Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
235/14.9JELSB
Relator: JOÃO GOMES DE SOUSA
Descritores: PRIVACIDADE
DOMICÍLIO
BUSCA DOMICILIÁRIA
PROIBIÇÃO DE PROVA
Data do Acordão: 02/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - A informação policial recebida pela polícia portuguesa não é uma “denúncia”, sim isso mesmo, uma informação policial que necessita de ser confirmada.
2 - O artigo 248º nº 1 do Código de Processo Penal permite – no prazo ali indicado e sem abuso policial - a recolha de informação que vise assegurar a prática de actos cautelares previstos nos artigos 249º a 252º do diploma.

3 - Relevante para a privacidade é a noção material de domicílio, a ser apreciada casuisticamente.

4 - Se a extensão do conceito de domicílio a um quarto de hotel é uma extensão aceitável e compreensível – e com garantia constitucional - a posterior extensão do conceito de “dependencia fechada” a um espaço de garagem de um hotel, por referência a um quarto contratado já é uma dupla extensão injustificada e abusiva e nunca gozaria de garantia constitucional pois que nem a garagem do domicílio disso desfrui. Recordemos que a garagem fechada e contígua a domicílio apenas disfruta de protecção da lei ordenária, o artigo 177º, n. 1 do C.P.P..

5 - Assim, tratando-se de busca e apreensão não-domiciliárias, a regra é a ordem ou autorização depender de despacho da autoridade judiciária competente (artigo 174º, nº 3 do C.P.P.).

6 - Se há uma evidente desconformidade – contradição flagrante – entre a decisão judicial e o teor dos mandados de busca, aquela permitindo – deferindo – uma busca sem limitação horária, estes limitando a busca ao período diurno, ocorre uma violação de um mandado judicial com um determinado teor restritivo a que as forças policiais não atenderam.

7 - Outra constatação que se impõe é que a busca foi efectuada de acordo com o teor do despacho judicial. Assim a nulidade existente diz respeito ao teor do mandado e concretiza-se num mero violar de uma regra de cumprimento do mesmo, invocável no acto e sanável se não arguida nesses termos. Trata-se de um mero lapso do tribunal de instrução que emitiu e assinou uns mandados em contradição com o que o próprio ordenou.

8 - Mas não se pode afirmar que ocorre nulidade, insanável, de produção de prova, valoração de prova proibida e efeito à distância dela resultante pois que a coberto de um válido despacho judicial que a permite.

9 - Não há conversas informais se o agente policial se limita a obter informação do suspeito sobre o local onde se encontra a droga. Não só porque se não evidencia que tenha existido qualquer conversa informal entre arguido e agente da PJ, também porque a actuação deste se encontra legalmente justificada e se não demonstra má-fé na conduta policial.

10 - Do que aqui se trata é de cumprimento de funções policiais muito bem definidas nos artigos 249º e 250º do C.P.P. ou seja, a prática dos “actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “proceder a exames dos vestígios do crime … assegurando a manutennção do estado das coisas e dos lugares” e “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art. 249.º, n. 1, als. a) e b) do C.P.P.).

11 - O nº 8 do artigo 250º do código é claro - precisamente porque esta é questão de melindre e de fronteira na caracterização da actuação policial em confronto com os direitos de arguido – na afirmação de que “os órgãos de polícia criminal podem pedir ao suspeito, bem como a quaisquer pessoas susceptíveis de fornecerem informações úteis, e deles receber, sem prejuízo, quanto ao suspeito, do disposto no artigo 59.º, informações relativas a um crime e, nomeadamente, à descoberta e à conservação de meios de prova que poderiam perder-se antes da intervenção da autoridade judiciária”.

12 - Como afirmou o Prof. Mota Pinto “o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada não deve ser confundido, nem com o direito à protecção da vida privada, incluindo tanto a liberdade como o segredo da vida privada, nem com o direito à privacy reconhecido no direito norte-americano com uma amplitude que o aproxima do direito geral de personalidade”.

13 - A privacidade pode considerar-se então um direito geral de personalidade aberto (sem numerus clausus) e o nosso ordenamento jurídico já autonomizou direitos anteriormente incluídos na privacidade, designadamente o direito à imagem e o direito à palavra. Se dele fizeram parte, é hoje um dado adquirido que são direitos autónomos. E todos estão constitucionalmente consagrados: o artigo 26º nº 1 da CRP é bem claro na sua autonomização.

14 - O que se pode ir buscar à “Sphärentheorie”, teoria das esferas ou teoria dos três graus (“Dreistufentheorie”), a germanização da teorização do US Supreme Court, será a localização em abstracto dos “espaços” da vivência social do ser humano como resultado do desenvolvimento histórico e cultural de determinada sociedade em determinado tempo.

15 - Admitimos que esta teoria não é uma resposta “matemática” mas serve como grelha metodológica de aproximação muito razoável e, pensamos, imprescindível, precisamente pela esquematização abstracta que traz, a funcionar como um “esqueleto” teórico onde irá assentar a casuística, como segue.

16 - Assim o Prof. Paulo Mota Pinto e a jurisprudência do Tribunal Constitucional têm utilizado o método por grupos de casos - na “intimidade da vida privada”, sempre com a noção de que não podemos fugir ao concreto e a aproximação terá de operar-se por grupos ou tipos de realidades.

17 - Em Portugal a jurisprudência sobre a matéria na orgânica infra constitucional - se exceptuarmos dois acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa - tem sido pacificamente no sentido de admitir e valorar as imagens e/ou a videovigilância como meios de prova, preservando, sem excepções, a privacidade.

18 - O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem sido claro na delimitação e clarificação de situações que se diferenciam: a identificação de pessoas por imagem; a constituição de bases de dados (tratadas, portanto) com base em imagens recolhidas. A primeira situação é de licitude indiscutível; a segunda de ilicitude inquestionável.

19 - Dois arestos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem são relevantes por outro motivo, por aceitarem uma metodologia, proveniente do US Supreme Court, de abordagem destes casos relativos à privacidade que, com essa aceitação, passa a ser critério aceite pela jurisprudência convencional e, como tal, vinculativa para os tribunais portugueses. Referimo-nos à aceitação da cláusula da razoável expectativa de privacidade.

20 - Resumo possível, os dois factores importantes para determinar se uma videovigilância é lícita, quer no âmbito constitucional, quer no âmbito da litigância privada, são: se o local é público ou privado; se há uma razoável expectativa de privacidade em duas vertentes, subjectiva e objectiva.

21 - Aqui, no caso concreto, movendo-se os recorrentes em espaços públicos (marina do porto, rodovias, áreas de serviço em rodovias, acesso a hotel e este propriamente dito, que não é espaço privado, salvo os quartos), em circunstância alguma são vistos ou vigiados em local que se possa qualificar como privado, aquilo que deles é visto nessas vigilâncias nada tem de escape de informação privada ou íntima.

22 - Alegar que pertencem à área de privacidade – e portanto excluída da acção policial lícita – os movimentos dos arguidos a partir do aeroporto, as compras no supermercado, diversões e tipos de bares que escolheram, movimentos de e para o quarto de hotel, o escaldão na praia, o tipo e cor do vestuário e calçado é uma compreensível necessidade retórica. Claramente não pertencem à área da privacidade. São características pessoais necessariamente expostas ao público.

23 - Nem as informações assim recolhidas no espaço público e sem que haja a mínima expectativa de privacidade pode ser criticada por violação da auto-determinação informacional ou comunicativa. O conjunto de informações colhida pertence àquilo que é expectável se exponha em público.

24 - O cidadão, quando em público, carrega consigo a sua privacidade, mas aquilo que com ele ocorre em público dificilmente pode ser protegido pela sua privacidade, entendida esta na 2ª esfera, e não revela a sua “reserva de intimidade”. Pode fazê-lo, mas a exposição pública não o impõe.

25 - Naturalmente que a privacidade não é excluída em locais públicos ou abertos ao público se procurada, por exemplo, no interior de um automóvel, numa cabina telefónica, num café ou restaurante, desde que o titular procure o resguardo para a sua privacidade, a possível em público. Mas não se pode “impor” a sua privacidade aos demais em circunstâncias usuais de exposição pública.

26 - O cidadão só está condicionado pelo princípio da legalidade da obtenção da prova contido no artigo 125º do Código de Processo Penal. Rege igualmente o art. 167º do CPP, que regula a produção de prova por meio de reproduções mecânicas, sejam fotográficas, videográficas, fonográficas ou por meio electrónico. E o artigo é claro na afirmação de que tais meios valem como prova se não forem ilícitos nos termos da lei penal. O que remete para o direito penal substantivo, no sentido de que será este a estabelecer os limites de actuação do cidadão na recolha de imagens para prova em processo penal. Questão, aliás, referida no parecer junto.

27 - Assim, a linha de análise deve ter por objecto o tipo contido no artigo 199º, nº 2 do Código Penal, gravações e fotografias ilícitas, tendo sempre presente que se impõe saber não só se há tipicidade da conduta, também se há ilicitude na mesma.

28 - Assim, sendo o direito à imagem tutelado criminalmente no artigo 199º do C. Penal, só será protegido se ocorrer real tipicidade da conduta e “não esteja coberto por uma causa de justificação da ilicitude. É nessa medida que se vem entendendo que é criminalmente atípica, face ao preceituado no art. 199.º, n.º 2 do Código Penal, a obtenção de fotografias ou de filmagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa nesse procedimento”.

29 - Não obstante o tipo penal ainda manter uma causa de exclusão de ilicitude – o consentimento, igualmente previsto no artigo 31º, nº 1, al. d) do Código Penal – o desaparecimento da expressão “sem justa causa”, anteriormente prevista no artigo 179º na versão originária do Código Penal, só tem um significado: era uma inutilidade que servia apenas para “advertir” os juízes para a operacionalidade de uma causa de justificação geral.

30 - “Dados sensíveis” da Lei 67/98, de 26/10 são os «dados pessoais referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem racial ou étnica, bem como o tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos», conforme se estatui no nº 2 do art. 7º da Lei citada. A simples identificação do autor de factos ilícitos criminais ocorridos fora da esfera de privacidade, não se podem classificar como “dados sensíveis”. Logo, não exigem autorização prévia da CNPD pelo que a Lei nº 67/98, de 26/10 não é elemento de relevo no tratamento da identificação por fotograma ou vídeo de arguido em processo penal.

31 - O arguido tem direito à produção de prova mas esse direito está limitado pela sua admissibilidade, relevância jurídica e necessidade (artigos 124º e 340º, nº 1 e 3 do Código de Processo Penal). Se essa concretização é inútil para os autos, o princípio da necessidade impõe que não se admita.

Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:

No Tribunal Judicial da Comarca no processo comum colectivo supra numerado foi deduzida acusação contra os arguidos:

A, gerente de vendas global, casado, nascido a 18.10.1951, natural de Singapura, de nacionalidade britânica, em prisão preventiva à ordem dos presentes autos desde 17.07.2014, actualmente, no Estabelecimento Prisional de Lisboa;

B, engenheiro/desempregado, solteiro, nascido a 05.11.1981, natural de Sutton, Inglaterra, de nacionalidade britânica, em prisão preventiva à ordem dos presentes autos desde 17.07.2014, actualmente, no Estabelecimento Prisional de Lisboa;

C, designer e capitão de barco, divorciado, nascido em 02.10.1947, natural de Central Patrici, Canadá, de nacionalidade canadiana, em prisão preventiva à ordem dos presentes autos desde 17.07.2014, actualmente, na Zona Prisional da Polícia Judiciária, em Lisboa;

D engenheiro/membro de tripulação de embarcação, solteiro, nascido em 16.08.1969, natural de Cornhall, Inglaterra, de nacionalidade britânica, em prisão preventiva à ordem dos presentes autos desde 17.07.2014, actualmente, no Estabelecimento Prisional de Lisboa;

E, engenheiro electro-mecânico/cozinheiro, divorciado, nascido em 07.06.1951, natural de Mölin, Suíça, de nacionalidade suíça, em prisão preventiva à ordem dos presentes autos desde 17.07.2014, actualmente, no Estabelecimento Prisional da Polícia Judiciária, em Lisboa,

pela prática dos factos descritos na acusação, os quais eram susceptíveis de integrar a prática pelos mesmos, em co-autoria material, de um crime de Tráfico de Estupefacientes Agravado, previsto e punível pelos artigos 21º, nº 1 e 24º, al. c) do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-B ao mesmo anexa.


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O tribunal recorrido veio, por acórdão de 27 de Julho de 2015, a julgar a acusação procedente e a:

a) Condenar os Arguidos pela prática, em co-autoria, de um crime de Tráfico de Estupefacientes Agravado, previsto e punível pelos artigos 21º, nº 1 e 24º, al. c) do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-B a ele anexa, aplicando:

- ao Arguido A, uma pena de 10 (dez) anos de prisão;

- ao Arguido B, uma pena de 8 (oito) anos de prisão;

- ao Arguido C, uma pena de 9 (nove) anos de prisão; e

- a cada um dos Arguidos D e E, uma pena de 6 (seis) anos de prisão;

b) Determinou que os Arguidos continuem a aguardar os ulteriores termos processuais sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva – cfr. Artigo 213º, nº 1, al. b) do Código de Processo Penal;

c) Condenou os Arguidos na pena acessória de expulsão, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 134º, nº 1, al. b) e f), 140º, nº 3, 151º e 144º da Lei 23/2007 de 4 de Julho, pelo período de 5 (cinco) anos;

d) Declarou perdidos a favor do Estado o produto estupefaciente, o veleiro, o material informático e de telecomunicações, cartões e acessórios, documentos e quantias monetárias, nos termos dos artigos 35º e 36º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro e do artigo 109º, nº 1 e 3 do Código Penal;

e) Determinou a destruição do supra referido produto estupefaciente, nos termos do artigo 109º, nº 3 do Código Penal e 62º, nº 6, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro;

f) Condenou os Arguidos no pagamento das custas, com taxa de justiça que se fixa em 6 UC e demais encargos processuais (artigos 513º e 514º do Código de Processo Penal, artigo 8º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III ao mesmo anexa);


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Antes disso e no acórdão recorrido havia decidido o tribunal recorrido em sede de conhecimento de questões prévias:

«1. Da Nulidade/Inexistência do Inquérito
Dispõe o artigo 248º do Código de Processo Penal, a respeito da comunicação da notícia do crime que
“1 - Os órgãos de polícia criminal que tiverem notícia de um crime, por conhecimento próprio ou mediante denúncia, transmitem-na ao Ministério Público no mais curto prazo, que não pode exceder 10 dias.
2 - Aplica-se o disposto no número anterior a notícias de crime manifestamente infundadas que hajam sido transmitidas aos órgãos de polícia criminal.
3 - Em caso de urgência, a transmissão a que se refere o número anterior pode ser feita por qualquer meio de comunicação para o efeito disponível. A comunicação oral deve, porém, ser seguida de comunicação escrita.“
Por seu turno, o artigo 249º do mesmo diploma legal rege sobre as providências cautelares quanto aos meios de prova, prevendo que
“1 - Compete aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova.
2 - Compete-lhes, nomeadamente, nos termos do número anterior:
a) Proceder a exames dos vestígios do crime, em especial às diligências previstas no n.º 2 do artigo 171º, e no artigo 173.º, assegurando a manutenção do estado das coisas e dos lugares;
b) Colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição;
c) Proceder a apreensões no decurso de revistas ou buscas ou em caso de urgência ou perigo na demora, bem como adoptar as medidas cautelares necessárias à conservação ou manutenção dos objectos apreendidos.
3 - Mesmo após a intervenção da autoridade judiciária, cabe aos órgãos de polícia criminal assegurar novos meios de prova de que tiverem conhecimento, sem prejuízo de deverem dar deles notícia imediata àquela autoridade.”
Os presentes autos tiveram o seu início com a informação de serviço de fls. 2, datada de 11.07.2014.
A partir desse momento, são, de imediato, levadas a cabo diligências, designadamente, conforme descrito nos Relatos de Diligência Externa de fls. 64 e ss. e 120 e ss..
É apresentado ao Ministério Público no dia 15.07.2014, isto é, 4 dias depois.
Nesse período, a Polícia Judiciária procedeu a diligências de investigação, nomeadamente, seguimentos e recolha de informações, ao abrigo do disposto no artigo 249º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Significa isto que o OPC deu conhecimento da notícia do crime ao Ministério Público dentro do prazo previsto no nº 1 do artigo 248º do Código de Processo Penal, sendo que, até esse momento, procedeu a actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nomeadamente, colhendo informações das pessoas que facilitassem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição, sem intromissão na privacidade de qualquer suspeito.
Termos em que não se verifica qualquer nulidade/inexistência do inquérito.

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2. Da nulidade da busca ao veleiro após as 21 horas
A respeito das revistas e buscas, estatui o artigo 174º do Código de Processo Penal que:
“1 - Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista.
2 - Quando houver indícios de que os objectos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca.
3 - As revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência.
4 - O despacho previsto no número anterior tem um prazo de validade máxima de 30 dias, sob pena de nulidade.
5 - Ressalvam-se das exigências contidas no n.º 3 as revistas e as buscas efectuadas por órgão de polícia criminal nos casos:
a) De terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa;
b) Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado; ou
c) Aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão.
6 - Nos casos referidos na alínea a) do número anterior, a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação.”
Tratando-se de busca domiciliária, dispõe o artigo 177º do Código de Processo Penal que
“1 - A busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade.
2 - Entre as 21 e as 7 horas, a busca domiciliária só pode ser realizada nos casos de:
a) Terrorismo ou criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada;
b) Consentimento do visado, documentado por qualquer forma;
c) Flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos.
3 - As buscas domiciliárias podem também ser ordenadas pelo Ministério Público ou ser efectuadas por órgão de polícia criminal:
a) Nos casos referidos no n.º 5 do artigo 174.º, entre as 7 e as 21 horas;
b) Nos casos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior, entre as 21 e as 7 horas.
4 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 174.º nos casos em que a busca domiciliária for efectuada por órgão de polícia criminal sem consentimento do visado e fora de flagrante delito.
5 - Tratando-se de busca em escritório de advogado ou em consultório médico, ela é, sob pena de nulidade, presidida pessoalmente pelo juiz, o qual avisa previamente o presidente do conselho local da Ordem dos Advogados ou da Ordem dos Médicos, para que o mesmo, ou um seu delegado, possa estar presente.
6 - Tratando-se de busca em estabelecimento oficial de saúde, o aviso a que se refere o número anterior é feito ao presidente do conselho directivo ou de gestão do estabelecimento ou a quem legalmente o substituir.”
E, nos termos do artigo 1º, al. m) do mesmo diploma legal, constitui “criminalidade altamente organizada”, entre outras, as condutas que integrarem crime de tráfico de estupefacientes.
No caso em apreço, existia a suspeita de carregamento de cerca de 350 Kg de cocaína, isto é, da prática de um crime de Tráfico de Estupefacientes Agravado, pelo que, nos termos do artigo 177º, nº 2, al. a) do Código de Processo Penal, a busca domiciliária poderia ter lugar entre as 21h e as 7h, uma vez que estava em causa criminalidade altamente organizada, havendo apenas que ser imediatamente comunicada ao juiz de instrução com vista à sua validação.
Assim e não obstante o mandado de busca e apreensão de fls. 219 indicar que a busca à embarcação de recreio denominada “GLORIA” só pode ser efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade, o certo é que, para além das 21 horas tal busca cairá no âmbito do referido artigo 177º, nº 2, al. a), carecendo apenas de ser imediatamente validada pelo juiz de instrução criminal, o que veio, aliás, a acontecer por despacho de fls. 406.
Com efeito, a execução depois do prazo legal do despacho que autoriza a busca terá como consequência uma nulidade sanável nos termos do artigo 174º, nº 6 ex vi artigo 177º, nº 4, ambos do Código de Processo Penal – cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, p. 486.
Aliás, o Tribunal Constitucional em acórdão de 02.05.2007 (vide anot. 2 ao referido artigo 177º, in www.pgdlisboa.pt) considerou que a comunicação imediata da busca ao juiz ou ao magistrado do MP pode ter lugar dentro do prazo de apresentação dos arguidos detidos para primeiro interrogatório judicial; e ainda que o controlo do juiz ou do MP pode ser tácito ou implícito «no sentido de que para efeitos de apreciação e validação da busca domiciliária realizada é suficiente que o juiz de instrução validade as detenções dos arguidos e aprecie os indícios existentes nos autos em ordem à fixação de uma medida de coacção, sem expressa ou inequivocamente declarar que valida a busca realizada».
Ainda que assim não fosse, as nulidades insanáveis encontram-se taxativamente previstas no artigo 119º do Código de Processo Penal, além de outras cominadas em outras disposições legais. A nulidade ora invocada não se encontra prevista no referido artigo nem noutra disposição legal.
Do mesmo modo, também não se encontra prevista no elenco do artigo 120º (Nulidades dependentes de arguição), as quais, aliás, respeitando ao inquérito, teriam que ser invocadas até ao encerramento do debate instrutório (nº 3 do mesmo artigo 120º).
Não se verifica, deste modo, qualquer nulidade da busca realizada ao veleiro.
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3. Da nulidade da busca à garagem
Desde logo, de referir que não foi efectuada qualquer “busca à garagem”, mas sim à viatura com a matrícula 04-LL-21, utilizada pelo Arguido B e que se encontrava aí parqueada.
Seja como for e como explica Paulo Pinto de Albuquerque a este respeito, in ob. cit., pp. 481/482 que «A “casa” não tem de ser um imóvel. Um carro ou uma roulotte, em trânsito ou estacionados, podem ser uma casa habitada (acórdão 452/89). Condição é que eles sirvam de habitação, de local onde o visado tem a sua vida e bens domésticos, onde ele desenvolve a sua vida íntima.
A “habitação” da casa não implica nem uma relação de exclusividade nem de durabilidade. Uma casa de férias habitada por temporadas ou um quarto de hotel ocupado uma vez na vida também é uma “casa habitada” para o efeito do artigo 177º (…).
A “dependência” tem de ser fisicamente contínua à zona de habitação e manter-se no espaço de reserva da vida íntima do visado para merecer a protecção do artigo 177º. Não é uma dependência do domicílio do visado uma garagem colectiva de um condomínio que se encontra fechada, mas que todos os condóminos usufruem igualmente (…)».
No caso concreto, tratando-se de garagem do Hotel onde o Arguido se encontrava hospedado e à qual tinha acesso qualquer cliente (pagando ou não um extra), não se pode dizer que se tratasse de um espaço de reserva da vida íntima do Arguido B.
Acresce que, do despacho de fls. 21 a 23 pelo Mmº Juiz de Instrução Criminal nas buscas autorizadas ficaram “abrangidos todos os anexos e dependências dos alvos a buscar (todas as divisões, parqueamento, garagens e arrecadações), caixas de correio e viaturas utilizadas pelo visado”.
De referir ainda (embora já sem relevância, atendendo ao que acima já se deixou exposto) que, decorre da prova testemunhal produzida que o acesso à garagem da referida unidade hoteleira foi feito com a colaboração dos respectivos responsáveis, os quais abriram o portão de acesso exterior para entrada de veículos da Polícia Judiciária.
Por fim e ainda que assim não fosse, valem aqui os mesmos argumentos já expendidos a respeito da alegada nulidade da busca realizada ao veleiro.
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4. Do mandado de busca à viatura emitido pelo OPC
Compulsados os autos, verifica-se, desde logo, que, por despacho proferido pelo Ministério Público a fls. 11, foi delegada a competência na Polícia Judiciária para a realização das diligências de investigação ao abrigo do disposto no artigo 270º do Código de Processo Penal.
Acresce que o artigo 12º, da Lei nº 37/2008, de 6 de Agosto dispõe que:
“1 - As autoridades de polícia criminal referidas no n.º 1 do artigo anterior têm ainda especial competência para, no âmbito de despacho de delegação genérica de competência de investigação criminal, ordenar:
a) A realização de perícias a efectuar por organismos oficiais, salvaguardadas as perícias relativas a questões psiquiátricas, sobre a personalidade e de autópsia médico-legal;
b) A realização de revistas e buscas, com excepção das domiciliárias e das realizadas em escritório de advogado, em consultório médico ou em estabelecimento hospitalar ou bancário;
c) Apreensões, excepto de correspondência, ou as que tenham lugar em escritório de advogado, em consultório médico ou em estabelecimento hospitalar ou bancário;
d) (Revogada pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto.)
i) Existam elementos que tornam fundado o receio de fuga ou não for possível, dada a situação de urgência e de perigo de demora, esperar pela intervenção da autoridade judiciária; ou
ii) No decurso de revistas ou de buscas sejam apreendidos ao suspeito objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime ou constituam seu produto, lucro, preço ou recompensa.
2 - A realização de qualquer dos actos previstos no número anterior obedece, subsidiariamente, à tramitação do Código de Processo Penal e tem de ser de imediato comunicada à autoridade judiciária titular da direcção do processo para os efeitos e sob as cominações da lei processual penal.
(…)”
E, ao abrigo do disposto no artigo 11º, nº 1 da mesma lei, são autoridades de polícia criminal, nos termos e para os efeitos do Código de Processo Penal:
a) Director nacional;
b) Directores nacionais-adjuntos;
c) Directores das unidades nacionais;
d) Directores das unidades territoriais;
e) Subdirectores das unidades territoriais;
f) Assessores de investigação criminal;
g) Coordenadores superiores de investigação criminal;
h) Coordenadores de investigação criminal;
i) Inspectores-chefes.
No caso em apreço, o mandado de busca e apreensão ao veículo automóvel de matrícula 04-LL-21 e que consta de fls. 75 foi emitido pelo Inspector-chefe da Polícia Judiciária, F, invocando expressamente os artigos 1º, 174º, nºs 1 e 2, 178º e 249º do Código de Processo Penal, bem como os artigos 11º, nº 1, al. i e 12º, nº 1, al. b) e c) da Lei nº37/2008, de 6 de Agosto.
Assim e tendo sido emitido ao abrigo da delegação de competência por despacho de fls. 11 e dos artigos acima referidos, o mandado de busca e apreensão ao veículo automóvel de matrícula 00-OO-00, não padece de qualquer vício, tendo, inclusivamente, sido validadas as respectivas apreensões (cfr. fls. 389 e 406).
De resto, valem também nesta parte, o acima referido quanto a eventual nulidade e da oportunidade da sua invocação.
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5. Da nulidade do despacho que indeferiu as diligências requeridas pelo Arguido D
Para além de se manterem válidos os fundamentos do despacho que indeferiu as diligências requeridas, entende-se que não estamos perante a insuficiência de inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, nem a omissão de diligências que se reputassem essenciais para a descoberta da verdade para os efeitos da nulidade previsto e punível no artigo 120º, nº 2, al d), do Código de Processo Penal.
Como muito bem sublinha o Exmo. Procurador da República, quanto ao acesso ao computador pessoal do Arguido, o mesmo não concretizou quais os elementos que aí se poderia encontrar com interesse para a boa descoberta da verdade.
No que tange à informação a solicitar à Marina, para além do Arguido, caso nisso visse verdadeiro interesse para a sua Defesa, poder ter feito tal solicitação directamente, continua este Tribunal a não ver qualquer interesse em tal diligência.
Com efeito, resulta dos elementos juntos aos autos (fls. 359 e ss. e 521 e ss.) que foram atribuídos à embarcação GLORIA três cartões de acesso, sendo dois deles de acesso pedonal e um de acesso a viaturas. Mais resulta de forma clara que tais cartões ficaram associados à embarcação e não a qualquer viatura automóvel em concreto.
Termos em que se conclui que, tais diligências de prova não só não se mostram necessárias para a boa decisão da causa como se traduziriam em actos inúteis.
Pelo exposto, julga-se, igualmente, improcedente a invocada nulidade.»
*

***


Inconformados, interpuseram recurso todos os arguidos com as seguintes conclusões (transcritas):

Arguido A

Nulidade de Inquérito:

1) A Policia Judiciária recebeu informação da Policia Inglesa e Espanhola, conforme fls. 2 e 3 no que se refere a estes autos, identificando o arguido B e o dia em que o mesmo chegava a Faro.
2) G, 2015.07.08, minuto 05:18
“chegar ao aeroporto de Faro um individuo de nome B, disseram o voo em que ele vinha, disseram como ele vinha vestido, e inclusivamente forneceram a fotografia do individuo”
3) Sabendo que o B viria para Faro no dia 11 de Julho deslocaram-se vários inspetores para Faro, cfr. RDE de fls. 64 a 66. Essas vigilâncias prolongaram-se pelos dias seguintes, 12, 13, 14 e 15, sempre vários inspetores a fazerem vigilâncias.
4) Não foram meros actos cautelares e de observação, porquanto conforme em audiência referiu H, a 25-06-2015, que refere cfr. segmento de prova, que aqui se dá como reproduzido, que verificava o que o mesmo vestia, como vestia e que até na praia apanhou um grande escaldão violando a intimidade privada.
5) O acórdão admite que não são diligências cautelares, mas já de investigação.
6) A PJ só comunicou ao Ministério Público a informação que recebeu das autoridades inglesas de 11 de Julho, não como lhe impõe as disposições conjugadas dos arts. 48, 241 a 243 e 24-8 do CPC, logo que possível, mas somente às 11h30 no dia 15 de Julho.
7) Pelo que foram violadas as normas previstas nos arts. 48, 242, 243, 224, 248, 249 do CPP.
8) As normas constantes dos arts 48, 242, 243, 224, 248, 249 do CPP. quando interpretadas no sentido de permitirem ao OPC a prática de diligencias de investigação a fim de carrearem prova contra os suspeitos, já devidamente identificados, durante um período de 4 dias, totalmente à revelia do Ministério Publico, e considerando que essas diligencias se enquadram na previsão dos actos cautelares ,violam os princípios constitucionais ínsitos nos artigos 26-1, 32-1-5 e 219-1 da CRP.
9) Ou seja, aquelas normas estão feridas de inconstitucionalidade material por violarem os princípios contidos nos artigos 26-1, 32-1-5 e 219-1 da CRP. quando interpretadas no sentido de que o OPC após ter recebido uma informação verbal e posteriormente escrita de autoridades estrangeiras, onde identificavam concretamente os suspeitos, e a actividade ilicita que vêm desenvolvera Portugal, procedem por si, sem delegação de poderes,do MP, a seguimentos, quer na praia, quer nos bares quer no hotel, violando a privacidade do cidadão, fazendo também vigilâncias, que se traduzem em diligências de prova e não meros actos cautelares.
10) Pelo que tendo sido todas as diligências executadas pelos OPC sem autorização do M.P., deverá o inquérito ser considerado nulo nos termos da alínea b) do artigo 119 do CPP com as consequências legais previstas no art 122 nº 1 do CPP
Busca à garagem:
11) Entende o recorrente que os senhores OPC, para fazerem a busca à viatura, deveriam entrar na garagem do Hotel, de forma legítima, isto é, com autorização judicial, que não tinham, e também não tiveram autorização do visado, B.
12) Em audiência de julgamento foi dito pelos OPC I, F e J e L, 2015.07.08, 12:32:11, minuto 07:45 que para se entrar na garagem, teria de ser com um cartão ou chave, e o acesso era condicionado aos hóspedes.
13) A garagem do hotel é o prolongamento, do quarto alugado pelo hóspede, dai o acesso condicionado, no caso concreto do arguido B, o seu domicílio, art.177 nº1 do CPP.
14) Era para efeitos do citado artigo, um lugar reservado, nos termos do art.º 190.º do CP, funcionando para o hóspede a garagem coletiva da habitação e nesse espaço ainda se realizaram vários actos pertencentes à intimidade privada.
15) Visado pela busca é a pessoa que ocupa o lugar e o utiliza para um fim que a autoridade suspeita ser ilícito.
16) Os OPC entraram na garagem durante a noite e posteriormente às 13h ali permaneceram até chegarem os mandados para a viatura sem estarem legitimados para tal.
17) Se não existisse obrigatoriedade de emissão de mandados de busca para a garagem o M JIC a fls 21 a 23 não os teria passado, mencionando expressamente parqueamentos e garagens.
18) Só que os mesmos não foram utilizados, nem sequer o OPC sabia da existência dos mesmos, e ao não serem utilizados, não poderão validar aquela busca, é como se não existissem.
19) O que pode tem como consequência a impossibilidade de utilização do que for encontrado na garagem e no carro, ou seja, proibição de valoração nos termos do disposto no art.º 126.º, n.º 3 do CPP.
20) A sua arguição em audiência de julgamento foi pertinente, porque só após a produção da prova testemunhal, concretamente de G, F e I se pode concluir pelas características da garagem, lugar de acesso reservado, e a forma como entraram além do modus operandi dos OPC do que anteriormente não havia conhecimento,
21) Mas mesmo que assim não fosse, logo que teve conhecimento destas especificidades, o recorrente arguiu a nulidade da busca em audiência.
22) Tratando-se de proibição de provas, nos termos do art.º 126.º, n.º 3 do CPP esta é de conhecimento oficioso, de arguição a todo o tempo.
23) A se não entender desta forma a interpretação das normas constantes dos art119,120, 126, 177 do CPP, que os referidos vícios não possam ser arguidos em julgamento, por extemporâneo, considerando-se sanados, fere de inconstitucionalidade material as referidas normas por violação dos art. 18.º, 32.º e 34.º da CRP.
24) A interpretação e a aplicação das normas do n.º 1 do art.º 177.º do CPP no sentido de se não entender o conceito de domicílio, para efeitos de processo penal, o lugar da garagem como continuidade do quarto do hóspede situado no hotel fere de inconstitucionalidade material aquela norma por violar o art.º 18.º, 32.º e 34.º da CRP.
25) A interpretação e aplicação das normas contidas na al. b), do n.º 5, do art.º 174.º e n.º 2 do art.º 177.º, no sentido de permitir que o consentimento é eficaz com a autorização dos donos ou gerentes do espaço a buscar, fere de inconstitucionalidade material aquelas normas por violarem os preceitos contidos nos arts.º 32.º e 34.º da CRP.
26) A interpretação das normas referentes à al. b), do n.º 5 do art.º 174.º e al. a) do n.º 2, do art.º 177.º do CPP, no sentido em que a arguição das nulidades acima referidas o teria de ser até à Instrução e não em fase de julgamento, fere de inconstitucionalidade material estas normas, por colidir com os preceitos nos arts.º 18.º, 32.º, n.º 1 e 8 e 34.º, n.º 4 da CRP.
Conversa Informal:
27) A prova assentou quanto ao facto 29, última parte, numa alegada conversa informal durante a busca ao veleiro entre o capitão C, enquanto detido e G, cfr. acórdão fls. 39. G, 2015.07.08, 10:05:02, minuto 18:57
“MP – Como é que tiveram conhecimento do qual poderia ter sido o local onde o referido estupefaciente foi transportado?
VA – Porque o Sr. C nos indicou.
MP – Indicou ao Sr. Inspector?
28) Ora este facto não se pode dar como provado, com fundamento nesta prova, atendendo a que o arguido C a ter tido essa conversa a teve antes de ser constituído arguido, porque o mesmo nunca prestou declarações como arguido.
29) Não tendo ainda sido constituído arguido o Sr. C não poderia ter sido valorado o que poderá ter dito a que titulo fosse Ao que acresce que este nem sequer sabe falar português e não havia qualquer intérprete!
30) O tribunal ao ter valorado as conversas informais do arguido C, antes que este tivesse sido constituído arguido, violou o preceituado nos arts. 127.º, 129.º e 356.º do CPP.
31) Sendo, por isso, as normas constantes destes artigos, quando interpretadas e aplicadas como o foram, no sentido de que as conversas informais mantidas entre o OPC e C, um cidadão estrangeiro, antes que este tivesse sido constituído arguido e que estas possam ser valoradas pelo Tribunal para formar a sua convicção, estão feridas de inconstitucionalidade material, por violarem as garantias de defesa, previstas no artigo 32.º da CRP.
32) Pelo que, não pode ser valorada tal prova, que no caso concreto é como se não existisse.
Imagens CV:
33) Os factos de 58 a 80 foram dados como provados com fundamento na visualização das camaras de vídeo da marina. Como pôde o Tribunal dar estes factos como provados!
34) A qualidade das imagens permite unicamente visualizar vultos. Quanto ao que trazem na mão, as imagens não têm nitidez suficiente para se poder aferir, quer da cor e muito menos da qualidade e grau de uso dos volumes que transportam contrariamente ao dado como provado pelo tribunal!
35) A fls. 40 refere o Tribunal que as testemunhas que procederam ao visionamento das imagens, ou seja, dão como provado os factos assim mencionados, não por conhecimento directo dos factos, mas pela interpretação e manifestação das convicções pessoais que o inspector M, fez das imagens que a muito custo ia decifrando em audiência, e que não correspondia ao que estava lavrado em auto de visualização que tinha produzido a fls….
36) Há um corte no passadiço não se pode garantir que aqueles vultos com aqueles volumes saem para fora, mas por ausência de nitidez das imagens está vedado exercer o princípio do contraditório e as garantias de defesa do arguido ao não poder esclarecer que tipo de volume era o que saiu do veleiro, violando-se desta forma o artigo 32.ºnº1 da CRP.
37) O tribunal deveria ter visualizado as imagens e apreciado as mesmas nos termos do artigo 127.º do CPP e não com fundamento na mera interpretação do que a testemunha acha que vê ou não vê, manifestando as suas convicções pessoais, violando os artigos 128.º e 130.º do CPP.
38) Este meio de prova não poderia mesmo que estivesse em boas condições de visibilidade ser utilizada da forma como foi, porque viola o princípio da imediação e das garantias de defesa, art.º 32.º, n.º1 da CRP. A violação desta proibição de prova leva à nulidade da sentença nos termos do art.º 379.º, n.º1, al. c) do CPP.
39) O recorrente viu cerceado o seu direito de defesa, ao não poder exercer o contraditório nos termos do art.º 32.º da CRP, pelo que tal prova não pode ser valorada.
Da Nulidade de Acórdão
40) A fundamentação da sentença visa permitir ao Tribunal superior o reexame do processo lógico ou racional que subjaz à decisão, o que deve ser feito nos termos do art.º 374.º, n.º 2 sob pena de nulidade – art.º 379.º, n.º 1, al. a) do C.P.P.
41) Em que provas se apoiou o tribunal para dar como provados os factos constantes da matéria dada como provada em ponto 1, 2, 4, 7, 10, 13 a 17, 20 a 24, 27, 30, 31, 36, 38, 39, 42,46 a 48, 63, 64,71, 74, 82, 126 136, 138, 143,144, 145, quanto a A.
42) O Tribunal dá como provados diversos factos sem sequer dizer em que provas se sustenta para os dar como provados, nomeadamente porque é que concluiu no art 15 que a droga foi colocada nas bermudas se aquele local nem sequer faz parte dos roteiros da droga mais concretamente cocaína.
43) Por isso nem de acordo com as regras da experiência de vida e lógica tal sequer se poderia concluir.
44) No processo de formação da sua convicção não fundamentou o tribunal de forma esclarecedora as razões porque em seu entender as declarações quer do B quer do A não foram credíveis, porque é que não os convenceram, nomeadamente se existiam um intervalo de tempo bastante em que o carro esteve sem qualquer vigilância!
45) Refere o tribunal que as declarações do B não são atestadas por qualquer outro meio de prova, mas também não foram contraditadas por qualquer meio de prova.
46) Quando o B entrou na garagem os Opc encontravam-se no interior da mesma? O transbordo dos sacos, segundo referido pelo mesmo levou cerca de 10 minutos e os OPC só entraram na garagem cerca de 30 a 40 m após a entrada do B na referida garagem.
Transcrição I, 2015.07.01, minuto 27:30
“MA – em que momento foram colegas seus ao interior da garagem?
PR – Não sei bem precisar, 30,40 minutos, não sei.”
47) O tempo suficiente para que fosse umas três vezes ao quarto e voltasse a garagem, sem que os OPC ainda não lá tivessem estado, conforme declarações de H que referiu que B subiu três vezes ao quarto e desceu a garagem.
48) Quanto ao arguido A refere o tribunal que a versão do arguido é desprovida de qualquer credibilidade e não é sustentada em qualquer meio de prova.
49) Contudo o mesmo refere que veio comercializar telemóveis, para tal entregou factura, documento junto aos autos e que não foi posto em causa.
50) A prova quanto à comercialização dos telefones está sustentada quer pela sua actividade profissional quer pelas declarações de B, 15-07-15 minuto 14.46.45. 15.30 que viu os telefones, quer pelas próprias declarações do recorrente minuto 10.42.58-11.53 15-07-15 Quer pelos factos provados nos artigos 155/156
51) Todavia, o Tribunal omitiu pronunciar-se porque é que não acreditou na explicação do arguido quando em sede final de audiência este justifica o peso e conteúdo dos sacos, nomeadamente quando fala nas mesas e tripés e caixas envernizadas e forradas a veludo.
52) Refere o tribunal que “o material informático e de comunicações que se encontrava na posse e a factura que junta aos autos, não ensombram a convicção do tribunal não sendo de modo a fazer crer que apenas transportava material de telecomunicações para vender”
53) O tribunal apercebeu-se do peso da mercadoria constante daquela nota de encomenda para poder concluir que pelo peso não se poderia tratar de telefones?
54) Porque não acreditou no senhor A quando este referiu que no dia 12 se dirigira a Área de serviço para se encontrar com N para seguirem para a casa daquele e entregar-lhe a mercadoria?
55) Não existe prova que contradiga ou imponha outra decisão. O Tribunal é omisso quanto a tal questão.
56) Todos estes factos não são considerados factos inócuos, pelas razões já expendidas.
57) O arguido foi seriamente afectado no seu direito de defesa, já que o Tribunal fez errada interpretação das normas constantes dos arts. 97º, nº 4, 374º, nº 2 do C.P.P., interpretação essa violadora dos princípios consignados nos arts. 32º, nº 1 e 5 e 205º da C.R.P.
58) O Acórdão enferma de nulidade prevista, art.º 379.º, n.º 1, al. a) do C.P.P. por violar os requisitos do art.º 374.º, n.º 2 do CPP.
59) “É nula a sentença onde falta a enumeração dos factos alegados pela Defesa Provados e Não Provados ainda que só por referência sumária das conclusões contidas na Contestação e é nula também a sentença onde falta a indicação dos meios de prova igualmente alegados pela defesa que serviram para formar a convicção do Tribunal artº 379º, al. a) do C.P.P.” Acórdão do S.T.J. Rec. 43.256 de 11 de Fevereiro, Tomo 1-93, Ano I, pág. 194.Só com a repetição de novo julgamento se poderá sanar a nulidade da falta de resposta aos factos alegados na contestação de forma a serem dados como provados ou não provados.
60) A se não entender desta forma dever-se-á considerar inconstitucional a norma do nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se basta com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª Instância, não exigindo a explicitação concisa do processo de formação da convicção do Tribunal, quer quanto aos factos provados, quer quanto aos não provados, por os considerar inócuos sem contudo justificar porque são inócuos, por violação do dever de fundamentação das decisões dos Tribunais previsto no nº 1 do artº 205º da Constituição, bem como, quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 410º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no nº 1 do artigo 32º também da Constituição.
Impugnação da Matéria de facto:
61) No caso em apreço, a prova indiciária que temos é o arguido A ter estado na marina com o capitão, conforme visualização das imagens, estas com uma ténue qualidade, já que as suas declarações não foram valoradas e portanto não se pode dar tal como provado com base nas mesmas.
62) A visualização das restantes imagens não são suficientemente nítidas, para se concluir que os volumes que estavam a ser transportados pelos vultos que saiam do veleiro eram os trolleys, que foram transferidos do carro do A para o do B.
63) Também mesmo fazendo um apelo muito grande à nossa imaginação, seguindo o raciocínio e interpretação, dada pelo Sr. Inspector F, o que vai contra qualquer regra de valoração da prova, nos termos do art.º 128.º CPP, nunca se poderá ter prova directa que os volumes saíram do passadiço, aqui também nos teríamos de munir de prova indirecta.
64) Prova directa, temos a diligência externa, o seguimento do B até à entrada do veículo na garagem, entrada dos opc na garagem passados cerca de 40mn após o B ter parqueado o carro, para ver onde aquele se encontrava, e no dia seguinte novamente, às 11h entrada na garage quando o detiveram, e a busca à viatura com apreensão de 167 kg de cocaína.
65) As malas apreendidas eram iguais às que L, OPC, vira.
Ticket:
66) Dá o tribunal como provado que dentro de um saco preto estava um ticket de supermercado das Bermudas.
O facto de existir um ticket das Bermudas dentro de um saco desportivo, apreendido em Lagos não leva a concluir por si só que pertença a alguém do veleiro.
Saber se aquele saco veio do veleiro, que tipo de saco é?
Se transportou outros materiais anteriormente a ter droga?
Serão muitos factos que se terão de presumir para chegar a essa conclusão.
67) A admitir-se que aquele saco pertencia a alguém do veleiro, e que o ticket estava dentro do saco, do que se têm legitimas reservas, questiona-se qual foi o percurso do saco até chegar à viatura Nissan, até porque tem uma configuração diferente dos restantes sendo de dimensões muito mais reduzidas. Muito estranho o tribunal ter dado este facto como provado!
68) Contudo, apesar das embalagens estarem peganhentas, húmidas e o ticket estar por baixo das mesmas no fundo do saco conforme disse L, estava intacto, sem qualquer vestígio de humidade embora estando em contacto com as mesmas embalagens, cerca de 2 dias e aquelas continuarem húmidas, fls.97.
69) Não deixa de ser estranho, um documento tão importante, que todos se lembram do mesmo, de o terem visto, mas só a ultima inspetora a ser ouvida é que se lembra em que saco o mesmo estava.
Não deixa de ser estranho, também tirarem fotos aos sacos e ao que vinha nos sacos, nomeadamente à droga, mas ao ticket que supostamente viria junto não tiraram, e colocarem-no no auto de apreensão ao B!!!!!
70) Venerando relator, a qualidade do papel, em contacto com a humidade em 2 dias, por baixo das embalagens, ficaria com vestígios de humidade, encarquilhando, porque este papel, por muito bom que seja ficaria sempre com vestígios!!
Se as embalagens ficaram, porque não um ticket de supermercado? Fls97
71) O processo de raciocínio em que assentou a convicção do tribunal está eivado de erro ao concluir da forma como concluiu, porque vai contra toda e qualquer regra de experiencia quer de vida quer cientifica, que o recorrente concretizou, pelo que enferma o acordao quanto a este facto de erro notório da apreciação da prova, que decorre do próprio texto decisório, art 410 2 –c do CPP.
Veículo:
72) No caso concreto o tribunal formou a sua convicção que o carro dentro da garagem esteve sempre sob vigilância, o que não é verdade, pois que o Sr. OPC passou por lá passado cerca de 30/40mn e o carro esteve sem qualquer vigilância a noite inteira até ao dia seguinte que ali entraram com o arguido B. Nesse espaço de tempo entraram e saíram viaturas da garagem.
73) Conforme afirmou I, no segmento de prova que aqui se dá por reproduzido e que consta da motivação para a qual se remete.
74) De acordo com o raciocínio do tribunal, da saída ate á entrada na garagem que necessariamente ocorreu, impunha-se, que o carro entrou, na garagem, o B fechou-o, ficou parqueado e ninguém mais lhe mexeu, donde, por prova indirecta poderemos levar a concluir que o produto apreendido foi o que foi transferido do carro do arguido A para o do arguido B.
75) Prova periférica, o ticket que associa a droga ao barco, temos o carro e a humidade da droga. Quer o B quer o carro estiveram sempre controlados pelos OPC. Dúvidas não poderão existir atendendo a este raciocínio!
76) Só que não foi isso que Aconteceu!
77) Existe erro de julgamento na matéria de facto e esse erro de julgamento fundamenta-se precisamente nas provas que impõem decisão diversa, pois que o tribunal partiu dos pressupostos que a viatura esteve sempre sob vigilância, o que não foi verdade, atendendo às declarações dos OPC I e F e L conforme os segmentos de prova, que constam da motivação, para onde já nos remetemos que levam a conclusão diversa.
78) Essa prova impõe a conclusão que existe prova directa que o carro não esteve a ser vigiado durante a noite.
79) Mesmo não dando credibilidade às declarações do arguido B, ninguém pode com grau de certeza concluir que não se poderia ter sido feita a transferência dos telefones por droga no carro, e que o que o Sr. B declarou não é credível.
80) Ao ter afirmado que foi contactado para ir buscar uns telefones e quando chegou, com quem contactara anteriormente, estava tal como combinado à sua espera, para os levar e foi ela e outra pessoa que colocaram o produto no carro, 15-07-15 14.46.45 18.00 minuto
81) A experiencia comum leva-nos a concluir que tal poderia acontecer, e não temos nada que ponha isso em causa.
82) Assim como em relação ao A dono de uma empresa tal como se da como provado a 156 155, material de topo a nível de encriptação. Prova disso é o nosso LPC, um dos mais desenvolvidos do Mundo, e no entanto ainda não conseguiu decifrar os cartões apreendidos nos autos.
83) O arguido tem sucursais em muitos locais do mundo, todavia em Portugal ainda não tem, razão porque viria e explorar o mercado. As suas declarações não são despiciendas.
84) O que lhe aconteceu foi de facto muito estranho, nomeadamente aquela informação de fls 2 dos autos, que o mesmo justifica por rivalidades para aquisição do Know how da empresa.
85) Contudo o consumidor alvo deste produto não são só grandes empresas e forças governamentais, mas também elementos da economia paralela, onde se encontram muitos traficantes de droga.
86) Apesar dos vários esforços para contactar o Sr. N, o mesmo está incontactável, não tendo sequer pago o valor restante dos telemóveis, que, devido a isso, não foram activados.
Conclui o recorrente que caiu numa teia da qual neste momento é refém!
87) Justificou o recorrente porque se encontrou com o amigo de sempre, C. Se tivesse algo a ver com drogas não voltaria no dia seguinte para se despedir.
87) As declarações do arguido A são corroboradas pelas do arguido B quando este diz ter visto a O abrir os sacos e viu…..assim como foi o próprio A que perguntou ao B se sabia alguma coisa do N conforme segmento de prova acima identificados
88) Se o arguido A viesse a Portugal para comercializar droga teria vindo directo de avião de Amesterdão. Este veio de carro de Madrid porque trazia a encomenda dos telefones.
89) Se viesse por causa do veleiro teria vindo na altura da chegada daquele a 14 e não a 11, já que estando em contacto com o capitão não teria necessidade de vir três dias antes.
90) Se tivesse algum problema de secretismo e ilícito de acordo com as regras da experiencia comum não teria parqueado o carro em frente ao Hotel e depois de ter feito a entrega, permanecido no local e no dia seguinte ainda se ter deslocado ao veleiro antes de partir, ao alegado local do crime….
91) Quanto ao B o seu comportamento, não é de quem transportava algo de ilícito, pois que fazia uma condução tranquila e não aquela característica de quem está alerta para observar se está a ser vigiado.
92) Com a falta de vigilância dentro da garagem, e a entrada e saída de viaturas durante a noite, poderia acontecer dentro da garagem, o que o B declarou, ou quaisquer outras situações, fora do nosso domínio.
93) Como é que o Tribunal pode dar como certeza que desde que o carro chegou à garagem até os OPC terem entrado no dia seguinte na garagem ninguém mexeu nas malas?
94) O tribunal não pode afirmar tal, porque as provas impõem decisão diversa sendo que de acordo com o princípio do indubio pro reo o tribunal poderá ter ficado na dúvida quanto à ocorrência e determinados factos e daí tem que retirar a consequência que mais beneficia o arguido. No caso concreto este princípio foi desrespeitado pelo tribunal na apreciação dos factos, decidindo por uma apreciação desfavorável.
95) Só foram à garagem passados cerca de 30/40 minutos após o B ter entrado, e posteriormente no dia seguinte às 11h a partir das 13h do dia seguinte.
96) Também dito pelos mesmos OPC aquela garagem apesar de não ter muito movimento, sempre tinha alguns carros a entrar e sair, mais concretamente famílias. Na garagem estavam parqueados mais carros, conforme afirmou I, no segmento de prova que aqui se dá por reproduzido e desde já se remete para a motivação, onde consta o mesmo.
97) Ninguém pode garantir que mesmo entrando por dentro do Hotel, não tivesse tido acesso ao carro. Aliás, também a primeira vez que viram o carro já o arguido chegara há cerca de 30/40 mn. A garagem esteve a ser vigiada do exterior, não viam o interior, L.
98) Também durante a noite não se sabe o que aconteceu dentro do carro. O arguido B andou por Albufeira, por Lagos, por dentro do hotel, mas nem sempre ao alcance dos OPC. declarações de B para onde se remete e a contrario de G também para onde se remete.
99) A partir das 23.30 horas do dia 11 no Lib´s ficou sozinho, no domingo o chefe G, disse que não o vigiaram, e noutro dia só da parte da tarde. Dentro das instalações do Hotel, não pode ser visto pelos OPC´s, porque o vigiavam do exterior. Remete-se para os segmentos de prova devidamente identificados na motivação
100) Não sabemos se ou com quem contactou além das declarações do mesmo.
101) Ou seja, dentro da garagem, desde que o arguido chegou até ter subido para o quarto, antes de ir à pizzaria muita coisa pode ter acontecido, até terem substituído o conteúdo dos sacos, até ele ter entregue outra chave do quarto e do carro a quem quer que seja.
102) No caso concreto, existe um erro de julgamento na apreciação da matéria de facto. O tribunal decidiu na certeza que o carro esteve sempre controlado, bem como o acesso à viatura, o que não foi o caso.
103) Também do facto directo não se pode andar de presunção em presunção, cortando o fio de continuidade, somente com provas periféricas para se concluir pelo facto desconhecido.
104) O OPC só tem o domínio do facto entre Grândola e a entrada da garagem do Hotel, nada mais, de Sines para Grândola não se sabe o que pode ter acontecido, nem no interior da garagem durante uma noite inteira!
105) A situação do carro ter ficado sem vigilância, nas circunstâncias já mencionadas, adequa-se a outras hipóteses, nomeadamente de o conteúdo dos sacos (caso tenham sido aqueles que vieram de Grândola) ter sido substituído, ou seja os telefones e restante material, pela droga que ali foi encontrada e colocada pela O e outro homem não identificado, ou outra hipótese, terem trazido sacos iguais, porque são standars e deixarem os que foram apreendidos.
106) As declarações do A corroboradas pelas do B, conforme segmento de prova que aqui se dá como reproduzida e constantes da motivação, quanto ao que foi buscar, material de telecomunicações, a falta de vigilância da interior da garagem, durante a noite e manhã e logo à chegada a Lagos, adequam-se a que se retirem diversas conclusões legais, nomeadamente, o que é que aconteceu na garagem durante a noite,
107) Se alguém trocou os sacos, se substituiu os telemóveis por droga ou outra hipótese qualquer, já que não se sabe o que ocorreu na garagem onde se poderia entrar por dentro do hotel, e atendendo as declarações do B, a O tinha a chave.
108) As provas que impõem decisão diversa, nomeadamente quanto ao arguido B e à viatura, são as declarações dos OPC I, para onde se reporta na motivação para os segmentos de prova F, L e G ….
109) Porque de facto existiam as lacunas acima referidas quanto à vigilância da viatura, pelo que as presunções aqui se não poderiam aplicar na óptica do tribunal.
110) Essa prova impõe decisão diversa porque os OPC nunca estiveram a vigiar o carro.
111) Estas provas impunham várias soluções, várias situações poderiam ter ocorrido na garagem mesmo sem declarações do arguido B.
112) Nem mesmo a humidade da droga e o tal ticket tirado do saco sem quaisquer vestígios de humidade, apesar de em contacto com material húmido, afastam a possibilidade de outra conclusão resultar do facto directo, nomeadamente com fundamento nas declarações de B.
113) De acordo com o princípio indubio pro reo, deverá o tribunal dar os factos dados como provados, como não provados, não só porque a prova testemunhal acima referida impõe decisão diversa, mas também porque o tribunal valorou prova que deveria.
114) Neste caso não podem fornecer a necessária certeza lógica para decidir, pelo que há erro na apreciação da prova, no sentido em que com base na prova indirecta leva o tribunal a concluir em mais do que uma direcção, enfermando este do vicio previsto na alínea c do art 410 nº2 do CPP
Acórdão do STJ, de 17.11.94, in BMJ, 454, 596 e Ac RP683/11.6GCSTSP2.
Face a tantas incertezas devemos atender ao princípio indubio pro reo, absolvendo o arguido.
115) Os factos enumerados na conclusão 41 deverão ser considerados como não provados com fundamento na não valoração das provas quanto às conversas informais, imagens CV e prova testemunhal dos OPC, para cujos segmentos de prova nos remetemos para os locais onde constam especificados.
Tráfico Agravado:
116) Da análise dos factos provados, apenas se pode concluir que o arguido e os restantes iriam obter compensação de montante não apurado.
117) Nem que tipo de compensação viriam ou esperavam vir a obter com a mesma (embora decorra das regras da experiência comum que alguma compensação obteriam), não se pode concluir que tal compensação seria avultada, no sentido que a lei lhe atribui.
118) A simples detenção não faz presumir a intenção de vender, pode ser guardar, transportar…Quanto é que cada um iria ganhar? Quem seria o dono do negócio?
119) O dono do negócio de acordo com as regras da experiencia comum não seria nenhum dos arguidos, já que esses comandam à distância e nunca estão em contacto com o produto ilícito.
120) Assim de acordo com o princípio in dubio pro reo, deveria o tribunal enquadrar o comportamento dos arguidos no normativo do artigo 21.º do DL 15/93, absolvendo os arguidos da agravante qualificativa.
121) Além de que os factos dados como provados são insuficientes para preencherem a agravante qualificativa da alínea c) do art.º 24 do DL15/93.
122) Ou por outra, não existem factos que possam levar à conclusão que iriam obter elevados proventos económicos, art.º 136 e 138 fls 28., da fundamentação, pelo que os factos provados são insuficientes para levar a esta decisão de qualificar o comportamento do arguido com a agravante qualificativa da alínea do art.º 24.º do Dl 15/93., enfermando o acórdão do vicio previsto na alínea a) do art.º 410.º nº 2 do CPP.
Quanto à Apreensão do Dinheiro:
123) O arguido exerce uma actividade profissional remunerada, conforme provado. Não existe qualquer prova de prática de acto de tráfico de droga que justifique que este dinheiro era proveniente dessa actividade.
124) Á luz das regras da experiência comum e das regras da lógica, deverá ser proveniente da actividade profissional.
125) Os factos dados como provados são insuficientes para levar á conclusão que o Tribunal chegou, ou seja que este dinheiro apreendido era para pagamento dos serviços.
126) Também nesta parte enferma o Acórdão o vício previsto no art.º 410º nº 2 al. a) do C.P.P. Além de mais uma vez o tribunal ter violado o princípio do “In Dubeo Pro Reo” e Presunção de Inocência, o próprio Acórdão padece do vício p. art.º 410.º, n.º 2, al. a) do C.P.P.
127) Pena:
128) É uma pena justa aquela que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa.
129) Só por mera hipótese académica, sem conceder, se se entender que o arguido praticou os factos por que vem condenado, temos que ter em linha de conta que será um mero peão de brega.
130) Isto porque se estivesse num patamar superior não teria qualquer contacto com o produto.
131) A Policia Judiciária, apreendeu o produto estupefaciente, não se tendo verificado um perigo real de ofensa ao bem jurídico protegido pela tipificação em causa e, em consequência, deverá haver uma atenuação substancial da ilicitude.
132) Quanto ao aspecto volitivo, o mesmo acabou no “transporte”, pelo que também por aqui se deverá entender pela atenuação da ilicitude.
133) O recorrente nunca teve o domínio dos factos ilícitos, pelo que a sua actuação não foi imprescindível para a consumação da operação.
134) A sua inserção no domínio do tráfico é inexistente até aquela altura. Os actos praticados pelo arguido não envolvem uma sofisticação, nem importância no próprio tráfico. Neste momento com 62 anos
135) Quanto às necessidades de prevenção especial, estão já devidamente acauteladas,
Não deve a pena ser maior que a culpa.
136) Tem família constituída. É bom chefe de Família. Assim a pena deveria ser enquadrada no tráfico simples e ser substancialmente mais baixa.
137) A se não entender desta forma, atendendo ao relatório social, o tribunal mal andou, violando o preceituado nos ar 40.º, 70.º, 71.º do CP.
138) Sendo certo que a demonstração feita a título exemplificativo, sem embargo de tudo quanto foi explanado nas alegações proferidas sobre matéria de direito, o que deve ser tomado em consideração, impõe que perante os enunciados erros de apreciação devam V. Exas. nos termos do art.º 431 do C.P.P. proceder à necessária modificação da matéria de facto. Deve ser dado provimento ao recurso.

Arguido B

1. A busca realizada na garagem do Hotel, que veio a permitir, mais tarde, a busca no veículo de matrícula 00-OO-00, alugado pelo ora recorrente, é nula e de nenhum efeito.
2. Com efeito, tal diligência não foi realizada em cumprimento de mandado judicial regularmente emitido, contrariamente ao que se refere no acórdão recorrido.
3. Aliás, na altura em que foi realizada tal diligência, nem sequer havia sido, ainda, emitido qualquer mandado – o mandado de busca para a viatura alugada pelo recorrente – e não para a garagem – só foi passado após a detenção do recorrente – cfr. fls 78 e 79.
4. Nesse momento a garagem do Hotel constituía, para o ora recorrente, um prolongamento da sua habitação, durante o período em que permanecesse, como hóspede, naquele hotel.
5. Nessa medida, aquela garagem, naquele momento, constituía parte integrante da habitação do recorrente.
6. Além disso, trata-se de um espaço não aberto ao público, mas sim um espaço privado, reservado, apenas e só, aos hóspedes do hotel.
7. Nestas circunstâncias, tal diligência de prova é manifestamente ilegal, reconduzindo-se, assim, à utilização de um meio de prova proibido, por violação do direito à privacidade.
8. O que determina, consequentemente, a nulidade da prova obtida, bem como de toda a demais prova que a partir dela foi obtida – cfr. art.os 126.º n.º 3, 125.º, 118.º n.º 1 e 3, todos do CPP.
9. O tribunal “a quo” fez uma errada interpretação e aplicação das normas contidas nos art.os 174.º n.º 5 e 251.º, ambos do CPP, interpretação essa que viola os princípios constitucionais ínsitos nos art.os 18.º n.º 1, 20.º n.º 1 e 32.º n.º 1 da CRP.
10. O tribunal recorrido equivocou-se ao considerar que a conduta do arguido integra a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art.º 21.º e 24.º c) do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I – B ao mesmo anexa.
11. Além disso, o tribunal “a quo” não sopesou todas as circunstâncias do caso, nomeadamente as favoráveis ao arguido, atrás devidamente assinaladas, as quais permitem concluir por uma ilicitude mediana da conduta do ora recorrente.
12. Atendendo a tais circunstâncias, entende-se que o tribunal recorrido dispunha de razões de sobra para ter optado pela aplicação in casu do art.º 21.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro.
13. O acórdão recorrido merece também censura, no que se refere à medida concreta da pena aplicada ao ora recorrente.
14. Pois que, atentos os factos provados - nomeadamente, a confissão (ainda que parcial) e os hábitos de trabalho evidenciados pelo ora recorrente - bem como os critérios legais previstos nos n.os 1 e 2 do art.º 71.º do Cód. Penal, a pena ao mesmo aplicada deveria ter-se situado perto do limiar mínimo da pena abstractamente aplicável.
15. Ao decidir de forma diversa, o Tribunal a quo violou o disposto no art.o 71.º do Cód. Penal.
Nestes termos e sempre sem olvidar o douto suprimento de V. Ex.as, Venerandos Desembargadores, deve o presente recurso merecer provimento e, consequentemente, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que declare nulas todas as provas obtidas a partir da busca realizada no veículo de matrícula 00-OO-00.
E, quando assim se não entenda, ainda assim, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por uma outra que condene o recorrente pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, numa pena de prisão que deverá situar-se perto do limiar mínimo da moldura abstractamente aplicável

Arguido C

1. O Ministério Público apenas delegou competência na Policia Judiciária para proceder à investigação no dia 15 de Julho de 2014, às 11.30 horas;
2. Porém, a Policia judiciária antes do dia 11 de Julho de 2014 recebeu informações das autoridades inglesas e espanholas segundo as quais pessoas devidamente identificadas, em locais também identificados procediam ao cometimento do crime de tráfico de estupefacientes;
3. Em face desta informação a Policia Judiciária exarou que esta informação merecia toda a credibilidade bem como a necessidade de a comunicar com urgência ao Ministério Público;
4. A Policia Judiciária em vez de comunicar a denúncia ao Ministério Público, por sua iniciativa, desenvolveu várias diligências de investigação que se prolongaram pelos dias 11, 12, 13, 14 e 15 de Julho, cujo conteúdo se traduziu em seguimentos/perseguições e vigilâncias ao suspeito B;
5. O suspeito B foi seguido em todos os seus passos do dia a dia, desde a ida para a praia – atente-se no depoimento da inspectora H – “Depois…quando foi na praia, logicamente foi para alugar o guarda-sol.” – “Sim. Ele ficou com um escaldão…” – “Sim, sim!” – “Ficou, estava todo vermelho … foi durante a hora de calor.”, até à observação permanente da porta do seu quarto do hotel captando todos os movimentos de entrada e saída do interior dos aposentos íntimos, conforme referiu a inspectora H, – “Ah sim, sim… observar sim…como é que ele estava vestido…sim, perfeitamente.” “Ou como não estava vestido mas até agora, todas as vezes que eu vi, estava sempre.” (00:22:38)”
6. O conteúdo destas diligências prende-se inequivocamente com os direitos fundamentais do cidadão. Acolhendo-nos à lição do professor Costa Andrade, na anotação ao crime de devassa da vida privada, citando Leite de Campos, “A pessoa não é só privada, íntima, reservada, quando passa a porta da sua morada e corre as cortinas. Na rua nos edifícios públicos, nos jardins, a pessoa continua envolta numa esfera privada. (...)“A conduta típica concretiza-se então sob a forma de acções como... observar ou escutar às ocultas. Cabem aqui as acções de... acompanhamento ou perseguição pessoal que contendam com a privacidade ou intimidade.”
7. Estas diligências de prova não se enquadram nas providencias cautelares (artigo 248º do CPP) porquanto estas estão sujeitas a critérios de necessidade e urgência o que, de todo, não se verificava no caso concreto;
8. O prazo de 10 dias a que se refere o artigo 248º não permite ao OPC praticar diligências processuais sem comunicar imediatamente a notícia do crime;
9. As normas constantes dos artigos 48º, 242º, 243º, 245º, 248º e 249º do Código de Processo Penal quando interpretadas com o sentido de permitirem ao OPC desenvolverem diligências de investigação, a fim de carrearem elementos de prova contra suspeitos devidamente identificados na denuncia, durante um período de quatro dias sem delas dar conhecimento ao Ministério Público ofendem os artigos 26º, nº 1, 32º, nº 1 e 5 e 219º, nº 1 todos da Constituição da República Portuguesa;
10. Essas norma padecem de inconstitucionalidade material, por atentarem contra os referidos preceitos constitucionais, quando interpretadas com o sentido de a Policia judiciária, durante quatro dias e após ter recebido informações de autoridades estrangeiras, segundo as quais indivíduos que identificam se deslocarem a Portugal para participarem num transporte de droga, procedem a vigilâncias a esses identificados suspeitos, que se traduziram em seguirem os seus movimentos – como deslocações à praia, à piscina, aos bares e observarem as entradas e saídas do quarto do hotel – uma vez que violam direitos fundamentais dos cidadãos e traduzindo-se em diligências probatórias com o objectivo de averiguarem a responsabilidade penal dos suspeitos denunciados;
11. Uma interpretação que considere que as referidas diligências levadas a cabo pela Policia Judiciária, se enquadram nas chamadas “providências cautelares” (artigo 248º do CPP) inquinam aquelas normas de inconstitucionalidade material por violarem os artigos 26º, 32º e 219º da CRP;
12. O mandado judicial que autorizou a busca ao veleiro delimitou esta diligência para o período diurno (entre as 7 e as 21 horas). Porém, a Policia Judiciária realizou a busca às 23.15 horas;
13. Autorizando o juiz uma busca diurna a circunstância de no caso concreto se estar perante criminalidade altamente organizada não desencadeia automaticamente a extensão dessa autorização para o período nocturno, tanto mais que no próprio despacho se proibiu a busca nocturna;
14. A norma do artigo 177º, nº2, al. a) do Código de Processo Penal quando interpretada com o sentido de que, estando em causa criminalidade altamente organizada, e tendo o juiz exarado no mandado judicial que a busca apenas poderia ser efectuada entre as 7 e as 21 horas e, não obstante, entende que essa busca pode realizar-se entre as 21 e as 7 horas, padece de inconstitucionalidade material por violar os artigos 18º, 32º, 34º e 205º da Constituição da República Portuguesa;
15. Uma interpretação que entenda que estando em causa criminalidade altamente organizada, independentemente de qualquer ponderação em concreto, faça funcionar automaticamente a al. a) do nº2, do artigo 177º do CPP inquina essa norma de inconstitucionalidade material por atentar contra o disposto nos artigos 18º, 32º, 34º e 205º da CRP;
16. Entendemos que as disposições conjugadas do artigo 177º, nº1 e 2, al. a) com o artigo 126º, nº3 do CPP devem ser interpretadas no sentido de que, estando em causa criminalidade altamente organizada, a autorização expressa (ainda com a cominação de nulidade caso a busca se realize no período nocturno, ou seja entre as 21 e as 7 horas) pelo juiz de realização de uma busca para o período diurno (entre as 7 e as 21 horas), a realização da busca no período nocturno (portanto em oposição à autorização judicial) comina de nulidade/proibição de prova essa diligência. Outra interpretação fere aquelas normas de inconstitucionalidade material por afrontarem os artigos 18º, 32º, 34º e 205º da CRP;
17. Contrariamente ao defendido pelo acórdão o vício assacado à busca enquadra-se nas proibições de prova e, portanto, arguível a todo o tempo;
18. Uma interpretação das normas constantes dos artigos 119º, 120º, 126º, 177º do Código de Processo Penal no sentido de que os vícios acima mencionados não possam ser invocados em sede de audiência de julgamento, por se encontrarem sanados, inquina de inconstitucionalidade material as referidas normas por contenderem com o estatuído nos artigos 18º, 32º nºs 1 e 8 e 34º, nº4 da Constituição da República Portuguesa.
Como inconstitucional seria uma interpretação no sentido de essa arguição estar limitada à fase instrutória caso tivesse sido requerida;
19. Com efeito, entendemos que a única interpretação, das referidas normas, de acordo com a Constituição, é aquela que considera que os referidos vícios podem ser suscitados em qualquer momento processual, designadamente em sede de audiência de julgamento;
20. Encontrando-se o veículo de matricula 00-OO-00 estacionado na garagem do Hotel, a entrada da Policia Judiciária na respectiva garagem para saber se o veiculo aí se encontrava e o que tinha no seu interior pressupõe necessariamente uma busca ou intrusão nesse espaço cujo acesso era limitado a determinados hóspedes do hotel;
21. A garagem de um hotel ainda é o prolongamento do domicilio do hóspede uma vez que o conceito de domicilio penal é mais abrangente que o domicilio civil;
22. Esta é a melhor interpretação da norma constante do artigo 177º, nº1 do CPP. Uma interpretação que não inclua no conceito de domicilio, para efeitos de protecção penal, o lugar de garagem correspondente ao quarto alugado pelo hóspede, situado nos pisos inferiores ao do quarto do hotel, inquina de inconstitucionalidade material a referida norma por violar os artigos 18º, 32º e 34º da Constituição da República Portuguesa;
23. A intromissão na referida garagem pela Policia Judiciária ocorreu muito antes de o tribunal ter proferido autorização de busca para a garagem, de resto a Policia Judiciária exarou em auto que os respectivos mandados não foram utilizados;
24. As regras da vida apontam para que a decisão judicial tenha sido proferida ao final da tarde uma vez que a promoção do Ministério Público ocorreu às 11.30 horas, os autos foram transportados desde a Rua Alexandre Herculano até ao campus da Justiça, foram entregues na secretaria judicial e só depois aberta conclusão ao magistrado que proferiu um despacho extensíssimo de 28 páginas;
25. O consentimento dos responsáveis do hotel na entrada dos policiais é irrelevante uma vez que a lei impõe o consentimento dos visados que no caso concreto era o arguido B;
26. Este vício sendo uma proibição de prova pode ser invocado em sede de julgamento;
27. Uma interpretação das normas constantes dos artigos 174º, nº5, al. b) e 177º, nº2, al. a), do CPP em que se entenda que o consentimento é eficaz com a autorização dos responsáveis do espaço a buscar inquina de inconstitucionalidade material as referidas normas por ofenderem os artigos 32º e 34º da CRP;
28. De resto, este vício pode ser susciptado em sede de audiência de julgamento pois trata-se de uma proibição de prova.
Uma interpretação das normas constantes dos artigos 174º, nº5, al. b) e 177º, nº2, al. a) do Código de Processo Penal no sentido de que os vícios acima mencionados não possam ser invocados em sede de audiência de julgamento, por se encontrarem sanados, inquina de inconstitucionalidade material as referidas normas por contenderem com o estatuído nos artigos 18º, 32º nºs 1 e 8 e 34º, nº4 da Constituição da República Portuguesa;
29. O tribunal valorou a sua convicção com base em conversas informais havidas entre o recorrente e o inspector da Policia Judiciária quando lhe estava vedado por lei, até porque nesse momento o recorrente já se encontrava detido e, como tal, dever-lhe-iam ser lidos os seus direitos e constituído arguido;
30. As normas constantes dos artigos 127º, 129º e 356º do CPP quando interpretadas com o sentido de que preparando-se a Policia Judiciária para cumprir mandados de busca e detenção de um cidadão estrangeiro, manteve com ele uma conversa informal, e essa conversa é valorada pelo tribunal para formar a sua convicção inquina aquelas normas de inconstitucionalidade material por violarem o artigo 32º da CRP;
31. O tribunal não procedeu a um adequado exame critico das provas pois não se compreende o raciocínio do acórdão que permitiu estabelecer os vários nexos causais entre o percurso das malas que terão sido descarregados do veleiro (atracado no porto de Sines) até à apreensão da droga em Lagos, cerca de 120 Km;
32. Com efeito, existe um hiato enorme, quer temporal quer espacial, entre o momento em que os movimentos ocorreram no veleiro (cerca das 16 horas do dia 14.7.2014) e a apreensão da droga na garagem (cerca das 13 horas do dia 15.7.2014) e espaço entre os dois locais (cerca de 120 Km) – não se percebendo como se pode ter uma certeza de que o conteúdo das malas não foi alterado;
33. O recorrente impugna os factos dados como provados nos pontos 1, 5, 6, 7, 8, 12, 14, 15, 17 a 20, 27, 29, 49, 59, 70, 71, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 81 e 128 e todos os que com eles estiverem em oposição;
34. Para além da prova, de que o tribunal se socorreu para dar como provados estes factos, ser nula, sempre se dirá, em qualquer caso, que seria manifestamente insuficiente;
35. Um dos elementos probatórios determinantes para a prova destes factos foram os depoimentos dos inspectores sobre o conteúdo dos autos de visionamento e fotogramas aos movimentos que ocorreram no veleiro, sendo certo que os depoimentos destas testemunhas, nesta parte, é proibido de valoração, conforme artigos 128º e 130º do CPP;
36. Por outro lado, quem observar as imagens dos referidos vídeos não pode deixar de concluir pela impossibilidade de se dar como provado a saída de malas e muito menos do seu destino;
37. O acórdão errou ao condenar o recorrente pelo crime de tráfico de estupefacientes na forma agravada por via do lucro avultado, uma vez que não deu como provado qual a compensação recebida pelos arguidos pelo alegado transporte da droga apreendida;
38. Esta circunstância impediria o acórdão de concluir, como concluiu, que o recorrente recebeu uma avultada compensação económica por ter participado neste transporte de droga;
39. Conforme jurisprudência assente da quantidade de droga apreendida não se pode presumir uma avultada compensação económica até porque se deu como provado que o recorrente era um mero transportador;
40. Por outro lado, o acórdão não atendeu a várias circunstâncias atenuantes que impunham uma diminuição da pena do recorrente, designadamente a idade de 68 anos e os problemas graves de saúde (sofreu um enfarte e padece de um cancro) bem como a sua primariedade;
41. Uma pena de 9 anos de prisão neste contexto representa na prática uma pena perpétua;
42. Conforme se deu como provado no acórdão o recorrente desde há vários anos que tinha a sua residência habitual no veleiro;
42. Ora, ainda que o veleiro fosse instrumento do crime haveria que ponderar os dois bens jurídicos em colisão: o direito do Estado ao confisco de bens instrumento do crime e o direito do arguido à habitação constitucionalmente protegido;
43. Parece-nos que deve de prevalecer o direito à habitação considerando até a manifesta desproporcionalidade em dar como perdido a favor do Estado um bem avaliado em €200.00,00, sendo o único bem do recorrente;
44. Uma interpretação da norma constante do artigo 35º do DL 15/93 segundo a qual um veleiro, avaliado em €200.000,00, que é o local da habitação permanente do arguido que serviu para o transporte de uma grande quantidade de produto estupefaciente pode ser declarado perdido a favor do Estado, inquina aquela norma de inconstitucionalidade material por violar os artigos 18º, 26º e 65º da CRP. Dir-se-á que o perdimento a favor do Estado do veleiro é manifestamente desproporcional atendendo aos valores e bens jurídicos em jogo.
Violaram-se as disposições legais que ao longo da motivação de recurso foram sendo citadas.
Nestes termos e demais de direito deverá o presente recurso obter provimento e:
a) absolver-se o recorrente, ou
b) anular-se o julgamento, ou
c) anular-se o acórdão, ou
d) fixar-se uma pena no limite mínimo da moldura legal.

Arguido D

1. A busca realizada ao Veleiro Gloria, é nula, nos termos dos arts. 126º e 177º ambos do CPP.
2. No momento em que foi realizada a busca, a mesma foi no âmbito do mandado já emitido pelo Juiz, no qual, está aposto que a mesma poderia ter lugar entre as 07h e as 21h.
3. O qual só não foi realizado durante esse período por incúria dos Srs. Inspectores da Polícia Judiciária, que já tinham conhecimento da localização do Veleiro muito antes das 07h do dia 15 de Junho de 2015.
4. Não colhe o entendimento do Tribunal de que estando perante uma criminalidade altamente organizada, toda a busca realizada após as 21h entra automaticamente no âmbito do art. 177º do CPP, saindo por completo do espírito do mesmo.
5. No entanto tal norma não é de aplicação automática, o que a norma nos diz, é que em casos especiais o Juiz poderá autorizar buscas no horário das 21h e as 07h, nada nos diz que os Orgãos de Polícia Criminal podem por sua autorrecreação, e porque não organizaram devidamente o seu tempo uma vez que já tinham mandado emitido para horário regular, proceder a uma busca fora desse horário.
6. Se o Juiz considerasse que a busca dos presentes autos deveria entrar no âmbito do nº 2 al. a) do art. 177º do CPP, teria emitido um mandado com essa possibilidade de horário, mas não o fez.
7. Pelo que nos termos do art. 177º nº 2 al. a) e 126º nº 3 do CPP, a realização de busca fora do horário regular sem autorização do MMº Juiz, ou do consentimento do visado, determina que toda a prova obtida por intromissão da vida privada e no domicílio uma vez que o Recorrente à data dos factos residia no Veleiro, é nula por se estar perante prova proibida, e não pode produzir efeitos nos termos do art. 122º do CPP.
8. Diz-nos também o acórdão que mesmo que se estivesse perante uma nulidade a mesma seria sanável, ora tal não pode ser aceite uma vez que se está perante a violação de direitos constitucionais previstos nos arts. 18º, 32º e 34º da CRP que podem e devem ser alegados a todo o tempo.
9. O Arguido tem direito a aceder a todos os elementos do processo nomeadamente provas que se encontram apreendidas, nos termos do art. 61º, nº 6 do art. 89º e 276º todos do CPP.
10. Este direito tem subjacente o direito de defesa e do princípio do contraditório previsto no art. 32º nº 5 e 7 da CRP.
11. O Tribunal coartou o direito de defesa do Recorrente ao não lhe ter dado acesso a estes elementos, tendo violado o principio do contraditório.
12. Sendo tal despacho nulo nos termos do art. 120º nº 2 al. d), por não ter praticado diligências que efetivamente poderiam se reputar essenciais à descoberta da verdade e à defesa do Recorrente, as quais foram requeridas no momento indicado para tal, na contestação.
13. Devendo por isso a decisão de indeferimento ser substituída por uma a deferir o acesso do recorrente aos elementos de prova existentes no processo.
14. Por essa razão impugna o Recorrente os factos dados como provados nos pontos 1, 5, 6, 7, 8, 12, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20, 27, 29, 49, 51, 59, 64, 70, 74, 75, 80,81, 106,123, 126, nos termos do art. 412º nº 3 do CPP.
15. Pelo que não podia o Tribunal “ a quo” dar como provado os factos dados como provados e acima impugnados, uma vez que a prova produzida nomeadamente o Video da Marina é insuficiente para dar como provado que as malas saíram daquele barco e que o recorrente se encontrava no mesmo, factos 49, 51, 59, 64, 70, 74, 75, 80, 81.
16. Também quanto aos factos 70, 74 e 75 prova produzida que leva a uma decisão diversa (Declarações da Testemunha P – data 08-07-2015 – Início 08.48 a 09:40.) – (Declarações Inspectora H – 25-06-2015, 23:58 – 24:35, 25:09 – 25:13), transcritas na motivação.
17. Quanto aos outros factos também impugnados, inexiste prova nos autos para a dar como provada, Os testemunhos prestados são omissos.
18. Devendo tais factos ser dados como não provados.
19. Os Srs. Inspectores, todos sem excepção disseram que todas as embalagens estavam húmidas, quando questionados sobre o que é estar húmido os mesmos disseram que deixavam a mão húmida, o que quer dizer que havia uma transferência de humidade, as mãos ficavam molhadas.
20. Quando questionada a Testemunha que alegou encontrar o tal recibo, Testemunha Inspectora L – 08-07-2015 – 16:13 (34:11 a 35:15), transcrita na motivação, disse que ela que tirou a droga do saco preto, que toda estava húmida ao ponto de deixar a mão ligeiramente molhada, e que o papel foi encontrado no fundo da mala debaixo de todas as placas de droga que estavam húmidas.
21. Supostamente tendo em atenção a teoria do Tribunal, o papel esteve debaixo de placas com humidade quase 24 horas, não sendo credível que o mesmo, não estivesse amarrotado, não tivesse manchas de humidade ou que estivesse húmido e que agora depois de seco ficasse amarrotado.
22. Agora o papel apreendido nos autos encontra-se perfeito.
23. Mais estranho é que tenha sido feita reportagem fotográfica à apreensão, ao produto estupefaciente dentro das malas, às malas, ao produto estupefaciente fora das malas, mas não exista fotografia do recibo dentro da mala.
24. É demasiado estranho para passar incólume.
25. E demasiado coincidente para fazer a ligação ao Veleiro quando não existe nada mais contra este.
26. O Tribunal fez uma errada interpretação da prova, que por um lado é insuficiente para dar como provado aqueles factos, por outro lado quanto ao Recorrente a prova é inexistente para dar como provado os factos que o levaram à condenação.
27. O arguido foi seriamente afectado no seu direito de defesa, tendo sido violado o disposto nos arts. 32-1 e 5º da C.R.P., 97-4, 374-2 do C.P.P., já que o Tribunal fez errada interpretação das normas constantes dos arts. 97-4, 374-2 do C.P.P., interpretação essa violadora dos princípios consignados nos arts. 32-1-5 e 205º da C.R.P..
28. O Tribunal com a sua decisão violou o p. e p. nos art.s 97º, 374º e 379º todos do CPP, e também o art. 410º nº 1 al. a), b) e c) também do mesmo diploma legal, e 32º da CRP.
29. Não existindo um ónus de prova que recaia sobre o Recorrente, deve o Tribunal investigar autonomamente a verdade, o entanto não pode desfavorecer o arguido sempre que não logre a prova do facto; isto porque o Principio do In Dubio Pro reo, uma das vertentes do Princípio constitucional da presunção de inocência, presente no art. 32º, nº 1, 1ª parte da CRP, impõe uma orientação vinculativa dirigida ao Juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos, que é o caso: e em tal situação, o Tribunal tem de decidir a favor do Arguido (pro reo).
30. Toda esta prova que a ser foi ponderada e valorada pelo Tribunal (Declarações da Testemunha P – data 08-07-2015 – Início 08.48 a 09:40.) – (Declarações Inspectora H – 25-06-2015, 23:58 – 24:35, 25:09 – 25:13) sobre as quais o Tribunal foi completamente omisso, teria que criar uma dúvida relevante sobre o conhecimento do Recorrente da existência de produto estupefaciente no interior do Veleiro, e que o mesmo teria estado no Veleiro a ajudar no momento em que as supostas malas foram retiradas do mesmo.
31. Enquadramento jurídico dos factos pelo Tribunal “ aquo” no crime de tráfico agravado pelo art. 24º, alínea c) do DL 15/93.
32. Dos factos provados nada resulta quanto à espécie ou quantidade de compensação que os arguidos iriam obter, sendo que nada nos permite também concluir, por recurso a indícios existentes nos autos, que os arguidos obtiveram ou procuravam obter avultada compensação económica, dado que, não obstante a enorme quantidade de produto estupefaciente, o recorrente era um mero funcionário do veleiro, pertencendo à tripulação, sem qualquer controle decisório quanto ao mesmo, que a própria posição que ocupa leva a que não se possa concluir que o mesmo iria ou esperava obter uma avultada compensação económica.
33. O próprio Tribunal na ponderação do grau de ilicitude dos factos em relação ao Recorrente a mesma está menos elevada em comparação com os outros co-arguidos, coincidindo unicamente com o co-arguido E.
34. Ora, só tendo por base este entendimento, imediatamente se retira que a atuação do Recorrente nunca preencheria o elemento objectivo e subjectivo do tipo do crime de tráfico agravado.
35. A posição do ora Recorrente era de um mero funcionário, sem qualquer poder decisório quanto ao barco, ao conteúdo do barco, à rota do barco.
36. Que tendo em atenção o pensamento médio, o Recorrente não passaria de um funcionário e nunca iria almejar a uma grande compensação económica, nem nunca teria acesso ao lucro que adviria do produto estupefaciente.
37. Não se está perante um crime de tráfico agravado, devendo a pena ser obrigatoriamente reduzida.
38. Na comparticipação criminosa a co-autoria diferencia-se da cumplicidade pela ausência de domínio do facto que esta traduz.
39. O Cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através de auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se a prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o faco principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo Autor.
40. Como claramente se colhe do acórdão, o Recorrente não passou de um “ auxiliador”, na expressão do próprio.
41. O Cúmplice limita-se a favorecer um facto alheio; como o instigador, não tem o domínio do facto. Neste ponto se distingue a cumplicidade da co-autoria, posto que esta requer o domínio funcional do facto sobre a base de um acordo comum.
42. No caso dos autos o Recorrente não era proprietário do Veleiro, não tinha poder decisório quanto ao mesmo, quanto ao que ele podia ou não transportar, quais as rotas a fazer, ele limitou-se a ser contratado para tripulante do mesmo, fazendo as tarefas inerentes a essa função.
43. Devendo a pena a aplicar nunca por co-autor mas sim por cúmplice, nos termos do art. 27º nº 2, nos termos do art. 73º nº 1 al. a) e b) do Código Penal.
44. A sua função não era de todo relevante ou essencial para a realização do transporte de droga, podendo ser facilmente substituído por outra pessoa.
45. A pena deve ponderar, também a forma de contribuir para a reinserção social do arguido neste caso o recorrente, e de não prejudicar a sua posição social para além do estritamente inevitável, devendo o Tribunal considerar os meios necessários para reconduzir o arguido a uma vida ordenada e ajustada à lei.
46. O Tribunal ponderou a nível de aplicação da pena o seguinte:
- A intensidade da vontade do dolo e a culpa

- A forma como os crimes foram praticados

- A gravidade do ilícito

- O modo de execução

- Os antecedentes criminais, só a título de condenação e não de atenuação

47. O tribunal não ponderou as condições pessoais do agente, não ponderou a ausência de antecedentes criminais.
48. E foi completamente omissa a nível de ressocialização.
49. Tudo ponderado, a pena aplicada tendo em atenção o seu co-arguido Hans E, foi excessiva, uma vez que contrário deste o recorrente não tem antecedentes criminais por crimes de tráfico de estupefacientes ou de qualquer outra natureza, e cujo comportamento anterior e posterior ao crime foi dentro dos limites legais.
50. Ao não ter decidido dessa forma o Tribunal violou o preceituado nos arts. 40º. 70º, 71º, nº1, nº2 al. a), b), d), e 3º, artº 72º do Código Penal.
51. Foi declarado perdido a favor do estado o computador, telemóvel e a quantia de € 1.425,00 que foram apreendidos ao recorrente.
52. No entanto não ficou demonstrado que o computador e o telemóvel foram utilizados para a prática dos factos.
53. Quanto ao dinheiro, também não foi feita qualquer prova da origem ilícita da mesma.
54. Pelo que devem estes objectos serem devolvidos ao Recorrente, e não serem declarados perdidos a favor do estado.
Termos em que com o douto suprimento de V. Exas
Venerandos Desembargadores deverá o presente recurso merecer provimento, e em consequência, serem as penas aplicadas pelo mínimo e serem suspensas na sua execução.

Arguido E

I) o Tribunal a quo entendeu dar como provado que o arguido E praticou os factos constantes da acusação, tendo referido na motivação da decisão que formou a sua convicção com base em análise crítica e ponderada de todos os meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento valorados na sua globalidade.
II) Contudo os Inspectores M e H que procederam à visualização das imagens das câmaras de vigilância do Porto de Recreio, descrevem pormenorizada e logicamente a forma como identificam nelas os arguidos A e C, os objectos que são retirados da embarcação, apesar da imagem da videovigilância não ser nítida, é perceptível que se procedeu a um descarregamento de malas do veleiro, e que pelas características observadas directamente pelos referidos Inspectores da PJ dos arguidos A e C (designadamente estatura e vestuário), bem como dos arguidos D e E conjugado com os registos de entradas e saídas dos cartões associados à embarcação em causa, que conseguem facilmente depreender de acordo com as regras da normalidade da vida, que se tratavam dos referidos arguidos a proceder ao descarregamento de malas.
III) Não obstante o Tribunal a quo baseia a sua convicção porque as pessoas que se encontrariam na embarcação no dia 14/07/2014, os arguidos não alegaram a presença de outros indivíduos para além dos três arguidos que constituíam a tripulação daquele veleiro.
gravação: 210150624162137-3602721-2871990 aos minutos 16.44
Defensora E. : o que é que consegue concretamente visualizar que desse entender que o Sr. Hans tivesse conhecimento, ou que transportasse aquele volumes ()
Inspector P.J . M: ( .... ) mas o arguido E era tripulante há já bastante tempo( .... ) e nas imagens o que se vê são três pessoas mais uma quarta que coincide com o s três tripulantes e mais uma pessoa, individuo da carrinha
Defensora E: era tripulante, mas viram-no a transportar aqueles volumes
Presidente do colectivo: ( ... ) vê o Sr. E a fazer o transporte de alguma coisa ( .... )
Inspector P.J.M: Não
gravação 2015062255154559-3602721-2871990 minutos 19.14
M.P.: o que viu nessas imagens,
Inspectora H viu 4 individuos ( .... ), consegui posteriormente identificar duas pessoas ( .... )
MP: ( .... )nas imagens identificou duas das pessoas
Inspectora H: não na altura que as vi, mas depois quando vi no dia 15 ( .... ), quando os vi ao vivo, e depois confrontei ( ..... )
M.P.: ao todo quantas consegui diferenciar:
Inspectora H: ao todo quatro
IV) Porque «em processo penal está em causa, não a 'verdade formal', mas a 'verdade material', que há-se ser tomada em duplo sentido: no sentido de uma verdade subtraída 'influência que, através do seu comportamento processual, a acusação e a defesa queiram exercer sobre ela; mas também no sentido de uma verdade que, não sendo 'absoluta' ou 'ontológica', há-se ser antes de tudo uma verdade judicial, prática», bem se compreende que, por via do referido dever de investigação judicial autónoma da verdade, «o tribunal não tenha de limitar a sua convicção por sobre os meios de prova apresentados pelos interessados», conforme Ac. TRP de 09/01/2013 ..
V) O princípio da investigação obriga, pois, o tribunal a reunir as provas necessárias à decisão!
VI) O Tribunal á quo violou assim a norma constante do art. 340 do c.P.P._: º tribunal pode e deve ordenar a produção de todos os meios de prova - posto que não constantes da acusação, da pronúncia ou da contestação - "cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa".
VII) Já que ficou provado que a visualização das imagens não eram as melhores, não conseguindo os Inspectores da P.J., testemunhas nos autos, com um grau de certeza exigível em Tribunal garantir da identidade do Arguido E.
VIII) Não pode o Tribunal a quo para fundamentar a sua convicção imputar aos Arguidos a obrigação de alegarem em Tribunal existirem outros intervenientes, ademais que o Arguido tem o direito ao silêncio, nos termos da lei penal e Constitucional.
IX) Ao fundamentar a sua convicção com o supra dito violou o principio do direito ao silêncio dos arguidos, que em nada os pode prejudicar, bem como um direito constitucional.
X) A fundamentação da sentença é vaga, opinativa e suportando a sua motivação em meras probabilidades, querendo forçosamente criar nexo de causalidade entre as mesmas} salvo melhor opinião conduzindo a uma história com cabeça, tronco e membros, mas assente em premissas não válidas, ora vejamos,
XI) Não existe prova directa quanto aos factos dado como provados quanto ao arguido E.
XII) Parece-nos, salvo melhor entendimento, serem apenas presunções não concretizadas e assentes em premissas não válidas.
XIII) Atente-se que no dia seguinte -15-07-2014, os inspectores identificam com precisão o arguido E, fls 358 em virtude de o mesmo usar bengala e coxear- devido á sua situação física - Este arguido tem características únicas que o identificam fácil e peremptoriamente, usa prótese abaixo do joelho da perna direita e bengala, em virtude de amputação do membro inferior abaixo do joelho
XIV) Ora, seguindo a linha de raciocínio do Tribunal, e atenta as características físicas do arguido E, este facilmente é identificável com certeza e sem qualquer réstia de dúvida, que na ausência da visualização das características próprias do arguido E o Tribunal deveria ter concluído pela não identificação do arguido no descarregamento e transporte pelo passadiço no dia 14-07-2014.
XV) Justifica ainda o Tribunal á quo a sua convicção, atento os cartões de entrada na marina associados ao veleiro, sendo certo que considera por um lado - sob o ponto 50 de factos provados - dois para acesso de pessoas e um para acesso de uma viatura, por outro lado que os cartões apesar de identificados e atribuídos a determinada pessoa da tripulação, eram usados aleatoriamente, isto é a fls. 949 verifica-se no auto de visionamento das câmaras de vigilância o arguido A a entrar com o cartão associado ao nome do arguido E, e no ponto 58 o tribunal a quo considera provado que o Arguido A acedeu ao veleiro por intermédio do cartão de acesso em nome do Arguido E.
XVI) Esteve assim o Tribunal a quo muito mal ao formar a sua convicção da identidade do arguido E, confrontando com o registo de entrada associado ao seu nome., apesar de também considerar como provado a utilização do cartão de acesso por demais pessoas, contudo e apesar de o Tribunal admitir na sua motivação que a imagem da videovigilância não era nítida, mas que de acordo com as regras da normalidade da vida, conjugado com os registos de entradas e saídas dos cartões associados á embarcação em causa, se tratava do arguido E a proceder ao descarregamento das malas.
XVII) O Tribunal a quo considera provado que o Arguido E se terá encontrado com os demais arguidos nomeadamente com o arguido A atento a combinação de espaço temporal, ora consta de documentos apreendidos e que se encontram nos autos a fls 287 que o arguido aquando das paragens em terra, por vezes se ausenta do veleiro, alojando-se em hotel.
XVIII) Assim, salvo melhor entendimento somos de parecer que bem não andou o Tribunal, em formar a sua convicção em suposições e conjugações, não valorando com olho crítico todos os elementos constantes do processo, já que as conclusões retiradas pelo Tribunal a quo não se mostram sustentadas em provas concretas ou sequer em presunções validamente fundamentadas.
XIX) Ademais que os factos constantes da acusação e dados como provados pontos, 7, 8, 10, 14, 15, 17, 18, 19, 20, 21, 24, 27, 29, 30, 49, 51, 59, 64, 70, 74, 75, 76, 77, 78, 80, 106, 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 145 não têm qualquer prova efectiva que os sustente senão a convicção do Tribunal, sendo que a motivação não se encontra, salvo melhor entendimento, fundamentada em prova concreta, referindo-se na sentença por diversas vezes que a convicção se baseia no conhecimento geral, sem contudo concretizar - alegando as regras da normalidade da vida - mas quais?
XX) Não existe qualquer prova directa e sem qualquer sombra de dúvida que o arguido E tenha usado e utilizado os bens apreendidos na sua posse, nomeadamente o Iphone 45 e Ipad para a pratica do crime de que vem acusado,
XXI) Também não existe prova da proveniência dos valores monetários encontrados na posse do arguido, e que este foi resultado de qualquer compensação da pratica do crime de que vem acusado.
XXII) Certo porém é que o arguido não tinha dólares, nem procedeu ao câmbio de quaisquer valores nas datas de 14 e ou 15 de Julho de 2014, contudo o Tribunal a quo considerou provado que o mesmo pretendia obter avultadas quantias com a prática do crime, e ter recebido a compensação monetária em dólares do Arguido A.
XXIII) o Tribunal a quo esteve ainda muito mal ao formar a sua convicção e ao decidir que não restava quaisquer dúvidas de que o arguido E também aderiu ao projecto ilícito em causa, querendo e participando no mesmo, atendendo ao facto de que este fazia parte daquela tripulação da embarcação há cerca de três anos, e referindo peremptoriamente que este se encontrava na embarcação aquando da colocação da cocaína no seu interior, sustentando este facto no registo da tripulação em causa nos vários portos, ora já se verificou que por vezes o arguido se ausentava, conforme documento a fls ... 287
XXIV) Mais, não nos podemos conformar com a convicção formada, pois mais uma vez se trata de presunções não sustentadas, mas mera opinativas do Tribunal, pois também o Tribunal se contradiz, ora considera provado - ponto 2 que após receber a cocaína em local não concretamente apuradomas situado no continente americano, considera igualmente provado, ponto 15 que foi também nessa altura - vide ponto 13- em circunstancias não apuradas foi guardada a cocaína no interior da embarcação.
XXV) É o próprio Tribunal a dizer que não foram apuradas as circunstâncias da colocação da cocaína no veleiro, como pode ora vir dizer que o arguido se encontrava no mesmo, estamos assim perante contradição insanável da fundamentação.
De Direito
XXVI) Ora dispõe o artigo 26 do CP “É punível como autor quem executar o facto, por si mesmo, ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução por acordo, ou juntamente com outro ou outros, e ainda quem dolosamente, determinar outra pessoa á pratica do facto, desde que haja execução ou começo de execução"
XXVII) Os factos descritos na douta Decisão sob censura apenas sustentam a imputação do crime ao arguido E a título de cumplicidade.
XXVIII) O arguido foi condenado como co-autor do crime de tráfico de estupefaciente agravado, no entanto somos de parecer que devia ter sido condenado apenas como cúmplice, uma vez que a prova produzida não permite dar como provada a existência de um acordo prévio entre os arguidos para a prática e execução do crime;
XXIX) Pois vejamos, o Tribunal a quo fundamenta a co-autoria com os seguintes fundamentos: - diligenciaram em conjunto e conforme previamente combinado entre todos, na concretização de um transporte para a Europa com recepção em Portugal de produto estupefaciente (designadamente cocaína).
XXX) Contudo tal afirmação não tem qualquer fundamento cabal por prova directa, mas tão só está motivada por meras suposições não sustentadas, pois o facto de três pessoas fazerem parte duma tripulação não implica necessariamente terem em conjunto diligenciado e previamente terem combinado a pratica do ilícito.
XXXI) Pois não existe, analisadas as provas juntas aos autos, quaisquer comunicações entre o arguido E e o arguido A, não existe qualquer prova inabalável que o arguido E tenha estado em conjunto com o arguido A, Não existe igualmente qualquer prova directa que o arguido E estaria no veleiro aquando da colocação do estupefaciente, também não existe prova directa e sem qualquer sombra de dúvida que o arguido procedeu ao transbordo das malas e do saco, pois temos sim a confirmação pelos agentes da PJ que não identificaram o arguido E, mas que supunham ter sido o mesmo, tão só por fazer parte da tripulação. - Será que este facto por si é prova suficiente para o arguido ser condenado na co-autoria.
XXXII) Da prova produzida nos autos em momento algum decorre que o arguido E teve o domínio funcional do facto, pois este pressupõe o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do tipo, de tal forma que, numa perspectiva ex ante, a omissão do seu contributo impediria a realização do facto típico na forma planeada.
XXXIII) Ora, qual seria a omissão do contributo do arguido E neste caso em concreto que impediria a realização do facto típico? - Só nos ocorre uma não fazer parte da tripulação e não se tendo apurado em que momento o mesmo eventualmente tomou conhecimento, pois este só poderia abandonar o veleiro talvez em pleno mar.
XXXIV) Pois a co-autoria implica ter um papel de primeiro plano, dominar a acção, concebida e executada, com o seu acordo, inicial e subsequente, expresso, ou tácito, o cúmplice é um interveniente secundário ou acidental, isto é só intervém se o crime for executado, ou tiver início de execução e, além disso, mesmo que não interviesse aquele sempre teria lugar, porventura em circunstâncias algo distinta, a sua intervenção embora seja concausa do crime praticado não é causal da existência da acção.
XXXV) O facto dado como provado, relativamente ao Arguido E (de acordo, visando conjugar os esforços de cada um dos arguidos e com vista a auferirem proventos, o arguido E e outros formularem o propósito de fazerem o transporte de cocaína para a costa portuguesa, utilizando para tanto, o veleiro do Arguido C, não revela mais do que uma intenção, nada referindo nem nada contendo quanto a uma eventual individualização, desenvolvimento e concretização das acções.
XXXVI) Considerou o Tribunal a quo que todos os arguidos conheciam as características e a natureza do produto, e que agiram em comunhão de esforços e intenções e com base num plano previamente gizado.
XXXVII) Mais tais elementos não constituem propriamente factos, mas apenas conclusões baseadas em suposições que não poderiam ser extraídas de outros factos, conclusões estas a nosso ver extraídas pelo Tribunal a quo de factos não concretos bem precisos e mais ou menos individualizados que revelassem inequivocamente uma ligação mesmo parcelar mediata ou imediata com a acção que estava em causa - o transporte (organização, a logística, a operação de transporte) do produto estupefaciente.
XXXVIII) Ora, sem factos que revelem e integrem os elementos matérias mínimos da relação entre autor e Cc-autor e acção (os comportamentos concretos mesmo parcelares, mais ou menos intensos, mas essenciais porque co­determinastes), a nosso ver não pode ser estabelecida pelo Tribunal a quo a directa ligação de um facto ao seu autor, já que o simples conhecimento da acção concreta (que, todavia, também não está provado) sem actos de participação real e efectiva ou de auxílio não é relevante em termos de comparticipação, e em consequência não pode o arguido E ser considerado comparticipante no crime, deverá ser absolvido, conforme Acórdão do STJ ng. 84, Proc. ng. 1875/04 - 3ga Secção de 6/10/2004.
XXXIX) As circunstâncias previstas no artQ• 24 alinea c) do Dec-Lei 15/93 apenas operam se em concreto revelarem uma agravação acentuada considerável da ilicitude ou da culpa do agente (sublinhado nosso) em comparação com a subjacente para o crime principal do artQ• 21Q, do citado diploma legal, o que implica a ponderação em termos globais do facto e do seu agente.
XL) O Tribunal a quo formou que a agravação do tráfico para aquele que procurava obter avultada compensação remuneratória, motivando a sua decisão, nos casos em que mesmo que não se apure qual a efectiva remuneração do traficante seja fácil de concluir, pela qualidade da droga, pela sua quantidade e pela posição que o agente ocupa "no negócio" que o mesmo iria obter uma larguíssima vantagem económica caso concluísse a transacção.
XLI) Ora, não tendo ficado a nosso ver provado nos autos inequivocamente qual a efectiva participação do arguido E, ou sequer a sua participação, não poderia o Tribunal a quo com grau de certeza e segurança jurídica considerar preenchido a circunstância qualificativa da alínea c) do artQ• 24 do Dec- Lei 15/93 relativamente ao arguido E.
XLII) Aliás, a nosso ver, quanto muito e só por mera hipótese admitindo o arguido E só poderá ser considerado cúmplice, e aí conforme dispõe o artQ 27 do CP, a pena fixada ao arguido teria de ser especialmente atenuada.
XLIII) Considerou o douto Tribunal que o dolo é intenso - dolo directo - contudo não fundamentou,
XLIV) sendo que no entanto individualizando quanto aos arguidos a ilicitude do arguido E menos elevada no grau de elevação relativamente aos demais, porque estando a par de toda a operação e tendo concordado participar na mesma, auxiliouo arguido C no transporte da droga,
XLV) considerando o alegado na motivação deste recurso somos de concluir que o arguido E não teve o domínio funcional do facto, e a sua actuação ou omissão não era essencial nem relevante para o preenchimento do ilícito criminal de que vem acusado.
XLVI) Não tendo o Douto Tribunal como apurar qual a avultada compensação a ser obtida pelo arguido E, não se tem por preenchida a circunstancia qualificativa da aliena c do artQ 24 do Dec-Iei 15/93.
XLVII) aplicou por consequência indevidamente o douto Tribunal o art 24, aliena c) do Dec.-Iei 15/93
XLVIII) Na parte dos factos provados, consignou-se que "o arguido E .... .foi condenado por infracções á lei federal suíça sobre estupefacientes em 2007 que constam de fls. 544-551
XLIX) E, mais à frente, aquando da determinação da medida da pena, no que refere á conduta anterior e posterior o Tribunal a quo refere que o arguido E foi condenado por infracções graves à lei federal Suíça sobre estupefacientes em 2007
L) Sendo assim, é evidente que o conteúdo daquelas informações não foi indiferente para a decisão.
U) Sucede, porém, que aquelas informações, dizem respeito a decisões provenientes de tribunais estrangeiros, estando escritos em alemão, fls 544-551
UI) Daí que o tribunal não pudesse ter dado como provado o que deles consta sem que, antes, tivessem sido traduzidos, nos termos indicados nos art. 92 n 3 e 166 do CPP.
UII) Ao fazê-lo, cometeu a nulidade prevista no art. 92 n 1 do CPP, a qual, porque manifestada na sentença, pode ser arguida no recurso - art. 379 n 2 do CPP.
UV) Trata-se de erro notório na apreciação da prova que decorre directamente do texto da decisão recorrida, uma vez que esta remete expressamente para aqueles documentos - art. 410 nQ 2 aI. c) do CPP.
LV) Como os antecedentes criminais do recorrente são relevantes para a determinação da pena (art. 71 nQ 2 aI. e) do CPP), a existência daquele vício importa o reenvio para novo julgamento (art. 426 do CPP), limitado àquela concreta questão dos antecedentes criminais do recorrente, devendo, ser ordenada a prévia das informações prestadas a fls 544 - 551.
LVI) Salvo melhor apreciação, existe inequivocamente uma dúvida quanto à identificação e determinação da responsabilidade do arguido, "Principio in dúbio pro reo".
LVII) "O princípio do in dubio pro reo sendo emanação do princípio da presunção de inocência surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo. Se, a final, persiste uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da actuação do acusado, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a seu favor, sob pena de preterição do mandamento consagrado no artigo 32.Q, n.Q 2, da Constituição da República Portuguesa", in Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. nº. 1058/08.0TACBR.C1 de 25/03/2010.
LVIII) Ora, não vislumbra o Arguido a razão ou a fundamentação de facto para que o Tribunal não tenha valorado o facto das testemunhas - agentes da P.J. terem dito que não conseguiram identificar o arguido E no transbordo, e porém o Tribunal considerar provado por meras presunções que não se mostram sustentadas em provas concretas, vindo a concluir-se que a atendendo á prova directa produzida a qual conduziria a decisão diversa da recorrida.
L1X) Não foram feitas quaisquer outras diligências destinadas a verificar da descoberta dos seus autores e do carreamento para o processo da prova necessária, e do destino dos bens furtados.
LX) Isto porque o princípio in dubio pro reo, uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da C.R.P.) contempla, impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, o tribunal tem de decidir pro reo.
LXI) Assim, a conclusão retirada pelo Tribunal a quo em matéria de prova materializa-se numa decisão contra o arguido que não é suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção.
LXII) Veio o Tribunal a quo declarar perdido a favor do Estado o material informático e de telecomunicações, cartões e acessórios, documentos e quantias monetárias utilizadas para a pratica do crime e / ou resultarem do mesmo, nos termos do artigo 35 e 36 do Decreto-lei 15/93, contudo esta decisão não se encontra quantos aos bens pertencentes ao arguido E por um lado provado que tenha utilizado na pratica do ilícito de que vem acusado, por outro de que resultaram da pratica.
LXIII) Pois analisados os registos telefónicos do Iphone 4S e lpad, facilmente o Tribunal concluiria que os mesmos tão só serviram a finalidade de comunicar com os seus amigos e familiares, não havendo qualquer registo de comunicação entre si e os demais arguidos, ou na utilização destes para a prática do ilícito criminal.
LXIV) A declaração de perda de objectos a favor do Estado, nos termos do disposto no artigo 35.º do DL n.º 15/93, de 22-01 (redacção da Lei n.º 45/96, de 03-09), exige a verificação do requisito "essencialidade", traduzido na circunstância de o bem em causa ser necessário ao surgimento do ilícito penal ou, pelo menos, à sua manifestação de determinado modo.
LXV) Ora o Tribunal fez tábua rasa do requisito essencialidade, declarando sem mais todos os bens encontrados no veleiro perdidos a favor do Estado, colocando tais bens como necessários ao surgimento do ilícito penal, ou pelo menos á sua manifestação de determinado modo, dando o mesmo relevo a todos os bens sem mais.
LXVI) Não está preenchido aquele pressuposto - essencialidade - nos casos em que, sem o concurso do Iphone 4 S, Ipad, cartão sim da operadora Vodafone e demais documentos r o crime de tráfico de estupefacientes também teria ocorrido., dr TRC 28-01-2015
LXVII) Não foi feita quaisquer provas quanto aos valores monetários em posse do arguido E, nem apresentada fundamentação quanto á declaração de perda dos bens e valores na posse do arguido E, ora, e assim sendo,
LXVIII) Todos os actos decisórios são sempre fundamentados, constituindo um imperativo constitucional (art" 205°, n° 1, da CRP), com consagração no artº 97º, nº 5, do CPP.
LXIX) Assim no caso da sentença o acto fica ferido de nulidade - arts 379 n 1 a) e 374Q CPP.
Nestes termos, e nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vª. Exas., deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência:
I - Revogar-se a douta sentença recorrida atendendo que a mesma não se encontra PROVADA, devendo o arguido ser absolvido do crime que lhe é imputado e ser restituído de imediato á liberdade.
Caso, assim, não se entenda
II - e em consequência, o arguido, a ser condenado, o seja por cumplicidade e não por co-autoria, em virtude de no caso em concreto se entender só o poderá ser nos termos do art 27 do código penal e nunca nos termos do art 26 do citado diploma;
III - e ainda por consequência não dever ser condenado pela agravação contida no art 24 alínea c) do art 24, do Dec-Lei 15/93, por não preenchimento da circunstancia qualificativa;
IV- e revogada a decisão de perda dos bens do arguido a favor do Estado.


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Respondeu a Digna Procuradora junto do Tribunal da Comarca, com as seguintes conclusões:

1. um espaço de estacionamento de um hotel, ainda que coberto, de modo algum é equiparável a uma garagem de uma habitação, não se tratando de um espaço de reserva da vida íntima do visado que mereça a protecção do artigo 177º, pelo que era permitida a entrada dos elementos da PJ na garagem do Hotel, não tendo sido cometida qualquer nulidade;
2. a busca ao veículo foi regularmente realizada, tendo na sua génese a emissão de mandados regularmente emitidos pela entidade competente, não se verificando qualquer nulidade;
3. A busca ao veleiro foi realizada depois das 21 horas por existirem suspeitas da prática de crime de tráfico de estupefacientes agravado, ou seja, de criminalidade altamente organizada, e, logo, legitimada ao abrigo da alínea a) do nº 2 do artigo 177º do Código de Processo Penal, tendo sido de imediato comunicada ao Juíz de Instrução Criminal para validação, não ocorrendo qualquer nulidade processual;
4. O despacho que indeferiu o acesso do arguido D a elementos do processo mostra-se correctamente proferido, pois as diligências de prova que requereu não só não se mostravam necessárias para a boa decisão da causa como se traduziriam em actos inúteis, pelo que não se estaria perante a insuficiência de inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados actos legalmente obrigatórios, nem ocorreu a omissão de diligências que se reputassem essenciais para a descoberta da verdade, não tendo sido cometida a nulidade a que alude o artigo 120º, nº 2, al d), do Código de Processo Penal;
5. Todos os actos praticados pela PJ antes de proferido o despacho de fls. 11 dos autos, foram-no legitimamente ao abrigo do que dispõe o artigo 249º do Código de Processo Penal. Tratou-se de actos cautelares – concretamente os previstos na alínea b) do nº 2 do artigo 249º do Código de Processo Penal - e não diligências de investigação, tendo-se aqueles traduzido em observações em locais públicos, sem intromissão na privacidade de qualquer dos suspeitos, com o fito de recolher informações sobre os agentes do crime e foi cumprido o prazo a que alude o nº 1 do artigo 248º do Código de Processo Penal, no que respeita à comunicação ao Ministério Público, pelo que não ocorreu qualquer nulidade.
6. As afirmações de determinada pessoa (agora arguido) a órgãos de polícia criminal não constituem conversas informais e as “forças policiais não estão proibidas de falar com os cidadãos que podem vir a ser arguidos ou com os suspeitos, ou com quem se encontra numa “cena de crime”, podendo e devendo o tribunal valorar tais afirmações.
7. Não foi violado o princípio da imediação ou as garantias de defesa dos arguidos, pois a visualização de imagens e o depoimento da testemunha que se debruçou sobre aquelas ocorreram em audiência de julgamento, tendo os arguidos assistido a ambos e não lhes tendo sido coarctado o direito de as contraditar.
8. O facto dado como provado de que o veículo do arguido B este sempre sujeito a vigilância está devidamente fundamentado. De todo o modo, tendo aquele arguido assumido a prática dos factos, tal situação (vigilância efectiva do veículo) carece de relevância.
9. Esclarece fundamentadamente o tribunal, apesar da ausência de prova directa, a forma como chegou à conclusão de os arguidos pretenderem obter avultada compensação económica. Trata-se aqui de uma presunção natural que o tribunal não está impedido de formular.
10. Tendo ficado demonstrado que todos os arguidos destes autos acordaram no transporte, viagem, entrega e descarregamento da droga, terão que ser considerados autores, comparticipantes no crime que acordaram cometer e não meros cúmplices.
11. Todos os objectos que o tribunal declarou perdidos a favor do Estado serviram a prática da infracção – telemóveis e computadores que os arguidos utilizaram para comunicar entre si, sendo certo que parte dos arguidos estavam em terra e parte deles em alto mar, pelo que tais objectos eram essenciais para a comunicação entre todos - dinheiro que receberam da/para a actividade criminosa, veleiro que foi meio de transporte da droga.
12. As penas concretas aplicadas mostram-se justas e adequadas, tendo em conta o quadro geral de actuação dos arguidos e as suas repercussões e bem assim a personalidade dos arguidos manifestada no cometimento dos crimes, pelo que, estando devidamente fundamentadas, devem ser mantidas.
Por tudo o que se expôs, entende o Ministério Público que o acórdão recorrido não contem qualquer nulidade, está proficuamente fundamentado e fez correcta aplicação de todas as disposições legais e em concreto das mencionadas pelos arguidos como tendo sido violadas, pelo que e em conformidade, não deve ser dado provimento aos recursos.


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O Exmº. Procurador-geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu douto parecer defendendo o decidido.

Foi cumprido o disposto no artigo 417º n.º 2 do Código de Processo Penal e responderam os arguidos E e C.

Foi junto parecer jurídico subscrito pelos ilustres professores da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Figueiredo Dias e Costa Andrade que concluem:

«13. A serem pertinentes, como se nos afigura, as considerações que deixamos expendidas permitem-nos concluir com segurança:
a) As ações de investigação levadas a cabo pelos Órgãos de Polícia Criminal entre 11.7.2014 e 15.07.2014 - entre a aquisição da notícia do crime e a promoção do MP - estão, nos termos da al. b) do artigo 119º, al. b) do CPP, feridas de nulidade insanável, se não mesmo de inexistência pura e simples.
b) As ações de investigação foram realizadas pelos OPC à custa de usurpação da competência do MP, que se viu privado do seu estatuto de dominus do inquérito e de titular exclusivo da ação penal (artigos 219º, n. 1 da Constituição da República e 48° do CPP).
c) Estas ações de investigação dos OPC não são subsumíveis no conceito e no regime específico das medidas cautelares. Tanto por ausência insuprível das exigências de necessidade e urgência; como por serem portadoras de um potencial de danosidade e devassa de direitos fundamentais (reserva da vida privada e direito à autodeterminação informacional) que ultrapassa em muito os limites de danosidade conatural às medidas cautelares.
d) A nulidade insanável das ações de investigação - e, por vias disso, do inquérito - só podem ter como consequência a invencível proibição de valoração das provas através delas alcançadas. Além do mais por se tratar de "provas obtidas mediante intromissão na vida privada" (artigo 126°, n. 3 do CPP).
e) A busca levada ao veleiro Gloria, configura, a todos os títulos e para todos os efeitos, uma busca domiciliária, sujeita ao apertado regime do artigo 177° do CPP, que, em geral, proíbe a sua realização entre as 21 e as 7 horas.
f) Tratando-se de investigar um crime de Tráfico de estupefacientes, portanto um caso de "criminalidade altamente organizada" (al. m do n. 2 do artigo lOdo CPP), só o Juiz poderia autorizar a busca noturna. O que não aconteceu no caso vertente, em que o Juiz de Instrução expressamente proibiu a realização da busca entre as 21 e as 7 horas.
g) Ao realizarem a busca a partir das 23.15 horas, os OPC violaram frontalmente a lei e ultrapassaram a competência que lhes advinha da autorização judicial.
h) Ao violarem a lei e a proibição imposta pelo Tribunal, os OPC levaram a cabo uma intromissão arbitrária e ilegítima no domicílio, ilegalidade que a lei sanciona com a inultrapassável proibição de valoração prescrita no n. 3 do art. 1260 do CPP.
Tal é, s. m. j., o nosso parecer
Coimbra, Setembro de 2015».


***

B - Fundamentação:

B.1.1 - O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:

1. Os Arguidos A, C, D e E diligenciaram, em conjunto e conforme previamente combinado entre todos, na concretização de um transporte para a Europa com recepção em Portugal de produto estupefaciente (designadamente, cocaína).
2. Tal transporte foi planeado por indivíduos de identidade desconhecida e contou com a participação directa nesse planeamento do Arguido A, tendo sido delineada pelos mesmos a utilização de uma embarcação tipo veleiro, a qual, após receber a cocaína em local não concretamente apurado, mas situado no continente americano (norte da américa do Sul ou na zona das Caraíbas), efectuaria a travessia atlântica com destino ao porto, em Portugal.
3. Foi, assim, escolhido o território português para a introdução de uma quantidade elevada de cocaína na Europa.
4. Após a recepção da cocaína em Portugal, através da intervenção do Arguido A, o produto estupefaciente seria entregue a um outro indivíduo, o Arguido B, que o guardaria até ser transportado e entregue aos destinatários finais, em país europeu que não foi possível determinar.
5. Para o transporte do produto estupefaciente (iriam ser transportados cerca de 168 quilos de cocaína), veio a ser contactado o Arguido C, skipper de profissão e que dispunha de uma embarcação, um veleiro de recreio denominado GLORIA, com o registo e porto de registo Gilbraltar, tendo o mesmo aceitado a proposta para concretizar o transporte nos referidos moldes.
6. Para o acompanhar na viagem em que seria efectuado o transporte da cocaína foram também contactados os Arguidos D e E, os quais também aceitaram a proposta para concretizar o transporte da cocaína, tendo ajudado o Arguido C na tripulação do barco.
7. No sentido de diligenciarem pela preparação desse transporte, o Arguido A veio a contactar directamente com os Arguidos C, D E E em duas ocasiões distintas, ainda na América do Sul e Caraíbas.
8. Assim e antes, o veleiro GLORIA, comandado pelo Arguido C e já com os Arguidos D e E a bordo, entrou e saiu do Brasil, respectivamente, nos dias 31.03.2014 e 10.04.2014 (fora procedente, primeiro, da África do Sul e, depois, da Argentina).
9. O mesmo veio a entrar na Venezuela no dia 05.05.2014, onde ficou até 15.05.2014.
10. O Arguido A entrara na Venezuela no dia 28.042014 e ali ficou atá 06.05.2014, tendo então contactado com os referidos Arguidos/tripulantes do veleiro no dia 5 ou 6 de Maio de 2014.
11. O veleiro GLORIA veio, depois, com aqueles três Arguidos, a entrar em St. Martin – Guadalupe, no dia 20.05.2014, onde ficou até 01.06.2014.
12. Sempre com os mesmos três referidos Arguidos a bordo, o veleiro GLORIA veio, de seguida, a entrar em St. George – Bermuda, no dia 13.06.2014, onde ficou até 19.06.2014.
13. O Arguido A entrara em Bermudas no dia 12.06.2014 (véspera da chegada do veleiro) e ali ficou até 18.06.2014 (véspera da saída do veleiro).
14. O Arguid0 A deslocou-se para o local onde a referida embarcação se encontrava antes de se dirigir, via Atlântico, para a Europa, tendo, nessa altura, ali mantido contactos com os Arguidos C, D e E.
15. Foi também nessa altura que, em circunstâncias não apuradas, foi guardada a cocaína (cerca de 168 quilos distribuídos por 150 embalagens) no interior da embarcação em causa, num compartimento fabricado para o efeito e situado na popa.
16. Quando saiu de Bermuda, no dia 18.06.2014, o Arguido ROY A, através dos Estados Unidos da América (Miami), onde entrou e saiu no mesmo dia, viajou para a Colômbia, país onde esteve entre 18.06.2014 e 26.06.2014 e onde já estivera entre os dias 2 e 14 de Abril de 2014, 22 de Maio e 4 de Junho de 2014.
17. Conforme atrás referido, nessa altura, a cocaína, com o peso bruto de 167.916,515 gramas, com o conhecimento dos Arguidos A, C, D e E, veio a ser colocada no mencionado veleiro denominado GLORIA.
18. Este veleiro, com os Arguidos C, D E E e a cocaína a bordo, saiu das Bermudas (território britânico ultramarino localizado no Oceano Atlântico, acima da zona das Caraíbas), no dia 19 de Junho de 2014, tendo tais Arguidos se dirigido, conforme combinado, para Portugal.
19. Nesse dia 19.06.2014, pelas 11h44m, os Arguidos C, D e E pagaram uma despesa de pequeno-almoço no Somers Supermart, em Bermuda, tendo guardado consigo o respectivo talão comprovativo do pagamento.
20. O Arguido A combinou, então, com os Arguidos C, D e E que estes deveriam avisar da data em que chegariam ao porto para ali os contactar e receber a cocaína, produto que, na ocasião, todos o ajudariam a transportar para o veículo automóvel que o Arguido A então estivesse a usar.
21. Ao mesmo tempo, o Arguido A manteve contactos com o Arguido B, tendo combinado com este que ambos se deveriam deslocar para Portugal na altura em que o veleiro aqui chegasse com a cocaína a bordo.
22. Mais acordaram que, após o Arguido A estar na posse da cocaína, se encontrariam em local combinado, para passarem a cocaína para o veículo automóvel que o Arguido B estivesse então a usar.
23. O Arguido B ficou encarregue de, após receber a cocaína do Arguido A, guardar tal produto e transportá-lo para entrega a terceiros em local e circunstâncias não apuradas.
24. Para comunicarem entre si e combinarem os encontros e procedimentos, designadamente os que iam desenrolar já em território português, conforme antes acertado e atrás referido, os Arguidos utilizaram telemóveis.
25. Mais especificamente para falarem entre si, os Arguidos A e C utilizaram equipamentos de marca BlackBerry que estavam equipados com cartões MicroSD de encriptação da empresa No.1.BC, pertença do Arguido A.
26. Tais cartões permitiam a realização de comunicações móveis encriptadas (quer chamadas de voz, quer a utilização de chats protegidos, bem como transferências de ficheiros e serviços de e-mail) utilizando um avançado algoritmo híbrido de encriptação, o que permitia que as comunicações e os seus registos não pudessem ser interceptadas ou recolhidos pelas autoridades policiais.
27. Caso se concretizasse o aludido transporte de cocaína, com entrega do produto no destinatário final, todos os cinco Arguidos receberiam, em contrapartida, elevada compensação monetária, em montante não apurado.
28. O veleiro denominado GLORIA, com os Arguidos C, D e E a bordo e após ter efectuado escala nos Açores entre os dias 1 e 8 de Julho de 2014, veio a atracar na marina de Sines no dia 14 de Julho de 2014.
29. Conforme já referido, o produto estupefaciente vinha dividido por 150 embalagens, escondidas no indicado compartimento situado na parte traseira do veleiro.
30. Assim, conforme combinado, através dos contactos telefónicos que vinham mantendo entre eles, o Arguido A teve conhecimento que o veleiro estaria para chegar no dia 11 de Julho de 2014.
31. Por isso e de acordo com o previamente acertado, o Arguido A viajou de modo a poder estar em Portugal no dia 11.07.2014.
32. Em primeiro lugar, o Arguido A, no dia 10.07.2014, apanhou o voo da KLM, com origem em Amesterdão e destino Madrid.
33. O Arguido reservou igualmente viagem de regresso a Amesterdão, com partida de Madrid para o dia 14.07.2014.
34. Em Madrid, o Arguido A ficou hospedado de 10 para 11 de Julho de 2014 no Hotel AC.
35. Depois, já no dia 11 de Julho de 2014, o Arguido A alugou a viatura automóvel de matrícula espanhola 8551HWY, marca VW, com a qual viajou ainda nesse dia para Portugal.
36. Para além da viagem a realizar até Sines e regresso a Espanha, o Arguido A pretendia utilizar tal viatura para nela guardar o estupefaciente, após tal produto ser retirado da embarcação e para o transportar até ser entregue ao Arguido B.
37. Chegado, o Arguido A hospedou-se, no mesmo dia 11 de Julho de 2014, no Hotel Dom, tendo ali passado a aguardar a chegada do veleiro GLORIA.
38. Também o Arguido B, após prévia combinação com o Arguido A, veio a deslocar-se para Portugal nesse dia 11 de Julho, com o propósito de receber deste último a cocaína e com vista a guardá-la e, posteriormente, entrega-la a terceiros não identificados.
39. Para esse fim, o Arguido B, após ter sido informado pelo Arguido A que deveria estar em Portugal a 11 de Julho, data em que era inicialmente esperada a chegada do indicado veleiro, viajou nesse dia, desde Birmingham, Inglaterra, com destino ao Aeroporto de Faro, onde chegou pelas 08h40m.
40. Depois, ainda nesse Aeroporto, concretamente no Parque P4, o Arguido B alugou o veículo automóvel de matrícula 00-OO-00, de marca Nissan, que passou a usar.
41. O Arguido contratou com essa empresa a utilização da viatura até ao dia 18.07.2014.
42. Era propósito do Arguido B utilizar tal viatura para a guarda e transporte da cocaína logo que recebesse esse produto da parte do Arguido A.
43. De seguida, no mesmo dia 11, o Arguido B, conduzindo aquela viatura, deslocou-se para Lagos, tendo vindo a estacionar na zona da marina, pelas 11 horas.
44. O Arguido B veio, então, a alugar no Hotel o apartamento C105 (sito no edifício C desse empreendimento hoteleiro), tendo também ali solicitado o serviço privativo de garagem, onde passou a guardar aquele veículo por si alugado.
45. O Arguido B, através de indicações que recolhera de modo não apurado, escolheu um hotel que não dispunha de câmaras de vigilância em nenhum dos acessos nem no hall de entrada, nem na garagem, de molde a que os seus movimentos não ficassem ali registado.
46. Desde que chegou a Lagos, ainda na manhã de 11 de Julho até à tarde do dia 14 de Julho, o Arguido B, que se mantinha em contacto com o Arguido A para saber qual o momento em que se iam encontrar, limitou-se a ficar pelo Hotel, ir à praia ou passear.
47. Entretanto, no dia 12 de Julho de 2014, pelas 14 horas, o Arguido A deslocou-se naquela viatura até à área de serviço de Grândola, localizada na A2, sentido Norte/Sul, usando um dos seus telemóveis de marca BlackBerry, tirou três fotografias às instalações dessa área.
48. O propósito foi o de proceder, pessoalmente, a um reconhecimento do local escolhido para vir a entregar ao Arguido B a cocaína, produto que recolheria no porto de Sines e para ali o transportaria.
49. Por motivos não apurados, o veleiro GLORIA, com os referidos Arguidos C, D e E e a cocaína a bordo, só chegou ao porto de recreio no dia 14 de Julho de 2014, de manhã.
50. Com a entrada dessa embarcação naquele porto, foram distribuídos à tripulação pelos serviços três cartões de acesso (intitulados cartão único portuário), dois para acesso de pessoas ao porto de recreio e um para acesso de uma viatura automóvel ao parque de estacionamento do porto (respectivamente com os nºs 5473, 5551 e 8963).
51. Tendo sabido dessa chegada, através dos contactos telefónicos que vinham mantendo com o Arguido C e no mesmo dia 14, o Arguido A deslocou-se à marina s, onde contactou com os Arguidos C, D e E que ali o esperavam.
52. Assim, pelas 11h05m, o Arguido C saiu do edifício da recepção e, pouco depois, também saiu do mesmo sítio o Arguido A que se aproximou daquele, tendo ambos se cumprimentado.
53. De seguida, ambos dirigiram-se em direcção ao local onde esta atracado o veleiro GLORIA, tendo C apontado para este.
54. Pouco depois, os dois regressaram à zona administrativa do porto.
55. Pelas 11h23m, os Arguidos C e A saíram dessa zona, tendo este último, já na posse do referido cartão de acesso de uma viatura automóvel ao parque de estacionamento do porto, associado ao veleiro GLORIA, apontado para a zona onde deixara a viatura VW e dirigiu-se para a mesma.
56. Pelas 11h26m, o Arguido A, a conduzir a viatura VW, com aquele cartão, acedeu ao parque de estacionamento privativo do porto e ali estacionou.
57. Pelas 11h28m, o Arguido C chegou junto do veleiro, onde se encontrava, no exterior, um dos outros dois Arguidos, tendo entrado no mesmo.
58. Pelas 11h34m, o Arguido A, após ter utilizado o cartão de acesso à marina emitido em nome do Arguido E, chegou junto do veleiro e entrou no mesmo.
59. A partir dessa altura, os quatro Arguidos estiveram a colocar as 150 embalagens com cocaína, que retiraram do referido esconderijo do barco, no interior de seis malas, cinco delas novas, tipo trolley, quatro de cor bordeaux e um de cor azul e uma mala/saco de viagem de cor preta, já usada.
60. Pelas 12h52m, os Arguidos A e C saíram do veleiro e dirigiram-se para o parque de estacionamento das viaturas automóveis.
61. Pelas 13h01m, os Arguidos A e C, após utilização do mesmo cartão, saíram do parque na viatura VW, conduzida pelo primeiro.
62. Deslocaram-se, então, onde o Arguido C veio, pela 13h26m, a efectuar, numa agência do Banco, um câmbio de 3.000 dólares para € 2.169,82, tendo o Arguido, após pagamento de comissão e imposto, ficado com € 2.159,42.
63. Tal quantia monetária em dólares tinha-lhe sido entregue pelo Arguido A como parte da compensação devida pelo transporte da cocaína.
64. Com o mesmo fim, o Arguido A entregou ainda aos três tripulantes/Arguidos, outras quantias, em dólares, que estes guardaram consigo ou no interior do veleiro.
65. Os dois Arguidos voltaram à marina pelas 15h03m, tendo utilizado o mesmo cartão para entrar no parque de estacionamento e onde o Arguido A imobilizou a viatura VW.
66. Pelas 15h12m, aqueles dois Arguidos chegaram junto do veleiro.
67. Pouco depois, o Arguido A saiu do local e dirigiu-se para o parque de estacionamento, tendo saído deste, na viatura VW, sempre com a utilização do mencionado cartão, pelas 15h19m.
68. O Arguido A voltou ao local pelas 17h31m, hora que deu entrada no parque de estacionamento da viatura VW por si conduzida.
69. Quatro minutos depois, a utilizar o cartão de acesso, o Arguido entrou no terminal onde estava o veleiro e, pelas 17h39m, chegou junto do veleiro e entrou para o interior do mesmo.
70. Enquanto o Arguido A esteve ausente, os Arguidos C, D e E continuaram a colocar embalagens com cocaína no interior das malas.
71. Entre as 18h03m e as 18h06m, os Arguidos A E C saíram do interior da embarcação, levando, cada um deles, uma mala de viagem, tipo trolley, que continha cocaína no interior, em direcção ao parque de estacionamento, tendo-as colocado no interior do veículo VW.
72. Às 18h13m, o Arguido A, a conduzir a viatura VW e a utilizar uma vez mais o referido cartão e com o Arguido C a acompanhá-lo, saiu do parque de estacionamento, tendo-se deslocado para local não determinado.
73. Pelas 18h54m, os mesmos Arguidos voltaram a entrar com aquela viatura e cartão no mesmo parque, tendo, de seguida, se deslocado para o veleiro.
74. Pelas 19h40m, o Arguido A e o Arguido D ou o Arguido E saíram do interior da embarcação levando, cada um deles, uma mala de viagem, tipo trolley, que continha cocaína no interior, em direcção ao parque de estacionamento, tendo-as colocado no interior do veículo VW.
75. Pelas 19h52m, o Arguido D ou o Arguido E, que tinha ficado na embarcação juntamente com o Arguido C, saiu para o passadiço transportando uma mala/saco de cor preta, mais pequena que as anteriores quatro malas, e que também continha embalagens com cocaína no seu interior, que ali pousou.
76. De seguida, tal Arguido voltou para o veleiro.
77. Seis minutos depois, o Arguido C saiu do veleiro para o passadiço e o outro Arguido passou-lhe uma mala tipo trolley, idêntica às anteriores quatro e que também continha embalagens de cocaína.
78. De seguida, aqueles dois Arguidos, transportaram tal mala/saco em direcção ao parque de estacionamento e onde já se encontravam os outros dois Arguidos.
79. Alguns minutos depois de ali terem chegado com aquelas últimas malas e mala/saco, todas colocadas no interior no interior da viatura VW, esta conduzida pelo Arguido A, veio a sair daquele parque, com a utilização do cartão, pelas 20h06m.
80. Pouco depois, os Arguidos C, D e E regressaram ao veleiro.
81. Dali, o Arguido A veio a transportar as malas e mala/saco com cocaína até ao local previamente combinado com o Arguido B e para entrega a este último.
82. Ainda nesse dia 14 de Julho de 2014, após ter recebido indicações da parte do Arguido A para se encontrarem e após ambos terem combinado a hora e local de encontro, o Arguido B, pelas 18h10m, saiu do referido Hotel a conduzir a referida viatura Nissan que alugara, tendo-se deslocado pela Via do Infante (A22) até à A2 e, nesta auto-estrada, seguiu em direcção ao norte (Lisboa).
83. O Arguido B veio a sair da A2 na saída Grândola/Sines e, no mesmo nó, inverteu a direcção e voltou a entrar na A2, mas já no sentido norte/sul.
84. Logo de seguida, o Arguido B veio a entrar e parar nas traseiras da área de restauração da estação de serviço de Grândola, uma vez que fora este o local combinado com o Arguido A para o encontro com este e no qual ia receber a cocaína.
85. Os dois Arguido acordaram a escolha de uma estação de serviço de fácil acesso a ambos, atendendo aos locais onde pernoitavam e que não dispunham de câmaras de vigilância (sistema CCTV), de molde a que os seus movimentos não ficassem ali registados, tendo a mesma sido previamente vistoriada pelo Arguido A no dia 12.
86. Conforme atrás referido, o Arguido A, já com a cocaína guardada no interior da viatura VW, dentro das seis malas, deslocou-se, na mesma altura, em direcção à estação de serviço de Grândola na A2, no sentido norte/sul, e ao encontro do Arguido B.
87. O Arguido B foi o primeiro a chegar àquele local, tendo aí aguardado pelo Arguido A.
88. O arguido B esteve no interior da zona de restauração e, pelas 20h38m, saiu do edifício e dirigiu-se para a sua viatura, tendo aguardado pelo Arguido A sentado dentro do veículo.
89. Pelas 20h52m, ali chegou o Arguido A que parou a viatura que conduzia, junto da viatura onde se encontrava o Arguido B.
90. Após se terem cumprimentado, o Arguido A efectuou marcha atrás de molde a estacionar nas traseiras do veículo Nissan.
91. O Arguido A saiu então da viatura e ficou a conversar, por algum tempo, com o Arguido B que permaneceu dentro do Nissan.
92. A partir dessa altura, as malas que continham as 150 embalagens com cocaína passaram do interior da viatura VW para a viatura Nissan.
93. Assim, o Arguido B saiu do Nissan e abriu a bagageira desta viatura.
94. Ao mesmo tempo, o Arguido A abriu a bagageira do VW e dali retirou uma mala tipo trolley, de cor bordeaux e, após ter levantado a pega, deslizou-a pelo chão e entregou-a ao Arguido B, o qual, após ter recolhido a pega, pegou na mesma com as duas mãos, levantou-a e colocou-a na bagageira do Nissan.
95. De seguida, o Arguido A retirou da bagageira do VW outra mala, esta de cor azul e procedeu do mesmo modo, entregando-a ao Arguido B que a guardou no Nissan.
96. E assim sucessivamente, tendo o Arguido A entregue ao Arguido B um total de seis malas, quatro de cor bordeaux, uma de cor azul e uma (mais pequena) de cor preta.
97. Três dessas malas (no fundo, uma de cor bordeaux, outra azul e o por cima outra bordeaux), foram colocadas pelo Arguido B na bagageira do veículo e as restantes três malas (mais duas de cor bordeaux e a de cor preta) foram colocadas pelo mesmo Arguido em cima do banco traseiro da viatura.
98. De seguida, os dois Arguidos despediram-se, tendo o Arguido B, pelas 20h55, a conduzir o Nissan, retomado a A2, na direcção sul.
99. Pelas 21h02m, após ter aguardado dentro da viatura VW, também o Arguido A retomou a A2, direcção sul, tendo, passados 2 Km, saído desta e seguido em direcção.
100. Pelas 22h45m, o Arguido B chegou ao Club, tendo colocado o veículo no interior da referida garagem, ficando as malas dentro do mesmo.
101. Pelas 23h10m, o Arguido B saiu do apartamento e dirigiu-se apeado para a zona de restauração da marina, onde esteve a comer no estabelecimento de pizza.
102. Pelas 23h35m, o Arguido regressou ao hotel, tendo entrado no seu apartamento.
103. Durante a noite, o Arguido B não voltou a sair do apartamento, nem o Nissan saiu da garagem.
104. Também o Arguido A, quando chegou a Sines, parqueou a viatura VW junto do Hotel Dom, onde o Arguido pernoitou.
105. Já no dia 15 de Julho de 2014, de manhã, depois de ter feito o check-out do Hotel Dom, o arguido A deslocou-se, pelas 8 horas, ao porto de recreio, tendo estacionado a viatura VW junto à entrada.
106. De seguida, o Arguido A dirigiu-se para o local onde estava a embarcação GLORIA e aí contactou, pelas 08h20m, os Arguidos C, D e E.
107. Mais tarde, pelas 09h15m, o Arguido A abandonou a marina ao volante do veículo VW, tomando a direcção de Lisboa na A2 e, depois, de Espanha, através da A6 Caia/Badajoz.
108. O Arguido ia tentar chegar a Madrid para depois embarcar para Amesterdão, não obstante a reserva que tinha efectuado respeitar a viagem que não conseguira realizar no dia anterior e uma vez que o veleiro atrasara-se e só chegou no mesmo dia em que o Arguido A, já planeara estar a regressar a Amesterdão.
109. Durante o percurso na auto-estrada, o Arguido A tanto circulava a 190 Km/hora, como descia a velocidade para 90 Km/hora, uma vez que se encontrava a controlar as movimentações de todos os veículos que circulavam naquela via.
110. Com o aproximar da fronteira, os inspectores da PJ que o seguiam procederam à abordagem do arguido naquela A6, na zona de Estremoz.
111. Efectuada revista ao Arguido A, foram-lhe encontrados na sua posse e apreendidos ao mesmo:
- a quantia monetária de € 515,00;
- três telemóveis, todos de marca BlackBerry, dois com cartões SIM da Vodafone e um da Operadora EE;
- vários cartões telefónicos (SIM e MicroSD);
- oito cartões, com códigos de barra no verso, da empresa No1.Business Communication;
- um computador portátil da marca Sony, modelo Vaio;
- um documento referente ao aluguer, em seu nome, em Madrid, na empresa Europcar, da viatura automóvel de matrícula, datado de 11 de Julho de 2014;
- um documento referente à reserva do site Booking.com, em seu nome, para a pernoita no Hotel AC, em 10.07.2014;
- um recibo emitido pelo Hotel AC, datado de 11.07.2014 (check-out), em seu nome, referente à pernoita de 10.07.2014 para 11.07.2014;
- dois documentos respeitantes a consulta de movimentos do Hotel Dom, quarto 212, (alojamento entre os dias 11 e 15 de Julho de 2014);
- um documento referente à reserva electrónica do voo KL 1707, do dia 10.07.2014, com partida de Amesterdão e destino Madrid e do voo KL 1706 do dia 14.07.2014, com partida de Madrid e destino Amesterdão;
- um passaporte emitido em 27.03.2014, em seu nome.
112. Quanto ao Arguido B, durante a manhã do dia 15 de Julho de 2014, após ter saído do apartamento, passeou apeado pela zona da marina e pela zona das piscinas do hotel.
113. Tal Arguido, desde a chegada na noite do dia anterior, não voltara a conduzir a mencionada viatura Nissan.
114. Pelas 13 horas desse dia 15, o Arguido B foi abordado pelos Inspectores da PJ quando e encontrava no exterior do Club, na esplanada do restaurante.
115. Na sua posse, mais concretamente no bolso dos calções que vestia, tinha a chave da viatura Nissan de matrícula 00-OO-00.
116. Mais tinha consigo, que lhe foram igualmente apreendidos:
- a quantia monetária de 690 libras esterlinas;
- dois telemóveis, um da marca Samsung, modelo GT-S5360, com o cartão SIM da Vodafone e outro da marca BlackBerry, modelo 9320, com cartão SIM da operadora Tim Mobile;
- um iPod de cor branca;
- um ticket referente ao câmbio de moeda estrangeira, libras por euros, datado de 10.07.2014;
- um pedaço de papel (envelope) com anotações manuscritas, encontrando-se a referência ao número de reserva e morada do Club, onde o Arguido se hospedou e aos números referentes aos voos da companhia aérea Monarch;
- um documento referente ao voo 402 da companhia Monarch, datado de 11.07.2014 (pagamento de excesso de bagagem), com o nome do Arguido;
- um porta-chaves que continha, para além da referida chave da viatura, uma chave de tamanho pequeno, metálica, que permitiu abrir um cofre guardado no interior do quarto alugado pelo Arguido no Club de.
117. Mais tarde, procedeu-se a busca no referido veículo Nissan, que se encontrava ainda parqueado naquela garagem do mencionado Hotel, sob controlo no exterior, dos Inspectores da PJ desde a noite do dia anterior, tendo-se detectado no seu interior, as mencionadas seis malas que, no dia 14, o Arguido B tinha recebido do Arguido A, completamente cheias de produto estupefaciente, com um total de 150 embalagens de cocaína.
118. Tal estupefaciente foi, assim, apreendido ao Arguido B.
119. As 150 embalagens continham cocaína com o peso bruto de 167.916,515 gramas, sendo que foi constituída amostra cofre com 1.015,730 gramas (peso líquido) e remanescente com 166.900 gramas (peso bruto).
120. Dentro da mala/saco de cor preta que continha embalagens com cocaína foi encontrado um ticket referente ao pagamento de comida adquirida no “Somers Supermart”, de St. Georges, nas Bermudas, com data de 19 de Julho de 2014.
121. Dentro da viatura foi ainda encontrado e apreendido ao Arguido B, um recibo da empresa Yorcarhire, auto Rent VI, com o nº 71670, emitido em nome do Arguido, relativo ao aluguer da viatura Nissan com a matrícula 00-OO-00, com data de entrega em 11.07.2014 e devolução em 18.07.2014; e um termo de responsabilidade referente ao contrato de aluguer da referida viatura e munida do dispositivo Via Verde.
122. A partir das 15h30m realizou-se a busca ao apartamento C105, sito no Club onde o Arguido B estava hospedado, tendo ali sido encontrado e apreendido ao Arguido:
- dentro do roupeiro, um cofre, que foi aberto com a chave que estava na posse do Arguido quando este foi detido e que tinha no seu interior um GPS da marca TOM TOM e um papel timbrado da empresa, referente ao aluguer, por uma semana, do cofre em causa, em seu nome e com data de 11.07.2014;
- um recibo de portagem, datado de 14.07.2014, hora 22:06:55, com a indicação de saída Paderne e entrada Grândola Norte;
- um suporte do cartão magnético do Club, referente ao quarto C105, em seu nome, com data de entrada de 11 de Julho e saída a 18 de Julho;
- um boarding pass em seu nome e referente à viagem de avião de Birmingham para Faro (voo ZB402), datado de 11.07.2014.
123. No que diz respeito aos Arguidos C, D e E, os mesmos andaram a circular, no dia 15, pela marina.
124. Ao início da tarde, o Arguido C deslocou-se, de novo, a uma agência do Banco onde, pelas 12h47m, trocou 2.000 dólares por € 1.447,75 (na sua posse, após pagamento de comissão e imposto, ficou com € 1.437,35).
125. No mesmo local também o Arguido D, pelas 12h54m, trocou 4.000 dólares por € 2.895,75 (na sua posse, após pagamento de comissão e imposto, ficou com € 2.885,21).
126. Os dois Arguidos tinham recebido aquelas quantias em dólares do Arguido A e como parte do pagamento do transporte da cocaína.
127. Os três Arguidos em causa regressaram ao veleiro GLORIA, pelas 23h10m, ainda no dia 15 de Julho, tendo sido abordados, nessa altura, pelos Inspectores da PJ.
128. A partir das 23h15m procedeu-se à busca à mencionada embarcação, a qual foi apreendida por ter sido utilizada no transporte da cocaína.
129. Na posse do Arguido C foram encontrados e apreendidos:
- a quantia monetária de € 1.145,00;
- um telemóvel de marca BlackBerry, modelo 9360, com cartão SIM da operadora Vodafone;
- um recibo do Banco, em seu nome, no valor de € 1.437,35.
130. Na posse do Arguido E foram encontrados e apreendidos:
- a quantia monetária de € 100,00;
- um telemóvel da marca Apple, modelo iPhone 4S, com cartão SIM da operadora Vodafone.
131. No interior do veleiro, composto por sala com cozinha, três quartos, duas divisões de arrumos e uma sala de máquinas, veio a ser encontrado e apreendido o seguinte:
- no quarto do Arguido C, quatro telemóveis, dois da marca Nokia, um da marca Samsung e um da marca BlackBerry, dois discos externos, um computador portátil da marca Acer, um iPad, um talão de compra de moeda no BES, em seu nome, datado de 14.07.2014, uma factura de abastecimento de combustível em Bermuda, as quantias monetárias de € 820,00 e 10.000,00 dólares e um comprovativo de um pagamento efectuado em Bermuda no dia 19.06.2014;
- no quarto do Arguido D, um telemóvel da marca Alcatel, a quantia monetária de € 1.425,00, um recibo de compra de moeda no Banco, em seu nome, datado de 15.07.2014 e um computador portátil da marca MSI;
- no quarto do arguido E, um iPad, um iPhone, documentos da embarcação GLORIA e a quantia monetária de € 1.390,00;
- na sala/cozinha, um telefone satélite, da marca Iridium Satellite LLC, um livro com coordenadas marítimas e um telemóvel da marca BlackBerry.
132. Os referidos documentos da embarcação incluíam a factura emitida pela marina, no dia 14.07.2014, em nome do Arguido C, com a indicação de ser este o capitão; um movimento da embarcação nos Açores, com indicação do proprietário e capitão ser o Arguido C e de ainda ter como tripulantes os Arguidos D e E, com data de chegada a 01.07.2014 e saída em direcção a Sines a 08.07.2014; um documento emitido pelas autoridades de Puerto La Cruz, na Venezuela, relativo à autorização da saída do veleiro no dia 15.05.2014, em direcção a St. Martin, com indicação de o capitão ser o Arguido C e conter 1 tripulante e 3 passageiros; uma lista de tripulantes desse dia 15.05.2014 (inclui, para além dos três Arguidos, o nome de um tal de Paul Gerard, britânico); documento emitido pelas autoridades de St. Martin, em 31.05.2014, com a indicação, na tripulação, do nome dos três Arguidos; documento emitido pelas autoridades de Bermuda em 13.06.2014, com a indicação, na tripulação, do nome dos três Arguido e, em 19.06.2014, data da saída do veleiro, com indicação de destino Praia da Vitória, Açores; documento de titularidade da propriedade da embarcação em nome do Arguido C; e o contrato com o porto de recreio de Sines, com início a 14.07.2014, assinado pelo Arguido C.
133. O local utilizado para esconder a cocaína que ali fora transportada e apreendida conforme atrás indicado, situava-se à ré da embarcação, numa zona de arrumos, tendo sido efectuada uma abertura num compartimento que originalmente se tratava de um compartimento completamente fechado e sem acesso que fornecia rigidez estrutural à popa do veleiro.
134. Tal local apresentava água no seu interior, tendo-se constatado também que partes das embalagens com cocaína apreendidas se encontravam molhadas.
135. O veleiro GLORIA foi avaliado em € 200.000,00.
136. Todos os Arguidos tinham conhecimento da existência, primeiro, dentro do veleiro e depois dentro das seis malas, da elevada quantidade de cocaína que veio a ser apreendida, tendo participado e actuado, da forma atrás descrita, com o propósito de concretizar o transporte e futura comercialização do estupefaciente, obtendo, em contrapartida, elevados proventos económicos.
137. De facto, a cocaína apreendida destinava-se a ser vendida na Europa a terceiros, por quantia que certamente ultrapassaria o valor de € 8.046.559,398 (oito milhões, quarenta e seis mil, quinhentos e cinquenta e nove euros), isto se se tiver em conta, por referência, que, em média, cada grama de cocaína é normalmente transaccionada no “mercado” por quantia não inferior a € 47,02 (cfr. Estatísticas, Relatório anual 2013, combate ao tráfico de estupefacientes em Portugal, “preço médio em euros dos produtos estupefacientes”, p. 50, in www.pj.pt).
138. Pelo que aqueles Arguidos, pela sua actuação no transporte e guarda do estupefaciente apreendido, receberiam avultada compensação monetária, em montantes não apurados.
139. Os mencionados Arguidos, ao actuarem conforme supra descrito, contribuíram, na parte que lhes competia, para a prática do crime, agindo sempre com a consciência de que o cumprimento das respectivas tarefas era indispensável à prossecução dos objectivos delineados.
140. Todos os referidos Arguidos conheciam a natureza estupefaciente daquele produto apreendido.
141. O veleiro apreendido foi utilizado no transporte da cocaína, sendo que os telemóveis e demais objectos digitais apreendidos aos Arguidos também foram utilizados na actividade atrás descrita.
142. Os documentos apreendidos e atrás discriminados foram utilizados e resultam da prática da actividade ilícita atrás descrita.
143. As quantias monetárias apreendidas aos Arguidos eram parte dos proventos já obtidos pela actividade realizada com vista à concretização do transporte da cocaína ou eram destinadas ao prosseguimento da mesma actividade.
144. Todos os Arguidos actuaram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
145. Mais actuaram em conjugação de esforços e mediante acordo prévio.
146. Os cinco Arguido são estrangeiros, naturais do Reino Unido, Suíça e Canadá.
147. Os mesmos não têm ligação a Portugal que impeça a sua expulsão, tendo, neste país, cometido actos acima descritos, atentatórios da ordem pública.
Mais se apurou, relativamente ao Arguido
A
148. Arguido de nacionalidade britânica, nasceu em Singapura há 63 anos, local onde os progenitores, ambos militares da Royal Air Force, se encontravam, na altura, a prestar serviço, tendo depois vivido também no Chipre e na Holanda, em cujos países os pais estiveram colocados por razões de natureza profissional.
149. Refere ter crescido num contexto sócio-familiar e económico favorecido junto do agregado de origem, composto por mais dois irmãos, tendo feito os seus estudos superiores em Londres. Mencionou ainda ter tido no Reino Unido uma sociedade com o pai durante anos no sector da contabilidade, firma que cessou a sua prestação de serviços após o falecimento do progenitor.
150. Posteriormente, sobretudo a partir de 2008, Roy A iniciou uma actividade empresarial na área da segurança e encriptação de sistemas informáticos, a qual se encontra suspensa desde Julho de 2014, momento da sua prisão preventiva em Portugal.
151. Refere que, do primeiro matrimónio, tem dois filhos já adultos a viver em Inglaterra (hoje com 35 e 27 anos) e encontra-se actualmente casado com uma artista plástica colombiana de quem tem mais dois filhos menores (de 14 e 6 anos), família constituída que vive na Colômbia, nos arredores de Bogotá, onde o Arguido fixou residência permanente desde 2012.
152. Mencionou que, embora praticamente sem visitas durante os últimos 11 meses de prisão preventiva, mantém contactos telefónicos regulares com a mulher, procurando adaptar-se ao meio prisional, onde se ocupa em actividades de carácter lúdico e físico.
153. Do Certificado de Registo Criminal de Portugal deste Arguido, nada consta.
154. Segundo informação prestada pelas autoridades policiais britânicas, este Arguido foi condenado, em 20.04.2982, por fornecimento de cocaína a uma pena de 4 anos de prisão e, em 17.01.2000, foi condenado por fornecimento de cannabis a uma pena de 54 meses de prisão.
Da Sua Contestação
155. O Arguido é director comercial da empresa No.1BC, empresa que tem como actividade tecnologia de topo para comunicações móveis seguras, designadamente smartphones com um pequeno cartão No.1BC, que garante a criptografia de comunicação móvel.
156. A empresa de que o Arguido é director está sediada na Suíça, mas tem escritórios em países como a Alemanha e Holanda.
B
157. Nasceu em Nottingham – Inglaterra, há 33 anos, sendo o filho primogénito de um casal de condição sócio-económica modesta (pai carpinteiro e mãe doméstica). O seu percurso de socialização decorreu dentro dos parâmetros normativos e sob uma dinâmica familiar gratificante, pautada pela coesão e supervisão parental.
158. Ao nível escolar, concluiu o equivalente ao 10º ano de escolaridade, tendo abandonado o sistema de ensino sensivelmente aos 15 anos de idade.
159. Atingida a maioridade, integrou, de forma voluntária, a Força Aérea Britânica – Royal Air Force, tendo exercido funções no departamento de material – armamento e cadeiras de aviões. Durante o período de carreira militar, concluiu um curso de engenharia mecânica e aeronáutica, reconhecido pela City & Guilds – cuja especialidade incidia sobre mecânica, montagem e desmontagem de explosivos.
160. Pese embora reconheça que detinha uma carreira profissional favorável, ao fim de cinco anos – antes do término do contrato estabelecido – B Krokoszynski refere ter abdicado da mesma, alegadamente por questões familiares.
161. À data com 23 anos, o Arguido tinha estabelecido união marital com a actual companheira. Segundo menciona, as suas constantes deslocações realizadas no âmbito profissional aparentemente não se coadunavam com as expectativas da companheira que perspectiva construir uma família.
162. O casal veio a ter um filho, actualmente, com 9 anos de idade.
163. As qualificações que obteve durante a carreira militar, permitiram-lhe posteriormente começar a trabalhar numa empresa de aeronáutica – fabrico de asas de avião – na qual permaneceu, cerca de dois anos.
164. Mais tarde, laborou numa outra fábrica (lajetas de cimento), da qual terá sido dispensado por decréscimo do volume de trabalho, altura em que passou a trabalhar com o progenitor, por conta própria, na área da carpintaria da construção civil. Regista ainda num período posterior actividade independente por via da compra e venda de veículos automóveis usados.
165. Refere como última experiência, ter trabalhado durante o período de Abril a Novembro de 2013 numa linha de montagem da empresa “Perkins” – construção de motores a diesel, data a partir da qual ficou desempregado.
166. Desde então, o casal que apresentaria uma situação financeira capaz de proporcionar um modo de vida minimamente estável/equilibrado, começou a vivenciar dificuldades de cariz económico, constituindo-se os rendimentos da companheira – recepcionista numa clínica de cirurgia plástica – insuficientes para liquidar os empréstimos contraídos (crédito à habitação e pessoal) e as despesas quotidianas do agregado,
167. Pese embora tivesse diligenciado no sentido de obter colocação laboral, estas tentativas revelaram-se, segundo refere, infrutíferas.
168. Preso no EPL, o Arguido refere ausência de antecedentes criminais. Tem mantido uma conduta adequada e cordata, beneficiando de apoio familiar, quer por parte da família de origem, quer constituída, perspectivando retornar ao seu país natal e ali reestruturar o seu modo de vida.
169. Do seu Certificado de Registo Criminal de Portugal nada consta.
170. Segundo informação prestada pelas autoridades policiais britânicas, este Arguido é conhecido por agressão, delitos relacionados com a ordem pública e por produção de droga controlada, tendo sido condenado a uma pena suspensa.
C
171. Nasceu há 68 anos em Ontário – Canadá, sendo um dos três filhos do casal parental, sendo o agregado oriundo de classe média, trabalhando o pai numa companhia petrolífera, auferindo rendimentos que lhes permitia uma vida equilibrada e com possibilidades de proporcionar aos filhos melhores qualificações académicas.
172. Descreve que o ambiente familiar sempre foi pautado por relações afectivas e de entreajuda com o núcleo familiar e com a família alargada, nomeadamente, avós, habitando numa pequena cidade com um ambiente acolhedor e tranquilo. Assim, o seu processo de socialização terá decorrido no agregado familiar dos progenitores e irmãos, num contexto favorável e estruturante, onde lhe terão sido asseguradas as necessidades básicas.
173. Ao nível escolar, frequentou dois anos do curso superior de medicina dentária, mais dois anos de gestão económica, não chegando a concluir nenhuma licenciatura.
174. Menciona ter iniciado na década de 60 a sua actividade profissional, salientando ter sempre mantido um espírito livre, independente, artístico, “hippie” e viajante, tendo trabalhado por conta própria como importador de roupa tradicional do México e dedicando-se ao artesanato na área da carpintaria, construindo móveis. Assim, apesar de ter permanecido no Canadá, refere ter começado a viver de forma autónoma e independente aos 17 anos de idade, tendo, em 1974, vivido quase dois anos na Europa – Andaluzia – por causa dos desportos aquáticos, sobrevivendo à custa dos trabalhos na área da carpintaria.
175. Regressou ao Canadá e devido à sua paixão pelo mar decidiu tirar a carta marítima de Capitão, acabando por construir com o pai e o irmão, um barco de recreio para usufruto da família.
176. Em 1982, contraiu matrimónio com uma cidadã canadiana do qual teve um filho, actualmente, com 34 anos (a viver em Nova Iorque), acabando por se divorciar dez anos depois. De uma segunda relação teve uma outra filha, presentemente com 23 anos (a viver em Hollywood) e hoje mantém um novo relacionamento afectivo. Apesar de constantes viagens e de uma vida aventureira refere ter mantido contactos regulares com os filhos permanecendo laços afectivos.
177. Em 1995, voltou a viver em Espanha sempre em lugares ligados aos desportos marítimos e em 2005 adquiriu um veleiro passando a viver no mesmo, viajando para diferentes países onde permaneceu em diversos pontos mundiais, sem residência fixa, sendo a tripulação constituída pelo próprio, como Comandante, um Imediato e um Cozinheiro, este dois últimos variavam regularmente. O presente Imediato e Cozinheiro, co-Arguidos neste processo, fazem parte da sua tripulação há cerca de três anos e meio.
178. A sua sobrevivência era assegurada através dos seus trabalhos artísticos e artesanais e posteriormente, já proprietário do veleiro, através de excursões e viagens turísticas que efectuava em países do sudoeste asiático, onde permanecia por longos períodos.
179. Refere ter já viajado para inúmeros países de todos os continentes, tendo já permanecido por diversas vezes em portos portugueses.
180. Ao nível da saúde, refere não consumir drogas nem álcool, tendo tido um enfarte há cerca de 5 ou 6 anos em Espanha, não efectuando acompanhamento clínico regular, apesar de tomar medicação diária, mencionado também ter-lhe sido diagnosticado um carcinoma no ouvido, perspectivando-se uma cirurgia.
181. Refere que, à data da prisão, não mantinha residência fixa vivendo no veleiro de que é proprietário, efectuando constantes viagens a toda a parte do mundo, sobrevivendo através da organização de excursões e passeios turísticos que ia efectuando em diferentes países, incluindo Portugal.
182. Mantinha uma relação afectiva com a actual companheira, vivendo esta na Malásia, sendo directora de estabelecimentos de ensino.
183. Ao nível de projecto futuro, pretende fixa-se na Ásia, talvez na Malásia e viver com a sua companheira que detém uma situação económica satisfatória e que lhe permitirá ter uma vida confortável.
184. Encontra-se preso no Estabelecimento Prisional junto às instalações da Polícia Judiciária, apresentando um comportamento adequado e uma postura adaptada, não registando sanções disciplinares.
185. Durante a sua reclusão, já beneficiou de visitas da companheira que se deslocou a Portugal a fim de esta presente no julgamento.
186. Do seu Certificado de Registo Criminal nada consta.
D
187. O Arguido é um de três filhos de um casal de modesta condição sócio-económica. Diz ter integrado o agregado dos pais até aos 41 anos de idade e descreve o processo de desenvolvimento decorrido em contexto relacional coeso e afectivamente gratificante entre os seus elementos, não havendo conhecimento de problemática relevante. O pai é engenheiro e a mãe, doméstica.
188. Diz ter concluído o equivalente ao nosso 12º ano de escolaridade, a que se seguiu a sua primeira experiência laboral como nadador salva-vidas durante cerca de três anos, contando já com alguma experiência na prática desportiva de Surf. Nos anos que se seguiram, o Arguido refere ter exercido outras actividades indiferenciadas, como trabalhador rural em quintas particulares e como operário numa fábrica ligada a materiais na construção de embarcações náuticas (fibra de vidro), esta última, onde permaneceu três anos.
189. Aos vinte e seis anos, já tendo efectuado algumas viagens com fins turísticos e para a prática desportiva de Surf, o Arguido terá optado por conhecer a Austrália, deslocação que se viriam a prolongar durante dois anos, tendo, nesse período, assegurado a sua subsistência com os rendimentos auferidos das actividades laborais que foi exercendo, nomeadamente, nas vindimas no sul da Austrália e no sector da restauração, onde diz ter trabalhado em vários restaurantes na cidade de Melbourne.
190. Regressado ao agregado dos pais em Inglaterra, o Arguido reiniciou a actividade como nadador salva-vidas e depois como trabalhador rural, o que lhe terá permitido dar continuidades aos estudos em regime pós-laboral, tendo ingressado na Universidade de Exeter, onde viria a concluir aos 32/33 anos o bacharelato em estudos mineiros.
191. Nos oito anos seguintes, o Arguido diz ter reintegrado o mercado de trabalho, onde trabalhou de forma regular para diversas empresas no sector da construção civil, seguindo-se um período de interrupção laboral, em que refere ter viajado novamente para a Ásia.
192. Terá sido em Junho de 2011 que Andrew D viria a deslocar-se a Portugal, país de residência de alguns concidadãos amigos da prática desportiva de Surf, anteriores vizinhos em Inglaterra, que o acolheram na sua habitação na zona de Sines. A permanência do Arguido em Portugal, na habitação dos amigos, prolongou-se por dois anos.
193. Nessa altura, o Arguido colaborou em várias actividades ligadas à remodelação do espaço habitacional como espaço de escola de Surf, presentemente com o nome de “Pig Dog Surf Camp”, em Sines, tendo também colaborado como instrutor de Surf, sendo que, a troco, lhe foi disponibilizado alojamento e alimentação gratuita, bem como uma remuneração simbólica mensal para despesas do quotidiano.
194. Em Maio de 2013, o Arguido, a convite de conhecidos, refere ter viajado para a Tailândia, alegadamente para participar numa viagem náutica como colaborador em funções de “Skipper”, deslocação que terá sido custeada pelos responsáveis da respectiva embarcação, mencionado Julho de 2014, como o início da viagem marítima de longo curso, que no seu trajecto terá incluído paragens na Malásia, Maurícias, Madagáscar, África do Sul, Brasil, Caraíbas e Venezuela, tendo atracado nos Açores durante cerca de uma semana, a que se seguiu a viagem até ao Porto de Sines, em Julho de 2014.
195. Presentemente no Estabelecimento Prisional de Lisboa, o Arguido tem mantido uma conduta institucional adequada. Talvez pela barreira linguística não se encontra laboralmente activo, ocupando o tempo na sua cela ou em actividades de lazer.
196. Na eventual situação de liberdade, o Arguido verbaliza a intenção de voltar a colaborar com os amigos da escola de surf em Sines, situação que não é bem aceite por aqueles que verbalizam, de forma assertiva, não estarem disponíveis para voltar a acolher o Arguido.
197. Por não ter familiares a residir em Portugal, não beneficia de visitas a nível familiar, mencionado apenas ter sido visitado por uma amiga, namorada de um dos co-Arguidos.
198. Do seu Certificado de Registo Criminal nada consta.
E
199. Natural da Suíça, o percurso psicossocial do Arguido decorreu no seu país natal, junto dos avós e tias maternas, devido à necessidade da progenitora trabalhar em local distante/noutra cidade (tendo tido mais duas descentes/irmãs germanas mais novas do Arguido). Desconhecendo a identidade do pai, aquele ter-se-á destituído do respectivo papel parental.
200. A viver numa quinta, em meio rural, o agregado de origem subsistia suficientemente dos rendimentos – fruto dos trabalhos agrícolas e criação e animais, bem como da venda de selas artesanais para cavalos a que o avô se dedicava.
201. E recorda uma infância equilibrada, com existência de laços de solidariedade e inter-ajuda entre os membros familiares, sendo referenciada a tentativa de transmissão de valores e regras pro-sociais.
202. De acordo com o próprio, o Arguido completou 8 anos de estudos, ao que se seguiu a conclusão de dois cursos profissionais de 4 anos cada, nas áreas de engenharia mecânica e electricidade. A par da escolarização, o Arguido dedicava-se, juntamente com os familiares, aos trabalhos agrícolas na quinta, tendo, aquando da conclusão dos estudos, iniciado actividade estruturada numa fábrica de sistemas de prevenção de incêndios, onde desenvolveu funções durante alguns anos. Com vista à aquisição de melhores condições remuneratórias e de vida, recorda ter realizado posteriormente trabalhos na área da construção civil e da canalização, iniciando, após, funções na manutenção eléctrica e da canalização de barcos. Pese embora alguma irregularidade profissional, o Arguido referencia a perpetuação de condições económicas suficientes para a manutenção de um estilo de vida equilibrado.
203. No plano afectivo, E refere ter contraído matrimónio por volta dos 26/27 anos de idade, vindo a ter 3 descendentes desta relação. Após cerca de 15 anos de conjugalidade e por alegado desgaste da relação, relacionado com questões económicas, deu-se o terminus da união do casal. Não obstante, o Arguido referencia a manutenção de uma relação de alguma proximidade com os descendentes.
204. Assume ter tido um único contacto anterior com o sistema de justiça, no país de origem, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
205. Nos últimos anos, precedentes à presente situação, E refere ter-se vindo a dedicar à actividade profissional de cozinheiro no barco em referência no actual processo, levando um estilo de vida despreocupado, algo descomprometido, itinerante e aventureiro, que valoriza. Segundo o próprio, há cerca de 3 anos que não regressava ao país de origem devido às constantes viagens de longo curso realizadas por vários países do mundo.
206. O Arguido refere anteriores consumos de haxixe, apresentando, nos últimos anos, segundo o próprio, alguns consumos aditivos de bebidas etílicas aquando das paragens nos portos por onde passavam.
207. Preso preventivamente no Estabelecimento Prisional de Lisboa, E tem mantido um comportamento adequado e consentâneo com as regras e normas vigentes, sem registo de sanções disciplinares.
208. Continua a beneficiar de apoio aos mais diversos níveis por parte dos seus familiares. Já foi visitado por uma as irmãs e respectivo namorado.
209. Do Certificado de Registo Criminal de Portugal deste Arguido nada consta.
210. Segundo informação prestada pelas autoridades policiais suíças, este Arguido foi condenado por infracções graves à lei federal suíça sobre estupefacientes em 2007.


***

B.1.2 - Não se provou que:

a) Nas circunstâncias referidas em 16. o Arguido A mantinha contactos com os indivíduos que forneceram a cocaína que veio a ser transportada no mencionado veleiro.
Da contestação do Arguido A

b) A empresa de que o Arguido é director tem como clientes instituições militares, instituições governamentais, empresas financeiras, empresas corporativas e celebridades.
c) Todas as viagens efectuadas pelo Arguido foram no âmbito da sua actividade profissional.
d) A empresa do Arguido foi contactada para vender determinada quantidade de telemóveis da marca Blackberry e cartões No.1BC, razão pela qual o Arguido se deslocou a Portugal.
e) As seis malas continham no seu interior 40 telemóveis da marca BLACKBERRY, 20 cartões No.1BC e diversos cabos e carregadores de telemóveis e publicidade.
Da contestação do Arguido D
f) O Arguido trabalhou desde 2002 a 2010 como Engenheiro civil por conta própria em Inglaterra, recebendo valores variáveis desde 10.000 libras a 40.000 libras por ano.
g) Em Maio de 2011, resolveu pegar nas suas económicas e investir numa propriedade em Portugal no valor de € 40.000,00.
h) Investiu mais de € 5.000,00 na criação da escola de surf.
i) O Arguido somente conhece o co-arguido C e E, apenas tendo visto o co-arguido A, pela primeira vez, no dia 15 de Julho de 2014 na Marina a falar com o co-arguido C sobre telemóveis.
j) O Arguido não tem conhecimento da existência de qualquer produto estupefaciente no interior da embarcação em causa.
k) A embarcação deslocou-se para as Bermudas unicamente por causa do mau tempo, que os levou a ter que parar nesse local, não estando sequer inicialmente prevista a sua paragem.
l) Os valores por si recebidos não são de origem ilícita, mas são referentes a remunerações por si recebidas.
m) O Arguido é residente em Portugal há mais de 9 anos, tendo cá todo o seu centro de vida.


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B.1.3 - E apresentou as seguintes razões para fundamentar a matéria de facto:

«O Tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada com base na análise crítica e ponderada de todos os meios de prova produzidos na audiência de discussão e julgamento, valorados na sua globalidade.
Assim, os inspectores e inspectores-chefe da Polícia Judiciária,M, J, I, H, L, F e G que procederam ao seguimento e /ou à vigilância do Arguido B descrevem, de modo detalhado, os seus movimentos, donde ressalta o encontro com o Arguido A na área de serviço de Grândola, onde fazem o transbordo (da viatura conduzida pelo Arguido A para a viatura conduzida pelo Arguido B) das malas onde veio a ser encontrada a cocaína apreendida.
J, Q, Is, L e F participaram igualmente nas buscas ao apartamento ocupado pelo Arguido B e/ou à viatura Nissan, atestando os bens apreendidos e o modo como se encontravam.
Da mesma prova testemunhal resulta que foi encontrado um ticket de uma compra nas Bermudas no saco preto onde se encontrava parte da cocaína apreendida.
Por seu turno, M, H e G procederam à busca ao veleiro GLORIA e confirmam os objectos aí encontrados e bem assim a reacção dos Arguidos, donde se destaca a do Arguido C que indicou o esconderijo onde foi guardada a droga durante o seu transporte para Portugal e entregou o dinheiro que tinha na sua posse.
Para além de não ter sido dada qualquer outra explicação para a existência de tal esconderijo (abertura artesanalmente feita na estrutura do veleiro – cfr. fotografia de fls. 227), foi o próprio Arguido C que indicou esse local como sendo o local onde havia sido escondida a cocaína durante o seu transporte nessa embarcação. E a existência de água nesse local também não afasta a convicção de ter sido aí guardado o produto estupefaciente: conforme se vê nas fotografias e é atestado pelas referidas testemunhas da Polícia Judiciária, as embalagens de cocaína vinham bem acondicionadas, envoltas em várias camadas de protecção, de molde a não se deteriorar, nomeadamente, por acção da água.
G procedeu também ao seguimento e subsequente abordagem do Arguido A no dia 15.07.2014.
De referir que as testemunhas supra indicadas descreveram, de forma coerente e detalhada, um processo dinâmico de investigação, esclarecendo as diligências levadas a cabo, os factos de que tiveram conhecimento directo, os que tiveram conhecimento através das comunicações que se iam mantendo simultaneamente e aqueles de que tiveram conhecimento por qualquer outro modo. Mais confirmam os Relatos de Diligência Externa (fls. 64/64, 67, 68, 69/73 e 120/122), os Autos de Busca e Apreensão e respectiva documentação (fls. 83/84, 97/100 102/103, 107/109, 221/224, 228/289), os Autos de Revista e Apreensão e respectiva documentação (fls. 77/82, 131/133, 140/151, 164/166 e 180/181).
Quanto às pessoas que se encontrariam na embarcação no dia 14.07.2014, os Arguidos não alegam a presença de outros indivíduos para além dos três Arguidos que constituíam a tripulação da mesma, sendo que a presença do Arguido A em tais circunstâncias acaba por ser admitida pelo mesmo.
M e H procederam à visualização das imagens das câmaras de vigilância do Porto de Recreio, descrevendo, pormenorizada e logicamente, a forma como identificam nelas os Arguidos A a C, bem como os objectos que são retirados da embarcação (cfr. Auto de visionamento de CCTV de fls. 329/330, respectivo suporte digital a fls. 331 e fotogramas de fls. 332 a 358; Auto de visionamento de CCTV de fls. 930/932, respectivo suporte digital a fls. 933 e fotogramas de fls. 934 a 960 e Auto de visionamento de CCTV de fls. 1153 e fotogramas de fls. 1154 a 1160).
Com efeito, embora a imagem da videovigilância não seja nítida, é perceptível que se procedeu a um descarregamento de malas do veleiro e que, pelas características observadas directamente (pelos referidos inspectores da Polícia Judiciária) dos Arguidos A e C (designadamente, estatura e vestuário), bem como dos Arguidos D e E, conjugado com os registos de entradas e saídas dos cartões associados à embarcação em causa (cfr. fls. 360 a 363) consegue-se, facilmente, depreender, de acordo com as regras da normalidade da vida, que se tratavam dos referidos Arguidos a proceder ao descarregamento de malas.
As testemunhas que procederam ao visionamento das referida imagens revelam ainda honestidade quando, sendo peremptórias a identificar os indivíduos que se vêem nas mesmas como sendo os Arguidos C e A, bem como as características dos objectos descarregados, declaram não conseguir determinar se os demais indivíduo/s que aí também aparece/m são ou o Arguido D ou o Arguido E. Atestam ainda o modo como os objectos retirados da embarcação foram, depois, deslocados: arrastados pelo chão, coincidindo com o modo como são transportadas as malas tipo trolley.
Resulta, deste modo, que o veleiro GLORIA com a sua tripulação constituída pelos Arguidos C, D E E, atracou nas Bermudas, donde veio para a Europa (vide documentos de fls. 228 e ss.); que no dia 14 de Julho de 2014, são descarregadas malas da referida embarcação, no porto e onde também se encontra presente o Arguido A; que este encontra-se no mesmo dia com o Arguido B e, juntos, procedem à transferência de malas da viatura conduzida por aquele Arguido para a viatura conduzida por este Arguido; que entre esse momento e o momento da busca a esta viatura de marca Nissan, os movimentos do Arguido B são controlados, bem como os acessos à sua viatura; que vêm a ser encontradas as malas neste veículo automóvel, contendo a cocaína apreendida, malas essas que são precisamente as mesmas que foram observadas a ser transferidas, na estação de serviço de Grândola, da viatura do Arguido A para a viatura do Arguido B; e, por fim, que é encontrada numa das malas (a mala/saco de cor preta) um ticket de um estabelecimento comercial das Bermudas, local onde o Arguido B não se deslocou.
Da sucessão destas circunstâncias que se apuram, é fácil concluir, com toda a segurança, que as malas apreendidas na posse do Arguido B são as mesmas que foram descarregadas do veleiro GLORIA.
A circunstância de ser referido pelas testemunhas da Polícia Judiciária que as embalagens de cocaína estavam húmidas, não afasta a convicção de que o ticket se encontrava efectivamente no saco preto onde estava parte da cocaína apreendida e que tal saco veio da embarcação GLORIA. De facto, não é referido que as embalagens de cocaína e o saco em causa se encontrassem ensopados mas apenas húmidos, o que não seria de molde a desfazer o ticket em causa ou esborratar as suas menções, atendendo, aliás, à qualidade de papel do mesmo (cfr. fls. 97).
Todas as demais teorias sobre outro/s modo/s do produto estupefaciente encontrar-se na viatura Nissan não passam disso: meras conjecturas sem qualquer suporte factual e/ou probatório.
Por outro lado, a quantidade de produto estupefaciente (cerca de 168 quilos de cocaína, dividida em 150 embalagens – vide fotografia de fls. 95), o local onde se encontrava escondida, o tempo provavelmente necessário para o retirar desse esconderijo (em cujo espaço não caberiam as malas), a sua colocação nas malas (6 ao todo) e o seu peso, afastam, de todo em todo, a ideia de que os Arguidos D e E não tiveram qualquer conhecimento e participação nos factos. Com efeito, estes Arguidos já faziam parte da tripulação daquela embarcação há, cerca de um ano (no caso do Arguido D) e de 3 anos (no caso do Arguido E); encontravam-se na mesma aquando da colocação da cocaína no seu interior (vide registo da tripulação da embarcação em causa nos vários portos) e eram auxiliares do Arguido C, não restando a este Tribunal quaisquer dúvidas que estes Arguidos também aderiram ao projecto ilícito em causa, querendo e participando no mesmo.
De referir ainda que a circunstância dos Arguidos C, D e E planearem ou não permanecer em Portugal por mais algum tempo também não afasta a convicção deste Tribunal quanto à sua participação nos factos e a sua culpabilidade. Nessa altura, já haviam entregado o produto que tinham transportado para Portugal, pelo que não tinham motivos para daqui fugirem
Quanto à existência de outros indivíduos não identificados, decorre das regras da experiência comum que uma operação de tráfico de estupefacientes desta envergadura (atendendo à quantidade e qualidade da droga em causa, a travessia do Atlântico, os vários intervenientes detectados e as comunicações encriptadas) requer, pelo menos a participação dos fornecedores do referido produto estupefaciente e/ou outros.
Da documentação, das informações juntas aos autos e das diligências levadas a cabo pela Polícia Judiciária – nomeadamente, cópias de passaportes de fls. 135 a 139, 171 a 175, 186 a 204 e 213 a 218; documentação portuária referente a entradas e estadias em marinas, no Brasil, Venezuela, Guadalupe, Bermuda e Portugal de fls. 228 a 247 e 280 e 281; e informação dos movimentos migratórios do Arguido A de fls. 981 e 982 - resultam ainda os trajectos percorridos pela embarcação GLORIA (e, como tal, pelos Arguidos C, D e E) e pelo Arguido A, donde decorre confluência espácio-temporal entre este Arguido e a tripulação do referido veleiro em dois locais diferentes (na América do Sul e nas Bermudas). Atendendo ainda à demais prova produzida e os demais factos apurados, resulta da normalidade da vida que, nessas ocasiões, aqueles Arguidos mantiveram contactos respeitantes à operação que levaram a cabo.
De realçar ainda que os equipamentos da marca BlackBerry apreendidos aos Arguidos A e C encontravam-se esquipados com cartões Micro SD, de encriptação da empresa No.1 BC, os quais permitiam a realização de comunicações móveis encriptadas, quer chamadas de voz, chats protegidos, bem como transferências de ficheiros e serviço de e-mail, utilizando um avançado algoritmo híbrido de encriptação, que permitem comunicação segura em tempo real (vide reportagem fotográfica de fls. 772 a 784 e print de fls. 786 a 795). Da leitura da memória dos telemóveis apreendidos foram detectadas conversações estabelecidas entre os equipamentos do Arguido A e do Arguido C, trocadas através do sistema de encriptação No.1 BC, as quais se encontram encriptadas (vide fls. 991 a 998 e fls. 1126 e 1134), não tendo sido possível proceder à leitura do telemóvel BlackBerry apreendido ao Arguido B (fls. 969).
Dúvidas não restam quanto à maior intervenção do Arguido A: é o que manteve contactos com vários intervenientes, sendo o elo de ligação entre os Arguidos/tripulantes do veleiro GLORIA e o Arguido B, ao que acresce que os cartões de encriptação de comunicações pertencem à sua empresa.
Por outro lado, tendo optado por prestar declarações no último dia de audiência de discussão e julgamento, a versão apresentada pelo Arguido A é desprovida de qualquer credibilidade e não é sustentada por qualquer meio de prova. O sócio por si referido não veio depor como testemunha. E, sendo este Arguido sócio de uma empresa, como alega, com negócios a nível global, inclusivamente, com governos de todo o mundo, seria se esperar que tivesse a possibilidade de fazer deslocar a Portugal, as pessoas que pudessem atestar os factos que invoca. Não o fez, permanecendo inabalada a prova produzida, bem como a convicção deste Tribunal.
H descreve igualmente, de forma detalhada, a forma como as malas transferidas da viatura conduzida pelo Arguido A para a viatura conduzida pelo Arguido B aparentavam ser pesadas (pelo modo como eram carregadas pelos Arguidos), afastando, desta maneira, o facto que se dá como não provado em e) (o que, de todo o modo, já estaria arredado pela prova acima referida e pelos factos que com base na mesma se deu como provada).
Deste modo, o material informático e de telecomunicações que se encontrava na posse deste Arguido e a factura que junta aos autos pelo mesmo também não ensombram a convicção deste Tribunal, não sendo de molde a fazer crer que apenas transportava material de telecomunicações para vender.
Por seu turno, tendo também optado por prestar declarações no final da audiência de discussão e julgamento, o Arguido B assume, parcialmente, a prática dos factos, procurando, no entanto, descentrá-los dos demais Arguidos, apontando para outros alegados intervenientes cuja existência não é atestada por qualquer outro meio de prova.
De resto, a elevada quantidade de cocaína – produto estupefaciente de alto valor como é do conhecimento comum e resulta também das Estatísticas, Relatório Anual, Combate ao Tráfico de Estupefacientes em Portugal, in www.pj.pt – que os Arguidos transportaram, a complexidade das operações levadas a cabo para o efeito, envolvendo, pelo menos, travessia atlântica, vários intervenientes e transportes, prospecção e uso de comunicações encriptadas, evidenciam, para além do mais, que os Arguidos pretendiam obter avultada compensação remuneratória, não obstante não se ter apurado os valores concretos. Com efeito, é bastante óbvio que os Arguidos não se envolveriam nas operações em causa com todos os riscos que as mesmas implicam, se tal não lhes fosse altamente lucrativo.
O que nos leva a concluir igualmente, que as quantias monetárias apreendidas aos Arguidos eram já parte dos proventos que iriam obter com a actividade realizada com vista ao transporte da cocaína ou eram destinadas à concretização da mesma (atente-se, nomeadamente, nas movimentações de câmbio que começam a ser levadas a cabo pelos Arguidos C e D após se terem encontrado com o Arguido A).
Assim e de acordo com as regras da experiência comum, conjugadas com toda a prova acima referida, bem como com a demais prova documental e pericial junta aos autos, designadamente, Reportagens Fotográficas de fls. 86/95, 104/106, 225/227, 515/518 e 646/650; informação de fls. 290 e 134; boletim de reserva de fls. 328, análise da informação recolhida dos cartões de acesso de fls. 364/365; cópia dos cartões de acesso ao porto de Sines e lista de associação dos mesmos de fls. 521 e 522; imagem do porto de Sines de fls. 644, Exame Pericial de fls. 910 e 911; Exames periciais a telemóveis de fls. 966 a 975, respectivo suporte digital de fls. 975-A e 975-B e respectiva análise de fls. 985/986 e cópias de fls. 987 a 1005 e relatório de exame pericial e avaliação do veleiro de fls. 1113 a 1118 e anexo de fls. 1119 a 1123, não tem este Tribunal quaisquer dúvidas quanto aos factos dados como provados em 1. a 147..
A convicção do Tribunal quanto à situação pessoal dos Arguidos assentou nos Relatórios Sociais elaborados, conjugados com o depoimento da testemunha Mónica Tranter, indicada pela Defesa do Arguido D.
Mais se atentou nos Certificados de Registo Criminal dos Arguidos e nas informações de fls. 552 e 1108.
Relativamente aos factos dados como não provados, não se fez prova suficiente ou fez-se prova em contrário da sua verificação.


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Cumpre conhecer.

B.2 – Questão prévia e metodologia.

B.2.1 – Questão prévia

Uma questão prévia se impõe esclarecer face à configuração dada aos autos pelo despacho de fls. VI-2.130-2.133 que indeferiu um pedido de tradução do acórdão condenatório ao recorrente B (requerimento a fls. VI-2.09-2.1010).

A um pedido de tradução do acórdão condenatório e subsequente pedido de concessão de prazo suplementar para recorrer, o tribunal respondeu com um duplo indeferimento, o de tradução e o de concessão de prazo suplementar de recurso.

Tudo com base fundamentadora no acórdão desta Relação de Évora de 22-04-2010 (proc. 11/05.0FCPTM.E1) que entendeu que a omissão de tradução ou a falta de nomeação de intérprete a arguido estrangeiro que não percebe a língua portuguesa, aquando da notificação da acusação, ou da notificação do despacho que designa datas para julgamento, constitui uma nulidade relativa, sendo extemporânea a sua arguição apenas em sede de recurso.

Essa não é, no entanto, a nossa percepção do problema, como já expressámos no acórdão desta Relação de Évora de 26-06-2007 (proc. 848/07-1) nos seguintes termos:

III – Porque o arguido tem um direito pessoal, concreto e efectivo à notificação da acusação em língua que entenda, não basta a simples notificação do defensor nomeado para que aquele direito se considere concretizado.
IV – Direito que apenas se considera efectivado com a notificação da acusação integralmente traduzida por escrito.
IV - É processualmente inexistente a notificação de uma acusação redigida em português a uma arguida que apenas entende o mandarim».

E, note-se, é a própria legislação portuguesa a colocar em pé de igualdade a notificação da “acusação” (realidade sobre que se debruça a jurisprudência convencional) e a notificação da sentença (e de outros actos que aqui não importam).

Esta é a leitura que dimana da actual redacção do artigo 113º, nº 10 do Código de Processo Penal que frontalmente assevera que «as notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar».

Pela consulta dos autos constata-se que o recorrente A veio entretanto a solicitar a tradução do acórdão (fls. VII-2.160-2.161), o que lhe foi deferido pelo apropriado despacho de fls. VII-2.164-2.165, com a ressalva dos efeitos do despacho anteriormente referido, o de fls. VI-2.130-2.133.

Ou seja, partiu-se do princípio de que, quanto ao prazo de recurso e por ter existido indeferimento da concessão de prazo suplementar de recurso, se havia formado caso julgado. Cremos que não será assim. O caso julgado só se forma sobre a concessão de um prazo “suplementar”, realidade que não está aqui em causa.

O que aqui está em causa é saber se ainda decorre neste momento o prazo de recurso por … invalidade da notificação do acórdão. E sobre isto não há caso julgado.

O não acautelar dos direitos dos arguidos na inexistência de uma tradução da decisão condenatória, como se eles entendessem a língua portuguesa e pudessem ler a decisão que lhes aplicou penas de prisão, olvida uma simples realidade … e o artigo do Código de Processo Penal supra citado.

Poderá afiançar-se que os arguidos foram “notificados” do acórdão condenatório no respectivo acto de leitura, assistidos por advogado e intérprete. É posição que não deixa de estar de acordo com a literalidade normativa e a normalidade do sistema, enquanto realidade quotidiana, a dos arguidos que entendem a língua, acobertada pela leitura imediatista do nº 4 do artigo 372º do C.P.P.

Cremos, no entanto, que a necessidade de dar cumprimento ao disposto no artigo 372º, nº 5 do C.P.P. (entrega, pelo secretário, de cópia de sentença ou acórdão lavrados em primeira instância, o que deve ser feito de imediato de forma a permitir que o arguido e seu mandatário tenham completo conhecimento da decisão) e a contagem do prazo de recurso a partir do depósito da sentença na secretaria altera esta visão das coisas.

O legislador parte assim, saudavelmente, da certeza de que ser notificado de uma sentença condenatória não é só ouvir ler um texto sem ter acesso ao mesmo, não só para compreender o dispositivo, também saber os factos que foram considerados praticados por eles e os fundamentos inerentes aos factos e ao enquadramento jurídico e, sobre tudo, ponderar o exercício do direito ao recurso.

Daí – uma das razões – para que o início do prazo de recurso se não conte da data da leitura da decisão, sim da data do respectivo depósito [art. 411º, nº 1, al. b) do C.P.P.].

Se para o cidadão arguido que entende a língua portuguesa tal é essencial e reconhecido pelo legislador (e pelo senso comum), o mesmo deve ser reconhecido para cidadão que não entenda a língua. Por maioria de razão, aliás.

Para quê entregar cópia da sentença em português a cidadão que não sabe português? E será uma nulidade sanável a não entrega de sentença em português a quem não saiba a lingua? Ou, de acordo com uma regra de senso comum, nestes casos de arguido que não entenda a língua a entrega de tradução da decisão não será uma condição de validade do acto?

É que, pensamos nós, não faz qualquer sentido entregar uma sentença ou acórdão em língua portuguesa … a um inglês, alemão ou chinês que não fale nem entenda a língua de Camões. Ou faz tanto sentido como entregar uma sentença em inglês, alemão ou mandarim a um cidadão português (um juiz ou magistrado do Ministério Público, por exemplo) condenado naqueles países.

De tudo poderíamos concluir que a notificação não estaria completa se, de imediato ou em prazo razoável, não fosse entregue cópia da decisão … em língua que se entenda ou se deva entender, caso não seja possível ou seja desnecessária a tradução para determinada língua materna.

E, nos termos do disposto no nº 10 do citado artigo 313º e como o prazo para a prática de acto processual subsequente se conta “a partir da data da notificação efectuada em último lugar”, a notificação da decisão só estaria completa no momento da entrega da tradução.

Isto na medida em que o legislador supõe que a decisão é depositada “de imediato” e que, “de imediato”, o secretário entrega cópia daquela.

Admitimos que seja uma leitura que incomoda a costumeira. Cremos ser a mais correcta para as decisões de primeira instância cuja exigência se contém naquele preceito com esse significado restrito, que se não estende aos tribunais superiores onde a razão de ser da norma se não justifica e os procedimentos são diversos.

O acórdão foi lido a 27-07-2015 e depositado a 03-08-2015 (fls. 2.116). Ou seja, sequer a possibilidade de início de contagem do prazo de recurso se pode considerar cumprida na primeira data por inexistência de decisão depositada ou seja, entregue e disponível para cópia.

A tradução da decisão foi junta aos autos a 03-09-2015 (fls. 2.242 a 2.283). Ou seja, só a partir dessa data – ao menos – se iniciaria a contagem do prazo de recurso.

Mas os arguidos interpuseram recurso a: 02-09-2015 – Arguido C (fls. 2.172); 02-09-2015 – Arguido B K (fls. 2.222); 07-09-2015 – Arguido E (fls. 2.437); 07-09-2015 – Arguido A (fls. 2.547); 02-09-2015 – Arguido D (fls. 2.637).

A admitir uma nulidade ou irregularidade (por incompletude) da notificação, a mesma mostra-se sanada na medida em que os arguidos se prevaleceram da faculdade pretendida com a notificação, através da interposição de recurso – artigo 122º, nº 1, al. c) do C.P.P..


*

B.2.2 – Metodologia.

É sabido que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso.

Sendo vários os recursos dos arguidos e vários os pontos de inconformidade de cada um deles, assim como o tratamento das mesmas matérias em vários recursos, a abordagem que se entende mais indicada passa por tratar conjuntamente num capítulo inicial as questões relativas a nulidades processuais comuns a vários arguidos ou por vários invocadas, relegando o conhecimento de razões específicas invocadas por cada um dos arguidos para capítulos que lhes sejam próprios.

Assim, serão tratadas no ponto B.3 as questões relativas às nulidades processuais comuns. No último ponto desta secção abordar-se-á a questão da violação da privacidade, enquanto alegação plural quanto às nulidades.

Serão tratados nos pontos B.4 e seguintes os restantes temas relativos a cada um dos arguidos, com remissão para o primeiro tratado, no caso de questões comuns que não acrescentem argumentos diversos.

Excepto as questões relativas às penas e ao perdimento de valores e objectos, que serão tratados em B.9 e B.10.

Serão aquelas:

- a nulidade por “falta de comunicação” - “falta de inquérito” (arguidos A e C);

- a nulidade da busca à “garagem" (arguidos A, B e C);

- a nulidade da busca ao veleiro após as 21 horas" (arguidos C e D);

- a proibição de valoração de conversas informais (arguidos A e C);

- a violação da privacidade.

Serão estas:

Arguido A:

- a nulidade do acórdão por falta de fundamentação – conclusões 33ª a 60ª;

- a impugnação da matéria de facto – conclusões 61ª a 115ª;

- o tráfico agravado – conclusões 116ª a 122ª;

- da apreensão de dinheiro – conclusões 123ª a 126ª;

- a medida da pena – conclusões 127ª a 138ª.

Arguido B

- a qualificativa prevista na alínea c) do art.º 24.º de Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro – conclusão 10ª; e

- a pena de prisão que lhe foi imposta – conclusões 11ª a 15ª.

Arguido C

- a nulidade do acórdão por falta de fundamentação – conclusões 31ª e 32ª;

- a impugnação da matéria de facto dada como provada – conclusões 33ª a 36ª;

- a qualificativa do crime de tráfico de estupefacientes – conclusões 37ª a 39ª;

- a medida da pena – conclusões 40ª e 41ª;

- a perda do veleiro a favor do Estado – conclusões 42ª a 44ª.

Arguido D

- a nulidade do despacho que indeferiu as diligências requeridas – conclusões 9ª a 14ª;

- a impugnação da matéria de facto e o in Dubio Pro Reo – conclusões 14ª a 37ª;

- a qualificação por tráfico agravado – conclusões 31ª a 37ª;

- a comparticipação – conclusões 38ª a 44ª

- a medida da Pena – conclusões 45ª a 50ª;

- os objetos e dinheiro declarados perdidos a favor do estado – conclusões 51ª a 54ª.

Arguido E

- a impugnação da matéria de facto – conclusões XI a XXV ;

- a forma de comparticipação – conclusões XXVI a XXXVIII;

- a agravação – conclusões XXXIX a XLVII;

- a determinação da pena concreta – conclusões XLVIII a LV;

- a violação do princípio in dubio pro reo - conclusões LVI a LXI;

- a declaração de perdimento a favor do Estado do telemóvel e Ipad – conclusões LXII a LXIX.


*

B.3 – Das nulidades.

B.3.1 – Da nulidade por “falta de comunicação/inquérito”.

Pelos arguidos vem arguida a nulidade do inquérito nos termos dos artigos 119°, alínea b) e 122°, ambos do Código de Processo Penal, na medida em que a notícia da chegada ao aeroporto do arguido B foi conhecida da Polícia Judiciária no dia 11.7.2015 e nesse mesmo dia foram iniciadas diligências que se prolongaram até ao dia 15.7. A comunicação ao Ministério Público só veio a ocorrer no dia 15.7.2014.

Entendem os arguidos que foram violados os artigos 48°, 242°, 243°, 224°, 248° e 249° do Código de Processo Penal.

A arguição, quando nominada como nulidade por “falta de inquérito” faz supor a invocação de violação do disposto na al. d) do art. 119º do código.

No entanto a invocação factual e a norma supostamente violada, tal como arguida pelos recorrentes, centra-se na falta de comunicação ao MP e na al. b) do preceito, isto é, a falta de promoção do processo pelo Ministério Público.

Ora, como é evidente no início do processo (1º vol.), a comunicação ao Ministério Público ocorreu em 15-07-2015, dentro do prazo de 10 dias previsto no art. 248º, nº 1 do C.P.P..

Não há, portanto, falta de promoção do processo pelo Ministério Público, pois que tal apenas ocorreria se aquele prazo não fosse cumprido ou a polícia, cumprindo-o, agisse abusivamente. E, no essencial é isto que os arguidos invocam: a não-comunicação em momento anterior por abuso de funções policiais.

A questão, assim, limita-se a ser uma tomada de posição sobre saber se o nº 1 do art. 248º do C.P.P. deve ser lido restritivamente de forma a apenas permitir, antes da comunicação ao Ministério Público, actividades que caibam na previsão dos artigos 249º a 252º do diploma. Também, se a expressão “no mais curto prazo” significa menos que o prazo de 10 dias ali previsto.

Isto é, estão as entidades policiais amarradas “by the book”, numa leitura restritiva, a benefício dos arguidos? Ou, a realidade está contida naqueles poucos preceitos? Isto quanto à primeira questão. Quanto à segunda se o “curto prazo” implica leitura diversa da literal.

Entendemos que não – para ambas as questões - pois que o nº 1 do referido artigo 248º permite suficiente margem de manobra para que se entenda nele estar contida a possibilidade de recolha de informação no sentido de confirmar comunicação de prática de actos ilícitos e de comprovar identidade e localização dos seus agentes, assim como o local da prática daqueles actos.

Quanto à segunda porque nos parece – para o caso concreto – que se está a esquecer uma realidade factual incontrolável: por um lado, a comunicação foi feita em 24 horas; por outro, dez dias são prazo aceitável.

Receber informação dando conta de que indivíduos que se não encontram em território nacional para aqui se dirigem para concretizar a prática de actos inseridos no conceito geral de criminalidade altamente organizada supõe, implica, a recolha de informação que comprove e elucide as entidades policiais quanto ao teor e credibilidade daquela informação.

Não aceitar isto é viver longe da praxis.

Ora, recebida a comunicação a 11-07-2014 justifica-se que não haja imediata comunicação face à necessidade de a comprovar.

De notar que a prática de ilícitos só vem a ocorrer a 14-07-2015, pelo que a vigilância tinha que necessariamente decorrer de 11-07 a 14-07 e que decorrer com a devida retenção de informação, que é coisa consabidamente desrespeitada no país.

Se a comunicação ao Ministério Público vem a ocorrer em 15-07-2014, não só o dispositivo legal é cumprido dentro do prazo como a não-comunicação imediata se apresenta como justificada face à concreta conformação das acções de vigilância a desenvolver. E, por tudo, a comunicação é feita em 24 horas desde a prática do ilícito em território nacional.

Aceita-se, portanto, que a comunicação a entidade que, em regra, se caracteriza legalmente pelo excessivo formalismo coloque algumas reservas enquanto se não assegura o objectivo de recolha de informação e a salvaguarda da prova. É claro que isto também se centra numa realidade – a eficaz e respeitadora recolha e tratamento de informação e o seu sigilo - que o país não soube resolver em 40 anos, mas disso não curam os autos.

Acresce que o acompanhamento dos suspeitos se revela essencial para surpreender o momento em que se torna necessário praticar os actos cautelares necessários e adequados ao caso concreto. Porque dessa vigilância depende o saber qual o local e o momento da prática dos actos ilícitos e quem e quantos são os seus agentes. Só isso abre lugar à certeza de se poderem praticar os actos cautelares necessários.

Sendo certo que as normas pretendidas inconstitucionais pelos recorrentes visam impedir a existência de um pré-inquérito ou inquéritos secretos, a sua leitura nos termos expostos garante o seu acerto constitucional e evita aquilo que, na essência, é a preocupação da norma, o abuso policial.

E, note-se, a norma – artigo 248º, nº 1 do C.P.P. – dispõe que os OPC devem comunicar no mais curto prazo desde que tiverem … “…notícia de um crime por conhecimento próprio ou mediante denúncia …”.

E daqui decorre, igualmente que, comprovada a prática dos ilicitos - e do local onde ocorre - e a possível identificação dos seus agentes, a comunicação é feita no dia seguinte. Ou seja, em 24 horas desde a prática do ilícito (entrada nas águas territoriais portuguesas), facto anterior, aliás, ao “conhecimento próprio” que só ocorre com a busca à viatura, momento em que a entidade policial constata a existência de estupefaciente na posse dos suspeitos.

Deve realçar-se, portanto, que a informação policial recebida pela polícia portuguesa não era uma denúncia para os efeitos do referido no nº 1 do preceito, sim isso mesmo, uma informação policial que necessitava de ser confirmada e que não se enquadra no conceito de denúncia contido no artigo 242º do C.P.P..

Se tratássemos como “denúncia” todas as informações policiais não haveria espaço eficaz para o seu tratamento. Como sabido, o excesso de informação conduz à ineficácia. Acresce que os factos entre os dias 11 e 14 não se confirmaram e basta pensar num desvio de rota do iate para se concluir pela necessidade de um mínimo comprovante quanto à informação recebida.

Uma informação policial também não se confunde com “notícias de crimes manifestamente infundadas”, previsão do nº 2 do preceito.

Vero que as normas indicadas não permitem uma leitura que impeça a prática de actos policiais que comprovem a prática de actos ilícitos criminais e de quem são os seus agentes.

Acresce que razão alguma, literal, sistemática ou teleológica, permite que se afirme que o prazo de 10 dias do artigo 248º, nº 1 do C.P.P. é excessivo e, logo, inconstitucional.

Nem se vê como um prazo de 24 horas pode funcionar como prazo limite. Não há parâmetro legal onde o ancorar. Porquê 24? Porque não 12, ou 6? A ser assim sempre seria mais adequada importar o valor constitucional das 48 horas.

Mas nega-se a adequação dessa leitura na medida em que – excluindo o abuso policial, casuísticamente apreciado – o prazo de 10 dias é uma forma adequada de compatibilizar valores constitucionais e as necessidades de recolha de informação, essencial nos dias que correm.

Isto é, o artigo 248º nº 1 do Código de Processo Penal permite – no prazo ali indicado e sem abuso policial - a recolha de informação que vise assegurar a prática de actos cautelares previstos nos artigos 249º a 252º do diploma.

Não houve, pois, violação de qualquer preceito constitucional nem prática de qualquer nulidade insanável, designadamente a prevista na al. b) do artigo 119º do Código de Processo Penal.


*

B.3.2 – Da nulidade da busca à “garagem" do Club.

Esta é uma arguição de três dos arguidos (A, B e C), que afirmam nula a busca efectuada na garagem do Club, por não ter sido realizada em cumprimento de um mandado judicial pois que, naquele momento, a garagem constituía uma extensão das suas habitações ou domicílios (quartos do Hotel) e, além disso, trata-se de espaço privado, reservado aos hóspedes do hotel, considerando terem sido violados os artigos 174°, n. 5 e 251°, ambos do Código de Processo Penal. Invocam, portanto, a proibição de valoração de tal prova nos termos do artigo 126°, n. 3 do Código de Processo Penal.

A este respeito, tendo em mente os direitos fundamentais de reserva da intimidade da vida privada e familiar e da inviolabilidade do domicílio (artigos 26º, nº 1 e 34º da Constituição da República Portuguesa), tendo presentes os artigos artigo 12.º do DUDH (“Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei) e artigo 8.º, n.º 2, do CEDH (1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência”) resta apurar se, de facto, tais normativos foram postos em causa no caso sub iudicio.

E se será caso de aplicação do disposto no nº 3 do artigo 126º do Código de Processo Penal ao determinar que “ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular”.

Nos autos resulta comprovado que:

38. Também o Arguido B, após prévia combinação com o Arguido A, veio a deslocar-se para Portugal nesse dia 11 de Julho, com o propósito de receber deste último a cocaína e com vista a guardá-la e, posteriormente, entrega-la a terceiros não identificados.
39. Para esse fim, o Arguido B, após ter sido informado pelo Arguido A que deveria estar em Portugal a 11 de Julho, data em que era inicialmente esperada a chegada do indicado veleiro, viajou nesse dia, desde Birmingham, Inglaterra (voo Monarch Flight ZB402), com destino ao Aeroporto de Faro, onde chegou pelas 08h40m.
40. Depois, ainda nesse Aeroporto, concretamente no Parque P4, o Arguido B alugou, na empresa Yorcarhire Algarve, o veículo automóvel de matrícula 00-OO-00, de marca Nissan, que passou a usar.
41. O Arguido contratou com essa empresa a utilização da viatura até ao dia 18.07.2014.
42. (…).
43. De seguida, no mesmo dia 11, o Arguido B, conduzindo aquela viatura, deslocou-se, tendo vindo a estacionar na zona da marina, pelas 11 horas.
44. O Arguido B veio, então, a alugar no Club o apartamento C105 (sito no edifício C desse empreendimento hoteleiro), tendo também ali solicitado o serviço privativo de garagem, onde passou a guardar aquele veículo por si alugado.


*

117. Mais tarde, procedeu-se a busca no referido veículo Nissan, que se encontrava ainda parqueado naquela garagem do mencionado Hotel, sob controlo no exterior, dos Inspectores da PJ desde a noite do dia anterior, tendo-se detectado no seu interior, as mencionadas seis malas que, no dia 14, o Arguido B tinha recebido do Arguido A, completamente cheias de produto estupefaciente, com um total de 150 embalagens de cocaína.
118. Tal estupefaciente foi, assim, apreendido ao Arguido B.
119. As 150 embalagens continham cocaína com o peso bruto de 167.916,515 gramas, sendo que foi constituída amostra cofre com 1.015,730 gramas (peso líquido) e remanescente com 166.900 gramas (peso bruto).
120. Dentro da mala/saco de cor preta que continha embalagens com cocaína foi encontrado um ticket referente ao pagamento de comida adquirida no “Somers Supermart”, de St. Georges, nas Bermudas, com data de 19 de Julho de 2014.
121. Dentro da viatura foi ainda encontrado e apreendido ao Arguido B, um recibo da empresa Yorcarhire, auto Rent VI, com o nº 71670, emitido em nome do Arguido, relativo ao aluguer da viatura Nissan com a matrícula 00-OO-00, com data de entrega em 11.07.2014 e devolução em 18.07.2014; e um termo de responsabilidade referente ao contrato de aluguer da referida viatura e munida do dispositivo Via Verde.

Estes os factos relativos à busca realizada e que dizem respeito à viatura detida pelo arguido B.

A fls. I-75 encontra-se o “mandado de busca e apreensão” - assinado pelo Inspector-Chefe da PJ F – «do veículo automóvel da marca Nissan, matricula 00-OO-00, o qual se encontra na garagem da unidade hoteleira ». A fls. I-83-84 a concretização de tal mandado consta do «auto de busca e apreensão em viatura» de matrícula 04-LL-21.

O teor de tal auto dá conta de que foi efectuada uma busca a uma viatura perfeitamente identificada. Não há referência a uma busca à garagem ou apreensão aqui efectuada. Não há, portanto, uma busca à garagem, sim uma busca a uma viatura que se encontrava numa garagem. Coisas distintas mas que suscitam o mesmíssimo problema jurídico.

Trata-se, então, de saber se a garagem do Hotel é uma extensão dos quartos de hotel. Estes, por seu lado, não suscitam dúvidas quanto à sua natureza de espaço reservado e equivalente a domicilio, não obstante transitório. De qualquer forma não está em causa a natureza “domiciliária” do quarto de hotel ocupado pelo arguido mas apenas o saber se essa garantia reconhecida ao quarto de hotel abrange a garagem.

Parece poder afirmar-se que o conceito de domicílio se não restringe ao conceito civilístico correspondente ao local de habitação, enquanto “Domicílio voluntário geral” (1. A pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual; se residir alternadamente, em diversos lugares, tem-se por domiciliada em qualquer deles. 2. Na falta de residência habitual, considera-se domiciliada no lugar da sua residência ocasional ou, se esta não puder ser determinada, no lugar onde se encontrar”).

E nesse mesmo sentido fundamentou o acórdão do TC nº 452/89 quando afirmou que a inviolabilidade do domicílio é uma garantia que excede o conceito civilístico de domicílio, apresentando «uma dimensão mais ampla, isto é, e mais especificamente, tem por objecto a habitação humana, aquele espaço fechado e vedado a estranhos, onde recatadamente e livremente, se desenvolve toda uma série de condutas e procedimentos característicos da vida privada e familiar […]»

Trata-se, portanto, de uma noção material de domicílio a ser apreciada casuisticamente.

Atendo-nos ao caso concreto o que está em causa é um espaço designado como garagem e cujas características contratuais se definem como “serviço privativo de garagem” e fisicas como “espaço amplo e aberto” no interior do hotel permitindo o aparcamento de várias viaturas.

Ou seja, trata-se de espaço de aparcamento em garagem de uso geral dos hóspedes do hotel que contratem o serviço. Não estamos perante um espaço vedado para guarda de uma só viatura e outros pertences, sim de um só espaço amplo de uso por uma multiplicidade indeterminada de hóspedes para guarda de viaturas indeterminadas em momentos indeterminados.

Se é certo que a jurisprudência aceita que uma garagem vedada e contígua à habitação merece, por imposição de lei ordinária (a “casa habitada ou numa sua dependência fechada” do artigo 177º, nº 1 do C.P.P.), a mesma protecção dada ao domicílio, já o mesmo não ocorre quando entre a casa de habitação e a garagem deixa de haver a contiguidade inerente ao conceito de “dependência”, ou anexo e lhe é inerente a ausência de privacidade por se tratar de espaço não vedado e acessível a outrém.

E de espaços não vedados em garagens recordamo-nos de dois casos, as garagens (espaços de aparcamento, não fechados) de condomínios e de espaços hoteleiros.

A este propósito é bastante claro o acórdão do STJ de 20-09-2006 (proc. 06P2321, sendo relator o Cons. Armindo Monteiro):

«IX - Uma garagem fechada - e não um espaço aberto, inserto num espaço mais amplo de garagens de um condomínio - como é a natureza daquela onde foi efectuada a busca nos autos, é um espaço fechado dependente da casa, local ocupante de uma relação de complementaridade com aquela - foi arrendada conjuntamente com o apartamento pelo arguido - concorrendo ambas para a realização dos fins próprios do domicílio, sem ser, no entanto, isoladamente, considerada domicílio.
X - Conjugadamente casa e garagem, enquanto espaço fechado dela dependente, merecem a tutela cominada na lei processual penal, penal e constitucional, para a busca domiciliária, não já, no caso de garagem, por se tratar de domicílio stricto sensu - em cuja intromissão indevida se não configura crime de violação de domicílio, nos termos dos arts. 190.º e 378.º do CP -, mas por imperativo legal.
XI - Uma coisa é a garagem, enquanto espaço dependente da casa, merecer da mesma tutela para a casa - acessorium principale sequitur -, outra coisa é aquela ser ou não domicílio, que não é.
XII - Diversamente, quando a garagem se apresenta como um espaço físico não dependente da casa a busca é não domiciliária, sujeita às regras dos arts. 251.º e 252.º do CPP, embora dependente da validação ulterior do juiz, ou, como também se entende, apenas do MP, por, opina-se, não se incluir na competência do juiz em inquérito - arts. 268.º e 269.º do CPP.»

Ou seja, garagem – mesmo fechada e anexa - não é domicílio mas a fechada e contígua ao domicílio propriamente dito goza do privilégio que àquele é reconhecido apenas devido à extensão de lei ordinária, cumpridos os requisitos físicos de delimitação física (fechada) e contiguidade.

No caso, tratando-se de garagem fechada integrada em espaço de condomínio o STJ aceitou – aceitaria, já que o problema deixou de existir face ao válido consentimento do visado à data da realização da busca – a necessidade de emissão de mandado de busca domiciliária, considerando a garagem “dependência fechada”.

Com os mesmos critérios no essencial (e o mesmo obstáculo, o consentimento) já o Tribunal Constitucional se pronunciou no mesmo sentido, agora num espaço vedado – um condomínio – mas sem garagens vedadas.[3]

E concluiu:

«4 - A especificidade do caso radica no facto de esse espaço ser fisicamente descontínuo em relação à zona de habitação e de a ele terem acesso não só o próprio arguido, ora recorrente, como os demais condóminos ou eventuais arrendatários, comodatários, etc..
Na tese do recorrente o espaço da garagem é equiparado a dependência fechada de casa habitada, sujeito, como tal, à inviolabilidade a esta inerente. Na sua perspectiva, o legislador processual penal terá querido assegurar às dependências fechadas a mesma protecção dispensada à habitação, no regime das buscas, e uma garagem fechada, mesmo que colectiva, configura uma dependência desse tipo, assim devendo ser considerada para os efeitos do nº 1 do artigo 177º.
Pode, no entanto, questionar-se que assim seja: face à natureza do espaço onde a busca teve lugar, não propriamente habitacional, naturalmente não são tão instantes os valores inerentes à teleologia da protecção da vida privada. Se o espaço domiciliário constitucionalmente protegido se caracteriza pelo resguardo da liberdade e da segurança pessoais, dir-se-á que essa protecção não teria razão de ser se se tratasse de uma área que outros usufruem igualmente - pelo menos em relação a uma certa fracção ideal - dada a inexistência de uma indisponibilidade exclusiva (ou, pelo menos, não teria razão de ser nos termos constitucionalmente garantidos para as dependências fechadas das casas de habitação)

E cremos ser isto que caracteriza o caso dos autos: um “serviço privativo de garagem”, em espaço não vedado, num hotel para aparcamento de viatura. E isto nunca constituirá uma “dependência fechada” de uma casa de habitação.

Esta realidade não beneficia da garantia de inviolabilidade da vida privada que se reconhece a um quarto de hotel, nem é seu espaço contíguo.

Afirmar o contrário é afirmar que é domicílio de hóspede de hotel ou equiparado o espaço de aparcamento da sua viatura num parque público vizinho contratado parcialmente pelo estabelecimento hoteleiro, como ocorre em vários estabelecimentos hoteleiros em Portugal. E se o parque é camarário, é afirmar que parte do parque camarário é domicílio dos hóspedes do hotel. Ou seja, o dito parque público bem como os “espaços” de aparcamento passarão a ser quota-parte indeterminada do domicílio de pessoas a determinar por futuro contrato de alojamento, hospedagem, albergaria ou pousada ou outro.

O argumento, pelo absurdo a que conduz, é elucidativo.

Se a extensão do conceito de domicílio a um quarto de hotel é uma extensão aceitável e compreensível – e com garantia constitucional - a posterior extensão do conceito de “dependencia fechada” a um espaço de garagem de um hotel, por referência a um quarto contratado já é uma dupla extensão injustificada e abusiva e nunca gozaria de garantia constitucional pois que nem a garagem do domicílio disso desfrui. Recordemos que a garagem fechada e contígua apenas disfruta de protecção da lei ordenária, o artigo 177º, n. 1 do C.P.P..

A única justificação da pretensão limita-se a ser a tentativa de “extensão” do espaço vedado à investigação policial, nada mais.

Do que se trata, pois, é de uma simples busca num veículo aparcado num local que nem é domicílio nem dependência imediata deste.

De tudo se pode concluir que no caso concreto não estamos perante uma busca domiciliária que siga o regime do artigo 177º, nº 1 do Código de Processo Penal. Assim, tratando-se de busca e apreensão não-domiciliárias, a regra é a ordem ou autorização depender de despacho da autoridade judiciária competente (artigo 174º, nº 3 do C.P.P.).

No caso, no entanto, é aplicável o disposto no artigo 174º, nº 5, al. a) do diploma, que se mostra validamente ordenada por OPC, nos termos dos artigos 11º, nº 1. al. i) e 12º, nº 1. al. b) da Lei nº 37/2008, de 06-08.

Resta acrescentar que a presença da polícia na “garagem” do hotel foi consentida pelos respectivos responsáveis do Hotel, consentimento que é válido para esse local amplo e de acesso meramente condicionado a uma multiplicidade de hóspedes do hotel, naturalmente não se estendendo à busca à viatura.

É por tudo, improcedente a arguição de nulidade da busca à viatura que se encontrava na garagem do hotel.


*

B.3.3 – Da nulidade da busca ao veleiro após as 21 horas.

Argumentam os arguidos C e D com a nulidade da busca efectuada ao veleiro, porquanto o mandado judicial para a realizar permitia que a mesma ocorresse entre as 7h e as 21h, tendo a mesma sido realizada às 23h15m, violando-se o disposto nos artigos 1260 e 177º, ambos do Código de Processo Penal.

Argúem os arguidos e o parecer junto, igualmente, com a circunstância de o despacho judicial não autorizar a busca entre as 21 e as 7 horas, aliás, de ter sido expresso na proibição de realização da busca no horário nocturno.

Aqui labora-se em erro de facto.

Aquilo que, no que à busca ao veleiro diz respeito, o Ministério Público promoveu foi (fls. 15-16):

«(…) 3. Dos mandados de busca:
Conforme já atrás indicia-se que elevada quantidade de produto estupefaciente estará guardada na habitação (quarto de hotel) utilizada pelo suspeito e no veleiro GLORIA, registo 728014, e porto de registo de Gibraltar.
Assim, torna-se imprescindível proceder a buscas naqueles locais, para se poder então proceder à apreensão de produtos estupefacientes e de documentos/objectos relacionados com a actividade ilícita em investigação.
Tal embarcação dispõe de espaços reservados à vida privada dos seus ocupantes/tripulantes.
Assim, promove-se ao Mmº Juiz de Instrução Criminal, ao abrigo do disposto nos art.º 174º, nº 1 a 4, 176º, 177º, 178º, nº 1, e 269º, nº 1, al. c), todos do Código de Processo Penal, que autorize busca aos seguintes locais:
- habitação alugada pelo suspeito B, com o nº (l05 do Club, incluindo os lugares de garagem alugados no Hotel pelo suspeito e os veículos automóveis que ali se encontrem associados ao mesmo;
- todas as divisões da embarcação de recreio denominada "GLORIA ", e porto de registo de Gibraltar, atracada na marina, e que dispõe de espaços reservados à vida privada dos seus ocupantes/tripulantes, cujo skipper é C, bem como para os veículos automóveis que se encontrem na posse deste e estacionados na mesma marina.
Face à gravidade da matéria em causa e ao "modus operandi" indiciado, mais se promove autorize que as buscas possam ser realizadas no período compreendido entre as 21H00 e as 07H00 (cfr. art.º 177º, nº 2, al. a) do CPP).
(…)».

O teor do despacho judicial é (fls. 22):

«Da investigação em curso verifica-se, em resumo, uma conjugação de interesses que envolve vários indivíduos, pelo que, face a tão variada gama de envolvidos, importa perceber quais as relações e compromissos entre os mesmos, de forma a poder aceder à descoberta da verdade material.
Como bem aduz o titular da acção penal, importa proceder a buscas, onde, poderão vir a ser encontrados, para além do produto estupefaciente, documentos, em suporte de papel ou informático e outros objectos ou valores conexos com a actividade ilícita sob investigação.
Assim, por se mostrar essencial para recolha da prova dos factos e descoberta da verdade, sendo proporcionais aos crimes sob investigação nos presentes autos, autorizo nos termos dos artigos 174°, n. 2 e 3, 176°, 177°, 178°, n. 1 e 269°, n. 1, al. c), todos do CPP, a realização das seguintes buscas:
- Habitação alugada por B, com o n. 5 do Club .
- Embarcação de recreio denominada "Gloria ", porto de registo de Gibraltar, atracada na Marina, a qual dispõe de espaços reservados à vida privada dos seus ocupantes/tripulantes, cujo skipper é o cidadão C.
As buscas a efectuar serão realizadas por elementos da Polícia Judiciária, sem prejuízo da presença do Ministério Público e do JIC nos casos julgados necessários».

Só no mandado judicial (fls. 47) vem a aparecer a expressão “A presente diligência só pode ser efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade – artigo 177º, nº 1 do C.P.P.”.

Isto é, a essência da decisão judicial foi deferir a promoção do Ministério Público de requerer a busca nos moldes promovidos – incluindo o período nocturno – em lado algum dela constando qualquer limitação horária ou restrição ao conteúdo do nº 1 do artigo 177º do C.P.P..

A decisão judicial que é expressa na indicação dos números aplicáveis de vários artigos – 174º, n. 2 e 3, 178º, n. 1 e 269º, n. 1, al. c) – é clara na remissão para a totalidade do artigo 177º, incluindo, portanto, o nº 2 do preceito. Nada nele restringe o horário da busca.

Assim, há uma evidente desconformidade – contradição flagrante – entre a decisão judicial e o teor dos mandados de busca. Aquela permitindo – deferindo – uma busca sem limitação horária, estes limitando a busca ao período diurno.

Naturalmente que não interessa saber, porquanto não é possível, a razão de tal desconformidade (não espantaria que fosse o costume, o documento-tipo constante de um programa informático feito sem controlo judicial e que é useiro e vezeiro em coisas que tais, o que não invalida que esteja judicialmente subscrito), mas demonstrando que, neste como em outros casos, a modernidade informática não controlada pode ser fidagal inimiga do processo.

Dela haverá que extrair as devidas consequências.

A primeira consequência é a existência de uma violação de um mandado judicial com um determinado teor restritivo a que as forças policiais não atenderam. Outra é a constatação de que a busca foi efectuada de acordo com o teor do despacho judicial.

Assim a nulidade existente diz respeito ao teor do mandado e concretiza-se num mero violar de uma regra de cumprimento do mandado, invocável no acto e sanável se não arguida nesses termos. Trata-se de um mero lapso do tribunal de instrução que emitiu e assinou uns mandados em contradição com o que o próprio ordenou.

Mas não se pode afirmar que ocorre nulidade, insanável, de produção de prova, valoração de prova proibida e efeito à distância dela resultante pois que a coberto de um válido despacho judicial que a permite. Improcedente, pois, o invocado.


*

B.3.4 – Da proibição de valoração de conversas informais com o arguido C.

Está em causa, no dizer dos arguidos A e C, a valoração da “conversa” do arguido C com o OPC antes da sua constituição como arguido, concretamente quando lhes indicou onde se encontrava a droga, pois tal valoração contraria o preceituado nos artigos 127°, 129° e 366°, todos do Código de Processo Penal.

A este respeito transcrevem-se as conclusões 27ª a 29ª do recurso do arguido A:

«27 - A prova assentou quanto ao facto 29, ultima parte, numa alegada conversa informal durante a busca ao veleiro entre o capitão C, enquanto detido e G,cfr. acórdão fls. 39. G, 2015.07.08, 10:05:02, minuto 18:57.
“MP – Como é que tiveram conhecimento do qual poderia ter sido o local onde o referido estupefaciente foi transportado?
G – Porque o Sr. C nos indicou.
MP – Indicou ao Sr. Inspector?
28 - Ora este facto não se pode dar como provado, com fundamento nesta prova, atendendo a que o arguido C a ter tido essa conversa a teve antes de ser constituído arguido, porque o mesmo nunca prestou declarações como arguido.
29 - Não tendo ainda sido constituído arguido o Sr. C não poderia ter sido valorado o que poderá ter dito a que titulo fosse Ao que acresce que este nem sequer sabe falar português e não havia qualquer intérprete!»

A fundamentação do tribunal recorrido discorre:

«Por seu turno, M, H e G procederam à busca ao veleiro GLORIA e confirmam os objectos aí encontrados e bem assim a reacção dos Arguidos, donde se destaca a do Arguido C que indicou o esconderijo onde foi guardada a droga durante o seu transporte para Portugal e entregou o dinheiro que tinha na sua posse.
Para além de não ter sido dada qualquer outra explicação para a existência de tal esconderijo (abertura artesanalmente feita na estrutura do veleiro – cfr. fotografia de fls. 227), foi o próprio Arguido C que indicou esse local como sendo o local onde havia sido escondida a cocaína durante o seu transporte nessa embarcação. E a existência de água nesse local também não afasta a convicção de ter sido aí guardado o produto estupefaciente: conforme se vê nas fotografias e é atestado pelas referidas testemunhas da Polícia Judiciária, as embalagens de cocaína vinham bem acondicionadas, envoltas em várias camadas de protecção, de molde a não se deteriorar, nomeadamente, por acção da água.»

Em lado algum se afirma ter havido qualquer conversa que possa ser considerada uma fraude à lei por substituição de declarações de arguido por “conversa informal”, forma ínvia de atribuir ao arguido “declarações” de teor desfavorável.

Do que aqui se trata é de cumprimento de funções policiais muito bem definidas nos artigos 249º e 250º do C.P.P. ou seja, a prática dos “actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “proceder a exames dos vestígios do crime … assegurando a manutennção do estado das coisas e dos lugares” e “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art. 249.º, n. 1, als. a) e b) do C.P.P.).

Sem olvidar que o nº 8 do artigo 250º do código é claro - precisamente porque esta é questão de melindre e de fronteira na caracterização da actuação policial em confronto com os direitos de arguido – na afirmação de que “os órgãos de polícia criminal podem pedir ao suspeito, bem como a quaisquer pessoas susceptíveis de fornecerem informações úteis, e deles receber, sem prejuízo, quanto ao suspeito, do disposto no artigo 59.º, informações relativas a um crime e, nomeadamente, à descoberta e à conservação de meios de prova que poderiam perder-se antes da intervenção da autoridade judiciária”.

Não só porque se não evidencia que tenha existido qualquer conversa informal entre arguido e agente da PJ, também porque a actuação deste se encontra legalmente justificada e se não demonstra má-fé na conduta policial.

Vai neste sentido a jurisprudência do STJ, designadamente no seu acórdão de 15-02-2007 (proc. 06P4593, sendo relator o Cons. Maia Costa), nos seguintes termos:

I - Relativamente ao alcance da proibição do testemunho de “ouvir dizer”, pode considerar-se adquirido, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe.
II - Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatada pelas testemunhas.
III - Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.
IV - De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art. 249.º do CPP).
V - Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.
VI - Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito.
VII - O que o art. 129.º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249.º do CPP.


No mesmíssimo sentido relatámos nesta Relação de Évora no acórdão de 07-04-2015 (proc. 1161/11.9PBFAR):

4 - Mas não há conversas informais quando as forças policiais se limitam a cumprir os preceitos legais, quer pela necessidade de “documentar” a prática do ilícito e suas sequelas, designadamente providenciar os actos cautelares que se imponham (v. g. artigos 243º, 248 a 250º do C.P.P.), quer quando actuam por imposição legal ao detectarem a prática de um ilícito e o arguido decide – por sua iniciativa e sem actuação criticável das forças policiais – fazer afirmações não sugeridas, provocadas ou imaginadas por aqueles OPC.
5 - Para estes casos vale o disposto nos artigos 58º e 59º do Código de Processo Penal, aquele sob a epígrafe “Constituição de arguido”, norma que é o cerne da questão (e não a questão do “depoimento indirecto” ou das “conversas informais”). E, como mera decorrência do nº 5 do artigo 58º do Código de Processo Penal, a omissão ou violação das formalidades ali previstas implica que qualquer declaração daquele que já deveria ter sido constituído como arguido não pode ser utilizada como prova.

E, no caso, não se demonstra que tenha havido conduta criticável da força policial.

Improcedente, pois, a razão de inconformidade.


*

B.3.5 – Da privacidade.

B.3.5.a) – Da delimitação da questão.

A questão colocada concentra-se no saber se a obtenção de prova por vigilância pessoal – via acção dos inspectores da P.J. – fotografia e videovigilância [a designada, no acrónimo anglo-saxónico, CCTV (Close-Circuit TeleVision)] em local público é admissível em julgamento como prova validamente obtida, passível de ser produzida em audiência e livremente valorada ou, ao invés, se estamos perante um meio proibido de prova por violação da privacidade, esta entendida em sentido a definir.

Esta matéria inclui também a suposta violação da privacidade dos arguidos por acção policial de recolha de informação (principalmente os arguidos A e B), tal como por eles alegado e como defendido no parecer junto aos autos e objecto do recurso quanto à invocada nulidade de inquérito.

Para tanto é mister saber se é admissível a prova, se o será nos mesmos termos quaisquer que sejam as circunstâncias em que foram obtidas, se obtidos em público, se obtidos na vida privada, se obtidos na intimidade. Se obtidas com violação da autodeterminação informacional ou informativa.

No caso e no que à imagem diz respeito não se trata de junção de meios de prova procurados, produzidos e juntos por forças policiais, trata-se, tão só, de recolha de material probatório (imagens) produzido e obtido por particulares e que é aproveitado pelas polícias para recolha de informação, perseguição de actos ilicitos criminais e posterior instrução dos autos para produção de prova em audiência de julgamento.

Está em causa a “privacidade” ou “privacy” que o tribunal constitucional também define como a “última e inviolável área nuclear da liberdade pessoal” (Ac. TC 459/93). Afirmação que, por si, é controversa pois que a liberdade é, por essência, pública e a área nuclear inviolável será o eu íntimo e não o eu social.

O “rigth to be let alone”, expressão que é habitualmente atribuída ao Justice Louis Brendeis do US Supreme Court no seu voto de vencido no acórdão Olmstead v. US, [277 US 438 (1928)], foi delimitado como “the most comprensive of rigths, and the rigth most valuable by civilized man”, mas que ele próprio atribui ao Juiz Cooley, no livro “Cooley on Torts” no seu artigo “The rigth to privacy”. [4]

Neste artigo Warren e Brandeis não definiram a “privacy”. Mas começaram por dar (em 1890!) importante contributo a ela se referindo como “…the right to life has come to mean the right to enjoy life – the right to be let alone…”, expressão esta que passou a constituir uma bandeira na defesa do direito.

Desde logo na terminologia se inicia a indefinição e a abrangência: “privacy”, privacidade, privaticidade e privatividade (neologismos afastados), vida privada, esfera íntima, reserva sobre a intimidade da vida privada, intimidade, intimsphäre, diritto alla riservateza, le secret de la privé, direito sobre “o seu próprio nariz” (Schiller, Mota Pinto), right to be let alone. [5]

Nem no mundo globalizado do direito iremos encontrar consenso, bem pelo contrário, iremos encontrar maior indefinição. Indefinição que se aviva quando áreas tradicionalmente tidas como privadas – a familia, a conjugalidade, os filhos, a “intimidade” – são tema de teorização para alteração de padrões comportamentais por acção, também, de serviços públicos, introduzindo-os na esfera pública e objecto de outros mais gravosos atentados ao ser humano na sua relação consigo.

A situação agrava-se com teorizadores – tributários de convicções várias – que se empenham em desvirtuar o conceito de público, forma e razões do seu surgimento, com propósitos utilitaristas politicos ou, ao invés, leaks que começam a ser sistemáticos, resultantes das características próprias dos sistemas informáticos que buscam a “confusão” de esferas, tudo parecendo dar razão àqueles que alertam para a erosão da esfera privada e provocando o movimento contrário – o radicalismo irracional de defesa do privado – que coloca em crise a própria noção de sociedade aberta e é aproveitado judicialmente como “esfera de protecção” dos agentes do ilícito.

É que, é necessário não olvidar, o privado e o público são essenciais ao humano e não há gradação ética e social entre elas, apesar de haver muitas relações e conexões. Recordemos Hanna Arendt quando, expressando ideias contrárias ao senso comum e estranhas a teóricos europeus continentais relativistas afirma que “… a sociedade de massas não destrói apenas a esfera pública e a esfera privada: priva ainda os homens não só do seu lugar no mundo, mas também do seu lar privado…”. [6]

Mas capital é notar que os recorrentes vêm invocar dois direitos relativos à vida privada. Um a protecção da vida privada, outro a “autodeterminação informativa” sobre a vida privada, este último a funcionar como uma “reserva de intimidade”.

E, como afirmou o Prof. Mota Pinto “o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada não deve ser confundido, nem com o direito à protecção da vida privada, incluindo tanto a liberdade como o segredo da vida privada, nem com o direito à privacy reconhecido no direito norte-americano com uma amplitude que o aproxima do direito geral de personalidade”. [7]

E prossegue aquele, então, juiz do Tribunal Constitucional depois desta essencial distinção (ob. e loc. cit.):

Aquele direito tem, antes, por objecto o controlo de informação sobre a vida privada. O interesse que visa proteger é o interesse em controlar a tomada de conhecimento, a divulgação ou simplesmente a circulação de informação sobre a vida privada – isto é, genericamente, sobre os factos, comunicações ou posições sobre ou próximos do indivíduo ou confidenciais ou reservados –, bem como o interesse na subtracção à atenção dos outros (anonimato lato sensu), ou interesse na solidão (na exclusão do acesso físico dos outros à pessoa). A estes interesses opõem-se o interesse ao conhecimento e à divulgação da informação, e o interesse no acesso ou controle das acções da pessoa.

Excluímos, pois, do âmbito do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada interesses que têm antes a ver com a liberdade de condução da vida privada, que são protegidos pelo direito à liberdade (artigos 26º, n.º 1 e 27º da Constituição e 70º, n.º 1, do Código Civil), assim se evitando a “miséria da privacy” que resultou do seu alargamento desmesurado, no contexto anglo-saxónico.

Incidindo sobre informação relativa à vida privada, o direito previsto no artigo 80º, n.º 1, é um direito ao controlo dessa informação – da sua captação e da sua divulgação. O objecto do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada define-se, pois, pela confluência do controlo (autodeterminação) sobre informação com a esfera da vida privada. Nesta perspectiva do direito à reserva é de aceitar a extensão da noção de “direito à autodeterminação informativa” para além do domínio do tratamento de dados pessoais – como aspecto do “direito geral de personalidade” –, e abrangendo a protecção perante a intrusão no domínio pessoal e a tutela perante a divulgação de afirmações pessoais e factos verdadeiros. [8]

E conclui o referido professor “o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada é reconhecido pela Constituição da República, no artigo 26º, n.º 1, e pelo Código Civil, no artigo 80º, respectivamente como direito fundamental e como direito de personalidade. Enquanto tal, este direito é intransmissível e irrenunciável”.

Assim impõe-se saber o que se viu (e obteve) e onde, primeiro passo para a actual decisão nas duas vertentes referidas, privacidade e reserva de intimidade.


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B.3.5.b) – Da jurisprudência nacional.

Como pragmáticos a abordagem inicial é atermo-nos, no essencial, à jurisprudência e doutrina nacionais, sem descuidar a visão do exterior.

A CRP fala de “reserva de intimidade da vida privada e familiar” no artigo 26º, nº 1 e de intromissão na “vida privada” noutros preceitos (32º, nº 8). Na legislação ordinária que ora releva, o artigo 126º, nº 3 do Código de Processo Penal, volta a fazer referência a “vida privada”, nada nos permitindo uma sua leitura restritiva, bem ao invés.

A privacidade pode considerar-se então um direito geral de personalidade aberto (sem numerus clausus) e o nosso ordenamento jurídico já autonomizou direitos anteriormente incluídos na privacidade, designadamente o direito à imagem e o direito à palavra. Se dele fizeram parte, é hoje um dado adquirido que são direitos autónomos. E todos estão constitucionalmente consagrados: o artigo 26º nº 1 da CRP é bem claro na sua autonomização.

Assim, de um lado da balança teremos o direito à imagem, à palavra e à reserva da intimidade da vida privada e familiar, à privacidade. Também o direito à inviolabilidade do domicílio, da correspondência e das telecomunicações (artigo 34º CRP) e o direito a uma correcta utilização da informática (artigo 35º CRP) são direitos conexionados com a privacidade. Ou seja, a “privacidade” entendida no seu sentido amplo é necessariamente uma realidade multifacetada e “multi-direitos”. No caso concreto todos num prato da balança e todos de alguma forma relacionados com o que se deva entender por vida privada, nesta se integrando a sua “intimidade” e o direito a determinar a sua própria informação.

O que se pode ir buscar à “Sphärentheorie”, teoria das esferas ou teoria dos três graus (“Dreistufentheorie”), a germanização da teorização do US Supreme Court, será a localização em abstracto dos “espaços” da vivência social do ser humano como resultado do desenvolvimento histórico e cultural de determinada sociedade em determinado tempo.

Os conceitos de “público” (este num sentido mais arendtiano como soma do “político” e do “social”) e “privado” variam em razão do tempo e da geografia, a intimidade suscita outras, acrescidas, perplexidades históricas e antropológicas. Já antes e em sede filosófica a “privacidade” era tema inescapável e, há quem o diga, desde o privado Jean-Jacques, o público Rousseau.

E esta “realidade” de difícil apreensão terá, então, que se referir a um tempo e lugar, hoje, em Portugal, Europa, para se descortinar o que seja da intimidade, da privacidade, do “público”.

Este é um dos pontos em que se surpreende a ideia de país periférico: os juristas americanos anteciparam a percepção ainda no século XIX, os juristas alemães germanizam (sistematizam a influência além-mar) no pós guerra e os portugueses esperam pela tradução. O US Supreme Court começa a laborar na questão em acórdão de 1928 (Olmstead, já supra referido), a teoria das três esferas está temporalmente localizada em decisão de 1973, o Tribunal Constitucional português tem os primeiros acórdãos relevantes sobre o tema nos anos 90, isto já no século passado (por exemplo os acórdãos nº. 128/92, 459/93, 319/95 e 355/97).

Recordemos, como o realça o douto parecer junto, que esta teoria, com origem na jurisprudência alemã, abarca três esferas: a da intimidade, a da vida privada e a esfera comum (pública).

De acordo com esta teoria este direito de personalidade compreende uma esfera de intimidade, a qual abrange informações de tal forma reservadas que, em regra, nunca serão acessíveis a outros indivíduos. Dentro desta esfera teremos assuntos relativos à vida sentimental, estado de saúde ou de gravidez, vida sexual, convicções políticas e religiosas, etc.

Num plano menos resguardado, mas igualmente reservado, temos a esfera privada, que varia de pessoa para pessoa e que inclui os hábitos de vida e as informações que o indivíduo partilha com a sua família e amigos e cujo conhecimento o respectivo titular tem interesse em guardar para si.

Finalmente, a esfera comum (que muitos designam por pública ou de interacção social), que inclui os comportamentos e atitudes acessíveis ao público e passíveis de serem conhecidos por todos.

Admitimos que esta teoria não é uma resposta “matemática” ao nosso problema, mas serve como grelha metodológica de aproximação muito razoável e, pensamos, imprescindível. Dizia e com razão o Prof. Costa Andrade na reunião com o Sindicato dos Jornalistas tida na altura da revisão do Código Penal de 1995, “não é muito correcta, mas é a mais segura” e “está consagrada no nº 3 do artigo 180º do Código Penal”. [9] [10]

Por isso que se não possa concordar com a ideia expressa no acórdão do STJ de 28-09-2011 de que não se deve distinguir entre "intimidade" e "vida privada", com apelo à denominada “teoria das esferas” porquanto é difícil determinar o que é que deve ser incluído em cada uma das classificações. É que a proposta ali apresentada parece-nos ainda mais indefinida quando se afirma que “o âmbito normativo do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada e familiar deverá delimitar-se com base num conceito de vida privada que tenha em conta a referência civilizacional sob três aspectos: o respeito dos comportamentos; o respeito do anonimato; e o respeito da vida em relação”.

Apesar disto é evidente que a germanização, concretizada naquela teoria, é indispensável, precisamente pela esquematização abstracta que traz, a funcionar como um “esqueleto” teórico onde irá assentar a casuística, como segue.

O Prof. Mota Pinto acaba por dar ao termo “intimidade” o seguinte significado, meramente por exclusão: [11]

A “intimidade” ou esfera íntima não pode ser relacionada com esfera de segredo; Um sentido útil da “intimidade” é o de excluir aspectos como a vida profissional (segredo de negócios); Com o termo “reserva” pretende-se evitar a intromissão na vida privada e a divulgação de factos referentes à vida privada.

Assim o Prof. Paulo Mota Pinto inclui os seguintes aspectos – utilizando o método por grupos de casos - na “intimidade da vida privada”:

Nome, sinais de identidade, dados pessoais como filiação, residência ou número de telefone; estado de saúde, vida conjugal, vida amorosa e afectiva; Projectos de casamento e divórcio, aventuras amorosas, afectos e ódios;

Sendo o local um indício importante da privacidade, não é o único critério.

Não exclui factos ocorridos em público ou em locais abertos ao público; Outros locais privados serão: automóvel, cabina telefónica, ou um café; A vida do lar e os factos que aí decorrem, como a intimidade maternal, são vida privada, excepto prova em contrário; O passado de uma pessoa, se não for da esfera pública ou caiu no esquecimento; Os objectos e recordações pessoais; Património: situação financeira, ganho de lotarias, heranças; Passatempos, locais e dias de férias; encontros com amigos, deslocações, saída e entrada em casa; Atributos pessoais: deformações físicas, hábitos sexuais, qualidades ou dotes artísticos.

Fazendo apelo à jurisprudência do Tribunal Constitucional temos, em resumo, o seguinte alcance (acórdãos nºs. 128/92, 278/95, 319/95, 263/97 e 355/97):

Na esfera de intimidade engloba-se a vida pessoal, a vida familiar, a relação com outras esferas de pri­vacidade (v.g. a amizade), o lugar próprio da vida pessoal e familiar (o lar ou domicílio) e, bem assim, os meios de expres­são e de comunicação privados (a correspondência, o telefone, as conversas orais, etc.).

A situação económica do cidadão, espelhada na sua conta bancária, incluindo as opera­ções activas e passivas nela registadas.

Os dados de saúde integram a categoria de dados relativos à vida privada, tais como as informações referentes à origem étnica, à vida familiar, à vida sexual, condenações em processo criminal, situação patrimonial e finan­ceira.

Importa reter outros dados já regulados. Assim, por exemplo:

O teor da previsão do artigo 35º, nº 3 da CRP: as convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa e origem étnica.

E os Dados Sensíveis da Lei 67/98, de 26/10 – artigo 7º, nº 2 - os «dados pessoais referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem racial ou étnica, bem como o tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos».

Assim como “Categorias especiais de dados”, da Convenção para a Protecção das Pessoas relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Carácter Pessoal o seu artigo 6.º, sob a epígrafe refere os “dados de carácter pessoal que revelem a origem racial, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou outras, bem como os dados de carácter pessoal relativos à saúde ou à vida sexual. O mesmo será aplicável para os dados de carácter pessoal relativos a condenações penais”.

Como se vê, uma profusão de realidades, conceitos e de terminologia (que se não esgotam nesta exposição) que não ajudam a uma compreensão clara do que é a zona de “intimidade” e a zona da “vida privada”. Que tornam difícil a separação conceptual entre intimidade da vida privada/vida privada, entre a 1ª e a 2ª esferas de privacidade.

Mas há uma realidade inultrapassável: essa dificuldade é inerente ao tema. Por isso que o Prof. Costa Andrade fale em “plasticidade” do tema e do relacionamento entre esferas.

De qualquer forma temos delimitado o conceito amplo da vida privada com os contributos acima referidos que já serve de razoável base de trabalho. Em resumo: há uma área de privacidade que engloba duas esferas: sem grande rigor de linguagem, uma geral, outra de intimidade. A esfera geral da vida privada (a 2ª esfera) é o que resta entre a intimidade e a esfera comum ou pública.

De resto, só o caso concreto será relevante e revelador. Ou seja, não podemos fugir ao concreto e a aproximação terá de operar-se por grupos ou tipos de realidades (acórdão do Tribunal Constitucional nº 263/97 e Prof. Costa Andrade, in “Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal”, pag. 94).

No entanto podem ocorrer casos em que a esfera de intimidade seja substancialmente reduzida, não só por ocorrerem em público, também em virtude das características de vida do beneficiário do direito (pessoas que expõem propositada, profissional ou comercialmente a sua imagem, ou titulares de cargos políticos que a expõem com risco das suas funções públicas – culto do sensacionalismo, contratos com revistas do coração, governante com amante espiã, etc.). À semelhança do decidido no acórdão Katz [Katz v. US, 389 US 347 (1967)], aquilo que uma pessoa, propositadamente, expõe publicamente, mesmo se da esfera privada, não é objecto de protecção da 4ª Emenda.

Em Portugal qual tem sido a jurisprudência sobre a matéria na orgânica infra constitucional? Se exceptuarmos dois acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, a posição do STJ e das Relações, tem sido maioritariamente, quase se diria pacificamente, no sentido de admitir e valorar os referidos meios de prova, preservando, sem excepções, a privacidade. E, quase sempre, em casos de prova produzida ou captada por particulares (neste conceito se incluindo empresas que não sejam de segurança privada) e, posteriormente, recolhida pelos OPC e junta aos autos. [12]

E, no caso concreto, onde foram efectuadas essas vigilâncias policiais e obtidas as fotos? Em local público: na marina do porto, na via pública, numa área de serviço rodoviária, no acesso a um hotel.

Sem grande fundamentação podemos dar como conclusão pacífica que não foram meios obtidos com violação da 1ª esfera, a da intimidade.

Haverá, então, como alegam os recorrentes e o parecer junto, violação da privacidade, entendida esta como aquilo que se interpõe na contraposição intimidade/público, seja pela recolha de imagens, seja pela colecta de conhecimentos obtidos no seguimento e vigilância dos recorrentes?

A resposta também nos parece evidente. Não há qualquer violação da área de protecção da segunda esfera. Nos casos equivalentes já tratados pela jurisprudência – STJ e Relações – tem-se entendido pacificamente que não há violação da privacidade, considerando que a prova é obtida na esfera pública e sem atentar contra a privacidade.


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B.3.5.c) – Da jurisprudência europeia.

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem sido claro na delimitação e clarificação de situações que se diferenciam: a identificação de pessoas por imagem; a constituição de bases de dados (tratadas, portanto) com base em imagens recolhidas. A primeira situação é de licitude indiscutível; a segunda de ilicitude inquestionável.

Temos assim, pelo menos, os arestos:

- Friedl v. Austria - (1995), §§ 49-52 – Fotografias tiradas em locais públicos (manifestação pública), guardada pela polícia e que não é objeto de tratamento de dados para identificação da pessoa não é uma interferência na vida privada § 58.

- P.G. e J.H v. UK – 2001 - § 56, 57 – Uma pessoa andando na rua será forçosamente vista por outra nas mesmas circunstâncias. O facto de se observar esta cena pública por meios técnicos (por exemplo, um agente de segurança com CCTV) reveste um carácter similar.

Ao invés, a criação de um registo sistemático ou permanente de tais elementos pertencentes ao domínio público pode dar lugar a considerações ligados à vida privada.

- Peck v. UK - (2003) §§ 57, 58, 59 – (Sistema de TV em circuito fechado em Brentwood, Reino Unido. Operador ligado à polícia, por meios áudio e vídeo) - O facto de se vigiarem os actos de um indivíduo num local público, utilizando um sistema visual sem registar dados não constitui uma ingerência na vida privada. [13]

Dois arestos do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem são relevantes por outro motivo, por aceitarem uma metodologia, proveniente do US Supreme Court, de abordagem destes casos relativos à privacidade que, com essa aceitação, passa a ser critério aceite pela jurisprudência convencional e, como tal, vinculativa para os tribunais portugueses.

Referimo-nos à aceitação da cláusula da razoável expectativa de privacidade.

No acórdão Halford v UK1997 – aceita-se essa cláusula da “razoável expectativa de privacidade”, centrando-a na análise dos conceitos de “vida privada” e “correspondência” e antes da análise dos conceitos de “interferência” e “de acordo com a lei”, constantes do nº 2 do artigo 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

No já citado aresto P.G. e J.H v. UK2001 – afirma-se que a cláusula da “razoável expectativa de privacidade” pode ser um significativo, mas não necessariamente conclusivo, factor de análise de uma dada situação.

Torna-se necessário dar então uma vista de olhos a essa jurisprudência do US Supreme Court.

Em Olmstead (1928) – com voto de vencido do Justice Louis Brandeis (também Holmes) – o tribunal considerou que a 4ª emenda se aplicava só a bens tangíveis, numa interpretação literal da emenda (só a locais, casas, escritórios, quartos de hotel, cartas seladas). Brandeis defendeu que se aplicava a qualquer manifestação de privacidade (interpretação actualista da Constituição americana enquanto corpo de leis “destinadas a aproximarem-se da imortalidade, tanto quanto o pode ser uma instituição humana”).

Já em Katz v. US - 389 US 347 (1967) - [arguido condenado por comunicar por telefone público em cabine envidraçada os resultados de apostas. Escuta colocada na cabina telefónica] se reverte a opinião da jurisprudência de Olmstead, afirmando que a 4ª emenda [14] defende pessoas e não locais e que a privacidade, mesmo em locais públicos, pode ser protegida pela Constituição. No entanto aquilo que uma pessoa expõe ao público, mesmo em locais como a casa ou escritório, não é defendido pela 4ª Emenda. Isto sugere que a vigilância em locais públicos não é protegida mas a matéria não foi aqui explicitamente resolvida na parte decisória.

Será, no entanto o voto (“concurring opinion”) do Justice Harlan o determinante. Ele cria a cláusula “Razoável expectativa de privacidade” (Reasonable expectation of privacy) com dois requisitos: 1ª – A pessoa deve ter uma actual (subjectiva) expectativa de privacidade numa dada situação; 2º - A sociedade deve estar preparada para reconhecer essa (objectiva) expectativa como razoável nas circunstâncias do caso. [15]

O primeiro factor é dúbio, [16] mas à medida que o primeiro factor perde peso, ganha relevância o segundo factor.

O Tribunal tem considerado que uma pessoa que viaja de carro em estradas públicas não tem uma razoável expectativa de privacidade. A entrada em local privado já assegura essa expectativa, mas não impede a observação visual pela polícia em campo aberto. Neste ponto vale lembrar que já se havia decidido que à polícia é permitido aumentar as suas capacidades sensoriais com o uso de avanços científicos e técnicos (US v. B, 274 US 559 – 1927). [17]

Em California v. Ciraolo [476 U.S. 207 (1986)], num caso em que uma plantação de marijuana em quintal vedado por vedação com 3 metros (10 feet) e perante uma denúncia anónima se fez confirmação por voo em avião alugado pela polícia de Santa Clara, Califórnia, a 1.000 feet (304,8 m), base para a obtenção de mandado que levou à apreensão e destruição da marijuana. O ali arguido invocou a ilegalidade por violação da "curtilage" da sua casa. [18] O tribunal concluiu que não estava preenchido o segundo pressuposto de Katz. A expectativa do requerente de que a sua privacidade era defensável era “unreasonable and is not an expectation that society is prepared to honor”.

Estes são casos que, para além do enquadramento factual da cláusula, revelam casos de fronteira e, como tal, de difícil resolução.

Resumo possível, os dois factores importantes para determinar se uma videovigilância é lícita, quer no âmbito constitucional, quer no âmbito da litigância privada, são: se o local é público ou privado; se há uma razoável expectativa de privacidade em duas vertentes, subjectiva e objectiva.

Aqui, no caso concreto, quais os espaços e quais são as razoáveis expectativas de privacidade dos recorrentes?

Movem-se os recorrentes em espaços públicos (marina do porto, rodovias, áreas de serviço em rodovias, acesso a hotel e este propriamente dito, que não é espaço privado, salvo os quartos), em circunstância alguma são vistos ou vigiados em local que se possa qualificar como privado, aquilo que deles é visto nessas vigilâncias nada tem de escape de informação privada ou íntima.

Alegar que pertencem à área de privacidade – e portanto excluída da acção policial lícita – os movimentos dos arguidos a partir do aeroporto, as compras no supermercado, diversões e tipos de bares que escolheram, movimentos de e para o quarto de hotel, o escaldão na praia, o tipo e cor do vestuário e calçado é uma compreensível necessidade retórica.

Claramente não pertencem à área da privacidade. São características pessoais necessariamente expostas ao público. Nem as informações assim recolhidas no espaço público e sem que haja a mínima expectativa de privacidade pode ser criticada. O conjunto de informações colhida pertence àquilo que é expectável se exponha em público.

Aceita-se que exista a possibilidade de privacidade no espaço público em sentido restrito, territorial, questão que o Supremo americano já resolveu há mais de 40 anos. Diremos nós que o cidadão, quando em público, carrega consigo a sua privacidade, mas aquilo que com ele ocorre em público dificilmente pode ser protegido pela sua privacidade, entendida esta na 2ª esfera, e não revela a sua “reserva de intimidade”.

O termo público denota dois fenómenos intimamente relacionados mas não completamente idênticos. Significa, em primeiro lugar, que tudo o que vem a público pode ser visto e ouvido por todos e tem a maior divulgação possível. Para nós, a aparência – aquilo que é visto e ouvido pelos outros e nós mesmos – constitui a realidade”. [19]

Ora, se em público se carrega apenas a aparência e se não expõem os dados que consituem a intimidade, nem o círculo de privacidade supra exposto é violado, o que em público é exposto não merece a tutela pretendida.

O cidadão carrega em público a sua privacidade: transporta consigo o “nome, sinais de identidade, dados pessoais como filiação, residência ou número de telefone; estado de saúde, vida conjugal, vida amorosa e afectiva”, etc. E quando o faz, quando em público, não está a expor esses dados íntimos ou privados. Pode fazê-lo, mas a exposição pública não o impõe.

Naturalmente que a privacidade não é excluída em locais públicos ou abertos ao público se procurada, por exemplo, no interior de um automóvel, numa cabina telefónica, num café ou restaurante, desde que o titular procure o resguardo para a sua privacidade, a possível em público.

Mas não pode “impor” a sua privacidade aos demais em circunstâncias usuais. Aquilo que os recorrentes aqui pretendem é precisamente isso. Impor, por razões tácticas, o entendimento que fazem da sua privacidade “conveniente” aos demais. É claro que aqui o conceito de “demais” é restrito ao Tribunal e às polícias.

Ora, o caso concreto nem de longe se aproxima de qualquer dos casos de fronteira – e, como tal, de difícil solução – que foram expostos supra. O caso sub iudicio é de uma manifesta simplicidade: não há violação da privacidade em qualquer das suas vertentes.


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B.3.5.d) – Dos princípios atinentes à prova

É consabido que no campo da prova rege o artigo 125º do Código de Processo Penal que consagra o princípio da legalidade da prova, determinando que são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei.

E o artigo 32º, nº 8 da CRP determina que “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.

Em concretização deste comando constitucional dispõe o artigo 126º, nº 3 do Código de Processo Penal, sob a epígrafe “Métodos proibidos de prova”, que “Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.

Sem esquecer a previsão do artigo 8º, nº 1 da CEDH (Direito ao respeito pela vida privada e familiar):

Mas nenhum diploma regula a actividade do cidadão comum ou empresa, cuja actividade não esteja regulamentada (segurança privada, por exemplo), que tira uma fotografia ou filma a prática de um crime.

Como sabido, o cidadão só está condicionado pelo princípio da legalidade da obtenção da prova contido no artigo 125º do Código de Processo Penal. Rege igualmente o art. 167º do CPP, que regula a produção de prova por meio de reproduções mecânicas, sejam fotográficas, videográficas, fonográficas ou por meio electrónico. E o artigo é claro na afirmação de que tais meios valem como prova se não forem ilícitos nos termos da lei penal. Note-se, não nos termos da lei contra-ordenacional, ou qualquer outra. Só nos termos da lei penal.

O que remete para o direito penal substantivo, no sentido de que será este a estabelecer os limites de actuação do cidadão na recolha de imagens para prova em processo penal. Questão, aliás, referida no parecer junto.

Caindo a conduta na previsão do art. 192º do CP – devassa da vida privada - quer quanto ao direito à palavra, quer quanto ao direito à imagem, a prova será sempre proibida. Aqui impera, no entanto, o dolo específico de devassa contido no corpo do nº 1 do preceito, para além dos elementos objectivos contidos nas alíneas, que se não verificam, um e outros, nos factos que pretendemos abarcar nesta análise.

Assim, a linha de análise deve ter por objecto o tipo contido no artigo 199º, nº 2 do Código Penal, gravações e fotografias ilícitas.

Como se refere no Ac. da Relação de Lisboa de 28.05.2009 (Fátima Mata-Mouros) na remissão para a lei penal “não se estabeleceu uma condicionante de validade da prova assente na mera verificação da tipicidade de uma conduta como crime. Exigiu-se mais: exigiu-se a não ilicitude das mesmas. Ora a ilicitude não se esgota no preenchimento de um tipo legal de crime. Para que um comportamento seja punido como crime exige-se que, além de se encontrar tipificado na lei penal, configure também um acto ilícito e culposo.» Posição que o STJ veio a confirmar no seu Ac. de 28.09.2011 (rel. o Cons. Santos Cabral).

Assim, sendo o direito à imagem tutelado criminalmente no artigo 199º do C. Penal, só será protegido se ocorrer real tipicidade da conduta e “não esteja coberto por uma causa de justificação da ilicitude. É nessa medida que se vem entendendo que é criminalmente atípica, face ao preceituado no art. 199.º, n.º 2 do Código Penal, a obtenção de fotografias ou de filmagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa nesse procedimento” (Ac. Rel. Porto de 23-11-2011, Mouraz Lopes).

Ou seja, impõe-se saber não só se há tipicidade da conduta, também se há ilicitude na mesma.

Este tipo penal é muito interessante na sua evolução. Anteriormente estava previsto no artigo 179º, na versão originária do Código Penal e o corpo do seu nº 1 rezava:

“1 - Quem, sem justa causa e sem consentimento de quem de direito: … gravar, fotografar…”

O desaparecimento da expressão “sem justa causa” tem permitido o raciocínio de que as gravações nunca admitirão a existência de uma causa justificativa na medida em que esta causa de justificação desapareceu do tipo penal.

Houve mesmo quem visse no desaparecimento desta expressão uma cabala, uma conspiração anti jornalística e antidemocrática e que lesse a expressão como contendo um “elemento negativo do tipo” que desaparecido, facilitaria o seu preenchimento não compensado pela causa de exclusão de ilicitude prevista no artigo 31º, nº 1, al. b) do Código Penal – que não seria mais que uma causa de exclusão da culpa mal colocada no referido artigo - conduzindo a um regime de liberdade de imprensa mais gravoso do que o existente no tempo de Marcelo Caetano. [20]

Quer-nos parecer que, não obstante a circunstância de o tipo penal ainda manter uma causa de exclusão de ilicitude – o consentimento, igualmente previsto no artigo 31º, nº 1, al. d) do Código Penal – o desaparecimento da expressão “sem justa causa” só tem um significado: era uma inutilidade que servia apenas para “advertir” os juízes para a operacionalidade de uma causa de justificação geral.

Quem o diz é o legislador. Na reunião com o Sindicato dos Jornalistas tida na altura da revisão do Código Penal (1995) é claro o sr. Deputado do PSD, Prof. Costa Andrade a afirmar (4º Volume dos Trabalhos Preparatórios – 1995, pag.s 221 e 227) que a “justa causa foi eliminada de consciência tranquila … porque, apesar de todos os esforços feitos … não se descobriu conteúdo útil. E mais ou menos toda a doutrina diz que isto é uma menção redundante da ilicitude” (pag. 221). Posição que era também, aliás, a do Prof. Fig. Dias.

A explicação histórica surge fls. 221 in fine. É, “pois, uma advertência aos juízes … considerada redundante”. “Ou seja, um aviso dirigido ao intérprete, e aplicador da lei, chamando a atenção para o valor das causas de justificação” (fls. 227-228). Isto é os juízes, à data presumidamente distraídos, deveriam operar as causas gerais de exclusão da ilicitude.

Em suma, o cidadão só será autor de um crime de fotografia e filmagem ilícita se não operar nenhuma causa de exclusão de ilicitude prevista no artigo 31º do Código Penal – designadamente a legítima defesa, o exercício de um direito ou o consentimento.

E estando nós a tratar do direito à imagem, convém recordar que o Código Civil o regula de forma expressa no seu artigo 79º ao dispor: “O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela”. [21]

E o seu número dois estabelece os casos de justificação de forma bastante clara: “Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente”.

Ou seja, há licitude na obtenção de fotografias ou filmes se ocorrer, nos termos deste preceito e do artigo 31º do Código Penal (ou seja, causas gerais de exclusão de ilicitude mais as constantes do artigo 79º, nº 2 do Código Civil):

1 - a legítima defesa;
2 - o exercício de um direito;
3 - o consentimento;
4 – justificadas exigências de polícia (medidas preventivas);
5 - ou de justiça (prossecução penal, prova em audiência);
6 - reprodução da imagem enquadrada na de lugares públicos;
7 - factos de interesse público;
8 - ou que hajam decorrido publicamente”.

Face a isto temos dúvidas de que a foto ou filme enquadrados em lugares públicos, que hajam decorrido publicamente, sem uma excessiva individualização do retratado, ou sejam factos de interesse público, não sejam causas de ausência de tipicidade. As restantes serão necessariamente causas de exclusão da ilicitude.

Isto é, os artigos 79º e 80º do Código Civil não podem ser menorizados. Têm que ser atendidos na análise penal, não só como consequência do princípio da plenitude da ordem jurídica, também pela operacionalidade do princípio da subsidiariedade do direito penal.

Nisto é muito claro o art. 31º, nº 1 do CP: “O facto não é punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade”.

Mas também o diz - uma vez mais - o legislador (Prof. Costa Andrade, ob. cit. – fls. 223) “a nível de fotografia sobra muito pouco. A verdade é que estas alterações ao Código Penal estreitam a margem dos comportamentos puníveis” (fls. 243).

Ora, se assim é, e só estando em causa o direito à imagem, não é prova proibida a prova produzida por um cidadão relativa a imagens obtidas em público, seja: uma bomba de abastecimento; um supermercado; uma via pública filmada através de um sistema habitacional; a parte comum de um prédio visível da via pública; câmaras de vigilância de estabelecimento comercial; centro de lavagem de automóveis, um porto, uma marina, etc.

Naturalmente que, na análise casuística, haverá que ponderar que existem locais públicos de livre utilização comum. E haverá locais públicos de acesso reservado. E o caso concreto poderá determinar uma diversa ponderação em função dos pressupostos que baseiam a necessidade de reserva de acesso a um local público. Aqui temos que reconhecer que a realidade tem mais imaginação do que nós.

A discussão está aberta, naturalmente, a propósito dos conceitos de “intimidade”, “vida privada”, “exigências de polícia ou justiça” e “local público”, mas isso é casuística e o caso concreto facilmente se coloca na área da esfera pública.

Não há, portanto, violação da privacidade nem prova proibida.


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B.3.5.f) – Da CNPD (Comissão Nacional de Protecção de Dados).

No parecer nº 70/2011 da CNPD e a propósito da intenção de alteração legislativa quanto à videovigilância, nota-se uma quase afirmação de poderes judiciais por parte da CNPD, quando afirma “que se assume como garante desse direito fundamental que é a privacidade dos cidadãos face ao tratamento dos seus dados pessoais…”. “Tal garantia resulta, desde logo, da possibilidade de valoração de determinado tratamento de dados assente em juízos de proporcionalidade, adequação e necessidade face às finalidades associadas, juízo específico em matéria de protecção de dados e o qual requer independência e imparcialidade na sua formulação”.

Sem obstar ao acerto de tais afirmações no âmbito de competência da CNPD, essencialmente administrativa, convém recordar que essa entidade está sujeita ao escrutínio judicial, como o atesta o Artigo 1º, nº 4 do Protocolo Adicional à Convenção para a Protecção das Pessoas Relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Carácter Pessoal, respeitante às autoridades de controlo e aos fluxos transfronteiriços de dados, quando afirma no seu nº 4 que “As decisões das autoridades de controlo passíveis de contestação podem ser objecto de recurso judicial”.

Por isso que seja de total acerto a afirmação do STJ no seu Ac. 28-09-2011 – Santos Cabral - de que “é evidente a aporia a que é conduzido quem pretenda rever na citada Lei (67/98) a fonte de apreciação da legalidade dos meios de prova em processo penal e ver naquela Comissão de Protecção de Dados - instância administrativa destinada a controlar e fiscalizar o processamento de dados pessoais - um papel de filtragem e condição prévia do acto processual penal como se uma instância judicial penal de primeiro e último recurso se tratasse. A legalidade dos actos praticados no processo penal procura-se no Código de Processo Penal”.

E a CNPD, entidade administrativa, não passa disso mesmo, não obstante a pretensão evidenciada.

Questão está, pois, em saber se as Câmaras de videovigilância estão sujeitas, para que possam servir de prova em processo penal, ao controlo e autorização prévios da CNPD (o que abarca os casos de desconhecimento se foi ou não objecto de licenciamento pela Comissão Nacional de Protecção de Dados, que é o caso dos autos).

O regime normativo da protecção de dados pessoais, estabelecido na Lei 67/98 de 26 de Outubro, aplica-se à videovigilância, desde que esta permita identificar pessoas sempre que o responsável pelo tratamento esteja domiciliado em Portugal, conforme decorre do artigo 4º n.º 4 da Lei. E, nos termos do Artigo 3.º da Lei 67/98 é considerada identificável a pessoa que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social.

Não é o que ocorre no caso sub iudicio onde a identificação dos arguidos se limitou a fazer apelo ao visionamento das imagens e ao apelo à memória dos inspectores da PJ.

Nesta leitura aquela norma está de acordo com a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem [Ac. Friedl v. Austria - (1995)] quando afirma que as fotografias tiradas em locais públicos, guardadas pela polícia e que não são objeto de tratamento de dados para identificação da pessoa não é uma interferência na vida privada.

Mesmo que se entendesse aplicável ao caso e como a questão não diz respeito ao tratamento de dados sensíveis, a lei não exige controlo prévio dos sistemas de videovigilância por parte Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD)– cf. art. 4º, nº 4, 7º, nº 2, e 28º da Lei 67/98, de 26/10 – Ac. Rel. Porto de 22-10-2011, relatado por Mouraz Lopes e da Relação de Coimbra de 02-11-2011, relatado por Olga Maurício.

Isto porquanto “dados sensíveis” da Lei 67/98, de 26/10 são os «dados pessoais referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem racial ou étnica, bem como o tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos», conforme se estatui no nº 2 do art. 7º da Lei citada.

Ora, aquilo de que vimos tratando, simples identificação do autor de factos ilícitos criminais ocorridos fora da esfera de privacidade, não se podem classificar como “dados sensíveis”. Logo, não exigem autorização prévia da CNPD.

Logo, a Lei nº 67/98, de 26/10 não é elemento de relevo no tratamento da identificação por fotograma ou vídeo de arguido em processo penal. Se fosse e se condicionasse a admissão de prova em processo penal, suscitaria bastas dúvidas a sua constitucionalidade face ao artigo 202º da CRP.


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B.4 – Recurso do arguido A

B.4.1 – A nulidade do acórdão por falta de fundamentação – conclusões 33ª a 60ª.

O tribunal deu como provados factos sem indicar em que provas se sustentou e não fundamentou por que motivo não considerou credíveis as declarações dos arguidos B e Roy.

O recorrente assenta esta alegação em dois pontos: a invocação de nulidade de sentença quanto aos factos dados como provados de 58) a 80) (conclusões 33ª a 39ª) por considerar que não houve depoimento sobre factos mas sim expressão de convicções e interdição de contraditório na apreciação da prova; nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação de factos provados e não provados (conclusões 40ª a 60ª).


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B.4.1 a) - A essencial argumentação do recorrente, no primeiro ponto, assenta nos seguintes considerandos:

As imagens de vídeo que suportam a prova dos factos indicados em 58 a 80 do acórdão recorrido não têm qualidade, pelo que nenhum facto poderia o tribunal dar como provado com base nas mesmas e muito menos com base nos comentários de Inspector da Polícia Judiciária sobre tais imagens, pelo que a valoração das mesmas viola o disposto nos artigos 128° e 130°, ambos do Código de Processo Penal, alegando, ainda, que este meio de prova não poderia ser utilizado porque viola o princípio da imediação e das garantias de defesa.

Ora, esta é uma argumentação com vista à conclusão de que o tribunal errou na apreciação da prova e não que inexiste fundametação.

E, vistas as imagens de CCTV (Close-circuit Television) e a correspondente reportagem documental (a fls. I-332-358 e III-930-960, por exemplo), havendo que aceitar que as imagens não são as ideais, elas permitem no entanto a qualquer pessoa que conheça os intervenientes identificar quem delas consta.

A esse respeito é clara a fundamentação do tribunal recorrido, que se transcreve:

Quanto às pessoas que se encontrariam na embarcação no dia 14.07.2014, os Arguidos não alegam a presença de outros indivíduos para além dos três Arguidos que constituíam a tripulação da mesma, sendo que a presença do Arguido A em tais circunstâncias acaba por ser admitida pelo mesmo.
M e H procederam à visualização das imagens das câmaras de vigilância do Porto de Recreio, descrevendo, pormenorizada e logicamente, a forma como identificam nelas os Arguidos A a C, bem como os objectos que são retirados da embarcação (cfr. Auto de visionamento de CCTV de fls. 329/330, respectivo suporte digital a fls. 331 e fotogramas de fls. 332 a 358; Auto de visionamento de CCTV de fls. 930/932, respectivo suporte digital a fls. 933 e fotogramas de fls. 934 a 960 e Auto de visionamento de CCTV de fls. 1153 e fotogramas de fls. 1154 a 1160).
Com efeito, embora a imagem da videovigilância não seja nítida, é perceptível que se procedeu a um descarregamento de malas do veleiro e que, pelas características observadas directamente (pelos referidos inspectores da Polícia Judiciária) dos Arguidos A e C (designadamente, estatura e vestuário), bem como dos Arguidos D e E, conjugado com os registos de entradas e saídas dos cartões associados à embarcação em causa (cfr. fls. 360 a 363) consegue-se, facilmente, depreender, de acordo com as regras da normalidade da vida, que se tratavam dos referidos Arguidos a proceder ao descarregamento de malas.
As testemunhas que procederam ao visionamento das referida imagens revelam ainda honestidade quando, sendo peremptórias a identificar os indivíduos que se vêem nas mesmas como sendo os Arguidos C e A, bem como as características dos objectos descarregados, declaram não conseguir determinar se o/s demais indivíduo/s que aí também aparece/m são ou o Arguido D ou o Arguido E. Atestam ainda o modo como os objectos retirados da embarcação foram, depois, deslocados: arrastados pelo chão, coincidindo com o modo como são transportadas as malas tipo trolley.

Neste ponto é capital notar que os depoimentos dos agentes da PJ são importantes na medida em que eles procederam à vigilância dos arguidos, então suspeitos, nos dias anteriores e se aperceberam das suas características físicas e comportamentais ou seja, aperceberam-se de como os suspeitos “eram” à data, a sua forma de vestir e andar, tudo características que se alteram na altura em que se realiza a audiência de julgamento, tornando inviável nesta uma tão imediatista apreciação das imagens.

Assim, não se trata de essas testemunhas transmitirem “convicções” pessoais, trata-se de transmitirem um conhecimento adquirido naquela data. Isto é, o conhecimento adquirido pelos agentes quanto às características físicas e comportamentais dos arguidos concretiza-se na sua intervenção em audiência através do reconhecimento nas imagens dos intervenientes na Marina.

Por outro lado, o visionamento possível em CCTV está devidamente documentado nos autos – e já em inquérito – nos locais supra indicados, podendo ser vistos e analisados pelos arguidos permitindo-lhes, igualmente, o exercício do contraditório com base nessas mesmas imagens – fotogramas – ou requerer o seu visionamento em audiência, caso o justificassem.

Certo é que o visionamento do ficheiro em software de CCTV não é essencial pois que os fotogramas colocados nos volumes I e III dos autos correspondem, sem perda de qualidade, ao que dali consta. Foi, pois, produzida prova nos autos que tornava desnecessário o visionamento em audiência daquilo que já constava documentalmente nos autos.

E esses mesmos fotogramas permitiam o devido exercício do contraditório.

E, por tudo, não houve valoração de prova proibida.

Razões por que inexiste qualquer nulidade da decisão recorrida pelo apontado motivo e que deva ser enquadrada na al. c) do nº 1 do artigo 379º do C.P.P.


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B.4.1.b) – Quanto ao segundo subtema aqui tratado pelo recorrente, a nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação de factos provados e não provados (conclusões 40ª a 60ª), convém ter presente que o recorrente explicita nessas conclusões [e nas motivações que lhes subjazem a fls. 2567 a 2.580 (18 a 31 do seu recurso)] três tipos de desacordo: uma, a inexistência de tomada de posição do tribunal recorrido sobre factos alegados pela defesa, que será – se existente – uma nulidade de acórdão; outra a invocação de erro na apreciação da prova que o recorrente faz corresponder à ideia de falta de prova para a condenação ou, terceira situação, que factos dados como provados não foram devidamente fundamentados.

Isto é, institutos diversos que, semeados, sempre propiciam uma omissão de pronúncia.

A primeira questão diz respeito ao objecto do processo, a segunda ao princípio da livre apreciação da prova e a terceira, essa sim, à necessidade de fundamentação factual que pode conduzir à nulidade por insuficiência fundamentadora.

Assim, a segunda questão será analisada em conjunto com a intitulada “impugnação da matéria de facto”.


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B.4.1.b).1 – Quanto à primeira não suscita qualquer dúvida que é decorrência do direito de defesa que o juiz está limitado pelo thema decidendum mas está igualmente sujeito à obrigação de o esgotar, quer na contribuição dada pelo Ministério Público, quer pela defesa, na definição desse objecto.

Neste ponto não conhecemos texto que de forma tão certeira e sucinta dê uma panorâmica completa sobre o tema como o do nosso colega Cruz Bucho, nos seguintes termos:

…, os factos descritos na acusação (normativamente entendidos, isto é, em articulação com as normas consideradas infringidas pela sua prática e também obrigatoriamente indicadas na peça acusatória), definem e fixam o objecto do processo que, por sua vez, delimita os pode­res de cognição do tribunal e o âmbito do caso julgado.
Segundo Figueiredo Dias é a este efeito que se chama vinculação temática do tribunal e é nele que se consubstanciam os princípios da identidade (segundo o qual o objecto do processo, os factos devem manter-se os mesmos, da acusação ao trânsito em julgado da sentença), da unidade ou indivisibilidade (os factos devem ser conhecidos e julgados na sua totalidade, unitária e indivisivelmente) e da consunção do objecto do pro­cesso penal (mesmo quando o objecto não tenha sido conhecido na sua totalidade deve consi­derar-se irrepetivelmente decidido, e, portanto, não pode renascer noutro processo).
Com efeito, um processo penal de estrutura acusatória exige, para assegurar a pleni­tude das garantias de defesa do arguido, uma necessária correlação entre a acusação e a sen­tença que, em princípio, implicaria a desconsideração no processo de quaisquer outros factos ou circunstâncias que não constassem do objecto do processo, uma vez definido este pela acusação.
Um processo penal como o nosso, de estrutura basicamente acusatória integrado por um princípio de investigação, admite, porém, que sendo a descrição dos factos da acusação uma narração sintética, nem todos os factos ou circunstâncias factuais relativas ao crime acusado possam constar desde logo dessa peça, podendo surgir durante a discussão factos novos que traduzam alteração dos anteriormente descritos." [22]

Há, pois, uma inultrapassável identidade entre os conceitos de “objecto do processo” e “factos”, assim como há outra intransponível imbricação entre os conceitos de “crime” e de “factos”. Sem factos não há crime. Nem causas de exclusão ou exculpação. Os factos são a base indispensável de um processo.

Mas, naturalmente, têm que ser normativamente relevantes. Sendo normativamente relevantes têm que ser esgotantemente apreciados.

Cristalizando-se o objecto do processo com os factos que constam da acusação – e nessa medida se entendem como normativamente relevantes, o que quer significar que, constando da acusação têm um significado enquanto conduta humana subsumível ao ordenamento jurídico – o princípio da unidade ou indivisibilidade (os factos devem ser conhecidos e julgados na sua totalidade, unitária e indivisivelmente), impõe que os factos que constavam da acusação tenham um destino.

Mas nesse objecto do processo também entram em linha de conta os factos resultantes da discussão e os alegados pela defesa, desde que sejam isso mesmo, factos e não meras conclusões, nem o “negativo” do invocado na acusação. E desde que sejam normativamente relevantes, ou seja, desde que invoquem uma causa que exclua a ilicitude, a culpa ou a punibilidade, dizendo de forma abrangente, qualquer facto que seja relevante para subsunção ao tipo de ilícito imputado na acusação, para o juízo da sua exclusão e para a pena aplicável.

Ora, o recorrente invoca na sua conclusão 59ª um acórdão do STJ que diz isto mesmo, mas olvida colocar numa só conclusão a especificação dos factos que entende não terem sido considerados – e que deveriam ter sido – pelo acórdão recorrido.

Não querendo este tribunal ficar-se pelo formalismo exacerbado, nem se tendo justificado despacho do relator com convite à correcção desse infímo ponto, porque a questão é de manifesta simplicidade e sem dar azo a dúvidas, respingamos a precisa matéria da respectiva motivação (fls. 2.570 dos autos e 21 do recurso) para concluirmos que o motivo de desagrado do recorrente se centra no desprezo do tribunal pelos factos 4, 5, 7, 10, 11 e 13 da sua contestação.

Ora, naturalmente que o recorrente não atendeu devidamente ao sentenciado pois que a decisão do tribunal recorrido até tem, à parte, dois dos factos que constavam da contestação do arguido e disso mesmo faz menção: os factos provados 155 e 156. Acresce um outro facto provado, o 151, onde é expressa de forma clara a sua situação familiar. Os restantes factos que constavam da contestação do recorrente A foram dados como não provados de b) a e).

E assim se esgotam os factos normativamente relevantes alegados pelo recorrente na sua contestação, mesmo aqueles que não tinham relevo normativo [os factos não provados b) e c) são disso exemplo], mas assumindo o tribunal recorrido uma jurisprudência das cautelas que se justifica.

Não há, logo, qualquer nulidade da decisão recorrida pelo indicado motivo.


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B.4.1.b).2 – Já quanto à necessidade de fundamentação factual os argumentos aduzidos pelo recorrente assentam na ideia de que factos dados como provados não foram devidamente fundamentados.

Dispõe o artigo 205.º da CRP que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

Por sua vez, o nº 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal (requisitos da sentença) estatui que a sentença deve conter fundamentação que consiste na “enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

Em caso de inobservância do indicado, rege o nº 1, al. a) do artigo 379.º do mesmo diploma, cominando com “nulidade” a sentença que “não contiver as menções referidas no artigo 374.º, n.º 2 e 3, alínea b)”.

Do que se trata, no caso concreto, é saber se é suficiente a motivação fáctica apresentada pelo tribunal recorrido, no uso do princípio da livre apreciação da prova.

Desde logo convém afastar a ideia de que a análise a efectuar assentará num mero critério quantitativo das razões de facto apresentadas ou se cada facto dado como provado tem um parágrafo justificativo.

Bem ao invés, impõe-se apurar se a motivação apresentada – que pode e deve ser sucinta – é completa, no sentido de tornar límpidos, claros, os seus fundamentos, daí que se possa já afirmar que a sua insuficiência equivalerá à sua falta, para os efeitos do disposto no artigo 379º, nº 2 do Código de Processo Penal, na medida em que uma fundamentação insuficiente ou obscura, não é completa.

Isto é, apresentará ela, decisão, “os motivos, de facto …. que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”?

Para esse desiderato é mister recordar que a motivação de facto visa, no mínimo, um triplo objectivo: obter uma maior confiança do cidadão na administração da justiça; assegurar o auto controlo das entidades judiciárias; assegurar o direito ao recurso.

Não iremos quedar-nos a fundamentar esta matéria, já suficientemente tratada pela doutrina e jurisprudência nas suas manifestações mais comuns.

Nesta sede cabe ao tribunal assegurar que o significado positivo de livre apreciação da prova não está assente em critérios subjectivos, emotivos, não é arbitrária, imotivável e incontrolável. Nem é genérica, por remissão. Bem ao invés, ela deve reconduzir-se a critérios objectivos, racionais, motivável via razão e linguagem.

Encurtando razões, a motivação da decisão mais não é do que uma exigência de controlo objectivo e racional da livre apreciação da prova, algo de essencial numa sociedade democrática.

Se há quem afirme que a motivação se basta com a indicação das provas relevantes ou, em alternativa, das regras da experiência ou os critérios lógicos que constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se orientasse num determinado sentido, preferimos ver nela uma mais alargada abordagem metodológica, assente quer no contributo da doutrina, quer da jurisprudência.

Naquela surge como adequada a consideração de três patamares necessários de análise na motivação de facto; a indicação das provas carreadas para o processo e que sejam pertinentes; a análise crítica e racional das razões que conduziram a que se atribuísse relevância (ou não) a essa prova; a ponderação lógica dos factos e das provas com vista à decisão de facto.

Para além da afirmação da vertente negativa do princípio da livre apreciação da prova - o valor dos meios de prova não está legalmente preestabelecido (já salientado por Figueiredo Dias [23]) – a ponderação lógica das provas e dos factos faz-se por apelo às regras de experiência comum, das quais podem ressaltar “descontinuidades imediatamente apreensivas nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta”. [24]

A jurisprudência tem realçado recentemente o necessário apelo às presunções naturais, “como juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.[25]

É essencial saber por que razão o tribunal atribuiu relevo a determinadas provas, a razão porque não atendeu a outras e qual foi o percurso racional, lógico, por ele seguido para definir a totalidade da matéria de facto. Tudo de forma a excluir que o tribunal veicule a ideia (que pode ser errónea, mas que a ausência de fundamentação bastante legitima) de que fez apelo a elementos não objectivos, a meras possibilidades ou impressões imediatistas. O sistema da livre convicção consagrado no ordenamento jurídico português não é um sistema irracionalista, subjectivo, de apreciação probatória, [26] sim um sistema racionalista, assente na razão, nas regras de experiência social comprovada e em presunções probatórias racionalmente fundadas. [27]

Ora, que se passa no caso dos autos?

A decisão recorrida, para além de fazer o elenco sucinto mas suficiente das provas carreadas para os autos e que foram relevantes para a apreciação factual, procedeu à análise crítica e racional das razões que conduziram a que se atribuísse relevância (ou não) a essa prova, assim como fez uma ponderação lógica dos factos e das provas com vista à decisão de facto.

Tomemos como exemplo estes dois excertos da decisão, na fundamentação da parte de matéria de facto mais referida pelo recorrente:

Resulta, deste modo, que o veleiro GLORIA A com a sua tripulação constituída pelos Arguidos C, D E E, atracou nas Bermudas, donde veio para a Europa (vide documentos de fls. 228 e ss.); que no dia 14 de Julho de 2014, são descarregadas malas da referida embarcação, no porto e onde também se encontra presente o Arguido A; que este encontra-se no mesmo dia com o Arguido B e, juntos, procedem à transferência de malas da viatura conduzida por aquele Arguido para a viatura conduzida por este Arguido; que entre esse momento e o momento da busca a esta viatura de marca Nissan, os movimentos do Arguido B são controlados, bem como os acessos à sua viatura; que vêm a ser encontradas as malas neste veículo automóvel, contendo a cocaína apreendida, malas essas que são precisamente as mesmas que foram observadas a ser transferidas, na estação de serviço de Grândola, da viatura do Arguido A para a viatura do Arguido B; e, por fim, que é encontrada numa das malas (a mala/saco de cor preta) um ticket de um estabelecimento comercial das Bermudas, local onde o Arguido B não se deslocou.
Da sucessão destas circunstâncias que se apuram, é fácil concluir, com toda a segurança, que as malas apreendidas na posse do Arguido B são as mesmas que foram descarregadas do veleiro GLORIA.
(…)

Da documentação, das informações juntas aos autos e das diligências levadas a cabo pela Polícia Judiciária – nomeadamente, cópias de passaportes de fls. 135 a 139, 171 a 175, 186 a 204 e 213 a 218; documentação portuária referente a entradas e estadias em marinas, no Brasil, Venezuela, Guadalupe, Bermuda e Portugal de fls. 228 a 247 e 280 e 281; e informação dos movimentos migratórios do Arguido A de fls. 981 e 982 - resultam ainda os trajectos percorridos pela embarcação GLORIA (e, como tal, pelos Arguidos C, D e E) e pelo Arguido A, donde decorre confluência espácio-temporal entre este Arguido e a tripulação do referido veleiro em dois locais diferentes (na América do Sul e nas Bermudas). Atendendo ainda à demais prova produzida e os demais factos apurados, resulta da normalidade da vida que, nessas ocasiões, aqueles Arguidos mantiveram contactos respeitantes à operação que levaram a cabo.

Aqui e no resto da motivação factual é patente que o tribunal recorrido explicitou, de forma lógica e racional, por referência ao teor dos documentos e às regras de experiência comum, as razões que fundaram a convicção do tribunal recorrido. Valorou os meios de prova com critérios objectivos que permitem estabelecer um “substrato racional de fundamentação e convicção”, com o apoio de presunções naturais. Não se limitou, portanto, à mera catalogação de prova.

Por outro lado essa fundamentação, quando se refere a factos ocorridos na América do Sul e Caraíbas, fá-lo por referência à documentação existente nos autos e que foi apreendida aos arguidos, dela retirando ilações factuais permitidas pelas regras do raciocínio dedutivo e que é confirmada pelo tribunal de recurso após a sua leitura.

Poderia ter sido mais explícita essa fundamentação, preenchendo espaços lógicos que se podem facilmente deduzir mas que não dariam azo a dúvidas na sua exposição. O conceiro de “sucinto” poderá estar em causa mas não ao ponto de se poder considerar “insuficiente” a fundamentação factual.

Da parte do recorrente não é dada qualquer contribuição que demonstre a inexistência ou insuficiência de fundamentação. Decorre da conclusão 41) que o mesmo entende haver insuficiente fundamentação quanto aos factos sob 1, 2, 4, 7, 10, 13 a 17, 20 a 24, 27, 30, 31, 36, 38, 39, 42,46 a 48, 63, 64,71, 74, 82, 126 136, 138, 143,144, 145, quanto à sua pessoa.

Em conclusões apenas quanto ao facto sob 15) alega razões fundamentadoras. Os restantes factos não mereceram qualquer argumentação concretizadora.

Só na motivação – fls. VIII-2.568-2.569 – vamos encontrar referência especificada aos factos sob 10), 14) e 15). Os restantes factos são olvidados.

Quanto aos factos 10), 14) e 15) eles resultam claramente provados da análise da documentação constante dos autos e das inferências que as movimentações dos arguidos – documentadas – e a apreensão da cocaína no iate, para isso “adaptado”, permitem.

Quanto às conclusões 46ª a 56ª, são elas uma forma de impugnação não especificada da matéria de facto o que, permitindo afirmar que a mesma não invalida a conclusão da suficiente fundamentação, nunca permitiria a alteração da matéria de facto – artigo 431º, al. b) do C.P.P..

Outros argumentos utilizados pelo recorrente – e recordemos que o tribunal está vinculado a conhecer de questões, não de argumentos – são afastados de forma implícita mas indubitável pela fundamentação factual do tribunal recorrido, que necessariamente afecta a versão apresentada pelo recorrente arguido.

Designadamente a invocação de que se não fundamentou a não-aceitação da versão dos factos do arguido ou a não-inclusão nos factos provados de todos os locais em que o arguido esteve, como se fosse igualmente relevante saber em que locais o arguido esteve que não sejam coincidentes com o rumo do iate.

Vários dos argumentos utilizados quanto a este ponto roçam o risível, designadamente quando exigem que se faça prova incontestável de que o conteúdo das malas era o mesmo quando saíram do iate e quando foram apreendidas, exigindo a demonstração “ontológica” de que o seu conteúdo não foi alterado no percurso entre os dois locais.

Aqui, aliás, a argumentação coincide com as conclusões 31ª e 32ª do recurso do recorrente C (motivações a fls. VIII-2.525-2.526), este expressamente alegando a inexistência de fundamentação da existência de “nexos causais” temporais e espaciais entre o momento em que é efectuada a vigilância e a apreensão da droga no carro no Hotel.

Recordemos que o primeiro facto ocorre pelas 16 h de 14-07-2014 e a apreensão da droga no carro no Hotel pela 13 h de 15-07-2014. Ou seja, um período inferior a 24 horas que foi coberto pela Policia Judiciaria.

Ora, num pequeno percurso (cerca de 160 km), com vigilância da PJ, sendo as datas e horas de chegada e saída, percurso e destino apenas sabido pelos arguidos e com a detenção a ocorrer menos de 24 horas depois, só uma teoria conspirativa complexa poderia compaginar uma alteração do conteúdo das malas por outrém que não os arguidos. Sem mencionar que a hora da chegada ao porto de Sines também era de conhecimento exclusivo dos arguidos e que o controlo das malas foi por estes feita em todo o percurso e por estes colocadas no hotel, em local de acesso dificultado a estranhos.

Saber se a vigilância da PJ é total nessas 24 horas é mera retórica. Foi total, porque contínua, nessas 24 horas. Foi total porque vigiada a garagem do hotel desde a entrada da viatura até à sua apreensão no dia seguinte.

Apenas durante essa noite a garagem foi vigiada no exterior e ninguém ficou a vigiar a viatura no interior da dita garagem. Mas isto é insuficiente para que se acredite que alguém, no interior, tenha substituído telemóveis por 150 embalagens de cocaína pesando 167,916 kgs. Não é crível, plausível, exequível. Quem, dispondo de tal quantidade de cocaína naquele local e naquela hora, no interior do hotel, saberia que o arguido ali iria chegar e se dispunha a abrir mão do estupefaciente de tal valor para o trocar por telemóveis (!)? E porquê? E que indícios o sustentam? E porquê só referido no final da audiência de julgamento?

Neste ponto o recorrente A é mais explícito, mas não aduzindo razões que suportem a sua teoria conspirativa de que alguém teria alterado o conteúdo das malas nem adiantando qualquer indício sério dessa possibilidade que, aliás, sempre deveria ter sido discutido em audiência, caso fosse minimamente credível. Contraditório oblige! Alegar uma implausível teoria conspirativa apenas em sede de recurso não parece ser trunfo que se recomende.

Será o juízo emitido sobre a ligação entre os arguidos e o conteúdo das malas suficiente para uma condenação penal? Os ditos “hiatos” temporais e espaciais entre Sines e Lagos e as menos de vinte e quatro horas de diferença entre descarga e apreensão não interromperão esse nexo de imputação? Esta a verdadeira questão suscitada pelos arguidos.

Porque, convém ter presente, a questão neste argumento recursivo não é (apenas) de ausência de fundamentação. Aqui a questão (também) é de certeza judicial que, no essencial, os recorrentes afirmam não existir por ser possível, hipotéticamente, uma alteração do conteúdo das malas.

Ora, tal versão em vez de a inquinar reforça tal certeza. O inverosímil reforça o possível.

O que centra a discussão no que seja a certeza judicial exigível para uma condenação penal.

E ela é expressa em duas frases que se entendem não permitirem melhor explanação, a continental europeia “probabilidade que roça a certeza” e a anglo-saxónica “beyond reasonable doubt”, ambas expressando idêntica realidade, o mais exigente standard de prova. Ambas exigem a formulação de um juízo que deve assentar em elementos concretos, objectivos, existentes no processo e que conduzam a um elevado grau de probabilidade de que os factos ocorreram de determinada forma e não de outra. [28]

Convém, por outro lado, não olvidar que a verdade obtida num processo não é apenas a verdade cientificamente comprovada, a verdade absoluta e cientificamente inatacável ou, mais, a total correspondência entre a realidade acontecida e o pensamento actual. Como ao tribunal se impõe uma decisão em função de toda a prova produzida e não apenas por referência a parte dela, à visão parcial da prova produzida, sem exigência de serem afastadas todas as possibilidades teoréticas ou imaginárias. Por isso que se diga que essa verdade tem que ser a verdade judicial, obtida num processo, através de meios suficientes e apropriados para convencer o Tribunal da sua verificação, através de um juízo probabilístico.

A verdade (material) é “a realidade, aquilo que tem efectiva existência, com exclusão do meramente possível”, [29] a verdade que, “não sendo absoluta ou ontológica, há-de ser antes de tudo uma verdade judicial prática”, [30] assente em elementos concretos, objectivos, existentes no processo e que conduzam a um elevado grau de probabilidade de que os factos ocorreram de determinada forma e não de outra, de uma “probabilidade que roça a certeza”.

E essa probabilidade que roça a certeza existe no caso dos autos. E resultando quer do texto da decisão recorrida quer dos vários elementos de prova aí referidos analisados na sua globalidade.

Não ocorre, portanto, a nulidade referida pelo artigo 379º al. a) do Código de Processo Penal. Nem ocorre erro na apreciação da prova.


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B.4.2 – Da impugnação da matéria de facto – conclusões 61ª a 115ª;

Quando no ponto B.4.1.b se referia a invocação de erro na apreciação da prova que o recorrente faz corresponder à ideia de falta de prova para a condenação relegámos para momento posterior a apreciação dessa questão que, no entanto, acabou por ser abordada e respondida quando nos referimos à existência de um juízo positivo sobre a certeza judicial.

Mas outros pontos de inconformidade com a matéria de facto são suscitados pelo recorrente – assim como por outros recorrentes - pelo que esta parte da fundamentação, em termos de enquadramento genérico, acaba por ser comum.


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B.4.2.a) – Das presunções de facto.

Os recorrentes que pretendem pôr em causa a matéria de facto, de forma explícita ou implícita insurgem-se contra o uso que o tribunal recorrido fez das praesumptio facti ou hominis, quer quando assim as apelidam (presunções) quer quando as designam como “prova indirecta”.

Por economia reproduzimos aqui o acórdão desta Relação de 11-11-2014 (331/12.7JALRA.E1) por nós relatado, que importa ao enquadramento geral justificativo do uso das presunções simples e, daí retiramos:


Desde logo a presunção é uma “prova” reconhecida pelo ordenamento jurídico português, enquanto ilação que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido – artigos 349º e 351º do Código Civil.

Para o Código Civil português, portanto para o ordenamento jurídico português sem que se possa excepcionar o direito penal, a presunção é uma “prova”, pois que incluída na Secção II do Capítulo II (Provas), do Sub-título IV, do Livro I do Código Civil.

E uma “prova” tem por função a “demonstração da realidade dos factos” – artigo 341º do referido diploma.

(…)

Desta forma as presunções assumem um papel probatório de relevo essencial, chegando a qualificar-se a presunção na jurisdição penal como um meio de prova, ao invés de mero raciocínio judicial de carácter probatório (v.g. Carlos Climent Durän, “La Prueba Penal”, Tirant lo Blanche, 2ª ed. Tomo I, pags. 868-869), ou a afiançar que “as presunções são o centro de gravidade de todo o sistema probatório” (Serra Dominguez, M – “Comentários al Código Civil y Compilaciones Forales”, pag. 554, apud, Climent Durän, ob. cit., I, 865).

A operatividade da presunção deve, no entanto, apresentar alguns requisitos metodológicos básicos. Devemos ter presente que o facto provado (factum probatum) a base da presunção, a sua premissa inicial, nem sempre permite concluir pelo factum probandum (o facto desconhecido a provar), o que exige maior desenvolvimento fundamentador.

(…)

Em resumo, a presunção com base no factum probatum permite a ligação ao factum probandum se a presunção se basear num juízo lógico seguro, causal, sequencial, preciso, directo e unívoco.

Não basta, pois, a mera verosimilhança, o provável, o plausível, para que se permita operar de forma capaz uma presunção natural.


Estamos aqui, no caso concreto, no reino do plausível ou já no senhoreio do “juízo lógico seguro, causal, sequencial, preciso, directo e unívoco”? A resposta correcta parece-nos, indubitavelmente, esta última.

No caso concreto é permitido ao tribunal recorrido fazer uso de presunções que correm a linha do tempo, acompanhando a costa vicentina. Aqui esse percurso é simples. Do iate no porto para a estrada em duas viaturas e, finalmente, para a garagem do hotel e subsequente busca e apreensão.

De forma imediatista mas não simplista: em Lagos é apreendida uma viatura com cocaína; essa viatura foi alugada por um dos arguidos que é relacionável com o arguido A; este é visto em Sines a contactar outros arguidos que acabaram de chegar de iate, provindos da América do Sul; é visto o transbordo de malas do iate para a sua viatura; desta faz-se, noutro local, o transbordo para a viatura do arguido B; este dirige-se a Lagos onde pernoita com a viatura guardada na garagem; no dia seguinte é detido e feita a apreesão da cocaína nas malas transportadas.

Note-se que, sequer, estão em causa os dois extremos factuais, Sines e Lagos. O iate chegou ao porto de Sines e a viatura foi apreendida, com cocaína em Lagos. Estes são factos incontestávelmente provados através de meios de prova directos.

É precisamente aquilo que medeia entre ambos os extremos (locais e operações, decarregamento e apreensão) que aqui se discute processualmente, as nulidades focadas no iate e no hotel e a alegada falta de vigilância da PJ ao veículo com a cocaína (num incontornável toque de humor, a polícia criticada por não ter feito a devida vigilância do estupefaciente), que podem ser os elos fracos da presunção, razão porque se discutem.

Mas as presunções estabelecidas pelo tribunal recorrido, apesar de isso não ter sido explicitamente assumido, são inquestionavelmente admissíveis e fáceis de fazer.

É que, entre os extremos – e aí reside a dificuldade dos recursos – os espaços factuais também estão suficientemente preenchidos por prova directa: é inquestionável o transbordo na marina de Sines das malas para a viatura VW detida pelo arguido A; é inquestionável o transbordo na área de serviço de Grândola das malas para a viatura Nissan detida pelo arguido B.

E isto não são presunções, são nexos muito bem definidos e directamente definidos.

Onde estão as presunções? Claramente na assunção de que a droga que estava no iate (e que estava não é presunção) foi transportada nas malas para a viatura VW. Que, acondicionadas as malas na viatura Nissan no interior da garagem do hotel, com este vigiado do exterior pela PJ, ninguém a elas teve acesso nessa noite.

E estas presunções são fáceis de estabelecer e seguras nos seus requisitos. A prova directa é abundante e o espaço lógico preenchido pelas presunções é muito pequeno e, principalmente, estabelece-se forçosamente o tal “juízo lógico seguro, causal, sequencial, preciso, directo e unívoco”.

Justificava-se o uso de presunções de facto e estas foram operadas de forma segura e adequada.


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B.4.2.b) – Da impugnação de facto.

Se relativamente à matéria de direito – o tradicional entrechocar das matérias clássicas de recurso – o âmbito e natureza do recurso não levanta problemas de maior, já quanto à matéria de facto a dificuldade, conhecida de todas as ordens jurídicas liberais, de configurar o recurso sobre matéria de facto aconselhavam a construção de um sistema em que a alteração de facto surja como um remédio para os casos extremos não tolerados pela ordem jurídica (recurso de revista alargada do artigo 410º do C.P.P.) - a impor ao tribunal de recurso o seu conhecimento oficioso - ou casos em que a alteração dos factos apurados em primeira instância surja como de necessidade evidente (artigo 412º, nº 3 e 4 do C.P.P.), demonstrada pelo recorrente.

Abandonada, pois, a praticamente inexistente possibilidade de recurso de facto no C.P.P. de 1929 e excluída a opção, teóricamente possível, pelo sistema integral de júri, esta foi, bem a nosso ver, a opção do legislador português.

Assim, como se afirma no acórdão do STJ de 15-12-2005 (Proc. 2.951/05, sendo relator o Cons. Simas Santos), “o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.”

E a justificação surge límpida e é repetida pela jurisprudência. A apreciação da prova no julgamento realizado em 1ª instância beneficiou de claras vantagens de que o tribunal de recurso não dispõe: a imediação e a oralidade. Daí a necessidade de impugnação especificada com a devida fundamentação da discordância no apuramento factual, em termos de a prova produzida, as regras da lógica e da experiência comum imporem diversa decisão.

Assim, a opção legislativa (obtida após esta leitura literal e aquela sistemática) é uma opção metódica que centra no julgamento realizado em primeira instância o essencial do julgamento, surgindo o recurso não como forma de substituição de uma decisão, mas como forma última de corrigir algo que possa ter corrido patentemente mal.

Ora, vistos os autos, constata-se que o recorrente (não obstante ter cumprido o seu ónus de impugnação especificada quanto aos aspectos formais indicados nos números 3 e 4 do artigo 412º do C.P.P.) não consegue demonstrar – substancialmente - que a sua versão dos factos se deve impor.

Em concreto e por afirmação do recorrente, estão em causa os factos referidos na sua conclusão 41 (v. conclusão 115), o que revela a proximidade entre as alegações relativas à falta de fundamentação e as relativas à impugnação factual.

Estas, as conclusões relativas à matéria de facto, vão da conclusão 61) à 115).

E abarcam, no essencial, a falta de qualidade de imagens de CCTV no porto de Sines e a falta de prova directa, suficiente, de que as malas sairam do iate, passaram pelo passadiço e que se não cria o nexo com o seu aparecimento no carro do arguido B.

Vimos já que esta impugnação é insustentável face às imagens e aos depoimentos dos agentes da PJ.

O ticket ocupa as conclusões 66) a 71) e diz respeito à apreensão de um ticket de supermercado das Bermudas dentro de um saco preto que continha cocaína.

Apesar de visto pelos agentes, de constar do processo como apreendido e de uma agente, L, identificar o local onde se encontrava, o arguido sustenta a impossibilidade de tal acontecer pois que, estando as embalagens de cocaína húmidas o tickect não estava, apesar de o saco ter contido aquelas embalagens por um dia (e não dois, como argumenta o recorrente).

Tratando-se de invocação de erro notório na apreciação da prova por apelo à decisão recorrida – mas aceitando nós, para facilitar, o apelo a elemento de prova além da decisão recorrida - nem a lógica impõe a conclusão pretendida pelo recorrente, nem o papel analisado seria destruído pela humidade por cerca de 24 h., apesar de ainda agora encarquilhado.

Mas a essencialidade da impugnação do recorrente centra-se na falta de vigilância do veículo que transportava a cocaína, o que se concretiza nas conclusões 71) a 115), desenvolvidas nas motivações a fls. VIII-2585 e ss.

Aqui o recorrente defende que não é possível dar como adquirido que o veículo esteve sempre sob vigilância pelo que houve, necessariamente, substituição dos telefones que os arguidos A e B afirmaram estar na viatura pela droga que veio a ser apreendida. Para tanto recorrem aos depoimentos dos agentes da PJ que procederam à vigilância e às tardias declarações daqueles arguidos, no final da audiência de julgamento.

Ora, do que se extrai dos depoimentos dos agentes da PJ, Q, F e L, que foram transcritos pelo recorrente confirma-se a visão do tribunal recorrido. Isto é, a viatura Nissan na posse do arguido B foi seguida desde Grândola até ao hotel e permaneceu na garagem até ao dia seguinte, dia em que se procedeu à busca e apreensão da cocaína no seu interior.

E os agentes da PJ garantiram que vigiaram o exterior do quarto do arguido B e a entrada da garagem, afirmando haver pouco tráfico e que apenas dois ou três veículos saíram daquela garagem com famílias no seu interior.

Os arguidos B e A reproduziram, em últimas declarações, uma versão favorável, a dos telefones substituídos por cocaína enquanto a viatura esteve, nessa noite, na garagem.

Do exposto conclui o recorrente: - a viatura não esteve sempre sob vigilância; - várias situações poderiam ter ocorrido; - pelo que não vale prova indirecta; - logo opera o princípio in dubio pro reo.

A resposta possível a esta impugnação passa por afirmar que as provas e os argumentos do recorrente não impõem outra convicção, sequer tornam verosímil outra decisão de facto tal a fragilidade dos argumentos.

Afirmar que a viatura esteve sem vigilância durante a noite, numa garagem de hotel encerrada, de reduzido trânsito de viaturas, com agentes da PJ a vigiarem a entrada da dita garagem, sem conhecimento de outrém de que naquela data a mesma estivesse aparcada no local e que “algo” poderia ter ocorrido, é crer numa infima probabilidade conspirativa que exigia muito mais labor para o convencimento de qualquer tribunal.

Por outro lado, face a tal, não pode operar o princípio in dubio pro reo, pois que este exige um inultrapassável impasse probatório e, aqui, a verdade processual alcançada está para além da dúvida razoável.

Improcede, portanto, a impugnação factual.


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B.4.3 – O tráfico agravado – conclusões 116ª a 122ª.

No essencial o recorrente, para considerar inexistente a agravação, invoca o seguinte:

Não foi feita prova de que o arguido pretendesse obter avultada compensação económica, pelo que a sua conduta não integra a prática do crime agravado de tráfico de estupefacientes, mas antes a do crime previsto no artigo 21° do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro.

Como afirmava o Cons. Simas Santos no acórdão do STJ de 22-01-2009 (proc. 08P4125) é “inabarcável a jurisprudência deste Tribunal sobre a noção de avultada compensação económica, enquanto circunstância qualificativa do crime de tráfico de estupefacientes …”.

No essencial o problema, porque se trata de subsunção à al. c) do artigo 24º do Dec-Lei nº 15/93, centra-se na definição do conceito de “avultada compensação remuneratória”.

E naquele mesmo aresto o referido magistrado já dava conta do abandono da tese que recorria ao conceito de valor consideravelmente elevado (o que excede 200 unidades de conta) contido no artigo 202.º, al. b), do C.P.P., considerando que o mesmo apenas tem relevância para os crimes contra o património.

De facto a jurisprudência tem sido explícita na afirmação de que o conceito de avultada compensação remuneratória tem que ser encontrado numa apreciação global dos factos provados levando em conta aquilo que caracteriza a actividade de tráfico, designadamente a quantidade e qualidade do estupefaciente, o posicionamento do agente no tráfico e a percepção de que a vantagem económica seria relevante, mesmo em caso de médio tráfico, não se exigindo a sua concretização ou demonstração contabilística por tal ser impossível.

Elucidativo é a este respeito o sumariado nas proposições I a IV do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04-12-2008 (proc. 08P3456, sendo relator o Cons. Maia Costa):

I - A verificação da agravação prevista na al. c) do art. 24.º do DL 15/93, de 22-01 [quando o agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória], não depende de uma análise contabilística de lucros/encargos, irrealizável, pelas características clandestinas da actividade.
II - O carácter “avultado” da remuneração terá que ser avaliado mediante a ponderação global de diversos factores indiciários, de índole objectiva, que forneçam uma imagem aproximada, com o rigor possível, da compensação auferida ou procurada pelo agente.
III - Assim, a qualidade e quantidade dos estupefacientes traficados, o volume de vendas, a duração da actividade, o seu nível de organização e de logística, e ainda o grau de inserção do agente na rede clandestina, são factores que, valorados globalmente, darão uma imagem objectiva e aproximada da remuneração obtida ou tentada.
IV - “Avultada” será, assim, a remuneração que, avaliada nesses termos, se mostre claramente acima da obtida no vulgar tráfico de estupefacientes, revelando uma actividade em que a ilicitude assuma uma dimensão invulgar, assim justificando a agravação da pena abstracta em um quarto, nos seus limites máximo e mínimo.

Assim, no caso dos autos duas realidades se impõem desde o início: a qualidade, cocaína, e a quantidade, elevada.

Depois o preço do respectivo estupefaciente, também elevado, a potencialidade do negócio e a posição dos arguidos nele, tráfico internacional de grandes quantidades para distribuição, num dos mercados de maior potencial lucrativo, a Europa.

A imagem global resultante não deixa qualquer dúvida sobre a operatividade da qualificativa.

Improcedente, pois, a razão de desacordo.


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B.5 – Recurso do arguido B

B.5.1 – A qualificativa prevista na alínea c) do art.º 24.º de Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro – conclusão 10ª.

O tribunal recorrido errou ao integrar a conduta do arguido no artigo 24° do D.L. 15/93, de 22.1, pois, se tivesse sopesado todas as circunstâncias, concluiria pela ilicitude mediana da sua conduta e assim o condenado apelo crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21° do referido diploma.

Nesta matéria remetemos para o ponto B.4.3 (recurso do arguido A) onde já fundamentámos a improcedência da alegação, não havendo questões ou sub-questões diversas ou novos argumentos a tratar.

Em função disto o objecto do recurso deste recorrente fica limitado à matéria a tratar infra em B.9.


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B.6 – Recurso do arguido C

B.6.1 – A nulidade do acórdão por falta de fundamentação – conclusões 31ª e 32ª.

Nesta matéria remetemos para o ponto B.4.1.b.2 (recurso do arguido A) onde já fundamentámos a improcedência da alegação.


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B.6.2 – A impugnação da matéria de facto dada como provada – conclusões 33ª a 36ª.

As imagens de vídeo que suportam a prova não têm qualidade, pelo que nenhum facto poderia o tribunal dar como provado com base nas mesmas e muito menos com base nos comentários dos Inspectores da Polícia Judiciária sobre tais imagens, pelo que a valoração das mesmas viola o disposto nos artigos 128° e 130° do Código de Processo Penal.

Fazendo apelo ao referido em B.4.2.b) a concreta arguição do recorrente centra-se em matéria já por nós abordada – e afastada - no ponto B.4.1 a), pelo que a questão é improcedente.


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B.6.3 – A qualificativa prevista na alínea c) do art.º 24.º de Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro – conclusões 37ª a 39ª.

Não foi feita prova de que o arguido pretendesse obter avultada compensação económica, pelo que a sua conduta não integra a prática do crime agravado de tráfico de estupefacientes.

Nesta matéria remetemos para o ponto B.4.3 (recurso do arguido A) onde já fundamentámos a improcedência da alegação.


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B.7 – Recurso do arguido D

B.7.1 – Da nulidade do despacho que indeferiu as diligências requeridas pelo arguido D.

As nulidades que se conheceram até agora têm uma característica comum. Devem ser conhecidas em recurso da decisão final na medida em que são insanáveis – a primeira, nulidade processual – ou implicaram valoração de prova que delas resultou (as buscas e a conversa informal).

Esta concreta razão de inconformidade invocada pelo arguido D não tem qualquer dessas características, não sendo uma nulidade processual insanável nem uma valoração de prova proibida.

Aliás, sequer se trata de qualquer nulidade, sim de um simples indeferimento de um requerimento que tinha por objecto uma pretensão de produção de prova. E esse requerimento, para acesso a prova apreendida nos autos, foi indeferido pelo tribunal recorrido.

Passamos por cima da circunstância de o recorrente não ter identificado devidamente o despacho recorrido. De facto, nem nas motivações nem nas conclusões (9ª a 13ª) o recorrente delimita a sua razão de insatisfação, localiza o despacho que pretende impugnar ou dá conta do seu teor.

Caberá ao tribunal adivinhar a sua localização e o seu teor apenas na medida em que o momento do conhecimento foi relegado pelo tribunal recorrido para a decisão final, ao invés da audiência de julgamento.

Afirma o recorrente (conclusão 12ª) que tal ocorreu no momento em que ofereceu a contestação e que se terá concretizado em não permitir a produção de elementos de prova.

Isto permite-nos afiançar duas coisas: desde logo que se não trata de nulidades de despacho, sim de despacho de indeferimento de produção de prova; depois, que a inconformidade do recorrente se deveria ter manifestado em recurso de tal despacho, para o qual o recorrente dispunha de prazo diverso, com início que antecedia o prazo de recurso de decisão final.

Ou seja, o recorrente deveria ter interposto, em tempo, recurso interlocutório de despacho que lhe indeferiu a produção de meios de prova. Não o tendo feito precludiria o seu direito a ver a matéria discutida nos autos por via do caso julgado formal.

Dir-se-á, no entanto, que a circunstância de na sua contestação (a fls. V-1652-1657, a 19-05-2015) requerer a produção de prova numa dupla vertente (acesso ao computador e solicitação de envio de ofício à marina de Sines), que não foi objecto de despacho anterior ao início da audiência de julgamento – como seria curial – altera o sentido da questão.

De facto, o despacho a conhecer de tais pedidos foi lavrado em audiência de julgamento a 08-07-2015 (acta a fls. VI-1.946) com um indeferimento por se tratar de requerimento genérico e sem indicação de uma pretensão concreta, fundamento que se nos afigura correcto.

A isso seguiu-se a invocação pelo ora recorrente (ainda na mesma sessão da audiência de julgamento), de uma suposta nulidade processual, que o mesmo caracteriza como integrante da al. d) do artigo 120º do C.P.P., a omissão de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade. E é o conhecimento desta alegação de invalidade que se relega para a decisão final, ao invés de um imediato indeferimento, que se impunha.

E não há como negar ao recorrente a expectativa de uma decisão que, expressamente, se relega para final, sob pena de coarctar o seu direito ao recurso, a uma segunda apreciação sobre o ponto suscitado, já que a ausência de decisão lhe inviabilizou o recurso interlocutório.

Dela conhecendo dir-se-á que o recorrente se fica pela argumentação genérica quanto ao direito de defesa e à existência de uma nulidade no despacho, quando aquilo que releva é a falta de concretização de uma das suas pretensões (o computador) e a inexistência de razão que justifique a segunda (solicitações à marina de Sines) quando o próprio a poderia obter e não alega razão para justificar a intervenção do tribunal.

De facto, o arguido tem direito à produção de prova. Esse direito está limitado, no entanto, pela sua admissibilidade, relevância jurídica e necessidade (artigos 124º e 340º, nº 1 e 3 do Código de Processo Penal). Se essa concretização é inútil para os autos, o princípio da necessidade impõe que não se admita. Ou seja, não há um direito absoluto à produção de qualquer prova de forma não controlada.

Como afirma o Prof. Prof. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal - 2º vol., 4ª edição, Lisboa – São Paulo, Verbo, 2008, pag. 134) “a preocupação do legislador em estabelecer o controlo judicial das provas permanece ao longo da história do direito e surge da necessidade de as limitar às que são imprescindíveis para a decisão, eliminando as que não têm que ver com os factos objecto do processo ou as que, ainda que tendo relação com eles, não representam novidade alguma que possa influir na decisão.

Na fase do julgamento o poder do tribunal de recusar a admissão e produção de prova requerida pela acusação e pela defesa é limitado pela sua inadmissibilidade, irrelevância ou superfluidade, inadequação, inobtenibilidade ou por ser meramente dilatória (artigo 340º, nº 3 e 4)”.

E há que reconhecer que o arguido não requereu prova que se revelasse necessária. A forma como requereu demonstrou a sua desnecessidade. Ou, dito de outra feição, o recorrente, no seu requerimento, não fez o mínimo esforço para elucidar o tribunal da prova que queria produzir com o acesso pretendido, nem da forma como o pretendia fazer.

Daqui decorre que se o direito de defesa se pode concretizar no peticionar de produção de um elemento de prova, dele não resulta o automatismo descontrolado da sua produção, um ónus de o tribunal adivinhar qual a pretensão do recorrente.

E, no caso de dois bens apreendidos (computador e iate) acresce a necessidade de o tribunal garantir que os mesmos não desaparecem ou é desvituado o seu conteúdo (computador), pelo que solicitar a produção de prova com esses dois bens pressupõe uma explicação minimamente detalhada do que se pretende e como se pretende.

Não tendo o recorrente cumprido o ónus de demonstração que está suposto no nº 4 do artigo 340º do C.P.P. é improcedente esta razão de divergência, devidamente sustentada enquanto indeferimento, irrealista enquanto alegação de nulidade.


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B.7.2 – A impugnação da matéria de facto, a fundamentação desta e o in Dubio Pro Reo – conclusões 14ª a 30ª.

Entende que o vídeo da actividade desenvolvida pelos arguidos na marina é insuficiente para dar como provado que as malas apreendidas saíram do veleiro e que o recorrente ali se encontrava e que auxiliou nessa tarefa; e que também os depoimentos da testemunha Mónica Tranter e Inspectora Ana Grijó não permitiam que o tribunal assim concluísse.
Quanto aos demais factos deverão ser dados como não provados, por não ter sido produzida prova, tendo o tribunal violado o disposto nos artigos 97°, n. 4, 374°, 379° e 401°, todos do Código de Processo Penal.

Fazendo apelo ao genericamente referido em B.4.2.b), a impugnação do recorrente centra-se igualmente na eficácia das imagens de CCTV, matéria já por nós abordada.

O recorrente acrescenta outros dois meios de prova, os depoimentos das testemunhas inspectora da PJ, H, e P. Os requisitos de impugnação mostram-se cumpridos pelo recorrente.

No entanto o conjunto das provas indicadas, incluindo os trechos transcritos dos depoimentos, não impõem diversa decisão.

Aliás o recorrente concorda com esta asserção já que as suas conclusões vão em dois sentidos semelhantes mas diversos deste: conclui por ausência de prova da prática dos factos pela sua pessoa (com falha na fundamentação factual) ou, ao menos, pela existência de uma dúvida que deve conduzir ao operar do princípio in dubio pro reo.

Cremos que sem razão em qualquer das vertentes indicadas: não há ausência de fundamentação adequada, a prova é suficiente para a imputação dos factos, os depoimentos transcritos nem geram dúvida factual nem obrigam a outra decisão e, igualmente, não permitem o operar do princípio in dubio pro reo.

Injustificada a alegação do recorrente.


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B.7.3 – A qualificação por tráfico agravado – conclusões 31ª a 37ª.

Não foi feita prova de que o arguido pretendesse obter avultada compensação económica, pelo que a sua conduta não integra a prática do crime agravado de tráfico de estupefacientes, nem os elementos dos autos permitem concluir que seja co-autor dos factos, mas antes um cúmplice.

Nesta matéria remetemos para o ponto B.4.3 (recurso do arguido A) onde já fundamentámos a improcedência da alegação, sendo certo que a argumentação do recorrente apenas acrescenta dois argumentos de forma explícita: a não concretação da possibilidade de ganho elevado; a menor ilicitude da actuação do arguido referida pelo tribunal recorrido.

Quanto à primeira – e como já supra deixámos implícito – não se exige na qualificativa uma prova cabal de um concreto ganho, sim a perspectiva desse ganho. Quanto à segunda, a referida menor ilicitude é referida ao tipo penal ao qual a conduta se subsume, não implicando essa ilicitude diminuída uma integração em tipo penal diverso.

Improcede, portanto, esta razão de descontentamento do recorrente.


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B.7.4 – A comparticipação – conclusões 38ª a 44ª.

Os arguidos actuaram em co-autoria, sem sombra de dúvidas já que se verificam relativamente a todos eles os pressupostos da co-autoria, o elemento subjectivo (o acordo, a decisão, expressa ou tácita, para a realização de determinada acção típica) e o elemento objectivo, “a realização conjunta do facto, o tomar parte directa na execução”.

Ou seja, houve “domínio funcional do facto”, o que define a co-autoria segundo a teoria do domínio do facto. Houve decisão sobre a realização do facto (domínio do facto material como domínio da decisão) e domínio do facto através da configuração do facto (domínio do facto material como domínio de configuração), sendo certo que aos cinco arguidos coube assegurar a realização da acção executiva.

A co-autoria supõe sempre uma divisão de tarefas e/ou um agir conjunto que torne possível o crime, o facilite ou que diminua os riscos da acção. E, no caso, existe este “agir conjunto” que facilitou e diminuiu os riscos da acção (deslocação conjunta).

Como se afirma no acórdão do STJ de 10-01-2008 (Proc. 07P4277, rel. Cons. Simas Santos): “(3) “verifica-se a co-autoria quando cada comparticipante quer o resultado como próprio com base numa decisão conjunta e com forças conjugadas, bastando um acordo tácito assente na existência da consciência e vontade de colaboração, aferidas aquelas à luz das regras de experiência comum”.

Por isso que se entenda que todos os arguidos agiram em co-autoria de um mesmo crime. Outrossim, neste tipo de crime é inescapável que o seu “largo espectro” facilita o surgimento da figura da co-autoria.

Isso, aliás, é de alguma forma salientado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-10-2004 (Proc. n.º 1875/04 - 3.ª Secção, rel. Cons. Henriques Gaspar) quado afirma que (proposição II) a execução conjunta não exige que todos os agentes intervenham em todos os actos, mais ou menos complexos, organizados ou planeados, que se destinem a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a actuação de cada um dos agentes seja elemento componente do conjunto da acção, e que o tipo de crime “apresenta uma configuração típica de largo espectro, de tal modo que qualquer contacto ou proximidade com produto estupefaciente permite, por si, integrar por inteiro a tipicidade” (proposição V).

De resto convém recordar que os arguidos que invocam a qualidade de meros cúmplices – D e E – estão a motivar e concluir contra factos provados, como é patente no teor dos factos provados sob:

17) - Conforme atrás referido, nessa altura, a cocaína, com o peso bruto de 167.916,515 gramas, com o conhecimento dos Arguidos A, C, D e E, veio a ser colocada no mencionado veleiro denominado GLORIA.
59) - A partir dessa altura, os quatro Arguidos estiveram a colocar as 150 embalagens com cocaína, que retiraram do referido esconderijo do barco, no interior de seis malas, cinco delas novas, tipo trolley, quatro de cor bordeaux e um de cor azul e uma mala/saco de viagem de cor preta, já usada.
70) - Enquanto o Arguido A esteve ausente, os Arguidos C, D e E continuaram a colocar embalagens com cocaína no interior das malas.
136) - Todos os Arguidos tinham conhecimento da existência, primeiro, dentro do veleiro e depois dentro das seis malas, da elevada quantidade de cocaína que veio a ser apreendida, tendo participado e actuado, da forma atrás descrita, com o propósito de concretizar o transporte e futura comercialização do estupefaciente, obtendo, em contrapartida, elevados proventos económicos.
138) - Pelo que aqueles Arguidos, pela sua actuação no transporte e guarda do estupefaciente apreendido, receberiam avultada compensação monetária, em montantes não apurados.
139) - Os mencionados Arguidos, ao actuarem conforme supra descrito, contribuíram, na parte que lhes competia, para a prática do crime, agindo sempre com a consciência de que o cumprimento das respectivas tarefas era indispensável à prossecução dos objectivos delineados.
140) - Todos os referidos Arguidos conheciam a natureza estupefaciente daquele produto apreendido.
145) - Mais actuaram em conjugação de esforços e mediante acordo prévio.


Acresce que facto algum minimamente sugere a cumplicidade, certo que o serem tripulantes o não demonstra ou aventa.

É, pois, irrecusável a co-autoria.


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B.8 – Recurso do arguido E

B.8.1 – A impugnação da matéria de facto – conclusões XI a XXV.

As imagens de vídeo que suportam a prova de que o arguido Hans estava no veleiro e ajudou a carregar as malas para a viatura não têm qualidade, pelo que nenhum facto poderia o tribunal dar como provado com base nas mesmas e muito menos com base nos comentários dos Inspectores da Polícia Judiciária sobre tais imagens, pelo que a valoração das mesmas viola o disposto nos artigos 3400 do Código de Processo Penal.

Quanto aos demais factos deverão ser dados como não provados, por não ter sido produzida prova e tendo o tribunal os considerados provados com base em convicção.

Chamamos à colação o já fundamentado em B.4.2.b).

E acrescentamos que o recorrente pretende invocar falta de prova para sustentar os factos dados como provados e erro na apreciação probatória, factos esses que identifica em kk) das motivações (fls. 2326) e conclusão XIX, mas o teor destas não contém argumentação que demonstre a existência de erro de conhecimento oficioso, erro notório na apreciação da prova, nem válida impugnação parcial na medida em que incumpridos os respectivos pressupostos

Nesta última sede, a impugnação factual, o recorrente argumenta com o que consta de III) das conclusões, transcrição de parte dos depoimentos dos inspectores da PJ Carlos DM e H, cujo teor não impõe diversa apreciação da prova.

No essencial as motivações e conclusões do recorrente são um manifesto de desagrado pela decisão factual e o apelo a uma nova reapreciação probatória, o que está vedado ao tribunal ad quem sem que se mostre cumprido o ónus de impugnação contido nos números 3 e 4 do artigo 414º do C.P.P.


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B.8.2 – A forma de comparticipação – conclusões XXVI a XXXVIII.

Remetemos, neste ponto, para o já fundamentado em B.7.3.


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B.8.3 – A qualificação – conclusões XXXIX a XLVII.

Não foi feita prova de que o arguido pretendesse obter avultada compensação económica, pelo que a sua conduta não integra a prática do crime agravado de tráfico de estupefacientes, nem os elementos dos autos permitem concluir que seja co-autor dos factos, mas antes um cúmplice.

Nesta matéria remetemos para o ponto B.4.3 (recurso do arguido A) onde já fundamentámos a improcedência da alegação.


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B.8.5 – O princípio in dubio pro reo - conclusões LVI a LXI.

Por aquilo que supra já ficou explanado em sede de fundamentação da sentença recorrida e, consequentemente, sobre vícios de facto e presunções, já podemos extrair a conclusão de que a certeza judicial atingida no caso concerto afasta a aplicabilidade do princípio in dubio pro reo.

O princípio in dubio pro reo, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» – Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997.

Essa «dúvida que há-de levar o tribunal a decidir pro reo tem de ser uma dúvida positiva, uma dúvida racional que ilida a certeza contrária, ou, por outras palavras ainda, uma dúvida que impeça a convicção do tribunal» - Ac. STJ de 25-10-2007 (in proc. 07P3170, relator Cons. Carmona da Mota, citando a autora anteriormente citada).

O que não ocorre no caso em apreço.

Entende-se, portanto, que o tribunal recorrido valorou os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objectivos que permitem estabelecer um “substrato racional de fundamentação e convicção”, com o apoio de presunções naturais, “juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido“ – v. g. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 07-01-2004 (Proc. 03P3213 - Rel. Cons. Henriques Gaspar).

Não há, pois, que censurar o tribunal recorrido na apreciação e fundamentação da prova por ele efectuada e pela não aplicação do princípio in dubio pro reo.


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B.9 – Das penas.

É certo que o tribunal recorrido na fundamentação da medida das penas foi pouco explícito na ponderação das circunstâncias atenuantes gerais, ficando-se por uma referência geral às condições “pessoais e familiares” dos arguidos.

Certo é, também, que no acervo de factos a considerar para a determinação da sanção sobrelevaram – como tinham que sobrelevar – os atinentes aos aspectos de agravação face ao elevadíssimo grau de ilicitude das condutas, culpa intensíssima, ausência de auto-censura, perigos elevados supostos nas consequências dessas condutas.

Por outro lado, face à forma que revestiram as detenções, o flagrante, algumas circunstâncias atenuantes, como a confissão, assumem reduzidíssimo valor. A idade e as condições pessoais evidenciadas não são de molde a jogar um papel de relevo numa maior atenuação da pena.

Assim, relativamente a todos os recorrentes, o elevadíssimo grau de ilicitude das suas condutas, a sua culpa intensa, as circunstâncias da acção – elevada quantidade de droga, sua qualidade, inserção em tráfico internacional marítimo - antes de permitirem uma atenuação da pena sempre aconselhariam o seu agravamento, considerando uma moldura penal abstracta de 5 a 15 anos de prisão, o que se não compagina possível vista a proibição da reformatio in pejus.


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B.9.1 – Arguido A - a medida da pena – conclusões 127ª a 138ª.

A pena concreta é excessiva se se atentar que se tratou apenas de um transporte, que a actuação do arguido não era imprescindível para a consumação da operação, a idade do arguido, a sua situação familiar.

No caso do recorrente A vêm articuladas circunstâncias que não alteram este entendimento.

Assim o facto de se tratar de um único transporte é irrelevante pois que a lei não prevê nem supõe que sejam muitos. Basta um.

Quanto ao não ser a actuação do arguido imprescindível para a consumação da operação é questão já tratada a propósito da co-autoria e nela se esgota.

A idade do arguido e a sua situação familiar em nada justifica um abaixamento da medida da pena.

Dos factos provados sob 148) a 153) e que caracterizam a sua situação pessoal, familiar e social nada resulta que aponte para um juízo de mitigação das necessidades de prevenção que os factos provados relativos à ilicitude e culpa demonstram.

Por outro lado as considerações expendidas sobre o seu papel na acção contêm alegação de factos que não resultaram provados e os provados negam-nas, designadamente as que constam das suas conclusões 129) a 134), exceptuada a idade.

Não estamos perante um “simples peão de brega” mas um coordenador da acção, o que aconselha um olhar de maior gravidade sobre a sua conduta, razões por que se mantém a pena imposta.


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B.9.2 – Arguido B - a pena de prisão que lhe foi imposta – conclusões 11ª a 15ª.

Entende ser elevada a pena concreta aplicada, pois devia o tribunal ter sopesado a confissão parcial do arguido e os seus hábitos de trabalho, impondo-se uma pena no seu limiar mínimo, pelo que terá violado o tribunal o disposto no artigo 71° do Código Penal.

Relativamente ao arguido Krokoszynki chamamos à colação as considerações anteriores e fazemos notar que, de forma específica, vem alegado que o tribunal não atendeu à confissão parcial e aos seus hábitos de trabalho.

Como já se afirmou supra, a confissão assume muito reduzido valor dada a configuração dos factos relativos à detenção do arguido, que tornaram inviável uma não assunção, ao menos parcial, dos factos imputados.

Por outro lado o ter hábitos de trabalho, sendo louvável, não pode aqui funcionar como atenuante geral com um mínimo de peso relevante.

As razões invocadas nas conclusões 11ª e 12ª dizem mais respeito à qualificação jurídica das condutas, já supra tratadas, do que à pena concreta aplicada.

Improcedem, pois, as razões de inconformidade quanto à pena concreta imposta.


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B.9.3 – Arguido C - medida da pena – conclusões 40ª e 41ª.

O tribunal não atendeu a várias circunstâncias atenuantes, como a idade do arguido, a sua saúde e o facto de ser primário.

Em conclusões o arguido evoca três factos que entende merecerem um juízo atenuativo que não foram acolhidos pelo tribunal recorrido. São eles a idade de 68 anos, a sua saúde (enfarte e cancro) e o seu comportamento anterior.

Nas suas motivações (a fls. VIII-2532) o recorrente, com base nos mesmos factos, afirma que se justificava relativamente à sua pessoa uma “pena especialmente atenuada”.

Quer-nos parecer que a pretensão se concretiza num pedido de atenuação por existência de três factos vistos como circunstâncias atenuantes gerais e a referência supra indicada não é a invocação de uma circunstância atenuante modificativa prevista no artigo 72º do Código Penal.

Não só porquanto não prevista, também porque tais factos, tendo óbvio relevo na história pessoal do recorrente, não preenche nenhum dos requisitos que permitam a operatividade do preceito, a diminuição acentuada da ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

Os factos trazidos à colação são atendíveis e foram atendidos pelo tribunal recorrido na menção às “condições pessoais” dos arguidos.

Assim, é improcedente a razão de insatisfação quanto à pena concreta aplicada ao arguido.


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B.9.4 – Arguido D - a medida da Pena – conclusões 45ª a 50ª.

O tribunal não ponderou, para a concretização da pena, a ausência de antecedentes criminais e as condições pessoais do arguido, violando o disposto nos artigos 40°, 70°, 71° e 72°, todos do Código Penal.

Pede o arguido que as penas sejam aplicadas pelo mínimo e suspensas na sua execução.

Como se afirmou supra não obstante o tribunal ter sido pouco explícito quanto às atenuantes não se pode deixar de considerar que os aspectos atenuativos referidos pelo recorrente tenham sido sopesados, não só pela referência genérica feita pelo tribunal, também porquanto numa moldura abstracta com os valores supra apontados só um peso muito grande dados àquelas circunstâncias pode fazer entender o quantum das penas impostas.

No entanto tem razão o recorrente – melhor se diria, passa a ter razão - ao fazer a equiparação à pena imposta ao arguido E igualmente feita, aliás, pelo tribunal recorrido. Isto porquanto procedente o recurso deste por inexistência de antecedentes criminais e sendo igualáveis as condutas, ilicitude e culpa, as penas devem permanecer idênticas.

Assim a pena do recorrente deverá ter redução idêntica à que virá a considerar-se adequada para o arguido E.


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B.9.5 – Arguido E - a determinação da pena concreta – conclusões XLVIII a LV.

Para a determinação da pena concreta o tribunal valorou um certificado de registo criminal escrito em alemão e que não foi traduzido, sendo a sua valoração nula, nos termos dos artigos 92° e 379°, n. 2, ambos do Código de Processo Penal.

Invoca o arguido o disposto nos artigos 92º, n. 3 e 166º do Código de Processo Penal para sustentar a sua inconformidade. Cremos, no entanto, que apenas uma das normas é invocável.

A primeira, indicada com lapso, é o artigo 92º, n. 1 do C.P.P e refere-se a “actos processuais”, que devem ser praticados em língua portuguesa.

Como a razão da alegação do recorrente se centra na junção de um documento em língua alemã a dita norma não é a aplicável. Já o será o artigo 166º, n. 1 do código na medida em que se trata de traduzir documento (a remissão do preceito para o n. 6 do artigo 92º não altera o afirmado).

A tradução de documento está, no entanto, sujeita a um juízo de necessidade. Esse juízo impõe-se no caso já que os documentos estão em lingua de difícil percepção para a maioria dos intervenientes.

Trata-se do facto dado como provado sob 210) que reza: «Segundo informação prestada pelas autoridades policiais suíças, este Arguido foi condenado por infracções graves à lei federal suíça sobre estupefacientes em 2007».

E tal facto não é inócuo mas é iníquo.

Não é inócuo pois que permitiu ao tribunal recorrido sopesá-lo como circunstância agravante geral e é iníquo pois que dá o recorrente como “condenado” pelas polícias, não permite o contraditório quanto aos fundamentos de eventual condenação, nem se sabe desta, factos que a determinaram, juízos sobre ilicitude e culpa e natureza e medida da sanção eventualmente imposta.

E não obstante não transcrita em devido tempo, comme d´habitude, a Decisão-Quadro nº 2008/675/JAI do Conselho, de 24-07-2008 (que deveria ter sido transposta até 15-08-2010), sempre seria curial reconhecer a necessidade de dispor da sentença penal anterior lavrada noutro Estado membro devidamente traduzida para apurar dos critérios necessários à agravação geral da pena imposta.

Isto implica que tal facto, o 210º, deva ser dado como não provado e reduzida a pena imposta para os 5 anos e 8 meses de prisão, considerando que o mínimo são os 5 anos e o jogo de circunstâncias adequadamente consideradas pelo tribunal recorrido não permite que a pena se aproxime mais daquele limite.


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B.10 – Dos perdimentos.

B.10.1 – Desde logo impõe-se afirmar a inaplicabilidade do artigo 7º (Perda de bens a favor do Estado) da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro (Medidas de combate à criminalidade organizada).

Não obstante inserido no catálogo de crimes permissivo da operatividade do normativo ao caso concreto não é possível operar a presunção contida no artigo 7º, n. 1 da citada Lei na medida em que essa presunção se limita aos producta sceleris (a “vantagem de actividade criminosa” do nº 1 do artigo 7º) e porquanto se desconhece a totalidade dos factos que seria pertinente apurar para fazer funcionar a presunção (“a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito).

A questão limitar-se-ia à aplicação ao caso dos autos do disposto no artigo 109º do Código Penal (perda de instrumentos e produtos) o qual determina que serão “declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos”.

Quanto à perda de objectos (instrumentos e vantagens) é patente que tem havido uma inflexão jurisprudencial na interpretação, muito mais restritiva, do disposto neste preceito, de que é exemplo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-02-2007 (Processo: 06P4815 Rel. Cons. Henriques Gaspar), [31] no sentido de centrar a declaração de perdimento na natureza da coisa e no risco intrínseco de prática de novos ilícitos.

Mas isto quanto à generalidade dos crimes.

Relativamente aos crimes previstos no Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, parece ser mais acertado dar a devida importância a uma outra dissensão jurisprudencial entre o entendimento de que o artigo 109º é aplicável como norma geral de integração a qualquer tipo de ilícito criminal, no que ora interessa, incluindo os crimes de tráfico de estupefacientes (o acórdão do STJ supra citado) e os que entendem que a alteração introduzida pela nº Lei n.º 45/96, de 03/09 ao artigo 35º Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, afasta aquela aplicabilidade e gera um automatismo da declaração de perdimento quando estamos perante este tipo de crimes. [32]

De facto a mera leitura do preceito - artigo 35.º, nº 1 do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro - nas duas redacções faz ressaltar essa diferença. [33]

Se inicialmente pensámos que o automatismo previsto na norma não poderia funcionar estando em causa um direito constitucionalmente protegido, como o da propriedade privada (artigo 62º da Constituição da República Portuguesa), hoje tendemos a considerar justificada a diversidade de regimes e a teleologia da alteração legal, com o fito de retirar aos agentes do ilícito os instrumentos e vantagens deste, sabidas as dificuldades postas pelas novas formas de tráfico que dificultam a acção dos clássicos meios de acção policial e judicial.

Aquele nocivo automatismo é claramente temperado pelo uso, judicial, dos critérios da causalidade e proporcionalidade aplicáveis ao caso concreto, o que afasta qualquer juízo de censura constitucional.

É assim que essa jurisprudência, a que assume a segunda posição supra exposta, discorre:

«VIII. De acordo com o disposto no art. 35.º do DL 15/93, de 22-01, são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido, ou estivessem destinados a servir, para prática de uma infracção prevista no respectivo diploma. Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário das Leis Penais Extravagantes, Vol II, págs. 530 e ss., a redacção inicial do artigo em causa, seguindo o teor do art. 109.º do CP, exigia, para a declaração de perda a favor do Estado, que os instrumentos ou produtos do crime, pela sua natureza ou circunstâncias do caso, pusessem em perigo a segurança das pessoas ou a ordem pública, ou oferecessem sério risco de vir a ser utilizados para o cometimento de novos crimes. Tal exigência foi suprimida com a alteração introduzida pela Lei 45/96, de 03-09, derrogando a norma geral do art.109.º do CP, parecendo implicar uma consequência automática prática ou do destino à prática dos objectos declarados perdidos a favor do Estado.
IX. A perda de bens não tem uma natureza jurídica unitária. Assume um carácter próximo da sanção penal quando se dirige contra o autor, ou participante, ao qual pertencem os objectos e, neste caso, serve, simultaneamente para a defesa da colectividade, para a prevenção geral para expressar a ideia da perda da propriedade sobre os instrumentos do delito e para influir em sede de prevenção especial, sobre o agente, que mediante a perda pode ficar afectado com maior dureza que pela própria pena. Pelo contrário, constitui uma medida de segurança quando se impõe sem atender à propriedade, ou seja, quando se trata da perda indiferenciada em defesa da colectividade uma vez que os objectos em si mesmo a colocam em perigo pela sua natureza e circunstâncias.
X - A afirmação dual do instituto da perda de bens está estritamente imbricada com o exercício do direito de propriedade que lhes está associado, ou seja, se falamos do agente do crime terá toda a razão o apelo a critério de proporcionalidade entre a gravidade do crime e a configuração da intervenção do bem apreendido pois que está em causa a prevenção em qualquer uma das suas modalidades. Porém, se o bem pertencer a um terceiro, não tem justificação o apelo a critérios de culpa, ou proporcionalidade, mas unicamente releva a perigosidade evidenciada pelo bem.
XI - Por imposição do princípio da segurança, a jurisprudência tem vindo a desenhar alguns dos critérios que devem presidir à declaração de perda de bens instrumento do crime de tráfico de estupefacientes, nomeadamente quando este pertence ao agente, apelando a critérios de causalidade e proporcionalidade. Assim, para a declaração de perda a favor do Estado, é necessário que o crime não tivesse sido praticado (ou tivesse sido praticado de uma forma diferente, sendo essa diferença penalmente relevante) sem o objecto em causa (instrumento essencial), havendo que distinguir da utilização episódica ou ocasional. É necessário, por outro lado, que o malefício correspondente à perda represente uma medida justa e proporcional à gravidade do crime, ou à gravidade da própria pena (nela se incluindo não só a pena principal, como todas as penas, sanções acessórias e consequências da condenação).» [34]

Face a isto importa proceder à análise concreta das pretensões postas.


*

B.10.2 – Pretensões dos arguidos.

Arguido A - da apreensão de dinheiro – conclusões 123ª a 126ª.

Não deveria o tribunal ter declarado perdido a favor do Estado o dinheiro encontrado com o arguido, por não ter sido feita prova da origem ilícita do mesmo.

Arguido C - a perda do veleiro a favor do Estado – conclusões 42ª a 44ª.

Não deveria o tribunal ter declarado perdido a favor do Estado o veleiro pois este é a habitação permanente do arguido e tal perda é desproporcional.

Arguido D - os objetos e dinheiro declarados perdidos a favor do estado – conclusões 51ª a 54ª.

Não deveria o tribunal ter declarado perdidos a favor do Estado o computador, telemóvel e a quantia de 1.425,00 €, por não ter sido feita prova da origem ilícita dos mesmos.

Arguido E - a declaração de perdimento a favor do Estado do telemóvel e Ipad – conclusões LXII a LXIX.

Não deveria o tribunal ter declarado perdidos a favor do Estado o telemóvel e Ipad por não ter sido feita prova da sua essencialidade para a prática do crime.


*

No essencial invocam os arguidos a inexistência de nexo de causalidade entre os bens e o ilícito e a falta de proporcionalidade na declaração de perda do iate, alegada “habitação permanente” de um dos arguidos.

Face a qualquer das supra citadas posições jurisprudenciais é certo que a perigosidade das coisas não existe, já que a perigosidade intrínseca de um iate ou de material telefónico e informático nada tem a ver com a prática de crimes de tráfico de estupefaciente.

Mas essa perigosidade é inerente à sua mobilidade (iate) e capacidade de comunicação fácil (computadores, telemóveis e tablets) e, como tal, de meio essencial à capacidade de transporte da droga e comunicações necessárias entre arguidos e outros prováveis intervenientes.

Mas aqui estão os arguidos a olvidar factos provados.

De facto, o que se prova nos factos sob 62 a 64, 124 a 126, 129 e 131 (natureza e proveniência do dinheiro dos arguidos C, D e E), 141 e 143 (natureza do dinheiro, funções do iate e demais objectos digitais) inviabiliza a pretensão dos recorrentes A, D e E quanto à devolução das quantias monetárias e aparelhos digitais (telemóveis, computadores e tablets).

Relativamente ao iate é ainda mais nítido o nexo que se estabelece com o ilícito, sendo o mesmo essencialíssimo à sua prática e no modo como o foi, o mais favorável ao seu êxito pela capacidade de um iate não só fazer a travessia atlântica, também a de se misturar com o restante tráfego marítimo e de aportar a qualquer local, mesmo o mais recôndito e, por isso, de mais difícil detecção pelas forças policiais.

Na perspectiva diversa – a da proporcionalidade – não é manifestamente desproporcional declarar o perdimento de um iate com valor de cerca de 200.000,00 € num tráfego com um valor expectável de 8.000.000,00 € e na sequência de um caso de tráfico de estupefacientes de âmbito internacional onde se demonstra, de forma insofismável, a essencialidade do uso do dito iate na actividade ilícita.

Improcedentes, pois, as pretensões dos arguidos.


***

C - Dispositivo:

Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal de Relação de Évora:

A - Em conceder parcial provimento aos recursos dos arguidos D e E e, em consequência:

Ø dão como não provado o facto provado sob 210º («Segundo informação prestada pelas autoridades policiais suíças, este Arguido foi condenado por infracções graves à lei federal suíça sobre estupefacientes em 2007»).
Ø reduzem as penas impostas a esses arguidos para os 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão;
B - Em negar total provimento aos recursos dos restantes arguidos.

Custas pelos arguidos que não obtiveram provimento, com a taxa de justiça de 5 (cinco) Ucs..

Comunique, de imediato, ao tribunal recorrido, independentemente do trânsito e com essa menção.

(elaborado e revisto pelo relator antes de assinado).

Évora, 16 de Fevereiro de 2016

João Gomes de Sousa

Antóno Condesso

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[1] - In “Reforma do Código Penal - Trabalhos Preparatórios”, Assembleia da República, 1995, 4º Volume – Outras Audições Parlamentares, pag. 224.

[2] - V. o mesmo autor in “Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal”, Coimbra Editora, 1996. pp. 96-105.

[3] - Mas considerando haver “equiparação, para efeitos de tutela penal entre a habitação e os espaços vedados anexos”.

[4] Em co-autoria com Warren - In Harvard Law Review, vol. IV, December 15, 1890, nº 5, disponível (17-01-2016): http://www.english.illinois.edu/-people-/faculty/debaron/582/582%20readings/right%20to%20privacy.pdf

[5] - Hoje discute-se nos meios filosóficos e jurídicos se a “teoria da privacidade”, a “privacy” tal como invocada por Warrem e Brandeis e posteriormente pelo US Supreme Court, não foi uma forma errada de encarar o problema, principalmente a partir de um artigo de 1980 do Prof. Raymond Wacks da Universidade de Hong-Kong, com o título “The Poverty of Privacy” (“A miséria da privacidade”).

[6] - In “A condição humana”, Relógio d´Água Editores, Lisboa, 2001, pag. 74.

[7] - “A limitação voluntária do direito à reserva sobre a intimidade da vida privada”, in “Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues”.

[8] - «Assim, incluindo na autodeterminação informativa (ou “informacional”) o controle de informação sobre a vida privada Karl Larenz/Claus-Wilhelm Canaris, Lehrbuch des Schuldrechts, II ( Besonderer Teil, 2., Halbband, 13ª ed., München, 1994, §80, espec. p. 498 (v. também já Claus-Wilhelm Canaris, “Grundrechtswirkungen und Verhältnismä(igkeitsprinzip in der richterlichen Anwendung und Fortbildung des Privatrechts”, in Juristische Schulung, 1989, pp. 161-172).

A noção de “autodeterminação informacional" foi formulada para o domínio da protecção de dados constantes de ficheiros, pelo Tribunal Constitucional Federal alemão, segundo o qual "o livre desenvolvimento da personalidade sob as condições modernas do tratamento de dados pressupõe a protecção do indivíduo contra a recolha, armazenamento, utilização e cessão dos seus dados pessoais (...). Nas condições actuais e futuras de tratamento automatizado de dados, o poder do indivíduo de em princípio determinar ele próprio a cessão e utilização dos seus dados pessoais (...) requer protecção em medida especial" (Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts, vol. 65, pp. 1 e ss., em decisão relativa aos censos – "Volkszählungsurteil"). V. Klaus Vogelsang, Grundrechte auf informationelle Selbstbestimmung, Baden-Baden, 1987. Também o Tribunal Constitucional português, no Acórdão n.º 355/97 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 37, pp. 7), afirmou que os direitos reconhecidos pelo artigo 35º da Constituição impedem “que a pessoa se transforme em ‘simples objecto de informações”, podendo, como meios de protecção contra intromissões na esfera da vida privada de cada um, ser reunidos num “direito à autodeterminação informativa (informationelle Selbstbestimmung), na linha proveniente da decisão do Tribunal Constitucional alemão de 15 de Dezembro de 1983”.

A referida proveniência não impede, porém, a extensão da noção a outros casos de controlo sobre informação pessoal, permitindo perspectivar a outra luz o objecto dos direitos subjectivos em causa, embora sem os tornar desnecessários» - Nota do citado estudo do Prof. Mota Pinto, com bolds nossos.

[9] - In “Reforma do Código Penal - Trabalhos Preparatórios”, Assembleia da República, 1995, 4º Volume – Outras Audições Parlamentares, pag. 224.

[10] - V. o mesmo autor in “Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal”, Coimbra Editora, 1996. pp. 96-105.

[11] - P. Mota Pinto, “O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada”, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. LXIX, 1993, pp. 479-586,

[12] - V. Acórdãos do STJ de 15-02-1995 (CJ, I, 205), de 20-06-2001 (CJ, II, 221) e 12-07-2007 (http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d55c954f305ef2aa80257325002bf7f9?OpenDocument)

[13] - Considerou o tribunal que o registo de dados e o seu carácter sistemático ou permanente pode dar lugar à consideração de violação da vida privada. No caso concreto o requerente queixa-se, apenas, da divulgação posterior da sua imagem. O tribunal só considera haver violação do artigo 8º pelo excesso de publicidade. No entanto era uma providência prevista pela lei e a divulgação perseguia fins legítimos, a segurança pública, a defesa da ordem, a prevenção de infracções criminais e a protecção de direitos de outrém. O tribunal considera (§ 59) que é de relevante interesse do Estado a caça ao delinquente e a prevenção da criminalidade e não contesta que o sistema CCTV preenche de forma importante essas duas necessidades, cuja eficácia e sucesso são reforçadas pela publicidade dada ao sistema e às suas vantagens. Mas reprova a inexistência de preocupação de velar pela não identificação do requerente. Conclui que não foram suficientes as garantias de respeito pela vida privada e a divulgação pública (não em processo) das imagens foi um atentado desproporcionado à vida privada e uma violação do artigo 8º da Convenção.

[14] - “The right of the people to be secure in their persons, houses, papers, and effects, against unreasonable searches and seizures, shall not be violated, and no Warrants shall issue, but upon probable cause, supported by Oath or affirmation, and particularly describing the place to be searched, and the persons or things to be seized”.

[15] - V. “Oxford Companion to The Supreme Court of The United States”, Kermit Hall, 2º Edition, 2005, 554 e “Landmark Supreme Court Cases, The Most Influential Decisions of The Supreme Court of The United States”, Gary Hartman et al., 2004, p. 340.

[16] - Ver acórdão Kyllo em que a partir de um espaço público foi feita uma vigilância de uma casa por um dispositivo termal. O Tribunal considerou exigível um mandado e afirmou que o Governo pode ser impedido de usar tecnologia que não está à disposição do público)

[17] - Esta é uma área do direito (privacidade, buscas, pressupostsos de emissão de mandados judiciais) em que as tecnologias assumem um papel de relevo, razão que levou o Prof. Paul Schwartz (Privacy and Participation: Personal Information and Public Sector Regulation in The United States, 80, Iowa Law Review, 553, 1994) a apontar um dos elementos de insuficiência da cláusula, a “silenciosa capacidade da tecnologia para corroer as nossas expectativas de privacidade”.

[18] - Figura jurídica da “common law” que protege anexos e terrenos circundantes a uma habitação."At common law, the curtilage is the area to which extends the intimate activity associated with the “sanctity of a man's home and the privacies of life”. “Protection afforded the curtilage is essentially a protection of families and personal privacy in an area intimately linked to the home, both physically and psychologically, where privacy expectations are most heightened”.

[19] - Hanna Arendt, obra citada, pag. 64.

[20] - “O cerco legislativo à Comunicação Social” - Google. Sem fonte e data mas dado como escrito por: Marinho Pinto, Advogado, Jornalista do jornal EXPRESSO, Assistente Convidado da Universidade de Aveiro, onde rege a Cadeira de Direito e Deontologia da Comunicação no Curso de Novas Tecnologias da Comunicação do Departamento de Comunicação e Arte.

[21] - Este nº 1 do artigo 79º do Código Civil deve sofrer uma interpretação actualista no sentido de nele se acobertar a violação do direito à imagem através de fotograma ou filme e não ser reduzido à sua interpretação literal de que só existiria violação do direito à imagem se a mesma ocorrer através de fotografia.

[22] - “Alteração substancial dos factos em processo penal”, José Manuel Saporiti Machado da Cruz Bucho - Comunicações apresentadas no Colóquio “Questões Práticas na Reforma do Código Penal”, organizado pelo Centro de Estudos Judiciários e realizado em Lisboa no dia 13 de Março de 2009 no Fórum Lisboa, e no Tribunal da Relação de Guimarães, no dia 2 de Abril de 2009, no 7º aniversário deste Tribunal. Disponível in “http://www.trg.pt/info/estudos.html”.

[23] - In Direito Processual Penal, pags. 198-202, 1ª ed. 1974 Reimpressão.

[24] - Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 07-01-2004, proc. 03P3213, Relator Cons. Henriques Gaspar.

[25] - Acórdão citado.

[26] - “Concepção persuasiva” na terminologia de Jordi Ferrer Beltrán, in “La valoracion racional de la prueba”, Folosofía y Derecho, Marcial Pons, 2007, pag. 62.

[27] - Ou “concepção cognoscitivista”, que se apresenta coerente com o método de corroboração e refutação de hipóteses como forma de valoração da prova, versão limitada do princípio da imediação, forte exigência de motivação factual e recurso amplo em matéria de facto. Vide aut e ob cit. pag. 64 e nota 6.

[28] - Tema já por nós desenvolvido no acórdão desta Relação de 11-11-2014 no processo n. 331/12.7JALRA.E1.

[29] - Prof. Castro Mendes – “Do conceito de prova em Processo Civil”

[30] - Prof. Fig. Dias, in Direito Processual Penal, 1º, 194

[31] - “I - O fundamento da perda a favor do Estado dos instrumentos que serviram ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, prevista no art. 109.º do CP, não é uma qualquer relação instrumental com o facto, mas a natureza da coisa e as condições de perigosidade que tal natureza revele; a perda constitui, deste modo, uma medida de segurança pelos riscos do instrumento em relação à afectação de determinados valores, ou de prevenção pela especial aptidão («sério risco») para a prática de novos ilícitos. II - Trata-se de uma norma geral, que convive com a existência de outras previsões específicas para determinadas categorias de factos ilícitos típicos ou para bens específicos. III - No domínio das infracções tributárias, o regime relativo à perda de meios de transporte consta dos arts. 16.º, 17.º e 19.º do RGIT”.

[32] - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-02-2012 (Proc. 999/10.9TALRS.S1, rel. Cons. Santos Cabral).

[33] - Redacção do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro: “1 - São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas ou a ordem pública, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos”. Redacção da Lei n.º 45/96, de 03/09: “1 - São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos”.

[34] - O referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-02-2012 (Proc. 999/10.9TALRS.S1, rel. Cons. Santos Cabral).