na avaliação do mesmo. E capacidade para negociar o património em causa! No caso de venda de património, qual o preço, o destino a dar, a aplicação que fará, a rentabilidade que terá… Esta sim é avaliação de calculo que se impõe na avaliação de qualquer capacidade ou incapacidade á beneficiaria. Impõe-se !! 43- Duvidas não existem que se terá de rever a avaliação à examinanda. 44- E de facto, na reclamação o Recorrente referiu que o relatório descreve que a examinanda não revela sintomas demenciais…contudo faltou motivar e fundamentar a conclusão a que chega e com base em que exames médicos a que se pode afirmar com toda a certeza que não existem sintomas demenciais… 45- Até porque a verdade é apenas e somente uma, os médicos que a têm acompanhado e mandado realizar vários exames consideram que a Beneficiária não tem capacidade para gerir a sua vida sozinha, de modo autónomo, com capacidade escolha e decisão. 46- Não é o Recorrente que diz, são os médicos que a acompanham! Porque não ordenou o Digníssimo Tribunal a quo a junção de tais relatórios?! 47- Razão pela qual e com o devido respeito, numa entrevista feita à Beneficiária, que nem sozinha se encontrava, esteve sempre presente um Neto, e sem visualização de exames como é que a Ex.ma Sra. Dra. Perita Médica pode afirmar com certeza que “A examinanda não revela sintomas demência ou declínio congnitivo”?! 48- A junção de todos os Relatórios demonstra-se de extrema relevância, o que se requereu ao Dignissimo Tribunal que o fizesse, 49- Bem como, na realização de uma perícia colegial por perito a indicar por cada uma das partes e pelo Tribunal, para que de forma isenta e descomprometida se avaliasse a capacidade, ou falta dela, da beneficiária, tendo sempre presente que estes autos tiveram o seu início no âmbito de um processo crime que correu termos na Comarca de Cidade 1, intentado pela requerida contra o seu filho, aqui requerente e arquivado, onde o próprio MP que decide no arquivamento ordena que se extraia certidão para instauração de processo de maior acompanhado à aqui Requerida, conforme resulta destes próprios autos no apenso que lhe foi incorporado. 50- Em face de tudo isto, alega o M.mo Juiz do Tribunal a quo que o Recorrente não fundamentou as razões da sua discordância? Como assim? Fundamentou sim, e ponto por ponto! 51- Não fundamentado está o Relatório Pericial, bem como, o Douto Despacho de que se recorre, nulidade que se argui para os devidos e legais fundamentos. É que resulta do Douto Despacho, no último parágrafo “Por fim, releva a circunstância de não resultar qualquer dúvida, objectiva e fundada, quanto à capacidade da beneficária”. 52- Mas esta é a decisão do Tribunal a quo de que a beneficiária é capaz e que não se decreta o acompanhamento em beneficio de BB? A decisão é uma frase sem qualquer fundamentação?! 53- É imperativa a exigência de fundamentação das decisões judiciais, a absoluta falta de fundamentação da sentença (ou seja, a não indicação dos factos provados e não provados) é susceptível de gerar a sua nulidade, como ocorre no caso concreto. 54- Não pode ser desconsiderado por este Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que ao abrigo do disposto no art. 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC, é nula a Sentença ou o Despacho, sempre que se verifique a falta absoluta de motivação, não bastando que a mesma seja deficiente, incompleta, ou não convincente, o que sucede in casu. 55- A Decisão de que a Beneficiária não padece de nenhuma incapacidade tem de ser fundamentada, tem de descriminar, no estrito cumprimento do disposto no artigo 138.º que o maior não está impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, não necessitando de beneficiar das medidas de acompanhamento previstas no Código Civil. 56- Razão pela qual, dúvidas não existem de que o Douto Despacho enferma de nulidades que impõem a sua revogação, devendo proceder os pedidos do Requerente, nomeadamente: 57- A junção de todos os Relatórios Médicos, e a realização de uma perícia colegial por perito a indicar por cada uma das partes e pelo Tribunal, para que de forma isenta e descomprometida se avalie a capacidade, ou falta dela, da beneficiária, fazendo assim V.Ex.as a Habitual Justiça!” 10. O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso. 11. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II – Questões a Decidir O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, não sendo objeto de apreciação questões novas suscitadas em alegações, exceção feita para as questões de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). Não se encontra também o Tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil). Assim, no caso em apreço cumpre apreciar: a) se o despacho sindicado é nulo; b) se deve ser ordenada a realização de segunda perícia. III - Fundamentação 1. Da nulidade do despacho sindicado 1.1. Invoca o Requerente a nulidade do despacho sindicado, por falta de fundamentação, invocando o disposto nas alíneas b) e c) do artigo 615.º do Código de Processo Civil. Preceitua-se na norma citada que: “1 - É nula a sentença quando: (…) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. Esta norma é aplicável aos despachos, com as necessárias adaptações, conforme disposto no artigo 613.º, n.º 3 do Código de Processo Civil. O dever geral de fundamentação das decisões judiciais está previsto no n.º 1 do artigo 205.º da Constituição, devendo citar-se ainda o artigo 154.º do Código de Processo Civil, onde se estabelece que: “1 - As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. 2 - A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.” Refira-se ainda ser consensual que apenas a total omissão de fundamentação conduz ao invocado vício (ibidem; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª ed., Coimbra, 2024, p. 793). Assim, uma fundamentação “errada, incompleta ou insuficiente” não configura nulidade da decisão (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03.03.2021 (Leonor Cruz Rodrigues), Processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, in http://www.dgsi.pt/). 1.2. Percorrendo as conclusões das alegações do Requerente, verificamos que este se insurge contra o despacho sindicado pelas seguintes razões: - ao contrário do que se afirma no despacho sindicado, o Requerente indicou as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial; - diz-se no despacho sindicado que o perito considerou, para além do episódio de urgência do Hospital de Cidade 1, os “demais elementos dos autos”, porém, não foram identificados outros elementos; - diverge da afirmação constante do despacho de “não resultar qualquer dúvida, objectiva e fundada, quanto à capacidade da beneficiária”, atentos os termos do relatório pericial. Ora, quanto ao primeiro aspeto, não configura uma questão de falta de fundamentação do despacho sindicado, mas antes uma questão relativa ao seu eventual desacerto quanto à apreciação do requerimento de segunda perícia. Ou seja, o Tribunal a quo analisou o requerimento de segunda perícia e entendeu que “o requerente não indica, como devia, quais os pontos concretos presentes no relatório (dados de facto) que não podem ser acolhidos e que comprometem as conclusões nele vertidas”, pelo que o despacho se mostra fundamentado. A discussão sobre se a fundamentação do despacho se mostra correta não se inscreve no plano da nulidade da decisão, contendendo já com a apreciação do mérito do recurso. O mesmo sucede com o segundo aspeto indicado pelo Requerente, que não respeita à ausência de fundamentação do despacho sindicado, mas à sua eventual incorreção. Relativamente ao terceiro aspeto, assinala-se que no despacho sindicado o Tribunal a quo explicou os motivos que conduziram à rejeição da segunda perícia, sustentando que o relatório pericial “abordou a questão suscitada com pormenor e profundidade, aludindo aos critérios por que pautou a sua análise”. Quanto à questão de saber se esta perspetiva é a correta, encontra-se a mesma fora do âmbito das nulidades da decisão, enquadrando-se diversamente na apreciação do mérito da apelação. Refira-se ainda que a decisão sindicada, como resulta do exposto, é inteligível, revelando-se clara quanto ao seu sentido e fundamentos e internamente coerente. Por último, tratando-se aqui de um despacho interlocutório e não da sentença que decide a causa, as exigências de fundamentação satisfazem-se com a enunciação mais abreviada das razões que presidem à decisão. Não se verifica, pois, a invocada nulidade da decisão sindicada. 2. Da segunda perícia 2.1. Estamos no âmbito de um processo de acompanhamento de maior, no qual foi ordenada a realização de perícia médico-legal psiquiátrica à Beneficiária. Importa, assim, ponderar o disposto no artigo 897.º do Código de Processo Civil, em cujo n.º 1, sob a epígrafe “Poderes instrutórios”, se preceitua que “Findos os articulados, o juiz analisa os elementos juntos pelas partes, pronuncia-se sobre a prova por elas requerida e ordena as diligências que considere convenientes, podendo, designadamente, nomear um ou vários peritos.” Por outro lado, nos termos do n.º 1 do artigo 891.º do Código de Processo Civil, é aplicável a este processo, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária, designadamente, a disciplina atinente aos poderes do juiz, plasmada no artigo 986.º do Código de Processo Civil, em cujo n.º 2 se estabelece que “O tribunal pode, no entanto, investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias.” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., vol. II, 2ª ed., Coimbra, 2024, p. 343). O critério que preside à instrução da causa no processo de acompanhamento de maior é, deste modo, o da pertinência e relevância dos meios probatórios para a sua boa decisão, o que se reconduz a saber se esses meios probatórios contribuem para apurar a natureza e grau de incapacidade de que eventualmente padeça o requerido e definir as medidas mais adequadas para suprir esta situação. Entre esses meios avulta a perícia, quando esteja em causa uma alegada condição de saúde do foro psiquiátrico (Pedro Callapez, Processos Especiais, vol. I, coord. de Rui Pinto e Ana Alves Leal, 2ª ed., Lisboa, 2023, p. 121). Tratando-se de uma perícia médico-legal, deve obrigatoriamente ser realizada pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, sendo, por regra, singular, e incumbindo ao Instituto a nomeação do perito (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., vol. I, p. 576). Excecionalmente, pode a perícia médico-legal ser colegial, mas apenas assim sucederá se o juiz o determinar, não constituindo faculdade das partes; essa opção só poderá radicar na impossibilidade de realização da perícia nas delegações e gabinetes médico-legais, nomeadamente, por aí não existirem peritos com a formação requerida ou condições materiais para a sua realização, ou em virtude da sua natureza laboratorial; e, neste caso, os três peritos são nomeados pelo Instituto (ibidem; Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.03.2016 (Sousa Pinto), Processo n.º 4713/15.4T8FNC-A.L1-2; do Tribunal da Relação do Porto de 10.02.2020 (Manuel Domingos Fernandes), Processo n.º 25377/18.8T8PRT-A.P1; do Tribunal da Relação de Guimarães de 28.01.2021 (António Beça Pereira), Processo n.º 131/20.0T8VCT-A.G1; do Tribunal Central Administrativo Norte de 24.02.2023 (Paulo Ferreira de Magalhães), Processo n.º 01232/20.0BEPRT-S1, todos in http://www.dgsi.pt/). 2.2. Por força do disposto no artigo 549.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplica-se ao processo especial de acompanhamento de maior o disposto no artigo 487.º do Código de Processo Civil, atinente à segunda perícia, de cujos n.ºs 1 e 3 se retira que a segunda perícia tem por fundamento a “discordância relativamente ao relatório apresentado”, visando “corrigir a eventual inexatidão” da primeira perícia. A utilidade da segunda perícia para a boa decisão da causa reside na circunstância da sua realização poder “conduzir a um resultado pericial diverso” (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Coimbra, 2017, p. 342). Como assinalam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (ob. cit., vol. I, p. 590), “Embora o requerente não tenha de demonstrar a procedência da argumentação, os motivos de discordância terão de ser aptos, do ponto de vista objetivo e atentas as circunstâncias do caso concreto, a criar um estado de dúvida no julgador médio sobre se a perícia efetuada não padecerá dos vícios que o requerente lhe assaca e que, caso venham a ser demonstrados, levam a que seja alcançado um resultado distinto da primeira perícia”. Aliás, a realização de segunda perícia não implica para o tribunal a obrigação de adotar as conclusões do respetivo relatório, uma vez que a segunda perícia tem tanto valor probatório quanto a primeira, estando ambas sujeitas à livre apreciação do julgador (artigo 489.º do Código de Processo Civil), ou seja, a segunda perícia não invalida a primeira, nem prevalece sobre ela. Por outro lado, a apreciação da prova pericial deve ser sempre efetuada de forma crítica, atendendo aos seguintes critérios gerais de aferição da credibilidade do laudo pericial: - profissão do perito; - requisitos internos do laudo pericial; - observância de parâmetros científicos de qualidade na elaboração do laudo e uso de resultados estatísticos (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., vol. I, pp. 586-587). Assim, “este conjunto de critérios objetivos permite ao juiz, na ausência de conhecimentos científicos equiparáveis aos do perito, formular um juízo sobre o mérito intrínseco e o grau de convencimento a atribuir ao laudo pericial.” (ibidem). A apreciação efetuada pelo juiz convoca, de igual modo, a aplicação de regras da experiência comum, isto é, “o juiz valora as máximas de experiência especializadas trazidas pelo perito aplicando máximas de experiência comuns para o que não são necessários conhecimentos especializados nas apenas capacidade crítica de entendimento e apreciação.” (Luís Filipe Pires de Sousa, Direito Probatório Material, 2ª ed., Coimbra, 2021, p. 197). 2.3. Revertendo ao caso em apreço, compulsado o requerimento de segunda perícia, vemos que o Requerente se pronuncia sobre o relatório pericial nos seguintes termos: - não existem relatórios médicos juntos aos autos que atestem o verdadeiro estado de saúde da Beneficiária, tendo esta sido avaliada tão somente com base no resumo do episódio de urgência do Hospital de Cidade 1, em entrevista à Beneficiária e ao seu neto, que está de relações cortadas com o Requerente; - foi requerida a junção de informação clínica relativa à Beneficiária, o que não foi feito, constando do requerimento de segunda perícia que “9.º Acresce que, e conforme o Requerente já tinha tido oportunidade de referir, quanto à informação clínica, constata o Requerente que a Informação prestada pela UNIDADE HOSPITALAR DE Cidade 2 refere q” tem vários episódios de urgência com várias causas de admissão, sendo o último em 3 de fevereiro de 2024, com alta em 4 /2/2024, mas SEM enviar a informação solicitada, o que igualmente se requer a V.Ex.a se digne ordenar na junção. 10.º Ora, conforme o episódio de urgência de 05-04-2002 (em Cidade 1) refere: trás TAC DE 27/09/2021- ENCEFALOPATIA VASCULAR MICROANGIOPATICA ATEROSCLORÓTICA 11.º Ora esta TAC terá sido realizado em Cidade 3 assim como também no mesmo documento é referido que “tem RHM agendada para dia 23/05/22. Refere ter consulta de ORL agendada no Hospital de Cidade 3 em Dezembro 22”. 12.º Ora tudo indica q estaria a ser seguida no mesmo Hospital, pelo que, onde está a informação clinica solicitada ??? 13.º É que mesmo que o Requerente já tivesse feito referência à mesma, nenhuma documentação clínica se encontra junta aos Autos. 14.º Por outro lado, nos e-mails trocados em 29/07/ 2024 referentes à insistência do pedido aparecem os ofícios, mas não a informação clínica solicitada. 15.º De notar ainda o que HOSPITAL DE Cidade 4 refere no seu relatório de 08/11/2023, que a proveniência “Transferido de outro Hospital” mobilidade “Em cadeira de rodas” data “09-nov 2023 05:04:00” destino “9 - OUTRO HOSPITAL H SANTO ANDRE - Cidade 5 16.º Razão pela qual, requereu-se que o Digníssimo Tribunal se dignasse ordenar oficiar INMLCF, a Unidade Hospitalar de Cidade 2 e a Unidade Hospitalar de Cidade 3, no sentido de clarificar as omissões quanto aos Relatórios Médicos, sem que até à data conste o que quer que seja no processo.”; - a entrevista à Beneficiária constitui “um relato, queixas e denúncias perpetradas contra o seu filho aqui Requerente, desprovidas de verdade e de acusações graves à pessoa do aqui Requerente”; - o perito não identificou a rubrica F43.2 a que alude no relatório, não explicando que perturbação é esta de que a Beneficiária padece; - o perito não esclareceu com que fundamento afirmou que a Beneficiária tem capacidade para realizar a higiene pessoal, planear, providenciar de modo organizado a higiene da casa e as refeições; - o perito afirmou que a Beneficiária tem capacidade para fazer deslocações sozinha, mas a Beneficiária está sempre suportada e apoiada por terceiros, transportada em veículos dos bombeiros e do INEM; - o perito referiu que a Beneficiária tem capacidade para ser responsável pela sua saúde e medicação, mas não esclareceu como obtém a Beneficiária a medicação, quem a prescreve, a regularidade das consultas, a forma como toma a medicação, constando do requerimento de segunda perícia que “34.º É referido no relatório que a beneficiária é medicada com Betaserc e Eliquis, sem contudo referir a indicação desta medicação, pata que sintomas e doença, qual a prescrição diária e a dependência à mesma”; - o perito referiu que a Beneficiária tem capacidade para gerir dinheiros, mas não explicou como alcançou esta conclusão, para além de que referiu que a Beneficiária tem capacidade para encetar negócios com baixas quantias de dinheiro, mas o seu património está avaliado em mais de 3 milhões de euros; - o perito não esclareceu a sua conclusão de que a Beneficiária não apresenta sintomas de demência. Ora, o Requerente afirma, efetivamente, a sua discordância quanto à conclusão vertida no relatório pericial de que a Beneficiária não carece da medida de acompanhamento. Como se disse acima, deve ser apurado se as questões suscitadas no requerimento são aptas a gerarem dúvida no julgador sobre se numa segunda perícia se poderia alcançar perspetiva técnica diversa daquela que foi plasmada no relatório sindicado. Deste modo, no que concerne aos elementos clínicos ponderados pelo perito no relatório final de psiquiatria, verifica-se que se reconduzem ao episódio de urgência do Hospital de Cidade 1, ao relatório de psicologia e às entrevistas realizadas pelo perito. Como sublinha o Requerente, não se alude, no relatório pericial, a outros elementos clínicos para além do referido episódio de urgência. No entanto, importa ter presente que no requerimento inicial o Requerente invoca, como fundamento do decretamento da medida de acompanhamento, a encefalopatia vascular microangiopática aterosclerótica crónica que consta da ficha do episódio de urgência no Hospital de Cidade 1, alegando que se trata de uma síndrome demencial. Por outro lado, como refere o Requerente, a Unidade Hospitalar de Cidade 2 respondeu ao ofício do Tribunal, esclarecendo que a utente tem vários episódios de urgência, com várias causas de admissão. Entendemos, assim, que não encontra justificação a remessa de todos os episódios de urgência da Beneficiária, por se traduzir numa devassa da sua informação clínica sem utilidade para o processo, até porque o relatório pericial aborda expressamente a aludida encefalopatia, que, como se disse, constitui o fundamento apontado pelo Requerente para o pedido que formula nestes autos. No que tange às considerações tecidas pelo Requerente sobre as entrevistas clínicas, cumpre sublinhar que os peritos que elaboraram os relatórios dos autos são especialistas nas áreas da psicologia e da psiquiatria, respetivamente, pelo que possuem conhecimentos científicos que os habilitam a extrair da interação com o paciente conclusões de natureza técnica. Decorre, precisamente, dos relatórios, que a postura do paciente (“mostra capacidade de atenção ao longo da avaliação”), a forma como responde (“discurso fluente e coerente”), o conteúdo das suas respostas (“pensamentos ruminativos acerca de questões económicas e partilhas com o filho”), são tudo elementos valorados pelo perito, à luz dos seus conhecimentos científicos, sublinhando-se que o próprio teor das perguntas dirigidas ao paciente se encontra funcionalmente orientado para a avaliação da sua capacidade (“sabe dizer o seu nome completo, a sua idade e data de nascimento. (…) Reconhece o dinheiro e sabe o seu valor”). Importa também destacar que estas entrevistas integraram a realização de testes, como se retira da referência à “avaliação instrumental neuropsicológica” e ao “Mini Mental State Examination”. Quanto à perturbação de ajustamento, a mesma mostra-se descrita nas respostas aos quesitos, enunciando-se aí que esta patologia se expressa em sintomatologia depressiva e ansiosa, para além de que está também indicada a fonte da identificação da sobredita patologia, a saber, a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde - Décima Revisão, ou CID-10. Com respeito à mobilidade da Beneficiária, é certo que consta da resposta da Unidade de Saúde Familiar de Santa Maria - Cidade 3, a referência a “cadeira de rodas”, mas essa é a única referência a limitações na mobilidade da Beneficiária que consta dos autos, e no exame realizado pelo perito foi consignado “Entra no gabinete com postura e sem alterações de marcha”. Quanto à capacidade para realizar a higiene pessoal, planear, providenciar de modo organizado a higiene da casa e as refeições, e ser responsável pela sua saúde e medicação, trata-se de conclusão que se mostra alinhada com a descrição dos resultados da entrevista e da avaliação cognitiva: “mostra capacidade de compreensão e de livre autodeterminação para atos que necessitem de memória, capacidade de abstração, resolução de problemas e juízo social”, bem como com os resultados do exame mental: “Sem dificuldade nos cálculos (30-3). Apresenta capacidade de abstração (…) Obtém 28 pontos no Mini Mental State Examination (máximo da pontuação 30, considera-se que as pessoas com 1 a 12 anos de escolaridade têm defeito cognitivo as que obtêm pontuação ≤ 22)”. Assinale-se que a Beneficiária declarou, na entrevista com a psicóloga, possuir o 4º ano de escolaridade. No que respeita à capacidade de gestão financeira e patrimonial, reconhece-se no relatório plena capacidade à Beneficiária para o fazer, concretamente, para “administrar e gerir património” e para a “execução de negócios da vida corrente”, o que está também alinhado com as conclusões alcançadas ao nível das capacidades intelectuais da Beneficiária e que foram acima indicadas. Por fim, conjugando todos estes factos com a explicação vertida no relatório acerca da aludida encefalopatia, no sentido de que esta não constitui uma patologia, e ainda com o facto da Beneficiária não sofrer de problemas de saúde que a debilitem do ponto de vista físico ou psíquico, afigura-se que a conclusão de que a Beneficiária não apresenta sintomas de demência se mostra compatível e coerente com a apreciação global do estado de saúde da Beneficiária que resulta do relatório pericial. Afigura-se, deste modo, que a conclusão alcançada no relatório pericial é inequívoca, em face da fundamentação nele exarada, sublinhando-se, no que tange à credibilidade do laudo pericial, que este observa os parâmetros científicos de qualidade para a finalidade visada, como decorre de todo o acima exposto. Por outro lado, as questões suscitadas pelo Requerente não permitem que delas se extraia a possibilidade de ser alcançado um resultado pericial diverso, quer dizer, a segunda perícia não se revela útil à boa decisão da causa. Improcede, assim, o recurso, devendo manter-se a decisão recorrida. 3. As custas são da responsabilidade do Requerente, por ter ficado vencido (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil). IV - Dispositivo Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida. Custas pelo Requerente. Notifique e registe. Sónia Moura (Relatora) Ricardo Miranda Peixoto (1º Adjunto) Sónia Kietzmann Lopes (2ª Adjunta) |