Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | SÓNIA MOURA | ||
| Descritores: | CONTRATO DE ARRENDAMENTO RENOVAÇÃO DO CONTRATO APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO | ||
| Data do Acordão: | 06/25/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | 1. A cláusula onde se estabelece que o contrato é renovável nos termos legais não aponta para um prazo de renovação específico, designadamente, contido na lei vigente na data da sua celebração, significando apenas que as partes optaram por não regular a matéria, pelo que o prazo de renovação será aquele que estiver em vigor no momento em que se completar o prazo de duração inicial do contrato. 2. Tratando-se de um contrato de duração limitada cuja vigência se iniciou em 2005, portanto, ainda na vigência do RAU, e cujo prazo de duração inicial se completou no ano de 2020, já na vigência do NRAU, o prazo de renovação a considerar é aquele que consta do artigo 26.º, n.º 3, do NRAU, porquanto se trata de norma de direito transitório material, que prevalece sobre o regime previsto no NRAU para a renovação do contrato. (Sumário da Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 424/23.5T8TVR.E1 (1ª Secção)
Sumário: (…) (Sumário da responsabilidade da Relatora, nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil) *** Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
φ e) Julgar a reconvenção totalmente improcedente, e em consequência, absolve-se os Autores do pedido.”4. Inconformada com a sentença, a R. apelou da mesma, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões: “1. O presente recurso tem como objeto a impugnação da decisão que considerou válida a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento por parte dos Recorridos e declarou o termo do contrato para o dia 24 de abril de 2026, condenando a Recorrente à restituição do imóvel e ao pagamento de indemnização em caso de incumprimento. Além disso, julgou improcedente o pedido reconvencional da Recorrente. 2. A Recorrente entende que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao aplicar de forma errada o direito e ao interpretar incorretamente o regime de renovação do contrato de arrendamento, especialmente no que diz respeito à cláusula "renovável e atualizável nos termos da lei". 3. O contrato não foi denunciado pelas partes no seu fim (24 de Abril de 2020), por isso, e se atentarmos somente ao estatuído no artigo 26.º, n.º 3, do NRAU, o contrato renovar-se-ia por mais três anos. 4. No entanto, este normativo no seu segmento final refere: “se outro prazo superior não tiver sido previsto”. 5. E, da análise ao texto do contrato de arrendamento em causa, podemos verificar que as partes fizeram consignar um prazo de duração a seguir à sua renovação: “O presente contrato de arrendamento é celebrado pelo prazo de quinze anos, renovável e actualizável nos termos legais, cujo início de vigência se reporta ao dia 25 de Abril de 2005”. 6. Quer isto dizer que as partes quando redigiram e outorgaram o contrato tinham conhecimento e quiseram de facto submeter a sua renovação ao lapso de tempo que na altura estava previsto na Lei. 7. Ora, é entendimento da Recorrente que a expressão "nos termos da lei" remete indubitavelmente para a legislação vigente à data da celebração do contrato (2005), ou seja, para o Regime do Arrendamento Urbano (RAU), e não para a legislação posterior, como o NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano), em vigor a partir de 2006. 8. Nos termos do artigo 12.º do Código Civil, o princípio da irretroatividade da lei implica que os contratos são regidos pela lei vigente à data da sua celebração, salvo disposição expressa em contrário, o que não ocorreu no presente contrato. 9. A interpretação do Tribunal a quo, que sustenta que a expressão "nos termos da lei" se refere à legislação futura (NRAU), contraria os princípios gerais de interpretação de contratos previstos no artigo 236.º do Código Civil, segundo os quais a interpretação deve atender à intenção das partes e ao sentido que um declaratário normal teria à data da outorga do contrato. 10. O contrato de arrendamento em questão, celebrado por um período inicial de quinze anos, estipulava expressamente que seria renovável "nos termos da lei". À data da celebração do contrato, o artigo 118.º, nº 1, do RAU estipulava que os contratos se renovavam automaticamente por igual período, ou seja, por mais quinze anos. 11. O artigo 26.º, n.º 3, do NRAU, que prevê uma renovação de três anos para arrendamentos não habitacionais, é uma norma supletiva, aplicável apenas na ausência de estipulação contratual em contrário. Como as partes acordaram um prazo de renovação superior, fazendo referência a “renovável e atualizável nos termos da lei”, o prazo de quinze anos previsto no contrato deve prevalecer. 12. Caso se entenda que a remissão para "nos termos da lei" cria uma lacuna interpretativa, deverá ser aplicado o artigo 59.º, n.º 3, do NRAU, que determina que a norma supletiva mais favorável ao arrendatário é a que deve ser aplicada. Neste caso, a renovação por igual período, conforme estipulado no RAU, seria a norma mais favorável à Recorrente. 13. A decisão do Tribunal a quo, que fixa o termo do contrato para 24 de abril de 2026, ao invés de 24 de abril de 2035, é contrária ao expressamente estipulado no contrato e às regras legais vigentes à data da sua celebração, nomeadamente o artigo 118.º, n.º 1, do RAU e o princípio da irretroatividade da lei. 14. Pelo que deve ser revogada e substituída por outra que declare inválida e ineficaz a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento por parte dos Recorridos. 15. Salvaguardando o devido respeito por melhor opinião, a Recorrente não pode concordar com o entendimento vertido pelo Tribunal a quo, por ser contrário à lei e às regras básicas de interpretação jurídica, mais concretamente por violação do disposto nos artigos 118.º, n.º 1, do RAU, 26.º, n.º 3 e 59.º, n.º 3, do NRAU, 12.º, 236.º e 238.º do Código Civil. 16. Em face do exposto, a Recorrente conclui que a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente a ação intentada pelos Recorridos e reconheça que o contrato de arrendamento se renova automaticamente por mais quinze anos, com termo a 24 de abril de 2035.”
5. Foram apresentadas contra-alegações, nas quais os AA. pugnaram pela improcedência do recurso, e foi deduzido recurso subordinado, no qual os AA. formularam as seguintes conclusões: “1.ª – No entender dos recorrentes, foi violada pela sentença recorrida a norma contida no artigo 14.º, n.º 1, do Código do Registo Predial.[1] 2.ª – No entender dos recorrentes, a norma contida no artigo 14.º, n.º 1, do Código do Registo Predial, devia ter sido interpretada e aplicada no sentido de a deliberação tomada pela recorrida em 31 de Maio de 2023, mas só registada em 26 de Outubro de 2023, não ter produzido efeitos contra os recorrentes antes de 26 de Outubro de 2023. 3.ª – Se assim tivesse interpretado e aplicado a norma acima indicada, teria o tribunal a quo concluído ter a recorrida, a partir de meados de Junho de 2023, passado a usar o locado para fim diverso do constante do seu objecto social e, consequentemente, do contratado, caso em que não poderia senão ter declarado resolvido o contrato de arrendamento discutido nos autos, com fundamento no uso do locado pela recorrida, para fim diverso do contratado, e, em conformidade, condenado a recorrida no pedido de condenação de entrega do locado livre de pessoas e bens e no pagamento de uma indemnização no valor de € 412,69, desde o seu trânsito em julgado, até ao momento da restituição da coisa locada. Nestes termos e nos demais de Direito – que V. Exas. doutamente, suprirão –, deverá ser concedido provimento ao presente recurso subordinado, e, em consequência: - Ser revogada a decisão recorrida, na parte em que julgou “Não declarar resolvido o contrato de arrendamento discutido nos autos com fundamento no uso do locado pela Ré, para fim diverso do contratado e em conformidade, absolve-se a Ré do pedido de condenação de entrega do locado livre de pessoas e bens e no pagamento de uma indemnização no valor de € 412,69, desde o trânsito em julgado da sentença que declare a resolução do contrato de arrendamento, até ao momento da restituição da coisa locada” (cfr. sentença recorrida, VII. Dispositivo, a)); - Ser a presente acção julgada procedente, por provada, e, em consequência: - Ser declarada a resolução do contrato de arrendamento; - Ser a recorrida condenada na imediata desocupação do locado e na sua entrega aos recorrentes, devoluto e livre de pessoas e bens; - Ser a recorrida condenada a pagar aos recorrentes, a título de indemnização, desde o trânsito em julgado da sentença que declare a resolução do contrato de arrendamento, até ao momento da restituição da coisa locada, a renda actual.”
6. A R. não se pronunciou sobre o recurso subordinado.
7. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Questões a Decidir O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, não sendo objeto de apreciação questões novas suscitadas em alegações, exceção feita para as questões de conhecimento oficioso (artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). Não se encontra também o Tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Processo Civil). No caso em apreço importa apreciar: a) se deve o contrato de arrendamento considerar-se resolvido por utilização do imóvel para fim diverso do acordado, conforme peticionado no recurso subordinado; b) se deve considerar-se que pelo decurso do prazo convencionado e sua renovação o contrato de arrendamento só cessa em 2035 e não em 2026, conforme peticionado no recurso principal.
III – Fundamentação de Facto O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão sobre a matéria de facto, que não foi impugnada nos recursos apresentados pelas partes: “Matéria de facto provada Discutida a causa e com revelo para a decisão a proferir, provou-se que: 1) Por apresentação (...), de 27.04.2019, encontra-se registado a favor dos Autores a aquisição da fração autónoma designada pela letra A, correspondente à loja do rés-do-chão esquerdo, com entrada pelos n.os 16 e 18, destinada a estabelecimento comercial do prédio (tabacaria/livraria), do prédio urbano afeto ao regime de propriedade horizontal, sito na Rua (…), n.os 10, 12, 16 e 18, freguesia e concelho de Tavira, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º (…), da freguesia de Tavira e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tavira, sob o artigo (…). 2) Os Autores adquiriram a referida fração ao anterior proprietário (…) por escritura pública de compra e venda outorgada no dia 18.04.2019. 3) No referido negócio, fez-se constar que «(…) a venda é feita sem quaisquer ónus ou encargos com exceção de um contrato de arrendamento em vigor desde o ano de 2005, tendo como arrendatário “(…), Irmãos, Lda.”» 4) No dia 26.05.2005, por documento escrito, intitulado “Contrato de Arrendamento”, (…), (…) e (…), por um lado e na qualidade de senhorios, e pela Ré, por outro lado e na qualidade de arrendatária, foi alcançado um acordo mediante o qual os primeiros deram de arrendamento à segunda, a fração autónoma descrita em 1), mediante o pagamento da renda mensal de €400,00 e pelo prazo de 15 anos, «renovável e actualizável nos termos legais, cujo início de vigência se reporta ao dia 25 de abril de 2005» 5) Mais ficou estipulado que «o locado destina-se exclusivamente ao exercício da atividade comercial constante do pacto social da sociedade “(…), Irmãos, Lda.”, com exclusão de qualquer outra.» 6) À data de entrada em juízo da presente ação, o valor da renda mensal fixava-se no montante de € 412,69. 7) Atualmente e após atualização, o valor da renda mensal fixa-se em € 441,33. 8) Com a concretização do acordo descrito em 4) e 5), a Ré destinou o uso da fração para o exercício a sua atividade comercial para a comercialização de tabaco, tendo, posteriormente acrescentado a exploração de jogos da Santa Casa e comercialização de produtos típicos de papelaria. 9) O aludido acordo foi celebrado com o objetivo de a Ré explorar no local a sua atividade comercial, no seu interesse. 10) No dia 26 de outubro de 2022, foram inscritas a favor da sociedade comercial unipessoal por quotas com a firma “(…), Unipessoal, Lda.”, as duas quotas únicas do capital social da ré - uma, com o valor nominal de € 4.166,57, outra, com o de € 833,43. 11) Posteriormente, em meados de junho de 2023, a Ré começou a utilizar o locado para o exercício da atividade retalho de produtos alimentares e artigos de uso doméstico e sanitário, procedendo, entre outros à venda de bebidas, produtos de higiene e limpeza, conservas, batatas-fritas, bolachas, arroz, massas, leite e produtos congelado. 12) A Ré não vende no locado carne, peixe, fruta, legumes, e alimentos frescos e de curta validade. 13) Para além dos produtos de mercearia acima descrito, a Ré continua a comercializar no locado, a venda de tabaco e exploração de jogos Santa Casa. 14) À data da celebrado do convénio descrito em 4) e 5), constava do pacto social da Ré, o seguinte objeto social, «o seu objeto social é o comércio de tabacos e fósforos e qualquer outro ramo de comércio que resolva explorar, dentro dos limites da Lei.» 15) Em 06.06.2023, a atividade comercial da Ré inscrita na Conservatória do Registo comercial era: «comércio de tabaco e fósforos, jornais e revistas. Atividade ligada à organização de lotarias, totobola, totoloto, similares. Inclui as casas especializadas e cauteleiros, na venda de bilhetes de lotaria, a exploração de “Web sites” de jogos virtuais e apostas em corridas de cavalos e similares. Transporte ocasional de passageiros em veículos ligeiros até nove lugares incluindo o condutor. Outros transportes terrestres de passageiros diversos.» 16) Em 31.05.2023, a Ré deliberou adicionar ao seu objeto social a atividade de «Comércio a retalho em outros estabelecimentos não especializados, com predominância de produtos alimentares bebidas ou tabaco», ficando a constar do seu pacto social, «O seu objeto social é comércio de tabaco e fósforos, jornais e revistas. Atividade ligada à organização de lotarias, totobola, totoloto, similares. Inclui as casas especializadas e cauteleiros, na venda de bilhetes de lotaria, a exploração de "Web sites" de jogos virtuais e apostas em corridas de cavalos e similares. Transporte ocasional de passageiros em veículos ligeiros até nove lugares incluindo o condutor. Outros transportes terrestres de passageiros diversos. Comércio a retalho em outros estabelecimentos não especializados, com predominância de produtos alimentares, bebidas ou tabaco.» 17) Por apresentação 43 de 26.10.2023, foi registado a alteração do objeto social da Ré, nos exatos termos acima descritos. 18) Em 13 de julho de 2023, os Autores comunicaram à Ré, por carta registada com aviso de receção e endereçada à morada do locado, a oposição à renovação do contrato descrito em 4) e 5), fazendo constar, além do mais, que «(…) Assim, o aludido contrato caducará no próximo dia 24 de abril de 2026, data em que deverá ser-nos entregue o local arrendado. 19) A referida comunicação foi recebida pela Ré em 17.07.2023. φ Matéria de facto não provada Com relevo para a decisão a proferir, não se provou que: a) A fração descrita em 1) foi utilizada pela Ré como livraria. b) Atualmente a Ré utiliza o estabelecimento comercial predominantemente para a venda de tabaco e jogos.”
IV - Fundamentação de Direito A) Recurso subordinado 1. Em sede de recurso subordinado vieram os AA. requerer a revogação da sentença quanto à improcedência do pedido principal. Preceitua o n.º 1 do artigo 633.º do Código de Processo Civil que “Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado.” O conceito de vencimento, para este efeito, reconduz-se à circunstância da parte ver afetada a posição que pretendia fazer valer em juízo, o que sucede quando, apesar de ter logrado obter ganho de causa, essa decisão assentou na procedência do pedido subsidiário (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.02.2022 (Rosa Tching), Processo n.º 1238/20.OT8PTG.E1.S1, in http://www.dgsi.pt). Ou seja, no recurso a R. não dissente da interpretação que o Tribunal a quo faz da cláusula atinente ao objeto do contrato de arrendamento, divergindo apenas da sua conclusão de que não se verificou a utilização do locado para fim diverso do acordado, pelo que é essa a única questão a apreciar nesta sede. Aqui se inclui, assim, o objeto social, na medida em que este constitui menção obrigatória do contrato de sociedade (artigo 9.º, n.º 1, alínea d), do Código das Sociedades Comerciais). Resulta, aliás, da conjugação das alíneas b) e j) do artigo 10.º do Regulamento do Registo Comercial que o extrato da inscrição registral deve conter indicação das menções do contrato de sociedade que sejam alteradas e que devam constar do registo, designadamente, o objeto social. Quanto ao conceito de terceiro, considera-se, para este específico efeito, “toda a pessoa singular ou coletiva que não seja parte no facto sujeito a registo, seu herdeiro ou representante” (José Engrácia Antunes, «O Registo Comercial», Revista da Ordem dos Advogados, ano 77, Jan./Jun. 2017, pág. 355). Adicionalmente, os terceiros tutelados pelo citado artigo 14.º, n.º 1, do Código do Registo Predial, são os que se encontram de boa fé, pelo que “a inoponibilidade não pode ser invocada por terceiros de má fé: apesar de a lei não o referir expressamente, afigura-se injustificado estender a proteção resultante da aparência registal negativa àqueles terceiros que, afinal, tinham conhecimento (ou desconheciam em virtude de negligência grosseira) a existência dos factos sujeitos a registo apesar da omissão deste” (José Engrácia Antunes, ob. cit., pág. 356). No caso em apreço os AA. são terceiros relativamente ao facto objeto de registo e não resulta da matéria de facto provada que tivessem tido conhecimento da alteração ao pacto social antes da entrada em juízo da presente ação, em cuja petição inicial invocam como fundamento da resolução do contrato a falta de inscrição da atividade da R. no pacto social. O Tribunal a quo considerou, porém, que em face da eficácia meramente declarativa do registo no caso da menção relativa à alteração do objeto social, a falta de inscrição desse facto no registo contemporaneamente ao início do exercício da nova atividade comercial não tinha consequências na situação vertente. Com efeito, nem a inscrição no registo comercial titula a alteração do contrato social, nem a validade da alteração está dependente dessa inscrição, ou seja, o registo comercial constitui apenas requisito de eficácia externa do ato objeto do mesmo (idem, pág. 354). Assim é porque a finalidade do registo é meramente a de dar publicidade à situação jurídica das sociedades comerciais (artigo 1.º, n.º 1, do Código do Registo Comercial). Deste modo, a partir da data em que a alteração foi deliberada pela sociedade - esse, sim, o ato constitutivo da alteração ao pacto social, nos termos dos artigos 85.º e 246.º, n.º 1, alínea h), do Código das Sociedades Comerciais -, o exercício da nova atividade comercial tornou-se legal. Ora, da matéria de facto provada consta que a alteração ao objeto social foi deliberada a 31.05.2023 (facto provado 16) e que o início do exercício da nova atividade comercial ocorreu em meados de junho de 2023 (facto provado 11), pelo que a R. exerceu sempre a sua atividade comercial dentro do âmbito traçado pelo pacto social. Acresce que no contrato de arrendamento foi acordado que o locado se destina ao “exercício da atividade comercial constante do pacto social” da R. (facto provado 5), pelo que à luz dos critérios de interpretação da declaração negocial enunciados nos artigos 236.º e 238.º do Código Civil, onde se atende à impressão do destinatário e à expressão literal da vontade das partes, se deve entender que a R. só incumpre o contrato de arrendamento se exercer alguma atividade comercial não autorizada pelo seu pacto social. Consequentemente, ainda que na data em que se iniciou a nova atividade comercial os AA. não tivessem tido acesso à alteração ao pacto social da R., o facto é que nessa data a R. estava autorizada a exercer tal atividade, ou seja, a R. não incumpriu o contrato de arrendamento. Em conclusão, improcede o recurso subordinado, confirmando-se, nesta parte, a decisão recorrida.
B) Recurso principal 1. Os AA. peticionaram ainda, subsidiariamente, a declaração de cessação do arrendamento por caducidade, cujos efeitos reportam ao dia 24 de abril de 2026, pedido este que foi julgado procedente. É desta decisão que a R. discorda, no recurso principal, sustentando, essencialmente, resultar do contrato que as partes acordaram a renovação do mesmo por período igual ao da sua duração inicial, ou seja, 15 anos, por ser esse o regime vigente na data da celebração do contrato, pelo que a caducidade só ocorrerá em 2035. As normas convocadas no recurso a respeito da matéria de que agora se cura são os artigos 118.º, n.º 1, do RAU, 26.º, n.º 3 e 59.º, n.º 3, do NRAU e 12.º, 236.º e 238.º do Código Civil. Para a resolução do problema importa começar por interpretar a cláusula onde se estabeleceu que o contrato foi celebrado “pelo prazo de 15 anos, «renovável e actualizável nos termos legais, cujo início de vigência se reporta ao dia 25 de abril de 2005»” (facto provado 4). Discorre-se na sentença sobre esta cláusula no sentido de que atento o prazo muito longo de vigência inicial do contrato, seria previsível que no termo desse prazo pudessem existir alterações legislativas nesta matéria, e, por outro lado, não é comum a referência à atualização surgir em sede de estipulação do prazo de vigência do contrato e sua renovação – indica-se na sentença que tal referência é habitualmente feita a propósito do valor da renda –, pelo que conjugando estes aspetos deve concluir-se que foi intenção das partes submeter a renovação do contrato ao prazo de renovação em vigor na data do seu termo. No recurso convoca a R. as disposições dos artigos 236.º e 238.º do Código Civil, que consagram as regras em matéria de interpretação dos negócios jurídicos formais, consistindo nas ideias essenciais de que devem as palavras inscritas no título valer com o sentido que um normal declaratário, colocado na posição do real declaratário, delas possa extrair, a menos que o declaratário conheça a vontade real do declarante, e ainda de que esse sentido deve encontrar acolhimento mínimo no texto. Ora, é correta a asserção do Tribunal a quo de que na linguagem habitualmente usada nos contratos de arrendamento a palavra “atualizável” se reporta à renda, ficando a constar da cláusula que fixa o respetivo valor, data e forma de pagamento. Efetivamente, no arrendamento, à semelhança de outros contratos típicos mais frequentes no comércio jurídico, o clausulado possui uma redação igual ou muito semelhante na generalidade dos casos concretos. Na situação vertente, porém, em lugar daquela palavra se encontrar dentro da cláusula atinente à renda, a mesma aparece imediatamente a seguir à palavra “renovável”, logo após a estipulação do prazo de duração do contrato. Assim, a primeira constatação, à luz do exposto, é a de que as duas palavras associadas não partilham um contexto de significado comum no domínio do clausulado típico do contrato de arrendamento, quer dizer, não se consegue estabelecer uma conexão direta e lógica entre a “renovação” do prazo de duração do contrato e a “atualização”. Por outro lado, da matéria de facto provada não resulta que as partes tenham escrito no contrato, a propósito da renda, que esta é “atualizável”, isto é, neste contrato a palavra “atualizável” foi inscrita apenas uma vez, ficando adjacente ao prazo de duração do contrato e sua renovação. Não obstante esta última circunstância, foi vertido no facto provado 7 que “atualmente e após atualização, o valor da renda mensal fixa-se em € 441,33”, ou seja, apesar de inexistir uma tal menção expressa no contrato em sede de fixação do valor da renda, as partes estão de acordo em que a renda é atualizável. Acresce ainda que nada consta da matéria de facto provada que permita concluir pela existência de uma especial intenção das partes subjacente ao posicionamento da palavra “actualizável” neste contrato, o mesmo é dizer, não está demonstrado que as partes deliberada e conscientemente tivessem pretendido com essa redação regular os seus interesses de forma distinta daquela que corresponde ao padrão nestes casos. Tudo visto, afigura-se que da matéria de facto provada nada se extrai no sentido de que a palavra “atualizável” tenha sido utilizada com um sentido diverso daquele que é o normal nestas situações, pelo que aquela palavra deve entender-se reportada à renda. A circunstância de tal palavra surgir integrada no texto do contrato em moldes distintos dos que são habituais nestes casos deve, assim, ser reconduzida a uma mera imperfeição de redação, em si mesma inconsequente. Deste modo, a única conclusão a extrair do contrato é a de que as partes acordaram na sua renovação, nos termos da lei. No entanto, pode ainda indagar-se se ao remeterem para a lei, as partes pretenderam assumir especificamente a aplicação da lei em vigor na data da celebração do contrato, com exclusão da sujeição do contrato às novas leis que viessem eventualmente a ser aprovadas neste domínio. Não se afigura, contudo, que possa também sufragar-se esta interpretação, pois é bastante comum a remissão, com caráter genérico, para a lei, o que, por regra, significa apenas que as partes não pretenderam aprovar uma disciplina própria quanto ao aspeto em causa, pelo que o prazo de renovação será aquele que estiver em vigor no momento em que se completar o prazo de duração inicial do contrato. Aliás, a circunstância do prazo inicial de vigência do contrato ser muito longo reforça esta conclusão, isto é, precisamente por ser previsível que em tão dilatado período de tempo viessem a ocorrer alterações legislativas, se as partes pretendessem precaver-se contra esta eventualidade, teriam estabelecido no contrato um prazo de renovação concreto ou feito referência expressa a um regime legal concreto, o que não sucedeu, como bem salienta o Tribunal a quo.
Assim se decidiu, aliás, nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14.09.2023 (Ferreira Lopes) e do Tribunal da Relação do Porto de 16.01.2024 (Ana Lucinda Cabral) (respetivamente Processo n.º 1824/22.3T8VCT.G1.S1 e n.º 16064/21.0T8PRT.P1, ambos in http://www.dgsi.pt/), onde se concluiu que quanto às matérias reguladas pelo artigo 26.º, n.º 3, é esta norma que deve aplicar-se e não o RAU, nem o NRAU, por ser precisamente essa a vocação do direito transitório material. Por outro lado, o referido n.º 3 do artigo 26.º ressalva o acordo das partes quando fixem um prazo de renovação superior a 3 anos, contudo, não está provado que as partes tenham acordado qualquer prazo de renovação do contrato. Em conclusão, no caso em apreço, o contrato renovou-se em 25 de abril de 2020, pelo período de 3 anos, e voltou a renovar-se em 25 de abril de 2023, por novo período de 3 anos. 3.3. No mais, isto é, no que concerne ao percurso subsequente realizado na sentença com respeito à oposição à renovação deduzida pelos AA., não foi essa matéria objeto de impugnação no recurso, pelo que cumpre confirmar a sentença, também quanto a esta decisão proferida relativamente ao pedido subsidiário. Improcede, portanto, o recurso.
C) Custas As custas do recurso principal são suportadas pela R. e as custas do recurso subordinado são suportadas pelos AA., atenta a improcedência dos recursos (artigo 567.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
V – Dispositivo Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso principal e o recurso subordinado, confirmando a decisão recorrida. Custas do recurso principal pela R. e do recurso subordinado pelos AA.. Notifique e registe. Sónia Moura (Relatora) |