Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
149/07.9JELSB.E1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: RAUL BORGES
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DUPLA CONFORME
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
DIREITOS DE DEFESA
MÉTODOS PROIBIDOS DE PROVA
LEITURA DO CONTEÚDO DO TELEMÓVEL
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
IN DUBIO PRO REO
VÍCIOS DO ARTº 410.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
CONHECIMENTO OFICIOSO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
MEDIDA DA PENA
ANTECEDENTES CRIMINAIS
REGISTO CRIMINAL
ESTRANGEIRO
Data do Acordão: 07/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário :

I - Os arguidos foram, entre outros, condenados pela prática de crimes de falsificação de documento e de falsidade de declaração, em penas que variam entre 1 ano e 1 ano e 9 meses de prisão. Ao crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º, n.ºs 1 e 3, do CP, cabe a pena de prisão de 6 meses a 5 anos ou pena de multa de 60 a 600 dias. Para o crime de falsidade de declaração, p. e p. pelo art. 359.º, n.º 2, do CP, está prevista a pena de prisão até 3 anos ou pena de multa.
II - No caso em apreciação, o Tribunal da Relação confirmou na íntegra o acórdão do tribunal de 1.ª instância, estando-se perante dupla conforme condenatória, mostrando-se cumprido o duplo grau de jurisdição exercido pela Relação em via de recurso. O princípio da dupla conforme impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais. Este princípio é assegurado através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão. O acórdão da Relação, proferido em 2.ª instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição. As garantias de defesa do arguido em processo penal não incluem o 3.º grau de jurisdição, por a CRP, no seu art. 32.º, se bastar com um 2.º grau, já concretizado nos autos aquando do julgamento pela Relação.
III - Assim, os recursos dos arguidos, quanto à pretendida reapreciação das medidas das penas aplicadas pelos indicados crimes, são inadmissíveis, nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, como já o eram à luz do anterior regime.
IV - Os recorrentes suscitam a existência de uma nulidade insanável, alegando que o tribunal de 1.ª instância para fundamentar a sua convicção utilizou um meio proibido de prova, pois que considerou a leitura dos telemóveis apreendidos, sem que a abertura daqueles tivesse sido precedida de autorização expressa da entidade judiciária. Mas esta questão da prova proibida é encarada sob duas perspectivas: a da nulidade por intercepção não consentida ou autorizada e a da nulidade por violação da intimidade e correspondência.
V - O cartão de telemóvel é o repositório de mensagens, a respectiva caixa de correio, que as recebe até serem inutilizadas pelo destinatário, e a mensagem uma forma de telecomunicação, por meio diferente de telefone, à qual se aplicam as regras sobre as escutas telefónicas, por força do art. 190.º, do CPP. No caso concreto, houve autorização judicial para intercepção de conversações ou comunicações, o que incluiria naturalmente as feitas por meio diverso do telefone e que é o telemóvel, mas não abarcando estas.
VI - No entanto, uma outra questão que tem se ser equacionada tem a ver com o efectivo interesse, a força real probatória que os elementos colhidos através da leitura dos cartões tiveram na solução global, havendo que indagar de que modo e com que peso contribuíram para a decisão de fundamentação da facticidade apurada, sendo que os recorrentes se limitaram a fazer afirmações genéricas, sem explicar porque o material foi decisivo para a decisão, nem porque teve peso forte na apreciação da matéria de facto.
VII - No acórdão recorrido afirma-se que “mesmo no tocante às vigilâncias e leitura da memória do telemóvel nada trouxeram de seguro que pudesse gerar uma convicção segura acerca dos elementos possíveis para incriminar os arguidos”, motivo pelo qual improcede a arguição de nulidade por uso de método proibido de prova.
VIII - Os arguidos invocaram também a nulidade do acórdão da Relação, por não ter conhecido da impugnação da matéria de facto, mas o certo é que no segundo acórdão recorrido, diversamente do que ocorreu da primeira vez, o Tribunal da Relação não se limitou a produzir uma afirmação genérica, colocando-se numa posição de alienidade em relação à pretensão impugnatória dos recorrentes, tendo antes cumprido o tema proposto, fazendo-o de forma detalhada, circunstanciada e fundamentada.
IX - Como se sabe, a reapreciação só poderá determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam ou sugiram uma outra decisão. Como o STJ tem reafirmado, o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª instância, como se o julgamento não existisse, tratando-se antes de um remédio jurídico, destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros e não indiscriminadamente, de forma genérica, quaisquer eventuais erros.
X - No presente caso, o Tribunal da Relação procedeu a uma efectiva e fundamentada “reavaliação” da forma possível ao momento (na ausência de oralidade, imediação e concentração) das provas concretamente indicadas relativamente aos concretos pontos de facto que os recorrentes indicaram como tendo sido incorrectamente julgados, avaliando se efectivamente essas provas impunham ou não uma decisão diversa da recorrida. Sendo assim, não se verifica omissão de pronúncia sobre a impugnação da matéria de facto.
XI - Os recorrentes suscitam também a questão da violação do princípio da presunção de inocência, porquanto no acórdão proferido na 1.ª instância se afirma “São, pois, demasiadas coincidências, e a compor o ramalhete, os antecedentes criminais (todos com condenações em crimes relacionados com estupefacientes) e a ausência de qualquer explicação para tanta coincidência”. Para se concluir como se concluiu, bastava atender ao tempo e ao modo, e à circunstância, do real e concreto pedaço de vida em que os arguidos foram interceptados por elementos da PJ, em local público e à luz do dia, sendo a convicção do tribunal balizada em vários outros – válidos, úteis, pertinentes, relevantes e convincentes elementos de prova –, que em absoluto dispensavam aquela referência absolutamente excrescente, desnecessária, e, no fundo, anódina.
XII - Trata-se de uma expressão perfeitamente escusada, inútil, de certo modo infeliz, que não induz qualquer valor acrescentado à argumentação maior, que não pode, nem deve situar-se na categoria de argumento a fortiori, tratando-se de uma mera excrescência, podendo ser integrada na categoria do “desabafo”, face ao que foi considerado um conjunto de coincidências várias sem qualquer explicação, a que deverá, nesta perspectiva, ser dado o devido tratamento, ou seja, deverá ter-se por não escrita. A presunção de inocência não foi, claramente, ilidida ou sequer beliscada por este meio, perfeitamente inidóneo para o efeito.
XIII - Os vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Atenta a sua estrutura, referenciados que estão os vícios decisórios ao nível da fixação da facticidade relevante, pertinente e útil, para a conformação final e definitiva do thema probando, definindo os contornos finais e definitivos do objecto proposto pela vinculação temática concreta do caso, com vista à solução do thema decidendum, não faz sentido assacar a existência de tais vícios ao acórdão recorrido, o que seria possível e apenas e tão só num quadro em que a Relação fixasse factualidade em função de renovação da prova, o que não é de todo o caso.
XIV - A questão que se coloca, no que respeita aos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova, para mais correspondendo a sua invocação a uma reedição da arguição feita no recurso anterior para a Relação, é a de saber se após uma primeira invocação dos vícios perante o Tribunal da Relação é possível o recorrente repetir a arguição desses vícios – necessariamente da decisão da 1.ª instância – perante o STJ, ou se se opera a preclusão dessa possibilidade. A especificidade do caso está em os recorrentes terem impugnado a matéria de facto, nos termos mais amplos consentidos pelo art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, e em simultâneo invocarem a ocorrência desses vícios, cuja detecção apenas por via da análise do texto pode ser alcançada, para além de se esgrimirem com alegada errada valoração das provas, e violação do princípio in dubio pro reo. E, perante a arguição dos vícios decisórios em causa, é de colocar a questão de saber se o STJ pode deles conhecer em recurso interposto de decisão do Tribunal da Relação.
XV - Actualmente, o STJ conhece oficiosamente dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, quando, num recurso restrito exclusivamente à matéria de direito, constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentam como plausíveis. No recurso interposto de acórdão da Relação, porém, o recurso – agora puramente de revista – terá de visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito, com exclusão dos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento da 1.ª instância, admitindo-se que o Supremo Tribunal se possa abster de conhecer do fundo da causa e ordenar o reenvio nos termos processualmente estabelecidos em certos casos.
XVI - É que, mesmo nos recursos interpostos directamente deixou de ser possível recorrer-se com fundamento na existência de qualquer dos vícios constantes das três alíneas do n.º 2 do art. 410.º, o mesmo se passando com os recursos interpostos da Relação, sendo jurisprudência constante e pacífica do STJ que no recurso para este Tribunal das decisões finais do tribunal colectivo já apreciadas pelo Tribunal da Relação, está vedada a arguição dos vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, posto que se trata de matéria de facto, ou seja, de questão que se não contém nos poderes de cognição do STJ, o que significa que está fora do âmbito legal dos recursos a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, em tudo o que foi objecto de conhecimento/decisão pela Relação.
XVII - Todavia, como se referiu, a incursão no plano fáctico é ainda possível, não já face à questão colocada pelo interessado, mas por iniciativa própria do STJ. Só com o âmbito restrito consentido pelo art. 410.º, n.º 2, do CPP, com o incontornável pressuposto de que o vício há-de derivar do texto da decisão recorrida, o STJ poderá avaliar da subsistência dos vícios da matéria de facto, o que é aplicável a recurso interposto da Relação.
XVIII - O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, verifica-se quando a matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada, porque o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto; ocorre quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou absolvição. A insuficiência prevista na al. a) determina a formação incorrecta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas. A matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta, legal e justa. Insuficiência em termos quantitativos, porque o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto.
XIX - A propósito do vício em referência, é dado adquirido que a matéria de facto só é insuficiente para a decisão proferida quando se verifique uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para a decisão de direito, quando os factos assentes não são substrato necessário e suficiente para justificar a decisão de direito assumida. Tal vício só pode ter-se como evidente quando a factualidade provada não chega para justificar a decisão de direito, ou seja, para a subsunção da norma incriminadora, considerando todos os seus elementos típicos.
XX - Depois, os recorrentes manifestam a sua discordância com o decidido ao nível do assentamento da facticidade dada como apurada, pretendendo discutir de novo a prova, suscitar a questão da sua valoração, impugnar a convicção adquirida pelos julgadores sobre os factos pertinentes à configuração do crime por que foram condenados, alterando a matéria de facto assente, tendo como objectivo final a absolvição, olvidando por completo a regra da livre apreciação da prova.
XXI - São totalmente irrelevantes as considerações que os recorrentes fazem no sentido de pretenderem discutir a prova feita no julgamento e de solicitarem que o STJ modifique tal prova e passe a aceitar como realidade aquilo que o interessado pretende corresponder ao sentido do que teria resultado do julgamento. A crítica ao julgamento de facto, a divergência e as considerações dos recorrentes quanto à avaliação e valoração das provas feita pelo colectivo e já debatida no acórdão em recurso é irrelevante, de acordo com jurisprudência corrente há muito firmada, pois o STJ não pode considerá-la, sob pena de estar a invadir o campo de apreciação da matéria de facto que o colectivo faz de harmonia com o art. 127.º, do CPP.
XXII - O princípio in dubio pro reo, que estabelece que, na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, é um princípio de prova que vigora em geral, isto é, quando a lei, através de uma presunção, não estabelece o contrário. A violação do princípio referido tem sido entendida sob diversas perspectivas, como a de respeitar a matéria de prova e, pois, tratar-se de matéria de facto e como tal insindicável pelo STJ, ou enquanto princípio estruturante do processo penal, podendo ser suscitada perante o Tribunal de revista, mas o STJ vem afirmando que isso só é possível se a violação resultar do próprio texto da decisão recorrida, designadamente, da fundamentação da decisão de facto.
XXIII - A possibilidade de abordagem de eventual violação do princípio é balizada pelos parâmetros de cognoscibilidade presentes numa indagação dos vícios decisórios, por um lado, com o consequente alargamento da possibilidade de incursão de exame no domínio fáctico, mas simultaneamente, como ali ocorre, operando de uma forma mitigada, restrita, que se cinge ao texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum.
XXIV - O que significa que, tal como ocorre na análise e exame de verificação dos vícios, quando se perspectiva indagação de eventual violação do princípio in dubio pro reo (em ambos os casos diversamente do que ocorre com a avaliação de nulidades da sentença), há que esquecer que se está perante um poder de sindicância de matéria fáctica, que é limitado, restrito, parcial, mitigado, exercido de forma indirecta, dentro do condicionalismo estabelecido pelo art. 410.º, do CPP, em suma, que o horizonte cognitivo do STJ se circunscreve ao texto da decisão, não incidindo sobre o julgamento, isto é, que o objecto da apreciação será sempre a decisão e não o julgamento.
XXV - A intervenção do STJ em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”.
XXVI - No processo há registo de condenações sofridas pelos arguidos em tribunais estrangeiros, em datas já bastante remotas, motivo pelo qual há que questionar que valor teriam estas condenações à face da lei portuguesa, se estivéssemos perante penas aplicadas por tribunais portugueses, posto que a Lei de Identificação Criminal – Lei 57/98, de 18-08 (regulamentada pelo DL 381/98, de 27-11) – prevê no art. 15.º as hipóteses de cancelamento automático dos registos. E tendo em conta a extinção automática referida, serão de entender como antecedentes apenas as condenações que teriam relevo como antecedentes criminais face à lei portuguesa.


Decisão Texto Integral:




No processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 149/07.9JELSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Almodôvar, integrante do Círculo Judicial de Beja, por despacho do Juiz de Instrução competente, de 11 de Julho de 2008, constante de fls. 1324 a 1343, os arguidos AA, BB e CC, foram pronunciados pela imputação da prática dos seguintes crimes:
a) Todos e cada um dos arguidos AA, BB e CC, em co-autoria material, um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1, e 24.º, alíneas b) e c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-C, anexa ao referido diploma legal.
b) Todos e cada um dos arguidos AA, BB CC, a autoria material de:
– Um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e e), e n.º 4, do Código Penal;
– Um crime de falsidade de declaração, p. e p. pelo artigo 359.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.
Realizado o julgamento, veio a ser proferido acórdão, datado de 5 de Janeiro de 2009, constante de fls. 1792 a 1867, do 7.º Volume, onde foi deliberado:
I – Absolver todos os arguidos do crime de tráfico de estupefacientes agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alíneas b) e c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;
II - Condenar:
1 - O arguido AA pela prática, em concurso efectivo, de:
– um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de nove (9) anos de prisão;
– um crime de falsificação de documento agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 255.º, alínea a) e 256.º, n.º 1, alínea e) e n.º 3 do Código Penal, na pena de um (1) ano e seis (6) meses de prisão; e
– um crime de falsidade de declaração, previsto e punido pelo artigo 359.º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão,
Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de dez (10) anos e três (3) meses de prisão;
2 - O arguido BB pela prática, em concurso efectivo, de:
– um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de nove (9) anos de prisão;
– um crime de falsificação de documento agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 255.º, alínea a) e 256.º, n.º 1, alínea e) e n.º 3 do Código Penal, na pena de um (1) ano e seis (6) meses de prisão; e
– um crime de falsidade de declaração, previsto e punido pelo artigo 359.º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão,
Em cúmulo jurídico foi condenando na pena única de dez (10) anos e três (3) meses de prisão;
3 - O arguido CC pela prática, em concurso efectivo, de:
– um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de nove (9) anos e três (3) de prisão;
– um crime de falsificação de documento agravado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 255.º, alínea a) e 256.º, n.º 1, alínea e) e n.º 3 do Código Penal, na pena de um (1) ano e nove (9) meses de prisão; e
– um crime de falsidade de declaração, previsto e punido pelo artigo 359.º, n.º 2 do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão,
Em cúmulo jurídico foi o arguido condenado na pena única de dez (10) anos e seis (6) meses de prisão.
Mais foi declarado perdido a favor do Estado todo o produto estupefaciente apreendido, assim como a respectiva amostra, mais se determinando a sua destruição.
Declarou-se ainda a perda a favor do Estado, ao abrigo dos artigos 35.º, n.º 1 e 36.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, dos seguintes bens:
a) descritos em 26) da factualidade provada: (…);
b) descritos em 29) dos factos provados: (…);
c) descritos em 31) dos factos provados: (…);
d) todas as quantias monetárias apreendidas.

Inconformados, os arguidos interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Évora, que por acórdão de 23 de Junho de 2009, constante de fls. 2524 a 2630, do 11.º volume, negou provimento aos recursos.

Desse acórdão confirmativo recorreram os três arguidos para o Supremo Tribunal de Justiça, que por acórdão de 20 de Janeiro de 2010, fazendo fls. 2884 a 2920 (12.º volume), anulou o referido acórdão da Relação de Évora, por omissão de pronúncia sobre a impugnação da matéria de facto.

Volvido o processo ao Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 16 de Março de 2010, foi negado provimento ao recurso.

De novo inconformados, os três arguidos recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça.
O arguido CC apresentou a motivação de fls. 3066 a 3068, do 13.º volume, que rematou com as seguintes conclusões:
1ª - As penas fixadas nas Instâncias são excessivas, violando os art°s correspondentes aos tipos legais de crime e respectivas punições, violando igualmente os art°s 71° e 40° do C P;
2ª - Tais penas devem ser revogadas e alteradas isoladamente para 5 anos, 3 meses e 8 meses, respectivamente quanto aos crimes de tráfico de estupefacientes, falsificação de depoimento e falsificação de documento;
3ª - Operando o cúmulo jurídico previsto no art° 77°- l -2 do C P, não deverá o recorrente ser condenado em pena superior a 5 anos e seis meses de prisão.

Os arguidos AA e BB apresentaram a motivação de fls. 3071 a 3134, em fax, e 3138 a 3197, que rematam com as seguintes conclusões (em transcrição integral, incluindo realces):
I. MÉTODO PROIBIDO DE PROVA
1. O Tribunal da 1ª instância para fundamentar a sua convicção utilizou um método proibido de prova, pois que utilizou a leitura da memória dos telemóveis e respectivos cartões sem preceder de tal diligência de abertura de memória do telemóvel de autorização expressa da entidade judiciária nos termos do art° 187° do C. P.P
2. Admitiu o Tribunal da Relação que tal perícia foi efectuada sem autorização, porque após ter sido lida a mensagem pelo destinatário, o cartão de telemóvel se equipara a um documento e, por isso, a apreensão segue o regime dos documentos e não das escutas telefónicas.
3. O regime das escutas telefónicas é aplicável a quaisquer outras formas de comunicação nos termos do art° 189° do C.P.P., abrangendo o correio electrónico e outras formas de transmissão de dados por via telemática, mesmo que guardadas em suporte digital.
4. O cartão de telemóvel foi aberto e lida toda a sua memória em data anterior à publicação da nova lei - Setembro de 2008.
5. Apesar de já nessa altura ser essa a orientação (e bem) do STJ (obrigatoriedade da autorização judicial), dúvidas não podem restar que a violação dos direitos e garantias dos cidadãos não poderão ficar validados por leis anteriores.
6. A acautelar esse tipo de entendimento a nova lei veio introduzir no processo de recurso de Revisão da sentença no art. 449°, n° 1, alínea e) do CPP onde refere:
“ Se descobrir que serviram, de fundamento à condenação provas proibidas nos termos do n° 1 a 3 do art. 126°”;
7. Ou então, sempre se poderia voltar a apreciar a validade ou não de provas obtidas nos termos do art. 126° do CPP através da previsão do n° 4 do art. 2º do CPP, conjugado com o art. 371°-A do mesmo diploma
8. Interpretação diferente desta, nomeadamente, das normas constantes das alíneas a) e b) do art. 5º do CPP contendem com os princípios constitucionais ínsitos nos art. 18°, 32° e 34° da C.R.P..
9. É esta a melhor interpretação a dar às normas constantes dos artigos 187° e 189° do CPP, pois caso se entenda que a autorização para abertura da memória do telemóvel está coberta pelas normas supra citadas então as mesmas padecem de inconstitucionalidade material por contenderem com o estatuído nos artigos 18° e 34° da C.R.P..
10. Ao abrir a memória do telemóvel, tendo visto as mensagens e tráfego do cartão de telemóvel sem autorização do respectivo dono e sem autorização judicial, tendo utilizado esse material para decisão de matéria de facto, o que foi decisivo no seu apuramento, o Tribunal de 1ª Instância usou meio de prova proibido (nova redacção do n.° 3 do art.º126° do CPP).
11. Atendendo ao peso forte que teve na apreciação da matéria de facto, tem de ser anulado o mesmo acórdão (da 1ª Instância) para que a matéria de facto seja decidida sem se fazer uso do aludido meio de prova.

II. ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO
12. O Acórdão do Tribunal da relação não conheceu da matéria de facto, por entender que os recorrentes não tinham dado cumprimento ao preceituado no art. 412, n°s 3 e 4 do CPP.
13. Mal decidiu, contra lei expressa, pois que os recorrentes indicaram os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados e, por referência a cada um deles, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.
14. Ainda que se entenda que falta a referência às voltas em que as passagens constam dos depoimentos das pessoas citadas, o que se entende ser dispensável face à transcrição que se fez, nem por isso o Tribunal da Relação se podia eximir ao conhecimento da matéria de facto, aproveitando uma questão formal para, de forma contundente, violar claramente os direitos de defesa do arguido.
15. E não podia eximir-se porque a Lei o proíbe, de forma expressa.
16. O Ex.mo Relator, com o devido respeito, “olvidou” tal comando legal e, a coberto de um acórdão do TC, que não tem aplicabilidade no caso em apreço precisamente porque se tratará apenas de uma questão formal (que jamais permitiria se alterasse ou ampliasse o objecto do recurso), violou todas as garantias de defesa dos arguidos, e, destarte, o n.° 1 do art.° 32° da CRP, na medida em que “evitou” conhecer da matéria de facto, cerne do recurso dos arguidos.
17. De resto, o TC - Acórdão 140/2004 - sem qualquer dúvida considerava violador do princípio da proporcionalidade a interpretação do art.° 412° do CPP que rejeitasse o recurso quanto à matéria de facto, sem convite ao aperfeiçoamento, quando estivesse em causa uma deficiência formal da motivação e/ou das conclusões.
18. Ora, ao violar um comando legal - art.° 417°, n.° 3 do CPP -, que impõe se formule convite para completar as hipotéticas deficiências da motivação, o Tribunal da Relação inviabilizou a pretensão dos Recorrentes no que ao recurso da matéria de facto diz respeito, cerne do objecto do recurso, e, por isso, violou as garantias constitucionais de defesa destes, invocação que se faz para todos os efeitos legais.

III. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
19. Na realidade, e conforme consta de fls. 54 do acórdão do TRE, onde se transcreve a fundamentação de 1ª Instância, diz-se: “São, pois, demasiadas coincidências, e a compor o ramalhete, os antecedentes criminais (todos com condenações em crimes relacionados com estupefacientes) (realce nosso).
20. O que os antecedentes não podem servir é para fundamentar a questão da culpabilidade sob pena de se considerar que o tribunal formou um pré-juízo e, com ele, violou o princípio da presunção da inocência.
21. Daí que, mais uma vez se repete, é inadmissível se associe a culpa aos antecedentes criminais do arguido.
22. Resulta, inequivocamente, do texto da decisão recorrida, que o Tribunal de 1ª Instância se socorreu dos antecedentes criminais dos arguidos para fundamentar a questão da culpabilidade, violando os princípios constitucionais supra referidos, o que se deixa expressamente consignado para todos os legais efeitos.
23. Podia e devia o TRE ter anulado o acórdão de 1a Instância e, na sequência, impedindo os Srs. Juízes de fundamentar a decisão da matéria de facto com base, pelo menos coadjuvante, nos antecedentes criminais dos arguidos.
24. Ao não o ter feito, violou normas e princípios constitucionais e, por isso, deve a decisão ser sindicada pelo STJ e, na sequência, também por esta razão, deve ser anulado o acórdão de 1ª Instância.
25. A ponderação dos antecedentes criminais como facto da decisão da “questão da culpabilidade” constituem clara violação do princípio da presunção de inocência consagrada no art° 32° n° 2 da CRP, tendo o Tribunal feito errada interpretação dos arts. 368° e 369° n° 1 do C.P.P

IV. VÍCIOS DO ART. 379° AL. C) DO CPP
Omissão de pronúncia
26. O Tribunal da 1ª instância declarou perdido a favor do Estado o dinheiro apreendido aos recorrentes de que foi interposto recurso.
27.Contudo, o Tribunal da Relação omitiu pronunciar-se sobre esta questão que é essencial, pelo que também nesta parte o Acórdão do Tribunal da Relação é nulo - artigo 379°, alínea c) do CPP.
28. Os recorrentes ficaram impedidos de exercer o seu direito de defesa com tal omissão de pronúncia, pelo que foi com tal interpretação do preceito acima mencionado violado o princípio ínsito nos artigos 32° e 205° da CRP.

Erro na Fundamentação (art. 374°, n° 2 com a cominação do n° 1 do art. 379° do CPP)
29. Existe erro na fundamentação da decisão porque os factos, razões, não podem sem qualquer sombra de dúvida levar às conclusões que o Tribunal entendeu terem levado.
Porque:
30. As provas que levam a concluir que os recorrentes se encontraram anteriormente em Almodôvar e que combinaram encontrar-se na área de serviço fundamentam-se nas declarações dos recorrentes.
31. As ligações entre os recorrentes e o CC são o tráfego de chamadas telefónicas entre os mesmos que é prova proibida.
Que se encontraram na área de serviço e passagem na portagem, temos prova testemunhal.
Que soubessem que o CC conduzia uma carrinha cheia de haxixe.
Que a mesma ficaria estacionada na área de serviço de Almodôvar.
Que os recorrentes soubessem qual a quantidade de produto estupefaciente da carrinha e que a quiseram seguir como batedores fundamenta-se em deduções, presunções, hipóteses.
32. Quanto à razão porque o recorrente AA e o seu amigo BB ali se encontravam, temos as declarações dos recorrentes que não foram postas em causa por nenhum outro meio de prova.
O arguido CCs estar dentro da viatura do recorrente, quando bruscamente foram retirados daquela pelos OPC, tendo no banco onde aquele se sentara ficado a chave da carrinha.
33. Explica-se pelas regras da experiência, já que a teria no colo, ou entre as pernas, sítio normal para um homem quando sentado, o local onde posa os pertences é normalmente (entre as pernas).
34. Se a chave se destinasse a ser entregue ao recorrente AA, esse já a poderia ter na sua posse antes de ser interceptado pela OPC, considerando a matéria dada como provada, atendendo ao tempo que CC e o recorrente estiveram no carro sem serem interceptados, ou seja o arguido CC tê-la-ia logo entregue.
35. Poderá a versão dos arguidos não merecer credibilidade, contudo nada existe que possa acima de qualquer dúvida fazer concluir que o recorrente estava parado na área de serviço, porque estaria a fazer um seguimento de um carregamento de haxixe.
36. Estarem na Portagem de Grândola - com a versão dos arguidos ou sem ela não será o suficiente para concluir que os arguidos estão implicados no acto de tráfico.
37. Porque a terem seguido a carrinha quando a viram passar ou por mera coincidência, se terem posto em movimento, logo que a mesma passou, não leva à conclusão que iriam prestar a função de "batedores" ou seguranças, da carrinha, nem pelo seu comportamento em termos de seguimento tal se poderá concluir considerando que não acompanharam a mesma, aliás abandonaram-na, seguindo para a área de serviço onde permaneceram por longo tempo.
38. Além de que tendo passado a portagem depois das 17H41m, fazer 98Km em 40 minutos é impossível, poder fazer segurança/BATEDOR a uma carrinha que segue com um carregamento de cerca de 2.500Kg, pelo que este facto certo terá de levar à conclusão que não era intenção daqueles seguir a carrinha.
39. Os factos a que o Tribunal chama coincidências foram explicados pelos arguidos e se acaso lacunas existiram referem-se a factos a que só o arguido CCs sabia e, não esclareceu, porque se recusou a prestar Declarações.
40. Poderia ter esclarecido concretamente onde era o terreno que iria mostrar ao arguido AA, a razão do conhecimento da sua mulher com o AA, quem era o indivíduo a quem entregaria a chave da carrinha, nomeadamente se era alguém do Renault Clio, etc.
41. O facto do arguido AA ter posto o carro em movimento após a Iveco ter passado na portagem
- O facto do CC após ter verificado que a cafetaria estava fechada
- Se ter dirigido ao carro do AA estacionado frente àquela e, ter entrado na viatura e permanecido até à voz de detenção pelos OPC
- Poderão estes factos ser Denunciadores de qualquer actividade ilícita nomeadamente tráfico de droga.
42. Contudo, é manifestamente insuficiente para a condenação dos arguidos nos termos em que ocorreu quanto ao crime de tráfico de estupefacientes.
Sem terem sido concretizados quanto aos mesmos actos de tráfico, sem ter sido efectuada qualquer apreensão de droga, nomeadamente no carro do AA (apesar de não ser decisivo) o que resta é o encontro dos arguidos para o qual os recorrentes dão explicação, apesar de o Tribunal não acreditar.
43. Estes elementos são meros factos que servirão para fornecer pistas para a investigação da actividade delituosa.
Assim seriam os encontros entre os arguidos que dariam consistência e permitiriam a presunção de que o AA mal visse a Iveco na portagem, entrasse no carro e a seguisse, porque vinha carregada de droga;
seria esta carrinha com droga, que permitia estabelecer a presunção que o encontro em Almodôvar dos arguidos se referia a actividade de tráfico;
e foi este o resultado da investigação que, mesmo no tocante às vigilâncias e leitura da memória do telemóvel nada trouxeram de seguro que pudesse gerar uma convicção segura acerca dos elementos possíveis para incriminar os arguidos AA e BB.
44. Mesmo que no espírito dos julgadores esteja marcada de forma intima a convicção de que os arguidos praticaram o acto por que foram condenados e, pela forma como Motivou, percebe-se que o esteja, a recolha de provas suficientes para que essa convicção se apresente, se impunha de uma forma fundamentada numa sociedade norteada por regras e princípios que garantam os direito de todos os cidadãos, não foi feita, não sendo desse ponto de vista aceitável que se confundam provas com indícios.

Erro Notório (Artigo 410°, n° 2, al. c) do C.P.P.)
45. A carrinha Iveco ter saído da portagem às 17H07m e ter demorado cerca de 3 minutos para fazer 8,5Km, percurso dali até ao armazém e ter regressado carregada já com cerca 2.500K (pesada), ter passado portagem depois das 17H41m e ter chegado às 18H30m área de serviço de Almodôvar é materialmente impossível.
46. Existe erro notório na apreciação da prova também neste ponto, que se constata no texto decisório já que de acordo com os tempos dados quer pelo "mapa Sapo/Google" seria impossível o percurso em tal tempo, considerando o peso da carrinha e consequentemente a sua velocidade.
47. No caso concreto, o Tribunal da Relação tentou justificar através de presunções a deficiência da Investigação por meio de figuras retóricas com as quais tentou dar respostas por meio de hipóteses.
Estas até podem ser verosímeis, mas não passam de hipóteses. Parte-se de hipótese para se chegar à conclusão em vez de se partir de factos concretos e objectivos.
48. - Se quanto ao recorrente AA, temos que foi este que conduziu a viatura, que conhecia o CC e que se quis encontrar com ele em Almodôvar.
Todavia quanto ao BB
- Que conheceu o CC na altura
- Esteve com ele por razões relacionadas com o AA
- Que também telefonou para ele ou supostamente para ele a pedido do AA
49. Assim seriam os encontros entre os arguidos que dariam consistências e permitiriam a presunção de que o AA mal visse a Iveco na portagem, entrasse no carro e a seguisse, porque vinha carregada de droga;
Seria esta carrinha com droga, que permitia estabelecer a presunção que o encontro em Almodôvar dos arguidos se referia a actividade de tráfico; E foi este o resultado da investigação que, mesmo no tocante às vigilâncias nada trouxe de seguro que pudesse gerar uma convicção segura acerca dos elementos possíveis para incriminar os arguidos AA e BB.
50. Mesmo que no espírito dos julgadores esteja marcada de forma intima a convicção de que os arguidos praticaram o acto por que foram condenados e, pela forma como Motivou, percebe-se que o esteja, a recolha de provas suficientes para que essa convicção se apresente se impunha de uma forma fundamentada numa sociedade norteada por regras e princípios que garantam os direito de todos os cidadãos, não foi feita, não sendo desse ponto de vista aceitável que se confundam provas com indícios.
51. As razões invocadas pelos recorrentes que não foram contraditadas por quaisquer outras provas, a sua distância da referida carrinha, nunca tendo estado junto dela, o arguido BB que nem sequer é visto com o CC, não fosse as suas declarações nada haveria a ligá-los, a inexistência de quaisquer outros elementos adjuvantes a não ser a prova proibida que se refere à leitura da memória do telemóvel ou de enquadramento sobre as circunstâncias não podem levar a presumir para além da dúvida razoável sobre o seu envolvimento com o produto que se encontrava na carrinha parqueada na mesma área de serviço onde os recorrentes se encontraram.
52. Os factos provados na sua correlação lógica e a intervenção do princípio in dúbio pro reo terão de levar à absolvição dos recorrentes.
53. A interpretação dos artigos 127°, 399°, 400° n° 1, 410° n° 1 e 434° do CPP, no sentido da insindicabilidade, em recurso restrito a matéria de direito, da aplicação deficiente ou da não aplicação do princípio do in dúbio pro reo, constitui uma restrição inadmissível das garantias de defesa e, designadamente, da garantia do recurso.
54. Assim, é inconstitucional, por violar o artigo 32°, n°s 1 e 2 da CRP a interpretação do art. 127°, 399°, 400° n° 1, 410° n° 1 e 434°, do CPP, no sentido de insindicabilidade, em recurso restrito a matéria de direito, da aplicação deficiente ou da não aplicação do princípio in dúbio pro reo. O mesmo vale para o poder de controlo das violações do grau de convicção necessário para a decisão, das proibições de prova e da presunção da inocência pelo tribunal de recurso, enquanto matéria de direito.

V. MEDIDA DA PENA
55. Normas Jurídicas violadas:
Art.º 70° n° 1-2 a) do CP.:
O grau da ilicitude mostra-se atenuado tendo em conta a qualidade do produto apreendido:
O haxixe é considerado pela Organização Mundial de Saúde, droga leve, não provocando a danosidade que as restantes provocam.
56. Sendo que ambos os arguidos exerciam a função de batedores pelo que não saberiam nem tinham que saber, nem o acórdão o refere, a quantidade exacta a transportar.
Não se pode chegar à conclusão que ambos os recorrentes sabiam qual a quantidade a transportar ou se tudo seria haxixe, ou outro tipo de droga, ou se a mesma carrinha estaria completamente cheia ou não se não temos factos concretos que levem a tal conclusão.
E a dúvida terá de militar a favor do arguido sob pena de violação do princípio in dúbio pro reo.
57. Art° 71°-2-a) do C.P.
A gravidade das consequências do caso concreto foi nula já que todo o produto foi apreendido, pelo que não causou malefícios.
58. Não há conhecimento de mais actos de tráfico anteriormente por parte dos arguidos em que o produto fosse disseminado, provocando danosidade social, pois que mesmo em relação ao AA, quanto ao crime por o qual foi anteriormente condenado, o produto também foi totalmente apreendido.
59. Contudo, no caso concreto, considerando que todo o produto foi apreendido, a danosidade social não se verificou e também no que se refere ao recorrente AA, anteriormente condenado pelo mesmo tipo de crime, também as consequências do seu acto não provocaram danos já que também se tratou de um único acto onde o produto foi apreendido.
60. Art° 71-2-c)
Quanto ao dolo, o Tribunal "a quo" apesar de referir que o mesmo foi directo não graduou a sua intensidade pelo que, não se devendo presumir, a dúvida beneficiará os recorrentes.
61. Quanto ao dolo ser directo e intenso, o Tribunal da Relação fundamenta-se, nomeadamente na circunstância dos recorrentes serem portadores de documentação falsa, e de terem dado os mesmos elementos falsos aquando da detenção , o que é suficientemente elucidativo quanto à preparação cuidadosa do crime de tráfico de estupefacientes em discussão nestes autos." (fls. 97 in fine).
Ademais, de acordo com as regras da experiência comum, mesmo que existisse preparação anterior, este tipo de operacional nunca o saberá, pois é um negócio entre as cúpulas, sendo contratados ao momento, a fim de por pouco tempo terem conhecimento dos pormenores de uma actividade que é secreta.
A afastar o raciocínio do Tribunal da Relação, temos o facto de todos os documentos referentes ao Senhor AA terem sido emitidos em datas muito anteriores e, inclusivamente, a carta passada pela entidade patronal se referir sempre ao Senhor DD, assim como os contratos juntos aos autos pela testemunha M....
62. Art° 71°-2 e C.P.
O arguido AA antes de preso, dedicava-se ao ramo imobiliário, está totalmente inserido na sociedade onde goza de boa reputação.
Está pois assegurada a sua ressocialização.
- O mesmo se pode dizer quanto ao BB, em termos de ressocialização, já que tem família organizada e actividade profissional.
Quanto a antecedentes criminais os mesmos não poderão relevar para o recorrente BB de forma agravante já que o que temos são pequenos delitos de consumo.
Quanto a AA este já prestou contas à sociedade do seu anterior delito, não podendo ser duplamente castigado por essa infracção.
63. Também de acordo com a experiência comum e lógica se constata que, sendo os intervenientes meros operacionais com menos responsabilidade, receberão sempre uma pequena quantidade monetária longe dos elevados lucros que os donos do produto auferem.
64. Donde, sem razão o Tribunal da Relação quando refere para manter a decisão da 1ª instância quanto à medida da pena (fls. 97), os relevantes lucros ilícitos obtidos com a conduta dos recorrentes.
65. Quanto ao dolo ser directo e intenso, o Tribunal da Relação fundamenta-se, nomeadamente na circunstância dos recorrentes serem portadores de documentação falsa, e de terem dado os mesmos elementos falsos aquando da detenção......., o que é suficientemente elucidativo quanto à preparação cuidadosa do crime de tráfico de estupefacientes em discussão nestes autos." (fls. 97 in fine).
66. Ademais, de acordo com as regras da experiência comum, mesmo que existisse preparação anterior, este tipo de operacional nunca o saberá, pois é um negócio entre as cúpulas, sendo contratados ao momento, a fim de por pouco tempo terem conhecimento dos pormenores de uma actividade que é secreta.
67. A afastar o raciocínio do Tribunal da Relação, temos o facto de todos os documentos referentes ao Senhor AA terem sido emitidos em datas muito anteriores e, inclusivamente, a carta passada pela entidade patronal se referir sempre ao Senhor DD, assim como os contratos juntos aos autos pela testemunha M....
68. A pena de 9 anos de prisão para um mero batedor condenado unicamente como autor sem pois que tenha havido conluio com os donos do negócio é excessiva numa dosimetria penal de 4 a 12 anos.
69. Numa moldura penal de 4 a 12 anos, se se dá 9 anos a quem tem uma responsabilidade mínima no âmbito da actividade como a do arguido, o que dar a quem pratica o crime em co-autoria e desempenha mais actividades, ou mesmo sendo o dono do negócio?
70. No que tange às falsas declarações também a pena é elevada considerando a dosimetria penal e as circunstâncias em que foi praticado.
71. Quanto ao uso de documento falso, apesar de o seu uso não ter sido um acto pontual, todavia considerando os princípios que servem para nortear o regime da aplicação da pena, esta deveria estar próxima do mínimo legal e, consequentemente, o cúmulo que se efectuou das penas peca por excessivo não tendo pois razão o Tribunal da Relação quando refere que é correcto.
72. Pelo que no entender dos recorrentes o Tribunal "a quo", assim como o Tribunal da 1.ª instância, quanto à quantificação da pena, fez errada interpretação das normas contidas no art° 40° n° 1, última parte e n° 2 e art° 71° n° 1, n° 2, al. a), b), d), e e) e 77° do Cód. Penal, interpretação violadora dos princípios de presunção de inocência, art° 32° n° 1 e 2 de C.R.P..
73. Pois que da aplicação das referidas normas ao caso concreto, as penas parcelares deveriam ser reduzidas nos termos do art° 71° n° 1 e 2 al) a) e b), (ilicitude do facto e necessidade da pena) e art° 71° n° 2-al. e) do CP., (reparação até lhe onde era possível dos danos causados), que a não existirem, não seria necessária a reparação).
74. Deverá quanto ao crime de falsas declarações e falsa identidade ser aplicada aos arguidos o mínimo.
75. O limite máximo da pena dentro da moldura abstracta, terá de se adequar à culpa e, não poderá ser ultrapassado por considerações de prevenção geral ou especial sob penada violação do art° 40 - 2o e 71°-2-a) do C.P..
76. A se não entender desta forma termos que foi violado o preceituado nos arte. 70°, 71° n° 2 e 77° do Código Penal.
Reclamam o provimento do recurso nos termos explanados na motivação.

**

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto Distrital junto do Tribunal da Relação de Évora apresentou resposta ao recurso de CC, conforme fls. 3206/7, pronunciando-se no sentido de o recurso não merecer provimento e aos recursos dos arguidos AA e BB, de fls. 3208 a 3221, defendendo igualmente a confirmação do acórdão recorrido.

Os recursos foram admitidos por despacho de fls. 3224.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal de Justiça emitiu douto parecer, de fls. 3232 a 3237, colocando a questão prévia de não admissibilidade do recurso – dos recursos de todos os arguidos - e sua rejeição parcial, no que respeita às penas aplicadas pelos crimes de falsificação de documento e de falsas declarações.
No que toca ao recurso do arguido CC e à pena aplicada pelo crime de tráfico defende que as circunstâncias concretas da sua actuação justificarão uma ligeira redução da pena (relativa ao tráfico) para os 8 anos de prisão, aproximando-se mais da jurisprudência deste Supremo Tribunal em situações relativamente semelhantes e a essa pena deverá ser aditada não mais de 8 meses em termos de pena única por serem crimes relativamente instrumentais em relação ao tráfico.
Quanto aos recursos dos arguidos AA e BB, em relação aos métodos proibidos de prova – acesso ao cartão de telemóveis – reafirma a aceitação da tese subscrita pelo acórdão recorrido, louvando-se no recente acórdão de 03-03-2010 desta secção.
No que concerne à suscitada omissão de pronúncia sobre a impugnação da matéria de facto, considera que o acórdão recorrido analisou efectivamente a questão, enunciando passagens demonstrativas dessa análise, sendo de afastar a invocada nulidade por omissão de pronúncia.
No que tange à medida das penas aplicadas pelo tráfico, anota uma ligeira discordância em relação às mesmas, propondo a redução das penas aplicadas a estes recorrentes em termos idênticos aos propostos para o primeiro arguido, o que faz sem contestar a gravidade das circunstâncias devidamente salientadas nas instâncias, mas por se atentar no menor poder destrutivo das substâncias traficadas, no facto de terem sido apreendidas antes da sua disseminação no consumo e, também, na análise comparativa de outras decisões deste Supremo Tribunal em situações muito idênticas.
Defende, pois, serem de proceder parcialmente os recursos.

Cumprido o artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente CC silenciou e os recorrentes AA e BB apresentaram a resposta de fls. 3395 a 3398, juntando um documento e reafirmando as posições assumidas na motivação.

Entretanto, foi proferido despacho pelo ora relator, a fls. 3372/3, a convidar os recorrentes AA e BB a esclarecerem discrepância notada entre as duas versões da motivação apresentada, quanto a um ponto específico.
Em resposta os recorrentes produziram a peça de fls. 3404/5, juntando nova versão da motivação, o que determinou o despacho de fls. 3471/2.

***
Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal - acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19-10-1995, no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no DR, I Série - A, n.º 298, de 28-12-1995 (e BMJ n.º 450, pág. 72), que fixou jurisprudência então obrigatória (É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito) e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

Questões a decidir

Face ao que se extrai das conclusões apresentadas pelos recorrentes, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

A – Recurso do arguido CC
Questão única - Medida da pena - Redução das penas parcelares e única – conclusões 1.ª a 3.ª

B - Recursos dos arguidos AA e BB:
I – Método Proibido de Prova - Nulidade por uso de meio de prova proibido – conclusões 1.ª a 11.ª
II – Erro de Julgamento da Matéria de Facto - conclusões 12.ª a 18.ª
III – Violação do Princípio da Presunção de Inocência - conclusões 19.ª a 25.ª
IV – Vícios do artigo 379.º, alínea c, do Código de Processo Penal
IV. 1 - Omissão de pronúncia, depois corrigido para vício do artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP - conclusões 26.ª a 28.ª
IV. 2 - Erro na fundamentação – conclusões 29.ª a 44.ª
IV. 3 - Erro notório na apreciação da prova - conclusões 45.ª a 51.ª
IV. 4 - Violação do princípio in dubio pro reo - conclusões 52.ª a 54.ª
V - Medida das penas parcelares e únicas - conclusões 55.ª a 76.ª

Oficiosamente, constituindo questão transversal a todos os recursos, já que todos os arguidos discordam da medida judicial das penas aplicadas - parcelares e únicas - , conhecer-se-á da questão prévia, aliás, suscitada pelo Ministério Público no parecer emitido, da rejeição parcial dos recursos, por inadmissibilidade dos mesmos, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, no que respeita à medida das penas parcelares aplicadas pelos crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º 1, alíneas a) e e), e n.º 4, do Código Penal e do crime de falsidade de declaração, p. e p. pelo artigo 359.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal, por que foram condenados os três arguidos.

Apreciando.

Questão Prévia
Da (ir)recorribilidade quanto às penas aplicadas - e confirmadas - pelos crimes de falsificação de documento e de falsidade de declaração.

Face às penas aplicadas, e aplicáveis, aos crimes de falsificação de documento e de falsidade de declaração, há que colocar a questão da recorribilidade do acórdão ora em reapreciação, no que respeita às penas parcelares aplicadas por tais crimes.
Os recorrentes consideram as penas aplicadas pelos crimes em causa como exageradas e desajustadas, como emerge do conteúdo das conclusões 1.ª a 3.ª do recurso do arguido CC e conclusões 70.ª, 71.ª, 72.ª, 73.ª e 74.ª do recurso dos arguidos AA e BB.

Sabendo-se que pelo crime de falsificação de documento o arguido CC foi condenado em 1 ano e 9 meses de prisão e os arguidos AA e BB foram condenados na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e que pelo crime de falsidade de declaração foram os três arguidos condenados na pena de 1 ano de prisão, haverá que atender à medida abstracta (penalidade, pena aplicável ou moldura penal) das penas previstas para tais crimes.
Ao crime de falsificação de documento, p. p. pelo artigo 256.º, n.º s 1 e 3, do Código Penal, cabe a pena de prisão de seis meses a cinco anos ou pena de multa de 60 a 600 dias.
Para o crime de falsidade de declaração, p. p. pelo artigo 359.º, n.º 2, do Código Penal, está prevista a pena de prisão até três anos ou pena de multa.
A nota a salientar é que a decisão ora recorrida é confirmativa de decisão da 1.ª instância, sendo a confirmação absoluta, plena, total, integral, estando-se no caso presente perante uma absoluta identidade de penas aplicadas nas duas instâncias pelos crimes em questão.
O processo iniciou-se como se sabe em 7 de Março de 2007, tendo os arguidos sido detidos no dia 14 de Maio seguinte, vindo a decisão de primeira instância a ser decretada em 5 de Janeiro de 2009.
Entre o início do processo e a data da deliberação do Colectivo de Almodôvar sobreveio alteração legislativa, operada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que modificou a lei reguladora da admissibilidade dos recursos.
A questão in casu será a de saber se a alteração no específico caso sujeito significa alteração de monta no regime de admissão de recursos, e a resposta é negativa.
O paradigma mudou de «pena aplicável» para «pena aplicada», mas a verdade é que face a um e outro dos regimes em equação, o anterior e o vigente, o resultado era exactamente o mesmo.
A propósito da questão da aplicação do direito intertemporal, no que respeita à lei processual aplicável no que tange a recorribilidade, as secções criminais deste Supremo Tribunal convergiram para uma solução de compromisso, expressa no acórdão de 29-05-2008, processo n.º 1313/08-5.ª, que no fulcro se reconduz à afirmação de que «a lei que regula a recorribilidade de uma decisão, ainda que esta tenha sido proferida em recurso pela Relação, é a que se encontrava em vigor no momento em que a 1.ª instância decidiu, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido»; em sentido idêntico, podem ver-se, inter altera, os acórdãos de 05-06-2008, processo n.º 1151/08 – 5.ª, com o mesmo relator do precedente, in CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 251; de 10-07-2008, processo n.º 2146/08 – 3.ª; de 03-09-2008, processo n.º 2192/08 – 3.ª e de 29-10-2008, processo n.º 2827/08-3.ª.
De resto esta solução de atender à data da decisão da 1.ª instância foi adoptada como critério a seguir no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça – AUJ (Acórdão Uniformizador de Jurisprudência) n.º 4/2009 - de 18 de Fevereiro de 2009, proferido no processo n.º 1957/08, desta 3.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 55, de 19-03-2009, que uniformizou jurisprudência em caso de dupla conforme, mas em que a decisão da 1.ª instância foi proferida antes de 15 de Setembro de 2007, nos termos seguintes: «Nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), e 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redacção anterior à entrada em vigor da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, é recorrível o acórdão condenatório proferido, em recurso, pela relação, após a entrada em vigor da referida lei, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão superior a oito anos, que confirme decisão de 1ª instância anterior àquela data».

De acordo com tal posição é de ter em consideração o regime em vigor à data da prolação de decisão na 1.ª instância, ou seja, datando esta de 5 de Janeiro de 2009, estando então em vigor o novo regime processual, será de aplicar o regime decorrente da Lei n.º 48/2007.
Ocorrendo que, no caso concreto, como se disse já, a solução será sempre a da irrecorribilidade, face à lei anterior ou à actual, como reforço de argumentação, ter-se-ão em consideração os dois regimes.

Atendendo às molduras legais aplicáveis aos crimes em causa, ter-se-ão em vista as disposições das alíneas e) e f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP.
Convocar-se-ão as citadas alíneas, nas versões antiga e actual, apenas para concluir pela irrecorribilidade face a uma e outra.
Estabelecia o artigo 400.º, n.º 1, alíneas e) e f), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto:
N.º 1 - Não é admissível recurso:
e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, em processo por crime a que seja aplicável pena de multa ou pena de prisão não superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso de infracções, ou em que o Ministério Público tenha usado da faculdade prevista no artigo 16.º, n.º 3.
f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância, em processo por crime a que seja aplicável pena de prisão não superior a oito anos, mesmo em caso de concurso de infracções.

As referidas alíneas, a partir da alteração introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007, passaram a ter a seguinte redacção:
e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena privativa de liberdade;
f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.

Como se referiu, os crimes em questão são puníveis com penas de prisão de máximo igual ou inferior a 5 anos de prisão, estando-se aqui face a criminalidade de pequena gravidade.
Não indo as penas aplicáveis no caso em análise além, no máximo possível, de 5 anos de prisão, a irrecorribilidade, à luz do regime anterior, era a prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º.
Neste caso, como se especificava no acórdão do STJ, de 14-01-2004, processo n.º 3870/03-3.ª, o elemento de referência da lei é a natureza e dimensão da pena aplicável a um crime, com a limitação, no caso de recurso para a Relação, apenas a dois graus de jurisdição a possibilidade de apreciação e julgamento dos crimes de pequena e média gravidade para os quais não esteja prevista (seja aplicável) uma pena superior a 5 anos de prisão.
No mesmo sentido, de que não indo a pena aplicável além dos 5 anos de prisão, a irrecorribilidade estava prevista na alínea e), e actualmente, face à nova alínea f), fica o crime definitivamente julgado pela Relação, sendo insindicável a decisão pelo Supremo, podem ver-se os acórdãos de 27-05-2004, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 204; 04-05-2006, processo n.º 1044/06-5.ª; de 15-11-2006, processo n.º 3180/06-3.ª; de 17-10-2007, processo n.º 3401/07-3.ª; de 27-02-2008, processo n.º 3309/07-3.ª; de 28-02-2008, processo n.º 98/08-5.ª; de 06-03-2008, processo n.º 4634/07 – 5.ª; de 13-03-2008, processos n.ºs 3307/07 e 1016/07, ambos da 5.ª secção; de 19-06-2008, processo n.º 438/08-5.ª, CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 258; de 05-11-2008, processo n.º 3451/08 – 3.ª; de 13-11-2008, processo n.º 4455/07 - 5ª; de 26-11-2008, processo n.º 2884/08 - 3ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª, de 12-03-2009, processo n.º 3781/09-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06-3.ª.

No caso em apreciação há identidade de decisão, pois que o Tribunal da Relação de Évora confirmou na íntegra o acórdão do Colectivo de Almodôvar, estando-se perante dupla conforme condenatória, mostrando-se cumprido o duplo grau de jurisdição exercido pela Relação em via de recurso.
O princípio da dupla conforme impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais.
Este princípio é assegurado através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão.
O acórdão da Relação, proferido em segunda instância, consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição.
As garantias de defesa do arguido em processo penal não incluem o 3.º grau de jurisdição, por a Constituição, no seu artigo 32.º, se bastar com um 2.º grau, já concretizado no caso dos autos, aquando do julgamento pela Relação.
Actualmente não existe norma equivalente à anterior alínea e), restando a alínea f), que veio impor maior restrição ao recurso, referindo a pena aplicada e não já a pena aplicável.
Por outro lado, há que ver que em relação aos crimes de falsificação de documento e de falsidade de declarações, atentas as penas aplicadas, há que considerar que se se estivesse face a um recurso directo de decisão final do tribunal do júri ou de tribunal colectivo, a serem julgados isoladamente, face ao que dispõe o artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, a decisão não seria recorrível (note-se que mesmo que por mera hipótese fosse aplicável o regime anterior, mais permissivo, atenta a pena aplicável aos crimes em questão, não seria admissível o recurso à luz do artigo 400º, n.º 1, alínea e), do CPP).
Tendo em consideração o exposto, é de concluir que os recursos, quanto à pretendida reapreciação das medidas das penas aplicadas pelos indicados crimes, são inadmissíveis, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
Não é, pois, admissível o recurso com o alcance de discutir a medida das penas aplicadas por tais crimes.
Nestas condições, as pretensões dos recorrentes quanto à impugnação da medida das penas aplicadas apenas poderão ser equacionadas no que tange às penas relativas ao crime de tráfico de estupefacientes e à pena única.
As penas parcelares aplicadas pelos crimes de falsificação de documento e de falsas declarações manter-se-ão, pois, por não ser admissível o recurso quanto às mesmas, sem embargo de, em sede de elaboração da pena conjunta, poderem vir a sofrer um maior grau de compressão do considerado nas instâncias, o que é coisa diversa.

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Factos Provados
Vem dada por assente a seguinte facticidade:
1) O arguido AA conhecia o arguido CC há pelo menos dois anos;
2) Em 13 de Maio de 2007, os arguidos AA e BB viajaram para Portugal, vindos do Sul de Espanha, fazendo-se transportar no veículo da marca Volvo V40, de matrícula 3388DJN;
3) Ainda nesse dia, os arguidos AA e BB encontraram-se com o arguido CC na estação de serviço junto à rotunda existente em Olhão, à saída da Via do Infante;
4) No dia 14 de Maio de 2007, cerca das 13.45 horas, no Aeroporto de Faro, nas instalações da “Rentauto – Automóveis de Aluguer sem Condutor”, o arguido CC , apresentando-se como “Steven Ellis”, alugou uma carrinha Iveco, de matrícula ...-AT-60, pelo preço de € 336;
5) Para efectuar o descrito em 4), o arguido CC apresentou o documento constante a fls. 1093 dos autos, intitulado de “Carta de Condução”, aí surgindo como titular da mesma “Steven Ellis”, nascido a “4.03.1966” em “Batley”, aí surgindo como residência permanente “13 Mount Cottages, Seamer Road, Scarborough, Y012 4EZ 32331”;
6) Após, o arguido seguiu conduzindo a carrinha Iveco referida até à área de serviço da A2, em Almodôvar, sentido Sul-Norte, aí se encontrando com os demais arguidos AA e BB;
7) Seguidamente, o arguido CC Hodson, acompanhado por um indivíduo cuja identidade não foi possível apurar, deslocou-se para o Armazém I, sito no Centro Empresarial de Grândola, onde chegou cerca das 17.10 horas, tendo aí chegado pouco tempo depois de um Renault Clio que estacionou à porta;
8) O armazém supra descrito foi arrendado havia poucos dias antes por uma pessoa cuja identidade não foi possível apurar;
9) No armazém referido, encontravam-se 152 fardos com canabis (resina), com o peso total, aproximado, de 4 969,976 kg;
10) Chegado ao interior do armazém, indivíduos de identidade não apurada, carregaram cerca de 2 461,270 kg do referido produto estupefaciente, acondicionada em 76 fardos, na dita carrinha Iveco;
11) Em circunstâncias não apuradas, o arguido ficou com um papel, apreendido e constante a fls. 91, onde constam manuscritos os dizeres “76 paquetas”;
12) Após, cerca das 17.40 horas, o arguido saiu do referido armazém conduzindo a já descrita carrinha Iveco e, seguindo o veículo Renault Clio aludido, dirigiu-se à Auto-Estrada, em direcção ao Sul, aí entrando pela portagem do nó de Grândola;
13) Por sua vez, os arguidos AA e BB aguardavam a passagem do arguido CC com o produto estupefaciente junto à portagem do nó de Grândola da A2, no veículo Volvo V40;
14) Assim que viram passar a carrinha Iveco, os arguidos AA e BB seguiram-na e ultrapassaram-na e dirigiram-se à estação de serviço de Almodôvar, situada ao km 198 da A2;
15) Cerca das 18.20 horas, os arguidos AA e BB entraram na referida área de serviço de Almodôvar e estacionaram o veículo no parque de ligeiros, aguardando a chegada da carrinha Iveco conduzida pelo arguido CC ;
16) Entretanto, o arguido BB saiu da viatura, permanecendo o arguido AA no interior da mesma;
17) Cerca das 18.30 horas, o arguido CC , conduzindo a carrinha Iveco carregada com os fardos de canabis (resina) nos termos referidos em 10), seguindo indicações que lhe foram dadas pelos outros arguidos, entrou igualmente na área de serviço de Almodôvar, estacionando o veículo no parque destinado aos pesados, nas traseiras da cafetaria;
18) Seguidamente, depois de verificar que a carrinha se encontrava fechada e apurar que a cafetaria estava encerrada, dirigiu-se ao veículo onde estava o arguido CC e nele entrou, aí ficando alguns minutos até ser abordado pelos inspectores da Polícia Judiciária;
19) Nessa ocasião, os arguidos AA e CC foram abordados por inspectores da Polícia Judiciária que lhes ordenaram que saíssem da viatura a fim de serem revistados;
20) Os arguidos AA e CC Hodson saíram da viatura, tendo, no entanto, o arguido CC deixado no lugar do pendura que ocupara no veículo Volvo V40 a chave da carrinha Iveco que havia conduzido;
21) Por seu turno, no momento em que o arguido BB regressava à viatura, foi o mesmo abordado por inspectores da Polícia Judiciária, que procederam à sua revista e detenção;
22) Os arguidos AA e BB vieram, seguindo plano previamente acordado com o arguido CC Hodson, desde o momento em ultrapassaram a carrinha Iveco nos termos referidos em 14), a servir de batedores à referida carrinha, fazendo ainda a respectiva segurança;
23) Apesar de tal ter sido tentado, não foi possível seguir os ocupantes do veículo Renault Clio supra referido;
24) O arguido AA foi, então, detido e, no momento da sua detenção, identificou-se com o nome de DD, filho de ...” e de ..., de nacionalidade britânica, natural de “Liverpool, nascido a 30 de Setembro de 1945, solteiro;
25) Naquele momento, o arguido AA exibiu o documento constante de fls. 245, intitulado de “Passaporte”, aí surgindo como sendo emitido pelo “Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte”, com o n.º “106778633”, aí constando como sendo emitido em “26 AUG/AOUT 05” e com validade até “26 AUG/AOUT 15”, com a fotografia deste arguido aí aposta;
26) Aquando da sua detenção, foram apreendidos ao arguido AA os seguintes bens, que consigo detinha:
– o documento intitulado de “Passaporte” a que se aludiu em 25);
– telemóvel da marca Nokia, de cor preta, com o IMEI n.º ...;
– telemóvel da marca Nokia, de cores azul e prata, com o IMEI n.º ...;
– uma agenda telefónica de cor vermelha, sem marca ou modelo aparente, com as inscrições na capa – “ADRESSES”;
– um recibo de um depósito efectuado pelo arguido no valor de € 2 060;
– um ticket emitido pela Brisa, referente à entrada na Auto-estrada A2 em Grândola Norte no dia 14 de Maio de 2007, pelas 17.41 horas;
– um documento da LIBERTY SEGUROS, referente à viatura VOLVO V40, em nome de Michael Thomas Ford, válido até 9 de Fevereiro de 2008;
– um documento emitido pela Administration General Del Estado – Espanha, do qual consta uma fotografia do arguido e ainda a seguinte morada: Calle Tucan, n.º 14, 3° B –Fuengirola – Málaga”;
– € 1 600 em numerário; e
– alguns papéis manuscritos;
27) O arguido BB foi, naquele momento, também detido e, no momento da sua detenção, identificou-se com o nome de ..., filho de ... e de ..., de nacionalidade irlandesa, natural de Dublin, nascido a 29 de Agosto de 1957, solteiro;
28) Naquele momento, o arguido BB exibiu o documento constante de fls. 246, intitulado de “Passaporte”, aí surgindo como sendo emitido pela “Irlanda”, com o n.º “PB0733481”, aí constando como sendo emitido em “02 FEA/FEB 2007” e com validade até “02 FEA/FEB 2007”, com a fotografia deste arguido aí aposta;
29) Aquando da sua detenção, foram apreendidos ao arguido BB, que consigo os detinha, os seguintes bens:
– o passaporte referido em 28);
– um telemóvel Alcatel, de cor azul e cinza, conectado à operadora móvel Movistar, através do cartão SIM n.º ..., com o IMEI ... e respectiva bateria;
– um telemóvel Nokia, modelo 2310, conectado à operadora móvel Movistar, através do cartão SIM n.º ... com o IMEI ... e respectiva bateria;
– um telemóvel Nokia, modelo 1112, conectado à operadora móvel Vodafone, através do cartão SIM n.º ..., com o IMEI ... e respectiva bateria; e
– € 1 150 em numerário;
30) Naquela ocasião, também o arguido CC foi detido e identificou-se com o nome de ... ou ..., filho de...e de ..., de nacionalidade britânica, natural de Liverpool, nascido a 14 de Outubro de 1962, casado;
31) No momento da sua detenção, o arguido detinha, sendo-lhes apreendidos, os seguintes bens:
– um telemóvel, modelo 1112, de cores azul e cinzento, com o IMEI
..., o qual possui no seu interior um cartão da rede Vodafone, com o número de série ...;
– um telemóvel, sem teclado, Samsung, modelo SGH-C140, de cor cinzenta e preta, com o n.º ... e IMEI n.º ..., contendo no seu interior um cartão SIM n.º ... da TMN;
– a carta de condução descrita em 5);
– um papel branco manuscrito, com os dizeres “76 paquetas, Bruno 76… (imperceptível)”, que se encontrava dissimulado no interior da meia que calçava;
– um pedaço de papel branco com o número “...” manuscrito;
– um recibo de portagem emitido pela BRISA, SA – Auto-Estradas de Portugal, com entrada em Paderne e saída em Grândola Norte, no dia 14.05.2007;
– dois cartões de cor verde, com os dizeres “Mega Rede”, contendo manuscritos os números “...” e “...”;
– € 1 475 em numerário;
32) A carrinha Iveco, de matrícula ...-AT-... foi também apreendida pelos inspectores da Polícia Judiciária;
33) O veículo Volvo V40, de matrícula ..., foi igualmente apreendido;
34) As quantias apreendidas destinavam-se ao pagamento das actividades supra descritas desenvolvidas pelos arguidos e os bens visavam a realização das actividades descritas;
35) Após a detenção dos arguidos, inspectores da Polícia Judiciária deslocaram-se ao armazém I supra referido e procederam à apreensão do produto estupefaciente restante que aí ainda se encontrava, cerca de 2 508,706 kg, encontrando-se acondicionado em 68 fardos que estavam na casa de banho e 8 fardos numa divisão ao lado;
36) Em Portugal, nomeadamente a Sul, cada kg de canabis (resina) é vendido a cerca de € 1 000 ao consumidor final;
37) O produto estupefaciente apreendido destinava-se, na sua maior parte, a ser transaccionado nos mercados internacionais que não o nacional;
38) No dia 16 de Maio de 2007, o arguido AA foi apresentado ao juiz de instrução criminal no Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, para primeiro interrogatório judicial;
39) Logo no início desse acto, o arguido AA foi advertido pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal de que a falta de resposta às perguntas sobre a identidade e antecedentes criminais, ou a falsidade das mesmas, o poderia fazer incorrer em responsabilidade penal;
40) O arguido AA compreendeu o teor da advertência supra, assim como as consequências nelas contidas;
41) Não obstante isso, o arguido AA identificou-se com o nome de “DD”, filho de “...” e de “...”, “solteiro”, de nacionalidade “britânica”, natural de “Liverpool”, nascido a “30-09-1945”;
42) Perguntado se já alguma vez esteve preso, quando e porquê, se já foi alguma vez condenado e por que crime, o arguido AA respondeu que “Nunca respondeu nem esteve preso”;
43) Todavia, a identidade deste arguido é AA, filho de ... e ..., nascido a 21 de Dezembro de 1949, de nacionalidade irlandesa, solteiro;
44) Este arguido foi condenado, por decisão do Tribunal de Woolwich, de 1.08.1994, na pena de 12 anos de prisão, pela prática do crime de importação de drogas controladas (heroína) porquanto enquanto cumpria uma sentença por importação de estupefacientes no estabelecimento prisional de Frankland, utilizando telemóveis, conseguiu importar heroína da Turquia para o Aeroporto de Heatrow, Londres;
45) No dia 16 de Maio de 2007, o arguido BB foi apresentado ao juiz de instrução criminal no Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, para primeiro interrogatório judicial;
46) Logo no início desse acto, o arguido BB foi advertido pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal de que a falta de resposta às perguntas sobre a identidade e antecedentes criminais, ou a falsidade das mesmas, o poderia fazer incorrer em responsabilidade penal;
47) O arguido BB compreendeu o teor da advertência supra, assim como as consequências nelas contidas;
48) Não obstante isso, o arguido BB identificou-se com o nome de “...”, filho de “...” e de “...”, “solteiro”, de nacionalidade “irlandês”, natural de “Dublin”, nascido a “29-08-1957”;
49) Perguntado se já alguma vez esteve preso, quando e porquê, se já foi alguma vez condenado e por que crime, o arguido BB respondeu que “Nunca respondeu nem esteve preso”;
50) Todavia, a identidade deste arguido é BB, filho de BB e de Elsie BB, nascido a 3 de Dezembro de 1953, com nacionalidade inglesa, casado;
51) Este arguido foi condenado:
– por decisão do Tribunal de Menores de Prescot, de 29.07.1965, pela prática do crime de furto com arrombamento em estabelecimento comercial, na pena de 2 anos de liberdade condicional, 5 shillings de custas e 8 shillings e 8 pences de indemnização;
– por decisão do Tribunal de Menores de Prescot, de 4.11.1965, pela prática do crime de furto simples, na pena de 12 horas num centro comunitário;
– por decisão do Tribunal de Menores de Manchester, de 27.04.1971, pela prática do crime de furto, na pena de 2 anos em liberdade condicional e £ 200 de indemnização;
– por decisão do Tribunal de Menores de Jersey, por decisão de 3.06.1971:
i. pela prática de receptação, havendo reavaliação no período de 3 anos;
ii. pela prática de receptação, havendo reavaliação no período de 3 anos;
iii. pela prática de receptação, havendo reavaliação no período de 3 anos;
iv. pela prática de receptação, havendo reavaliação no período de 3 anos;
– por decisão do Tribunal de Menores de Pydar, de 22.06.1971:
i. pela prática do crime de furto, na pena de 3 anos em liberdade condicional;
ii. pela prática do crime de furto, na pena de 3 anos em liberdade condicional;
– por decisão do Tribunal de Instrução Criminal de Wigan, de 14.02.1972, pela prática do crime de furto, na pena de 3 meses num centro de detenção;
– por decisão do Tribunal de Instrução Criminal de Torbay, de 1.08.1972, pela prática do crime de furto, na pena de £ 7 de multa;
– por decisão do Tribunal de Instrução Criminal de Prescot, de 27.01.1973, pela prática do crime de furto, na pena de 3 meses num centro de detenção;
– por decisão do Tribunal de Instrução Criminal de Newton Abbot, de 28.05.1974, pela prática do crime de furto, na pena de £ 50 de multa;
– por decisão do Tribunal de Instrução Criminal de Falmouth, de 11.09.1975:
i. pela prática do crime de furto em estabelecimento comercial, na pena de 6 meses de prisão;
ii. pela prática do crime de furto em estabelecimento comercial, na pena de 3 meses de prisão consecutivos;
– por decisão do Tribunal de Instrução Criminal de Cleethorpes, de 3.03.1977:
i. pela prática do crime de receptação na pena de 3 meses de prisão suspensa por 2 anos e £ 50 de indemnização;
ii. pela prática do crime de receptação na pena de 3 meses de prisão consecutivos com pena suspensa por 2 anos e £ 140 de indemnização;
– por decisão do Tribunal de Instrução Criminal de Liverpool, de 4.03.1977:
i. pela prática do crime de posse de droga da classe B (resina de canabis), na pena de € 100 de multa;
ii. pela prática do crime de circulação sem seguro, na pena de € 100 de multa e averbamento na carta de condução;
iii. pela prática de recusa em fazer o teste do balão, na pena de € 50 de multa;
– por decisão do Tribunal Exeter, de 4.02.1984, na pena de 9 meses de prisão e £ 250 de indemnização pela prática do crime de furto;
– por decisão do Tribunal de Instrução Criminal de Karlsruhe, Alemanha, de 24.01.1985, na pena de multa de 1 200 DM, pela prática de crime de utilização de documento falso para obtenção de droga;
– por decisão do Tribunal de Instrução Criminal de Manchester, de 9.09.1985, na pena de £ 175 de multa e £ 30 de custas e apreensão, pela prática do crime de importação de drogas controladas;
– por decisão do Tribunal de Instrução Criminal de Zwolle, Holanda, de 2.12.1986, na pena de 6 semanas de prisão e expulsão, pela prática do crime de furto com arrombamento;
– por decisão do Tribunal de Instrução Criminal de Warrington, de 11.09.1987, na pena de £ 75 de multa e £ 25 de custas, pela prática do crime de furto de artigos expostos;
– por decisão do Tribunal de Instrução Criminal de Huyton, de 21.03.1991, na pena de £ 200 de multa, £ 17 de custas e apreensão das drogas e acessórios, pela prática do crime de posse de drogas controladas para fornecimento;
– Por decisão do Tribunal de Instrução Criminal de Knowsley, de 15.11.2001, na pena de liberdade condicional por 12 meses e pagamento de £ 60 de custas, pela prática de um crime de furto de artigos expostos, porquanto furtou uma garrafa de cognac no valor de £ 9,95;
52) No dia 16 de Maio de 2007, o arguido CC Hodson foi apresentado ao juiz de instrução criminal no Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, para primeiro interrogatório judicial;
53) Logo no início desse acto, o arguido CC Hodson foi advertido pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal de que a falta de resposta às perguntas sobre a identidade e antecedentes criminais, ou a falsidade das mesmas, o poderia fazer incorrer em responsabilidade penal;
54) O arguido CC compreendeu o teor da advertência supra, assim como as consequências nelas contidas;
55) Não obstante isso, o arguido CC identificou-se com o nome de “...”, filho de “...” e de “...”, “casado”, de nacionalidade “United Kingdom”, natural de “Liverpool”, nascido a “14-01-1962”;
56) Perguntado se já alguma vez esteve preso, quando e porquê, se já foi alguma vez condenado e por que crime, o arguido CC respondeu que “Nunca respondeu nem esteve preso”;
57) Todavia, a identidade deste arguido é CC, filho de ... e de ..., nascido a 13 de Março de 1966, casado;
58) O arguido CC já foi condenado:
– por decisão do Tribunal de Jersey, de 15.09.1978, pela prática dos crimes de furto com arrombamento, dano, furto simples, violação da Lei de Estrangeiros, foi colocado à ordem de uma autoridade;
– por decisão do Tribunal Juvenil de Teignmouth, de 16.12.1982:
i. pelo crime de furto, na pena de £ 20 de multa;
ii. pelo crime de furto, na pena de 12 horas num centro de reabilitação;
iii. pelo crime de furto, na pena de 12 horas num centro de reabilitação;
iv. pelo crime de furto em veículo, £ 20 de multa;
v. por outros delitos, £ 55 de multa, averbamento na carta de condução e £ 30 de custas;
– por decisão do Tribunal de Instrução Criminal de Teingmouth, por decisão de 17.08.1983:
i. pelo crime de utilização de viatura sem autorização, na pena de £ 100 de multa, proibição de conduzir durante 6 meses, averbamento na carta de condução e £ 13 de indemnização;
ii. pelo crime de furto em veículo, na pena de £ 100 de multa e £ 25 de custas;
iii. pelo crime de furto em veículo, na pena de 18 meses de liberdade condicional;
– por decisão do Tribunal de Instrução Criminal de Teignbridge, de 27.10.1987:
i. pelo crime de condução sem habilitação, na pena de 200 horas de serviço comunitário e averbamento na carta de condução;
ii. pelo crime de falta de seguro, na pena de £ 150 e averbamento na carta de condução;
iii. pelo crime de condução de veículo com excesso de álcool, na pena de 200 horas de serviço comunitário, proibição de condução de veículo durante 12 meses e averbamento na carta de condução;
iv. por crimes menores relacionados com a circulação rodoviária, na pena de £ 210 de multa e £ 35 de custas; e
– por decisão do Tribunal da Relação de Nador, Marrocos, de 2.11.1995, na pena de 3 anos de prisão por crime relacionado com estupefacientes e violação da Lei de Estrangeiros;
59) A carta de condução com o n.º ... a que se alude em 5) foi emitida pelas competentes autoridades em nome de Steven Shaw, nascido a 4.03.1966, residente em Brentwood, Barrys Lane, Y012 4 HA;
60) O documento aludido em 5), apesar do mau estado de conservação, mesmo quando observado por especialistas, aparenta ser um documento verdadeiro, sem quaisquer vestígios nítidos de viciação;
61) Os documentos referidos em 25) e 28), não foram efectivamente emitidos por qualquer autoridade oficial com competência para a sua emissão;
62) O impresso em que foi emitido o documento aludido em 25) é autêntico, não revelando quaisquer vestígios de manipulação da imagem do seu titular, nem viciação do seu preenchimento e, mesmo quando observado por especialistas, aparenta ser verdadeiro;
63) O documento referido em 28) não apresenta quaisquer vestígios de manipulação da imagem do seu titular, nem viciação do seu preenchimento e, mesmo quando observado por especialistas, aparenta ser verdadeiro;
64) Todos os arguidos conheciam a natureza e as características do produto estupefaciente que se encontrava na carrinha Iveco;
65) O arguido CC conhecia a natureza e as características do produto estupefaciente que se encontrava no Armazém I, sito na Zona Industrial de Grândola;
66) Eram ainda perfeitos conhecedores de que a detenção e transporte de tais produtos lhes estava vedada por lei;
67) Os arguidos actuaram com o intuito de obter vantagens económicas;
68) O arguido sabia que o documento aludido em 25) não era emitido por autoridade competente para a sua emissão, sabendo ainda que os dados que ali constavam não correspondiam à verdade;
69) Não obstante, actuou do modo supra descrito em 25), sabendo que desse modo colocava em causa a fé pública, a confiança e a credibilidade que tal género de documentos ¯ passaporte ¯ merecem da generalidade das pessoas quando regularmente emitidos;
70) O arguido agiu do modo descrito visando assumir uma nova identidade e não ser relacionado com actividades delituosas anteriores, assim como evitar ser relacionado e perseguido com a detenção e transporte do produto estupefaciente;
71) Sabia o arguido que a sua conduta descrita em 25) era proibida e punida por lei;
72) O arguido BB sabia que o documento aludido em 28) não era emitido por autoridade competente para a sua emissão, sabendo ainda que os dados que ali constavam não correspondiam à verdade;
73) Não obstante, actuou do modo supra descrito em 28), sabendo que desse modo colocava em causa a fé pública, a confiança e a credibilidade que tal género de documentos ¯ passaporte ¯ merecem da generalidade das pessoas quando regularmente emitidos;
74) O arguido agiu do modo descrito visando assumir uma nova identidade e não ser relacionado com actividades delituosas anteriores, assim como evitar ser relacionado e perseguido com a detenção e transporte do produto estupefaciente;
75) Sabia o arguido que a sua conduta descrita em 28) era proibida e punida por lei;
76) O arguido CC sabia que o documento aludido em 5) não era emitido por autoridade competente para a sua emissão, sabendo ainda que os dados que ali constavam não correspondiam à verdade;
77) Não obstante, actuou do modo supra descrito em 5), sabendo que desse modo colocava em causa a fé pública, a confiança e a credibilidade que tal género de documentos ¯ carta de condução ¯ merecem da generalidade das pessoas quando regularmente emitidos;
78) O arguido agiu do modo descrito visando não ser relacionado com actividades delituosas anteriores, assim como evitar ser relacionado e perseguido com a detenção e transporte do produto estupefaciente;
79) Sabia o arguido que a sua conduta descrita em 5) era proibida e punida por lei;
80) Os arguidos, ao responderem ao Senhor Juiz de Instrução Criminal aquando da sua apresentação em interrogatório judicial, estavam perfeitamente cientes da sua verdadeira identidade, assim como dos respectivos antecedentes criminais;
81) Não obstante isso, e sabendo que não estavam a responder sobre aquelas matérias com verdade, responderam do modo descrito, estando perfeitamente conscientes de que a sua conduta era, como ainda é, proibida e punida por lei;
82) Em todos os sobreditos comportamentos, os arguidos actuaram livre, voluntária e conscientemente;
83) Antes de preso, o arguido AA exercia a actividade profissional no ramo imobiliário, colaborando para a empresa ..., SL, sediada em Espanha;
84) O arguido CC , vindo de Espanha, há cerca de 3 anos e durante um período de tempo não concretamente apurado, viveu num parque de campismo da Fuzeta;
85) Depois, mudou-se para uma casa com fracas condições de habitabilidade;
86) Antes de preso, vivia em união de facto;
87) Tem dois filhos, de 16 e 4 anos, sendo que este último apresenta problemas na fala, sendo que a sua companheira era doméstica, vivendo esta e os seus filhos, actualmente, na Inglaterra;
88) Nunca foram conhecidos ao arguido CC ou à sua companheira quaisquer terrenos, vivendo sempre com dificuldades económicas e com a ajuda de terceiros amigos;
89) Nos estabelecimentos prisionais onde tem estado, tem mantido um comportamento adequado, procurando ocupar-se em tarefas;
90) O veículo Volvo V40, de matrícula ... é propriedade de EE que o emprestou ao arguido AA para se deslocar a Portugal desconhecendo que este arguido tivesse em vista dar a utilização supra descrita ao veículo”.

Factos não provados (transcrição determinada pela arguição de omissão de pronúncia)

a) Em data e local não concretamente apurados, mas que se situa no 1.º semestre de 2007, os arguidos AA e BB combinaram entre si adquirir produto estupefaciente, concretamente haxixe, a um indivíduo não identificado que se encarregaria de importar tal produto e de o armazenar até ser entregue àqueles;
b) Para efectuar o transporte do haxixe a partir do local o mesmo lhe seria disponibilizado, os arguidos AA e BB acordaram angariar a colaboração de outra pessoa que, designadamente, conduziria o veículo no qual seria feito o transporte;
c) Sem prejuízo do descrito em 1) dos factos provados, o arguido AA conhecia o arguido CC por ser frequentador de um estabelecimento de “Internet Café” que este explorava em Benalmadena, na zona de Málaga, Espanha;
d) O arguido CC explorou um estabelecimento de “Internet Café” em Benalmadena, na zona de Málaga, Espanha;
e) Após o referido em 3), os três arguidos seguiram no veículo Volvo para a área de serviço situada junto ao Aeroporto de Faro, onde se encontraram com outros indivíduos cuja identidade não foi possível apurar e que se faziam transportar num veículo Renault Clio, com a matrícula ...-DP-...;
f) Neste local, o arguido AA propôs a realização de um transporte de produto estupefaciente ao arguido CC , numa carrinha, mediante o pagamento da quantia de € 1 800;
g) O arguido CC aderiu de imediato ao plano gizado pelos outros dois arguidos, combinando entre si o modo como seria realizado o transporte e que de seguida puseram em execução;
h) Nesse momento, o arguido BB entregou ao arguido CC a quantia de € 1 800;
i) Seguidamente, os arguidos seguiram para a zona de aluguer de viaturas do Aeroporto de Faro;
j) O descrito em 4) a 6) dos factos provados foi realizado seguindo as instruções dadas pelos arguidos AA e BB;
k) O pagamento do aluguer referido em 4) foi feito pelo arguido CC com parte do dinheiro que lhe havia sido entregue pelo arguido BB;
l) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 6) dos factos provados, o arguido AA entregou ao arguido CC um telemóvel para poderem estabelecer contacto;
m) Na estação de serviço de Almodôvar, nos termos referidos em 6) dos factos provados, um dos indivíduos não identificados entrou na carrinha Iveco referida e foi indicando ao arguido CC Hodson o trajecto até à zona de armazéns situada no Centro Empresarial de Grândola;
n) Nas circunstâncias referidas em 10), os indivíduos de identidade não apurada entregaram ao arguido CC o papel ali referido;
o) O veículo Volvo V40, de matrícula ... foi adquirido pelo arguido AA com o produto da actividade de tráfico de estupefacientes;
p) Em Marrocos, o preço de cada fardo de canabis (resina), com cerca de 30 kg, custa € 400;
q) O produto estupefaciente apreendido tinha o valor de aquisição de € 60 800;
r) Os arguidos, com a sua actuação, tinham em vista a introdução do produto estupefaciente no mercado Português e Espanhol, países onde a destinavam à venda a um grande número de pessoas;
s) O arguido AA, no momento em que foi detido, encontrava-se em Portugal para fazer prospecção de terrenos na costa algarvia e alentejana, nomeadamente por indicação do arguido CC ;
t) O arguido AA conhecia o arguido CC através da companheira deste e em consequência da compra de um terreno ao mesmo;
u) O arguido AA encontrava-se na estação de serviço de Almodôvar, no momento em que foi detido, porque estava à espera do arguido CC pois este ia mostrar-lhe terrenos no Alentejo que lhe podiam interessar;
v) O arguido AA desconhecia que a carrinha Iveco conduzida pelo arguido CC transportasse produto estupefaciente;
w) O arguido BB, à data da prática dos factos, desconhecia o arguido CC ;
x) Aquando da sua detenção, o arguido BB limitava-se a acompanhar o arguido AA, desconhecendo que a carrinha Iveco conduzida pelo arguido CC tivesse produto estupefaciente;
y) Os arguidos AA e BB nunca estiveram no Armazém I sito na Zona industrial de Grândola após aí ter sido descarregado produto estupefaciente”.


Apreciando.

Questão I - Método proibido de prova - Nulidade por uso de meio de prova proibido

Nas conclusões 1.ª a 11.ª, suscitam os recorrentes AA e BB, uma nulidade insanável, alegando que o Tribunal da primeira instância para fundamentar a sua convicção utilizou um meio proibido de prova, pois que considerou a leitura da memória dos telemóveis que lhes foram apreendidos como meio de prova, sem que tal diligência de abertura de memória do telemóvel tivesse sido precedida de autorização expressa da entidade judiciária, nos termos do artigo 187.º do CPP, sendo que o regime das escutas telefónicas é aplicável a quaisquer outras formas de comunicação, nos termos do artigo 189.º do C.P.P., abrangendo o correio electrónico e outras formas de transmissão de dados por via telemática, mesmo que guardadas em suporte digital, constituindo, para além disso, meio proibido de prova – artigo 126.º, n.º 3, do C.P.P.
Caso se entenda que a autorização para abertura da memória do telemóvel está coberta pelas normas dos artigos 187.º e 189.º do CPP, defendem ainda que então as mesmas padecem de inconstitucionalidade material por contenderem com o estatuído nos artigos 18.º e 34.º, da C.R.P.

A presente questão foi suscitada pelos ora recorrentes nas contestações apresentadas por AA em 30-09-2008 (fls. 1436 a 1439) e pelo arguido BB, na mesma data (fls. 1441 a 1443) e conhecida como questão prévia no acórdão de primeira instância, de fls. 1795 a 1800 (7.º volume), tendo sido julgada improcedente a invocada nulidade.
Alegam os recorrentes que a leitura do cartão de telemóvel goza da mesma protecção devida às telecomunicações em si mesmas, protecção essa prevista nos artigos 187.º e 189.º do C. P. Penal.
Assim, não tendo sido precedida de autorização judicial a leitura de mensagens e de telefonemas recebidos e enviados pelos arguidos, tal omissão acarreta a nulidade a que se referem os artigos 126.º, n.º 3, e 190.º, do mesmo C. P. Penal.
Não chegam os recorrentes a referir/concretizar que ponto ou pontos de factos provados teriam tido por base tal fonte de prova, quais os factos provados que emergiram dessa pretensa utilização de prova proibida.
Mas que prova, rectius, meio de obtenção de prova está em causa?
O que está em causa é um conjunto de autos de exames periciais a telemóveis propriedade dos arguidos, juntos de fls. 873, 874, 875 a 891, 891 a 899, no 3.º volume, e de fls. 900 a 909, no 4.º volume, referenciando contactos, registos de chamadas efectuadas (entre 4 e 14 de Maio), não atendidas (duas já na noite de 14 e sete já em 15 de Maio, após a detenção dos arguidos e apreensão dos telemóveis - fls. 885/6 - e uma outra na noite de 14, a fls. 896 e ainda outras cinco em 14 após a detenção, a fls. 903), e recebidas (sete), bem como mensagens SMS, algumas contendo informações enviadas pelas operadoras Movistar e Vodafone a alertar para situações de saldos, ou recebidas já após a detenção dos arguidos (fls. 888, 889 e 896, 900, 902, 905, 906, 907).
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto provada, a fls. 1826, com respeito à factualidade descrita nos pontos 7 a 23 dos factos provados , em concorrência com outros elementos probatórios, refere-se “o teor de fls. 873 a 909”.
Essa prova foi, pois, valorada, embora não se enuncie o seu peso específico na formação da convicção dos julgadores, não sendo, no entanto, arriscado, desde já, adiantar-se, que não terá sido de monta, atenta a escassez de informação constante de tais autos de exames periciais, a maior parte dela perfeitamente anódina para este efeito, como melhor se explicará infra.

A questão da prova proibida é encarada sob duas perspectivas: a da nulidade por intercepção não consentida ou autorizada e a da nulidade por violação da intimidade e correspondência.

Segundo o artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa, que estabelece as garantias de processo criminal “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.

Sob a epígrafe “Inviolabilidade do domicílio e da correspondência” estabelece por seu turno, o artigo 34.º da Lei Fundamental:
1 - O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis.
4 – É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvos os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.

Dispõe o artigo 187.º, n.º 1, do C. P. Penal, na versão actual, que “A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público …”.
São enumerados vários crimes relativamente aos quais poderá ocorrer a referida autorização, entre os quais se conta o de tráfico de estupefacientes.
O artigo 188.º descreve as formalidades a que devem obedecer as operações de intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas.
Por sua vez dispõe o artigo 189.º do mesmo diploma legal:
1 - O disposto nos artigos 187.º e 188.º é correspondentemente aplicável às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, mesmo que se encontrem guardadas em suporte digital, e à intercepção das comunicações entre presentes.
2 - A obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas, em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto a crimes previstos no n.º 1 do artigo 187.º e em relação às pessoas referidas no n.º 4 do mesmo artigo.”
Este preceito sucedeu ao anterior artigo 190.º, que estabelecia: “ O disposto nos artigos 187.º, 188.º e 189.º é correspondentemente aplicável às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, bem como à intercepção das comunicações entre presentes”.
E o actual artigo 190.º do C. P. Penal estabelece que “Os requisitos e condições referidos nos artigos 187.º, 188.º e 189.º são estabelecidos sob pena de nulidade”.
Tal preceito sucedeu ao artigo 189.º da versão anterior que dispunha: “Todos os requisitos e condições referidos nos artigos 187.º e 188.º são estabelecidos sob pena de nulidade”.

Por sua vez, o artigo 126.º, n.º 3, do mesmo diploma legal, na redacção dada pela Lei n.º 48/2007, sob a epígrafe «Métodos proibidos de prova», estabelece que “Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular”.
A expressão “não podendo ser utilizadas” foi introduzida em 2007.
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As proibições de prova dão lugar a provas nulas – artigo 38.º, n.º 2, da CRP.
A lei portuguesa proíbe as provas fundadas na violação da integridade física e moral do agente e as provas que violem ilicitamente a privacidade.
Maia Gonçalves, Meios de Prova, Jornadas de Direito Processual Penal, 1989, pág. 195, a propósito dos n.ºs 1 e 3 do artigo 126.º, referia tratar-se em seu entender de dois graus de desvalor de provas obtidas contra as cominações legais, sendo maior o desvalor ético-jurídico das provas obtidas mediante os processos referidos no n.º 1 e tal diferente grau de desvalor tem reflexo nas nulidades cominadas; «enquanto as provas obtidas pelos processos referidos no n.º 1 estão fulminados com uma nulidade absoluta, insanável e de conhecimento oficioso, que embora como tal não esteja consagrada no art.º 119.º e está neste art.º 126.º, através da expressão imperativa não podendo ser utilizadas, já as provas obtidas mediante o processo descrito no n.º 3 são dependentes de arguição, e portanto sanáveis, pois que não são apontadas como insanáveis no art. 119.º ou em qualquer outra disposição da lei. Em relação a estas últimas provas, obtidas mediante os processos aludidos no n.º 3, a lei atendeu de algum modo à vontade do titular do interesse ofendido e ao princípio volenti non fit injuris».
Como expende Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, UCE, Dezembro 2007, pág. 326, anotação 3 “A nulidade das provas proibidas obedece a um regime distinto da nulidade insanável e da nulidade sanável. Trata-se de um regime complexo, que distingue dois tipos de proibições de provas consoante as provas atinjam a integridade física e moral da pessoa humana ou a privacidade da pessoa humana”.
E no ponto 4 – quanto ao regime da nulidade da prova proibida – diz que há que distinguir: “a nulidade da prova proibida que atinge o direito à integridade física e moral previsto no artigo 126.º, n.ºs 1 e 2 do CPP é insanável; a nulidade da prova proibida que atinge os direitos à privacidade previstos no artigo 126.º, n.º 3 é sanável pelo consentimento do titular do direito. A legitimidade para o consentimento depende da titularidade do direito em relação ao qual se verificou a intromissão ilegal. O consentimento pode ser dado ex ante ou ex post facto. Se o titular do direito pode consentir na intromissão na esfera jurídica do seu direito, ele também pode renunciar expressamente à arguição da nulidade ou aceitar expressamente os efeitos do acto, tudo com a consequência da sanação da nulidade da prova proibida.
Em síntese, o artigo 126.º, nºs 1 e 2, prevê nulidades absolutas de prova e o n.º 3 prevê nulidades relativas de prova.”.
Assim também Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP Anotada, 2007, em anotação XV ao artigo 32.º, pág. 524: A interdição é absoluta no caso do direito à integridade pessoal e, relativa, nos restantes casos, devendo ter-se por abusiva a intromissão quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judicial (art. 34.º-2 e 4), quando desnecessária ou desproporcionada ou quando aniquiladora dos próprios direitos.
Simas Santos-Leal Henriques, in Código de Processo Penal Anotado, 3.ª edição, 2008, volume I, pág. 832, distinguem entre os métodos proibidos de prova, os absolutos (proibidos mesmo com consentimento), abrangendo as provas obtidas mediante tortura, coacção e ofensa à integridade física ou moral, e os relativos (proibidos apenas sem consentimento), abrangendo as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência e nas telecomunicações.
Os n.ºs 1 e 2 enunciam os métodos de prova que o legislador considera proibidos em termos absolutos, pois que atentam contra direitos indisponíveis para o seu próprio titular e em relação aos quais é irrelevante o consentimento.
Os métodos proibidos de carácter relativo abrangem os casos em que se utilizam processos de recolha de prova sem o consentimento dos respectivos titulares
Aqui, já não existe uma proibição absoluta, mas meramente relativa, uma vez que, estando apenas em causa direitos disponíveis, é sempre possível utilizar os meios de prova aí referidos se houver consentimento válido para tal ou a situação esteja prevista na lei.
A propósito da questão de saber se a nulidade contemplada no n.º 3, 2.ª parte, é ou não sanável, consideram – pág. 840 - que a última alteração legislativa pôs fim à dúvida, ao acrescentar que, em tais casos as provas obtidas em desrespeito da lei não podem ser utilizadas.
Na obra colectiva Prova Criminal e Direito de Defesa, Almedina, 2010, no trabalho Da Autonomia do Regime das Proibições de Prova, págs. 257 e seguintes, afirma-se que as proibições de prova não estão numa mera relação de especialidade face às nulidades. São, antes, tal como as nulidades, uma espécie de invalidade, que constitui o padrão comum a que se reportam ambas as figuras.
Sendo uma espécie autónoma de invalidade, o efeito associado às proibições de prova tem de ser distinto das nulidades. E conclui-se que esse efeito é a inexistência jurídica.

A afirmação da autonomia das proibições de prova em relação às nulidades e a destrinça entre métodos absoluta e relativamente proibidos estava já presente no acórdão deste Supremo Tribunal, de 08-02-1995, processo n.º 47.084, in CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 194, estando em causa nulidade das provas obtidas através de busca domiciliária e a interpretação do artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal e em cujo sumário se pode ler: As provas obtidas por métodos absolutamente proibidos não podem nunca ser utilizadas no processo, mesmo com o consentimento do visado; as provas obtidas por métodos apenas relativamente proibidos, por susceptíveis de consentimento relevante do respectivo titular, são da mesma forma nulas, mas essa nulidade, por ser sanável, depende da arguição do interessado.
Por isso, não pode ser arguida em recurso a nulidade das provas obtidas no inquérito durante busca domiciliária sem autorização da autoridade judiciária ou do visado.
Aí se afirmava a autonomia das proibições de prova relativamente às nulidades: «Apesar da ligação estreita entre o regime das nulidades e as proibições da prova, trata-se de figuras ou realidades autónomas (…).
A proibição da prova tem a ver com a sua inadmissibilidade no processo. Os elementos recolhidos por métodos proibidos de prova não poderão por via de regra ser valorados. O art.º 126.º do citado código descreve métodos proibidos da prova, ferindo de nulidade as provas deles resultantes; e o seu n.º 1 refere-se a provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa de integridade física ou moral das pessoas, não podendo ser utilizadas, enquanto o n.º 3 considera igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular».
E acrescenta: «no caso do n.º 1, as provas são sempre inválidas, não poderão nunca ser utilizadas, mesmo com o consentimento do titular, porque contendem com a dignidade e integridade física ou moral das pessoas, que são bens jurídicos indisponíveis para o seu titular; no caso do n.º 3, as provas só serão nulas quando os métodos utilizados para a sua obtenção não obtiveram o consentimento do respectivo titular, porque se reportam a bens jurídicos disponíveis».
E finaliza, explicando a diferente abordagem: «Da diferente qualificação dos bens em causa e da respectiva disponibilidade ou indisponibilidade para o seu titular resultam regimes ou consequências diversas. As provas obtidas por métodos absolutamente proibidos não poderão nunca ser utilizados no processo mesmo com o consentimento daquele; pelo contrário, se tais métodos forem apenas relativamente proibidos, enquanto susceptíveis de consentimento relevante do respectivo titular, as provas obtidas também serão nulas, mas tal nulidade, porque sanável, depende da arguição do interessado, ficando sujeita à disciplina do art. 120.º e 121.º do C.P.P».

Os recorrentes apoiam-se com afinco no acórdão deste Supremo de 20-09-2006, processo n.º 2321/06-3.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 189, o qual decidiu sobre leitura do cartão de telemóvel sem o consentimento do arguido e sem a devida autorização judicial.
Procurando os recorrentes fundar a bondade da sua posição no mesmo, a verdade, porém, é que o acórdão está longe de poder satisfazer as pretensões argumentativas dos recorrentes, pois diz mais, muito mais, do que é invocado, fundamentalmente concluindo pela não insanabilidade do vício.
A propósito do artigo 126.º, n.º 3, do CPP, distingue as duas categorias de métodos proibidos de prova consoante a disponibilidade ou indisponibilidade dos bens jurídicos violados: os absolutamente proibidos e relativamente proibidos; aqueles, pelo uso da tortura, coacção ou em geral ofensas à integridade física ou moral na forma dos n.ºs 1 e 2 nunca podem em caso algum ser utilizados, mesmo com o consentimento dos ofendidos; os últimos – n.º 3 – meios relativamente proibidos de prova respeitam ao uso de meios de prova com intromissão na correspondência, na vida privada, domicílio ou telecomunicações, sem consentimento do respectivo titular.
Os métodos absolutamente proibidos de prova, por se referirem a bens absolutamente indisponíveis determinam que a prova seja fulminada de nulidade insanável, consagrada na expressão imperativa “não podendo ser utilizadas” do n.º 1 do artigo 126.º.
Justifica o acórdão tratamento diverso deste modo: Há casos de atentados extremos à pessoa humana em que os direitos fundamentais comportam uma dimensão tal que, em vista da protecção do cidadão ante o Estado e como forma de assegurar a sua subsistência e a convivência em segurança e polidireccionada dos cidadãos, com respeito pela dignidade respectiva e o justo equilíbrio entre a contribuição de todos e cada um para o bem comum, de tal modo que os meios de prova obtidos com violação daqueles é intolerável; há no entanto, outros em que, mediante certos condicionalismos, não repugna admitir a sua violação abandonando o legislador ordinário aquela tutela absoluta e incontornável, para cair numa inadmissibilidade meramente relativa de tais meios de prova.
E depois de afirmar que os métodos de proibição absoluta ou relativa de prova constituem limites, obstáculos absolutamente ou relativamente intransponíveis à descoberta da verdade e têm a ver com a inadmissibilidade ou a admissibilidade da sua valoração no processo, coma a consequência da nulidade insanável da prova ou a simples anulabilidade, respectivamente.
Conclui que no caso concreto sujeito da leitura de dois cartões de telemóvel desacompanhada de autorização judicial constitui nulidade relativa, não insanável, por a proibição de utilização não se compendiar entre as nulidades insanáveis do artigo 119.º.
Aliás, a seguir-se esta orientação, atento o disposto no artigo 120.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal, tratando-se de uma nulidade respeitante ao inquérito, deveria ter sido arguida até ao encerramento do debate instrutório, o que teve lugar em 11 de Julho de 2008 - fls. 1316 a 1320.
E, como vimos, apenas em 30 de Setembro de 2008 foi suscitada a nulidade.

Recentemente, o acórdão de 03-03-2010, processo n.º 886/8PSLSB.L1.S1-3.ª, versou sobre alegação de afectação da intimidade da vida privada suscitada pelo arguido pelo facto de se ter acedido aos n.ºs de telefone referenciados em telemóvel propriedade do mesmo, tendo-se procedido à abertura e visualização da agenda, o que permitiu comprovar a sua pertença pelas conexões no mesmo existentes.
Sintetiza o acórdão, dizendo que a interdição de prova é absoluta no caso do direito à integridade da pessoa e relativa nos restantes casos, devendo ter-se por abusiva a intromissão quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judicial (art. 34º-2 e 4); quando desnecessária, ou desproporcionada, ou quando aniquiladora dos próprios direitos (art. 18º-2 e 3).
A dado passo afirma-se: No âmbito de proibições de prova de natureza relativa (artigo 126 n.º 3 do CPP) é admissível a afirmação que o direito protegido - a intimidade - não tem um valor absoluto e deve ceder quando em contraposição estejam os valores que realizam objectivos primários do Estado de Direito, como é o da funcionalidade do processo penal perante uma criminalidade grave.
E finaliza assim: «Assumida uma defesa do princípio da ponderação nesta área de prova proibida e protecção do direito à intimidade é evidente que a invocação do recorrente não tem o mínimo de fundamento. A ponderação investigatória, e probatória, da agenda do telemóvel como factor de determinação da sua propriedade, e da relação sequente com o crime praticado, não colide com nenhum núcleo fundamental da dignidade do mesmo recorrente e está perfeitamente justificada pela ponderação do interesse em perseguir criminalmente quem comete um crime de homicídio voluntário, sob a forma tentada, face à mera determinação dos contactos telefónicos existente na agenda do telemóvel que foi abandonado.
Estamos em face de uma situação análoga à da mera agenda, ou do documento, que por mero descuido o agente criminoso esqueceu no local do crime não se vislumbrando onde exista qualquer utilização de meio proibido de prova».

Em algumas posições tomadas sobre a questão o consentimento é pedra de toque para se estabelecer a dicotomia prova absolutamente nula e prova relativamente nula.
Como refere João Conde Correia, no trabalho Qual o significado de abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência e nas telecomunicações (art. 32.º, n.º 8, 2.ª parte da C.R.P.)? in Revista do Ministério Público, ano 20, n.º 79, págs. 51/3, o direito ao sigilo da correspondência e de outros meios de comunicação privada, consagrado no art. 34.º, n.º 1 da CRP e arts 75.º a 78.º do Código Civil protege toda a espécie de comunicação interpessoal, privada ou não, efectuada por intermédio da correspondência e das telecomunicações, independentemente do meio técnico utilizado e do seu conteúdo, impedindo a sua violação ou devassa por terceiros ou pelo Estado.
No conflito entre esse direito e o interesse punitivo do Estado e os valores que lhe estão subjacentes, como sejam, entre outros, a vida, a integridade física ou bens patrimoniais de elevado montante, a primeira via de redução desse conflito é o consentimento do ofendido, um espaço de consenso ou ausência de conflito, em observância do princípio volenti non fit injuria, como expressão da autonomia pessoal, constitucionalmente tutelada.
Paulo Verdelho em A obtenção de prova no ambiente digital, in RMP, ano 25, n.º 99, pág. 122/4, refere que quanto à intercepção de mensagens de correio electrónico em tempo real, prevê o artigo 190.º que a esta forma de obtenção de prova seja aplicável o regime da intercepção de comunicações telefónicas. A este propósito não se suscitam dúvidas, uma vez que esta norma legal manda aplicar o regime das intercepções telefónicas à intercepção de qualquer outra comunicação electrónica (a lei refere “as conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática”). Portanto a intercepção de mensagens de correio electrónico é admissível nos mesmos casos em que a lei permite a realização de escutas telefónicas, estando sujeita às mesmas formalidades.
Adianta que, noutra perspectiva, as mensagens de correio electrónico podem ser utilizadas como prova de um crime já após terem sido enviadas e recebidas, já armazenadas, dizendo que se é verdade que, sendo interceptadas em tempo real, as mensagens de correio electrónico são comunicações electrónicas, após o seu recebimento devem ser antes encaradas como correspondência.
A propósito da questão de saber se deve dar-se o mesmo tratamento garantístico a mensagens recebidas mas ainda não lidas e a mensagens recebidas e já efectivamente abertas e lidas, diz que às primeiras parece fácil dar, analogicamente, o mesmo tratamento do correio físico, dito tradicional, contido em envelopes ainda não abertos. Quanto às segundas, é de admitir a possibilidade de se considerarem meros documentos armazenados num computador, com o mesmo estatuto de uma carta recebida e guardada num arquivo pessoal ou de um texto escrito e guardado em suporte informático. A acolher-se esta perspectiva, as mensagens não abertas teriam um tratamento diferenciado das mensagens já abertas e lidas.
E depois assinala que “as mesmas razões que se adiantaram quanto a mensagens de correio electrónico são na íntegra aplicáveis a mensagens emitidas por telemóvel, através do serviço de SMS (short message service).

No nosso caso não se está perante uma intercepção de comunicação em directo, interferência em comunicação em tempo real, mas face a leitura dos cartões de telemóveis apreendidos aos arguidos aquando da sua detenção em 14 de Maio de 2007 e feita nos dias 1, 2 e 6 de Agosto de 2007.

O cartão de telemóvel é o repositório de mensagens, a respectiva caixa de correio, que as recebe até serem inutilizadas pelo destinatário, a mensagem uma forma de telecomunicação, por meio diferente de telefone, à qual se aplicam as regras sobre as escutas telefónicas por força do artigo 190.º, do CPP.
Ora, no caso presente houve autorização judicial para intercepção de conversações ou comunicações, o que incluiria naturalmente as feitas por meio diverso do telefone e que é o telemóvel, mas não abarcando estas.
Como resulta da compulsação do processo, foram proferidos despachos a autorizar intercepção de comunicações.
O processo iniciou-se em 7 de Março de 2007 e no dia 14 de Maio seguinte os arguidos estavam a ser detidos na estação de serviço da A-2, em Almodôvar, sendo então apreendidos os respectivos telemóveis.
Em 18 de Abril de 2007 fora determinada por despacho de fls. 25 a 28, a intercepção das telecomunicações dos então suspeitos quanto a comunicações efectuadas de e para três telemóveis, que não os examinados.
Já após a detenção dos arguidos e apreensão dos telemóveis, por despacho do Juiz de Instrução de 16 de Maio de 2007, constante de fls. 200, foram validadas as escutas e ordenada a transcrição.
Foram-se sucedendo os despachos de autorização, mesmo depois de os arguidos terem sido detidos em 14 de Maio de 2007, visando a investigação encontrar outros responsáveis, maxime, o dono do negócio, o que aconteceu em 23 de Maio, 8, 19, 22 de Junho, 3 e 11 de Julho de 2007, conforme fls. 302 a 305, 392, 407, 422, 474 e 487.
Algumas destas intercepções foram mesmo ouvidas em audiência de julgamento, na 3.ª sessão, em 29-10-2008, como se colhe da acta da audiência de fls. 1649, tendo sido ordenada a audição das sessões de intercepção das comunicações telefónicas juntas com os n.ºs 333 e 336, de 13-05-2007, tendo a Mandatária dos ora recorrentes requerido a audição da sessão da intercepção da comunicação telefónica com o n.º 350, de 13-05-2007, o que foi deferido.
A estas intercepções de comunicações entre o recorrente BB e um tal J... se refere o acórdão recorrido a fls. 78 (fls. 3009 do processo), sendo estas autorizadas.
O Tribunal da Relação teve como certo que não havia autorização, defendendo inclusive não ser necessária a intervenção do juiz quanto aos telemóveis.
Após enunciar as disposições processuais aplicáveis, fundamenta-se no acórdão recorrido, de fls. 58 a 63 (fls. 2989 a 2994) nos termos seguintes:
«Como em qualquer outra comunicação, também as comunicações por telemóvel ocorrem durante certo lapso de tempo. Ou seja, começam quando entram na rede e acabam quando saem da rede.
É a sua intercepção neste lapso de tempo o assunto dos citados preceitos legais.
Quando o momento do seu recebimento já pertence ao passado, qualquer contacto com a comunicação feita não tem qualquer correspondência com a ideia de intercepção a se reportam os artigos 187º a 190º do C. P. Penal.
As mensagens que, depois de recebidas, ficam gravadas no receptor deixam de ter a natureza de comunicação em transmissão. São, isso sim, comunicações recebidas, pelo que deverão ter o mesmo tratamento da correspondência escrita já recebida e guardada pelo destinatário.
Tal como acontece na correspondência efectuada pelo correio tradicional, diferenciar-se-á a mensagem já recebida mas ainda não aberta da mensagem já recebida e aberta. Na apreensão daquela rege o artigo 179º do C. P. Penal, mas a apreensão da já recebida e aberta não terá mais protecção do que as cartas recebidas, abertas e guardadas pelo seu destinatário.
E a mensagem recebida em telemóvel, atenta a natureza e finalidade do aparelho e o seu porte pelo arguido no momento das revistas e apreensões efectuadas, é de presumir que, uma vez recebida, foi lida pelo seu destinatário.
Na sua essência, a mensagem mantida em suporte digital depois de recebida e lida terá a mesma protecção da carta em papel que tenha sido recebida pelo correio e que foi aberta e guardada em arquivo pessoal.
Sendo meros documentos escritos, estas mensagens não gozam da aplicação do regime de protecção da reserva da correspondência e das comunicações.
A Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 34º, consagra a inviolabilidade do domicílio e da correspondência e de outros meios de comunicação privada.
A garantia da inviolabilidade da correspondência e de outros meios de comunicação privada é uma decorrência da protecção que a Constituição dá à dignidade da pessoa, ao seu desenvolvimento pessoal e, essencialmente, à garantida da liberdade e privacidade individual.
Naturalmente que tal garantia constitucional abrange, como bem salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 4ª ed. revista, Coimbra Editora, 2007, Vol. I, pág. 544), “toda a espécie de correspondência de pessoa a pessoa (cartas, postais, impressos), cobrindo mesmo as hipóteses de encomendas que não contêm qualquer comunicação escrita, e todas as telecomunicações (telefone, telegrama, telefax, etc.)”. Além disso, e como dizem os mesmos autores (ob. e local citados), “a garantia do sigilo abrange não apenas o conteúdo da correspondência, mas o «tráfego» como tal (espécie, hora, duração, intensidade de utilização)”.
É também em função (designadamente) destas dimensões constitucionais do direito à inviolabilidade da correspondência e de outros meios de comunicação privada que o artigo 32º, nº 8, da C.R.P., prevê a nulidade de todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa à integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
O artigo 126º do C. P. Penal surge como forma de concretização legal das normas constitucionais acabadas de citar. Neste dispositivo legal, definem-se como métodos (absolutamente) proibidos de prova, entre outros, os que, por qualquer modo, violem ou ofendam a integridade física ou moral das pessoas, atingindo-as na sua liberdade de vontade ou de decisão, perturbando-as na sua capacidade de avaliação e de memória, iludindo-as, condicionando-as ou limitando-as através de ameaças ou de medidas legalmente inadmissíveis.
O nº 3 do mesmo artigo 126º do C. P. Penal afirma que são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações, sem o consentimento do respectivo titular.
Não se trata, aqui, neste nº 3 do preceito em análise, de uma proibição absoluta de obtenção de prova, mas apenas de uma proibição relativa, porque estão em causa direitos disponíveis. Assim sendo, é possível a sua utilização, desde que haja consentimento válido, ou do próprio ou do juiz de instrução.
Entendem os arguidos que, faltando a dos próprios, só com a autorização do juiz de instrução se poderia ter acesso ao conteúdo gravado na memória do telemóvel ou do respectivo cartão.
Nenhuma dúvida existe que a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só pode ser autorizada por despacho fundamentado do juiz de instrução (artigo 187º, nº 1, do C. P. Penal), regime que é aplicável às conversações ou comunicações transmitidas por qualquer meio técnico diferente do telefone, designadamente correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, mesmo que se encontrem guardadas em suporte digital, e à intercepção das comunicações entre presentes (artigo 189º, nº 1, do mesmo C. P. Penal).
Ora, com esta norma, como acima já enunciado, não se tem em vista a obtenção de prova de comunicações já realizadas ou de dados já gravados em qualquer suporte.
Estes dados - mensagens enviadas ou recebidas, a lista telefónica dos contactos, chamadas recebidas e atendidas, chamadas recebidas e não atendidas, chamadas efectuadas ou outros dados que sejam guardados no telemóvel (seja na memória do cartão ou do próprio telemóvel) - devem ser revelados e não se torna necessário que essa revelação seja precedida de autorização do juiz de instrução, já que não se trata aqui de qualquer dado ou comunicação em transmissão, mas apenas um certo dado que se encontra guardado num certo suporte: o telemóvel ou o cartão de memória.
No caso destes autos, foram apreendidos, além do mais, diversos telemóveis pertencentes aos arguidos.
Nos exames periciais desses telemóveis, a que se procedeu no âmbito da investigação e constantes dos autos, descrevem-se as mensagens “sms” enviadas ou recebidas nos aparelhos, as chamadas efectuadas, as chamadas recebidas e as chamadas não atendidas, aí se descrevendo ainda os contactos armazenados nos aparelhos, no cartão SIM ou no cartão de memória.
Por isso, o regime das escutas telefónicas não é aplicável ao conteúdo da memória do telemóvel ou do cartão deste, e, nessa medida, o acesso a tal conteúdo não carece de ser obtido mediante autorização prévia do juiz de instrução.
Nenhuma dúvida se suscitou nos autos ou subsiste sobre a validade da apreensão dos telemóveis (do aparelho e do que nele se contém). Assim, mal se compreenderia que não fosse possível revelar nos autos os dados contidos nesse objecto (o telemóvel) apreendido.
Improcede, pois, neste segmento, o recurso interposto».


Uma outra questão que tem de ser equacionada tem a ver com o efectivo interesse, a real força probatória que os elementos colhidos através da leitura dos cartões tiveram na solução global, havendo que indagar de que modo e com que peso contribuíram para a decisão de fundamentação da facticidade apurada.
No recurso para a Relação limitaram-se os recorrentes a fazer afirmações genéricas, como a que consta de fls. 2166 (9.º volume), onde alegam que “Foram utilizados para a formação de convicção meios de prova proibida - leitura da memória dos telemóveis”, ou a fls. 2167, onde se diz que “O acórdão fundamentou a sua decisão na análise da memória dos telemóveis”.
E no presente recurso apenas duas referências, a fls. 3144 (13.º volume).
Uma primeira ao dizer “Ao abrir a memória do telemóvel, tendo visto as mensagens de cartão de telemóvel sem autorização do respectivo dono e sem autorização judicial, tendo utilizado esse material para decisão de matéria de facto, o que foi decisivo no seu apuramento, o tribunal de 1.ª instância usou meio de prova proibido (nova redacção do n.º 3 do art. º 126.º do CPP) e ao referir logo a seguir: “Atendendo ao peso forte que teve na apreciação da matéria de facto, tem de ser anulado o mesmo acórdão (da 1ª instância) para que a matéria de facto seja decidida sem se fazer uso do aludido meio de prova”.
Contudo, os recorrentes não explicam porque o material foi decisivo para a decisão, nem porque teve peso forte na apreciação da matéria de facto.
Nos pontos de factos provados n.ºs 7 a 23 – únicos que aqui estarão em causa - constam apenas as movimentações dos recorrentes de Sul para Grândola e daqui para a A2 em Almodôvar.
A acção dos recorrentes logo após o carregamento do haxixe e trânsito até Almodôvar é descrita em directo por quem está no terreno, os elementos da Judiciária, a seguir a acção dos arguidos.
Os recorrentes foram seguidos e interceptados nas suas pessoas, obviamente antes de se conhecer o teor dos cartões dos telemóveis apreendidos.
Por último, tenha-se em atenção que os recorrentes ao abordarem outro alegado vício do acórdão - erro na fundamentação - reportam novamente o meio proibido, ao afirmarem na conclusão 31.ª que “As ligações entre os recorrentes e o CC são o tráfego de chamadas telefónicas entre os mesmos que é prova proibida”.
Mas, curiosamente, na conclusão 43.ª, deixam cair esta afirmação: … e foi este o resultado da investigação que, mesmo no tocante às vigilâncias e leitura da memória do telemóvel nada trouxeram de seguro que pudesse gerar uma convicção segura acerca dos elementos possíveis para incriminar os arguidos AA e BB. (sublinhados nossos).
Improcede, pois, a arguição de nulidade por uso de método proibido de prova.

Questão II – Erro de Julgamento da Matéria de Facto

Sob esta designação pretendem os recorrentes avançar, sem margem para dúvidas, para uma manifestação de divergência relativamente ao modo como a Relação de Évora abordou a impugnação da matéria de facto provada.

Na sequência da notificação do despacho do relator de fls. 3374 pretenderam os recorrentes alterar a designação desta questão para “Omissão de pronúncia sobre matéria de facto” e apresentando mais seis conclusões (12.ª a 24.ª), o que não foi atendido por razões de delimitação do objecto do recurso e de modo a não conferir um factor de perturbação na instância, mas não deixará de se versar o tema.
No texto da motivação do recurso dirigido a este Supremo, os recorrentes referiram, exactamente, o vício de omissão de pronúncia, e nesse exacto sentido - certamente por ter balizado a sua resposta com base apenas no texto do primeiro fax junto aos autos, e não na versão final - se pronunciou o Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta instância.
Na verdade, o que no fundo está em causa, é, fora de qualquer dúvida, a invocação de nulidade do acórdão da Relação por omissão de pronúncia relativamente à impugnação da matéria de facto.
No fundo o problema a debater é único, continuando os arguidos a defender que o acórdão do Tribunal da Relação de Évora não conheceu da impugnação da matéria de facto.
No anterior recurso os arguidos haviam suscitado a questão, embora, a nosso ver, de forma não correcta, não só por razões formais, mas também por se apresentar demasiado prolixo, inclusive na transcrição da prova, ao longo de 23 páginas de uma só vez, de fls. 2174 a 2196; outras 6, de fls. 2199 a 2204; outras 8, de fls. 2208 a 2215 e ainda mais 6, de fls. 2222 a 2228, não tendo a Relação apreciado então a impugnação da matéria de facto, por ter entendido que não havia sido dado cumprimento ao preceituado no artigo 412.º, n.º s 3 e 4, do Código de Processo Penal, e por isso mesmo, foi o acórdão anulado pelo Supremo Tribunal de Justiça em 20-01-2010.
Face a essa anulação, o que há que ver é, se no novo acórdão, a Relação de Évora apreciou ou não a matéria proposta, independentemente da valoração que essa reapreciação em si mesma possa merecer, maxime da parte dos recorrentes.

Como bem acentua o Exmo. Procurador-Geral Adjunto no parecer supra referido, o Tribunal da Relação neste segundo acórdão ora recorrido, diversamente do que ocorreu da primeira vez, não se limitou a produzir uma afirmação genérica, tendo antes procedido a uma análise, de forma detalhada e fundamentada, o que basta, para em sua opinião, se afastar a invocada nulidade por omissão de pronúncia.

Nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Tal normativo é correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso, nos termos do n.º 4 do artigo 425.º do Código de Processo Penal, que estabelece: “É correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto nos artigos 379.º e 380.º, sendo o acórdão ainda nulo quando for lavrado contra o vencido, ou sem o necessário vencimento”.
A Relação analisou e valorou sem necessidade de formular convite, ao abrigo do artigo 417.º, n.º 3, do CPP, em consideração à delimitação exposta no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-01-2010, maxime a fls. 2920 e prescindiu então das indicações por referência ao consignado na acta, nos termos do n.º 2 do artigo 364.º do Código de Processo Penal.
O acórdão ora recorrido, ao contrário do que aconteceu da primeira vez, não se colocou numa posição de alienidade em relação à pretensão impugnatória dos recorrentes, antes cumpriu o tema proposto, e fê-lo de forma detalhada, circunstanciada e fundamentada, de fls. 63 – maxime, a partir de fls. 72 a 84 (fazendo fls. 2994 a 3015 do processo), começando por afirmar que “Analisada toda a prova produzida na audiência de discussão e julgamento (aliás, em grande parte transcrita na motivação do recurso), entendemos que nenhuma razão assiste aos recorrentes AA e BB”.
Vejamos de que modo o acórdão ora recorrido emitiu opinião sobre os diversos pontos em aberto, carenciados de melhor julgamento na perspectiva dos recorrentes.
O acórdão reportou o que disseram os inspectores da Polícia Judiciária, que acompanharam em directo o caso, que na qualidade de testemunhas intervieram na audiência de julgamento, e que descreveram o comportamento dos ora recorrentes desde o acesso à A2, no sentido Norte-Sul, até serem detidos, e consignando não acreditar nas declarações dos arguidos, qualificando de “totalmente inverosímil” e de “absurda” a respectiva versão, explanando o que de acordo com a mesma seria o cenário mais natural: “O arguido CC , com uma carrinha carregada de fardos de cannabis (cerca de 2.500 kg), parar numa área de serviço de uma auto-estrada, às 18h20m do dia 14 de Maio de 2007, perfeitamente à luz do dia, e pôr-se a conversar calmamente com os outros dois arguidos sobre negócios imobiliários ” (realce nosso).
Explica ainda o acórdão, a fls. 74 (fls. 3005 dos autos), porque não acreditou na versão “totalmente inconsistente” de andarem os recorrentes pelo País, sem o conhecerem, em automóvel emprestado, trazido de Espanha, a procurar terrenos que estivessem à venda, “nada tendo concretizado nem tendo indicado um só terreno que fosse”, e fundando a convicção tomada em passagens de declarações prestadas em audiência pelo arguido AA, e de outras ainda de AA e BB, conforme fls. 75 (fls. 3006 do processo) e de declarações quanto a uso de passaporte falso pelo arguido AA (ibidem).
De seguida - § 1.º de fls. 76 (fls. 3007 do processo) - explica o acórdão porque afirma o arguido AA não conhecer o arguido CC através de negócios imobiliários feitos com a companheira deste, e afirma a débil situação económica do casal, socorrendo do depoimento de C...G....
Após, a fls. 76/7, debruça-se ainda o aresto em reapreciação sobre documento apresentado em audiência pelo arguido AA, alegadamente a titular “contrato de compra e venda”, referindo-se a depoimento do advogado M..., não deixando uma vez mais de alicerçar o seu ponto de vista em passagem do depoimento do mesmo advogado a propósito da Sra. A....
Explica a razão, a fls. 77 (fls. 3008 do processo), porque o arguido CC optou por nada dizer em audiência, para de seguida afirmar que deve atender-se ao teor das conversas telefónicas tidas entre BB e um tal J... e para fundamentar a afirmação de que o arguido BB conhecia o tal J... invoca, a fls. 78, passagens das conversações e gravação da escuta telefónica e que foram ouvidas em audiência, corroborando e explicando porquê a conclusão do tribunal de 1.ª instância no sentido de que o dinheiro apreendido era proveniente da actividade que levavam a cabo – cfr. fls. 79.
A Relação não omitiu pronúncia, igualmente, sobre a questão da invocação da verdadeira identidade da Sra. A..., o que trata a fls. 79 do acórdão, bem como sobre a qualificação dos recorrentes como “batedores”, afirmando estar a sua convicção em consonância com a da primeira instância e explicando a razão da afirmação da participação efectiva dos dois recorrentes nos factos apurados e nos termos aí descritos – fls. 82/3/4.
O acórdão recorrido deu resposta às questões propostas, defendendo a bondade do julgado quanto aos pontos de factos provados n.ºs 7, 12, 13, 14, 15, 17, 19, 20, 22, 64, 66, 67, 70, 74, 82, 88 e 90, e os factos dados por não provados e descritos nas alíneas s), t, u), v), w), x) e y), que os recorrentes pretendiam fossem transpostos para o lote dos factos provados, abrangendo-se na análise efectuada as matérias indicadas pelos recorrentes, como a participação dos dois arguidos no transporte do haxixe, a falsa identidade de ambos, a remuneração pelo trabalho, a situação económica de CC Hodson e companheira, o empréstimo do Volvo, em que se faziam transportar, a não aceitação do argumento de prospecção de terrenos na costa alentejana e algarvia.
Como se sabe, a reapreciação só poderá determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam ou sugiram uma outra decisão.

Como o Supremo Tribunal de Justiça tem reafirmado, o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª instância, como se o julgamento não existisse, tratando-se antes de um remédio jurídico, destinado a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros e não indiscriminadamente, de forma genérica, quaisquer eventuais erros.
Neste sentido, podem ver-se os acórdãos de 17-05-2007, processo n.º 1397/07 - 5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 197 (citando o acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 59/2006, de 18-01-2006, proferido no processo n.º 199/2005, da 2.ª secção); de 05-12-2007, processo n.º 3406/07 - 3.ª; de 09-01-2008, processo n.º 2075/07 - 3.ª e processo n.º 4457/07 - 3.ª; de 17-01-2008, processo n.º 2696/07-5.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 206 (fazendo aquela mesma citação do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 59/2006); de 23-04-2008, processo n.º 899/08-3.ª, CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 205; de 07-05-2008, processo n.º 294/08 – 3.ª; de 14-05-2008, processo n.º 1139/08 – 3.ª; de 04-06-2008, processo n.º 1126/08 - 3ª; de 18-06-2008, processo n.º 1971/08 – 3.ª; de 20-11-2008, processo n.º 3269/08 - 5.ª; de 03-09-2008, processo n.º 2031/04 - 3.ª; de 15-10-2008, processo n.º 2894/08 – 3.ª; de 23-10-2008, processo n.º 2869/08 – 5.ª; de 29-10-08, processo n.º 1016/07 – 5.ª; de 27-01-2009, processo n.º 3978/08 – 3.ª (trata-se de um julgamento de via reduzida, de remédio para deficiências factuais circunscritas); de 26-02-2009, processo n.º 3270/08 - 5.ª; de 27-05-2009, processo n.º 145/05 - 3.ª e processo n.º 1511/05.7PBFAR.S1 - 3.ª; e ainda os acórdãos de 10-03-2010 e de 25-03-2010, por nós relatados nos processos n.º 112/08.2GACDV.L1.S1 e n.º 427/08.0TBSTB.E1.S1, que aqui seguimos de perto e onde se debate o problema, bem como a evolução legislativa e sua concatenação com as alterações no tema no âmbito do processo civil, e as posições do Tribunal Constitucional que conduziram à consagração legal da norma do artigo 417.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Aliás, esta limitação de cognição da matéria de facto, por parte do Tribunal da Relação, sempre esteve presente, como logo esclareceu o primeiro diploma legal onde se estabeleceu a documentação das declarações orais.
Com efeito, como foi afirmado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, o registo da prova produzida em audiência visava assegurar um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, mas acrescentando-se que essa garantia “nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
E que “o objecto do 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a Relação, mas, mais singelamente, a detecção e correcção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento, o que atenuará sensivelmente os riscos emergentes da quebra da imediação na produção da prova (que, aliás, embora em menor grau, sempre ocorreria, mesmo com a gravação em vídeo da audiência)”.
E como se pode ver dos acórdãos do Tribunal Constitucional, n.º 124/90, publicado no DR - II Série, de 08-02-1991; n.º 322/93, publicado no DR - II Série, de 29-10-1993; n.º 677/99, de 21-12-1999, publicado no DR - II Série, de 28-02-2000, o sentido é o mesmo, podendo ler-se:

“Com o recurso não se pretende um novo julgamento da matéria de facto.
Tratando-se de matéria de facto, há razões de praticabilidade e outras (decorrentes da exigência da imediação da prova) que justificam não poder o recurso assumir aí o mesmo âmbito e a mesma dimensão que em matéria de direito: basta pensar que uma identidade de regime, nesse capítulo, levaria, no limite, a ter de consentir-se sempre a possibilidade de uma repetição integral do julgamento perante o tribunal de recurso”.
Podem ver-se ainda, com interesse para a matéria que nos ocupa, os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 253/92, publicado no DR - II Série, de 27-10-92, n.º 401/91, proferido no processo n.º 205/91, da 1.ª secção, e publicado no DR - I Série - A, n.º 6, de 8 de Janeiro de 1992 e no BMJ n.º 410, pág. 236 (o direito ao recurso sobre a matéria de facto não implica renovação de prova perante o tribunal ad quem) e n.º 573/98, de 13-10-1998, publicado no DR – II Série, n.º 263, de 13-11-1998.
Segundo o acórdão n.º 181/99, de 10 de Março de 1999, proferido no processo n.º 699/98, publicado no DR - II Série, n.º 174, de 28-07-1999, «o segundo grau de jurisdição em matéria de facto em parte alguma reveste a natureza de um direito potestativo do arguido a ver repetida “sem quaisquer limitações” a prova produzida, o que corresponderia, na prática a inutilizar todas as primeiras decisões probatórias que culminassem em condenação».
E como refere o acórdão n.º 59/2006, de 18 de Janeiro de 2006, proferido no processo n.º 199/05, da 2.ª secção, publicado no DR - II Série, de 13-04-2006 (e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 64.º, pág. 359) o recurso em matéria de facto decidido pelo Tribunal da Relação implica, não a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1.ª instância, mas uma reapreciação da matéria de facto, na qual têm aplicação os princípios da imediação e da oralidade, embora condicionados à natureza própria do meio impugnatório.

No caso presente, o Tribunal da Relação de Évora procedeu a uma efectiva e fundamentada “reavaliação” da forma possível ao momento (na ausência de oralidade, imediação e concentração) das provas concretamente indicadas relativamente aos concretos pontos de facto que os recorrentes indicaram como tendo sido incorrectamente julgados, avaliando se efectivamente essas provas impunham ou não uma decisão diversa da recorrida.
Conclui-se, assim, pela não verificação de omissão de pronúncia sobre a impugnação da matéria de facto, já que a Relação se debruçou sobre as questões suscitadas relativas a fixação de matéria de facto.

Questão III – Violação do Princípio da Presunção de Inocência

Os recorrentes AA e BB, nas conclusões 19.ª a 25.ª suscitam esta questão a propósito de uma afirmação contida no acórdão de Almodôvar em sede de motivação da decisão sobre a matéria de facto.
Estabelece o artigo 32.º, n.º 2, do Código de Processo Penal que: Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa.

A afirmaçãoSão, pois, demasiadas coincidências, e a compor o ramalhete, os antecedentes criminais (todos com condenações em crimes relacionados com estupefacientes) e a ausência de qualquer explicação para tanta coincidência”, ora trazida por via da conclusão 19.ª, foi produzida pelo acórdão de primeira instância, em sede de motivação da decisão sobre a matéria de facto, conforme fls. 35 do mesmo acórdão, fazendo fls. 1826 do processo (7.º volume).
Como referem os recorrentes, e bem, nas conclusões 20.ª e 21.ª, os antecedentes criminais não podem servir para fundamentar a questão da culpabilidade, sendo inadmissível que se associe a culpa aos antecedentes criminais do arguido.
Todavia, da citada afirmação não se segue, como se defende na conclusão 22.ª, que o tribunal tenha formulado, mesmo, a sua convicção acerca da culpabilidade dos arguidos a partir de um pré-juízo, que o Colectivo tenha fundado a sua convicção, mesmo que parcialmente, ou, como se refere na conclusão 23.ª, «com base pelo menos coadjuvante», ou com «a ponderação dos antecedentes criminais como facto da decisão da “questão da culpabilidade”» como se diz na conclusão 25.ª, nesse dado objectivo da vida pregressa dos arguidos.
Nada disso. E muito longe disso.
E nem sequer havia necessidade de chamar à colação tal argumento.
Para se concluir como se concluiu, bastava atender ao tempo e ao modo, e à circunstância, do real e concreto pedaço de vida em que os arguidos foram interceptados por elementos da Polícia Judiciária em local público e à luz do dia (18h30 do dia 14 de Maio de 2007), sendo a convicção do tribunal balizada em vários outros - válidos, úteis, pertinentes, relevantes e convincentes elementos de prova -, que em absoluto, dispensavam aquela referência absolutamente excrescente, desnecessária, e, no fundo, anódina.
Trata-se de uma expressão perfeitamente escusada, inútil, de certo modo infeliz, que não induz qualquer valor acrescentado à argumentação maior, que não pode, nem deve situar-se na categoria de argumento a fortiori, tratando-se de uma mera excrescência, podendo ser integrada na categoria do “desabafo”, face ao que foi considerado um conjunto de coincidências várias sem qualquer explicação, a que deverá, nesta perspectiva, ser dado o devido tratamento, ou seja, deverá ter-se por não escrita.
A presunção de inocência não foi, claramente, ilidida ou sequer beliscada por este meio, perfeitamente inidóneo para o efeito.
Aliás, a infelicidade da expressão utilizada mais clara se torna com a patente fragilidade deste elemento de composição do ramalhete, bastando atentar ao que se diz infra sobre a relevância dos antecedentes criminais no segmento V relativo a “Medida da pena”.
Improcede, pois, a arguição de violação do citado princípio.

Questão IV - Vícios do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal

Sob este título genérico englobam os recorrentes quatro questões:
1 – Vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, corrigida que foi a anterior designação de “Omissão de pronúncia” - conclusões 26.ª a 28.ª
2 - Erro na matéria de facto - conclusões 29.ª a 44.ª
3 - Erro notório na apreciação da prova – conclusões 45.ª a 52.ª
4 - Violação do princípio in dubio pro reo - conclusões 53.ª e 54.ª

Liminarmente, dir-se-á que as questões indicadas têm a ver apenas com fixação da matéria de facto e valoração das provas, denunciando a pretensão de os recorrentes virem ao recurso manifestar a sua divergência com o acervo factual dado por assente.
Por outro lado, esta arrumação não é a mais correcta, desde logo referenciando a consequência (vícios do art.º 379.º), já que alberga categorias diferenciadas, pois a alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP reporta-se a sanção no caso de o acórdão recorrido padecer de omissão ou de excesso de pronúncia, correspondendo à transposição para o plano processual penal da norma do processo civil plasmada no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), por inobservância do disposto no artigo 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, sendo que, nenhuma das questões colocadas verdadeiramente assenta na designação escolhida, traduzindo-se em erro de casting, com a qual nada tem a ver o erro na matéria de facto e os vícios de insuficiência para decisão da matéria de facto provada e o erro notório na apreciação, que são vícios decisórios relativo a matéria de facto, bem como o princípio in dubio pro reo.

Vejamos cada uma das questões.

Antes de avançarmos quanto à apreciação do vício do artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP, até porque vem suscitada igualmente a existência de outro vício, o erro notório na apreciação da prova, convém averiguar da legitimidade de arguição dos vícios no presente recurso, consabido sendo que com a decisão da Relação se encerra o ciclo da matéria de facto.

Os vícios do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal são vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei.
Vícios da decisão, não do julgamento, como se exprime Maria João Antunes, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro - Março de 1994, pág. 121 – cfr. acórdão do STJ, de 05-11-1997, processo n.º 549/97-3.ª, CJSTJ 1997, tomo 3, pág. 222.
Atenta a sua estrutura, referenciados que estão os vícios decisórios ao nível da fixação da facticidade relevante, pertinente e útil, para a conformação final e definitiva do thema probandum, definindo os contornos finais e definitivos do objecto proposto pela vinculação temática concreta do caso, com vista à solução do thema decidendum, não faz sentido assacar a existência de tais vícios ao acórdão ora recorrido, o que seria possível apenas e tão só num quadro em que a Relação fixasse factualidade em função de renovação da prova, o que não é de todo o caso, para nos referirmos apenas à actuação da Relação em sede de recurso. (Tal possibilidade de sindicância em matéria de facto poderá ter lugar, obviamente, quando a Relação funcionar como primeira instância).
A questão que se coloca, no que respeita aos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova, para mais correspondendo a sua invocação a uma reedição da arguição feita no recurso anterior para a Relação, é a de saber se após uma primeira invocação dos vícios perante o Tribunal da Relação é possível o recorrente repetir a arguição desses vícios – necessariamente da decisão da 1.ª instância - perante o Supremo Tribunal de Justiça, ou se se opera a preclusão dessa possibilidade.
A especificidade do caso está em os recorrentes terem impugnado a matéria de facto, nos termos mais amplos consentidos pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Penal e em simultâneo invocarem a ocorrência destes vícios, cuja detecção apenas por via da análise do texto pode ser alcançada, para além de esgrimirem com alegada errada valoração das provas, e violação do princípio in dubio pro reo.
E, perante a presente arguição dos vícios decisórios em causa, é de colocar a questão de saber se o Supremo Tribunal de Justiça pode deles conhecer em recurso interposto de decisão do Tribunal da Relação.

Como é sabido, a partir de 01-01-1999, na sequência da reforma do CPP, operada pela Lei n.º 59/98, de 25-08, deixou de ser possível interpor recurso para o STJ com fundamento na verificação dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, isto é, a incursão do STJ no plano fáctico da forma restrita consentida por esse preceito não é já possível face a questão colocada pelo interessado, ou seja, como fundamento do recurso, a pedido de recorrente, mas tão-só por iniciativa própria deste Supremo Tribunal, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação, ou assente em premissas contraditórias detectadas pelo STJ, ou seja, se concluir que por força da existência de qualquer dos vícios não pode chegar a uma correcta solução de direito e devendo sempre o conhecimento oficioso ser encarado como excepcional, surgindo como último remédio contra tais vícios, conforme é jurisprudência corrente.
Nada impede o STJ, em tais casos, de conhecer oficiosamente dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. E compreende-se que assim seja. Para proceder a uma adequada revisão da matéria de direito, é necessário que a matéria de facto se encontre perfeitamente estabilizada.
Neste sentido, diversos arestos deste Supremo Tribunal, de que são exemplo: os acórdãos de 17-01-2001 (processo n.º 2821/00 - 3.ª); de 25-01-2001 (processo n.º 3306/00 - 5.ª).ª), publicados em CJSTJ 2001, tomo 1, págs. 210, 222 , respectivamente; acórdão de 04-10-2001 (processo n.º 1801/01 - 5.ª), em CJSTJ 2001, tomo 3, pág. 182 (aqui se esclarecendo que o Tribunal de recurso tem o poder-dever de fundar a “boa decisão de direito” numa “boa decisão de facto”, ou seja, numa decisão que não padeça de insuficiências, contradições insanáveis da fundamentação ou erros notórios na apreciação da prova); de 27-05-2004 (processo n.º 766/04 - 5.ª), em CJSTJ, 2004, tomo 2, pág. 209 (o STJ só pode/deve conhecer dos vícios se concluir que, por força da existência de qualquer deles, não pode chegar a uma correcta solução de direito); de 20-12-2006 (processo n.º 3505/06 - 3.ª), em CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 248; de 24-05-2007 (processo n.º 1409/07 - 5.ª), em CJSTJ, 2007, tomo 2, pág. 200; de 15-02-2007, nos processos n.ºs 15/07 e 513/07 (defendendo-se neste o conhecimento oficioso dos vícios como preâmbulo do conhecimento do direito), ambos da 5.ª Secção; de 24-10-2007, processo n.º 3238/07; de 13-02-2008, processo n.º 4729/07; de 12-03-2008, processo n.º 112/08; de 26-03-2008, processo n.º 4833/07; de 21-05-2008, processo n.º 678/08; e de 02-07-2008, processo n.º 3861/07, todos da 3.ª secção.
Na fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20-10-2005, in DR Série I-A, de 07-12-2005, refere-se que a indagação dos vícios faz-se “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto”.
Por outro lado, continua em vigor o Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ n.º 7/95, de 19-10-1995, in DR, Série I-A, nº 298, de 28-12-1995, que, no âmbito do sistema de revista alargada, decidiu ser oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.
Em suma, o STJ conhece oficiosamente desses vícios quando, num recurso restrito exclusivamente à matéria de direito, constate que, por força da inquinação da decisão recorrida por algum deles, não possa conhecer de direito sob o prisma das várias soluções jurídicas que se apresentem como plausíveis.
No caso de recurso interposto de acórdão da Relação, como ora ocorre, porém, o recurso – agora puramente de revista – terá de visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito, com exclusão dos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento da 1.ª instância, admitindo-se que o Supremo se possa abster de conhecer do fundo da causa e ordenar o reenvio nos termos processualmente estabelecidos em certos casos.
É que, mesmo nos recursos interpostos directamente deixou de ser possível recorrer-se com fundamento na existência de qualquer dos vícios constantes das três alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, o mesmo se passando com os recursos interpostos da Relação, sendo jurisprudência constante e pacífica deste Supremo Tribunal que no recurso para este Tribunal das decisões finais do tribunal colectivo já apreciadas pelo Tribunal da Relação, está vedada a arguição dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, posto que se trata de matéria de facto, ou seja, de questão que se não contém nos poderes de cognição do STJ, o que significa que está fora do âmbito legal dos recursos a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, em tudo o que foi objecto de conhecimento/decisão pela Relação – cfr. acórdãos de 11-12-2003, processo n.º 3399 - 3.ª, de 22-04-2004 e de 01-07-2004, CJSTJ 2004, tomo 2, págs. 165 e 239, de 08-02-2007, processo n.º 159/07 - 5.ª, de 21-02-2007, processo n.º 260/07 - 3.ª, de 28-02-2007, processo n.º 4698/06 - 3.ª, de 08-03-2007, processos n.ºs 447/07 e 649/07 - 5.ª, de 15-03-2007, processos n.ºs 663/07 e 800/07 - 5.ª, de 29-03-2007, processos n.ºs 339/07 e 1034/07 - 5.ª, de 19-04-2007, processo n.º 802/07 - 5.ª, de 03-05-2007, processo n.º 1233/07 - 5.ª.

Todavia, como se referiu, a incursão no plano fáctico é ainda possível, não já face a questão colocada pelo interessado, mas por iniciativa própria do Supremo Tribunal de Justiça.
Só com o âmbito restrito consentido pelo artigo 410.º, n.º 2, do CPP, com o incontornável pressuposto de que o vício há-de derivar do texto da decisão recorrida, o STJ poderá avaliar da subsistência dos vícios da matéria de facto, o que é aplicável a recurso interposto da Relação.
Nos acórdãos de 08-02-2006, processo n.º 98/06 - 3.ª; de 15-02-2006, processo n.º 4412/05 - 3.ª; de 15-03-2006, processo n.º 2787/05 - 3.ª; de 22-03-2006, processo n.º 475/06 - 3.ª; de 08-02-2007, processo n.º 159/07 - 5.ª; de 21-02-2007, processo n.º 260/07 - 3.ª; de 15-03-2007, processos n.ºs 663/07 e 800/07, ambos da 5.ª secção; de 02-05-2007, processo n.º 1238/07 - 3.ª e de 21-06-2007, processo n.º 1581/07 - 5.ª; de 28-05-2008, processo n.º 1147/08 - 3ª; de 12-06-2008, processo n.º 4375/07-3ª, admite-se o conhecimento oficioso dos vícios por parte do Supremo, mesmo nos casos em que o recurso vem interposto de acórdão da Relação.
Como se extrai do acórdão de 26-02-2004, processo n.º 267/04 - 5.ª Secção, está fora do âmbito legal do recurso para o Supremo a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, em tudo o que foi objecto de conhecimento pela Relação, sem prejuízo de o tribunal de revista, por sua iniciativa, conhecer daqueles vícios porventura patenteados no acórdão da Relação.
Como se consignou nos acórdãos de 05-12-2007, processo n.º 3406/07, de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 e de 22-10-2008, processo n.º 215/08, por nós relatados, nestes casos de recurso de acórdão da Relação para o Supremo, em que o recurso é puramente de revista, cingindo-se a matéria de direito, é de admitir, exactamente pelas mesmas razões supra-expostas que sustentam a cognição oficiosa – razões de necessidade de certificação de substrato fáctico bastante, congruente, compatível, harmonioso e válido para suportar a decisão de direito – o exame oficioso da existência ou não dos vícios decisórios ao nível do assentamento da facticidade relevante.

Com estes pressupostos indagar-se-á, oficiosamente, da verificação dos aludidos vícios.


1 - Vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP.
A declaração de perda das quantias apreendidas a favor do Estado

No recurso para a Relação a questão agora abordada pelos recorrentes sob a designação inicial de “omissão de pronúncia” foi colocada em sede de vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal - conclusões 74.ª, 75.ª e 76.ª, como se alcança de fls. 2260/1.
No presente recurso o tema foi sintetizado nas conclusões 26.ª a 28.ª e aí tratado como omissão de pronúncia.
Esta discrepância determinou o despacho do relator de fls. 3374, na sequência do qual a designação foi corrigida para vício do artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do CPP.
O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, verifica-se quando a matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada, porque o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto; ocorre quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição.
A insuficiência prevista na alínea a) determina a formação incorrecta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas. A matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta, legal e justa. Insuficiência em termos quantitativos, porque o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto.
A propósito do vício em referência é dado adquirido que a matéria de facto só é insuficiente para a decisão proferida quando se verifique uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para a decisão de direito, quando os factos assentes não são substracto necessário e suficiente para justificar a decisão de direito assumida.

Tal vício só pode ter-se como evidente quando a factualidade provada não chega para justificar a decisão de direito, ou seja, para a subsunção na norma incriminadora, considerando todos os seus elementos típicos – cfr. acórdão do STJ de 13-01-1998, processo n.º 877/97 - 3.ª, BMJ n.º 473, pág. 307.

Ou, como se diz no acórdão do STJ, de 25-03-1998, processo n.º 53/98 - 3.ª, BMJ n.º 475, pág. 502, está-se na presença de tal vício quando os factos colhidos, após o julgamento, não consentem, quer na sua objectividade quer na sua subjectividade, dar o ilícito como provado.
Ou ainda, na formulação do acórdão de 20-10-1999, processo n.º 1452/99-3ª, o vício só pode considerar-se verificado “quando os factos apurados são insuficientes para se decidir sobre o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de crimes verificáveis e dos demais requisitos necessários à decisão de direito e é de concluir que o tribunal a quo podia ter alargado a sua investigação a outro circunstancialismo fáctico suporte bastante dessa decisão”.
Noutra formulação, o vício consiste numa carência de factos que permitam suportar uma decisão dentro do quadro das soluções de direito plausíveis e que impede que sobre a matéria de facto seja proferida uma decisão de direito segura; a “insuficiência” relevante não pode ser considerada apenas em relação a uma concreta decisão que esteja em causa, devendo atender-se, para aferir a carência factual para uma decisão segura, ao quadro das várias soluções plausíveis da questão de direito - acórdãos do STJ, de 24-04-2006, processo n.º 363/06; de 24-05-2006, processo n.º 816/06; de 20-12-2006, processo n.º 3379/06 - 3.ª, sendo os dois primeiros citados no acórdão de 23-04-2008, processo n.º 1127/08, todos da 3.ª secção – cfr. ainda, i.a., os acórdãos do STJ, de 22-10-97, processo n.º 612/97; de 12-03-1998, BMJ n.º 475, pág. 492; de 09-12-1998, processo n.º 1165/98; de 13-01-1999, in BMJ n.º 483, pág. 49; de 02-06-1999, processo n.º 288/99; de 15-05-2002, processo n.º 857/02 - 3.ª (insuficiência para formulação de juízo sobre a correcção da pena aplicada); de 01-07-2004, processo n.º 2691/04 - 5.ª (insuficiência no segmento em que se decidira do condicionamento da suspensão da pena).
Na formulação constante do acórdão do STJ de 15-02-2007 (processo n.º 3174/06 - 5.ª), o vício a que alude a alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP, só ocorrerá quando da factualidade vertida na decisão se colher faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados ou descritos, impossibilitem, por sua ausência, um juízo seguro (de direito) de condenação ou de absolvição. Trata-se da formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada.
Do acórdão do STJ de 05-09-2007, processo n.º 2078/07 - 3.ª, extrai-se o seguinte: «O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada resulta da circunstância de o tribunal não ter esgotado os seus poderes de indagação relativamente ao apuramento da matéria de facto essencial, ou seja, quando o tribunal, podendo e devendo investigar certos factos, omite esse seu dever, conduzindo a que, no limite, se não possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição. Trata-se, pois, de vício que resulta do incumprimento por parte do tribunal do dever que sobre si impende de produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa – art. 340.º, n.º 1, do CPP.
E como se referia no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-05-1994, processo n.º 45829, in CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 224 e BMJ n.º 437, pág. 228, não integra o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nem qualquer outro dos outros previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o facto de o recorrente pretender «contrapor às conclusões fácticas do tribunal a sua própria versão dos acontecimentos, o que desejaria ter visto provado e não o foi».

No caso presente, no fundo, o que está em causa é especificamente - e tão só - a questão da declaração de perda a favor do Estado das quantias apreendidas aos recorrentes aquando da sua detenção em 14 de Maio de 2007, entendendo os recorrentes que a matéria de facto dada como provada não é suficiente para comportar e ancorar a declaração de perda das referidas quantias em dinheiro.
No nosso caso, não ocorre qualquer insuficiência ao nível fáctico.
A este propósito decorre do artigo 36.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, que são perdidos a favor do Estado, sem prejuízo de terceiros de boa fé, os objectos, direitos e vantagens que, através da infracção, tiverem sido directamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem.
Nos pontos de factos provados n.º 26 - quanto ao arguido AA - n.º 29, no que respeita ao arguido BB - e no n.º 31, relativamente ao arguido CC Hodson - dão-se como provadas, aquando das respectivas detenções, as apreensões das quantias, respectivamente, de € 1 600, € 1 150 e € 1 475, em numerário.
De seguida, no ponto n.º 34 consta como facto provado: “As quantias apreendidas destinavam-se ao pagamento das actividades supra descritas desenvolvidas pelos arguidos e os bens visavam a realização das actividades descritas” (sublinhado nosso).
No texto do acórdão do Colectivo de Almodôvar, a fls. 1827, em sede de motivação quanto à factualidade descrita no ponto de facto provado n.º 34, não deixou de se fazer notar que os arguidos eram portadores de quantias de dinheiro assinaláveis, e acrescentou o acórdão: “Ora, é sabido que as actividades relativas ao tráfico de estupefacientes são “bem remuneradas”, pelo que não se imagina que os arguidos (um deles, o CC , aparentando condições económicas mais precárias) se tenham decidido a participar no esquema delituoso (com o risco, aliás, verificado, de serem apanhados) sem receber uma remuneração pelos seus serviços.
Por outro lado, nenhum deles justificou a proveniência de tais quantias.
Assim sendo, à luz das regras da experiência – e à falta de qualquer explicação para que todos eles detenham quantias como € 1 475, € 1 600 e € 1 150 – só se poderá concluir que aquele dinheiro visava o pagamento dos serviços que cada um prestava”.
E em consonância, e na sequência do dantes exposto, em sede de fundamentação de direito, consta do mesmo acórdão o seguinte trecho, a fls. 1862: «57. Por fim, de acordo com o artigo 36.º, n.º 2 tem ainda que ser declarado perdido a favor do Estado todas as quantias que foram apreendidas».
E no dispositivo:
«Declara-se ainda perdido a favor do Estado, ao abrigo dos artigos 35.º, n.º 1 e 36.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, dos seguintes bens …
d) todas as quantias monetárias apreendidas»

Como se acentua no acórdão do Colectivo de Almodôvar os arguidos não eram donos do negócio, nem do estupefaciente, mas meros transportadores do haxixe, que receberiam retribuição pelo trabalho de transporte.
Como resulta do conjunto dos factos provados, o arguido CC era o condutor da carrinha Iveco, onde era transportado o haxixe (factos provados n.ºs 7 a 12, 17, 20), e os demais actuaram como “batedores” e fazendo a segurança daquela carrinha (factos provados n.ºs 13, 14, 22) e, em geral, quanto ao transporte, há que considerar ainda o facto provado n.º 66.
Face a todo o exposto, fácil é concluir que foi reunido o necessário e suficiente acervo fáctico, o quantum satis, para, na observância do disposto no artigo 36.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, e ao abrigo do disposto no artigo 374.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal, poder/dever ser decretada a perda do dinheiro apreendido, nada mais havendo a indagar.
Concluindo, não se verifica a ocorrência de qualquer vício decisório, nomeadamente o invocado, justificando-se, de pleno, a decretada perda a favor do Estado das quantias monetárias trazidas pelos arguidos à data da sua detenção.


2 - Erro na fundamentação (artigo 374.º, n.º 2 com a cominação do n.º 1 do artigo 379.º do CPP)

Antes do mais há que dizer que a designação escolhida é enganadora.
Com efeito, a referência aos citados preceitos do Código de Processo Penal poderia inculcar a ideia de que estava em causa a inobservância dos requisitos da sentença enunciados no n.º 2 do artigo 374.º, o que conduziria, por falta das menções ali referidas, à verificação de nulidade da mesma, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal.
Nada disso, porém, está em equação, como facilmente se conclui da leitura atenta do que se contém nas conclusões 29.ª a 44.ª
Não está em causa a fundamentação, a enumeração de factos provados e não provados, nem a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, nem a realização do exame crítico das provas coligidas.
Muito diversamente, o que verdadeiramente está em causa é a valoração das provas que o Colectivo de Almodôvar efectuou e o Tribunal da Relação de Évora corroborou e com as quais os recorrentes não concordam, o que significa que pretendem esgrimir argumentos no campo da matéria de facto, o que não é possível em recurso interposto para o Supremo.
Com efeito, começam os recorrentes por proclamar na conclusão 29.ª: “ Existe erro na fundamentação da decisão porque os factos, razões, não podem sem qualquer sombra de dúvida levar às conclusões que o Tribunal entendeu terem levado” e terminam na conclusão 44.ª afirmando “…não sendo desse ponto de vista aceitável que se confundam provas com indícios”.

A arguição dos recorrentes reconduz-se a alegada insuficiência de prova e errada valoração das provas produzidas.
No fundo, os recorrentes expressam uma manifestação de divergência com o acervo fáctico emanado do que foi deliberado pelo Colectivo e confirmado pela Relação, pretendendo, afinal, discutir as provas.
Dir-se-ia estarmos face a uma “segunda via” de impugnação da matéria de facto agora completamente fora dos cânones previstos. Na realidade, o que se diz ao longo das conclusões é uma outra maneira de dizer, mas procurando o mesmo objectivo, sindicar a matéria de facto, impugnar as provas, tentar demonstrar que os recorrentes não tiveram participação no crime de tráfico nos termos que provados ficaram.
Estas alegações foram debatidas e afastadas no acórdão recorrido, como se viu supra, não sendo possível e viável a sua reedição.
Os recorrentes no anterior recurso para a Relação impugnaram a matéria de facto e invocaram do mesmo modo o alegado erro de fundamentação, reeditando agora de novo esta arguição – cotejando os recursos verifica-se que as conclusões 39.ª, 40.ª, 41.ª, 42.ª, 43.ª e 44.ª do presente recurso são a cópia integral das conclusões 57.ª, 58.ª, 59.ª, 60.ª, 62.ª, 63.ª e 64.ª do recurso interposto para a Relação - olvidando não só que as suas pretensões se situam no plano da matéria de facto, que se não contém nos poderes de cognição deste Supremo Tribunal, como o facto de a decisão recorrida ser agora o acórdão da Relação e não o acórdão do Colectivo.
Neste aspecto da valoração das provas, dir-se-á que na análise a efectuar não pode deixar de ter-se em conta que a fixação da matéria de facto teve na sua base uma apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127.º do CPP, o que é insindicável no presente recurso.
O que na realidade os recorrentes fazem é manifestar a sua discordância com o decidido ao nível do assentamento da facticidade dada como apurada, pretendendo discutir de novo a prova, suscitar a questão da sua valoração, impugnar a convicção adquirida pelos julgadores sobre os factos pertinentes à configuração do crime por que foram condenados, alterando a matéria de facto assente, tendo como objectivo final a absolvição, olvidando por completo a regra da livre apreciação da prova ínsita no aludido preceito do CPP.
Como inúmeras vezes tem sido frisado por este Supremo Tribunal, são totalmente irrelevantes as considerações que os recorrentes fazem no sentido de pretenderem discutir a prova feita no julgamento e de solicitarem que este Tribunal de recurso modifique tal prova e passe a aceitar como realidade aquilo que o interessado pretende corresponder ao sentido do que teria resultado do julgamento.
A crítica ao julgamento de facto, a divergência e as considerações dos recorrentes quanto à avaliação e valoração das provas feitas pelo Colectivo de Almodôvar e já debatida no acórdão em recurso é irrelevante, de acordo com jurisprudência corrente há muito firmada, pois o Supremo Tribunal de Justiça não pode considerá-la, sob pena de estar invadir o campo da apreciação da matéria de facto que o colectivo faz de harmonia com o artigo 127.º do Código de Processo Penal, - acórdãos do STJ, de 19-09-1990, BMJ n.º 399, pág. 260; de 29-06-94, processo n.º 45.530, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 258; de 21-06-1995, BMJ n.º 448, pág. 278 (a versão do recorrente sobre a valoração da prova não integra o vício do erro notório); de 10-07-1996, processo n.º 48675, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 229 (maxime, 243); de 01-10-1997, processo n.º 876/97-3.ª; de 08-10-1997, processo n.º 874/97-3.ª; de 06-11-1997, processos n.ºs 666/97 e 122/97; de 18-12-1997, processos n.ºs 47325 e 930/97, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (Assessoria) volume II, págs. 156, 158, 216 e 220; de 19-01-2000, processo n.º 871/99-3ª; de 06-12-2000, processo n.º 733/00.
Ou, como se dizia no acórdão de 18-12-1997, processo n.º 701/97, Sumários, ibid., pág. 220, a convicção do tribunal não pode ser tida por errada apenas porque as partes, eventualmente, valoram a prova de modo diverso.
Como esclareceu o acórdão de 21-05-1992, BMJ n.º 417, pág. 404, “O STJ, como tribunal de revista, não dispõe de poderes de crítica ou censura sobre o concreto desempenho do princípio da livre apreciação da prova exercitada pelo tribunal a quo” e o acórdão de 25-03-1998, BMJ n.º 475, pág. 502, esclareceu que “O STJ não pode sindicar a valorização das provas feita pelo Colectivo em termos de o criticar por não ter sido dada prevalência a uma em detrimento de outra” - cfr. acórdão de 11-02-1998, BMJ n.º 474, pág. 309, e mais recentemente, o acórdão de 08-02-2006, processo n.º 98/06-3ª, no sentido de que “a deficiente apreciação da prova produzida é matéria que escapa aos poderes do STJ”.
Fazendo aplicação destes princípios podem ver-se os acórdãos deste Supremo tribunal de 05-12-2007, processo n.º 3406/07; de 12-03-2008, processo n.º 112/08; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07; de 28-05-2008, processo n.º 1147/08; de 12-06-2008, processo n.º 4375/07; de 05-12-2008, processo n.º 2507/08; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08; de 27-05-2009, processo n.º 484/09; de 27-05-2010, processo n.º 18/07.2GAAMT.P1.S1, todos da 3.ª secção.

A impossibilidade deste Tribunal sindicar a prova produzida conduz a que seja manifesta a improcedência do recurso neste segmento, que assim, digamos, tem um objecto impossível, devendo ser rejeitado, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do CPP, preceito que nesta perspectiva não padece de inconstitucionalidade - cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 352/98, de 12-05-1998, in BMJ n.º 477, pág. 18 e nº 165/99, de 10-03-1999, in DR-II Série, de 28-02-2000 e BMJ n.º 485, pág. 93.
Como se referia no acórdão do STJ de 30-03-1995, BMJ n.º 445, pág. 355, é de rejeitar o recurso por manifesta improcedência quando o recorrente se limita a discutir matéria de facto e a livre apreciação do tribunal.
De igual sorte o acórdão de 21-06-1995, BMJ n.º 448, pág. 278: “Apresenta-se como manifestamente improcedente, e, portanto, deve ser rejeitado, o recurso cuja fundamentação se circunscreve à interpretação da prova que se diz ter sido produzida em audiência, indicando-se os factos que deveriam ter sido considerados provados, em vez dos que foram dados por provados”.
Em suma, estamos perante recurso que neste segmento se apresenta como manifestamente improcedente.
A manifesta improcedência constitui um fundamento de rejeição do recurso de natureza substancial, visando os casos em que os termos do recurso não permitem a cognição do tribunal ad quem, ou quando, versando sobre questão de direito, a pretensão não estiver minimamente fundamentada ou for claro, simples, evidente e de primeira aparência que não pode obter provimento. Será o caso típico de invocação contra a matéria de facto directamente provada, de discussão processualmente inadmissível sobre a decisão em matéria de facto, ou de o recurso respeitar à qualificação e à medida da pena e não ser referida nem existir fundamentação válida para alterar a qualificação acolhida ou a pena que foi fixada pela decisão recorrida – acórdão do STJ, de 22-11-2006, processo n.º 4084/06 - 3ª .
Ou, quando, através de uma avaliação sumária dos fundamentos do recurso, se puder concluir, sem margem para dúvidas, que o mesmo será claramente votado ao insucesso, que os seus fundamentos são inatendíveis – acórdãos de 17-10-1996, processo n.º 633/96, de 06-05-1998, processo n.º 113/98, de 05-04-2000, processo n.º 47/00.
Daqui resulta que se revelam processualmente inoportunas, impertinentes e irrelevantes as considerações contidas nas conclusões 29.ª a 44.ª.

Pelo exposto, neste segmento, é de rejeitar o recurso por manifestamente improcedente.

3 - Erro notório na apreciação da prova (Artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do C.P.P.)

Antes do mais há que relembrar o que foi focado supra acerca da impossibilidade de reedição de arguição de vícios decisórios por parte dos arguidos recorrentes, por um lado, e, por outro, a capacidade cognitiva, oficiosa, por parte do Supremo.
Os recorrentes nas conclusões 45.ª a 52.ª reeditam a alegação deste vício, que o acórdão recorrido abordou de forma completa e fundamentada, de fls. 84 a 88 (fls 3015 a 3019 dos autos), concluindo pela sua não verificação.
Erro notório na apreciação da prova é aquele que é de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores; não se pode confundir este erro com a opinião que o recorrente formulou sobre a prova produzida, divergente da que veio a vingar.
O apontado vício é aquele que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade, que é patente, só podendo relevar, como foi dito no acórdão do STJ de 01-10-1997, processo n.º 243/97-3.ª, se for ostensivo, inquestionável e perceptível pelo comum dos observadores ou pelas faculdades de apreciação do “homem médio”.
Como se extrai do acórdão do STJ, de 01-10-1997, processo n.º 627/97-3.ª, o vício existe quando se dão por provados factos que, face às regras de experiência comum e à lógica corrente, do homem médio, não se teriam podido verificar ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsos. Trata-se de um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial.
O erro notório na apreciação da prova não pode resultar da mera divergência de qualquer dos sujeitos processuais relativamente ao decidido – acórdão de 18-12-97, processo n.º 701/97-3.ª, Sumários Assessoria, pág. 220.

Na análise a efectuar para detecção do vício há que ter em conta que a fixação da matéria de facto teve na sua base uma apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127.º do CPP.
Os vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, nomeadamente o erro notório na apreciação da prova, não podem, por outro lado, ser confundidos com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova, princípio inscrito no citado normativo - artigo 127.º do CPP.
Não se estando face a prova vinculada ou tarifada não se pode sindicar a boa ou má valoração daquela, que escapa à censura do Supremo Tribunal de Justiça (acórdãos de 04-12-97, processo n.º 1018/97-3.ª e de 18-12-97, processo n.º 47325-3.ª, Sumários, págs. 199 e 216) e querer discutir, nessas condições, a valoração da prova produzida é afinal querer impugnar a convicção do tribunal, olvidando a citada regra.
Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é essa convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, a convicção pessoalmente alcançada pelos recorrentes sobre os factos.
O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas. Tendo como denominador comum a sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do vício se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto.
A invocação do erro notório na apreciação da prova só é possível e viável quando reportado ao texto da decisão e não se direccionado ao modo de valoração das provas, nomeadamente, a pretender socorrer-se de elementos estranhos ao texto da decisão recorrida, como a referência ao mapa Sapo/Google (conclusão 46.ª), como fazem os recorrentes, que inclusive, uma vez mais, nesta sede, referem a prova proibida que se refere à leitura da memória do telemóvel (conclusão 51.ª), pretendendo-se uma discussão que, por força daquele inultrapassável limite, não pode obviamente ter lugar.
Como se referia no acórdão de 06-11-97 processo n.º 471/97-3.ª, Sumários Assessoria, 1997, pág. 157, não há erro na apreciação da prova quando o que o recorrente invoca não é mais do que uma discordância sua quanto ao enquadramento da matéria provada.
Em verdade o que os recorrentes classificam como erro na apreciação da prova mais não é do que a expressão de uma divergência, que se reconduz afinal à discordância em relação ao decidido e confirmado pelas instâncias, o que de resto é patente nas referências à formação da convicção dos julgadores.

Pelo que improcede totalmente a arguição do referido vício.

4 – Violação do princípio in dubio pro reo

Relacionada com a anterior e em sequência da mesma, colocam os recorrentes esta questão nas conclusões 52.ª, 53.ª e 54.ª, pretendendo a sua absolvição, fazendo-o apenas agora, não a tendo suscitado no recurso para a Relação, mas apenas já no recurso anterior dirigido ao Supremo, exactamente nas conclusões 53.ª e 54.ª, pelo que se está face a uma questão nova, mas que se abordará pelas mesmas razões porque se apreciou a anterior.

O princípio in dubio pro reo funda-se constitucionalmente no princípio da presunção da inocência até ao trânsito em julgado da sentença condenatória – artigo 32.º, n.º 2, da CRP - , impondo este que qualquer non liquet na questão da prova seja valorado a favor do arguido, apresentando-se aquele, na fase de decisão, como corolário daquela presunção – acórdão do Tribunal Constitucional n.º 533/98, DR, II Série, de 25-02-1999.
O princípio in dubio pro reo - fórmula condensada por Stubel - que estabelece que, na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, é um princípio de prova que vigora em geral, isto é, quando a lei, através de uma presunção, não estabelece o contrário.
A violação do princípio in dubio pro reo tem sido entendida sob diversas perspectivas, como a de respeitar a matéria de prova e, pois, tratar-se de matéria de facto e como tal insindicável pelo STJ (por todos, acórdão de 18-12-1997, processo n.º 930/97, BMJ n.º 472, pág. 185), ou enquanto princípio estruturante do processo penal, podendo ser suscitada perante o Tribunal de revista, mas o Supremo vem afirmando que isso só é possível se a violação resultar do próprio texto da decisão recorrida, designadamente, da fundamentação da decisão de facto – acórdão de 29-11-2006, processo n.º 2796/06-3.ª, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 235 (maxime, 239).
Contrariamente à posição de Figueiredo Dias, expressa in Direito Processual Penal, volume I, pág. 217, que defende que o princípio se assume como um princípio geral de processo penal, não forçosamente circunscrito a facetas factuais, podendo a sua violação conformar também uma autêntica questão de direito plenamente cabível dentro dos poderes de cognição do STJ, a jurisprudência maioritária tem repudiado a invocação do princípio em sede de interpretação ou de subsunção de um facto à lei, não valendo para dúvidas nessas matérias.
Para o acórdão de 06-04-1994, processo n.º 46092, BMJ n.º 436, pág. 248, o princípio não tem aplicação apenas quanto à matéria de facto, começando, logo, por poder ser aplicado na própria interpretação da matéria de direito, esclarecendo que “nada impede que, em via de recurso penal interposto para este Supremo Tribunal, os julgadores se socorram do princípio in dubio pro reo, quando, esgotados todos os meios de interpretação dos factos ou das disposições legais, surgirem dúvidas justificadas quanto ao sentido dos factos ou relativamente à norma aplicável”.
Segundo o acórdão de 17-04-1997, BMJ n.º 466, pág. 227, o princípio é insindicável quer na sua versão de incidência fáctica – regendo então a prova, o que não pode ser apreciado por este Tribunal – quer na sua incidência jurídico-normativa, porquanto nunca pode subsistir qualquer dúvida sobre a norma aplicável em face do sistema da interpretação e integração das leis.
E de acordo com o acórdão de 11-02-1999, CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 210, o princípio in dubio pro reo é multifacetado e a sua força omnímoda e dinamismo podem e devem aplicar-se mesmo dentro dos processos lógicos que interessam à interpretação e integração da lei.
Este acórdão foi objecto de comentário na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, 2003, ano 13, n.º 3, págs. 433 e ss., onde se diz que o STJ adoptou uma tese errónea em relação à aplicabilidade do princípio, defendendo-se que o alcance do in dubio pro reo restringe-se a dúvidas sobre a prova da matéria de facto e não tem aplicação na resolução de dúvidas quanto à interpretação de normas penais, cuja única solução correcta reside em escolher, não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que se revele juridicamente mais exacto.
Em sentido oposto, pronunciaram-se, i. a., os acórdãos de 06-12-2006, processo n.º 3520/06-3.ª; de 20-12-2006, processo n.º 3105/06-3.ª; de 23-04-2008, processo n.º 899/08, onde se refere que «O princípio vale apenas em relação à prova da questão de facto e já não a qualquer dúvida suscitada dentro da questão de direito; aqui, a única solução correcta residirá em escolher não o entendimento mais favorável ao arguido, mas sim aquele que juridicamente se reputar mais exacto» e no acórdão de 30-04-2008, processo n.º 3331/07-3.ª, diz-se que «O princípio in dubio pro reo não tem quaisquer reflexos ao nível da interpretação das normas penais. Em caso de dúvida sobre o conteúdo e o alcance destas, o problema deve ser solucionado com recurso às regras de interpretação, entre as quais o princípio do in dubio pro reo não se inclui, uma vez que este tem implicações exclusivamente quanto à apreciação da matéria de facto – sejam os pressupostos do preenchimento do tipo de crime, sejam os factos demonstrativos da existência de uma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa».

A eventual violação do princípio in dubio pro reo só pode ser aferida pelo STJ quando da decisão impugnada resulta, de forma evidente, que tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto, que tenha chegado a um estado de dúvida “patentemente insuperável” e que, nesse estado de dúvida, decidiu contra o arguido, optando por um entendimento decisório desfavorável ao arguido, posto que saber se o tribunal recorrido deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto que exorbita os poderes de cognição do STJ enquanto tribunal de revista.
Não se verificando esta hipótese, resta a aplicação do mesmo princípio enquanto regra de apreciação da prova, no âmbito do dispositivo do artigo 127.º do CPP, que escapa ao poder de censura do STJ enquanto tribunal de revista – neste sentido ver acórdãos de 20-06-1990, BMJ n.º 398, pág. 431; de 04-07-1991, BMJ n.º 409, pág. 522; de 14-04-1994, processo n.º 46318, CJSTJ 1994, tomo 1, pág. 265; de 12-01-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 181; de 06-03-1996, CJSTJ 1996, tomo 2 (sic), pág. 165;de 02-05-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 177; de 25-02-1999, BMJ n.º 484, pág. 288; de 15-06-2000, processo n.º 92/00-3.ª, CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 226 e BMJ n.º 498, pág.148; de 02-05-2002, processo n.º 599/02-5.ª; de 23-01-2003, processo n.º 4627/02-5.ª; de 15-10-2003, processo n.º 1882/03-3.ª; de 27-05-2004, processo n.º 766/04-5.ª, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 209 (a alegada violação do princípio só poderá ser sindicada se ela resultar claramente dos textos das decisões recorridas); de 21-10-2004, processo n.º 3247/04-5ª, CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 198 (com recensão de jurisprudência sobre o tema e em concreto sobre a temática das conclusões que as instâncias retiram da matéria de facto e o recurso às presunções naturais); de 12-07-2005, processo n.º 2315/05-5.ª; de 07-12-2005, processo n.º 2963/05-3.ª; de16-05-2007, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 182; de 20-02-2008, processo n.º 4553/07-3.ª; de 05-03-2008, processo n.º 210/08-3.ª, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 243; de 09-04-2008, processo n.º 429/08-3.ª; de 23-04-2008, processo n.º 899/08-3.ª; de 15-07-2008, processo n.º 1787/08-5.ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3.ª.
Noutra perspectiva, o STJ poderá sindicar a aplicação do princípio, quando a dúvida resultar evidente do texto da decisão recorrida em termos análogos aos dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, ou seja, quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal tendo ficado em estado de dúvida, decidiu contra o arguido – cfr. acórdãos de 30-10-2001, processo n.º 2630/01-3.ª; de 06-12-2002, processo n.º 2707/02-5.ª; de 08-07-2004, processo n.º 1121/04-5.ª, SASTJ, n.º 83; de 24-11-2005, processo n.º 2831/05-5.ª; de 07-12-2006, processo n.º 3137/06-5.ª; de 18-01-2007, processo n.º 4465/06-5.ª; de 21-06-2007, processo n.º 1581707-5.ª; de 13-02-2008, processo n.º 4200/07-5.ª; de 17-04-2008, processo n.º 823/08-3.ª; de 07-05-2008, processo n.º 294/08-3.ª; de 28-05-2008, processo n.º 1218/08-3.ª; de 29-05-2008, processo n.º 827/08-5.ª; de 15-10-2008, processo n.º 2864/08-3.ª; de 16-10-2008, processo n.º 4725/07-5.ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3.ª;de 04-12-2008, processo n.º 2486/08-5.ª; de 05-02-2009, processo n.º 2381/08-5.ª (A apreciação pelo Supremo da eventual violação do princípio in dubio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto: há-de ser pela mera análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio).
Na perspectiva, mais concreta - e que data de finais da década de 90 do século passado - de análise do princípio in dubio pro reo, como figura próxima do vício decisório - erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP - , e, pois, da sua sindicabilidade pelo Supremo Tribunal, podem ver-se os acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97-3.ª, Sumários Assessoria do STJ, n.º 14, pág. 132; de 15-04-1998, processo n.º 285/98-3.ª, in BMJ n.º 476, pág. 82; de 22-04-1998, processo n.º 120/98-3.ª, BMJ, n.º 476, pág. 272; de 04-11-1998, processo n.º 1415/97-3ª, in CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 201 e BMJ n.º 481, pág. 265, com extensa informação acerca do princípio em causa e da livre apreciação da prova; de 27-01-1999, no processo nº 1369/98-3ª, in BMJ n.º 483, pág. 140; de 24-03-1999, processo n.º 176/99-3.ª, in CJSTJ 1999, tomo 1, pág. 247, todos do mesmo relator, Exmo. Conselheiro Leonardo Dias, em que a tónica do entendimento sufragado nos citados arestos é o seguinte: “o erro na apreciação da prova só existe quando, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, resulta por demais evidente a conclusão contrária àquela a que chegou o tribunal. Nesta perspectiva, a violação do princípio in dubio pro reo pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova, o que significa que a sua existência também só pode ser afirmada quando, do texto da decisão recorrida, se extrair, por forma mais do que evidente, que o colectivo, na dúvida, optou por decidir contra o arguido”; e ainda os acórdãos de 20-10-1999, processo n.º 1475/98 -3.ª, in BMJ n.º 490, pág. 64 (em que aquele relator intervém como adjunto); de 04-10-2006, processo n.º 812/2006-3.ª; de 11-04-2007, processo n.º 3193/06-3.ª.
Como referimos no acórdão de 05-12-2007, proferido no processo n.º 3406/07, parece-nos que esta possibilidade de abordagem de eventual violação do princípio será balizada pelos parâmetros de cognoscibilidade presentes numa indagação dos vícios decisórios, por um lado, com o consequente alargamento de possibilidade de incursão de exame no domínio fáctico, mas simultaneamente, como ali ocorre, operando de uma forma mitigada, restrita, que se cinge ao texto da decisão recorrida, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum.
O que significa que, tal como ocorre na análise e exame de verificação dos vícios, quando se perspectiva indagação de eventual violação do princípio in dubio pro reo (em ambos os casos diversamente do que ocorre com a avaliação de nulidades da sentença), há que não esquecer que se está sempre perante um poder de sindicância de matéria fáctica, que é limitado, restrito, parcial, mitigado, exercido de forma indirecta, dentro do condicionalismo estabelecido pelo artigo 410.º do CPP, em suma, que o horizonte cognitivo do STJ se circunscreve ao texto da decisão, não incidindo sobre o julgamento, isto é, que o objecto da apreciação será sempre a decisão e não o julgamento.

No nosso caso, da análise do texto do acórdão de primeira instância não se retira que o Colectivo de Almodôvar tenha dado como provados os factos que como tal especificou, tendo dúvidas sobre a verificação de algum ou alguns deles, nomeadamente, a participação dos recorrentes no transporte realizado, o mesmo acontecendo com o acórdão recorrido, e, por outro lado, de ambos os textos, conjugados com as regras da experiência comum, não ressalta, de modo algum, que outra, como a defendida pelos recorrentes, devia ter sido a decisão sobre a matéria de facto; não resulta que perante uma dúvida sobre a prova, tenham optado por uma solução desfavorável aos arguidos, decorrendo antes que as instâncias não ficaram na dúvida em relação a qualquer facto.
Esta invocação, de resto, diga-se, não tem sequer autonomia relativamente à discordância globalmente manifestada pelos dois arguidos em relação à matéria de facto fixada, situando-se na mesma linha da invocação de erro na matéria de facto ou insuficiência de prova e do erro notório na apreciação da prova, para além da impugnação da matéria de facto nos termos do artigo 412.º, n.º s 2 e 3 do CPP.
A posição dos recorrentes, uma vez mais, não representa mais do que a sua valoração pessoal de determinados elementos de prova, valoração essa que não pode ser contraposta à conclusão a que chegaram os julgadores, ao darem como provados os factos, fundados em juízos de experiência (artigo 127.º do CPP).
Na verdade, a invocação de pretensa violação do princípio in dubio pro reo não constitui mais do que uma diversa perspectiva de colocar exactamente a mesma questão relativamente ao julgamento da matéria de facto, procurando os recorrentes, uma vez mais, contrariar a convicção das instâncias.
Inexistindo dúvida razoável na formulação do juízo factual que conduziu à condenação dos recorrentes, fica afastada a violação do princípio in dubio pro reo e da presunção da inocência, sendo de ter por assente definitivamente a matéria de facto apurada.
O acórdão recorrido não denota dúvida irredutível, da sua leitura se vendo não persistir qualquer dúvida razoável sobre os factos, por isso não tendo fundamento fazer apelo ao aludido princípio, que supõe a existência de uma dúvida. Pelo contrário, decorre da sua leitura uma tomada de posição firme e não indicando ter-se decidido contra os recorrentes.
E assim se concluindo não se vê a que título poderá ser sustentada a inconstitucionalidade aludida nas conclusões 53.ª e 54.ª, para mais tendo em conta os normativos indicados - artigos 127.º, 399.º, 400.º, n.º 1, 410.º, n.º 1 e 434.º, do Código de Processo Penal.
Improcede, pois, esta arguição.


Questão V - Medida das Penas - Parcelares e Únicas

O recorrente CC , como tema único de discordância com o decidido pela Relação de Évora, e os recorrentes AA e BB, estes nas conclusões 55.ª a 76.ª, expressam a sua divergência com as penas aplicadas, quer as parcelares, quer as únicas.
Como se viu, a propósito da questão prévia, foi já decidido não ser admissível recurso quanto às penas parcelares respeitantes aos crimes de falsificação de documento e de falsidade de declarações.
A equacionar estará assim apenas o acerto da dosimetria relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes, e a juzante, a medida concreta da pena conjunta.

Da medida das penas pelo crime de tráfico de estupefacientes

Ao crime de tráfico de estupefacientes por que foram condenados os recorrentes, p. p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, cabe a penalidade de prisão de 4 a 12 anos.
Relembrar-se-á que os recorrentes foram condenados por este crime nas seguintes penas:
CC - 9 anos e 3 meses de prisão
AA e BB – 9 anos de prisão.


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No domínio da versão originária do Código Penal de 1982, alguma jurisprudência, dizendo basear-se em posição do Professor Eduardo Correia (Actas das Sessões, pág. 20), segundo a qual o procedimento normal e correcto dos juízes na determinação da pena concreta, em face do novo Código, seria o de utilizar, como ponto de partida, a média entre os limites mínimo e máximo da pena correspondente, em abstracto, ao crime, adoptou tal orientação, considerando-se em seguida as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depusessem a favor do agente ou contra ele, sendo exemplos de tal posição os acórdãos de 13-07-1983, BMJ n.º 329, pág. 396; de 15-02-1984, BMJ n.º 334, pág. 274; de 26-04-1984, BMJ n.º 336, pág. 331; de 19-12-1984, BMJ n.º 342, pág. 233; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 19-12-1994, BMJ n.º 342, pág. 233; de 10-01-1987, processo n.º 38627 – 3.ª, Tribuna da Justiça, n.º 26; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 11-05-1988, processo n.º 39401 – 3.ª, Tribuna da Justiça, n.ºs 41/42.
Manifestou-se contra esta interpretação Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 277, págs. 210/211.
A refutação de tal critério foi feita por Carmona da Mota, in Tribuna da Justiça, n.º 6, Junho 1985, págs. 8/9 e Alfredo Gaspar, em anotação ao acórdão de 02-05-1985, in Tribuna da Justiça, n.º 7, págs. 11 e 13, dando-se conta, em ambos os casos, de que o primeiro aresto em que se verificou uma inflexão na jurisprudência foi o acórdão da Relação de Coimbra de 09-11-1983, Colectânea de Jurisprudência 1983, tomo 5, pág. 73.
Posteriormente, e ainda antes de 1995, partindo da ideia de que a culpa é a medida que a pena não pode ultrapassar nem mesmo lançando apelo às necessidades de prevenção, mesmo que acentuadas, começou a considerar-se não ser correcto partir-se dum ponto médio dos limites da moldura penal para a agravação ou atenuação consoante o peso relativo das respectivas circunstâncias, como vinha sendo entendido, salientando-se que a determinação da medida da pena não depende de critérios aritméticos. Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-1986, BMJ n.º 362, pág. 359; de 25-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 255; de 22-02-1989, BMJ n.º 384, pág. 552; de 09-06-1993, BMJ n.º 428, pág. 284; de 22-06-1994, processo n.º 46701, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 255. E no acórdão de 27-02-1991, in A. J., n.º 15/16, pág. 9 (citado no acórdão de 15-02-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 216), decidiu-se que na fixação concreta da pena não deve partir-se da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta. A determinação concreta há-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudência e equilíbrio, dentro dos cânones jurisprudenciais e da experiência, no exercício do que verdadeiramente é a arte de julgar.
Anteriormente, não manifestando preocupações de adesão à pena média, pronunciaram-se, v. g., os acórdãos de 21-06-1989, BMJ n.º 388, pág. 245 e de 17-10-1991, BMJ n.º 410, pág. 360.

Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, diz: “o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena”.
Definindo o papel que cabe à culpa na determinação concreta da pena, nos termos da teoria da margem de liberdade (Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, págs. 94 -113) é ele o seguinte: a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e da prevenção especial).

A partir de 1 de Outubro de 1995 foram alterados os dados do problema, passando a pena a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena.
A terceira alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, introduzindo a inovação, com feição pragmática e utilitária, constante do artigo 40º, ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, a reinserção social do agente do crime, o seu retorno ao tecido social lesado.
Com esta reformulação do Código Penal, como se explica no preâmbulo do diploma, não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o n.º 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».
Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71.º, n.º 1, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no artigo 375.º, n.º 1 do CPP, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. (Em sede de processo decisório, a regulamentação respeitante à determinação da pena tem tratamento autónomo relativamente à questão da determinação da culpabilidade, sendo esta tratada no artigo 368.º, e aquela prevista no artigo 369.º, com eventual apelo aos artigos 370.º e 371.º do CPP).

Figueiredo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, págs. 65 a 111, diz que o legislador de 1995 assumiu, precipitando no artigo 40.º do Código Penal, os princípios ínsitos no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida:
1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.
2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.
3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.
4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

No dizer de Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, 1998, AAFDL, pág. 25 «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial».
Américo Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322, afirma resultar do actual artigo 40.º que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção.
Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa.

Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o citado artigo 40.º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito.

Como se refere no acórdão de 28-09-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.
O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo - total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena.
Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.

Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, págs. 217/8, defende que a questão da determinação da espécie e da medida da sanção criminal redunda numa verdadeira questão de direito.

Segundo Maria João Antunes, em Consequências Jurídicas do Crime, Lições 2007-2008, págs. 19 e 20, no procedimento de determinação da pena trata-se de autêntica aplicação do direito – na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, por imposição do artigo 71.º, n.º 3, do CP. Consequentemente, há uma autonomização do processo de determinação da pena em sede processual penal (artigos 369.º, 370.º e 371.º do CPP) e a possibilidade de controlo da decisão sobre a determinação da pena em sede de recurso, ainda que este seja apenas de revista.

Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.
Ainda de acordo com o mesmo Professor, nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida (sentido estrito ou de «determinação concreta») da pena.
As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena».
Anabela Miranda Rodrigues em “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Adianta que “é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”.
Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética:
“Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.
E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.

Uma síntese destas posições sobre os fins das penas foi feita no acórdão de 10-04-1996, processo n.º 12/96, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 168, nos seguintes termos: “ O modelo de determinação da medida da pena no sistema jurídico-penal português comete à culpa a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, mas disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva. Acontece, porém, que outras exigências concorrem naquele modelo: a prevenção geral (dita de integração) que tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Cabe à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro dessa função, rectius, moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares) de advertência ou de segurança”.
Ainda do mesmo relator, e a propósito de caso de tráfico de estupefacientes, diz-se no acórdão de 08-10-1997, processo n.º 356/97-3.ª, in Sumários de Acórdãos, Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, volume II, págs. 133/4: «As “exigências de prevenção” variam em função do tipo de criminalidade de que se trata. Na criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes, com todo o seu cortejo de lesão de bens jurídicos muito relevantes, a carecerem de adequada protecção pelo direito penal - além do efeito propulsor de outras formas de criminalidade, nomeadamente contra as pessoas e contra o património, a que, a justo título, se tem chamado de “flagelo social” - são de considerar as particulares exigências de prevenção, tanto geral como especial».
Uma outra formulação, em síntese, na esteira de Figueiredo Dias, “As consequências jurídicas do crime 1993”, § 301 e ss., é a que consta dos acórdãos do STJ de 17-09-1997, processo n.º 624/97; de 01-10-1997, processo n.º 673/97; de 08-10-1997, processo n.º 874/97; de 15-10-1997, processo n.º 589/97, sendo os três últimos publicados in Sumários de Acórdãos do Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, Outubro de 1997, II volume, págs. 125, 134 e 145, e de 20-05-1998, processo n.º 370/98, este publicado na CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 205 e no BMJ n.º 477, pág. 124, todos da 3.ª Secção e do mesmo relator, nos seguintes termos: “A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.
Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal”. No sentido deste último segmento, ver do mesmo relator, os acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97 e de 17-12-1997, processo n.º 1186/97, in Sumários de Acórdãos, n.º 14, pág. 132 e n.º s 15/16, Novembro/Dezembro 1997, pág. 214.

A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada”- cfr. acórdãos de 09-11-2000, processo n.º 2693/00-5.ª; de 23-11-2000, processo n.º 2766/00 – 5.ª; de 30-11-2000, processo n.º 2808/00 – 5.ª; de 28-06-2001, processos n.ºs 1674/01-5.ª, 1169/01-5.ª e 1552/01-5.ª; de 30-08-2001, processo n.º 2806/01 – 5.ª; de 15-11-2001, processo n.º 2622/01 – 5.ª; de 06-12-2001, processo n.º 3340/01 – 5.ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5.ª; de 09-05-2002, processo n.º 628/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo n.º 585/02 – 5.ª; de 23-05-2002, processo n.º 1205/02 – 5.ª; de 26-09-2002, processo n.º 2360/02 – 5.ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02 – 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo n.º 3399/03 – 5.ª; de 04-03-2004, processo n.º 456/04 – 5.ª, in CJSTJ 2004, tomo1, pág. 220; de 11-11-2004, processo n.º 3182/04 – 5.ª; de 23-06-2005, processo n.º 2047/05 -5.ª; de 12-07-2005, processo n.º 2521/05 – 5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 - 3ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 – 3.ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 - 5ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 – 5.ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 – 5.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 – 5.ª; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 – 3.ª; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 – 3.ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 – 5.ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 – 3.ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 – 3.ª e 4832/07-3ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 – 3.ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 – 3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 – 5.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 – 5.ª e processo n.º 999/08-3.ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 – 3.ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 – 5.ª; de 03-09-2008 no processo n.º 3982/07-3.ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 – 3.ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB-3.ª; de 1-10-2009, processo n.º 185/06.2SULSB.L1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1-3.ª; de 03-12-2009, processo n.º 136/08.0TBBGC.P1.S1-3.ª; de 28-04-2010, processo n.º 126/07.0PCPRT.S1-3.ª.
Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou como diz o acórdão de 22-09-2004, processo n.º 1636/04-3.ª, in ASTJ, n.º 83: “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”.


Revertendo ao caso concreto.

Neste particular, ter-se-ão em conta as concretizações dos critérios legais estabelecidas pela decisão de primeira instância, que recolheu os elementos necessários e suficientes para o efeito e que mereceram a concordância do acórdão recorrido.
Como factor comum a todos os arguidos foi relevada na primeira instância a presença de elevadas exigências de prevenção geral, que se fazem sentir neste tipo de criminalidade, o dolo directo, a quantidade do produto, elevadíssima, os antecedentes criminais, sendo que todos eles também por tráfico todos eles por tráfico.
Quanto ao arguido AA foi tido em consideração o facto de ter trabalho, diversamente do que acontecia com os outros dois.
E que os recorrentes AA e BB eram transportadores, exercendo uma função de segurança e de batedores.
Quanto a antecedentes consideraram que o arguido BB tinha um leque mais alargado de crimes, mas de menor gravidade.
Quanto ao arguido CC foi considerado o desempenho do papel de condutor, os antecedentes leves, bem como as dificuldades económicas.
A Relação de Évora tratou a questão separadamente, referindo-se em conjunto aos recorrentes e depois ao arguido CC , referindo:
«No caso vertente há que ter em conta que os crimes de tráfico de estupefacientes têm grande repercussão social e trazem sempre consigo efeitos nefastos para a sociedade.
A quantidade de droga transaccionada, nos termos provados, é muito elevada.
Igualmente são relevantes os lucros ilícitos obtidos com as condutas dos recorrentes.
Importa também considerar o dolo directo com que agiram os recorrentes, o modo e circunstâncias da prática dos factos ilícitos, e as suas condenações anteriores.
Na ponderação de todos os elementos referidos, entende-se que são de manter as penas que lhes foram aplicadas na primeira instância,
É que, não se pode esquecer, repete-se, a quantidade muito elevada de droga transportada (cerca de duas toneladas e meia de haxixe), os relevantes antecedentes criminais dos recorrentes (alguns deles também por crimes ligados ao tráfico de estupefacientes), e o dolo directo e intenso com que os factos foram praticados, traduzido, nomeadamente, na circunstância de os arguidos serem portadores de documentação falsa (e de elaboração perfeita) e de terem dado os mesmos elementos falsos aquando da detenção pela Polícia Judiciária e da sua inquirição pelo juiz de Instrução - o que é suficientemente elucidativo quanto à preparação cuidadosa do crime de tráfico de estupefacientes em discussão nestes autos».
Quanto ao arguido CC Hodson, refere praticamente o mesmo e afirmando: «São também significativos os lucros ilícitos obtidos com a conduta do recorrente».

A primeira referência a droga transaccionada é de ter-se por mero lapso de escrita, até porque de seguida se refere correctamente droga transportada.
Mas a referência a “relevantes ou significativos lucros ilícitos obtidos com a conduta dos recorrentes” é de erradicar em absoluto, pois nem foram obtidos lucros, nem podia tal acontecer face à apreensão do haxixe, sendo certo que os arguidos não eram donos do negócio, relembrando-se que o acórdão de Almodôvar absolveu os arguidos do crime agravado pelas alíneas b) e c) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, prevendo-se na última alínea “avultada compensação remuneratória”.

Sendo uma das finalidades das penas a tutela dos bens jurídicos, definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que ter em atenção o bem jurídico tutelado no tipo legal em causa.
Neste caso, como é consabido, o crime de tráfico de estupefacientes protege uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal, embora todos eles se possam reconduzir a um mais geral: a saúde pública – cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional de 06-11-1991, in BMJ n.º 411, pág. 56, e de 10-02-1999, in DR, II Série, n.º 77, de 01-04-1999 e BMJ n.º 484, pág. 119.

No que concerne à natureza e qualidade do produto estupefaciente em causa trata-se de haxixe.
Tal substância encontra-se prevista na Tabela I-C, anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, sendo droga considerada como de menor potencialidade de dano, com menor grau de lesividade dos bens jurídicos protegidos.
Na verdade, sendo certo que o Decreto-Lei n.º 15/93 não adere totalmente à distinção entre drogas duras e drogas leves, não deixa de no preâmbulo referir uma certa gradação de perigosidade das substâncias, dando um passo nesse sentido com o reordenamento em novas tabelas e dai extraindo efeitos no tocante às sanções, e de afirmar que “A gradação das penas aplicáveis ao tráfico, tendo em conta a real perigosidade das respectivas drogas afigura-se ser a posição mais compatível com a ideia de proporcionalidade”, havendo, pois, que atender à inserção de cada droga nas tabelas anexas, o que constitui indicativo da respectiva gradação, pois a organização e colocação nas tabelas segue, como princípio, o critério da sua periculosidade intrínseca e social.
Está-se, pois, perante substância incluída na referida tabela anexa ao DL 15/93, cujo abastecimento e disseminação têm vindo a aumentar com os efeitos perniciosos conhecidos, sendo de atender às elevadas exigências de defesa do ordenamento jurídico, estando em equação por colocado em perigo e sobressalto constante, por forma directa, um dos mais apreciáveis bens da comunidade, a saúde pública, para além dos consabidos efeitos colaterais.

No que tange a motivações da conduta tem-se por certo estar presente a obtenção de vantagem patrimonial - facto provado n.º 67- no caso consubstanciado pela remuneração da sua prestação.
Os arguidos não eram donos do negócio, nem era deles a mercadoria apreendida.
A culpa é acentuada e revelada pelo modo de actuação.

No caso a actividade de tráfico desenvolvida esgotou-se na prática de um único acto, de um acto isolado de transporte.
A ter em conta as condições pessoais e sócio-económicas do arguido CC Hodson, narradas nos pontos de factos provados n.º 84 a 88.
O arguido AA, à data dos factos, tinha ocupação profissional - facto provado n.º 83.

As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração - que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são muito elevadas, fazendo-se especialmente sentir neste tipo de infracção, tendo em conta o bem jurídico violado no crime em questão – a saúde pública - e impostas pela frequência do fenómeno e do conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam e das conhecidas consequências para a comunidade a nível de saúde pública e efeitos colaterais, justificando resposta punitiva firme, o que de resto foi bem assinalado na decisão recorrida.
Como expende Figueiredo Dias em O sistema sancionatório do Direito Penal Português inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”.
Como se expressou o acórdão do STJ de 04-07-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 225, com o recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos.
Na verdade, há que ter em atenção as grandes necessidades de prevenção geral numa sociedade assolada pelo fenómeno do tráfico de droga, que a juzante gera outro tipo de criminalidade, mas inteiramente relacionada com esta, senão mesmo por ela determinada, pois é das leis do mercado que os bens têm um preço de aquisição e quando escasseia o meio para sua obtenção muitas poderão ser as formas de alcançar o necessário e imprescindível poder aquisitivo, em vista da satisfação das necessidades geradas pela toxicodependência e como é sabido uma dessas formas mais comum é a prática de roubos, havendo que dar satisfação ao sentimento de justiça da comunidade.

As necessidades de prevenção especial avaliam-se em função da necessidade de prevenção de reincidência.

Merecem particular destaque os antecedentes criminais, havendo que distinguir as diversas situações dos arguidos e discutir a relevância que terão alguns deles, face à lei portuguesa, facto a que as instâncias não deram a devida atenção.
Assim quanto ao arguido AA, há que ter em consideração que à data dos factos contava 57 anos e actualmente tem 60 anos.
O passado criminal deste arguido é o mais relevante, quando comparado com os demais, pois, como resulta do ponto de facto provado n.º 44, no fundo estão em causa duas condutas criminosas sucessivas, duas condenações por tráfico de estupefacientes, pois que enquanto cumpria uma sentença por importação de estupefacientes no estabelecimento prisional de Frankland, utilizando telemóveis, este arguido conseguiu importar heroína da Turquia para o Aeroporto de Heatrow, em Londres, tendo sido condenado por sentença de 1 de Agosto de 1994, pela prática do crime de importação de drogas controladas (heroína) na pena de 12 anos de prisão.
O que significa que em tese, a ter cumprido esta pena na totalidade, o termo final da pena ocorreria em 2006.
De qualquer forma os presentes crimes foram cometidos mais de 12 anos transcorridos sobre os últimos factos.

Quanto ao arguido BB, o mesmo nasceu a 3 de Dezembro de 1953, pelo que à data dos factos contava 53 anos e actualmente 56 anos.
Para se entender a relevância dos antecedentes deste arguido, ou a sua falta, basta atentar na cronologia da sua actuação, ou melhor, das datas das condenações e assim:
Em 1965 (duas condenações, quando tinha 11 anos de idade); em 1971 (três condenações no Tribunal de Menores, então com 17 anos); em 1972 (duas condenações); em 1973 (uma condenação); em 1975 (uma condenação); em 1977 (duas condenações); em 1984 (uma condenação); em 1985 (duas condenações); em 1986; em 1987; em 1991 e em 2001, todos com uma condenação.

As condenações aplicaram penas de “liberdade condicional”, colocação em centro comunitário e centro de detenção, multa, prisão suspensa, penas curtas de prisão efectiva (6 semanas e 3 e 6 meses) por crimes de furto (predominante) e receptação, circulação sem seguro, recusa a teste de álcool e problemas relacionadas com drogas.
No que toca a estas matérias, temos as seguintes condenações:
- por decisão do TIC de Liverpool de 04-03-1977, por posse de droga da classe B (resina de canabis), na pena de € 100 de multa;
- por decisão do TIC de Kalsruhe, Alemanha, de 24-01-1985, pela prática de crime de utilização de documento falso para obtenção de droga, na multa de 1 200 DM;
- por decisão do TIC de Manchester, de 9-09-1985, pela prática de crime de importação de drogas controladas, na pena de £ 175 de multa;
- por decisão do TIC de Huyton de 21-03-1991, pela prática do crime de posse de drogas controladas para fornecimento, na pena de £ 200 de multa

Temos que após a condenação de 21-03-1991, o arguido veio a recair apenas em 2001, com furto de uma garrafa de cognac, no valor de £ 9,95.

Perante este quadro a pergunta que há que fazer é a seguinte:
Que valor teriam estas condenações à face da lei portuguesa se estivéssemos perante penas aplicadas por tribunais portugueses.
Desde logo se adiantará que para instruir um processo de 2007, dificilmente seriam juntos boletins de CRC referentes a condenações mais antigas, de 1965 a 1974, v.g..

É que a Lei de Identificação Criminal - Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto (regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 381/98, de 27-11) - prevê no artigo 15.º as hipóteses de cancelamento automático dos registos
Na versão dada pela terceira alteração operada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro, estabelece o artigo 15.º n.º 1 «São canceladas automaticamente, e de forma irrevogável, no registo criminal:
a) As decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respectivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime;
b) As decisões que aplicado pena de multa principal a pessoa singular , decorridos cinco anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime;»
(…).

Excluindo a condenação por furto de 2001, há que ponderar que entre a mais recente das anteriores condenações – a de 21-03-1991 - e a prática dos factos ora em apreço, decorreram mais de 16 anos e em relação a muitas outras mais de 20, ou de 30 anos, para não falarmos nas que tiveram lugar quando o arguido tinha 11 anos, há mais de 41 anos.
Tendo em conta a extinção automática referida será de atender como antecedente apenas a condenação de 2001.

O recorrente CC , nascido a 13 de Março de 1966, contando à data dos factos 41 anos e actualmente 44, foi anteriormente condenado por crimes de furto, dano, furto de uso de veículo, falta de carta, falta de seguro, condução com excesso de álcool, tendo sido colocado à ordem de autoridade, colocação em centro de reabilitação, serviço comunitário, multa.
As decisões condenatórias datam de 15-09-1978, de 16-12-1982, de 17-08-1983, de 27-10-1987 e de 2-11-1995, sendo de realçar que nas datas das quatro primeiras decisões o arguido tinha então 12, 16, 17 e 21 anos de idade.
A única condenação por tráfico em pena de prisão teve lugar por decisão do Tribunal da Relação de Nador, Marrocos, de 2-11-1995, na pena de 3 anos de prisão por crime relacionado com estupefacientes e violação da Lei de Estrangeiros;

Retirando a última, a mais recente das anteriores decisões (27-10-1987) ocorreu 19 anos antes dos crimes por que ora foi condenado, sendo que estes ocorrem, por seu turno, mais de 11 anos depois da última condenação (02-11-1995).
Tendo-se em conta o cancelamento automático, apenas a última condenação relevará para efeitos de antecedente criminal.

Não haverá razões para distinguir as medidas das penas a aplicar aos arguidos, pois se o arguido CC Hodson limitou-se a prestar declarações relativamente às suas condições pessoais, remetendo-se ao silêncio relativamente aos factos imputados, e se os demais não se negaram a responder à matéria factual descrita na acusação, a verdade é que, em geral, o Tribunal não fez fé nas suas declarações – fls. 1818/9.


Face a todos estes factores, considerando que a aplicação de penas tem como primordial finalidade a de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico penal, não devendo ultrapassar o grau de culpa, considerando a menor carga dos antecedentes criminais nos termos expostos e tendo em conta outros casos paralelos, entende-se ter lugar intervenção correctiva, tendo-se como adequada, equilibrada e proporcional, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, a pena de oito anos de prisão para cada um dos arguidos.

Da medida das penas conjuntas

Os recorrentes foram condenados nas penas únicas de:
CC – 10 anos e 6 meses de prisão
AA e BB – 10 anos e 3 meses de prisão
Atentas as penas parcelares ora fixadas pelo crime de tráfico de estupefacientes, há que reformular o cúmulo jurídico das penas aplicadas.
Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77º, nº 1, do Código Penal, na redacção do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março, inalterado pela Lei nº 59/07, de 4 de Setembro, que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
E nos termos do nº 2, a penalidade, a moldura do concurso, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Como se lê em Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §§ 420 e 421, págs. 290/2, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72º-1 (actual 71º-1), um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte.
Explicita o Autor que, na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.
Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. Acrescenta que “de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.
Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso – cfr., i. a., acórdãos do STJ, de 17-03-2004, 03P4431; de 20-01-2005, CJSTJ 2005, tomo I, pág. 178; de 27-04-2006, processo n.º 669/06-3ª; de 08-06-2006, processo n.º 1613/06 - 5ª; de 07-12-2006, processo n.º 3191/06 - 5ª; de 20-12-2006, processo n.º 3379/06-3ª, de 25-11-2009, processo n.º 490/07-3.ª
A moldura abstracta do concurso é balizada por um limite mínimo dado pela mais elevada das penas concretamente aplicadas, tendo como máximo a soma de todas elas, mas sem ultrapassar os 25 anos de prisão.
No caso concreto, a moldura de punição será de:
Recorrente CC – 8 a 10 anos e 9 meses
Recorrentes AA e BB – 8 a 10 anos e 6 meses.
A 1.ª instância a este propósito referiu a forte conexão entre os ilícitos apesar de ao nível da protecção dos bens jurídicos inexistir proximidade revelando preparação e organização.
Quanto à ilicitude do conjunto dos factos, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, no caso presente estamos face a crimes de tráfico, falsificação e falsidade.
No que toca à indagação de uma conexão entre os ilícitos presentes, a única relação é a instrumentalidade, tendo a falsificação servido para a actuação e a falsidade de declarações procura fugir a responsabilidades.
Na avaliação da personalidade dos recorrentes, importa reter o que consta dos factos dados como provados, nomeadamente, as suas condições de vida.
Por outro lado, é de considerar o ilícito global agora julgado como resultado de uma conjuntura de vida, não revestindo a carga necessária para que se possa falar em tendência criminosa, muito embora AA e tenham condenações por tráfico.
São prementes as exigências de prevenção geral como já referido foi supra.
No que toca à prevenção especial, nada a acrescentar.
Neste contexto, considerando a diversidade de bens jurídicos tutelados, estando em causa actos isolados, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade dos recorrentes, é de concluir, face à natureza e gravidade dos crimes cometidos, justificar-se-á outro grau de compressão, tendo-se por adequada, equilibrada e proporcional, a pena conjunta de nove anos de prisão para cada um dos arguidos .

Neste segmento, o recurso é, pois, de proceder.

Decisão

Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça, em
1 - Rejeitar o recurso dos arguidos AA e BB, por manifesta improcedência, no que respeita a alegação de erro de fundamentação condensada nas conclusões 29.ª a 44.ª;
2 – Julgar improcedentes arguições de omissão de pronúncia, de nulidades, de vícios decisórios e violação de princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo suscitados pelos mesmos arguidos;
3 - No mais, no que respeita às medidas das penas, julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pelos arguidos, alterando-se em consequência, o acórdão recorrido, no que tange apenas às medidas das penas aplicadas pelo crime de tráfico de estupefacientes e da pena única, e, assim,
3. 1 - Condenam-se os arguidos AA, BB e CC, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, nas penas parcelares, para cada um, de oito anos de prisão;
3 – Efectuado o cúmulo jurídico das penas, são os arguidos condenados nas penas únicas de nove anos de prisão.
Sem custas
Nos termos do artigo 420.º, n.º 3, do CPP os arguidos AA e BB pagarão 4 UC.
Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Lisboa, 14 de Julho de 2010

Raul Borges (relator)
Fernando Fróis