Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
367/14.3PATNV.E1
Relator: RENATO BARROSO
Descritores: HOMICÍDIO POR NEGLIGÊNCIA
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 12/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: PROVIDOS
Sumário:
I - Existe uma situação de concurso de culpas na produção do acidente, entre a condução negligente e temerária empreendida pela arguida e a actuação do condutor do motociclo, uma vez que o excesso de velocidade a que este circulava e a circunstância de conduzir com uma TAS de 06, g/l, foram também elementos essenciais para que o evento fatal ocorresse.

II - Deste modo, ambos os condutores contribuíram para a produção do sinistro, em medidas iguais, determinando-se que a actuação da arguida e do condutor do motociclo foram concausa do acidente na proporção de 50% cada um.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

1. RELATÓRIO

A – Decisão Recorrida

No processo comum singular nº 367/14.3PATNV, da Comarca de Santarém, Juízo Local Criminal de Torres Novas, foi condenada a arguida CC, pela prática de um crime de homicídio por negligência, p.p., pelo Artº 137 nº1 do C. Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz a multa global de . 1.050,00 (mil e cinquenta euros).

Mais foi condenada na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 12 (doze) meses.

Foi ainda julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelos demandantes LP e HP, e, consequentemente, condenada a demandada A. Seguros, S.A., a pagar-lhes o valor global de € 263.000,00 (duzentos e sessenta e três mil euros), discriminado nos seguintes valores:

- € 75.000,00 a título de dano de privação da vida, a favor dos demandantes, enquanto herdeiros de LM;

- € 25.000,00 a título de danos morais, a favor da viúva/demandante LP;

- € 25.000,00 a título de danos morais, a favor do filho/demandante HP;

- € 138.000,00 a título de dano patrimonial futuro, a favor dos demandantes.

Inconformadas com o assim decidido, recorreram a arguida e a demandada.

Por esta Relação veio a ser proferido acórdão em que se declarou a nulidade da sentença recorrida, a ser suprida pelo tribunal a quo, com a elaboração de nova decisão em que se suprisse as deficiências apontadas, que tinham a ver com a determinação do limite de velocidade existente no local, a velocidade a que circularia o motociclo da vítima e quais os meios de prova usados pela instância sindicada para a definição destas matérias.

Em cumprimento do assim decidido, pela 1ª instância foi proferida nova sentença, em que a arguida CC voltou a ser condenada, quer crime, quer civilmente, nos precisos termos atrás expostos.

B – Recursos

Ainda inconformadas com o assim decidido, voltaram a recorrer a arguida e a demandada.

B.1. Recurso da arguida

A arguida concluiu as respectivas motivações da seguinte forma (transcrição):

A) A douta decisão recorrida condenou a Recorrente pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e. p pelo Art.º 137.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), perfazendo o montante total de € 1.050,00 (mil e cinquenta euros) e, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 12 (doze) meses;

B) A ora Arguida foi ainda condenada no pagamento de 4 (quatro) UC’s de taxa de justiça e demais custas criminais;

C) Os factos ocorreram no dia 20 de Setembro de 2014, entre as 16h30 e as 17h00, no entroncamento da Estrada da Sapeira, com a Avenida do Bom Amor, em Torres Novas (EN 349), ao Km 79,100, no sentido norte/sul;

D) Entendeu o Tribunal a quo que resultou provado que a ora Arguida “ (…) ao pretender mudar de direção para a esquerda, iniciou a referida manobra sem esperar que os veículos, que circulavam na via por onde pretendia entrar, passassem, e, assim, fazendo-o em segurança.”;

E) Mais entendeu o Tribunal a quo que resultou provado que a ora Arguida não se certificou que, na via por onde pretendia passar a circular, não circulavam outros veículos com prioridade de passagem e, “…Por esse motivo, o motociclo conduzido por LM embateu no veículo conduzido pela Arguida “.(Pontos 7 e 8 dos Factos Provados);

F) Por esse motivo, o Tribunal a quo também considerou provado que “Em virtude do choque mencionado, LM, foi projetado do veículo que conduzia, tendo sofrido várias lesões traumáticas crâniomeningoencefálicas, toracoabdominopélvicas e dos membros superiores e inferiores, que foram causa direta e necessária da sua morte.” (Ponto 11 dos Factos Provados);

G) Acresce que, resultou igualmente provado que “A 16/10/2014, por colheita recebido no Serviço de Química e Toxicologia do Centro foi apurada, no já cadáver LM, uma quantificação de etanol no humor vítreo por GC/FID*Humor Vítreo, de 1,23 g/l.” (Ponto 38 dos Factos Provados);

H) Resulta da douta sentença condenatória que o Tribunal a quo “formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência comum, tudo analisado em e si e entre si.”;

I) No entanto, salvo o devido respeito e melhor opinião, se o Tribunal a quo tivesse atendido aos elementos probatórios constantes dos autos, não poderia, em primeiro lugar, ter considerado que não foi “produzida a prova necessária, mesmo que indireta, para podermos concluir que foi o facto de LM conduzir com uma taxa de álcool no sangue de 0,6 g/l a causa do evento assinalado.” e, em segundo lugar, dar como não provado, o facto de LM circular em excesso de velocidade, designadamente, a uma velocidade superior a 90 Km/hora (Ponto H dos Factos Não Provados);

J) Através do relatório elaborado pelo serviço de química e toxicologia forenses (fls. 75) apurou-se uma quantificação de etanol no humor vítreo do cadáver de LM de 1,23 g/l;

K) Com efeito, conforme resulta do relatório de autópsia médico-legal a fls. 71 a 74 verso, foi efetuada uma colheita de amostras de humor vítreo para pesquisa de álcool etílico e drogas de abuso no cadáver de LM “em virtude de não ter sido possível obter sangue femural devido às perdas hemorrágicas significativas resultantes das múltiplas lesões” que sofreu;

L) Por esse motivo e, tendo em consideração que existe uma substancial variabilidade na taxa de conversão do álcool em humor vítreo em concentração de álcool no sangue, o serviço de patologia forense utilizou uma proposta cientificamente fundamentada no artigo científico intitulado Uncertainly In estimating blood etanol concentrations by analysis of vitreous humour, pulicado em 2001 na Revista Journal of Clinical Pathology, de que “se a concentração de álcool no humor vítreo for dividida a metade, o valor obtido traduzirá, para além da dúvida razoável, um valor de alcoolémia que não seria superior ao valor real, reportado ao momento da morte.”;

M) Ora, no caso em apreço, o serviço de patologia forense concluiu por uma taxa de alcoolémia de, pelo menos, 0,6g/l;

N) Isto significa que no momento do sinistro objeto dos presentes autos, LM conduzia o seu motociclo com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 0,6 g/l, ou seja, superior ao permitido por lei e configurando a prática de uma contra-ordenação grave à luz do Art.º 145.º, n.º 1, alínea l) do Código da Estrada;

O) O Tribunal a quo considerou como boa a taxa de álcool de 0,6 g/l no organismo da vítima no momento da sua morte, contudo entendeu que mesma não se mostra, por si só, bastante para concluir que LM contribuiu para a produção do sinistro do qual resultou a sua morte;

P) É comumente sabido que a ação do álcool no sistema nervoso origina efeitos nefastos que prejudicam o exercício da condução, assumindo especial relevância os seguintes:

· Audácia incontrolada (frequente estado de euforia, sensação de bem estar e de otimismo, com a consequente tendência para sobrevalorizar as próprias capacidades, quando, na realidade, estas já se encontram diminuídas);

· Perda de vigilância em relação ao meio envolvente (capacidades de atenção e concentração do condutor ficam diminuídas);

· Perturbação das capacidades sensoriais, particularmente as visuais (a presença de álcool no sangue reduz a acuidade visual, quer para perto, quer para longe e leva à alteração dos contornos dos objetos, quer estáticos, quer em movimento. A visão estereoscópica é prejudicada, ficando o condutor incapaz de avaliar corretamente as distâncias e as velocidades. A visão noturna e crepuscular fica reduzida. O tempo de recuperação após encandeamento aumenta. Estreitamento do campo visual. O campo visual vai diminuindo com a eliminação progressiva da visão periférica (lateral) podendo, com o aumento da intoxicação alcoólica, chegar à visão em túnel);

· Perturbação das capacidades percetivas (A identificação da informação, recebida pelos órgãos dos sentidos, fica prejudicada e torna-se mais lenta. Aumenta o tempo de reação. Lentificação da resposta reflexa e diminuição da resistência à fadiga);

Q) Note-se que, estudos efetuados sobre o campo de visão, comprovam que a uma velocidade estabilizada, o condutor sofre uma redução de cerca de 30% com uma TAS de 0,50 g/l;

R) Mais, está demonstrado que é mais perigoso um condutor que ingeriu uma qualquer bebida alcoólica em quantidades pequenas ou moderadas do que o que está declaradamente embriagado, uma vez que este último não tentará conduzir, enquanto que o primeiro sim, está convencido que se encontra em ótimas condições, sobrestima as suas faculdades e inclina-se a correr riscos no preciso momento em que as suas capacidades já se encontram reduzidas devido aos efeitos do álcool contido na bebida.

S) Na verdade, mesmo com valores pouco elevados de TAS, as capacidades necessárias para uma condução segura já se encontram diminuídas muito antes do estado de embriaguez ser atingido;

T) Conforme refere e bem o douto Tribunal a quo “ (…) a comunidade científica está tendencialmente de acordo relativamente à influência e relação entre o exercício da condução após consumo de álcool e o risco de envolvimento em acidente mortal, que aumenta exponencialmente à medida que cresce a concentração de álcool no sangue.”;

U) Acrescenta ainda o douto Tribunal a quo que “ (…) uma taxa de álcool no sangue de 0,50 g/l aumenta 2 vezes o risco de acidente mortal,”;

V) Saliente-se que, no momento do sinistro, LM conduzia o seu motociclo com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 0,6 g/l, portanto, com uma audácia incontrolada, com perda de vigilância em relação ao meio envolvente, com perturbação das capacidades sensoriais, nomeadamente, as visuais e, com perturbação das capacidades percetivas;

W) A condução sob o efeito e/ou a influência do álcool constitui, só por si, facto notório que o condutor conduzia com uma diminuição da capacidade de reação, de avaliar a velocidade do próprio veículo, a distância de obstáculos, a velocidade de aproximação de outros veículos, entre outros efeitos nefastos;

X) É certo que “a mera prova da taxa de alcoolemia é insuficiente para se considerar provado o nexo de causalidade, mas isso não implica que, em termos de apreciação crítica dos factos relevantes, o juiz esteja impedido de os relacionar e de, reportando-se aos factos em apreço, pela forma como ocorreu determinado acidente e, em face da inexistência de outra explicação razoável, conclua por aquele nexo. Trata-se, afinal, de inserir factos desconhecidos a partir de factos conhecidos (art.º 349.º do CC). O nexo de causalidade entre álcool e o acidente afere-se da conjugação de diversos elementos, designadamente a prova testemunhal produzida, a própria dinâmica do acidente, o grau de alcoolemia registado, as normas legais aplicáveis e a teleologia do legislador subjacente às normas.” Acórdão do STJ, de 7/06/2011, in www.dgsi.pt;

Y) Conforme vem sendo defendido pela nossa jurisprudência “A relação causal entre o excesso de álcool no sangue e o acidente não se demonstra de forma direta, percetivelmente, mas por presunções a partir do conjunto de circunstâncias concretas.” Acórdão do STJ, de 07/11/2006, in www.dgsi.pt;
, pelo que, “ (…) o tribunal pode e deve tomar em consideração as presunções judiciais decorrentes da experiência comum e das evidências científicas quanto às consequências da ingestão de álcool na condução.” Acórdão do TRE, de 25/11/2009, in www.dgsi.pt;

Z) Ora, no modesto entendimento da ora Recorrente, andou mal o Tribunal a quo na apreciação crítica dos factos relevantes;

AA) Em primeiro lugar, cumpre desde já referir que a velocidade máxima permitida no local é de 70 km/hora e não de 90 km/hora;

BB) Na verdade, resulta da informação prestada pelas “Infraestruturas Portugal” a fls. 641que, antes do km 79,100 – local do sinistro – existe um sinal vertical C13 (70 km/h);

CC) Mais, note-se que estamos perante um entroncamento, pelo que, neste âmbito até o próprio Código da Estada estabelece no seu Art.º 25.º, n.º 1, alínea h), o seguinte: “Sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade: h) Nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, rotundas, lombas e outros locais de visibilidade reduzida.” (sublinhado nosso);

DD) Pelo que, dúvidas não existem que, a velocidade máxima permitida no local do sinistro – leia-se, no entroncamento, - é de 70 km/hora, tal como resulta inequivocamente da sinalização vertical existente no local coadunada com a legislação estradal em vigor;

EE) Ora, tendo em consideração a participação do acidente de viação e croqui de fls. 125-127, resulta, igualmente, provado que o motociclo conduzido por LM não deixou no local qualquer rasto de travagem, portanto, não efetuou qualquer travagem;

FF) Tal informação resulta igualmente do relatório de averiguação automóvel de fls. 238-266 e do relatório técnico de acidente de viação de fls. 185-208;

GG) Com efeito, “Da análise destes relatórios, foi ainda possível determinar o km concreto onde o “PC” se deu, (…)” e, “ (…) a inexistência de marcas de travagem no local deixadas pelo motociclo (…).”;

HH) Atendendo à prova junta aos autos, designadamente, à localização e dimensão dos danos provocados nos veículos intervenientes, à distância de projeção do corpo de LM, à distância de projeção do motociclo por este conduzido, à posição final dos veículos intervenientes após o embate, à inexistência de qualquer rasto de travagem por parte do motociclo e ao facto de LM conduzir com uma taxa de álcool de, pelo menos, 0,6 g/l, o Tribunal a quo deveria ter-se socorrido das regras da experiência comum e, do relatório de averiguação automóvel de fls. 238-266, do relatório técnico de acidente de viação de fls. 185-208 e do relatório da reconstituição de acidente de fls. 539-591, para determinar, sem grande margem para erro, a velocidade a que seguia o motociclo conduzido por LM;

II) Na verdade, aplicadas as regras elementares da física resulta que as consequências danosas de um acidente de viação serão tanto mais avultadas quanto maiores forem a massa e a velocidade do corpo que embate, relativamente ao aos mesmos dados do corpo que é embatido;

JJ) Conforme resulta da douta sentença recorrida, resultou provado que “A avenida do Bom Amor tem a largura de 6,90 m, com boa visibilidade em toda a sua extensão, possuindo duas vias afectas aos dois sentidos de trânsito:” (Ponto 32 dos Factos Provados);

KK) Acresce que, a testemunha NR, profissional de seguros e prestador de serviços para a seguradora demandada desde 2004, referiu, segundo a douta sentença recorrida, que “o motociclo tinha uma visibilidade de 500 metros de extensão da estrada e de toda a sua largura, com cerca de 8 metros, e a condutor do veículo “CL” tinha uma visibilidade, para a sua direita e para a sua esquerda, de cerca de 150 metros.”;

LL) Tais condições de visibilidade foram igualmente confirmadas pela testemunha DL, Agente da PSP no Entroncamento que referiu, segundo a douta sentença recorrida, que “ (…) o motociclo tinha uma visibilidade de 400 m de distância (…)”;

MM) No que à velocidade do motociclo diz respeito, a testemunha NR afirmou, segundo a douta sentença recorrida, que “No seu entender, a vítima, circulando a 70 km/h teria condições para parar o ciclomotor ao avistar, a 200 metros, o veículo “CL” saído do entroncamento. Por fim e quanto aos danos observados nas viaturas, disse concluir que o embate se deu quando o veículo “CL” já estava a concluir a manobra.”;

NN) Já a testemunha RS, referiu em sede de audiência de julgamento, que “ (…) o veículo “CL” seguia a uma velocidade de 20/30 km/h e o ciclomotor “CQ” a uma velocidade de 100/108 km/h quando se deu o embate, reconhecendo, contudo, inexistir marcas de travagem no piso, estando aquele veículo a finalizar a manobra. (…) De relevo, referiu ainda que, de acordo com o estudo realizado, o ciclomotor conseguiria evitar o embate no veículo conduzido pela arguida se circulasse a uma velocidade de 70 km/h.”;

OO) Com efeito, resulta do relatório de reconstituição de acidente de fls. 539-591 junto aos autos, no que se refere à simulação computacional obtida para a dinâmica do acidente com base em algoritmos genéticos de otimização em que não se contabilizou a massa do motociclista, que “ (…) no momento do impacto, o Opel seguia com uma velocidade compreendida entre 26 km/h e 30 km/h. O Honda, por seu turno, no momento do impacto seguia com uma velocidade compreendida entre 100 km/h e 108 km/h. (…) Na simulação computacional verifica-se que, após o impacto, o Honda foi projetado em movimento composto por rotações e translações para a direita e para a frente, imobilizando-se do seu lado direito a cerca de 27 metros do local do embate, junto à posição assinalada no croqui das autoridades. O Opel, por seu turno, foi projetado em movimento composto por translação ântero-posterior, imobilizando-se do lado direito da faixa de rodagem, junto à posição assinalada no croqui das autoridades, a uma distância de cerca de 21 metros do local de embate. (…). Portanto, nestas simulações computacionais os veículos imobilizaram-se junto das posições finais assinaladas no croqui das autoridades.” (sublinhado nosso);

PP) De acordo com os resultados obtidos com o recurso ao algoritmo de otimização na simulação computacional em que a massa do motociclista foi contabilizada, “no momento do impacto, o Opel seguia com uma velocidade compreendida entre os 22 km/h e 27 km/h. O Honda, por seu turno, no momento do impacto seguia com uma velocidade compreendida entre 102 km/h e 108 km/h. A configuração de impacto obtida foi idêntica àquele que se verificou na simulação em que não se contabilizou a massa do motociclista.” (sublinhado nosso);

QQ) Na simulação baseada em modelos de corpos múltiplos do motociclo e respetivo condutor, “no momento do impacto, o Opel seguia com uma velocidade de 24 km/h, enquanto o Honda, por seu turno, no momento do impacto seguia com uma velocidade de 105 km/h.” (sublinhado nosso);

RR) Ora, de acordo as simulações computacionais supra referidas, o motociclo conduzido por LM, no momento do impacto, circulava a uma velocidade de, pelo menos, 100 km/h;

SS) Relativamente às condições para evitar o embate por parte do motociclo conduzido por LM, resulta do relatório em apreço que, “ (…) quando o veículo ligeiro iniciou a manobra, o Honda encontrava-se a uma distância mínima de 45,04 metros do ponto de embate.”, pelo que, “ (...) um motociclo, circulando com uma velocidade inferior a 70 km/h dispunha das condições necessárias e seguras para a sua imobilização, evitando o impacto.”;

TT) Face ao exposto, tendo em consideração que a velocidade máxima permitida no local é de 70 Km/h e que, de acordo com o Art.º 25.º, n.º 1, alínea h), do Código da Estrada, um condutor deve moderar especialmente a sua velocidade nos entroncamentos, conclui-se com toda a segurança, que o motociclo circulava a uma velocidade muito elevada e excessiva;

UU) Aproveitando o explanado pelo douto Tribunal a quo na sentença recorrida, “A dar como boa esta ilação, ante a ausência de qualquer outro elemento de prova que nos leve a concluir de modo diferente,”, sabendo-se que no local onde se deu o embate a velocidade máxima permitida é de 70 km/h – e, não 90 km/h – bastaria que LM imprimisse ao seu motociclo uma velocidade máxima de 70 km/h para evitar o embate;

VV) Note-se que “O excesso de velocidade não é um conceito absoluto, mas relativo, dependendo não só dos limites legais, mas para além disso, de todo um conjunto de fatores que se verifiquem no local, no modo e no tempo de condução, bem como a existência ou não de outras variadas circunstâncias que intercedam na ocasião, inclusive no condutor (…), que diminuam as condições de segurança, de modo a considerar-se desajustada ou desadequada, a velocidade imprimida.”; Acórdão do STJ, datado de 27/02/1996, in www.dgsi.pt

WW) Atenta a TAS de LM no momento da sua morte e, tendo o Tribunal a quo dado como boa a ilação de que um motociclo, circulando com uma velocidade inferior a 70 km/h dispunha das condições necessárias e seguras para a sua imobilização, evitando o impacto, não se pode deixar de concluir que o mesmo circulava em excesso de velocidade;

XX) E, bem assim, que circulava sem dos devidos cuidados e atenção;

YY) Com efeito, face a um obstáculo ou situação imprevista que possa surgir – travagem brusca de um veículo que circula à frente, um obstáculo imprevisível ou qualquer outro fator inesperado – o condutor deve estar apto a reconhecer prontamente a situação de perigo potencial, analisá-la, tomar uma decisão e atuar corretamente de forma a minimizar os riscos;

ZZ) Ora, o álcool prejudica estas capacidades, aumentando o tempo de reação, ou seja, o tempo que medeia entre a perceção de um estímulo e o início da resposta a esse estímulo;

AAA) Assim, em caso de necessidade de efetuar uma travagem brusca devido, por exemplo, ao aparecimento de um obstáculo imprevisível na faixa de rodagem, o tempo de reação será, nessa situação, o tempo que decorrer entre a identificação, por parte do condutor, do obstáculo e o momento de acionar o travão, ação que tem como objetivo a imobilização atempada do veículo;

BBB) A alcoolemia, tornando mais lento o processo de identificação e aumentando o tempo de reação leva, consequentemente, a um alongamento da distância de reação, isto é, a distância percorrida pelo veículo durante o tempo de reação do condutor;

CCC) A jurisprudência já explicitou que “ (…) já entre 0,5 e 0,8 gramas perturba os reflexos e a coordenação psicomotora e gera a lentidão dos tempos de reação e um período de euforia.” Acórdão do STJ, datado de 01/07/2004, in www.dgsi.pt;

DDD) Na presente situação, a TAS aliada à velocidade que LM imprimia ao seu motociclo foram, no quadro circunstancial em apreço, causais do evento do qual resultou a sua morte;

EEE) Caso LM circulasse dentro dos limites de velocidade legalmente estabelecidos para aquele local e não apresentasse uma TAS de 0,6 g/l que, inevitavelmente, diminuiu a sua resposta sensitiva e aumento do tempo de reação, teria imobilizado o motociclo em segurança evitando o presente sinistro ou, em última instância, a colisão poderia eventualmente ter ocorrido mas nunca com as consequências trágicas que daí resultaram;

FFF) Ao contrário do decidido na douta sentença posta em crise, ambos os condutores contribuíram para a produção do sinistro, o qual não teria ocorrido se, quer um quer outro, tivessem cumprido com as regras do Código da Estrada;

GGG) Tal como foi entendido num sinistro com uma dinâmica semelhante ao do presente, “ (…) estando provado que a vítima circulava a velocidade superior a 47,2 km/hora e sendo a velocidade permitida no local de 40 km/hora, bem como a gravidade e a quantidade de lesões que do embate para ela resultaram, dúvidas não há de que esse excesso de velocidade pese embora irrisório, traduzido em 7,2 km/hora contribuiu também para a eclosão do acidente. Na verdade, como é sabido, em matéria de velocidade, constitui princípio geral, que o condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às caraterísticas e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente (art.º 24.º nº 1CE vigente à data dos factos). Em suma, naquelas condições era exigível à vítima igualmente uma maior prudência, pois todos os condutores tenham ou não prioridade de passagem, têm a obrigação de reduzir a velocidade nos entroncamentos (art.º 25.º n.º 1 f) CE). E quem assim não age, pratica, à semelhança do arguido, uma condução temerária. Na verdade exige-se que os condutores adequem a velocidade de forma a poderem parar no espaço livre e visível à sua frente. Como refere Dario Martins de Almeida Manual de Acidente de Viação, pág. 481. “O domínio da marcha impõe-se a todo o condutor como regra de prudência; e exige, por isso o conhecimento prático das possibilidades do veículo, do seu poder de aceleração ou desaceleração e da sua capacidade de travagem e paragem. Conduzir para além dessa capacidade de domínio é conduzir com velocidade excessiva.”. Deste modo, as descritas condutas quer do arguido quer da vítima, foram manifestamente culposas, porque reveladoras de inconsideração e imperícia, contribuindo assim ambas para o acidente.” Acórdão do TRC, datado de 13/01/2010, in www.dgsi.pt;

HHH) Nestes termos, há que concluir que a velocidade imprimida ao motociclo não foi indiferente para o evento letal que se deu;

III) Há, por esse motivo, concorrência de culpas entre Arguida e vítima com predominância para a culpa desta última;

JJJ) Neste âmbito, na fixação da medida concreta da pena deve ter-se em consideração a culpa da vítima uma vez que implica necessariamente uma diminuição daquela;

KKK) De acordo com o Art.º 71.º, n.º 1 do Código Penal “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.”, pelo que, tendo em conta o grau de ilicitude do facto, a gravidade das suas consequências, a intensidade da negligência, as condições pessoais da Arguida e a sua situação económica, a sua conduta anterior ao facto e as exigências de prevenção, deve ser reduzida substancialmente a pena de multa aplicada e, bem assim, a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor;

LLL) Nestes termos, deve ser dado como provado que, no circunstancialismo descrito na acusação, LM tripulava o seu motociclo “CQ” a velocidade de, pelo menos, 100 km/h, sendo a velocidade máxima permitida no local de 90 km/h;

MMM) E, que com a conduta supra descrita aliada a uma TAS de, pelo menos, 0,6 g/l, LM, agiu de forma temerária e imprevidente, omitindo os sobreditos deveres gerais de cuidado e, nessa medida, concorrendo culposamente e maioritariamente para o resultado do sinistro objeto dos presentes autos;

Nestes termos e nos mais de direito, deve a sentença de que se recorre ser revogada e substituída por outra que considere afirmado o nexo de causalidade do estado de alcoolemia e excesso de velocidade de LM na produção do evento e, nessa medida, a respetiva concorrência de culpas com a consequente redução da pena de multa aplicada à ora Recorrente e, bem assim, a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, assim, se fazendo a costumada

B.2. Recurso da demandada

A demandada apresenta as seguintes conclusões (transcrição):

1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo douto tribunal a quo da qual resultou a condenação da Seguradora, aqui recorrente, no pagamento aos demandantes de uma indemnização, no valor total de € 263.000,00, em virtude de se ter considerado a condutora do veículo por si seguro, aqui arguida, como tendo sido a única responsável, quer pela ocorrência do acidente, quer pelos danos do mesmo resultantes, no caso, o falecimento do condutor do motociclo LM, marido e pai dos aqui demandantes civis.

2. Sempre com o devido respeito que o acidente em discussão merece que não é, nem nunca foi, alheio à ora recorrente, impõem os basilares princípios de justiça material que se interponha recurso da presente decisão proferida pelo douto tribunal a quo por entender a recorrente que a prova trazida e produzida nos presentes autos impõe, necessariamente, decisão diversa da recorrida por se entender que a conduta adoptada pelo condutor do motociclo assumiu a natureza de concausa quer para a produção do acidente, quer para a produção dos danos do mesmo resultantes nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 570º do Código Civil.

Com efeito,
3. Tendo em conta o facto dado por provado sob o número 32 o qual configura o local do acidente “A Avenida do Bom Amor tem largura de 6.90 m, com boa visibilidade em toda a sua extensão, possuindo duas vias afectas aos dois sentidos de trânsito.”

4. Em consonância com o facto provado acima descrito, tenha-se em conta o teor do facto provado sob o número 9, de acordo com o qual considerou o douto tribunal a quo que “O referido choque (referindo-se ao embate entre os veículos) ocorreu entre a parte lateral direita traseira do veículo conduzido pela arguida e a parte dianteira do motociclo conduzido por LM.”

5. A posição final em que se encontrava o veículo CL no momento do embate, no caso, já quando o mesmo se encontrava a terminar a manobra de mudança de direcção à esquerda e já quando se encontrava virado para sul na hemifaixa de rodagem onde circulava o motociclo, é aceite pelo douto tribunal de que se recorre pois assim o refere na sentença que proferiu sem colocar tal facto em causa. No entanto, e pese embora na sentença proferida não gere qualquer controvérsia nem o local onde ocorreu o embate entre os veículos nem os danos apresentados pelos mesmos, a verdade é que não cuidou o douto tribunal a quo de trazer à matéria dada por provada a posição em que o veículo CL se encontrava aquando o embate – virado para sul na femifaixa de rodagem por onde circulava o condutor do motociclo – muito embora tal facto resulte, à saciedade, por provado, quer da prova documental, quer da prova testemunhal carreada para os presentes autos.

6. O local onde a colisão entre os veículos se deu bem como a posição final dos mesmos é, salvo melhor entendimento, de grande importância para efeitos de apuramento da culpa de cada um dos condutores pela produção do acidente já que, da análise destes dois factos, conjugados com a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento quanto à dinâmica do acidente, nomeadamente, quanto à manobra que estava a ser realizada pela arguida, poderemos retirar informações quanto ao tempo que cada um dos condutores teve para se aperceber da presença do outro na estrada.

7. A posição final dos veículos revela ainda que, salvo melhor entendimento, da mesma maneira que a arguida se deveria ter apercebido da presença do motociclo na faixa de rodagem antes de iniciar a manobra de mudança de direcção à esquerda, também o condutor do motociclo se deveria ter apercebido da manobra de mudança de direcção à esquerda que estava a ser realizada pelo veículo conduzido pela arguida pois tal manobra, tal como se pode considerar por assente, já estava a ser finalizada aquando o embate encontrando-se o veículo seguro já na hemifaixa de rodagem que era tomada pelo motociclista, virado para sul.

8. Assim, tendo resultado dos autos que a Av. do Bom Amor tem boa visibilidade em toda a sua extensão e, bem assim, que o condutor do motociclo dispunha de uma visibilidade de, pelo menos, de 400 metros e, tendo ainda resultado que o embate entre os veículos se dá na parte traseira do lado direito do veículo conduzido pela a arguida quando o mesmo se encontrava já virado para sul, outra conclusão não se pode retirar que não a de que o condutor do motociclo teria tido tempo suficiente para se aperceber da presença do veículo conduzido pela arguida em plena faixa de rodagem tal como infra se pretenderá demonstrar.

9. Ora, uma vez que o ponto de colisão dos veículos não oferece dúvidas, tenha-se agora em conta o tempo que a arguida levou a realizar a manobra de mudança de direcção à esquerda desde o momento em que arrancou junto ao sinal de STOP até ao momento em que foi embatida pelo motociclo, tendo, quanto a esta matéria prestado depoimento a testemunha RS que, no âmbito das diligências levadas a cabo para efeitos de averiguação do acidente elaborou o relatório de reconstituição de sinistro que se encontra junto aos autos a fls. 539 a 591.

10. Referiu a testemunha RS, com base nos elementos supra citados, que a averiguação que levou a cabo se refere ao estudo da “dinâmica do acidente desde o impacto para a frente”, mais referindo que “digo do impacto para a frente porque antes do impacto não existem quaisquer elementos que sejam susceptíveis de análise, nomeadamente, rastos de travagem, sulcos. Antes do impacto não foi registada essa existência.” (referindo-se à inexistência de quaisquer rastos de travagem de qualquer um dos dois veículos intervenientes no acidente).

11. No que respeita ao tempo que durou a realização da manobra de mudança de direcção à esquerda pela arguida, referiu-nos a testemunha RS que a duração de tal manobra teria de ser analisada de acordo com duas premissas, ou seja, considerando a premissa de que a arguida não parou no STOP – o cenário que a testemunha considera com sendo o “cenário mais severo” – e a premissa de que a arguida parou no STOP – o cenário que a testemunha configura como sendo o “cenário menos severo”. Considerando o cenário em que a arguida levou mais tempo a fazer a manobra, concluiu a testemunha que a condutora (arguida) “demorou 4,42 segundos a concluir a manobra”, sendo ainda de referir que, tendo por base a metodologia utilizada pela testemunha aquando a elaboração do relatório, foi obtido um intervalo de velocidades que “no caso do Opel Astra (…) a velocidade de impacto encontrava-se entre 22 a 30 Km/hora e no caso do motociclo Honda é compreendida entre 100 e 108 km/h de velocidade”.

12. Quando questionado sobre a quantos metros é que o veículo conduzido pela arguida seria visível para o condutor do motociclo, considerando o cenário menos severo, ou seja considerando aquele em que as viaturas levaram mais tempo a concluir a manobra por circularem às velocidades mínimas apuradas – de 22 km/h para o Opel e de 100 km/h para a mota – referiu a mencionada testemunha que “neste cenário, quando o veículo iniciou a marcha, a mota encontrava-se, isto considerando a velocidade de 100 km/h, a 122 metros, 123”.

13. Esta testemunha analisou ainda qual deveria ser a velocidade adoptada pelo condutor da mota de acordo com a qual lhe teria sido possível evitar o acidente considerando-se, como tal, imobilizar o motociclo sem embater no veículo conduzido pela arguida tendo referido a testemunha RS que o motociclo teria de seguir a uma velocidade de 70 km/h (ou menos) para evitar o acidente.

14. Ora, da prova documental junta aos autos, mormente o ofício das Estradas de Portugal de fls. 641 dos autos e, bem assim, da matéria dada como provada no facto nº 34 constante da douta sentença, resulta manifesto que a velocidade máxima permitida no ponto da via onde ocorreu a colisão era, à data dos factos, de 70 km/h, sendo que, do teor do ofício das Estradas de Portugal de fls. 641 do qual resulta inequívoco que à data de Setembro de 2014, com referência ao dia 20/09/2014, à aproximação do entroncamento da Av. do Bom Amor com a Estrada da Sapeira (EN 349, entre os Kms 77,00 e 79.950), no sentido Norte/Sul, existia, ao km 77,00, o conjunto de sinais B9b + C13 que indicam, respectivamente, aproximação de entroncamento com via sem prioridade e proibição de exceder a velocidade máxima de 70 km/h, entendeu o douto tribunal a quo na sentença proferida que a velocidade máxima permitida no local onde se deu o embate era de 90 km/h.

15. Em face do que se acaba de expor, resulta, salvo o devido respeito que é muito, manifesto não corresponder à verdade que a velocidade máxima permitida no local onde ocorreu o acidente era de 90 km/h mas sim 70 km/h, resultando ainda manifesta a contradição em que o tribunal a quo incorreu ao considerar por provado o facto nº 34 nos termos do qual refere ser de 70 km/h o limite de velocidade existente ao km 77,50 e ao Km 77,810 para depois concluir que, no local do acidente, a velocidade máxima permitida era de 90 km/h conclusão esta a que, salvo o devido respeito que é muito, contradiz in totum do teor do ofício das Estradas de Portugal de fls. 641 que, sem necessidade de mais considerações, impunha decisão diferente da que vem constante da fundamentação da sentença proferida e com a qual a ora recorrente não se conforma.

16. Por outro lado, e mesmo que se admitisse que o limite de velocidade permitido para o local era de 90 km/h – como o que a recorrente não concorda – sempre teria de se considerar que o condutor do motociclo, em face do depoimento prestado pela testemunha RS, circulava a uma velocidade de, pelo menos, 100 km/h, ou seja, superior à permitida para o local ainda que se considera-se como limite os 90 km/h tal como entendido pelo douto tribunal de que se recorre.

Sem prescindir,
17. Considera a ora recorrente que o douto tribunal a quo errou na apreciação do facto que deu por provado sob o nº 37 o qual se refere à quantificação de etanol no humor vítreo apurada no cadáver de LM que se quantificou em 1,23 g/l.

18. Nos termos em que vem decidido pelo tribunal a quo, tal facto não é susceptível de provar que, no circunstancialismo descrito na acusação, LM tripulava o seu motociclo “CQ” com uma taxa de 1,23 g/l de álcool no sangue – cfr. facto I. da matéria dada por não provada –, o que é verdade.

19. Já não é, porém, compreensível que o douto tribunal a quo tenha deixado de considerar, por completo, a relevância que o apuramento da taxa de etanol possa ter para efeitos de apuramento da responsabilidade do condutor do motociclo para a produção do acidente bem como das consequências que do mesmo para aquele resultaram, no caso, o seu falecimento, sendo ainda certo que, e tal como é unânime na jurisprudência, a taxa de etanol apurada no humor vítreo é susceptível de ser convertida, considerando as necessárias variáveis, para apuramento da taxa de álcool existente no sangue.

20. Sendo o próprio tribunal a quo que assim o diz ao referir que, tendo por base o estudo levado a cabo pelo Professou Doutor Alan Jones de acordo com o qual se a concentração de álcool no humor vítreo for dividida a metade, o valor obtido traduzirá, para além da dúvida razoável, um valor de alcoolémia que não seria superior ao valor real, reportado ao momento da morte” (sic) para adiante concluir que “consequentemente, aplicando o referido raciocínio ao caso em apreço, concluiríamos por uma taxa de alcoolémia de, pelo menos, 0,6 g/l.”.

21. Assim, não logrando o condutor do motociclo de evitar a colisão com o veículo conduzido pela arguida seguro pela recorrente e, considerando que caso aquele circulasse a uma velocidade igual ou inferior a 70 km/h teria conseguido evitar o embate, reiterando a circunstância do condutor do motociclo se encontrar a conduzir com uma TAS de, pelo menos, 0,6 g/l, e ainda, não podendo deixar de notar a inexistência de rastos de travagem, resulta evidente que i) o condutor do motociclo imprimia ao veículo uma velocidade superior ao limite legal permitido no ponto da via onde ocorreu a colisão ii) e/ou o condutor do motociclo não conduzia o motociclo com a atenção e nas condições que lhe eram exigidas pelas normas estradais quando, na verdade, não é sequer expectável que uma pessoa, no seu estado normal, que circule na estrada, ao aperceber-se da presença de outro veículo na sua faixa de rodagem, não tente imobilizar o seu veículo seja de que maneira for, nomeadamente, travando.

22. No caso em apreço, tal nem sequer aconteceu em face da total inexistência de rastos de travagem do motociclo no local como, aliás, o atesta a sentença proferida.

23. Por outro lado, e conforme resultou evidente do depoimento prestado pela testemunha RS acima identificada, a arguida, condutora do veículo seguro pela recorrente, “demorou 4,42 segundos a concluir a manobra” o que significa que o condutor do motociclo viu a arguida a fazer a manobra durante 4,42 segundos nada tendo feito, durante tal lapso de tempo, para evitar o acidente pois nem sequer travou!

24. Ademais, e tal como resulta manifesto do depoimento prestado pela identificada testemunha, considerando a velocidade mínima a que circulava o veículo conduzido pela arguida, no caso de 22 km/h, e ainda que, o condutor do motociclo se encontrava a uma distância da arguida de 122 a 123 metros, caso o mesmo circulasse a uma velocidade de 70 km/h – que era a permitida para o local – sempre o mesmo teria tido tempo de evitar o embate imobilizando o motociclo em condições de segurança.

25. Nestes termos, resulta manifesto do supra exposto que a actuação do condutor do motociclo foi, no limite, concausa do acidente sub judice, sendo tal concausa determinante quer para a produção do acidente, quer para a verificação dos danos do mesmo resultantes, nomeadamente, o falecimento daquele.

26. Na verdade, mesmo que se equacione ter sido a arguida a dar início ao processo causal que redondou nos danos aqui reclamados, tal nexo causal sempre se deverá ter por interrompido em face da actuação do condutor do motociclo que podendo evitar o acidente, em face da velocidade a que circulava, desatenção na condução e/ou estado diminuído em que se encontrava, não o logrou evitar, não podendo, deste modo, por inexistência de nexo de causalidade, ser imputada à ora recorrente a responsabilidade pela indemnização peticionada nos presentes autos.

27. Ainda que assim não se entenda, afirmando-se a existência de nexo de causalidade entre a actuação da arguida e os danos aqui reclamados, sempre a contribuição do condutor do motociclo na produção desses danos deverá determinar, pelo menos, a redução do quantum indemnizatório em função de tal contribuição a qual, salvo melhor entendimento, sempre deverá ser definida em percentagem não inferior 50% devendo, nestes termos, o montante da condenação ser reduzido em tal percentagem.

28. É entendimento da ora recorrente que, em face da prova produzida, quer documental quer testemunhal, resulta inequívoco que o condutor do motociclo contribuiu activamente para a produção do acidente e, bem assim, para a produção dos danos do mesmo resultantes, o que, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 570º do Código Civil se alega e requer através das presentes alegações de recurso.

29. Em face de tudo quanto se acabou de expor, é entendimento da ora recorrente existir, salvo o devido respeito que é muito, manifesta contradição entre prova documental e testemunhal carreada para os autos e a fundamentação constante da sentença proferida pelo tribunal a quo nos termos da qual se concluiu pela total responsabilidade da ora recorrente no pagamento da indemnização peticionada e com a qual a ora recorrente não pode concordar em virtude da evidente contribuição do condutor do motociclo, LM para a produção do acidente e bem assim dos danos do mesmo decorrentes.

30. O tribunal a quo, muito embora tendo feito uma correcta aplicação das normas constantes nos artigos 483º e 562º, ambos do Código Civil, olvidou a aplicação da norma prevista no nº 1 do artigo 570º do mesmo Código para efeitos de redução da indemnização atendendo à conduta adoptada pelo condutor do motociclo que, nos termos já expostos, se configura como tendo sido concausa para a produção e agravamento dos danos decorrentes do acidente que, ao mesmo, tem, necessariamente, de ser imputado.

Por último,
31. A ora recorrente não se conforma com os montantes indemnizatórios apurados pelo douto tribunal de que se recorre por entender, salvo o devido respeito que é muito, que não foi feita prova quanto a tais montantes.

32. Na verdade, incumbindo aos demandantes provar a efectiva existência de tal vencimento por parte do falecido, nos autos nada consta que ateste a veracidade de tal facto, razão pela qual a recorrente se vê impedida de fazer menção a qualquer documento dado que tal elemento não existe (não existem declarações de rendimentos assim como não existe qualquer recibo de vencimento) tendo o Ao contrário do ocorrido quanto à matéria referente à TAS com que o falecido conduzia, para apreciação do montante alegadamente auferido pelo falecido já bastou o douto tribunal se bastado, para prova de tal facto, com a prova testemunhal produzida. Ainda assim, e mesmo tendo por base o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz, não logra a ora recorrente, salvo o devido respeito que é muito, aferir em que meios probatórios o douto tribunal se baseia para concluir que o falecido auferia um vencimento de cerca de € 1.000 já que a sentença proferida é omissa quanto a tal matéria.

33. Por outro lado, impendendo sobre os demandantes civis o ónus de provar os factos que alegam e, não existindo nos autos qualquer elemento que permita concluir que o falecido auferia um rendimento de € 1.000 mensais, outra conclusão não se poderá retirar que não a de que o falecido LM, muito embora fosse a única fonte de rendimento do lar, não auferia o montante mensal de € 1.000.

34. Por esta razão, sempre a parcela referente a danos patrimoniais futuros – computada em € 138.000 – terá necessariamente de ser reduzida, à falta de outro critério bastante, para o valor correspondente ao montante do salário mínimo nacional em vigor ao ano do acidente, ou seja em 2014, salário este que correspondia a € 485 mensais.

35. Assim, e a provar-se que a recorrente é responsável pelo pagamento da totalidade da indemnização fixada, o que não se aceita atendendo à manifesta contribuição do falecido para a ocorrência do acidente, sempre tal indemnização terá de ser reduzida em face da contribuição de cada um dos intervenientes no sinistro – que se julga ter sido, reitere-se, pelo menos na proporção de 50 % - devendo ainda a parcela fixada a título de dano patrimonial futuro ser reduzida, de acordo com a fórmula de cálculo adoptada pelo douto tribunal de que se recorre para o montante de € 133.830 (€ 485 x 276 meses) “ao qual deverão ser descontadas as despesas que teria com a sua pessoa e que não reverteriam para o bem comum familiar em proporção não superior a metade de todos os valores recebidos”, obtendo-se, assim, o montante de € 66.930 (€ 485 x 276/2).

Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida e, em consequência, deverá, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 1 do artigo 570º, do artigo 483º, do artigo 562º e do nº 3 do artigo 566º, todos do C. Civil atendendo a critérios de justiça, equidade e dentro dos limites impostos pela factualidade provada nos presentes autos, dando-se sem efeito o valor de indemnização inicialmente fixado em face da contribuição do condutor do motociclo para a produção do acidente e dos danos do mesmo decorrentes, só assim se fazendo JUSTIÇA, devendo, em consequência:

a) Em função da contribuição da conduta do lesado para a produção dos danos reclamados nos presentes autos ser a responsabilidade da recorrente excluída sendo, em consequência, absolvida do pedido contra ela formulado;

b) Assim não se entendendo, o que apenas por dever de patrocínio se equaciona, sempre deverá em face da contribuição da conduta do condutor do motociclo, por assumir a natureza de concausa, ser reduzido o quantum idemnizatório fixado em, pelo menos 50%, por se entender ser esta a medida em que o falecido contribuiu para o acidente bem como para os danos do mesmo decorrentes.

c) Ser a indemnização fixada a título de dano futuro ser reduzida para o montante de € 66.930 nos termos já descritos.

C – Respostas ao Recursos

O MP respondeu ao recurso da arguida, e os assistentes, aos dois recursos.

C.1. Resposta do MP ao recurso da arguida

Na sua resposta, o MP apresentou as seguintes conclusões (transcrição):

1. O arguido foi condenado nestes autos da prática um crime de homicídio por negligência, na pena de multa de 150 (cento e cinquenta) dias, à taxa diária de € 7 (sete euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 12 (doze) meses;

2. A Recorrente pugna pela aplicação de uma pena de multa e pena acessória mais próxima do limite mínimo;

3. Contudo, entendemos nós que agiu o Tribunal a quo dentro da lei valorando as circunstâncias que depuseram a favor e contra a Recorrente, sopesando cada uma delas, e chegou à pena que aplicou à arguida dentro da lei, nada pode ser apontado ao mesmo.

4. Entende o Ministério Público que a pena que foi aplicada à Recorrente não merece qualquer reparo, uma vez que foram observadas todas as regras na determinação da pena e da medida concreta da mesma, devendo a mesma ser mantida na íntegra.

Termos em que, em nosso entender, deverá ser negado provimento ao recurso e confirmado a douta sentença recorrido nos seus precisos termos.

C.2. Resposta dos assistentes ao recurso da arguida

Nesta resposta, os assistentes apresentaram as seguintes conclusões (transcrição):

I.A taxa de álcool apurada do cadáver da vítima LM não concorreu para a produção do acidente.

II. A prova da influência do álcool no sinistro, em caso de taxas de álcool baixas, como a dos autos, será sempre uma prova indiretamente obtida, decorrente da análise do evento concreto, da forma como se desenrolou e do comportamento do condutor no seu decurso.

III. Se um condutor é interveniente numa colisão em que se demonstra que outro veículo lhe surge inopinadamente pela frente, desrespeitando sinalização de prioridade, mais uma vez não será possível estabelecer a relação entre a TAS do primeiro e o evento verificado, tendo sido o que sucedeu no caso dos autos.

IV. Não foi produzida a prova necessária, mesmo que indireta, para poder concluir que foi o facto de LM conduzir com uma taxa de álcool no sangue de 0,6 g/l a causa do evento assinalado.

V. Ao invés, produziu-se prova bastante que, no circunstancialismo espácio-temporal em causa, a arguida, num entroncamento e diante do sinal de trânsito de paragem obrigatória, pretendendo entrar em estrada com prioridade com relação àquela em que se encontrava e a fim de virar à esquerda, avançou, sem se assegurar que nela não circulavam outras viaturas, o que constituiu a única causa, directa e necessária, do sinistro que vitimizou LM.

VI. Por outro lado, sempre se dirá que a análise de humor vítrio para determinação de taxa de alcoolémia é realizada apenas quando a colheita de sangue não é possível, e tal acontece porque o resultado da análise de humor vítrio regista uma elevada variabilidade inter e intra individual.

VII. De facto, como bem refere a douta sentença recorrida, “existe o problema da taxa de conversão a utilizar neste cálculo registar uma substancial variabilidade, inter e intra individual, face à complexidade do metabolismo do álcool etílico, bem como às variações que podem ocorrer na concentração de água do próprio humor vitrio e à circunstância da incerteza se a vítima se encontra em fase de absorção ou de eliminação do etanol, no momento da morte.”

VIII. O Ofício das Estradas de Portugal de fl. 641 não demonstra que o limite de velocidade no local do acidente era de 90km/h.

IX. O Relatório Técnico de Acidente de Viação da PSP de fls. 185 e ss., indica a fls. 194 que “Tal como o referido no ponto anterior, o limite máximo é de 90 Km/h, contudo, só após o entroncamento se encontra estabelecida a velocidade específica de 70 Km/h.”, pelo que bem andou o tribunal a quo ao dar como provado que a velocidade máxima permitida para o local é de 90km/h.

X. Não foi produzida qualquer prova em audiência que demonstrasse que a vítima LM circulava em excesso de velocidade, bem pelo contrário.

XI. Mesmo que a vítima LM se encontrasse a circular em excesso de velocidade no momento do acidente, seria necessário que este circulasse a uma velocidade superior a 300km/h para que não fosse visível para a arguida do ponto do sinal STOP, o que seria impossível dadas as características da viatura em causa.

XII. Assim, foi exclusivamente a conduta da arguida que determinou a produção do acidente.

XIII. A própria determinação da taxa de álcool no sangue da vítima não é certa uma vez que a análise foi efetuada através do humor vítrio e não de recolha de sangue, facto que o tribunal a quo teve em devida conta.

XIV. Não existe assim qualquer prova carreada para os autos de que a taxa de álcool no sangue da vítima terão promovido uma conduta da vítima que tenha concorrido para a produção do acidente.

XV. O que significa que foi exclusivamente a conduta da arguida causadora do acidente que vitimizou mortalmente LM.

XVI. A posição de embate dos veículos não demonstra qualquer corresponsabilidade da vítima LM, uma vez que ficou provado que a arguida no ponto em que se encontrava imobilizada no sinal STOP estava em condições de ver o motociclo conduzido por LM.

XVII. Foi apenas a manobra da arguida realizada de forma imprudente, com violação do dever que sobre si impendia de ceder a passagem aos veículos que circulavam na Avenida do Bom Amor, com prioridade sobre si, que determinou a produção do acidente.

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o recurso interposto pela Arguida ser julgado totalmente improcedente e a sentença recorrida ser confirmada na íntegra.

Assim se decidindo, farão V. Exas. a costumada Justiça!

C.3. Resposta dos assistentes ao recurso da demandada

E nesta resposta, as seguintes conclusões (transcrição):

I.A posição de embate dos veículos não demonstra qualquer corresponsabilidade da vítima LM, uma vez que ficou provado que a arguida no ponto em que se encontrava imobilizada no sinal STOP estava em condições de ver o motociclo conduzido por LM.

II. Foi apenas a manobra da arguida realizada de forma imprudente, com violação do dever que sobre si impendia de ceder a passagem aos veículos que circulavam na Avenida do Bom Amor, com prioridade sobre si, que determinou a produção do acidente.

III. O Ofício das Estradas de Portugal de fl. 641 não demonstra que o limite de velocidade no local do acidente era de 90km/h.

IV. O Relatório Técnico de Acidente de Viação da PSP de fls. 185 e ss., indica a fls. 194 que “Tal como o referido no ponto anterior, o limite máximo é de 90 Km/h, contudo, só após o entroncamento se encontra estabelecida a velocidade específica de 70 Km/h.”, pelo que bem andou o tribunal a quo ao dar como provado que a velocidade máxima permitida para o local é de 90km/h.

V. Não foi produzida qualquer prova em audiência que demonstrasse que a vítima LM circulava em excesso de velocidade, bem pelo contrário.

VI. Mesmo que a vítima LM se encontrasse a circular em excesso de velocidade no momento do acidente, seria necessário que este circulasse a uma velocidade superior a 300km/h para que não fosse visível para a arguida do ponto do sinal STOP, o que seria impossível dadas as características da viatura em causa.

VII. Assim, foi exclusivamente a conduta da arguida que determinou a produção do acidente.

VIII. A taxa de álcool apurada do cadáver da vítima LM não concorreu para a produção do acidente.

IX. A prova da influência do álcool no sinistro, em caso de taxas de álcool baixas, como a dos autos, será sempre uma prova indiretamente obtida, decorrente da análise do evento concreto, da forma como se desenrolou e do comportamento do condutor no seu decurso.

X. Se um condutor é interveniente numa colisão em que se demonstra que outro veículo lhe surge inopinadamente pela frente, desrespeitando sinalização de prioridade, mais uma vez não será possível estabelecer a relação entre a TAS do primeiro e o evento verificado, tendo sido o que sucedeu no caso dos autos.

XI. Não foi produzida a prova necessária, mesmo que indireta, para poder concluir que foi o facto de LM conduzir com uma taxa de álcool no sangue de 0,6 g/l a causa do evento assinalado.

XII. Ao invés, produziu-se prova bastante que, no circunstancialismo espácio-temporal em causa, a arguida, num entroncamento e diante do sinal de trânsito de paragem obrigatória, pretendendo entrar em estrada com prioridade com relação àquela em que se encontrava e a fim de virar à esquerda, avançou, sem se assegurar que nela não circulavam outras viaturas, o que constituiu a única causa, directa e necessária, do sinistro que vitimizou LM.

XIII. Por outro lado, sempre se dirá que a análise de humor vítrio para determinação de taxa de alcoolémia é realizada apenas quando a colheita de sangue não é possível, e tal acontece porque o resultado da análise de humor vítrio regista uma elevada variabilidade inter e intra individual.

XIV. De facto, como bem refere a douta sentença recorrida, “existe o problema da taxa de conversão a utilizar neste cálculo registar uma substancial variabilidade, inter e intra individual, face à complexidade do metabolismo do álcool etílico, bem como às variações que podem ocorrer na concentração de água do próprio humor vitrio e à circunstância da incerteza se a vítima se encontra em fase de absorção ou de eliminação do etanol, no momento da morte.”

XV. A própria determinação da taxa de álcool no sangue da vítima não é certa uma vez que a análise foi efetuada através do humor vítrio e não de recolha de sangue, facto que o tribunal a quo teve em devida conta.

XVI. Não existe assim qualquer prova carreada para os autos de que a taxa de álcool no sangue da vítima terão promovido uma conduta da vítima que tenha concorrido para a produção do acidente.

XVII. O que significa que foi exclusivamente a conduta da arguida causadora do acidente que vitimizou mortalmente LM.

Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o recurso interposto pela Demandada A. Seguros, S.A. ser julgado totalmente improcedente e a sentença recorrida ser confirmada na íntegra.

Assim se decidindo, farão V. Exas. a costumada Justiça!

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto, que pugnou pela manutenção da decisão recorrida.

Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, não foram apresentadas respostas.

Efectuado o exame preliminar, determinou-se que os recursos fossem julgados em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso
De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria), o objecto do recurso define-se pelas conclusões que os recorrentes extraem das respectivas motivações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Na verdade e apesar de os recorrentes delimitarem, com as conclusões que retiram das suas motivações de recurso, o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, este, contudo, como se afirma no citado aresto de fixação de jurisprudência, deve apreciar oficiosamente da eventual existência dos vícios previstos no nº2 do Artº 410 do CPP, mesmo que o recurso se atenha a questões de direito.

As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem, assim, da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do Artº 410 do CPP, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº1 do Artº 379 do mesmo diploma legal.

O objecto dos recursos, tendo em conta aquelas conclusões, reporta-se às seguintes questões:

1) Erro de julgamento (arguida)
2) Apreciação das culpas na produção do acidente (arguida e demandada)
3) Alteração das penas, principal e acessória (arguida)
4) Alteração dos valores indemnizatórios (demandada)
B – Apreciação

Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra fixado, em termos factuais, pela instância recorrida.

Aí, foi dado como provado e não provado, o seguinte (transcrição):

II. Fundamentação
Os Factos
Da discussão, com interesse para a descoberta da verdade, resultaram provados os seguintes factos:

Da acusação pública:
1. No dia 20/09/2014, entre as 16h30 e as 17h, no entroncamento da Estrada da Sapeira, com a Avenida do Bom Amor, em Torres Novas (EN 349), ao Km 79,100, no sentido norte/sul, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes, o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula CL, conduzido pela arguida, e o motociclo de matrícula -CQ, conduzido por LM.

2. LM conduzia o referido motociclo na Avenida do Bom Amor, no sentido norte/sul, proveniente de Chancelaria e em direcção à rotunda onde se situa o Centro Comercial Torreshopping.

3. A arguida conduzia o referido veículo automóvel na Estrada da Sapeira, no sentido este/oeste, proveniente da localidade da Meia Via, e pretendia virar à esquerda no entroncamento com a Avenida do Bom Amor, passando a circular nesta avenida em direcção a sul, ou seja, em direcção à rotunda onde se situa o Centro Comercial Torreshopping.

4. A arguida, ao aproximar-se do referido entroncamento, deparou-se com o sinal vertical de paragem obrigatória, denominado “STOP”.

5. O piso era asfaltado, em bom estado de conservação e com uma via de trânsito para cada sentido de marcha.

6. A arguida, ao pretender mudar de direcção para a esquerda, iniciou a referida manobra sem esperar que os veículos, que circulavam na via onde pretendia entrar, passassem, e, assim, fazendo-o em segurança.

7. …Não se preocupando com eventuais veículos que circulassem no mesmo sentido ou em sentido contrário ou em qualquer dos sentidos na avenida do Bom Amor onde pretendia passar a circular.

8. …Não se certificando que, na via onde pretendia passar a circular, não circulavam outros veículos com prioridade de passagem.

9. Por esse se motivo, o motociclo conduzido por LM embateu no veículo conduzido pela arguida.

10. O referido choque ocorreu entre a parte lateral direita traseira do veículo conduzido pela arguida e a parte dianteira do motociclo conduzido por LM.

11. Em virtude do choque mencionado, LM foi projectado do veículo que conduzia, tendo sofrido várias lesões traumáticas crâniomeningoencefálicas, toracoabdominopélvicas e dos membros superiores e inferiores, que foram causa directa e necessária da sua morte.

12. LM deu entrada nos serviços de urgência do “Centro Hospitalar Médio Tejo, E.P.E.” pelas 17h25 do dia 20/09/2014, já cadáver.

13. A colisão do veículo conduzido pela arguida com o motociclo conduzido por LM foi causada única, exclusivamente e com culpa da arguida que conduzia a sua viatura sem atender aos cuidados que um condutor médio, naquela situação, observaria, revelando descuido e desconsideração pelas regras estradais e demais utentes das estradas.

14. A arguida, ao encontrar-se num entroncamento com sinal STOP, estava obrigada a parar o seu veículo e só avançar após se certificar que não circulava nenhum veículo na via onde pretendia passar a circular.

15. Sabia a arguida que, ao conduzir do modo descrito em 6. e 7., podia produzir o resultado verificado, mas confiou que o mesmo não se verificaria.

16. Sabia a arguida que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
*
Do Pedido de Indemnização cível:
17. Através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º 34/1809274, a responsabilidade civil emergente de danos causados pela viatura com a matrícula -CL (“CL”), da propriedade de JR, e conduzido pela arguida, no contexto espácio-temporal descrito nos autos, estava transferida para a “A. Seguros, S.A.”.

18. LM, nascido a 01/02/1967, faleceu no dia 20/09/2014,

19. …Deixando como seus únicos e universais herdeiros, o seu cônjuge, LP, e seu filho, HP.

20. À data do acidente, LM era uma pessoa alegre, de fácil trato, disponível a ajudar o próximo, acarinhado por toda a sua família, amigos e conhecidos, que nele reconheciam uma pessoa trabalhadora e responsável, com uma excelente relação com a toda a sua família, especialmente com o seu agregado familiar.

21. …Era uma pessoa saudável, sem qualquer problema/constrangimento de saúde, incapacidade ou limitação.

22. LM era o único sustento do seu agregado familiar, composto por si, sua mulher e seu filho menor,

23. Auferindo o valor mensal médio líquido de € 549,40, como alimentador/recolhedor de máquinas na empresa “CMG – Cerâmicas, Lda.”, funções que desempenhava por turnos, o que lhe permitia ter outras fontes de rendimento,

24. Tais como serviços agrícolas e de jardinagem que prestava numa quinta, na freguesia de Chancelaria, concelho de Torres Novas, da propriedade de VV, auferindo um valor médio mensal de € 450.

25. E o valor de cerca de € 40/ € 50 por cada dia de reparação de máquinas agrícolas que prestava.

26. LM era membro da Direcção da Sociedade Filarmónica União Matense.

27. Na data do acidente, LP e HP, viúva e filho de LM, tinham 43 e 13 anos de idade, respectivamente.

28. A assistente e a vítima tinham um casamento feliz, tranquilo e sem desavenças, que plenamente realizava LP como mulher e mãe.

29. Com a morte da vítima, LP viu-se confrontada com o choque da morte do seu marido, tendo ficado apoderada por sentimentos de emoção, desespero, infelicidade angústia e tristeza, que ainda hoje persiste.

30. Com a morte da vítima, houve um decréscimo do rendimento disponível do agregado familiar, com consequências daí advindas, nomeadamente angústia, tristeza e preocupação pela educação do seu filho menor, cujo amor pelo pai sempre foi intenso, para além da cumplicidade e proximidade existente entre ambos.

31. À data dos factos, HP era um jovem adolescente, feliz, empenhado na escola, com aproveitamento escolar.

32. LM era para o filho um modelo a seguir, tendo a sua perda causado sentimentos de ansiedade e de sofrimento, ainda não superados.
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Da contestação da “A. Seguros, S.A.”:
33. A avenida do Bom Amor tem a largura de 6,90 m, com boa visibilidade em toda a sua extensão, possuindo duas vias afectas aos dois sentidos de trânsito.

34. Por sua vez, a estrada da Sapeira é uma via com 9,80 m de largura, com boa visibilidade, possuindo duas faixas de rodagem destinadas a cada um dos sentidos de trânsito.

35. O limite de velocidade permitido na avenida do Bom Amor, é de 90 km/h, sendo que, entre outra sinalização, no sentido norte/sul, ao km 77,500, existe um conjunto de sinais B9b + C13 (entroncamento c/via s/prio. à direita + 70 km/h), e ao km 77,810, existe sinal C13 – 70 km/h.

36. O motociclo “CQ” conduzido por LM embateu no veículo “CL” conduzido pela arguida, na faixa de rodagem da direita da avenida Bom Amor – atento o sentido de trânsito norte/sul, seguido pelo motociclo –, quando esta se encontrava a finalizar a sua manobra de mudança de direcção.

37. LM, na decorrência do embate, foi projectado pelo ar, para uma distância de cerca de 30 metros, tendo embatido numa árvore e posteriormente caído no solo, onde foi socorrido pelos Bombeiros Voluntários de Torres Novas e pelas viaturas do INEM.

38. A 16/10/2014, por colheita recebido no Serviço de Química e Toxicologia do Centro foi apurada, no já cadáver LM, uma quantificação de etanol no humor vítreo por GC /FID*Humor Vítreo, de 1,23 g/l.
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Das condições de vida da arguida:
39. A arguida concluiu o 9.º de escolaridade. Exerce funções de ajudante de geriatria no Lar São João…, onde tem um vínculo laboral efectivo. Vive com o cônjuge, motorista de profissão na empresa “Móveis …”, e com o filho, com 14 anos de idade, estudante.

O rendimento do seu agregado familiar, constituído pelo vencimento do seu cônjuge e pelo seu, é de € 1.400. Paga uma prestação bancária mensal ao banco no valor de € 200, no âmbito de empréstimo contraído para aquisição de habitação. A arguida beneficia de apoio familiar, existindo cumplicidade e apoio entre todos os elementos do agregado. É vista, no seu meio social, como uma pessoa íntegra, com hábitos de trabalho. A situação a que se reporta os autos causou-se ansiedade e instabilidade emocional, necessitando de recorrer a consultas de psiquiatria e a medicação.

40. A arguida, titular de carta de condução desde 03/08/2005, não tem registos de contra-ordenações estradais, nem antecedentes criminais.
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Não resultaram provados, com interesse para a boa decisão da causa, os seguintes factos:

Da acusação pública:
A. Que, no circunstancialismo evidenciado, a arguida não parou no sinal de paragem obrigatória (STOP) com o qual se deparou;
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Do pedido de indemnização civil:
B. Que LM tenha falecido às 17h25m do dia 20/09/2014;

C. Que LM recebesse mensalmente, em média, € 200 pelos serviços de reparação de máquinas agrícolas;

D. Que o falecimento de LM teve um profundo impacto na comunidade, tendo o seu funeral constituído uma manifestação de profundo pesar e consternação, com elevada participação;

E. Que os 45 minutos que decorreram entre o momento do acidente e o momento em que faleceu causaram à vítima profundo sofrimento;

F. Que HP tinha consciência da dedicação do pai ao trabalho, e da importância do seu pai no seu sustento e de toda a família, passando, com a sua morte, a sofrer de ansiedade pela incerteza relativamente ao seu próprio sustento e da sua mãe.
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Da contestação da “A. Seguros”:
G. Que, no circunstancialismo descrito na acusação, LM tripulava o seu motociclo “CQ” a uma velocidade superior a 90 km/h;

H. Que, no circunstancialismo descrito na acusação, LM tripulava o seu motociclo “CQ” com uma taxa de 1,23 g/l de álcool no sangue.
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À demais matéria articulada no pedido de indemnização civil deduzido e na respectiva contestação, não se deu resposta por consubstanciar matéria repetida, conclusiva e de Direito.

Estabelecida a base factual na sentença em análise, importa apreciar da bondade do peticionado pelas recorrentes:

B.1. Erro de Julgamento (arguida e demandada)

Invocam os recorrentes o erro de julgamento em relação a duas concretas matérias, precisamente, as que motivaram a anulação da primeira sentença proferida pela instância recorrida: a determinação do limite de velocidade existente no local, e da velocidade a que circulava o motociclo conduzido pela vítima LM.

Veja-se como na nova sentença sindicada se justificou a motivação da decisão de facto (transcrição):

O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida, cotejada com as regras da experiência comum, tudo analisado em si e entre si.

Com relevância, considerou-se a prova pericial assente no relatório de autópsia médico-legal de fls. 71-75, através do qual apuraram-se as lesões físicas que LM evidenciava no dia 20/09/2014 e que foram a causa da sua morte, bem como o facto de ter entrado nos serviços de urgência do “CHMT, E.P.E.”, pelas 17h25, já cadáver, no confronto com a informação clínica e/ou circunstancial de fls. 7. Bem como a participação do acidente de viação e croqui de fls. 125-127, complementados pelos esclarecimentos prestados pela testemunha CM, agente da PSP de Torres Novas, que o confirmou enquanto sua autora, mais explicando, de forma segura e isenta, os elementos usados na sua elaboração, as características do local onde se deu acidente, nos termos em que se deram como provados, descrevendo-o ainda como sendo uma estrada de grande sinistralidade. No confronto com as fotografias de fls. 176 e 177, confirmou o ponto de conflito aí assinalado, o posicionamento de ambos os veículos, e os danos que estes evidenciavam.

No que contende com a velocidade máxima permitida no local, e tendo por referência o km 79,100 - local onde o acidente se deu -, o Tribunal atendeu ao relatório técnico de acidente de viação elaborado pela PSP, de acordo com o qual: “5.1.5.5. - Velocidade - Limite Geral: A velocidade máxima permitida no local do acidente corresponde ao limite geral fora das localidades, ou seja, 90 km/h, sendo que junto ao entroncamento e após o mesmo em ambos os sentidos da Avenida do Bom Amor, encontra-se localizado o sinal C13 (proibição de exceder a velocidade máxima de 70 quilómetros por hora, tal como se pode verificar nas fotos 7, 8 e 9 do Relatório Fotográfico. 5.1.5.6.

– Velocidade Específica: Tal como referido no ponto anterior, o limite máximo é de 90 km/h, contudo, só após o entroncamento, se encontra estabelecida a velocidade específica de 70 km/h.” (sic) - vide fls. 194 dos autos.

Para melhor percepção do local do acidente, o Tribunal ainda atendeu ao relatório fotográfico de fls. 170-184, com o qual as testemunhas arroladas pela acusação, a referida agente da PSP, ME e JM, foram confrontadas para o efeito, confirmando o local aí retratado.

Quanto à dinâmica do acidente e aos danos daí advindos, considerou-se também o relatório de averiguação automóvel de fls. 238-266 e o relatório técnico de acidente de viação de fls. 185-208, com os esclarecimentos prestados pela testemunha JM, agente da PSP do Entroncamento. Da análise destes relatórios, foi ainda possível determinar a inexistência de marcas de travagem no local deixadas pelo motociclo, o que inviabilizou o apuramento da velocidade em que o mesmo circulava quando se deu o embate, e ainda a hipótese aí contemplada de a vítima conduzir o motociclo sob o efeito de uma taxa de 1,23 g/l de álcool no sangue, relativamente à qual a testemunha explicou que a mesma assentou no relatório elaborado pelo Serviço de Química e Toxicologia Forenses (junto a fls. 75). Deste relatório de toxicologia, e atendendo ao seu teor, o Tribunal considerou relevante o facto de, através de amostra entregue a 26/09/2014, ter sido apurado, no cadáver de LM, uma quantificação de etanol de 1,23 g/l, no humor vítreo e não no sangue, levando este facto para o elenco dos factos provados.

DL, agente da PSP no Entroncamento, no confronto com o relatório do acidente, de fls. 185-208, referiu ter fiscalizado a sua elaboração, tendo tido acesso a todos os elementos que o sustentaram. Mais referiu que, atendendo às características da Avenida do Bom Amor, onde ocorreu o acidente, o motociclo tinha uma visibilidade de 400 m de distância, e que veículo “CL” parado no entroncamento teria que o ter visto, diante da boa visibilidade existente. Aliás, neste sentido, foi também a conclusão extraída pela “Carcrash”, quando escreve no respectivo documento: “Através de uma análise de visibilidade, considerando as características do local dos acontecimentos e atendendo a um tempo padrão de manobra de viragem à esquerda, verificam-se indícios de que quando o veículo Opel Astra iniciou a marcha, o motociclo encontrava-se no interior do campo de visão da condutora do primeiro.” (sic) - vide último § de fls. 264 e fls. 265 dos autos.

No mesmo sentido, NR, profissional de seguros e prestador de serviços para a seguradora demandada desde 2004, de forma segura, relatou a sua ida ao local do acidente no dia 09/11/2014, descrevendo as suas características e a sinalética existente. Mais expendeu sobre as conclusões que retirou quanto à dinâmica do acidente, dizendo que o motociclo tinha uma visibilidade de 500 metros da extensão da estrada e de toda a sua largura, com cerca de 8 metros, e a condutora do veículo “CL” tinha uma visibilidade, para a sua direita e para a sua esquerda, de cerca de 150 metros. No seu entender, a vítima, circulando a 70 km/h teria condições para parar o ciclomotor ao avistar, a 200 metros, o veículo “CL” saído do entroncamento. Por fim e quanto aos danos observados nas viaturas, disse concluir que o embate se deu quando o veículo “CL” já estava a concluir a manobra. Sucede que, para além de a vítima poder circular a uma velocidade até 90 km/h no local onde se deu o embate, atendendo à prioridade da via onde circulava impendia sobre a arguida e não sobre LM a obrigação de não avançar sem assegurar que o fazia em total segurança, quando este estava no seu campo de visão.

Relativamente à (in)evitabilidade do acidente, também RS, sócio-gerente da “Carcrash”, prestadora de serviços da seguradora demandada, no confronto com o relatório da reconstituição do acidente por si elaborado, de fls. 539-591, a pedido da “A”, explicou o método utilizado, a observação que fez do local em Outubro de 2017 e os elementos tidos em conta, entre os quais, o “PC” assinalado no croqui realizado, os danos dos veículos, do qual resultou, no seu entender, que, de entre muitos cenários possíveis, o veículo “CL” seguia a uma velocidade de 20/30 km/h, e o ciclomotor “CQ” a uma velocidade de 100/108 km/h quando se deu o embate, reconhecendo, contudo, inexistirem marcas de travagem no piso, estando aquele veículo a finalizar a manobra nesse momento. Ora, não existindo marcas de travagem no piso ou outro elemento objectivo, sendo que o facto de inexistirem marcas no piso não significa por si só que o motociclo não tenha travado, não é possível concluir com a segurança necessária que o motociclo circulava àquela velocidade extraída daquele relatório de reconstituição do acidente, sendo que aquela é uma de entre outras possíveis. Repare-se, aliás, que no documento elaborado pela “Carcrash” de fls. 263 265 dos autos, refere-se: “existem indícios de que o motociclo Honda encontrava-se a uma velocidade entre 87 e 109 Km/h no instante do impacto.” (sic). Para além de tratarem-se de meros indícios, ainda pondera como possível a circulação do motociclo a uma velocidade permita no local - 87 km/h. E no relatório de reconstituição do acidente elaborado pela “Carcrash”, a fls. 550 dos autos, escreveu-se: “(…) verificou-se que quem provém da estrada da Sapeira para entrar na avenida do Bom Amor tem uma visibilidade para toda a largura da faixa de rodagem para o seu lado direito até uma distância mínima de 400 metros.” (sic). E, distanciando-se algo daquela conclusão, escreveu-se aqui: “(…) Assim e no que diz respeito às velocidades de impacto, conclui-se que, aquando do embate, o Opel seguia a uma velocidade compreendida entre 22 e 30 km/h, enquanto o Honda seguia com uma velocidade compreendida entre 100 e 108 km/h.” (sic) - vide último § de fls. 573 dos autos. Ora, esta incongruência quanto às conclusões da velocidade em que o motociclo circularia quando se deu o embate, extraídas pela mesma entidade, não permite ao Tribunal aduzir que o motociclo circulava a uma velocidade superior a 90 km/h, ou seja, superior à legalmente permitida e, muito menos, que tenha, dessa forma, contribuído para o acidente.

Mais constatou a referida testemunha, em consonância com a demais prova produzida, que, quando o veículo “CQ” arranca do entroncamento, o motociclo teria que estar no seu campo de visão, a não ser que este circulasse a uma velocidade superior a 300 km/h, velocidade que o próprio motociclo não atinge. De relevo, referiu ainda que, de acordo com o estudo realizado, o motociclo só conseguiria evitar o embate no veículo conduzido pela arguida se circulasse a uma velocidade de 70 km/h. A dar como boa esta ilação e não tendo sido possível apurar a velocidade em que circulava o motociclo, diante da ausência de marcas de travagem no piso e à divergência de conclusões extraídas pela mesma entidade no documento de fls. 263-266 dos autos e no relatório de fls. 539-541 dos autos, o que os fragiliza, sabendo-se, ademais, que, no local onde se deu o embate, a velocidade máxima permitida é de 90 km/h e não 70 km/h (conforme se concluiu erradamente no relatório da “Carcrash”), bastaria que LM imprimisse ao seu motociclo uma velocidade superior a 70 km/h para não conseguir evitar o embate no veículo “CQ”, ou seja, independentemente de circular dentro do limite legal de velocidade de 90 km/h, a vítima nunca conseguiria evitar o embate no veículo. Por outro lado, do facto provado que o motociclo “CQ” conduzido por LM embateu no veículo “CL” conduzido pela arguida, quando esta se encontrava a finalizar a sua manobra de mudança de direcção, causando danos na parte lateral/traseira do veículo, também não podemos extrair que o motociclo circulasse em excesso de velocidade, mas, diferentemente, que foi surpreendido com a entrada do veículo na faixa de rodagem em que seguia.

Por isso, não logrou a adesão da prova a defesa apresentada pela companhia de seguros e pela própria arguida, no sentido de que a vítima conduzia em excesso de velocidade quando se deu o embate, e a velocidade em que seguia o motociclo foi a causa do acidente ou que, de algum modo, contribuiu para o mesmo.

Ao invés, e esta é a convicção formada pelo Tribunal, tendo a condutora do veículo automóvel, no contexto espácio-temporal em causa, visibilidade bastante para avistar o motociclo a circular na avenida do Bom Amor, deveria, de acordo com a prudência exigível e em respeito pelas regras estradais de prioridade de passagem, aguardado a passagem do motociclo antes de decidir avançar para aquela avenida - estrada com prioridade -, por forma a evitar o embate ocorrido.

De notar ainda que a arguida, optando por prestar declarações, fê-lo de forma espontânea e colaborante. Revelou, assim, preocupação com a sua intervenção no sinistro e da responsabilidade que do mesmo lhe possa advir, mas também considerando o infortúnio ocorrido, de forma sentida e algo transtornada, ao qual o Tribunal não foi indiferente.

Desta forma, preconizou uma versão do embate praticamente semelhante à vertida na acusação pública, designadamente quanto ao circunstancialismo espácio-temporal, assim como às condições climatéricas que se faziam sentir no dia em que aquele se deu, afirmando, contudo, ter parado no STOP, nada tendo feito que pudesse contribuir para o embate em causa, assegurando-se que na avenida do Bom Amor não circulava qualquer viatura, quando decidiu fazer a manobra de virar à esquerda “olhando para a direita e para a esquerda e da esquerda para a direita” (sic). Referiu, assim, ter sido surpreendida pelo embate do motociclo conduzido pela vítima, na traseira da sua viatura, quando já se encontrava na faixa de rodagem da direita, com a viatura já posicionada no sentido norte/sul, deixando implícito que o condutor do motociclo circularia a uma velocidade excessiva.

Contudo, a descrição do circunstancialismo que precedeu o embate feita pela arguida não convenceu totalmente o Tribunal, no confronto, designadamente, com tudo o quanto já exposto quanto aos demais meios de prova, com as características evidenciadas do local, com os depoimentos das testemunhas presenciais ME e RV e com as regras da experiência comum.

Destarte, pese embora não tenha sido evidenciado que a arguida não parou diante do sinal STOP – a arguida negou-o, qualquer testemunha o afirmou, e o relatório técnico de acidente de viação realizado pela PSP (fls. 185-208), também, assim, o não concluiu, em razão do que se considerou este facto não provado, assim como que, nesse momento, a arguida conduzisse sem se preocupar com eventuais veículos que circulassem no mesmo sentido ou em sentido contrário ou em qualquer dos sentidos da avenida do Bom Amor onde pretendia passar a circular –, a sua declaração de inocência ficou fragilizada com os depoimentos daquelas testemunhas, as quais, de forma séria e bastante segura, disseram ter visto, a cerca de 150 metros de distância, o veículo conduzido pela arguida a atravessar a avenida do Bom Amor, vinda da estrada da Sapeira, e a posicionar-se na hemi-faixa da direita, atento o sentido de trânsito em que seguia o motociclo, quando este embateu no seu veículo. Ora, se estas duas testemunhas viram o veículo conduzido pela arguida, assim como a testemunha RV viu o motociclo conduzido por LM a aproximar-se do entroncamento quando a arguida iniciou a travessia da avenida Bom Amor, atendendo às características da via, uma recta com excelente visibilidade, a arguida também estava em condições de ver aquele assim como a viatura conduzida por RV, facto que a mesma negou.

O Tribunal está, pois, em crer que a arguida, depois de parar no STOP, decidiu avançar, contudo, sem previamente certificar-se devidamente que na via onde pretendia passar a circular não circulavam outros veículos e que poderia fazer a manobra pretendida em total segurança, ou seja, de forma impudente, com violação do dever que sobre si impendia de ceder a passagem aos veículos que circulavam na Avenida do Bom Amor, com prioridade relativamente a si.

A respeito das suas condições de vida, o Tribunal atendeu ao relatório social determinado realizar, junto a fls. 606-608. A informação e fls. 163 e o seu RIC de fls. 353, serviu para aferir da sua carta de condução e da ausência de registos contra-ordenacionais, e o seu CRC, de fls. 611, relevou para atestar a ausência de antecedentes criminais.

As declarações da assistente LP e das testemunhas por si arroladas, VV, OR, JS, AO e MLS, atenta a forma espontânea e simples com que depuseram, serviram para atestar os factos articulados no pedido de indemnização civil deduzido por aquela, em seu nome, na qualidade de viúva da vítima, e do seu filho, menor de idade, nos termos que se consideraram provados, no confronto, ademais, com os documentos juntos no pedido de indemnização, tal como o recibo de vencimento da vítima e os extractos bancários da sua conta, e a escritura de habilitação de herdeiros junta aos autos. Depuseram sobre as qualidades humanas e profissionais de LM, o seu bom estado de saúde, o seu contributo no sustento do agregado familiar, e a dor sentida, quer pela viúva, quer pelo filho, diante de uma relação familiar gratificante e de coesão. OR, pese embora tenha afirmado que a vítima prestava-lhe serviços, pagando por cada dia de trabalho o valor de cerca de € 40/€ 50, não foi seguro quanto à periodicidade com que aquele o fazia, em razão do que, na falta de demais prova, não se deu como provado que, por esses serviços, LM auferia mensalmente o valor de cerca de € 200.

Qualquer uma das testemunhas inquiridas também não atestou os demais factos, considerados, assim, não provados, sendo que, quanto ao momento da morte, ficou evidenciado que o mesmo ocorreu no local do acidente, e não pelas 17h25, sendo esta a hora em que LM chegou aos serviços de urgência do Hospital, já sem vida, o que também se atesta pela informação prestada nos autos pelos Bombeiros que conduziram a vítima, já sem sinais vitais, para o Hospital.

No que respeita aos factos não provados articulados na contestação da “A. Seguros, S.A.” ao PIC contra si deduzido, os mesmos não lograram a adesão da prova, nos termos já apreciados no que contende com o alegado excesso velocidade em que LM circulava e da sua contribuição para o acidente.

Quanto ao valor da taxa de etanol de 1,23 g/l apurado no humor vítrio da vítima já cadáver, equivalente a uma taxa de etanol no sangue de 0,6 g/l, de acordo com o relatório de autópsia médico-legal realizado e junto aos autos de fls. 71-74, o mesmo, por si só, não se mostra bastante para concluir que a própria vítima, nessas circunstâncias, tenha contribuído para a ocorrência do sinistro em causa, conforme infra se aduzirá, na subsunção dos factos ao Direito aplicável.”

As duas questões em que se alicerça a impugnação factual das recorrentes são, como é evidente, particularmente sensíveis para a globalidade da decisão, na medida em que, conjugadas com a circunstância de LM circular com uma taxa de alcoolémia que se situaria nos 0,6 g/l no sangue, podem ter a virtualidade de exigir a reponderação das culpas na produção do acidente, com todas as consequências daí decorrentes, quer em sede criminal, para a arguida, quer em sede civil, para a aí demandada.

Analisemo-las de per si.
Em relação à primeira, como se escreveu no anterior acórdão desta Relação…tem que ver com o limite de velocidade existente no local do acidente: era ele, de 70 km/hora, ou de 90 km/hora?

O facto provado nº34 não permite dilucidar a questão, mas percebe-se pelo exposto na motivação, que o tribunal recorrido considerou que a velocidade máxima permitida no local era de 90 km/hora, baseando-se, para tanto, na informação prestada pelas Infraestruturas de Portugal constante de Fls. 641.

Ora, não só a dita informação parece indicar o contrário – ou seja, que a velocidade máxima permitida no local era de 70 km/hora – como outros elementos existem nos autos que também devem contribuir para tal assunção probatória, como o relatório técnico da PSP de Fls. 194 e as fotos de Fls. 174/175, alusiva à sinalização vertical ali existente.

Fica-se assim sem se perceber, ao certo, qual a velocidade máxima permitida no concreto local do embate que o tribunal recorrido assumiu como assente e quais os meios de prova em que fundou tal convicção.

Nesta segunda decisão, o tribunal recorrido, consagra (Artº 35 da factualidade como provado que “O limite de velocidade permitido na avenida do Bom Amor, é de 90 km/h, sendo que, entre outra sinalização, no sentido norte/sul, ao km 77,500, existe um conjunto de sinais B9b + C13 (entroncamento c/via s/prio. à direita + 70 km/h), e ao km 77,810, existe sinal C13 – 70 km/h.”, explicitando que a motivação para tal assunção probatória decorre de Fls. 194, em concreto, o teor do relatório técnico de acidente de viação elaborado pela PSP.

Com o devido respeito, não parece assistir razão ao tribunal a quo nesta assunção probatória.

Com efeito, quer o teor do aludido relatório não é tão claro como a decisão recorrida parece confiar, como o mesmo tem que ser conjugado com outros elementos constantes dos autos, nomeadamente, o teor da informação prestada pelas Infraestruturas de Portugal constante de Fls. 641, e as fotos de Fls. 174/176 que acompanham o aludido relatório técnico.

Ora, do teor do ofício das Estradas de Portugal – entidade adequada para o esclarecimento desta matéria atentas as suas competências - resulta inequívoco que por referência ao dia do acidente (20/09/14) e o local do mesmo, o Km 79,100 da Avª do Bom Amor com o entroncamento com a Estrada da Sapeira, sentido Norte/Sul, entre os Kms 77,00 e 79.950, existia, aos kms 77,500, 78,810, 78,930 e 79,010, os sinais conjuntos B9b + C13 que indicam, respectivamente, aproximação de entroncamento com via sem prioridade e proibição de exceder a velocidade máxima de 70 km/h.

Cruzada esta informação com a constante do mencionado relatório técnico, verifica-se que essa sinalização vertical de proibição de circular a mais de 70 km/hora estava presente junto ao referido cruzamento, como se pode observar pelas fotos de Fls. 174/176 que retratam o local do sinistro.

Nessa medida, as referidas fotografias confirmam a mencionada informação das Infraestruturas de Portugal, desmentindo alguma imprecisão de linguagem do relatório técnico da PSP, quando afirma que a proibição específica só se verificaria após o cruzamento, o que de todo não se poderia aceitar,
pela total ausência de sentido.

Existem assim elementos bastantes para observar a pretendida impugnação factual dos recorrentes, devendo assim a sentença recorrida ser alterada no que concerne à assunção probatória relativa à velocidade máxima permitida no local, que deverá ser fixada em 70 km/hora.

O mesmo acontece no que respeita à segunda questão controvertida e que se relaciona com a velocidade a que circulava o motociclo conduzido pela vítima LM.

O tribunal recorrido entendeu que não tinha elementos para determinar essa velocidade, até pela inexistência de rastos de travagem do referido motociclo e por alguma divergência que notou nos vários documentos em que é apontada essa eventual velocidade, sendo certo que é percebível que o seu raciocínio se desenvolve no pressuposto de que a velocidade máxima permitida no local era de 90 km/hora – e não os 70 km/hora que agora vão ser fixados - pelo que, em qualquer caso, não havia prova suficiente que pudesse indicar que a vítima circulava em excesso de velocidade, até porque um dos estudos em causa admitia que o veículo deste pudesse transitar a uma velocidade e 87 km/hora, ou seja, inferior à que o tribunal recorrido considerava como a velocidade máxima admitida no local.

Nessa medida, considerou o tribunal a quo, como factualidade não provada, que LM tripulasse o seu motociclo a uma velocidade superior a 90 km/hora (Al. G.)

Também aqui, com o devido respeito por opinião contrária, entende-se que o decidido pelo tribunal recorrido contraria, frontalmente, a prova produzida e constante dos autos.

A verdade, é que se deu por provado que o local do acidente era uma recta com boa visibilidade em toda a sua extensão e que o embate ocorreu quando a arguida já se encontrava a finalizar a sua manobra de mudança de direcção para a esquerda, com o seu veículo já posicionado na hemifaixa de rodagem onde circulava o motociclo, que nele veio a embater na sua traseira direita, não deixando no local quaisquer vestígios de travagem.

Sobre esta matéria, vários depoimentos foram produzidos, com especial destaque para a testemunha RS que, no âmbito das diligências levadas a cabo para efeitos de averiguação do acidente, se deslocou ao local e elaborou o relatório de reconstituição de sinistro que se encontra junto aos autos a Fls. 539/591, utilizando a metodologia de simulação computacional que tem por base um software relativo ao cálculo da velocidade, as posições e as trajetórias dos veículos intervenientes no acidente.

Este relatório é um documento de trabalho exemplar, feito com grande rigor científico, que foi explicitado em Audiência por quem o elaborou, nele se apontando para que a arguida tenha demorado cerca de 4,42 segundos a concluir a manobra de mudança de direcção para a esquerda, circulando a uma velocidade entre 22 e 30 km/hora e que o motociclo da infeliz vítima circularia a uma velocidade compreendida entre os 100 e 108 km/hora, ou seja, manifestamente, em excesso de velocidade, acrescendo ainda a circunstância de o veículo da arguida lhe ser visível a cerca de 400 metros, circunstância que decorre do testemunho de DL, agente da PSP, que se deslocou ao local após o acidente e que a própria decisão recorrida tem como boa, como se alcança da leitura da sua motivação factual.

É certo, que em outro relatório, emitido pela Carcrash, se sinaliza uma velocidade para o veículo da arguida entre os 10 e os 20 km/hora, e para o da vítima entre os 87 e 0s 109 km/hora, mas tais diferenças entre as conclusões sobre a velocidade a que circulariam os veículos intervenientes no acidente para além de não serem particularmente significativas – não se justificando, por isso, a qualificação de incongruentes que lhes é dada pela sentença recorrida – apontam, no essencial, para que o motociclo de LM transitasse a uma velocidade superior a 90 km/hora.

Trata-se de uma conclusão que é imposta pela apreciação concatenada da localização e dimensão dos danos provocados nos veículos intervenientes, da distância a que foi projetado o corpo de LM e o motociclo por este conduzido, à posição final dos veículos intervenientes após o embate, à inexistência de qualquer rasto de travagem por parte do motociclo e ao facto daquele conduzir com uma taxa de álcool de, pelo menos, 0,6 g/l, tudo, nos termos da normalidade da vida, a razoabilidade das coisas e as regras da experiência comum.

Trata-se assim de matérias – Artº 35 da factualidade provada e alínea G) da não provada – em que a prova produzida em tribunal, não só permitia, como impunha, ao Mmº Juiz a quo, uma decisão diversa da que foi assumida e no sentido que é pugnado pelas recorrentes.

É certo que no nosso ordenamento jurídico, e particularmente no processo penal, não existe prova tarifada, inexistindo regras de valoração probatória que vinculem o julgador, pelo que, por regra, qualquer meio de prova deve ser analisado e valorado de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (Artº 127 do CPP), onde se estipula que: Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

Tal princípio assenta, fundamentalmente, em duas premissas:

A de que o juiz decide de forma livre e de acordo com a sua íntima convicção, formada a partir do confronto das provas produzidas em audiência.

E que tal convicção há-de ser formada com base em regras de experiência comum.

Nestes termos, o juiz não está sujeito a critérios de valoração de cada um dos meios probatórios, legalmente pré-determinados, sistema da prova legal, sendo o tribunal livre na apreciação que faz da prova e na forma como atinge a sua convicção.

Contudo, sendo esta uma apreciação discricionária, não é a mesma arbitrária, tendo a referida apreciação os seus limites.

Não verdade, livre convicção não pode ser sinónimo de arbitrariedade.

Ou seja, a livre apreciação da prova tem sempre de se traduzir numa valoração "racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência (…), que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão” de modo a que seja possível, por qualquer pessoa, entender porque é que o tribunal se convenceu de determinado facto, ou, dito de outro modo, porque é que o juiz conferiu credibilidade a uma testemunha e descredibilizou outra, por exemplo.

Também o Prof. Cavaleiro Ferreira, in « Curso de Processo Penal », 1986, 1° Vol., pág. 211, diz que o julgador, sem ser arbitrário, é livre na apreciação que faz das provas, contudo, aquela é sempre « vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório ».

Directamente ligada a esta apreciação livre das provas, e determinante na formação da convicção do julgador, está o princípio da imediação, que Figueiredo Dias, ob. cit., pág. 232, define como «a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão».

«(...) Só estes princípios (também o da oralidade) permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. E só eles permitem, por último, uma plena audiência destes mesmos participantes, possibilitando-lhes da melhor forma que tomem posição perante o material de facto recolhido e comparticipem na declaração do direito do caso».

Nessa avaliação probatória e na aferição global de toda a prova produzida, designadamente, como a da situação sub judice, o juiz deve fazer essa exegese segundo as regras da experiência comum, com bom senso e de acordo com a normalidade da vida e o sentido das coisas.

A prova não pode, contudo, ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada.

O julgador tem de apreciar e valorar a prova na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção.

Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, os elementos de prova que se mencionaram eram suficientes o bastante para que o tribunal a quo, de acordo com as regras de experiência e a razoabilidade das coisas, assumisse por adquirido que a velocidade máxima permitida no local do acidente era de 70 km/hora e que o motociclo conduzido por LM circulava a velocidade superior a 90 km/hora.

Importa trazer à colação o já afirmado em Acórdão deste Tribunal da Relação, em 03/05/07, proferido no processo n.º 80/07-3 disponível no sítio da internet www.dgsi.pt,

«O erro na apreciação das provas relevante para a alteração da decisão de facto pressupõe, pois, que estas (as provas) deveriam conduzir a uma decisão necessária e forçosamente diversa e não uma decisão possivelmente diferente; se a interpretação, apreciação e valoração das provas permitir uma decisão, diversa da proferida, mas sem excluir logicamente a razoabilidade desta, neste caso pode haver erro na apreciação das provas, mas não será juridicamente relevante para efeitos de modificação da matéria de facto pelo Tribunal Superior; a decisão proferida com base numa interpretação e valoração (ainda que discutíveis) fundamentadas nas provas produzidas contida no espaço definido pela livre apreciação das provas e pela convicção por elas criada no espírito do juiz, não pode ser alterada, a menos que contra ela se apresentem provas irrefutáveis, já existentes nos autos e desconsideradas ou supervenientes.

Por outras palavras: a sindicância da decisão de facto deve limitar-se à aferição da sua razoabilidade em face das provas produzidas …

… A segunda instância em matéria de facto não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas tão só apreciar se a convicção expressa pelo tribunal a quo na decisão da matéria de facto tem suporte razoável …»

Esta é, com o devido respeito, a situação dos autos.

Houve assim, nesta parte, uma errada apreciação e valoração das provas, o que se reconduz a um erro de julgamento da matéria de facto, verificável pela ponderação concertada das provas produzidas e respectivo exame crítico, de onde não resulta a formulação do juízo efectuado pela instância sindicada.

A decisão, nesta parte, do tribunal recorrido, desprezou uma interpretação e valoração que, baseada em meios de prova credíveis e seguros, apresentam força bastante para desenharem, com a consistência necessária, um juízo factual diverso em relação à matéria descrita nos Artsº 35 da factualidade provada e al. g) da não provada e, consequentemente, também dos Artsº 9 e 13 da factualidade apurada, por brigarem com a definição de culpas na produção do evento e, nessa medida, com a fixação da pena a aplicar à arguida e com a indemnização civil a atribuir, matérias que serão analisadas nos segmentos seguintes.

Procedem, pois, os recursos, nesta parte.

B.2. Apreciação das culpas na produção do acidente
A este nível, as recorrentes defendem, em síntese apertada, que existe uma situação do concurso de culpas na produção do acidente, já que o excesso de velocidade em que circulava o veículo de LM e a circunstância de o mesmo conduzir o veículo com uma TAS de 0,6 g/l. foram também elementos essenciais para que o evento fatal ocorresse.

Sobre esta matéria, escreveu-se na decisão recorrida (transcrição):

Do Direito
Do Crime de Homicídio por negligência
Dispõe o artigo 137.º, n.º 1 do Código Penal que quem matar outra pessoa por negligência é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
*
A opção legislativa pela punição da negligência no crime de homicídio afigura-se insusceptível de contestação, não apenas do ponto de vista da dignidade penal, porque atinente à protecção de um dos bens jurídicos merecedores de maior salvaguarda, a vida humana, mas também presentes as necessidades de prevenção geral, que avultam e assim o exigem, face aos contornos da sociedade hodierna, dita de risco, massificadora de fontes de perigo para os bens jurídicos em geral, nestes se incluindo, por definição, a existência de cada um. Confrontado com o crime doloso, apresenta o ilícito negligente duas especificidades fundamentais a reter, quais sejam, a distinta relação que intercede entre acção e resultado, dado que apenas no primeiro a vontade do agente se dirige à produção daquele último, e a circunstância de a punibilidade de um facto negligente se alicerçar, inexoravelmente, na realização típica integral, o que não se prefigura mister com relação ao facto doloso.

Em termos genéricos, e numa primeira aproximação a esta temática, podemos afirmar constituírem elementos deste tipo: a conduta do agente, violadora – quer por acção, quer por omissão –, de um dever objectivo de cuidado, a que estava obrigado (desvalor da acção); a produção do resultado típico, ou seja, a morte de outra pessoa, irrelevando os meios ou o modo empregues pelo agente conducentes a esse fim (desvalor do resultado); e a imputação objectiva deste resultado àquela conduta, neste último factor se descortinando o elemento estruturante dos crimes negligentes em geral, desde já, e sem prejuízo de uma sua detalhada dissecação (cfr. infra), se podendo dar como assente pressupor, “por um lado, um nexo causal entre a acção do agente e o resultado produzido, causalidade essa apurada segundo um juízo de prognose póstuma; por outro, a violação de um dever objectivo de cuidado, ou, se preferirmos, a violação de uma norma de cuidado” (cfr. o Ac. do TRP de 16/05/07, in www.dgsi.pt).

A propósito do referido dever objectivo de cuidado, assume este duas vertentes, a primeira se consubstanciando num dever de cuidado interno, isto é, o dever de representar ou prever o perigo para o bem jurídico protegido pela norma e de valorar esse perigo (sendo, aliás, este dever que permite a punição da negligência inconsciente, porquanto pressupõe a falta de cuidado interno), e a segunda num dever de cuidado externo, relacionado com o dever de agir correctamente, com vista a evitar a produção de um resultado típico, cuja omissão implica que o agente não tenha usado da diligência exigida pelas circunstâncias concretas para evitar o evento. Não sendo susceptível de uma sua fixação em geral, a afirmação do dever de cuidado “far-se-á caso a caso, em função das particulares circunstâncias da actuação do agente” (Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense ao Código Penal, I, Coimbra Editora, 1999, 261), sempre sendo imprescindível que este possa e seja capaz de agir em conformidade com um tal dever, uma vez que, a assim não suceder, e em nome do princípio da não exigibilidade, jamais se lhe poderia assacar qualquer censura. Quanto à determinação do grau de negligência necessário, dever-se-á ter em consideração o cuidado que, segundo a maneira de ser corrente no respectivo meio social ou profissional, se exige a uma pessoa que se encontre na posição do agente, através de um juízo ex ante reportado ao cuidado exigível ao homem médio.

Retomando a premissa da imputação do resultado à conduta, na procura de uma concretização dos critérios que lhe hão-de presidir, assume particular relevância a violação de normas de cuidado, susceptível de “constituir legitimamente indício do preenchimento do tipo de ilícito”, sem que, contudo, em caso algum, o possa fundamentar (Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, Coimbra Editora, 1999, 108). Em causa estará, pois, a “violação de exigências de comportamento em geral obrigatórias, cujo cumprimento o Direito requer na situação concreta respectiva, para evitar realizações não dolosas de um tipo objectivo de ilícito” (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, I, Coimbra Editora, 2004, 641), na medida em que se evidenciem ao serviço específico do tipo de ilícito em causa, para cuja dilucidação se deve atentar nas normas de comportamento comunitárias, independentemente do seu jaez jurídico, e, em última análise, ao critério do “cuidado objectivamente imposto pelo concreto comportamento socialmente adequado”, o mesmo é dizer, “à não correspondência do comportamento àquele que, em idêntica situação, teria um homem fiel aos valores protegidos, prudente e consciencioso” (Figueiredo Dias, ob. cit., 644).

Critério fundamental de delimitação do tipo de ilícito negligente na actualidade assenta no denominado princípio da confiança, particularmente relevante em sede de direito estradal, de acordo com o qual “quem se comporta no tráfico de acordo com a norma de cuidado objectivo, deve poder confiar que o mesmo sucederá com os outros, salvo se tiver razão concretamente fundada para pensar de outro modo” (Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, Coimbra Editora, 1999, 109). No cerne deste princípio da confiança, podemos indubitavelmente divisar um outro, o da auto-responsabilidade de terceiros, no fundo, a assunção de que cada um é, e se comporta, responsavelmente. Saliente-se, ainda, que o tipo de culpa negligente contende com a “censurabilidade da acção ilícita típica em função da atitude interna juridicamente desaprovada que naquela se expressa e a fundamenta” (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, I, Coimbra Editora, 2004, 661), surgindo sempre que à prática do facto subjaz um comportamento interno do agente revelador de descuido ou de leviandade perante o Direito. Desta forma, a punibilidade a título de negligência pressupõe, não apenas a violação do dever de cuidado nos termos supra expendidos, mas ainda a adopção de uma conduta que não afaste o perigo ou evite o resultado, mau grado “aquele se apresentar como pessoalmente cognoscível e este como pessoalmente evitável” (Figueiredo Dias, ob. cit., 663). Para a sua aferição, caberá olhar ao tipo de homem da espécie do agente, provido que seja das qualidades e capacidades deste.
*
Convoquemos as normas de direito estradal pertinentes ao caso.

O Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 01-10, que aprova o regulamento da sinalização de trânsito, no que ora releva, dispõe no seu artigo 21.º, sob a epígrafe “Sinais de cedência e passagem”, o seguinte: B2 – Paragem obrigatória no cruzamento ou entroncamento: indicação de que o condutor é obrigado a parar antes de entrar no cruzamento ou entroncamento junto do qual o sinal se encontra colocado e ceder a passagem a todos os veículos que transitem na via em que vai entrar (sublinhado nosso).

Em causa está uma contra-ordenação classificada, em conformidade com o art. 145.º, n.º 1, al. f) do mesmo Código, como grave, sendo punível com coima, prevista na alínea a) do artigo 23.º do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 01-10, cujos limites mínimo e máximo ascendem, respectivamente, a € 100 (cem euros) e a € 500 (quinhentos euros), e, concomitantemente, com sanção acessória de inibição de condução, com as durações mínima de um mês e máxima de um ano, de acordo com a previsão do respectivo art. 147.º, n.º s 1 e 2. Retenha-se, ainda, que, em homenagem ao princípio plasmado no art. 133.º do C.E., a negligência é sempre sancionada.
*
Presentes os considerandos vindos de entretecer, revertamos ao caso sub judice.

Produzida a prova, resultou demonstrado que, nas circunstâncias de tempo e lugar melhor discriminadas no libelo acusatório, a arguida, no dia 20/09/2014, cerca das 16h30/17h00, no entroncamento da Estrada da Sapeira com a Avenida do Bom Amor, em Torres Novas, conduzia o veículo ligeiro de passageiros, com a matrícula -CL (“CL”), no sentido este-oeste, proveniente da Meia Via, e pretendia, chegada a esse entroncamento, virar à esquerda a fim de passar a circular naquela Avenida em direcção a sul, à rotunda onde se situa o Centro Comercial “Torreshopping”. Assim como que, nesse momento e na Avenida do Bom Amor, no sentido norte/sul, LM conduzia o seu ciclomotor com a matrícula -CQ (“CQ”).

Mais se evidenciou que, nesse entroncamento, a arguida foi deparada com o sinal vertical de paragem obrigatória (“STOP”), e ao pretender mudar de direcção para a esquerda, iniciou a referida manobra sem esperar que os veículos, que circulavam na via onde pretendia entrar, passassem, por forma a realizar tal manobra em segurança, ou seja, não se certificando que, na via onde pretendia passar a circular, não circulavam outros veículos com prioridade de passagem. E, por causa deste comportamento temerário da arguida, LM, que se aproximava do referido entroncamento, embateu na traseira/lateral do veículo conduzido pela arguida, daí sendo projectado pelo ar, até cerca de 30 metros, embatendo uma árvore e depois no chão, o que causou as lesões físicas que conduziram à sua morte.

Conforme, com propriedade, ensina a jurisprudência, “como fenómeno dinâmico que é um qualquer acidente de viação, o seu processo causal não é, muitas vezes, de fácil apreensão e compreensão, impondo-se ao julgador uma tarefa mental de recreação ou de reconstituição a partir de todos os elementos disponíveis carreados ao processo, não já para atingir a evidência ou a certeza integral, mas para chegar àquele grau de probabilidade bastante para fundar uma convicção, para consentir a crença quanto às causas do evento” (cfr. o Ac. do TRC de 26/02/13, in www.dgsi.pt).

Ora, presente a factualidade que surtiu demonstrada, atestamos a infracção pela arguida do sinal de trânsito que impõe a cedência de passagem por aqueles que circulam em estrada que emboca num entroncamento com uma outra estrada, a favor dos veículos que nesta circulam e que, por isso, têm prioridade de passagem face àqueles.

Destarte, o sinistro ocorreu cerca das 16h30/17h do dia 20/09/2014, o mesmo é dizer, ainda de dia, numa recta, com boa visibilidade e cujo piso estava em boas condições de conservação, com existência de um sinal vertical de paragem obrigatória, com o qual a arguida foi confrontada ao chegar ao entroncamento. Por outro lado, a arguida, diante desse sinal, pese embora não se tenha feita prova que não parou, pretendendo entrar avenida do Bom Amor, na qual os veículos que aí circulam têm prioridade, e, assim, mudar de direcção para a esquerda, não se certificou que naquela circulavam outros veículos, entre os quais, o motociclo conduzido por LM, provocando o embate deste na traseira lateral do seu veículo, no momento em que havia, praticamente, concluído a manobra, já na faixa de rodagem em que circulava o motociclo. Impunha-se-lhe, por conseguinte, considerar a hipótese, assaz provável, mormente àquela hora, de haver outras viaturas em circulação, tanto que um condutor de outra viatura, que circulava na Avenida do Bom Amor, no sentido sul/norte, a cerca de 150 metros, avistou o veículo da arguida e a manobra por si realizada, que conduziu ao embate ocorrido.

E, sem prejuízo de incumbir à arguida ceder a passagem ao ciclomotor, atenta a estrada com prioridade em que este circulava, nada nos autos nos leva a concluir, conforme defendido pela arguida e pela seguradora demandada, que o arguido conduzisse a uma velocidade excessiva, seja ela em termos absolutos ou relativos, sendo a velocidade máxima permitida no local onde se deu o embate de 90 km/h.

E no que contende com a taxa de etanol de 1,23 g/l, detectada no humor vítrio do cadáver da vítima, por forma a considerar-se que conduzia sob o efeito do álcool e, assim, assacar-lhe uma qualquer responsabilidade na produção do sinistro, dir-se-á o seguinte, percorrendo a análise feita pelo Acórdão da Relação de Guimarães, datado de 30/01/2014, relatado por António Santos, consultável in www.dgsi.pt:

“De acordo com o estudo publicado pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto da autoria de Rui Rangel com o título “Toxicologia forense” (in http://medicina.med.up.pt/legal/NocoesGeraisCF.pdf) a colheita de humor vítreo para doseamento do álcool etílico deve ser levada a cabo em estados de putrefacção avançada; a par da colheita de sangue para determinação de álcool etílico, aponta a possibilidade de efectuar essa pesquisa em diversos outros fluidos, tais como urina, humor vítreo, líquido sinovial, medula óssea ou saliva. Estas alternativas – que poderão não ser semelhantes em termos de rigor, ponto que o estudo não aborda – dão conta das diversas variáveis que é necessário atender para garantia da fidedignidade dos resultados e da existência de outros meios ao dispor dos peritos na hipótese de não ser viável uma análise através do sangue.”.

Por outro lado, no próprio relatório de autópsia médico-legal realizado (fls. 71-74 verso), esclarece-se, a respeito, o seguinte: “Merece o caso em apreço que se teçam algumas considerações relativamente à determinação da concentração de álcool etílico que foi efectuada numa amostra de humor vítrio, em virtude de não ter sido possível obter sangue femural devido às perdas hemorrágicas significativas resultantes das múltiplas lesões supra descriminadas. Importa começar por referir que o humor vítrio é um espécimen relevante na toxicologia forense, tratando-se de um fluído relativamente limpo, facilmente colhido em sede de autopsia, cuja localização minimiza efeitos de contaminação post mortem sendo ainda de simples processamento analítico. O álcool etílico distribui-se por todos os tecidos e fluídos orgânicos em função do seu teor em água, nomeadamente para o humor vítrio possibilitando, deste modo, estabelecer uma correlação com a concentração de álcool no sangue através da determinação da concentração de álcool em humor vitrio. Contudo, existe o problema da taxa de conversão a utilizar neste cálculo registar uma substancial variabilidade, inter e intra individual, face à complexidade do metabolismo do álcool etílico, bem como às variações que podem ocorrer na concentração de água do próprio humor vitrio e à circunstância da incerteza se a vítima se encontra em fase de absorção ou de eliminação do etanol, no momento da morte. Efectuada esta ressalva e reportando-nos ao artigo científico intitulado Uncertanly in estimanting blood etanol concentrations by analysis of vitreous humour, publicado em 2001 na Revista Journal of Clinical Pathology, em que um dos autores é o Professor Doutor Alan Jones, personalidade de reconhecido mérito no estudo desta problemática, utilizaremos a proposta cientificamente fundamentada nele concretizada da que se a concentração de álcool no humor vitrio for dividida a metade, o valor obtido traduzirá, para além da dúvida razoável, um valor de alcoolémia que não seria superior ao valor real, reportado ao momento da morte. Consequentemente, aplicando o referido raciocínio ao caso em apreço, concluiríamos por uma alcoolémia de, pelo menos, 0, 6 g/l. (...).” (sublinhado nosso).

Postas estas considerações, e dando como boa a taxa de álcool de 0,6 g/l no organismo da vítima, no momento da sua morte, tal, por si só, não se mostra bastante para concluir que LM contribuiu para a produção do sinistro verificado.

Os estudos mais recentes sobre o tema revelam que o álcool, sendo um depressor do sistema nervoso central, afecta a capacidade de condução, e os seus efeitos são tanto mais perniciosos quanto maior é a quantidade ingerida. Apenas uma percentagem marginal é directamente eliminada através da urina. A parcela não eliminada entra na corrente sanguínea e é transportada para os diversos órgãos do corpo, afectando progressivamente as capacidades físicas e psíquicas – e logo, o exercício da condução – à medida que vai atingindo o cérebro. Os efeitos provocados pelo consumo do álcool no exercício da condução são os mais diversos e ainda que variem de condutor para condutor, assumem essencialmente as seguintes características: a) Diminuição da capacidade de reacção, nomeadamente, perante eventos inesperados; entorpecimento; b) Descoordenação psicomotora, perceptível em travagens bruscas, golpes de volante, etc; c) Redução da capacidade de análise de eventos exteriores (diminuição da capacidade de avaliar a velocidade do próprio veículo, diminuição da capacidade de avaliar a distância de obstáculos e a velocidade de aproximação de outros veículos); d) Redução da capacidade de seguir linearmente uma trajectória; e) Instala-se o excesso de confiança, indutor de comportamentos imprudentes e muitas vezes aumenta a agressividade (tanto a agressividade social como a agressividade da própria condução); sensação de bem-estar e ilusória sensação de aumento das suas capacidades, que na verdade se encontram diminuídas; f) Redução do campo de visão e da visão periférica.

Por outro lado, em função dos estudos que vêm sendo feitos sobre a matéria, a comunidade científica está tendencialmente de acordo relativamente à influência e relação entre o exercício da condução após consumo de álcool e o risco de envolvimento em acidente mortal, que aumenta exponencialmente à medida que cresce a concentração de álcool no sangue. Vem sendo, assim, considerado em diversos artigos publicados sobre o tema, e no que respeita à taxa de álcool em causa, que uma taxa de álcool de sangue de 0,50 g/l, aumenta 2 vezes o risco de acidente mortal, e 0,80 g/l, aumenta 4 vezes esse risco. Sobre o tema, para além de uma vastidão de artigos disponíveis na internet e nas revistas do ACP (Segundo um artigo do ACP datado de 20/12/2010, “os condutores mais jovens e sem grande experiência ao volante ao conduzirem com uma alcoolemia de 0,50 g/l correm um risco 2,5 vezes superior àquele a que estão expostos os condutores mais idosos e experientes”) e da Prevenção Rodoviária Portuguesa, veja-se “Direito Penal Rodoviário – Os crimes dos Condutores”, P.U.C., 2007, págs. 144 e ss.

Essa prova, contudo, não é, normalmente, uma prova directa. Claro que para as TAS mais elevadas é possível que a mera visualização do descontrole psicomotor do condutor, percepcionado após o acidente, permita sem dificuldade estabelecer a inaptidão para o exercício da condução e, portanto, sem necessidade de mais rebuscadas considerações, ficará estabelecida uma relação causal entre a influência do álcool e o acidente.

De facto, a prova da influência do álcool no sinistro, em caso de taxas de álcool baixas, como a dos autos, será sempre uma prova indirectamente obtida, decorrente da análise do evento concreto, da forma como este se desenrolou e do comportamento do condutor no seu decurso. Assim, e meramente a título de exemplo, se porventura um condutor é interveniente num despiste e se determina uma causa mecânica, como o fortuito rebentamento dum pneu, não há como estabelecer, só por isso, uma relação entre este evento e uma TAS ilícita de que porventura fosse portador; se um condutor é interveniente numa colisão em que se demonstra que outro veículo lhe surge inopinadamente pela frente, desrespeitando sinalização de prioridade, mais uma vez não será possível estabelecer a relação entre a TAS do primeiro e o evento verificado; se um condutor circula, ainda que com velocidade algo superior à legalmente permitida no local e efectua uma travagem que por força de areia ou óleo existentes no pavimento lhe provoca uma derrapagem seguida de despiste ou do atropelamento de um peão, ainda assim não será possível imputar à TAS excessiva com que exerça a condução, a causa do evento. O estabelecimento da relação causal entre uma taxa de álcool no sangue e um evento estradal civil ou criminalmente relevante não opera, pois, automaticamente através dum silogismo do tipo álcool = nexo de causalidade. Esse nexo causal terá sempre que ser estabelecido através da prova concretamente produzida.

E, no caso dos autos, qualquer outra prova segura foi produzida relativamente à condução da vítima, como por exemplo, que o fizesse em excesso de velocidade e/ou que, perante a intercepção da arguida, violadora do dever de cedência de passagem, não tenha sido capaz de controlar o seu ciclomotor por causa do estado de alcoolémia em que se encontrava. Não foi produzida a prova necessária, mesmo que indirecta, para podermos concluir que foi o facto de LM conduzir com uma taxa de álcool no sangue de 0,6 g/l a causa do evento assinalado.

Ao invés, produziu-se prova bastante que, no circunstancialismo espácio-temporal em causa, a arguida, num entroncamento e diante do sinal de trânsito de paragem obrigatória, pretendendo entrar em estrada com prioridade com relação àquela em que se encontrava e a fim de virar à esquerda, avançou, sem se assegurar que nela não circulavam outras viaturas, o que constituiu a única causa, directa e necessária, do sinistro que vitimizou LM.

A opção assumida pela arguida de avançar, entrando na estrada onde circulava o ciclomotor conduzido pela vitima, não cedendo a passagem a quem tinha prioridade, fez aumentar a probabilidade de produção do resultado, em comparação com o risco permitido, e, como tal, deve ser condenada e punida nos termos pelos quais vem acusada. A arguida descurou os comandos que lhe eram impostos naquele concreto entroncamento, exerceu a condução, actividade a priori perigosa, enquanto potenciadora dos mais diversos riscos por parte de quem utiliza as vias de comunicação, displicentemente, avançando sem ceder a prioridade a quem tinha direito, sendo capaz de se ter comportado diferentemente por estar ao seu alcance a observância do sinal de trânsito que infringiu – não porque não tivesse parado, mas porque prosseguiu temerariamente sem respeito pela prioridade do motociclo –, e que deveria ter cumprido, mas que escolheu incumprir, em ordem a evitar o resultado sobrevindo, que poderia e deveria ter previsto, mas que não previu, não se conformando com a sua produção por mera leviandade. Na realidade, e sendo certo que sequer careceu de assistência médica, ficando-se somente com estragos no veículo que conduzia, facto é que, como consequência directa e necessária da sua inopinada condução, faleceu o condutor do motociclo, LM. Assim, necessariamente, se conclui pela sua negligência.

Não ocorrem quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou de desculpação.

Desta forma, encontram-se preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do crime em apreço, em consequência sendo legítimo concluir que a arguida incorreu na sua prática.”

Está, pois, em causa, a questão da eventual concorrência de culpas, que o tribunal recorrido desprezou, por entender que não podia ser imputável ao condutor do motociclo a violação de qualquer regra estradal e não ser possível concluir que a circunstância de conduzir com uma TAS de 0,6 g/l pudesse ser uma das causas do infeliz acidente.

Ora, como se viu da aferição atrás efectuada, a factualidade provada será alterada no sentido de se consignar que LM conduzia o seu motociclo a velocidade superior a 90 km/hora, sendo que a velocidade máxima permitida no local era de 70 km/hora.

Em matéria de velocidade, constitui princípio geral, como se sabe, que o condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às caraterísticas e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras manobras cuja necessidade seja de prever, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente (Artº 24.º nº 1 do Código da Estrada vigente à data dos factos).

Provou-se, nos autos, que o local do acidente tinha boa visibilidade em toda a sua extensão, para ambos os intervenientes – ou seja, ambos tinham visibilidade suficiente para se terem apercebido da presença um do outro - o que quer dizer que também o condutor do motociclo teve as condições necessárias para se ter apercebido da presença do veículo conduzido pela arguida e tentar evitar o acidente.

Nestas condições, era exigível à vítima uma maior prudência, pois todos os condutores tenham ou não prioridade de passagem, têm a obrigação de reduzir a velocidade nos entroncamentos (Artº 25 nº1 al. f. do Código da Estrada), sob pena de cometerem, como a arguida, uma condução temerária.

Todavia, não só, aparentemente, nada fez para isso – já que não se denotaram quaisquer rastos de travagem – como por certo essa intenção, a ter existido, terá sido frustrada pela circunstância de circular, objectivamente, em velocidade excessiva, por exceder, largamente o máximo ali permitido.

A inexistência de rastos de travagem estará também por certo relacionada com a capacidade de reacção de LM estar efectada em consequência de circular com uma TAS de 0,6 g/l.

A referida testemunha RS referiu que o motociclo teria de seguir a uma velocidade de 70 km/h (ou menos) para evitar o acidente, sendo certo que o embate ocorre, como se provou, quando o veículo conduzido pela arguida estava, já, a finalizar a sua manobra de mudança de direcção para a esquerda.

Todavia, mesmo que assim não fosse, é imperioso concluir que caso a vítima circulasse, no seu motociclo a uma velocidade de 70 km/h - que era a permitida para o local – se não tivesse tido tempo para imobilizar o motociclo em condições de segurança, sempre as consequências do embate não seriam tão graves como resultaram, isto é, o seu falecimento.

A TAS, aliada à velocidade que LM imprimia ao seu motociclo foram, no quadro circunstancial em apreço, causais do evento do qual resultou a sua morte, porquanto, se circulasse dentro dos limites de velocidade legalmente estabelecidos para aquele local e não apresentasse uma TAS de 0,6 g/l que, inevitavelmente, diminuiu a sua resposta sensitiva e o tempo de reação, teria imobilizado o motociclo em segurança evitando o presente sinistro ou, em última instância, a colisão poderia eventualmente ter ocorrido mas nunca com as consequências trágicas que daí decorreram.

Sem colocar em dúvida o raciocínio expendido pelo tribunal recorrido no que concerne à condução negligente e temerária empreendida pela arguida e à circunstância de ter sido esta a dar início ao processo causal do acidente dos autos, este sempre se deverá ter por interrompido em face da actuação do condutor do motociclo que podendo evitar o acidente, em face da velocidade a que circulava, desatenção na condução e/ou estado diminuído em que se encontrava, não o logrou evitar.

Dito de outra forma.
Sem que se duvide da existência de nexo de causalidade entre a actuação da arguida e a ocorrência do evento, a velocidade imprimida ao motociclo não foi indiferente para a sua produção, bem como, a circunstância de o arguido circular com uma TAS de 0,6 g/l, impondo-se a conclusão de que ambos os condutores contribuíram para a produção do sinistro, o qual não teria ocorrido se, quer um, quer outro, tivessem cumprido com as regras do Código da Estrada.

Deste modo, ambos os condutores contribuíram para a produção do sinistro, em medidas iguais, determinando-se que a actuação da arguida e do condutor do motociclo foram concausa do acidente sub judice, na proporção de 50% cada um.

Nessa medida, os Artsº 9 e 13 da factualidade apurada serão alterados em conformidade, de forma a retratar esta concorrência de culpas.

Procedem, também aqui, os recursos.

B.3. Alteração das penas aplicadas pelo tribunal recorrido
Defende a arguida, na sequência do atrás decidido, uma diminuição da pena que lhe foi aplicada, nos termos do Artº 71 do C. Penal.

Sobre esta matéria, consignou-se no acórdão recorrido (transcrição):

III. Da Escolha e Determinação da Medida da Pena
*
Enquadrada jurídico-legalmente a conduta da arguida importa agora determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar.

O facto ilícito típico praticado pelo arguido é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa – artigo 137.º/1 do Código Penal.

Regula o artigo 40.º/1, do Código Penal que A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. A aplicação de penas tem, assim, por finalidade a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa – a culpa é, pois, o pressuposto e limite da pena (artigo 40.º/2 do Código Penal). A pena, na sua execução, deverá sempre ter um carácter socializador e pedagógico, para além de que deverá ser proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente (artigo 40.º/3 do Código Penal)

O critério basilar na escolha da pena, quando há que optar entre pena não detentiva e pena privativa da liberdade, encontra-se previsto no artigo 70.º do Código Penal, onde se encontra regulado que, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Expressa este preceito legal a preferência pelas penas não privativas da liberdade, sempre que estas se revelem suficientes para a realização das finalidades da punição (essencialmente, a prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos). O Julgador deve, assim, optar pela cominação de pena não privativa da liberdade, sempre que a mesma se mostre consentânea com os princípios de prevenção geral e especial face à violação da norma ocorrida.

A aplicação das penas visa, por um lado, reafirmar na comunidade a manutenção da validade das normas jurídicas violadas, repondo a confiança dos cidadãos na validade e vigência dessas normas sempre que tenham sido abaladas pela prática de um crime (prevenção geral positiva ou de integração) e, por outro lado, possibilitar a reintegração do arguido na sociedade, através da “prevenção da reincidência” (prevenção especial positiva).

A determinação da pena concreta far-se-á de acordo com o estabelecido no artigo 71.º do Código Penal, considerando a culpa do agente, as exigências de prevenção e, bem assim, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente. No entanto, sem perder de vista o regulado no n.º 2 do artigo 40.º do Código Penal Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Acresce que, se por um lado, o limite superior da pena é o da culpa do agente – vigora o Princípio da Culpa, fundado nas exigências irrenunciáveis do respeito pela dignidade da pessoa humana (arts. 1.º e 25.º da CRP) -, por outro, o limite abaixo do qual a mesma não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva, segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas além de constituir um elemento dissuasor, sendo que dentro desta moldura da culpa será determinada a medida da pena assente nas regras de prevenção especial de socialização, ou seja, configurará a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade causando-lhe, tão-só e apenas, o mal necessário.

A prevenção geral positiva ou de integração está assim, incumbida de fornecer o limite mínimo abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a sua função tutelar, e a culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva, cabendo à prevenção especial a determinação da medida concreta da pena, atendendo, ainda, às circunstancias favoráveis e desfavoráveis ao agente na medida em que se mostrem relevantes, como preceitua o artigo 71.º/2 do Código Penal, encontrando-se, assim, a pena adequada e justa.

É patente a preferência do legislador pelas penas não privativas da liberdade.
*
Na situação presente, são elevadas as exigências de prevenção geral a reclamar, por isso, uma punição que reafirme eficazmente a validade das normas violadas. De todo o modo, não podemos deixar de considerar que estas razões foram já tidas em conta pelo legislador ao fixar a moldura penal abstracta.

Por outro lado, as exigências de prevenção especial não são significativas, na medida em que a arguida nunca foi condenada pela prática de qualquer crime, estando bem inserida social, profissional e familiarmente.

Nestes termos, entendemos que a pena de multa realiza de forma eficaz as finalidades da punição, motivo pelo qual o Tribunal opta pela pena de multa.
*
Para a determinação concreta da medida da pena, recorrendo ao preceituado no artigo 71.º/1 do Código Penal, devem ponderar-se todas as circunstâncias que, em termos de culpa e de prevenção, não fazendo parte do tipo legal, depuserem a favor ou contra o agente, nomeadamente as referidas no n.º 2 da mesma disposição legal.

No caso em apreciação, ponderar-se-ão as seguintes circunstâncias que depõem contra a arguida: o grau de culpa da arguida, no caso, a negligência com que actuou, através da violação do dever de cuidado que se lhe impunha, na observância de uma condução mais prudente, ajustada às regras estradais que o local onde se deu o sinistro impunha; o elevado grau de ilicitude do facto, considerando a importância do bem jurídico em causa, a vida, e, a morte que a conduta por si assumida causou.

E a favor da arguida, há que atender, à sua boa inserção social, familiar e profissional, sendo tida como uma pessoa pacata, trabalhadora. Assim como releva a conduta da arguida anterior e posterior ao facto, materializada na ausência de antecedentes criminais registados e de qualquer contra-ordenação estradal durante o já longo período de tempo em que é titular de carta de condução, há mais de 10 (dez) anos.

Considerando os elementos descritos e a levar em conta na determinação da medida concreta da pena, importa realçar, contudo, que constituindo o limite inultrapassável da pena, a culpa fornece-nos o quantum máximo de pena que ao arguido pode ser aplicada.

Por todo o exposto, e tendo por referência a moldura penal conferida pelo artigo 47.º/1 do Código Penal (A pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos no n.º 1 do artigo 71.º, sendo, em regra, o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360), entende-se adequado aplicar ao arguido uma pena de multa que se situe pouco abaixo do meio da pena, ou seja, em 150 (cento e cinquenta) dias.

Cumpre agora determinar o quantitativo diário da pena de multa aplicada.
A multa deve representar, efectivamente (…), para o delinquente, um sofrimento análogo ao de uma prisão correspondente, embora dentro de condições mais humanas. (…) a pena de multa deve corresponder sempre, de acordo com as condições sócio-económicas e financeiras do condenado, a uma privação que, não sendo de liberdade, ele sinta como verdadeira” (Reforma do Código Penal. Trabalhos Preparatórios, vol. III, pág. 86).

Resultou provado que o rendimento do agregado familiar da arguida, constituído pelo seu vencimento e do seu marido, é de € 1.400, suportando uma prestação mensal de € 200, e tem um filho menor, estudante. Assim, conjugando as necessidades de prevenção especial com as finalidades utilitaristas da prevenção geral, considera o Tribunal justo, proporcional e adequado fixar em € 7 (sete euros) o quantitativo diário da multa; o que perfaz um total de € 1.050 (mil e cinquenta euros).

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Da Pena Acessória de proibição de conduzir veículos a motor
Nos termos pelos quais a arguida vem acusada, É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime de homicídio (…) cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário (…)

Destarte, a lei admite a aplicação de penas acessórias – artigos 65.º e seguintes do Código Penal. Neste âmbito e na parte que aqui interessa, o artigo 69.º, na sua redacção actual e vigente à data dos factos a que se reportam os presentes autos, estabelece que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime de homicídio, com efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e podendo abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria (artigo 69.º, n.º 2).

A pena acessória – que não se confunde com a sanção acessória, que visa sancionar, acessoriamente, a prática de contra-ordenações graves e muito graves, nos termos enunciados no Código da Estrada – tem um carácter dissuasor, exercendo uma função de prevenção geral de intimidação perante a constatação de exercício de condução especialmente censurável, visando evitar que os condutores pratiquem uma condução que ponha em perigo a vida ou a integridade física de outrem, ou bens patrimoniais alheios de valor elevado e que ingiram elevadas quantidades de álcool quando conduzem. A proibição de conduzir veículos motorizados, enquanto pena acessória, deve ser determinada de acordo com o critério enunciado no artigo 71.º do Código Penal, antes citado, ou seja, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo por base “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”.

Os factores de determinação da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor correspondem aos acima analisados a propósito da medida concreta da pena principal. No dizer de Figueiredo Dias (“Direito Penal Português”, Parte Geral, II, “As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, Coimbra, 1993, pág. 165), esta pena acessória tem por pressuposto material “a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável. (…) Por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação (…) deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano”.

Sendo, como vimos, o grau de ilicitude e as exigências de prevenção geral elevadas (em que a vida de um homem saudável e activo se esvaiu na decorrência da violação do dever de cuidado cometida pela arguida), a negligência com que o crime foi cometido, e as exigências de prevenção especial reduzidas (uma vez que a arguida não tem antecedentes criminais ou de infracção rodoviária), reputa-se como justa e adequada a proibição de conduzir veículos a motor por período que se situe pouco abaixo do meio da moldura penal abstracta, tal como se ponderou na determinação da medida da pena, ou seja, pelo período de 12 (doze) meses.

Como se sabe, na determinação da pena concreta, relevam, nos termos do Artº 71 do C. Penal, as necessidades de prevenção geral e especial que nos autos se imponham, bem como, as exigências de reprovação do crime, não olvidando que a pena tem de ser orientada em função da culpa concreta do agente e que deve ser proporcional a esta, em sentido pedagógico e ressocializador.

Como ensina Figueiredo Dias in Direito Penal, Parte Geral, Tomo 2, As consequências jurídicas do crime, 1988, pág. 279 e segs:

«As exigências de prevenção geral, ... constituirão o limiar mínimo da pena, abaixo do qual já não será possível ir, sob pena de se pôr em risco a função tutelar do Direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada;

As exigências de culpa do agente serão o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, por respeito ao princípio politico-criminal da necessidade da pena (Artº 18 nº2 da CRP) e do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (consagrado no nº1 do mesmo comando).

Por fim, as exigências de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão determinar, em último termo e dentro dos limites referidos, a medida concreta da pena»

Importa ainda ter em conta que:
«A função primordial de uma pena, sem embargo dos aspectos decorrentes de uma prevenção especial positiva, consiste na prevenção dos comportamentos danosos incidentes sobre bens jurídicos penalmente protegidos.

O seu limite máximo fixar-se-á, em homenagem à salvaguarda da dignidade humana do condenado, em função da medida da culpa revelada, que assim a delimitará, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que social e normativamente se imponham.

O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que em concreto ainda realize eficazmente essa protecção dos bens jurídicos.

Dentro destes dois limites situar-se-á o espaço possível para resposta às necessidades da reintegração social do agente.

Ainda, embora com pressuposto e limite na culpa do agente, o único entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena é a tutela de bens jurídicos e, (só) na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade» - cf. Anabela Miranda Rodrigues, RPCC, Ano 12º, nº 2, pág. 182 e Ac. do STJ de 4-10-07, Proc. nº 2692/07 - 5ª.

Na sequência do que supra se decidiu e que se reporta à concorrência de culpas entre a condução da arguida e da vítima na produção do acidente, entendemos assistir razão à recorrente, na medida em que a pena aplicada pelo tribunal a quo – não merecendo qualquer censura a escolha pela pena de multa - se mostra, face à alteração verificada, exagerada e excessiva para com as exigências de prevenção geral e especial que o caso suscita, devendo, por isso, ser alterada em conformidade.

Dizem-nos os Artsº 71 e 40, ambos do C. Penal, que na determinação de uma pena, o tribunal deve ater-se à culpa do agente, bem como, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, deponham a favor ou contra o agente, com vista à protecção dos bens jurídicos subjacentes à norma violada e à reintegração do agente na sociedade, sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Conjugando o já ponderado pela instância recorrida, quer o que lhe é desfavorável – “a negligência com que actuou, através da violação do dever de cuidado que se lhe impunha, na observância de uma condução mais prudente, ajustada às regras estradais que o local onde se deu o sinistro impunha; o elevado grau de ilicitude do facto, considerando a importância do bem jurídico em causa, a vida, e, a morte que a conduta por si assumida causou – quer o que abona a seu favor – “a sua boa inserção social, familiar e profissional, sendo tida como uma pessoa pacata, trabalhadora. Assim como releva a conduta da arguida anterior e posterior ao facto, materializada na ausência de antecedentes criminais registados e de qualquer contra-ordenação estradal durante o já longo período de tempo em que é titular de carta de condução, há mais de 10 (dez) anos” com a circunstância, relevante, de a condução da vítima ter contribuído, na mesma proporção da arguida, para a produção do evento fatal, é inevitável concluir que daí resulta uma diminuição do grau de ilicitude e do juízo de censura susceptível de lhe ser assacado, o que terá de ter consequências na medida da pena, assim se justificando que a mesma seja reduzida para os 100 (cem) dias de multa, por se mostrar adequada à gravidade do crime, à ilicitude dos factos cometidos, e às razões de prevenção geral e especial que no caso concorrem.

A recorrente não impugna o valor diário da multa, nem o que foi fixado pela instância recorrida neste domínio demanda qualquer reparo, razão pela qual permanecerá inalterado.
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Também no que toca à pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados aplicada pelo tribunal a quo, importa proceder a uma redução do que ali foi fixado.

Em linguagem técnico-jurídica, a sanção acessória de inibição de conduzir anda associada às contraordenações estradais e tem natureza administrativa, ao passo que a proibição de conduzir, prevista no Artº 69 do C. Penal, constitui uma verdadeira pena acessória.

Na verdade, pese embora o conteúdo material seja idêntico – ambas se traduzem na proibição de conduzir veículos automóveis – a sanção acessória de inibição de conduzir, prevista no Artº 138 do C. Estrada, aplicável às contraordenações graves e muito graves (Arts 145 e 146 do mesmo Código, respectivamente) tem natureza administrativa (tal como os ilícitos de mera ordenação social a que se aplicam), ao passo que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, prevista no Artº 69 do C. Penal, constitui uma pena criminal (sendo esta a da natureza da infracção que lhe dá origem).

Na situação dos autos, estamos, por isso, na presença de uma verdadeira pena acessória, tal como está prevista no Artº 69 do C. Penal.

Sabendo-se que os factores de determinação da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor correspondem aos acima analisados a propósito da medida concreta da pena principal e que aquela tem um carácter dissuasor, exercendo uma função de prevenção geral de intimidação perante a constatação do exercício de uma condução especialmente censurável, visando evitar que os condutores pratiquem uma condução que ponha em perigo a vida ou a integridade física de outrem, entende-se, face ao que acima se escreveu, ou seja, a circunstância de a arguida ter contribuído, em 50 %, para a produção de um acidente que se veio a revelar mortal, como justo, adequado e proporcional, quer às circunstâncias do caso concreto, quer à culpa da ora recorrente, diminuir a pena acessória que lhe foi fixada pela tribunal recorrido para um período de 9 (nove) meses.

Procede, assim, nestes termos, o recurso da arguida.

4) Alteração dos valores indemnizatórios fixados pelo tribunal recorrido
Reclama, por fim, a demandada, que se proceda à aplicação do Artº 570 nº1 do C. Civil, tendo em conta a contribuição do condutor do motociclo na produção do acidente e, consequentemente, nos danos deste decorrentes, o que implica a necessária redução do valor indemnizatório que foi fixado pelo tribunal a quo em termos proporcionais à graduação de culpas definida nos mencionados 50 % para cada um dos condutores.

Por outro lado, impugna a demandada a circunstância de ter sido dado com provado que LM auferia um rendimento mensal de € 1.000,00, já que, em seu entender, não se produziu prova desse facto, devendo antes dar-se por assente, à falta de outro critério, que a vítima auferia um valor correspondente ao montante do salário mínimo nacional em vigor no ano do acidente, ou seja, de € 485,00 mensais, o que fará com que a parcela referente aso danos patrimoniais futuros – computada pelo tribunal recorrido em € 138.000,00 – deva ser reduzida para € 133.860,00, à qual, por sua vez, deverão ser descontadas as despesas que a vítima teria com a sua pessoa, nos exactos termos efectuados pela decisão recorrida.

Nesta sede, plasmou-se na decisão sindicada (transcrição):

IV. Do Pedido de Indemnização civil
Dispõe o artigo 128.º do Código Penal que: A indemnização de perdas e danos emergente de crime é regulada pela lei civil. Será, portanto, com referência aos artigos 483.º e ss. e artigo 562.º do Código Civil que iremos analisar esta questão.

O objecto da presente acção, tal como emerge do petitório, perfilha-se no domínio da responsabilidade aquiliana, a qual se alicerça em pressupostos fundamentais.

Sendo certo que, in casu, nos encontramos perante, nesta parte, uma acção cível enxertada, emergente de responsabilidade civil extracontratual em sede de acidente de viação, igualmente é certo que, a causa de pedir assume aqui uma particularidade. Queremos com tal afirmar, na esteira da orientação doutrinal e jurisprudencial maioritária, que a causa de pedir nas acções de indemnização por acidente de viação é complexa. Ou seja, a causa de pedir, aqui em apreço, é constituída pelo conjunto dos factos de que, segundo a lei, surge o direito à indemnização e a obrigação correlativa. É a mesma, assim, constituída, não apenas pelo acidente e pelos prejuízos, mas pelo conjunto dos factos exigidos pela lei para que surja o direito de indemnização e a correlativa obrigação. Cfr., neste sentido, Vaz Serra, RLJ, Ano 103.º, 104.º, e 105.º, respectivamente a p. 611 e ss., 227 e ss. e 519 e ss.; Ac. STJ, de 14-5-71, in BMJ 207.º/155, - ou o facto constitutivo da responsabilidade - cfr. A. Varela, Das Obrigações em Geral, 6ª Ed., p. 662; Ac. STJ, de 13-5-82, in BMJ 357.º/399.

De acordo com o referido artigo 483.º do Código Civil Aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da indemnização.

Vejamos se neste caso concreto se verificam, atenta a factualidade dada como provada, todos os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, constantes do artigo 483.º/1 do Código Civil: Segundo a terminologia de Antunes Varela e Pires de Lima, in Código Civil Anotado, 4.ª Ed. revista e actualizada, p. 471 - (1) “que haja um facto voluntário do agente (não um mero facto natural causador de danos), pois só o homem, como destinatário dos comandos emanados pela lei, é capaz de violar direitos alheios ou de agir contra disposições legais”; (2) “é preciso que o facto do agente seja ilícito («Aquele que … violar ilicitamente…»)”; (3) “que haja um nexo de imputação do facto ao lesante (« Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar …»)”; (4) “que à violação do direito subjectivo ou da lei sobrevenha um dano, pois sem o dano não chega a pôr-se qualquer problema de responsabilidade civil “(…); (5) ”por último, que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima, de modo a poder afirmar-se, à luz do direito, que o dano é resultante da violação.” No mesmo sentido, Manuel Gomes da Silva, in “O dever de Prestar e o Dever de Indemnizar, I.º Vol., p. 64 e ss..

Caberá, necessariamente, averiguar se, in casu, os factos que resultaram apurados integram tais pressupostos, os quais reduzidos à terminologia técnica corrente na doutrina são: a) O facto - que se revela por uma acção humana voluntária - facto dominável ou controlável pela vontade - no caso, a condução desatenta do arguido; b) A ilicitude - traduzida pela acção lesiva de bens jurídicos pessoais e patrimoniais - em concreto, desrespeitando normas primárias do Código da Estrada; c) A imputação do facto ao lesante - traduzida na ligação da produção do embate ao agente, assim como no respectivo grau de censurabilidade que a conduta merece - Para averiguar a verificação desse nexo haverá, portanto, que recorre ao padrão do bonus pater familias, plasmado no art. 487.º do Código Civil, e verificar se o arguido condutor do veículo seguro na demandada civilmente, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar, em que se verificou o sinistro, podia e devia ter agido de forma diferente. Resulta da factualidade apurada que a morte provocada pelo arguido deu-se, em exclusivo, por causa do embate; d) O dano - como desvalor originado pela acção do facto ilícito nos bens jurídicos atingidos - tais danos decorrem das lesões sofridas pela vítima e dos seus prejuízos patrimoniais e dos danos morais e patrimoniais que terceiros – com nexo especial à vitima - sofreram; e) Um nexo de causalidade entre o facto e o dano - manifestado no juízo de imputação objectiva do dano ao facto de que emerge - este último requisito, traduz-se no facto de só os danos resultantes da violação serão abrangidos pela obrigação de indemnização, pelo que obriga a seleccionar de entre as várias condições do evento danoso, as que legitimam ao agente a imposição dessa obrigação. Essa operação será realizada obedecendo ao critério estabelecido pelo artigo 563.º do Código Civil: A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. É manifesta a existência deste nexo no caso vertente, nos moldes que infra explanaremos. Cfr. Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 3ª Ed., Act., p. 115 e ss.
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Deste modo, considera-se responsável civil pelos danos ocorridos, a condutora do veículo “CL”.

O acidente de viação em causa ocorreu no dia 20/09/2014, sendo-lhe, assim, aplicáveis, a par das normas acima mencionadas, as regras plasmadas no DL n.º 291/2007, de 21.08, que regula o Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, o qual transpôs parcialmente para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio. Dispõe o artigo 4.º/1 do referido DL que Toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação dos danos corporais ou materiais causados a terceiros por um veículo terrestre a motor para cuja condução seja necessário um titulo específico e seus reboques, com estacionamento habitual em Portugal, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se coberta por um seguro que garanta tal responsabilidade, nos termos do presente decreto lei. Impendendo essa obrigação de segurar sobre o proprietário do veículo – Cfr. artigo 6.º/1, 1.ª parte do DL.

E, tendo ficado evidenciado que a responsabilidade civil emergente de acidente de viação, por danos causados a terceiros por aquele veículo se encontrava, à data dos factos, transferida para a “A. Seguros, S.A.”, nos termos do disposto no referido DL n.º 291/2007, de 21/08 (na redacção actualizada pelo DL n.º 153/2008, de 06/08), de acordo com o qual, no que ora releva, 1 – O contrato garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar previstos no artigo 4.º e dos legítimos detentores e condutores do veículo. (…). – sobre ela impenderá a responsabilidade de indemnizar que caberia ao condutor do veículo.
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Uma vez apurado o obrigado a indemnizar, haverá que proceder a um segundo passo: determinar o âmbito dessa responsabilidade, isto é, quais os danos abrangidos por essa obrigação, na medida em que resultem do acidente, obrigação que compreende os danos patrimoniais e os danos não patrimoniais.

O artigo 562.º do Código Civil estabelece o princípio geral de que: Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, e o artigo 564.º, do mesmo Código, indica-nos as duas vertentes abrangidas por essa indemnização: os danos emergentes - os prejuízos, sofridos pelo lesado, decorrentes da prática do facto ilícito, quer por diminuição da seu activo, como por aumento do seu passivo - e os lucros cessantes - aquilo que o lesado deixou de auferir em consequência da lesão, podendo o tribunal, na fixação da indemnização, atender aos danos previsíveis futuros. Na fixação da indemnização, precisa ainda o artigo 496.º, desse Código, que não são só tidos em conta os danos patrimoniais, mas também os danos não patrimoniais, contudo, só se deve atender àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
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LP, por si em representação do seu filho menor, HP, na qualidade de únicos e universais herdeiros da vítima mortal do sinistro, peticionaram, os seguintes valores:

» € 83.000, a favor de ambos os demandantes, na qualidade de herdeiros, a título de compensação pelos danos causados à vítima mortal;

» € 30.000, a favor da viúva, a título de compensação pelos danos morais próprios;

» € 30.000, a favor do filho da vítima, a título de compensação pelos danos morais próprios;

» € 165.600, a favor de ambos os demandantes, a título de compensação por danos patrimoniais futuros.

Tudo no valor global de € 308.600 (trezentos e oito mil e seiscentos euros).

Quanto aos danos não patrimoniais, a indemnização deste tipo de danos não visa propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas antes oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido cfr. A. Varela, in Das Obrigações em Geral, I.º Vol., p. 560; Rui Alarcão, in Direito da Obrigações, p. 270, havendo ainda que ter presente, como já salientámos, que na determinação da indemnização destes danos há que ter em consideração o critério limitador estabelecido pelo art. 496.º, n.º 1 do CC, ao prescrever que: “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito”. Deste modo, cabe ao julgador realizar um juízo de ponderação, tendo presente que a doutrina e jurisprudência já entenderam que só são susceptíveis de serem ressarcidos os danos não patrimoniais que “espelhem uma dor, angustia ou sofrimento inexigível em termos de resignação”. cfr. Ac. RC de 12-6-79, In CJ, T3, p. 892

Os danos não patrimoniais relevantes são merecedores da tutela do direito, quer se opte pela formulação negativa - que inclui nesta categoria todos aqueles que não atingem os bens materiais do sujeito passivo ou que de qualquer modo não alterem a sua situação patrimonial, Cfr. De Cupis, II Danno, Teoria Generale della Responsabilitá Civile, I, 2.ª Ed., Milano, 1966, p. 44 e ss., citado entre outros por Dario Martins de Almeida, in Obr. Cit., p. 82 e ss., e Vaz Serra, in BMJ 84.º/12 em nota quer pela formulação positiva, segundo a qual o dano não patrimonial ou moral tem por objecto um bem ou interesse sem conteúdo patrimonial, insusceptível, em rigor, de avaliação pecuniária.

Conforme prescrevem os art.s 494.º, 496.º e 566.º, n.º 3, todos do CC, o montante da compensação pelos danos não patrimoniais deve ser calculado, em qualquer caso - dolo, ou mera culpa do lesante -, segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à situação económica deste e às demais circunstâncias do caso que o justifiquem.

Atente-se, porque de particular interesse, a seguinte passagem jurisprudencial, que bem baliza o campo em que o julgador se deve mover na atribuição e ponderação do quantum indemnizatório a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais.

No Ac. STJ de 18/06/2015, relatado pela Sr.ª Conselheira Fernanda Isabel Pereira (consultável in www.dgsi.pt), pode ler-se, com interesse para o caso, o seguinte:Como é sabido, os danos não patrimoniais resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado (tais como a integridade física, a saúde, o bem-estar físico e psíquico, a liberdade, a tranquilidade, etc.), de muito difícil reparação e quase impossível quantificação, razão pela qual a indemnização devida por aqueles, não podendo destinar-se a fazer desaparecer o prejuízo, visa, na perspectiva do lesado, proporcionar-lhe meios económicos que de algum modo o compensem da lesão sofrida. Não podendo apurar-se o valor exacto de tais danos, atenta a sua natureza, o respectivo montante deverá ser fixado pelo tribunal segundo critérios de equidade, de acordo com o preceituado no nº 3 do artigo 566º do Código Civil, fazendo apelo a “...todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” (A. Varela, Código Civil Anotado, 4ª ed., vol. I, pág. 501) e tendo em atenção a extensão e gravidade dos prejuízos, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso (artigos 496º nº 3, 1ª parte, e 494º do Código Civil). Nos parâmetros gerais a ter em conta considerou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de Abril de 2012 (proc. nº 3046/09.0TBFIG.S1, acessível em www.dgsi.pt/jstj) serem ainda de destacar a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, e, bem assim, que a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização em causa deve constituir um lenitivo para os danos suportados e não ser orientada por critérios hoje considerados miserabilistas, por forma a, respondendo actualizadamente ao comando do artigo 496.°, traduzir uma efectiva possibilidade compensatória para os danos suportados e a suportar. Importa ainda nesta matéria ter em atenção, como dá nota o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 31 de Maio de 2012, (proc. nº 14143/07.6TBVNG.P1.S1, in www.dgsi.pt/jstj), citando o acórdão também deste Supremo Tribunal, de 31 de Janeiro de 2012 (proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1, in www.dgsi.pt/jstj), que «os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição.» Vem-se consolidando na jurisprudência o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida, direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos, deve situar-se, com algumas oscilações, entre os € 50.000,00 e € 80.000,00 (por todos, o citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2012).

A indemnizabilidade do dano pelo sofrimento da vítima é pacífica, sendo devida nos termos do n.º 3 do artigo 496.º do C.C.

A dor sofrida pela vítima antes de morrer pode estabelecer-se entre o limite zero, no caso e morte instantânea, e o limite que se situe em plano aquém do que se entender adequado pela perda do direito à vida. Tudo dependerá do sofrimento e da respectiva duração e da maior ou menor consciência da vítima sobre o seu estado e a aproximação da morte.

Assim, tendo a vítima tido morte imediata, vindo a falecer no próprio local do acidente, qualquer valor importa fixar a respeito, sendo de referir, a este respeito, que, pese embora articulado na respectiva peça processual, o valor calculado nesse conspecto, não foi objecto do pedido formulado e, por conseguinte, nunca poderia ser atendido, sob pena de condenar-se em valor distinto do peticionado – artigos 661.º/1, 668.º/1, e), ambos do CPC.

Quanto ao dano da privação do direito à vida, sopesando que a vítima, à data da sua morte, tinha 47 anos de idade, era uma pessoa saudável, profissionalmente activa, dedicando o seu tempo à sua família, à comunidade e ao trabalho, o seu decesso era inesperado. E, tendo sido, relativamente ao acidente de viação que o vitimou, completamente alheio, exclusivamente imputável ao condutor do veículo automóvel “CL”, segurado pela seguradora demandada, e verificados que estão os pressupostos legais do recurso à equidade para a fixação do valor da indemnização, julga-se razoável e adequado fixar uma indemnização, a este título, de € 75.000 (setenta e cinco mil euros).

No que contende com os danos morais dos demandantes, viúva e filho da vítima, uma vez evidenciado o sofrimento que os mesmas sentiram e ainda hoje sentem – conforme o Tribunal teve oportunidade de percepcionar, relativamente à viúva, durante as sessões de julgamento em que estive presente com pesar, e conforme é expectável numa situação de perda de um pai numa fase da adolescência, em que a figura paterna assume uma relevância especial no desenvolvimento de qualquer jovem – com a perda inesperada do seu cônjuge, de mais de vinte anos, e do pai, elemento fulcral e presente diariamente nas suas vidas, sendo tal sofrimento insusceptível de ser apagado ou minimizado, considera-se ajustado fixar, para cada um dos demandantes, o valor indemnizatório de € 25.000 (vinte e cinco mil euros).

Por fim e no que contende com os danos patrimoniais futuros, os demandantes peticionam o valo de € 165.600, a título de indemnização prevista nos termos do artigo 495.º/3 do Código Civil. Este preceito consagra uma das excepções à regra geral enunciada no artigo 483.º do Código Civil, regra segundo a qual só o lesado tem direito a indemnização, dispondo que em caso de lesão de que proveio a morte (e bem assim no caso de lesão donde proveio lesão que impossibilite o ofendido de angariar os meios indispensáveis ao cumprimento legal do encargo legal ou natural dos alimentos) têm direito a indemnização aqueles que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem este os prestava no cumprimento de obrigação natural. Tal indemnização destina-se a compensar as pessoas carecidas de alimentos do prejuízo que para elas advém da falta da pessoa lesada, na medida em que, desaparecida esta, não mais eles (titulares do direito a alimentos) poderão contar com a sua ajuda, constituindo dessa forma um dano futuro indemnizável, porque previsível, não se destinando já a atribuir-lhes indemnização correspondente ao que o lesado directo obteria não fora a lesão.

Está já provado, com interesse para o apuramento e determinação do montante indemnizatório relativo a este dano próprio dos demandantes, o seguinte quadro factual: o falecido marido e pai dos demandantes era, à data do evento lesivo, a única fonte de rendimento do agregado familiar, auferindo um rendimento médio mensal no valor de € 1.000 (mil euros); LP não tinha ocupação profissional e o filho, com 13 anos de idade, era estudante. Com a morte LM, a sua família ficou privada dos rendimentos por ele auferidos e que constituíam o seu sustento.

Posto este quadro factual, bem assim que LM tinha 47 anos de idade, e sendo previsível que continuasse a auferir tal rendimento, pelo menos até aos 70 anos de idade, conforme peticionado (idade próxima da esperança média de vida dos homens em Portugal), num total, assim, de € 276.000 (€ 1.000 x 276 meses), e descontando as despesas que teria com a sua pessoa e que não reverteriam para o bem comum familiar, em proporção não superior a metade de todos os valores recebidos, será se atribuir a respeito deste dano, o valor global de € 138.000 (cento trinta e oito mil euros).

Em jeito conclusivo, deverá a seguradora demandada pagar aos demandantes, enquanto titulares do direito às indemnizações invocado, quer por via sucessória, quer por direito próprio, a título de danos não patrimoniais e patrimoniais futuros, o valor global de € 263.000 (duzentos e sessenta e três mil euros).

A demandada não contesta a aplicação que, pelo tribunal recorrido, foi feita dos Artsº 483 e 562, ambos do C. Civil e, consequentemente, os valores fixados pelos danos não patrimoniais – no valor global de € 125.000,00 - mas apenas a importância calculada referente aos danos patrimoniais futuros, porquanto, defende, não foi feita a prova de que a vítima auferia um rendimento mensal de € 1.000,00.

Não lhe assiste, todavia, razão.
Com efeito, a Fls. 389 dos autos consta o recibo de vencimento de LM, emitido no mês antecedente ao do seu falecimento, de onde se retira que este auferia, mensalmente, o valor líquido de € 549,40, como alimentador/recolhedor de máquinas na empresa CMG – Cerâmicas, Lda.

Por outro lado, da prova testemunhal produzida foi possível apurar que o mesmo desempenhava funções por turnos, o que lhe permitia ter outras fontes de rendimento, como serviços agrícolas e de jardinagem que prestava numa quinta, na freguesia de Chancelaria, concelho de Torres Novas, da propriedade de VV, auferindo um valor médio mensal de € 450,00 – facto corroborado, a Fls. 390/423 pelos extractos bancários da vítima onde constam as transferências efectuadas por este – e ainda o valor de cerca de € 40/€ 50,00 por cada dia de reparação de máquinas agrícolas.

Não assiste assim razão à recorrente nesta parte, já que foi testemunhal e documentalmente provado que LM auferia, mensalmente, em média, a remuneração de € 1.000,00 (Cfr. Artsº 22/25 da factualidade apurada).

Ora, sendo a vítima a única fonte de rendimento do agregado familiar, tendo, então, 47 anos de idade, e sendo previsível que continuasse a auferir tal rendimento, pelo menos, até aos 70 anos de idade, atinge-se um valor de € 276.000,00 (€ 1.000 x 276 meses), ao qual se descontará as despesas que teria com a sua pessoa e que não reverteriam para o bem comum familiar, em proporção não superior a metade de todos os valores recebidos, pelo que a quantia a fixar como valor patrimonial futuro será, como determinado pela instância recorrida, de € 138.000,00 (cento trinta e oito mil euros).

Todavia, nos termos do artº 570 nº1 do C. Civil quer este valor, quer os que foram fixados a título de danos não patrimoniais devem ser reduzidos em 50 %, pois esta foi a proporção com que a vítima concorreu para a produção do acidente de onde resultaria a sua morte.

Nesta medida, o valor global de € 263.000 (duzentos e sessenta e três mil euros) será reduzido para a importância global de € 131,500,00 (cento e trinta e um mil e quinhentos euros).

Procede, assim, o recurso da demandada, nestes termos.

3. DECISÃO
Nestes termos, concedendo-se provimento aos recursos deduzidos pela arguida e pela demandada, decide-se:

1) Alterar a matéria de facto nos seguintes termos:
- No Artº 9 da factualidade apurada, eliminar a expressão “Por esse motivo

- O Artº 13 da factualidade apurada passa a ter a seguinte redacção:
A colisão do veículo conduzido pela arguida com o motociclo conduzido por LM foi causada com culpa da arguida que conduzia a sua viatura sem atender aos cuidados que um condutor médio, naquela situação, observaria, revelando descuido e desconsideração pelas regras estradais e demais utentes das estradas e com culpa daquele, que conduzia o seu motociclo a uma velocidade superior a 90 km/hora, sendo que a velocidade máxima permitida no local era a 70 km/hora

- Eliminar o Artº 35 da factualidade apurada e a al. G) da factualidade não provada.

2) Em consequência, altera-se a sentença recorrida e em consequência:

Condena-se a arguida CC, pela prática de um crime de homicídio por negligência, p.p., pelo Artº 137 nº1 e 69 nº1, ambos do C. Penal, na pena de 100 (cento) dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros), o que perfaz a multa global de . 700,00 (setecentos euros), bem como, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 9 (nove) meses.

3) Julga-se parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelos demandantes LP e HP, e, consequentemente, condena-se a demandada A. Seguros, S.A., a pagar-lhes o valor global de € 131.500,00 (cento e trinta e um mil e quinhentos euros), discriminado nos seguintes valores:

- € 37.500,00 a título de dano de privação da vida, a favor dos demandantes, enquanto herdeiros de LM;

- € 12.500,00 a título de danos morais, a favor da viúva/demandante LP;
- € 12.500,00 a título de danos morais, a favor do filho/demandante HP;
- € 69.000,00 a título de dano patrimonial futuro, a favor dos demandantes.

Sem custas.

Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos signatários.

Évora, 19 de Dezembro de 2019

Renato Barroso (Relator)
Maria Fátima Bernardes (Adjunta)
(Assinaturas digitais)