Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P1771
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARMÉNIO SOTTOMAYOR
Descritores: ESCUTAS TELEFÓNICAS
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
AUDIÊNCIA
REGISTO DE VOZ
REGISTO DE IMAGEM
PRESSUPOSTOS
FIXAÇÃO DE PRAZO
PROVA PROIBIDA
Nº do Documento: SJ200707120017715
Data do Acordão: 07/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Sumário :

1. Apresentado, em audiência, pelo arguido, requerimento em que invoca a nulidade das escutas realizadas na fase de inquérito, o qual foi conhecido na decisão final, tendo sido indeferido, e de que houve recurso para a Relação, a decisão desta, porque tomada em recurso e não põe termo à causa, é irrecorrível para o Supremo Tribunal de Justiça, conforme estabelece a alínea c) do nº 1 do art. 400º, por referência da alínea b) do artº 432º, ambos do Código de Processo Penal.

2. Os registos de voz e de imagem para que possam ser recolhidos dependem de pressupostos substanciais, previstos no nº 2 do art. 6º da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro – autorização ou ordem do juiz de instrução, consoante a recolha seja levada a efeito na fase de inquérito ou na fase de instrução –, ficando sujeitos aos pressupostos formais constantes do art. 188º do Código de Processo Penal.

3. Não fazendo parte dos pressupostos substanciais a fixação de prazo para a recolha da voz ou de imagem, que teve lugar durante o inquérito e que foi devidamente autorizada pelo juiz de instrução criminal, não se encontra ferida de nulidade a prova obtida por esse meio.

4. Não se trata de prova proibida, nem se verifica abusiva intromissão na vida privada, garantida constitucionalmente, pois, sendo o crime de tráfico de estupefacientes um crime de grande danosidade social, a compressão dos direitos individuais decorrentes da utilização deste meio de prova não se tem por desproporcionada e, por se tratar de meio de prova documental, não é desnecessário, estando sujeito ao controlo judicial, que valora se os elementos recolhidos são, ou não, relevantes para a prova do crime.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA, identificado nos autos, acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º nº 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 15 de Janeiro, foi julgado, juntamente com outros arguidos, no âmbito do processo nº 23/03.8PSALRS, pelo tribunal colectivo da 1ª Vara de Competência Mista da comarca de Loures, vindo a ser condenado como autor material do referido crime, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão.
No decurso da audiência, através do requerimento de fls. 2575-2582. arguiu a nulidade das escutas telefónicas, com fundamento em que não foram “imediatamente” (no prazo de 15 dias) levadas ao conhecimento do Juiz de Instrução Criminal e em que há vários juízes a ordenar as escutas, sem que seja quem ordena a ouvir e decidir se as mesmas são ou não transcritas. No acórdão condenatório foi apreciada esta arguição, tendo o tribunal colectivo considerado que a nulidade a que se refere o art. 89º do Código de Processo Penal é sanável, pelo que o arguido deveria ter arguido a nulidade das intercepções até 5 dias após a notificação do despacho de encerramento do inquérito. Acrescenta que, contudo, nenhuma nulidade, sanável ou insanável, foi cometida, pois não houve hiatos temporais entre o termo das intercepções e os momentos em que foram levados ao juiz de instrução criminal os suportes com as conversas interceptadas; por outro lado, o sentido do segmento do texto do art. 188º nº 1 do Código de Processo Penal, segundo o qual a apresentação deve ser feita ao juiz que tiver ordenado ou autorizado as operações, não é o de esses elementos serem apresentados à pessoa física do magistrado que inicialmente autorizou ou posteriormente prorrogou o prazo das escutas, mas sim ao juiz de instrução que, no momento, seja o que detém a competência, material e territorial, para praticar actos jurisdicionais relativos àquele inquérito.

Inconformado com a condenação e com a circunstância de não ter sido atendida esta arguição de nulidades, o arguido AA recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, com vista a serem declaradas nulas as intercepções telefónicas e as gravações, determinando-se a proibição de prova obtida por esse meio, por violação do disposto no art. 188º nº 1 e 410º nº 3 do Código de Processo Penal, ou, se assim não se entender, considerar a insuficiência da matéria de facto e a existência de erro na apreciação da prova, por violação do disposto no art. 410º nº 2, als. a) e c) do Código de Processo Penal, com a consequente absolvição do arguido, ou se assim não for entendido, ser condenado nos termos do art. 25º nº 1 al. a) do Decreto-Lei n.º 15/93.
Tendo sido negado provimento ao recurso e confirmado na íntegra o acórdão recorrido e continuando o arguido irresignado, recorreu para o Tribunal Constitucional. Pretendia o recorrente que o Tribunal Constitucional apreciasse a inconstitucionalidade material das normas dos art. 188º e 189º do Código de Processo Penal, na interpretação seguida pelo Tribunal da Relação, segundo a qual a expressão “imediatamente” significa “logo que possível”, e também que o registo de imagem e voz sem consentimento do visado, previsto naquela primeira norma, possa ser levado a efeito sem designação de um prazo para esse efeito.
O recurso não foi admitido pela relatora no Tribunal da Relação de Lisboa, que considerou haver possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, não estando, portanto, esgotados todos os recursos ordinários que ao caso cabiam. Houve reclamação para o Tribunal Constitucional que confirmou a decisão de não admissão do recurso, com fundamento em que o reclamante não tinha suscitado perante o Tribunal da Relação a questão da inconstitucionalidade que pretende ver apreciada.
O arguido recorreu então ao Supremo Tribunal de Justiça, mas o recurso não foi admitido por se haver entendido ter sido interposto fora de prazo. Apresentada reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, foi a mesma deferida, tendo sido determinado que o recurso fosse recebido, por haver sido interposto no prazo de 15 dias subsequentes à data do trânsito em julgado do acórdão do Tribunal Constitucional, portanto, tempestivamente.

No recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, extraiu o recorrente as conclusões da sua motivação, a cuja transcrição se procede:
1 O douto acórdão não conheceu de toda a matéria de recurso. A omissão de pronúncia gera a nulidade do acórdão nos termos do art. 379°, nº 1, al. c) do CPP. O recorrente arguiu a nulidade das intercep­ções telefónicas aos nºs 918014390, 969295021, 967190357 e 968543031, a qual o tribunal não apreciou. Deve declarada a nulidade do douto acórdão.
2 JIC por douto de despacho autorizou as escutas telefónicas ao nº 214784239 em 24.07.03 (fls102), foram levadas ao conhecimento do juiz em 27.08.03 (fls.209), entre aquele momento e este decorreu um hiato temporal de 33 dias, pondo em crise o disposto no art. 188° nº 1 do CPP, sem qualquer controlo efectivo do juiz, sendo as escutas telefónicas nulas.
3 Ao ser prorrogado o prazo das escutas telefónicas ao nº 214784239 (fls. 800) auto de intercepção foram juntas ao apenso (fls. 66), sem audição do JIC, ao que, consequentemente, não ordenou a transcri­ção. Pelo exposto, há uma manifesta falta de fiscalização e controlo das escutas pelo JIC, não se verifican­do um controlo efectivo. Devem considerar-se nulas as intersecções telefónicas e gravações e consequen­temente determinar a proibição da prova por este meio obtido.
4 Por douto despacho de 06.08.03, foram autorizadas as intercepções telefónicas ao nº 963936656 (fls. 114) e, levadas ao conhecimento do juiz em 27.08.03 (fls. 209), e entre aquele e este momento decor­reu o hiato temporal de 21 dias .
5 Por sua vez, o juiz ordenou a transcrição no prazo de 2 dias, mas na realidade só em 23.09.03 (fls. 283) a PSP procedeu à junção aos autos do auto de transcrição.
6 Por douto despacho constante (fls. 240), foi prorrogado o prazo das intercepções ao nº 963936656, foram prorrogadas por 30 dias, o douto despacho não se encontra datado, sendo assim, é imprevisível determinar a data a partir da qual a prorrogação produz os seus efeitos, o despacho é nulo nos termos do artigo 118°e 122° ambos do CPP.
7 Por certo que um controlo mais apertado do Juiz se evitaria que fossem interceptados de postos tele­fónicos de cidadãos que afinal nada tinham a ver com a matéria que se investigou, mas que depois fo­ram, transcritos sem autorização e juntos aos autos.
8 Acresce, que ao elevado número de escutas levadas a cabo, nenhuma se revelou com interesse para a investigação. Além que, não tendo sido estas levadas ao juiz para as ouvir e mandar transcrever ou des­truir, a PSP em folha de informação de serviço 1470 - 1471, que propôs a desmagnetização ou destrui­ção e o JIC deferiu.
9 Por douto despacho datado de 28.08.03 (fls. 210), o juiz autoriza a intercepção telefone nº 918914390, e que foram levadas ao conhecimento do Juiz em 22.09.02 (fls. 273), cerca de um mês depois da autorização.
10 As referidas escutas foram autorizadas por 60 dias, iniciadas em 20.08.03, embora o prazo terminasse no dia 28.10.03, a partir do dia 22.09.04, ficaram ao arbítrio da PSP, sem mais qualquer informação nos autos para destruir ou não.
11 No concerne à intercepção do nº 969779363 com o alvo 1A075 e 1A075I, o JIC autorizou a escuta em 30.08.03 (fls. 210), e as primeiras escutas foram levadas ao conhecimento do juiz em 22.08.03 (fls. 273) pois, 22 dias depois de terem sido autorizada as referidas escutas.
12 Acresce que, em 24.09.03, o JIC prorroga o prazo das escutas, quando o prazo terminaria no dia 30.10.03 (fls.210) e, antes de ter sido levado ao seu conhecimento as escutas anteriores, as escutas cons­tantes no auto do intercepção (fls. 617), mais concretamente 143 sessões, escutas que foram levadas ao conhecimento do JIC em 21.10.03 (fls.696).
13 O que a lei impõem era que o juiz, antes de decidir pela manutenção ou alteração de decisão proferida (fls. 210), tivesse conhecimento das conversações telefónicas para, agora sim, decidir ou não pela pror­rogação do prazo de autorização.
14 Verifica-se uma ausência absoluta de informação da PSP sobre a intercepção ao número de telefone 969295021 até 19.05.04 (fls. 1470-1471) quando o prazo de autorização das escutas terminou em 24.11.03. Só 8 meses mais tarde a PSP solicita ao JIC autorização para a desmagnetização e destruição, não tendo as escutas telefónicas sido levadas ao conhecimento do juiz, ainda assim, ordenou a sua des­magnetização.
15 Relativamente à intercepção deste número de telefone, 967190357, o juiz autoriza as intercepções em 24.09.03 pelo prazo de 60 dias (fls. 285-286), sem controlo efectivo das intercepções durante mais de 8 meses, a PSP (fls. 1470-1471) solicitou ao juiz autorização para a desmagnetização e destruição das escu­tas, o que foi autorizado e 20.05.05 (fls. 1345), mas não foram levadas ao conhecimento do juiz.
16 Ora, tomando em conta o sugerido pela PSP em fls. 1470-1471 vem" ... este OPC solicitar a V.Exª que se digne ordenar a desmagnetização e destruição de todas as sessões que não foram consideradas de interesse ... sessões a destruir alvo 22587". Deveria ser levado ao conhecimento do juiz as fitas gravadas, e que toda a iniciativa e verificação da ma­téria interceptada ficou a cargo da PSP, o que não se coaduna com o disposto no artigo 188° do PCP, que pressupõem a intervenção do juiz na decisão de ordenar a transcrição ou destruição.
17 Fazem parte do apenso intercepções e transcrições não autorizadas pelo JIC, todas as secções alvo 22967 CD1- 53,65,90,91, 108, 121, 138, 150,254,256,263 e ao alvo 22967I CD1 - 254 256, 263 grava­ções e conversação em que os indivíduos não são arguidos no presente processo, nem suspeitos, em que as intercepções e gravações nada tem de relevante para o interesse na investigação.
18 Por douto despacho de 11.06.03 (fls. 18-20) o JIC autorizou o uso de meios fotográficos e ideográ­ficos com vista ao registo de voz e imagem. O douto acórdão violou o formalismo previsto no art. 188° nº 2 e 3 CPP ao não estabelecer qualquer prazo para o uso dos respectivos meios de obtenção de prova. Deve considera-se nulos o uso de meios fotográficos e videográficos com vista ao registo de voz e ima­gem nos termos do art. 189° CPP e proibição de valoração de prova nos termos do art. 126°, nº 1 e 3 CPP.
19 O recorrente pretende ainda que o tribunal aprecie a inconstitucionalidade material do artigo 188°, nº 1 do CPP na interpretação perfilhada pelo Ac. recorrido relativamente ao aos meios fotográficos e videográficos, de que, não se exige o estabelecimento dum prazo para a recolha dos mesmos, por enten­der que a interpretação adoptada no Ac. recorrido viola o disposto nos art 26°,32°, nº 8 e 34° todos da CRP
20 A interpretação perfilhada pelo douto Ac. recorrido quanto à expressão legal "imediatamente" foi no sentido seguinte: " Por isso que, deverá aquela expressão ser interpretada no sentido de que devem ser as gravações levadas ao juiz " tão rápido quanto possível (sem delongas), de molde a que não se prolongue, para além do estritamente necessário, a ofensa aos direitos e liberdades fundamentais de quem está a ser escutado" (ibidem).
21 O recorrente pretende que seja apreciada a posição perfilhada por este tribunal da expressão "imediata­mente", não acolhe um controlo efectivo e acompanhamento pelo JIC, ora no caso a norma do artigo 188°, nº 1 do CPP com a interpretação perfilhada no douto acórdão está ferida de inconstitucionalidade, por violação do disposto no art. 26°, 32°, nº 8 e 34° todos da CRP.

Nestes termos e nos demais de Direito e com mui douto suprimento de V.ªExª Juiz Conselheiro-Relator, deverá ser dado provimento ao recurso:
1 Ser declarada a nulidade das escutas telefónicas (Apenso Único), dos meios fotográficos e ideográficos com vista ao registo de voz e imagens e consequentemente determinar a proibição da prova obtida por este meio, por violação no disposto no art. 188°/1 e 410°/3 ambos do CPP e ser o arguido absolvido do crime a que foi condenado.
2.Se não for esse o Entendimento de Vs. Ex.ª ser declarada a inconstitucionalidade material das escutas telefónicas e fotográficos e ideográficos com vista ao registo de voz e imagens por violação dos artigos 26°, nº 1 e 32°, nºs a Constituição da República Portuguesa, segundo a interpretação do 187°, 188º, 189°e 126°todos do CPP perfilhado pelo tribunal recorrido.

O Ministério Público que respondeu, sintetizou a sua opinião nos termos seguintes:
1. o acórdão recorrido não enferma de qualquer vício, erro, contradição, nulidade, irregularidade, omissão de pronúncia sobre questão essencial de que devesse conhecer e pertinente ao objecto do processo ou violação da lei, não sendo merecedor de qualquer reparo, tendo confirmado e mantido a condenação proferida em 1a. Instância (tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21°., n°.1 do DL nO.15/93, de 22.01);
2. à interpretação dos arts.187°, 188°, 189° e 126°, todos do C.P.P., perfilhada na decisão ora sob recurso, não deve ser assacada qualquer inconstitucionalidade material, por violação dos arts.26°., nº 1 e 32°., nº 8 da Constituição da República Portuguesa;
3. o acórdão sob recurso apreciou os factos, considerando-os provados de harmonia com a lei, aplicando-a.
tendo concluído a sua resposta do seguinte modo:
Será de considerar:
- ter a lei sido aplicada e a prova valorada em conformidade com os poderes de cognição do Tribunal da Relação;
- não padecer o acórdão recorrido de falta de fundamentação, insuficiência, erro de apreciação, omissão ou qualquer nulidade/irregularidade ou inconstitucionalidade;
- não ter ocorrido violação do formalismo previsto no art.188°" nºs 2 e 3 do C.P.P. (quanto à falta de estipulação de qualquer prazo para uso dos meios de obtenção de prova com vista ao registo de voz e imagem), pelo que não foi cometida qualquer nulidade, nessa parte, nem a inerente proibição de valoração de tal prova nos termos do art.126°, nºs.1 e 3 do C.P.P.
- não ter ocorrido também qualquer nulidade quanto às escutas telefónicas realizadas (com a consequente proibição de prova obtida por esse meio, por violação dos arts.188°. nº 1 e 410°, nº.3, ambos do C.P.P.);
- acresce que eventual nulidade que houvesse sido cometida, encontrar-se-ia há muito sanada, sendo que a represtinação do inconformismo relativamente ao decidido por este Tribunal da Relação, quanto a essa questão, não sendo, nessa parte, assacado qualquer vício ao respectivo Acórdão, é insusceptível de conduzir ao conhecimento da matéria pelo Supremo Tribunal de Justiça, por se verificar carência de objecto de recurso, com a consequência jurídica do seu não conhecimento, no segmento considerado, impondo-se a respectiva rejeição, tendo por base tal fundamento, nos termos do disposto nos arts.412°, nº.1, 414º, nº 2 e 420° do C.P.P ..
- o acórdão recorrido não merecer qualquer censura, devendo ser na íntegra mantido e confirmado, negando-se provimento ao recurso interposto pelo arguido.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, no visto inicial, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de nada obstar ao conhecimento do recurso.

No despacho liminar, o relator considerou que a decisão é parcialmente irrecorrível, sendo no demais o recurso manifestamente improcedente.

Conhecendo.

Não tendo visto declarada a nulidade das escutas telefónicas, que impetrara à 1ª instância e de que recorrera para a Relação, alargando o recurso a outras questões, designadamente à existência de vícios que produzem a nulidade dos meios fotográficos e videográficos utilizados, o arguido, invocando interpretações contrárias à Constituição, recorreu para o Tribunal Constitucional, que não conheceu do recurso.

Vem agora recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça.
Todavia, quanto às escutas, fá-lo duma decisão – a da Relação de Lisboa – tomada em recurso, que confirmou a decisão do colectivo da Vara Mista de Loures, que indeferiu o requerimento apresentado pelo arguido em audiência, em que arguía a nulidade das escutas.
Esta decisão da Relação, que, por si, não põe termo à causa e que foi tomada em recurso, é irrecorrível, conforme estabelece a alínea c) do nº 1 do art. 400º, por referência da alínea b) do art. 432º, ambos do Código de Processo Penal. Como se considerou, por exemplo, no ac de 22-09-05, proc. 1752/05-5, embora o problema das escutas acompanhe a decisão final, pode e deve dela ser cindida, sendo que sobre tal questão até se formou dupla conforme. Este entendimento, além de respeitar a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição, está em perfeita consonância com o regime traçado pela Reforma de 1998 para os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, a qual obstou, de forma clara, ao segundo grau de recurso, terceiro grau de jurisdição, relativo a questões processuais ou que não tenham posto termo à causa.
Em consequência do que o recurso é, nesta parte, rejeitado.

Esta rejeição, que tem como pressuposto o conhecimento pela Relação do recurso interlocutório, acarreta a desnecessidade da apreciação da questão da omissão de pronúncia, que constitui um dos fundamentos desse recurso. Mas, ainda que assim não fosse, tal omissão não se verificaria, pois, como tem sido afirmado por este Supremo Tribunal, nos recursos, os tribunais superiores, sob pena de omissão de pronúncia, têm de conhecer de cada uma das questões que suscitadas pelo recorrente, mas já não de cada um dos argumentos que subjazem a tais questões. Ora, quanto ao referido tema, a Relação sintetizou as questões em três alíneas, sobre as quais se pronunciou, referindo os motivos por que entende que não ocorrem nulidades das escutas que foram autorizadas e levadas a efeito, não precisando de o fazer relativamente a cada número de telefone em concreto.

Alega ainda o recorrente que os registos fotográficos e ideográficos são nulos em virtude de o juiz não ter fixado um prazo dentro do qual possa ter lugar a recolha de imagem ou o registo de vozes, o que inquina a prova assim obtida.
Considerou a Relação, no recurso que para si foi interposto, que “a inexistência, no despachou que autorizou o uso de meios fotográficos e videográficos com vista ao registo de voz e imagem, do estabelecimento dum prazo para essa recolha não fere, pois, de nulidade os meios de prova obtidos em execução desse despacho”.
Refere, agora, o recorrente, que “não concorda com a posição tomada no douto acórdão recorrido, e entende que o os meios de prova são nulos, por não prever um prazo para a recolha dos mesmos. A Lei n. ° 5/2002, no seu artigo 6°, nº 1, rege e disciplina do uso dos meios fotográficos e videográficos com registo de voz e imagem aplica-se, ex lege, as formalidades prescritas no art. 188° do CPP, o que o legislador pretendeu foi estender o regime das formalidades das escutas telefónicas ao de registo de voz e imagem Pelo que, a falta do cumprimento dos pressupostos previstos no artigo 188°do CPP, gera inevitavelmente nulidade nos termos do artigo 189° do CPP, não podendo servir de meio de prova nos termos do art. 126°, nº 3J do CPP.”
Ao permitir, relativamente a certos crimes taxativamente indicados, dentre os quais o de tráfico de estupefacientes, o uso de registo de voz e de imagem como meio de produção de prova, o art. 6º da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, estabelece:
1 - É admissível, quando necessário para a investigação de crimes referidos no artigo 1.º, o registo de voz e de imagem, por qualquer meio, sem consentimento do visado.
2 - A produção destes registos depende de prévia autorização ou ordem do juiz, consoante os casos.
3 - São aplicáveis aos registos obtidos, com as necessárias adaptações, as formalidades previstas no artigo 188.º do Código de Processo Penal.

A norma que acabamos de transcrever faz depender de prévia autorização ou ordem do juiz a produção de registos de voz e de imagem, sem consentimento do visado, fazendo aplicar as formalidades previstas no art. 188º do Código de Processo Penal, aos registos obtidos. Ou seja, os registos de voz e de imagem para que possam ser recolhidos dependem de pressupostos substanciais, que são os previstos no nº 2 do art. 6º – autorização ou ordem do juiz de instrução, consoante a recolha seja levada a efeito na fase de inquérito ou na fase de instrução –, ficando sujeitos aos pressupostos formais constantes do art. 188º do Código de Processo Penal.
O art. 189º do Código de Processo Penal fere com nulidade a falta de observância dos requisitos e condições referidos nos arts. 187º e 188º. Todavia, conforme tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça, haverá que distinguir a omissão das formalidades substancias que constitui nulidade absoluta da falta de acatamento dos pressupostos formais contidos na lei processual, que integra nulidades relativas. Aplicando o regime das nulidades, teremos pois que a falta de observação dos pressupostos substanciais fere com nulidade insanável o acto, enquanto que o não cumprimento dos pressupostos formais constitui nulidade, sanável, o que obriga à sua arguição atempada.
Não fazendo parte dos pressupostos substanciais a fixação de prazo para a recolha da voz ou de imagem, que teve lugar durante o inquérito e que foi devidamente autorizada pelo juiz de instrução criminal, não se encontra ferida de nulidade a prova obtida por esse meio.
Acresce que, contrariamente ao sustentado pelo recorrente, não existe nenhuma proibição de prova. Com efeito, se, nos termos do art. 126º nº 3 do Código de Processo Penal, são nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada sem o consentimento do respectivo titular, a verdade é que esta norma ressalva os casos previstos na lei e, conforme se referiu, a lei prevê para casos como o do tráfico de estupefacientes essa intromissão através da colheita de imagens ou da gravação de sons, desde que previamente autorizadas pelo juiz. É também este o entendimento que resulta do preceito constitucional relativo às garantias do processo criminal. O art. 32º nº 8 da Constituição considera nulas as provas obtidas mediante “abusiva intromissão na vida privada”, o que significa uma interdição relativa destes meios de prova, devendo ter-se por abusiva a intromissão, conforme defendem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição, vol. I, pág. 524), “quando efectuada fora dos casos previstos na lei e sem intervenção judicial (art. 32º-2 e 4), quando desnecessária ou desproporcionada ou quando aniquiladora dos próprios direitos (cfr. art. 18º-2 3e 3)”. Ora, nenhuma destas situações ocorreu no caso dos autos, sendo certo que a violação dos princípios constitucionais só é defendida pelo recorrente porque o juiz não fixou na autorização nenhum prazo. Sendo o crime de tráfico de estupefacientes um crime de grande danosidade social, devido ao leque de consequências que resulta da actividade delituosa, esta compressão dos direitos individuais não se tem por desproporcionada, sendo certo que não pode ser considerada desnecessária, pois constitui um meio de prova documental, de grande relevância para a prova do crime, meio que está sujeito ao controlo judicial, a quem são presentes, sendo judicialmente valorado se os elementos recolhidos são, ou não, relevantes para a prova. Daí que não se deva ter por inconstitucional a interpretação dos preceitos legais levada a efeito na decisão recorrida.
De tudo quanto se expôs resulta, assim, que o recurso é, nesta parte, manifestamente improcedente

Termos em que acordam no Supremo Tribunal de Justiça na rejeição do recurso, por inadmissibilidade do recurso interlocutório e por manifestamente improcedência da questão relativa à não fixação de prazo pelo juiz para os registos de voz e imagem.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça de 6 UC.
O recorrente pagará ainda, a título de sanção processual, 4 UC (art. 420º nº 4 CPP).

Lisboa, 12 de Julho de 2007

Arménio Sottomayor (relator)
Reino Pires
Simas Santos