Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1321/18.1T9STR.E1
Relator: BERGUETE COELHO
Descritores: INTROMISSÃO NA VIDA PRIVADA
INTROMISSÃO NA CORRESPONDÊNCIA
PROVA NULA
Data do Acordão: 09/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Constitui prova nula porque obtida mediante intromissão na vida privada e na correspondência (art. 126.º, n.º 3, do CPP), a utilização de mensagens (sms) obtidas pelo arguido através de consulta ao telemóvel utilizado pelas suas filhas menores, com o objectivo de verificar o uso que as mesmas deram ao mesmo, sendo certo que esse telemóvel pertencia à arguida, mãe das menores, que lho havia cedido (às menores), e que as mensagens tinham sido enviadas por essa arguida à outra arguida, ex-companheira do irmão do assistente.

2 - E é assim, mesmo que o conteúdo de tais mensagens seja ofensivo da honra e consideração do assistente e que o mesmo as pretenda utilizar para recorrer aos tribunais, sendo certo que os interesses da realização da justiça não bastam para justificar que os direitos fundamentais devam ceder, o que se impõe, por maioria de razão, quando as provas são obtidas por particulares, como no caso acontece.

3 - Com efeito, se ao abrigo da relação parental, ao recorrente não lhe fosse inviabilizada a consulta do telemóvel para o efeito do poder correctivo de preservar a adequada utilização pelas filhas, já o mesmo não se pode concluir relativamente a ter obtido mensagens que extravasavam essa finalidade, como na realidade se verificou.

4 - Não ocorre causa de justificação para esse procedimento de obtenção da prova, na medida em que, além de não sustentado em consentimento da(s) titular(es) - arts. 38.º e 39.º do CP -, não está alicerçado em situação a que alude o art. 31.º do CP ou em direito de necessidade (art. 34.º do CP).

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Criminal
do Tribunal da Relação de Évora
*
1. RELATÓRIO

Nos autos em referência, de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Juízo Local Criminal de Santarém do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, o assistente (...) deduziu acusação particular contra as arguidas (...) e (...), imputando-lhes, à primeira, quatro crimes de difamação, p. e p. pelo art. 180.º do Código Penal (CP) e, à segunda, um crime de difamação, p. e p. pelo art. 180.º do CP.
O Ministério Público não acompanhou a acusação.
Como demandante, o mesmo (...) deduziu pedidos de indemnização civil contra as arguidas/demandadas, pedindo a condenação de indemnizações por danos não patrimoniais, nas quantias de € 2.000,00, relativamente a (...) e, de € 1.000,00, quanto a (...), acrescidas de juros vencidos e vincendos desde as datas de notificação dos pedidos e até integral pagamento.
As arguidas apresentaram contestação, oferecendo o merecimento dos autos.
Realizada audiência de julgamento e proferida sentença, nesta consignou-se decidir-se julgar nula a prova apresentada pelo assistente, não podendo a mesma ser utilizada, por ter sido obtida mediante intromissão nas telecomunicações, sem o consentimento do respectivo titular, nulidade que se estende a partir da formulação da acusação particular e, pelo mesmo motivo, não conhecer do pedido de indemnização cível.

Inconformado com tal decisão, o assistente interpôs recurso, formulando as conclusões:
1- Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida nos presentes autos e que decidiu “julgar nula a prova apresentada pelo assistente, não podendo a mesma ser utilizada, por ter sido obtida mediante intromissão nas telecomunicações, sem o consentimento do respectivo titular, nulidade que se estende a partir da formulação da acusação particular” e “não conhecer do pedido de indemnização cível”.
2- Do dispositivo da douta sentença proferida não consta qualquer decisão condenatória ou absolutória das arguidas - a quem nem sequer é feita menção - em flagrante violação do artigo 374º, nº 3, alínea b) do Código de Processo Penal, sendo, consequentemente, a mesma nula e não produzindo quaisquer efeitos, nulidade essa que ora expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.
3- Por outro lado, ao contrário do entendido pelo douto Tribunal a quo, o consentimento para aceder às SMS existiu e foi prestado.
4- Com efeito e como consta da Matéria de Facto Provada, designadamente, nos seus pontos 3. 5. e 6., o telefone inspecionado pelo ora recorrente era, à data dos factos, das suas filhas menores, sendo certo que o ora recorrente tinha e teve autorização expressa das suas filhas – apesar de não precisar da mesma, pois tem obrigação de vigilância – para aceder ao seu telefone.
5- Mas mesmo que se entendesse que seria necessária a autorização da arguida (...) para aceder a tais mensagens, uma vez que o telefone, apesar de já não ser seu, havia sido em tempos, sendo “suas” tais mensagens, também terá de considerar-se que tal consentimento existiu e existe, pois ao entregar o equipamento às suas filhas – independentemente de o fazer de forma definitiva, como fez, ou apenas temporária – para que as mesmas o usassem sem qualquer limitação, como era o caso, podendo utilizar, sem quaisquer restrições, todas as suas aplicações, utilidades e conteúdos, como efectivamente podiam, a arguida (...) consentiu, pelo menos tacitamente, a que as mesmas acedessem ao conteúdo das SMS nele contidas.
6- Se é verdade que é necessário consentimento para aceder a determinados conteúdos, é também certo que tal consentimento não tem de ser expresso, podendo ser apenas tácito, como foi no caso dos autos.
7- Assim sendo bem se vê que possuía o ora recorrente consentimento para aceder às SMS em causa nos autos, mensagens estas, como também está dado como provado, “com conteúdo profundamente ofensivo da sua honra e consideração”, pelo que deviam as arguidas ter sido condenadas pelos crimes de difamação por que vinham acusadas.
8- Ao decidir da forma constante da douta sentença recorrida, violou o douto tribunal a quo, entre outros, os artigos 180º do Código Penal, 126º, 127º, 128º e 374º, nº 3, alínea b) do Código de Processo Penal e os princípios, penal e constitucionalmente consagrados, da legalidade, da tipicidade e da livre apreciação da prova.
Termos em que e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, consequentemente, ser a douta sentença recorrida revogada e as recorridas condenadas pela prática dos crimes de difamação praticados contra o ora recorrente e no respectivo pedido de indemnização cível por este formulado, tudo com todas as legais consequências.


O recurso foi admitido.

Apresentaram respostas, concluindo:
- o Ministério Público:
1. Do Dispositivo da Sentença consta: “Pelo exposto e tendo em conta as disposições legais consideradas, o Tribunal decide julgar nula a prova apresentada pelo assistente, não podendo a mesma ser utilizada, por ter sido obtida mediante intromissão nas telecomunicações, sem o consentimento do respectivo titular, nulidade que se estende a partir da formulação da acusação particular. …”
2. De facto e, por uma questão de honestidade intelectual constata-se que assiste razão ao recorrente nos termos do artigo 374.º n.º 3 al. b) conjugado com o artigo 379.º n.º 1 a) todos do Código de Processo Penal.
3. o assistente teve acesso às mensagens objecto da causa através de consulta do telemóvel para o qual não tinha legitimidade de acesso ou autorização da sua proprietária, a arguida (...).
4. O conhecimento das mensagens constitui um método proibido de prova nos termos da previsão do artigo 126.º, n.º 3 do Código Penal, dado que não foi obtido o consentimento do direito violado, pelo que, é nula a prova.

- as arguidas:
1. A sentença recorrida tem-se por suficientemente fundamentada, de forma que permite apreender o processo racional que a suportou, tornando-se perceptível, designadamente para os destinatários, os motivos subjacentes à decisão da matéria de facto, sendo certo que para além da descrição, em termos genéricos, da prova produzida não deixa a mesma, de conter o exame crítico da prova.
2. Por tudo o que ficou exposto consideramos que a sentença, foi justa ao absolver as arguidas, não tendo em nosso entender quaisquer contradições nos depoimentos das testemunhas que se mostrem relevantes.
3. Pelo que em nosso entender o Meritíssimo Juiz julgou correctamente os factos, indicou e valorou correctamente toda a prova relevante produzida em audiência, e não proibida por lei, expondo de forma adequada os motivos da sua decisão, fazendo um exame crítico da prova, de forma clara, e explicando-se de forma inteligível a qualquer destinatário, concluindo de acordo com as regras da lógica e da experiência a fundamentação da sentença formulada.
4. Deve, pois, manter-se a sentença por justa e adequada.
Nestes termos e sobretudo nos mais que V. Exas. doutamente suprirão, deve manter-se a decisão do Tribunal A Quo, o recurso interposto ser considerado improcedente e, em consequência, manter-se a decisão de absolvição das arguidas nos seus precisos termos, o que só assim se fará JUSTIÇA!

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando a referida resposta do Ministério Público e no sentido da procedência do recurso apenas no que se reporta à nulidade da sentença.

Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), as arguidas manifestaram concordância com o parecer e o assistente veio reiterar a sua posição.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP.
Assim, reside em apreciar:
A) - da validade da prova obtida por consulta às mensagens no telemóvel;
B) - da nulidade da sentença.
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No que ora releva, resulta da sentença recorrida:
Matéria de Facto Provada
De relevante para a discussão da causa, resultaram os seguintes
Factos provados:
1. O assistente e a arguida (...) foram casados, entre si, tendo duas filhas em comum, a (…), nascida a (…) e a (…), nascida a (…).
2. A arguida (...) foi companheira do irmão do assistente, sendo, em consequência desse relacionamento, mãe de uma sobrinha do assistente.
3. No passado dia 22 de Julho de 2018, no seguimento da constatação de que as suas filhas haviam desobedecido a regras de utilização do telemóvel, o assistente confiscou o seu telemóvel, como castigo.
4. Quando fazia uma pesquisa no referido telefone, relacionada, precisamente, com a averiguação do tipo de utilização que as suas filhas faziam do telefone, face aos inúmeros perigos que hoje em dia podem advir do mau uso das redes sociais, internet e afins, descobriu uma série de mensagens, com conteúdo profundamente ofensivo da sua honra e consideração.
5. Com efeito, do histórico de mensagens do referido telefone, que percebeu o assistente, havia pertencido, em tempos, à mãe das crianças (a arguida (...)), constavam mensagens emitidas por (...) para terceiros, designadamente para (...)
6. A tudo acresce que tais mensagens se encontravam num equipamento que foi da mãe das crianças e que aquela cedeu às suas filhas.

Motivação da decisão de facto
A factualidade considerada provada resultou da convicção do tribunal formada a partir do conjunto de toda a prova produzida em audiência de julgamento, havendo que referir:
a. Das declarações da arguida:
b. Das declarações da assistente
c. Da prova testemunhal;
d. Da prova documental.
a. Das declarações da arguida (...)
Declarou, em síntese, que:
¾ Recebeu mensagem da sua filha por se encontrarem sozinhas nessa noite, dado que o pai saiu. As suas filhas tinham na sua posse um telemóvel que era seu e era por si utilizado. Apenas estava na posse de suas filhas dado que o telemóvel delas estava avariado. Antes tinha apagado as mensagens, mas são recuperáveis. Não concedeu qualquer autorização ao assistente para consultar o conteúdo do telemóvel, quer quanto a chamadas quer quanto a mensagens.
b. Das declarações da arguida (...)
Declarou, em síntese, que:
¾ Tomou conhecimento dos factos através da arguida (...), mas sabia que tinha trocado mensagens com a mesma através do telemóvel daquela. Conhece o telemóvel e sabia que era utilizado pela (...). Nunca deu autorização para consulta ou divulgação das mensagens trocadas entre si e a (...). Nunca trocou mensagens com as filhas da (...).
c. Das declarações do assistente (...)
Declarou, em síntese, que consultou o telemóvel das filhas dado que estas violaram regras de não utilização do telemóvel depois de determinada hora. Depois de verificar a utilização indevida, acabou por consultar as mensagens que o telemóvel tinha, tendo verificou que eram emitidas pela (...), sua ex cônjuge e mãe das suas filhas, para terceiros, designadamente para (...). As suas filhas disseram que o telemóvel era da mãe. Era necessário PIN para acesso ao telemóvel, o qual não conhecia. Foi a primeira vez que as filhas levaram aquele aparelho de telemóvel. As suas filhas tinham efectuado uma chamada para a mãe, uma vez que se ausentou de casa e as suas filhas ficaram com a avó e outra pessoa e ficaram com receio. Não se recorda daquele telemóvel como sendo da (...). Consultou o histórico das SMS e não pediu autorização à (...) para consultar as mensagens. Ao ver as mensagens pressupôs que o telemóvel já tinha pertencido à mãe das suas filhas, (...). Não mostrou as mensagens às suas filhas.
d. Da prova testemunhal
Das testemunhas de acusação
1. Depoimento de (…). Disse não conhecer a arguida (...) e conhece a arguida (...), são amigas há cerca de 10 anos, não tem qualquer relação familiar ou de parentesco com as mesmas,
Declarou, em síntese, que:
¾ Foi a sua amiga (...) lhe disse que o (...) a acusou de difamação por causa de umas trocas de mensagens. Apenas viu as mensagens no papel e não as tem no seu telemóvel. Apenas acompanha a (...) como amiga. Quanto à mensagem não tem forma de o confirmar. Tem conversas com a (...) sobre a sua vida e também sobre o assunto da regulação das crianças. Confirma que recebia mensagens telefónicas da (...) e a mensagem que se refere na acusação, em concreto, não se recorda do seu teor
2. Depoimento de (…). Disse conhecer as arguidas, a (…) foi casada com o (...) e a (...) teve uma relação com o irmão do (...). Disse ainda ter uma relação com o assistente.
Declarou, em síntese, que:
¾ Assistiu. Estava presente nesse fim de semana. O (...) fez uma fiscalização do telemóvel. Naquelas férias tinham apenas um telemóvel, era um smartfon. Solicitou que não houvesse fotografias de casa. Jun de 2018. As meninas utilizaram o telemóvel fora de horas e inclui a mãe. O pai confiscou o telemóvel e colocou-o em modo de avião. Foram encontradas mensagens recentes e outras mais antigas que eram mensagens da mãe para outras pessoas. As meninas já utilizavam este aparelho desde 9 de Junho. Viu as mensagens que constam da acusação no telemóvel das meninas. Telemóvel tinha pin o que pediu às filhas. Teria havido uma conversa em que a menina que tivesse melhor nota teria um telemóvel novo e a outra ficaria com um reciclado e foi o que aconteceu. O aparelho de telemóvel apareceu nas mãos nas meninas em Junho de 2018. Não perguntaram de quem era aquele telemóvel. Abriram a mensagem e depois foram verificar as demais mensagens.
3. Depoimento de (…). Disse conhecer as arguidas, já teve uma relação familiar com a arguida (...), era sua cunhada; relativamente à arguida (...) esta foi companheira do seu irmão, o assistente,
Declarou, em síntese, que:
¾ Irmã do assistente e foi este que lhe contou do conteúdo das mensagens que estavam no telemóvel das crianças. O irmão tem cronw e ficou muito alterado. É pessoa calma. Costuma estar com as meninas quando estão com o pai. Cada criança trás o seu telemóvel e, portanto, são delas. Havia mensagens ofensivas ao seu irmão e à família e isso foi o suficiente.
Exame crítico das provas [1]
Do texto da própria acusação particular, o assistente (...) expressou que do histórico de mensagens do referido telefone, percebeu que havia pertencido, em tempos, à mãe das crianças (a arguida (...)). Já em sede de julgamento, o assistente confirmou que o telemóvel onde estavam as mensagens de que se serviu como meio de prova para dedução da acusação, teria pertencido à sua ex cônjuge e mãe das suas filhas. Confirmou também que se apercebeu que as mensagens eram emitidas pela arguida (...) para terceiros e que nada as ligava às suas filhas, mas sim e tão só à referida arguida. O próprio assistente revela no seu depoimento que tomou plena consciência pelo conhecimento directo das mensagens que estas teriam sido escritas e enviadas pela arguida (...) e que estavam naquele aparelho de telemóvel que pertencia a esta arguida e da qual não tinha obtido qualquer autorização para visualizar as referidas mensagens. Dos depoimentos das testemunhas inquiridas em sede de audiência, com excepção da testemunha (…), actual companheira do assistente, resulta que o referido telemóvel era pertença e utilizado pela arguida (...). A própria arguida (...) o confirmou, tendo confirmado que as mensagens foram trocadas entre si e a arguida (...) através do referido aparelho de telemóvel.

Aspecto Jurídico da Causa
Enquadramento jurídico – penal
Sendo esta a matéria de facto provada, façamos o seu enquadramento jurídico- penal.
Questão prévia – prova proibida:
Não só pelo conteúdo da acusação particular, mas também aqui pelas declarações prestadas em julgamento pela arguida (...) verifica-se que as mensagens de SMS por si enviadas e por si recebidas foram acedidas de forma ilegítima pelo aqui assistente (...) porquanto não teve qualquer tipo de autorização para aceder a esse correio por parte da sua titular, a aqui arguida (...).
Métodos proibidos de prova – artigo 126.º do Código do Processo Penal:
(…) 3 - Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
Na hipótese legal do n.º 3 do artigo 126º do CPP, as provas obtidas fora dos casos admitidos pela lei e sem o consentimento do respectivo titular, mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, não podem ser utilizadas, o que é conhecimento oficioso - Ac. TRP de 18-06-2014.
As proibições de prova dão lugar a provas nulas - artigo 38.º, n.º 2, da CRP. A lei portuguesa proíbe as provas fundadas na violação da integridade física e moral do agente e as provas que violem ilicitamente a privacidade. Maia Gonçalves, Meios de Prova, Jornadas de Direito Processual Penal, 1989, pág. 195, a propósito dos n.ºs 1 e 3 do artigo 126.º, referia tratar-se em seu entender de dois graus de desvalor de provas obtidas contra as cominações legais, sendo maior o desvalor ético-jurídico das provas obtidas mediante os processos referidos no n.º 1 e tal diferente grau de desvalor tem reflexo nas nulidades cominadas; «enquanto as provas obtidas pelos processos referidos no n.º 1 estão fulminados com uma nulidade absoluta, insanável e de conhecimento oficioso, que embora como tal não esteja consagrada no art.º 119.º e está neste art.º 126.º, através da expressão imperativa não podendo ser utilizadas, já as provas obtidas mediante o processo descrito no n.º 3 são dependentes de arguição, e portanto sanáveis, pois que não são apontadas como insanáveis no art. 119.º ou em qualquer outra disposição da lei. Em relação a estas últimas provas, obtidas mediante os processos aludidos no n.º 3, a lei atendeu de algum modo à vontade do titular do interesse ofendido e ao princípio volenti non fit injuris».
Como expende Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, Dezembro 2007, pág. 326, anotação 3 «A nulidade das provas proibidas obedece a um regime distinto da nulidade insanável e da nulidade sanável. Trata-se de um regime complexo, que distingue dois tipos de proibições de provas consoante as provas atinjam a integridade física e moral da pessoa humana ou a privacidade da pessoa humana».
E no ponto 4, quanto ao regime da nulidade da prova proibida, diz que há que distinguir: a nulidade da prova proibida que atinge o direito à integridade física e moral previsto no artigo 126.º, n.ºs 1 e 2 do CPP é insanável; a nulidade da prova proibida que atinge os direitos à privacidade previstos no artigo 126.º, n.º 3 é sanável pelo consentimento do titular do direito. A legitimidade para o consentimento depende da titularidade do direito em relação ao qual se verificou a intromissão ilegal. O consentimento pode ser dado ex ante ou ex post facto. Se o titular do direito pode consentir na intromissão na esfera jurídica do seu direito, ele também pode renunciar expressamente à arguição da nulidade ou aceitar expressamente os efeitos do acto, tudo com a consequência da sanação da nulidade da prova proibida.
Em síntese, o artigo 126.º, nºs 1 e 2, prevê nulidades absolutas de prova e o n.º 3 prevê nulidades relativas de prova.
Assim também Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP Anotada, 2007, em anotação XV ao artigo 32.º, pág. 524: A interdição é absoluta no caso do direito à integridade pessoal e, relativa, nos restantes casos, devendo ter-se por abusiva a intromissão quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judicial (art. 34.º-2 e 4), quando desnecessária ou desproporcionada ou quando aniquiladora dos próprios direitos.
Simas Santos-Leal Henriques, in Código de Processo Penal Anotado, 3.ª edição, 2008, volume I, pág. 832, distinguem entre os métodos proibidos de prova, os absolutos (proibidos mesmo com consentimento), abrangendo as provas obtidas mediante tortura, coacção e ofensa à integridade física ou moral, e os relativos (proibidos apenas sem consentimento), abrangendo as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência e nas telecomunicações.
Os n.ºs 1 e 2 enunciam os métodos de prova que o legislador considera proibidos em termos absolutos, pois que atentam contra direitos indisponíveis para o seu próprio titular e em relação aos quais é irrelevante o consentimento.
Os métodos proibidos de carácter relativo abrangem os casos em que se utilizam processos de recolha de prova sem o consentimento dos respectivos titulares. Aqui, já não existe uma proibição absoluta, mas meramente relativa, uma vez que, estando apenas em causa direitos disponíveis, é sempre possível utilizar os meios de prova aí referidos se houver consentimento válido para tal ou a situação esteja prevista na lei.
A propósito da questão de saber se a nulidade contemplada no n.º 3, 2.ª parte, é ou não sanável, consideram - pág. 840 - que a última alteração legislativa pôs fim à dúvida, ao acrescentar que, em tais casos as provas obtidas em desrespeito da lei não podem ser utilizadas.
Na obra colectiva Prova Criminal e Direito de Defesa, Almedina, 2010, no trabalho Da Autonomia do Regime das Proibições de Prova, págs. 257 e seguintes, afirma-se que as proibições de prova não estão numa mera relação de especialidade face às nulidades. São, antes, tal como as nulidades, uma espécie de invalidade, que constitui o padrão comum a que se reportam ambas as figuras.
Sendo uma espécie autónoma de invalidade, o efeito associado às proibições de prova tem de ser distinto das nulidades. E conclui-se que esse efeito é a inexistência jurídica. A afirmação da autonomia das proibições de prova em relação às nulidades e a destrinça entre métodos absoluta e relativamente proibidos estava já presente no acórdão deste Supremo Tribunal, de 08-02-1995, processo n.º 47.084, in CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 194 - Extracto do Ac. STJ de 14-07-2010, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/21ac26b56cb6b8d6802577a6003109a4?OpenDocument
Em consequência afigura-se que o conhecimento destas mensagens constitui um método proibido de prova nos termos da previsão do art. 126.º, n.º 3 do Código Penal, dado que não foi obtido o consentimento do direito violado.
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Apreciando:

A) - da validade da prova obtida por consulta às mensagens no telemóvel:
O recorrente preconiza, contrariamente ao analisado e decidido pelo Tribunal, que a prova que obteve, por acesso ao telemóvel, não é proibida, invocando, no essencial, que esse telemóvel era, à data dos factos, das suas filhas menores, que tinha e teve autorização expressa das suas filhas para aceder ao telefone e mesmo que se entendesse que seria necessária a autorização da arguida (...) para aceder a tais mensagens, uma vez que o telefone, apesar de já não ser seu, havia sido em tempos, sendo “suas” tais mensagens, também terá de considerar-se que tal consentimento existiu e existe.
Vejamos.
A questão centra-se no método de obtenção das mensagens que se encontravam no telemóvel usado pelas menores, filhas do recorrente, ao qual este acedeu e onde constavam as mensagens de alegado teor ofensivo da sua honra e consideração, emitidas pela arguida (...), sua ex-cônjuge e mãe das menores, para terceiros, designadamente para a arguida (...).
Tal telemóvel havia pertencido, ao tempo da emissão das mensagens, à mãe das crianças, sendo que, a estas, o veio a ceder posteriormente, conforme se considerou provado.
O Tribunal enveredou por reportar a obtenção das mensagens, pelo aqui recorrente, como método proibido de prova, por “intromissão nas telecomunicações, sem o consentimento do respectivo titular”, por referência ao art. 126.º, n.º 3, do CPP e aos arts. 32.º, n.º 8 (por lapso consta 38º, n.º 2) e 34.º, n.ºs 2 (este n.º 2 claramente não aplicável em concreto) e 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e, assim, inquinando a prova que daí tivesse decorrido.
Mais se descortina, do que fundamentou, que o assistente “não teve qualquer tipo de autorização para aceder a esse correio por parte da sua titular, a aqui arguida (...) e afigura-se que o conhecimento destas mensagens constitui um método proibido de prova nos termos da previsão do art. 126.º, n.º 3 do Código Penal, dado que não foi obtido o consentimento do direito violado”.
Ora, nos termos do art. 26.º n.º 1, da CRP, “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”, aqui abarcando-se a protecção da esfera nuclear das pessoas e da sua vida, ou seja, fundamentalmente aquilo que a literatura civilista designa por direitos de personalidade (Gomes Canotilho/Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 2007, volume I, pág. 461, e Paulo Mota Pinto, sobre “A limitação voluntária do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada”, in “Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues”, Coimbra Editora, 2001, volume 2, pág. 527).
Sem descurar os contributos doutrinários e jurisprudenciais que a densificação do conceito de vida privada e familiar tem merecido (sobre esta temática, acórdão do STJ de 28.09.2011, rel. Cons. Santos Cabral, in www.dgsi.pt), acompanhando Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., pág. 468, o âmbito normativo do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar deverá delimitar-se, assim, como base num conceito de «vida privada» que tenha em conta a referência civilizacional sob três aspectos: (1) o respeito dos comportamentos; (2) o respeito do anonimato; (3) o respeito da vida em relação.
Afigura-se, prescindindo de acrescido esclarecimento, que a situação em análise, versando as mensagens em causa, não respeitaria, sem mais, ao núcleo íntimo da vida privada das arguidas. Porém, não deixa de relevar como atinente à sua privacidade, entendida, esta, na sua ampla dimensão, multifacetada, que se revela pelas mais diversas formas e, também, na interacção social, como aqui sucede, uma vez integrando comunicações entre as arguidas, que só a estas diziam respeito nas assinaladas vertentes.
E entroncando, também, na devida protecção da correspondência, atendendo a que as mensagens, revestindo correio electrónico, se devem equiparar, para o efeito, a correspondência arquivada no telemóvel.
Sobre o assunto, conforme Pedro Verdelho, “Apreensão de correio electrónico em Processo Penal”, na Revista do Ministério Público n.º 100, ano 25.º, Outubro/Dezembro.2004, pág. 158, as mensagens de correio electrónico (depois de recebidas e guardadas) deixam de ser uma comunicação (em transmissão), passando a ter uma natureza similar à da correspondência, embora sob a forma digital.
Tanto mais que a Lei n.º 109/2009, de 15.09 (Aprova a Lei do Cibercrime, transpondo para a ordem jurídica interna a Decisão Quadro n.º 2005/222/JAI, do Conselho, de 24 de Fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação, e adapta o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa) veio acolher esse entendimento, reflectido no seu art. 17.º, que prevê “Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal”.
Sem que se opere, pois, por essa via, destrinça entre mensagens abertas ou fechadas, pela circunstância de já terem, ou não, sido lidas, e na esteira do que se entendeu no acórdão do STJ de 20-09-2006, rel. Cons. Armindo Monteiro, no proc. n.º 06P2321, in www.dgsi.pt (porque, quer as mensagens tenham sido lidas ou não pelo destinatário, o que nem sempre se torna de destrinça fácil, sobretudo se e quando algum do “ software” de gestão de correio electrónico possibilita marcar como aberta ou não aberta uma mensagem, por vontade do seu destinatário, independentemente de ter sido ou não lida), o acesso que redunda na leitura das mensagens, sem o consentimento de quem tem legitimidade para o conceder, contende com a inviolabilidade da correspondência consagrada no art. 34.º, n.º 1, da CRP.
Deste modo, revertendo ao concreto, o acesso do aqui recorrente às mensagens “sms” contidas no telemóvel das filhas haverá de ser perspectivado, quanto à análise da validade do mesmo, nessas duas dimensões - a privacidade de quem as emitiu e a inviolabilidade dessa dita correspondência -, que acabam, complementarmente, por se defrontar com os interesses que aquele pretenda ver dignos de tutela.
É pacífico que qualquer restrição de direitos fundamentais terá de obedecer aos princípios de necessidade, adequação e proporcionalidade, conforme ao art. 18.º, n.º 2, da CRP, limitando-se, pois, ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, o que, sempre, imporá uma cuidada ponderação no confronto entre a medida da restrição e a dimensão da lesão dos direitos correspondentes.
Como se sublinhou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 407/97, de 21.05, in www.dgsi.pt, a previsão legal carecerá sempre de ser compaginada com uma exigente leitura à luz do princípio da proporcionalidade, subjacente ao art.18º, nº.2, da CRP, garantindo que a restrição do direito fundamental em causa se limite ao estritamente necessário à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta de um concreto crime e punição do agente.
Tal princípio da proporcionalidade assume uma tripla dimensão: (i) princípio da adequação ou da idoneidade, segundo o qual as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei; (ii) princípio da exigibilidade ou da necessidade, isto é, que as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias e indispensáveis, porque os fins visados não podem ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (iii) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, significando que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa justa medida, para impedir a desproporção das medidas relativamente a esses fins (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., págs. 392/393, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 2005, tomo I, pág. 162).
Acresce, conforme Manuel da Costa Andrade, in “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, Coimbra Editora, 1992, pág. 81, que Nem só a descoberta da verdade, preordenada à realização da justiça pela via da perseguição, identificação e punição dos agentes do crime, poderá reclamar a utilização de provas de algum modo atinentes à área problemática das proibições de prova.
Já Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1974, 1.º vol, pág. 59, referia:
«(…) o processo penal constitui um dos lugares por excelência em que tem de encontrar-se a solução do conflito entre as exigências comunitárias e a liberdade de realização da personalidade individual. Aquelas podem postular, em verdade, uma «agressão» na esfera desta; agressão a que não falta a utilização de meios coercivos (prisão preventiva, exames, buscas, apreensões) e que mais difícil se torna de justificar e suportar por se dirigir a meros «suspeitos» – tantas vezes inocentes – ou mesmo a «terceiros» (...).
Daí que ao interesse comunitário na prevenção e repressão da criminalidade tenha de pôr-se limites – inultrapassáveis quando aquele interesse ponha em jogo a dignitas humana que pertence mesmo ao mais brutal delinquente; ultrapassáveis, mas só depois de cuidadosa ponderação da situação, quando conflitue com o legítimo interesse das pessoas em não serem afectadas na esfera das suas liberdades pessoais para além do que seja absolutamente indispensável à consecução do interesse comunitário. É através desta ponderação e justa decisão do conflito que se exclui a possibilidade de abuso do poder (...) e se põe a força da sociedade ao serviço e sob controlo do Direito (…)».
O mesmo é dizer que os interesses da realização da justiça não bastam para justificar que os direitos fundamentais devam ceder, o que se impõe, por maioria de razão, quando as provas são obtidas por particulares, como no caso acontece.
Se bem que o recorrente alegue (na resposta ao parecer do Digno Procurador-Geral Adjunto) que as mesmas (mensagens) foram utilizadas apenas e só no exercício do direito de queixa, os parâmetros da devida proporcionalidade não deixam de ter de estar presentes.
Com efeito, não resulta minimamente que a titular dos direitos em apreço, à privacidade e à inviolabilidade da correspondência, seja, a arguida (...), enquanto emitente das mensagens, seja, também, a arguida (...), como destinatária das mensagens, tivesse consentido nesse acesso ao respectivo conteúdo.
Ainda que o telemóvel estivesse, à data, em poder das filhas do recorrente, não se aceita que a circunstância de ter sido cedido pela mãe, a arguida (...), signifique que esta, tacitamente, tivesse dado o consentimento para o acesso ao aparelho por terceiros, não obstante, no caso, o pai das menores.
Sendo que, se ao abrigo dessa situação parental, ao recorrente não lhe fosse inviabilizada a consulta desse aparelho para o efeito do poder correctivo de preservar a adequada utilização pelas filhas, já o mesmo não se pode concluir relativamente a ter obtido mensagens que extravasavam essa finalidade, como na realidade se verificou.
Não ocorre causa de justificação para esse procedimento de obtenção da prova, na medida em que, além de não sustentado em consentimento da(s) titular(es) - arts. 38.º e 39.º do CP -, não alicerçado em situação a que alude o art. 31.º do CP ou em direito de necessidade (art. 34.º do CP).
Em situação de colisão de direitos fundamentais, de ordem constitucional, quais sejam, no caso, a reserva da vida privada e o sigilo da correspondência, de um lado, e o direito de acesso aos tribunais para defesa de interesses legalmente protegidos (art. 20.º da CRP), de outro, haverá que conjugar os interesses em confronto.
E na ponderação, concreta, entre os interesses conflituantes (do recorrente e das arguidas), por referência aos bens jurídicos em causa, entende-se que a obtenção das mensagens pelo modo descrito redundaria no aniquilamento da privacidade e da inviolabilidade da correspondência, pelo que não se pode aceitar-se que a acção do recorrente viesse, por essa via, a ser premiada, dada a consequente irreversível lesão desses direitos das arguidas.
Assim, porque obtida mediante intromissão na vida privada e na correspondência, a prova decorrente é nula e não pode ser utilizada (art. 126.º, n.º 3, do CPP).
Ainda, sublinhe-se que, apesar da correcta fundamentação do Tribunal no sentido da proibição da prova, a conclusão de que foi obtida “mediante intromissão nas telecomunicações” não deve ser acolhida, uma vez que essa situação só aconteceria se, por qualquer meio idóneo, o aqui recorrente tivesse intercedido (impedindo, obstruindo ou interrompido) no envio/na recepção das mensagens.

B) - da nulidade da sentença:
Refere o recorrente que Do dispositivo da douta sentença proferida não consta qualquer decisão condenatória ou absolutória das arguidas - a quem nem sequer é feita menção - em flagrante violação do artigo 374º, nº 3, alínea b) do Código de Processo Penal, sendo, consequentemente, a mesma nula e não produzindo quaisquer efeitos.
Na verdade, o mencionado dispositivo não contém decisão condenatória ou absolutória, incorrendo, pois, na omissão respectiva (referido art. 374.º, n.º 3, alínea b)), desencadeando a nulidade da sentença, nos termos do art. 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP.
Transparece que o Tribunal assim enveredou por entender que a questão, que caracterizou como prévia, da nulidade/proibição da prova, teria obstado ao conhecimento do mérito da causa, seja quanto à acusação particular, seja acerca do pedido de indemnização civil.
Admite-se que a análise de questão atinente à proibição da prova possa considerar-se como prévia, mas daí não decorre que necessariamente venha a inviabilizar esse conhecimento de mérito.
Afigura-se que esta é a situação no caso, uma vez que o Tribunal consignou, desde logo, que essa questão se colocou, “Não só pelo conteúdo da acusação particular, mas também aqui pelas declarações prestadas em julgamento pela arguida (...)”, com o inevitável significado que acolheu a prova produzida em julgamento e, como sucedeu, fixou a matéria de facto - esta, porém, e corrrectamente, sem referência expressa ao conteúdo das mensagens, porque insusceptível de utilização enquanto obtido por método proibido -, assente nessa prova.
Deste modo, pese embora o apreciado no âmbito em apreço, não se descortina razão para que o Tribunal não devesse ter extraído as devidas consequências, proferindo decisão.
Por isso, não obstante a questão que analisou, incorreu na invocada nulidade, que cumprirá suprir.
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3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se:
- conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo assistente e, em consequência,
- sem prejuízo da invalidade da prova, porque obtida por método proibido, nos termos que ficaram descritos, ainda que não inteiramente concordantes com o fundamentado pelo tribunal recorrido, declarar a nulidade da sentença, por preterição do disposto no art. 374.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a suprir pelo mesmo tribunal.

Sem tributação (art. 513.º, n.º 1, do CPP).
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Processado e revisto pelo relator.
8.Setembro.2020
Carlos Jorge Berguete
João Gomes de Sousa
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[1] A apreciação crítica das provas consiste na exposição do processo racional e lógico pelo qual o tribunal considerou os factos provados ou não provados, com base na prova produzida. Tal exposição, ainda que concisa, como refere o n.º 2 do citado artigo 374.º, deve permitir compreender o motivo pelo qual o tribunal julgou suficientes ou prevalecentes os meios de prova que sustentam a decisão negativa ou positiva da matéria de facto em causa, sem que tal origine, como é evidente, a obrigação de decompor cada um dos termos ou conceitos que são usados para expressar o maior ou menor poder de convicção de cada um dos meios de prova. O discurso fundamentador da selecção da matéria de facto deve ser um discurso completo que podemos decompor em dois momentos com funções diversas: a) avaliação da prova, admitindo-o e ajuizando o seu valor como meio de revelação de um facto (do feito introduzido em juízo); b) a evidenciação ou exteriorização da formação da convicção do julgador