Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
26/19.0T9STC.E1
Relator: RENATO BARROSO
Descritores: FALTA DE ADVOGADO
ADITAMENTO
INSTRUÇÃO
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
Inexiste qualquer motivo legal para não aplicar às diligências realizadas em sede de instrução - e com maioria de razão, ao debate instrutório, como momento de definição de tal fase processual - o regime decorrente do D.L. 131/2009 de 01/06, na redacção dada pelo D.L. 50/2018, de 25/06, que consagrou o direito dos advogados e solicitadores ao adiamento de actos processuais que devam intervir em caso de maternidade, paternidade e luto.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


1. RELATÓRIO


A – Decisões Recorridas

Os presentes autos, que correram termos na Comarca de Setúbal, Juízo de Instrução Criminal, Juiz 1, tiveram início com uma queixa-crime deduzida por (...) contra (...), por factos susceptíveis de integrar, entre outros, a prática de um crime de difamação, p.p., pelo Artº 180 nº1 do C. Penal.

Encerrado o inquérito, o M.P. proferiu despacho de arquivamento em relação a este ilícito, tendo deduzido acusação contra (...), pela prática, como autor material, concurso efectivo e na forma consumada, de um crime de coacção agravada, p.p., pelos Artsº 154 nº1 e 155 nº1 al. a), ambos do C. Penal e sete crimes de ameaça agravada, p.p., pelos Artsº 153 nº1, 155 nº1 al. a) e 30 nº1, todos do mencionado diploma legal.

Constituído assistente, (...) deduziu acusação particular contra (...), pela prática de um crime de difamação, p.p., pelo Artº 180 nº1 do C. Penal, tendo ainda deduzido pedido de indemnização civil contra àquela.
O MP não acompanhou esta acusação particular.

(...) requereu a abertura da instrução, requerendo a sua não pronúncia pelo crime de difamação que lhe era imputado por (...).

Declarada aberta a instrução, designou-se o dia 11/02/20 para audição da arguida, inquirição da única testemunha arrolada pela requerente da instrução e realização do debate instrutório.

Tais diligências, vieram a ser adiadas, nos mesmo moldes, para o dia 10/03.

A 09/03/20, a Ilustre Mandatária do assistente, (...), requereu, ao abrigo do Artº 3 do D.L. 131/2009 de 12/12, na redacção dada pelo DL 50/2018, de 25/06, o reagendamento das diligências e debate instrutório, pelo facto de se encontrar impossibilitada de comparecer, por estar em período de nojo, decorrente do falecimento do seu sogro.

Este requerimento foi indeferido por despacho judicial, datado de 09/03/20, nos seguintes termos (transcrição):

Na sequência da notificação da data designada para realização do debate instrutório, veio a ilustre mandatária da assistente informar encontrar-se em período de nojo por falecimento do sogro. Junta assento de óbito e declaração da agência funerária. Requer o adiamento da diligência para data alternativa, mais informando não aceitar o seu constituinte o substabelecimento da procuração.
Nos termos do n.º 1 do artigo 300.º do Código de Processo Penal, “O debate só pode ser adiado por absoluta impossibilidade de ter lugar, nomeadamente por grave e legítimo impedimento de o arguido estar presente”.
Esta particular rigidez legislativa — contrastante com a forte flexibilidade, nas demais sedes, respeitante aos (re)agendamentos, e com o princípio da cooperação e da conciliação de agendas entre intervenientes processuais — encontra o seu fundamento na muito particular natureza da fase de instrução, cujo prazo máximo de duração é de apenas dois ou quatro meses, o que implica o agendamento de diligências a poucos dias de distância e propicia um (sempre indesejável e perturbador) conflito de agendas.
E, neste contexto, se não aplica a regra geral instituída pelo Decreto-Lei n.º 131/2009 (que consagrou o direito dos advogados ao adiamento de atos processuais em que devam intervir em caso de maternidade, paternidade e luto).
O reagendamento para data distinta implicaria o adiamento da diligência por mais de um mês.
Reconhece-se ao assistente a inconveniência do substabelecimento — mas não mais do que isso.
Assim, por se entender legalmente inadmissível, indefere-se o requerido.

A 10/03/20, foram realizadas as diligências instrutórias agendadas, bem como, o respectivo debate, ao que se seguiu, de imediato, a decisão instrutória, que reza assim (transcrição):

Veio a arguida, notificada da acusação particular contra si deduzida e com ela inconformada, requerer a abertura de instrução por entender que os factos por si praticados não são suscetíveis de consubstanciar qualquer ilícito criminal. Requer a sua não pronúncia.
Procedeu-se à inquirição da única testemunha arrolada pela arguida.
Não se procedeu à requerida audição da arguida porquanto veio a mesma exercer o seu direito de não prestar declarações.
Realizou-se debate instrutório.
Da factualidade indiciada
Dão-se como indiciados os factos elencados em 1 a 4 da acusação particular constante de fls. 123 e seguintes.
Não resultaram indiciados quaisquer outros factos relevantes para o que cumpre apreciar.
Da convicção e Direito
Nos presentes autos não existe efetiva factualidade controvertida porquanto o essencial que cumpre decidir é se as palavras proferidas pela arguida são suscetíveis ou não de constituírem ilícito criminal.
Temos como tão evidente quanto é possível no mundo jurídico que aquelas palavras expressam apenas uma opinião e são, de resto, comuns nos Tribunais, porquanto – abstraindo-nos do caso concreto em apreço - é o consumo de álcool frequentemente discutido como uma substância que altera comportamentos de todo o tipo de indivíduos.
Dão-se por integralmente reproduzidos os fundamentos expressos pelo Ministério Público a fls. 130 e seguintes quando decidiu não acompanhar a acusação particular aduzida pelo assistente.
Neste contexto, poucas dúvidas se terão que sempre seria a arguida absolvida em sede de julgamento pelo que, e sem necessidade de mais considerações, se determina a não pronúncia da arguida pela factualidade e ilícito imputados em sede de acusação particular.
Notifique.
Oportunamente, arquivem-se os autos.

A 05/06/20, veio a Ilustre Mandatária do assistente, nos termos dos Artsº 118 e 123, ambos do CPP, arguir a irregularidade do despacho acima transcrito, que indeferiu o adiamento do debate instrutório.

Sobre a irregularidade invocada, recaiu, em 23/06/20, o seguinte despacho (transcrição):
Veio o assistente, a folhas 226, suscitar a “irregularidade” do despacho proferido a folhas 217 que indeferiu o adiamento da diligência aprazada com os fundamentos ali expressos.
Dada vista ao Ministério Público, este concordou com os fundamentos invocados pelo assistente, mas não extraiu quaisquer consequências processuais
Este tribunal expressou, contudo, naquele despacho, o seu entendimento relativamente à impossibilidade de adiamento da diligência em causa, dela extraindo as devidas consequências e encontrando-se, em resultado, esgotado o seu poder jurisdicional sobre a matéria.
O mecanismo adequado à reação do assistente seria — querendo — a competente interposição de recurso.
Não o fez.
Assim, indefere-se o requerido.

B – Recurso

Inconformada com o assim decidido, o assistente, com carimbo de entrada em tribunal de 06/07/20, apresentou recurso, onde, na mesma peça processual, recorre de três despachos: do despacho de 09/03/20, que indeferiu o adiamento do debate instrutório, do despacho de não pronúncia de 10/03/20 e ainda, do despacho de 23/06/20, que indeferiu a arguição de irregularidade invocada pelo assistente em relação àquele primeiro despacho (consigna-se que não se reproduz as conclusões do recurso do assistente, por não ter sido fornecido a este Tribunal o respectivo suporte informático e as mesmas estarem inaproveitáveis na plataforma Citius).

C – Resposta ao Recurso

O MP, respondeu ao recurso, com as seguintes conclusões (transcrição):
1.Interpôs o assistente (...) recurso dos doutos despachos proferidos a fls. 217 e 231 dos autos supra epigrafados, que, respectivamente, indeferiu o requerimento de adiamento da realização dos actos de instrução e do debate instrutório agendados para o dia 10.03.2020, pelas 09:15 horas, efectuado pela sua Ilustre mandatária com fundamento no falecimento do respectivo sogro e ao abrigo do disposto no art.º 3.º, al. b), do Decreto-Lei n.º 172/2019, de 12.12 [fls. 217], e indeferiu a arguição da irregularidade daquele primeiro despacho (porque aí se “decidiu contra direito vigente”) [fls. 231], bem assim da douta decisão instrutória de fls. 219 v.º-220 que não determinou a não pronúncia da arguida (…)pela prática de um crime de difamação, previsto e punido pelo art.º 180.º, n.º 1, do Código Penal, que lhe havia sido imputado pelo primeiro na acusação particular apresentada a fls. 118-122 (123-125), não acompanhada pelo Ministério Público por despacho de fls. 130-132, como as demais antes mencionadas, ainda de tais autos;
2.Pugna aquele assistente, a final, no sentido de dever a arguida ser pronunciada ou, assim não sendo entendido, dever a irregularidade arguida ser reconhecida e reparada, ordenando-se a repetição das diligências;
3. Ora em causa no presente recurso estará aquilatar da irregularidade do douto despacho de fls. 217 (que desatendeu pedido de adiamento de diligências efectuado por advogado com fundamento em encontrar-se em período de nojo em consequência do falecimento do seu sogro), cuja arguição não foi, depois, considerada procedente pelo Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal, bem assim, com reporte à douta decisão instrutória, da nulidade desta (por falta de fundamentação e de especificação dos factos da acusação particular e do R.A.I. suficientemente indiciados e não suficientemente indiciados) e da existência nos autos de indícios suficientes da prática de factos susceptíveis de preencher a tipicidade do crime de difamação, relativamente ao qual devesse a arguida (…) ter sido pronunciada;
4.No que tange à irregularidade do douto despacho de fls. 217, cuja arguição não foi considerada procedente pelo douto despacho de fls. 231, pronunciámo-nos então, a fls. 230, nos seguintes termos: «Fls. 225-228: Visto. Entendemos assistir razão ao assistente (…), ora requerente, nos termos infra explicitados. E fectivamente, dispondo o art.º 300.º, n.º 1, do Código de Processo Penal que «[o] debate só pode ser adiado por absoluta impossibilidade de ter lugar, nomeadamente por grave e legítimo impedimento de o arguido estar presente» (tendo a situação especificada na segunda parte da mesma norma, atenta a utilização do vocábulo “nomeadamente”, natureza meramente exemplificativa), sempre se deverá entender não poder o estatuído naquele artigo afastar a aplicação das normas especiais (e, ademais, posteriores) que consagram o direito dos advogados de obter o adiamento de actos processuais em que devam intervir em caso de maternidade, paternidade e luto – direito esse, com reporte à hipótese verificada no âmbito dos presentes autos, in casu previsto no art.º 3.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 131/2009, de 1 de Junho, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 50/2018, de 25 de Junho –, sendo ainda certo não se vislumbrar, tendo em conta a razão de ser de semelhante preceituado legal especial, qualquer motivo razoável para excepcionar a instrução das demais fases processuais penais (ou, mesmo, de outras jurisdições)»;
5. Mantendo, na actualidade, in totum, a posição assumida a fls. 230 (que esgotará a argumentação que aqui importaria expender sobre a questão ora controvertida) – e sendo certo que prevê o art.º 3.º, al. a), do Decreto-Lei n.º 131/2009, de 1 de Junho, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 50/2018, de 25 de Junho, que «[o]s advogados, ainda que no exercício do patrocínio oficioso, gozam do direito de obter, mediante comunicação ao tribunal, o adiamento dos atos processuais em que devam intervir (…) [n]os cinco dias consecutivos ao falecimento do cônjuge não separado de pessoas e bens, de pessoa com quem vivam em condições análogas às dos cônjuges, ou de parente ou afim no 1.º grau da linha reta» –, entendemos, dispensando-nos aqui de mais alongada e desnecessárias considerações, assistir razão ao assistente (…), devendo o recurso pelo mesmo interposto merecer, nesta parte, provimento;
6.Quanto à questão, referente à douta decisão instrutória, da eventual nulidade por falta de fundamentação e de especificação dos factos da acusação particular e do R.A.I. suficientemente indiciados e não suficientemente indiciados e da existência ou não de indícios suficientes da prática do crime imputado naquela acusação, entendemos não assistir razão ao aqui recorrente;
7.Aquilatando da invocada falta de fundamentação e de especificação dos factos da acusação particular e do R.A.I. suficientemente indiciados e não suficientemente indiciados de que padeceria a douta decisão instrutória, somos de entendimento que resulta desta qual foi a factualidade que o Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal teve como suficientemente indiciada e insuficientemente indiciada e, de igual modo, lançando mão, também, da argumentação já expendida pelo Ministério Público, quais foram os motivos de facto e de direito determinantes da decisão de não pronunciar a arguida (…);
8.Sem conceder, sempre se diga não poder estar aqui em causa relativamente à invocada falta de fundamentação senão (eventual) mera irregularidade, e não nulidade, da douta decisão instrutória;
9.Assim, e sendo certo que a eventual omissão do dever de fundamentação dos actos decisórios a que alude o art.º 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal consubstanciará, efectivamente – à falta de cominação com a nulidade –, mera irregularidade, designadamente, em conformidade com o disposto no art.º 118.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, irregularidade essa sujeita ao regime estabelecido no art.º 123.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, deveria a correspondente arguição ter tido lugar perante o tribunal de 1.ª instância (nesse sentido, veja-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.05.2015, Proc.º n.º 2135/12.8TAFUN.L1-5, Relator: Artur Vargues, acessível em www.dgsi.pt/);
10.Por outro lado, e quanto à invocada falta de especificação dos factos da acusação particular e do R.A.I. suficientemente indiciados e não suficientemente indiciados de que padeceria a douta decisão instrutória, sempre se diga que igualmente preteriu o assistente, nesta parte, a correspondente arguição de nulidade nos termos legais. Veja- se, nesse sentido, também a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.06.2015, Proc.º n.º 12/11.9GTLRA.C1, Relator: Luís Coimbra, igualmente acessível em www.dgsi.pt/);
11.Não merecendo o constante da decisão recorrida qualquer reparo, designadamente, no que ora interessa, no que se reporta à apreciação/valoração da prova, à factualidade indiciada (ou não), aos fundamentos conducentes ao decidido e à própria decisão do Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal, somos de entendimento de que sempre deveria semelhante decisão ser mantida, improcedendo, pois, o recurso nesta parte.
Face a todo o exposto, entendemos que deverá ser dado provimento parcial ao recurso ora interposto pelo assistente (...).

D – Tramitação subsequente

Aqui recebidos, foram os autos com vista ao Exmº Procurador-Geral Adjunto, que se pronunciou no sentido de o recurso, na parte relativa ao despacho que indeferiu o adiamento do debate instrutório e ao despacho de não pronúncia, datados, respectivamente, de 09/03/20 e 10/03/20, ser extemporâneo, sendo manifestamente improcedente em relação ao terceiro despacho sobre que incide, de 23/06/20, que indeferiu a irregularidade invocada pelo assistente em relação ao despacho que não concedeu tal adiamento.
Observado o disposto no Artº 417 nº2 do CPP, foi apresentada resposta pelo recorrente, alegando que o recurso é tempestivo, por aplicação do Artº 150 do CPC, ex vi Artº 4 do CPP, na medida em que o mesmo foi colocado no correio no dia 02/07/20, tendo chegado aos serviços do tribunal no dia 06/07/20.
Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir, considerando-se como tempestivo o recurso interposto, por ter sido enviado a este tribunal com data postal registada de 02/07/20, último dia legal para tanto, nos termos da interrupção de prazos processuais em consequência da situação pandémica que estamos a viver.
Nessa medida, por força da aplicação do Artº 150 do CPC, ex vi Artº 4 do CPP e na linha do Assento do STJ nº 2/2000, de 07/02, considera-se tempestivo o recurso interposto pelo assistente, em relação a qualquer um dos despachos dos quais recorre.

2. FUNDAMENTAÇÃO

A – Objecto do recurso

De acordo com o disposto no Artº 412 do CPP e com a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no D.R. I-A de 28/12/95 (neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/" HYPERLINK "http://www.dgsi.pt/"www.dgsi.pt, que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria), o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai das respectivas motivações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que aqui e pela própria natureza do recurso, não têm aplicação.
Assim sendo, as questões suscitadas no presente recurso, reportado, como atrás se expôs, a três decisões judiciais e ordenadas de uma forma lógica e sistemática, são as seguintes:

1 - Adiamento do debate instrutório
2 - Irregularidade do despacho que indeferiu tal adiamento
3 - Nulidade do despacho de não pronúncia
4 - Existência de indícios para a pronúncia do arguido pelo crime de difamação que o assistente lhe imputa

B – Apreciação

Definidas a questões a tratar, importa apreciar da bondade do peticionado pelo recorrente.

B.1. Adiamento do debate instrutório

Como supra se relatou, na véspera da realização do debate instrutório, designado para o dia 10/03, a Ilustre Mandatária do assistente requereu, ao abrigo do Artº 3 do D.L. 131/2009 de 12/12, na redacção dada pelo DL 50/2018, de 25/06, o reagendamento das diligências e debate instrutório, pelo facto de se encontrar impossibilitada de comparecer, por estar em período de nojo, decorrente do falecimento do seu sogro.
Tal requerimento veio a ser indeferido, nos termos do despacho que acima se transcreveu e que assenta, fundamentalmente, no argumento que o debate instrutório apenas deve ser adiado, por absoluta impossibilidade de ter lugar, sendo que a situação invocada não se enquadra na previsão do Artº 300 do CPP, nem às diligências de instrução se pode aplicar o estatuído no D.L. 131/2009.
Com o devido respeito por opinião contrária, tal entendimento não pode ser suportado, seja na letra, seja no espírito da Lei.
Com efeito, diz o Artº 300 nº1 do CPP, que o debate instrutório só pode ser adiado por absoluta impossibilidade de ter lugar, nomeadamente por grave e legítimo impedimento de o arguido estar presente, sendo evidente que a utilização do vocábulo nomeadamente tem natureza meramente exemplificativa, o que faz com que o ali estatuído não possa afastar a aplicação de normas posteriores e especiais.
Nesta medida, inexiste qualquer motivo legal para não aplicar às diligências realizadas em sede de instrução - e com maioria de razão, ao debate instrutório, como momento de definição de tal fase processual - o regime decorrente do D.L. 131/2009 de 01/06, na redacção dada pelo D.L. 50/2018, de 25/06, que consagrou o direito dos advogados e solicitadores ao adiamento de actos processuais que devam intervir em caso de maternidade, paternidade e luto.
Não só tal exclusão não é mencionada na letra da lei, como, crê-se, a sua possibilidade está completamente arredada do seu espírito, pois como resulta do seu preâmbulo, o objectivo daquele diploma foi, precisamente, permitir que os advogados gozem de certos direitos e regalias comuns à generalidade dos cidadãos e que, como profissionais liberais que são, não lhes estavam consagrados.
In casu, a Mandatária do assistente requereu, em 09/03, o adiamento do debate instrutório, designado para o dia seguinte, 10/03, alegando estar em período de nojo, por morte do seu sogro, ocorrida em 07/03, mais invocando que aquele não aceita que a requerente substabeleça noutro colega, tendo juntado a respectiva certidão de óbito e a declaração da agência funerária comprovativa da situação.
Ora, nos termos do Artº 3 do aludido diploma:
Os advogados, ainda que no exercício do patrocínio oficioso, gozam do direito de obter, mediante comunicação ao tribunal, o adiamento dos atos processuais em que devam intervir:
a) Nos cinco dias consecutivos ao falecimento do cônjuge não separado de pessoas e bens, de pessoa com quem vivam em condições análogas às dos cônjuges, ou de parente ou afim no 1.º grau da linha reta;
b) Nos dois dias consecutivos ao falecimento de outro parente ou afim na linha reta ou no 2.º grau da linha colateral.
Devia, assim, o tribunal recorrido, ao abrigo desta norma e por a situação invocada pela Ilustre Mandatária do assistente nela se enquadrar, ter adiado a data designada para inquirição da testemunha e subsequente debate instrutório designando nova data para essas diligências.
Procede, pois, o recurso, desde logo, no seu primeiro segmento, o que prejudica a apreciação das demais questões e do recurso na parte relativa aos dois outros despachos judiciais.

3. DECISÃO

Nestes termos, decide-se conceder provimento ao recurso e em consequência, revogar o despacho de Fls. 217, que indeferiu o requerido adiamento do debate instrutório, que deverá ser substituído por outro, que, deferindo tal adiamento, designe nova data para inquirição da testemunha arrolada e realização do debate instrutório, seguindo-se os demais termos da fase de instrução.

Com o assim decidido, ficam prejudicadas as demais questões suscitadas no presente recurso, delas não se conhecendo.

Sem custas.
xxx
Consigna-se, nos termos e para os efeitos do disposto no Artº 94 nº2 do CPP, que o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos signatários.
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Évora, 17 de Dezembro de 2020
Renato Barroso (Relator)
Maria Fátima Bernardes (Adjunta)
(Assinaturas digitais)