Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | JOSÉ ANTÓNIO MOITA | ||
| Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO ACTA DA ASSEMBLEIA GERAL ABUSO DE DIREITO | ||
| Data do Acordão: | 10/22/2020 | ||
| Votação: | MAIORIA COM * VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | De acordo com o disposto no artigo 10º, nº 5, da Lei nº 91/95, de 02/09, deve entender-se que, para valer como título executivo bastante, a acta de assembleia da administração conjunta de uma AUGI deve discriminar o montante concreto e definitivo a pagar por cada um dos proprietários ou comproprietários, por referência a cada um dos respectivos lotes abrangidos pela mesma AUGI. (Sumário do Relator) | ||
| Decisão Texto Integral: | Apelação nº 969/18.9TBSTB-A.E1 Comarca de Setúbal – Juízo de Execução de Setúbal – Juiz 1 Apelante: (…) e (…) Apelada: Comissão de Administração da AUGI do (…) Sumário do Acórdão (da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663º, nº 7, do CPC) (…) *** Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte: I – RELATÓRIO Por apenso à execução ordinária instaurada por Administração Conjunta da Área Urbana de Génese Ilegal do (…) contra (…) e (…), em que a Exequente pediu o pagamento da quantia de € 19.914,22, acrescida de juros vencidos nos últimos cinco anos, no valor de € 3.987,21, contados entre 31.12.2012 e 31.12.2017, assim como os juros vincendos até pagamento, vieram os Executados deduzir a presente oposição por embargos. Alegaram o seguinte: - desconhecerem a operação que originou a transformação dos avos em metros quadrados, bem como a área da Augi que a Exequente representa e mesmo se fazem parte da mesma; - que a área indicada no pedido de licenciamento sofreu alterações resultantes, quer da diminuição da área, quer do aumento de fogos; - que a área de construção a atribuir a cada lote não estava definida à data da realização da assembleia; - que da fórmula de cálculo não resulta a determinação da prestação dos Executados, já que na mesma não se indicam os valores que compõem os elementos CL, G, GO, T, IE, STPT, STPL e K; - que o edital camarário de 30.07.2010 não constitui um documento complementar do título executivo; - que o projeto de loteamento ainda não foi aprovado; - que do título, do r.e. e dos documentos juntos não é possível determinar qual foi o período considerado para efeitos de concretização do elemento G, nem as datas consideradas para o apuramento do elemento GO, nem o valor considerado para o apuramento do elemento T, o mesmo se verificando em relação ao valor referente ao elemento IE; - não existir no título a tabela anexa referida na última folha, quando se designa o conceito de K, por tal não ter sido submetido a discussão e aprovação, tal como sucedeu com as áreas fixadas para determinação dos elementos STPT e STPL; - que na data da assembleia a que corresponde o título executivo não se encontravam aprovados os projetos de especialidade, não tinha sido concedida qualquer autorização para início de obras e a área de loteamento encontrava-se aprovada com vários condicionalismos; - que até à data a Exequente não obteve a deliberação exigida pelo art. 26º da Lei 91/95, de 2/9, não podendo por isso exigir o pagamento de quaisquer quantias baseadas em projetos que não foram aprovados pelas autoridades competentes, por trabalhos que não foram iniciados nem mostram sinais de o ser, não se vendo como pode a Exequente chegar ao valor de € 762,66 como correspondendo ao elemento P; - não ser possível concretizar o elemento G por se desconhecer quando será a aprovação das contas finais; - quanto ao elemento GO, não se saber quando ocorreu o início das obras, sendo certo que não foi dada qualquer autorização provisória para que as mesmas se iniciassem; - que o elemento T só pode ser fixado a partir do momento em que todos os projetos de especialidade tenham merecido parecer favorável das entidades externas consultadas, bem como da própria Câmara; - quanto ao elemento IE, a aprovação da operação de loteamento ficou condicionada a alterações ao projeto apresentado em 2000, no qual se baseou a assembleia a que se reporta o título executivo; - quanto ao elemento STPT, não existir até à data a emissão de qualquer alvará; - que atento o título executivo não se infere quais os elementos constitutivos da operação aritmética da qual resulte o valor a pagar; - que o anterior proprietário já tinha pago € 1.000,00; - que não foram executadas obras com base na autorização camarária de 2000, não foi prestada a caução que a lei impõe, nem foi autorizado o início de quaisquer obras; - que só após a aprovação do instrumento de reconversão é que se pode exigir aos comproprietários o pagamento das despesas de reconversão para execução dessas obras; - que o pedido aprovado em 2000 sofreu alterações, só vindo a merecer aprovação em outubro de 2006, mas apenas em termos de “desenho urbano”, e ainda assim, em alguns aspetos, sob condição; - que os juros reclamados pela Exequente não são devidos; - que o documento junto pela Exequente corresponde a um edital previsto no art. 20º da Lei 91/95, e não à deliberação sobre o pedido de licenciamento da operação de loteamento; - e que a Exequente litiga de má-fé ao intentar a execução com base em título insuficiente, invocando falsamente a aprovação de projetos quando apenas existia uma planta de síntese ou desenho urbano, ou trabalhos que ainda não foram iniciados, bem como incertezas quanto à área de construção atribuída ao loteamento e ao lote de cada proprietário. Concluíram, pedindo a procedência dos embargos e a sua absolvição do pedido. Requereram a condenação da Exequente por litigância de má-fé, em multa e indemnização de valor não inferior a € 2.500,00. A Exequente apresentou contestação aos embargos alegando, em síntese, o seguinte: - os Executados são comproprietários de parte de um prédio rústico cuja área integra a AUGI; - a fórmula aprovada permite apurar o valor exato a pagar por mero cálculo aritmético, cálculo esse que, no que respeita aos Embargantes, a Exequente concretizou no documento junto com o requerimento executivo sob o n.º 8; - as comparticipações dos comproprietários são havidas como provisões ou adiantamentos, permitindo os ajustes que necessariamente se terão de verificar ao longo dos anos, sem prejuízo do apuramento das contas finais, que poderão levar à devolução do excedente aos comproprietários que paguem mais do que o necessário; - é irrelevante a desanexação de parte de um prédio, ou o número de lotes a constituir, ou a área total dos prédios que compõem a Augi, pois a aplicabilidade da fórmula não está condicionada à referida área ou a uma eventual alteração da mesma, dado que qualquer mudança dos valores a atribuir aos componentes da fórmula não invalida a aplicação da mesma; - não é exigível que da ata constem os valores concretos, já que estes dependem de simples cálculo aritmético; - o projeto de loteamento estava aprovado desde 13.12.2000, sendo certo que o apuramento efetuado foi concretizado após a aprovação das últimas alterações a esse projeto de loteamento, da licença para o início das obras e do respetivo licenciamento dessas obras. Terminou, pugnando pela improcedência dos embargos, bem como do pedido de condenação por litigância de má-fé. Requereu ainda a redução do pedido para a quantia de € 22.903,41 (€ 19.082,69 + € 3.820,72) e a condenação dos Embargantes por litigância de má-fé, pedindo a condenação dos mesmos em multa e indemnização não inferior a € 2.500,00. Realizou-se uma tentativa de conciliação, que resultou infrutífera, foi fixado o valor da causa e dispensada a realização de audiência preliminar, proferindo-se saneador tabelar e despacho que identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova. A Exequente veio corrigir o requerimento de redução do pedido para o valor de € 22.854,37 (€ 19.041,83 de capital + € 3.812,54 de juros). Foi requerida e realizada audiência prévia ao abrigo do disposto no art. 593º, n.º 3, do CPC, tendo sido apreciada a reclamação apresentada contra o despacho previsto no n.º 1 do art. 596º. Tendo a Exequente apresentado requerimento em que veio aceitar o pagamento parcial alegado pelos Embargantes, procedeu-se a audiência de julgamento apenas para alegações orais das partes, nos termos da alínea e) do n.º 3 do art. 604º do CPC. Foi junta aos autos documentação comprovativa de que foi realizada uma assembleia de comproprietários em 03.02.2019 e ainda que foi requerido procedimento cautelar para suspensão das deliberações adotadas na referida assembleia de comproprietários, com requerimento de inversão do contencioso. Após foi proferida sentença nos autos com o seguinte dispositivo: “Por tudo o que vem de ser exposto, julgam-se os presentes embargos parcialmente procedentes e, consequentemente, determina-se o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de € 18.041,83, acrescida de juros contados desde 1 de novembro de 2015 até pagamento. Custas pelos embargantes e pela exequente na proporção dos respetivos decaimentos. Indeferem-se os pedidos de condenação por litigância de má-fé. Registe e notifique.” Inconformados com o decidido na sentença os Embargantes apresentaram requerimento de recurso, que não foi objecto de resposta por parte dos Réus. * O recurso foi recebido na 1ª Instância como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. * Já nesta Relação, foi proferido pelo relator despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões, a que os Apelante acederam, tendo os mesmos aperfeiçoado aquelas do seguinte modo: “EM CONCLUSÃO: 1- O tribunal recorrido errou ao dar como provados os factos elencados nos pontos 9º e 10º da matéria julgada como assente. 2- Isto porque o tribunal recorrido não deu como verificados factos invocados e demonstrados pelos apelantes através de documentos juntos aos autos e não impugnados, nomeadamente: Análise/Informação Técnica sobre o licenciamento das obras de urbanização emitido pela Câmara Municipal de Palmela, com informações de 2004, 2005 e 2006; carta enviada pela apelada em que comunica a desanexação de parcelas de terreno que deixam de fazer parte da Augi e comunicam alterações ao projeto de loteamento e áreas dos lotes e área total da Augi, em 2009; carta enviada pela apelada, em 2009, no qual refere qual o valor das taxas municipais devidas pelo lote dos apelantes; Documento emitido pela Câmara Municipal de Palmela, de Dezembro de 2004, a esclarecer como são calculadas as taxas municipais e o momento a partir do qual podem ser calculadas (à data da aprovação das obras de urbanização e de todos os projetos de especialidade; Análise/Informação Técnica emitida pela Câmara Municipal de Palmela, na qual se dá conta da falta de cumprimento da apelada em relação às correções necessárias sobre o projeto de loteamento, bem como falta de apresentação de projetos necessários à sua aprovação; Documento emitido pela Câmara Municipal de Palmela, na qual se declara que naquela data (Fevereiro de 2005) ainda não havia sido dada autorização provisória para o início das obras de urbanização; Documento emitido pela Câmara Municipal de Palmela através do qual se constata que em Março de 2006 ainda existia necessidade de proceder a alterações ao projeto apresentado e que não era possível conceder a autorização provisória para o início das obras de urbanização; Carta emitida pela Câmara Municipal de Palmela ao Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local, na sequência de uma reclamação apresentada por uma comproprietária, na qual informa o estado do processo de licenciamento da AUGI aqui em causa, referindo que naquela data (Abril de 2007) ainda não havia sido concedida, ainda que provisoriamente, autorização para inicio das obras de urbanização. Mais se refere que só após a deliberação para essa autorização pode vir a ser fixado o montante da respetiva caução e o montante de comparticipação de cada lote nos custos de execução, bem como o cálculo das taxas camarárias; informação prestada pela Câmara Municipal ao longo de 2017, na qual se dá conta da falta de iniciativa por parte da apelada no processo de reconversão e do incumprimento das obrigações legais, bem como das queixas apresentadas pelos comproprietários; informação da Câmara Municipal de Palmela, que vai no mesmo sentido, adiantando que a apelada só em Dezembro de 2018 é que a apresentou contas dos anos de 1999 a 2017, entre outros. 3- Face a tais documentos e alegação dos apelantes, devia o tribunal recorrido ter dado como provado que: a) Na data a que se reporta o título executivo não se encontrava o projeto aprovado, nem previstas as áreas para os respetivos comproprietários. b) À data da propositura da ação não se conheciam o custo relativo às contas finais. c) À data da propositura da ação ainda não tinham sido iniciadas as obras de reconversão, nem se previa a data da sua conclusão. d) À data da propositura da ação ainda não era conhecido o custo de todas as obras de infraestruturas a realizar. e) Na data da realização da assembleia geral de 27.03.2004 ainda não estavam definidas a área máxima total de construção atribuída ao loteamento no respetivo alvará, nem a área máxima de construção atribuída a cada lote no alvará de loteamento. f) À data da realização da assembleia geral de 27.03.2004 não era possível determinar os valores dos elementos da fórmula constante do título executivo. g) À data da referida assembleia ainda não se encontravam aprovados os projetos de especialidade. h) Só em 19.07.2010 foi dada autorização pela Câmara Municipal de Palmela para o início das obras de urbanização e mediante condicionalismos. i) O valor das taxas a liquidar à Câmara Municipal de Palmela pela realização das infraestruturas, só é possível fixar “a partir do momento em que todos os projetos de especialidade exigíveis tenham merecido parecer favorável por parte das entidades externas consultadas, bem como por parte da Câmara”. j) O projeto apresentado em 2000 e que serviu de base à assembleia geral de 27.03.2004 ficou condicionado a diversas e significativas alterações para poder ser aprovado o loteamento por parte da Câmara Municipal de Palmela. k) Não foi emitido até à data da propositura da ação qualquer alvará de loteamento, mas apenas a aprovação de licença de loteamento, em 19.08.2009. l) A área indicada no pedido de licenciamento de operação de loteamento, cuja planta síntese ou desenho urbano foi aprovado condicionalmente em 2000, foi objeto de alteração, em 18.10.2006 e 19.08.2009. m) Na data em que foi exigida a comparticipação aos executados, ainda não existia qualquer taxa definida por aquela entidade camarária. n) Até 2006 a Câmara Municipal de Palmela manifestou, expressamente, não autorizar o início de quaisquer obras, nem sequer de movimentação de terras. o) O título executivo baseia-se em documentos e datas que ainda não existem ou se encontram determinadas, designadamente, alvará de loteamento, data das contas finais e data do início de obras. p) A Câmara Municipal de Palmela, em 15.12.2004, comunicou à exequente que: “A deliberação conducente à fixação do valor das taxas de urbanização e da caução só deverá ocorrer a partir do momento em que todos os projetos de especialidade, exigíveis, tenham merecido a emissão de parecer favorável por parte das entidades externas consultadas, bem como por parte da Câmara Municipal nas respetivas áreas de competência e as cedências e demais obrigações decorrentes da operação de loteamento se achem concretizadas.” q) Em 12.11.2004, face aos aditamentos ao desenho urbano aprovado em 2000, comunicou a Câmara Municipal de Palmela à exequente: “Neste aditamento apresentado, o desenho urbano indicado, não se encontra de acordo com a planta síntese aprovada, tendo sido efetuadas diversas alterações, nomeadamente junto a estrada nacional, onde foram anulados arruamentos e lotes.” r) Em 28.07.2006, a mesma Câmara Municipal refere “...compete à assembleia de proprietários ou comproprietários aprovar o projeto de reconversão a apresentar à Câmara Municipal, na modalidade de operação de loteamento. Não estando o procedimento de loteamento ainda concluído (emissão do alvará de loteamento), considera-se que a competência relativa ao projeto de loteamento e as suas eventuais alterações se mantêm exclusivamente na esfera da assembleia de proprietário ou comproprietários.” s) Referindo aquela edilidade que havia necessidade de promover uma alteração à licença de loteamento. t) O que nunca foi deliberado em qualquer assembleia geral. u) Por ofício da Câmara Municipal de Palmela, de 16.04.07, foi enviado ao Chefe de Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local, a seguinte informação: “Em face da delimitação estabelecida para a AUGI do (...) foi apresentado, em 28.10.1998, pela Administração Conjunta desta AUGI (a qual se encontrava devidamente constituída e registada nos termos da Lei nº 91/95, de 2 de Setembro), um pedido de licenciamento da operação de loteamento de reconversão, tendo o seu desenho urbano sido aprovado de forma condicionada por deliberação da Câmara Municipal, datada de 13.12.2000.” e : “Não houve, portanto, até à presente data qualquer deliberação da Câmara Municipal de Palmela no sentido de autorizar (ainda que provisoriamente) o início de obras de urbanização na AUGI do (…).” v) À data de 20.07.2004, a exequente “ainda não procedeu à apresentação da totalidade dos projetos, nomeadamente arranjos exteriores, regularização da vala, soluções alternativas para abastecimento de água e drenagem ao loteamento (retificação aos projetos apresentados).” w) Pela Câmara Municipal de Palmela foi informado, já após a realização da mencionada assembleia que “qualquer autorização provisória para início de obras de urbanização, deverá ajustar-se aos projetos que hajam merecido parecer favorável das entidades consultadas e carecerá de deliberação que, nos termos do artigo 26º da mesma Lei, (91/95) fixará os termos e condições, nomeadamente técnicas e financeiras, que se mostrem necessários à boa execução das mesmas (…) mais se informa que a Câmara Municipal não procedeu a qualquer deliberação.” x) O edital junto com o requerimento executivo não correspondente ao alvará de loteamento como se preceitua no artigo 29º, reportando-se a 2010 e, não, a 2004. y) O que foi aprovado em 13.12.2000 foi apenas “o desenho urbano” e não qualquer alvará. z) A comissão de administração mandante no requerimento executivo existe há 16 anos. aa) Em 05.11.2008 foi emitida pela Câmara Municipal de Palmela autorização provisória para o início dos trabalhos referentes às infraestruturas internas do loteamento, com exceção dos Espaços Exteriores. bb) Em 16.12.2011 a apelada veio solicitar à Câmara Municipal de Palmela a emissão do Alvará de Loteamento, assim como o pagamento das taxas urbanísticas inerentes em prestações mensais até à conclusão das obras de urbanização (à data prevista para 5 anos), cc) O que foi aceite pela Câmara Municipal de Palmela. dd) Desde essa data a apelada não tomou qualquer iniciativa junto da Câmara Municipal de Palmela, apenas existindo dois contatos e por iniciativa daquela edilidade. ee) Desde 2011 que a Câmara Municipal de Palmela realizou diversos atendimentos com comproprietários da AUGI, bem como com vários advogados em representação de outros tantos comproprietários, sempre manifestando preocupação com a estagnação da tramitação do processo de reconversão e, sobretudo, com a falta de comunicação da apelada. ff) O facto de não terem sido realizadas assembleias com os comproprietários têm gerado muitas dúvidas nos mesmos quanto ao ponto de situação da reconversão. gg) Têm-se verificados variados atendimentos da Câmara Municipal de Palmela com munícipes, comproprietários desta Augi, que para além de solicitarem informações sobre o ponto de situação do processo, têm exatamente apresentado várias queixas sobre a grande dificuldade em contatar a apelada. hh) Os orçamentos de obras apresentados em 2004 junto daquela edilidade estão desatualizados, pelo que terão de ser apresentados novos orçamentos. ii) Em novembro de 2017 a apelada não tinha cumprido com obrigação de prestar contas, embora a tal estivesse obrigada. j) Os argumentos apresentados pela exequente são os mesmos que sustentou em diversas ações judiciais e diferentes comarcas, todas condenadas ao fracasso, e confirmadas até pelo Tribunal da Relação de Évora, há muito transitadas em julgado. 4- Face a tal factualidade, não podia o tribunal recorrido dar como verificados os factos indicados nos pontos 9º e 10º da matéria julgada como assente, uma vez que do título executivo e do plano de loteamento definido pela Câmara Municipal de Palmela, em 2010, ainda não é possível definir, concretamente, todos os valores que consubstanciam a fórmula em causa. 5- Pelo que deve este Venerando Tribunal alterar a decisão sobre a matéria de facto nos termos supra enunciados, incluindo os factos descritos nas alíneas a) a jj) do ponto 3 como provados e os factos descritos nos pontos 9º e 10º da sentença, como não provados, o que se requer, ao abrigo do artigo 662º, nº1 do C.P.C. 6- O tribunal recorrido não responde à questão de saber se na data em que foi emitido o licenciamento das obras de reconversão era necessário, ou não dar cumprimento ao disposto nos artigos 25º e 26º da Lei nº 91/95. 7- Não existe qualquer informação nos autos, nem sequer alegação por parte da apelada de que foi apresentado junto da Câmara Municipal de Palmela o mapa contendo o valor absoluto e a quota de comparticipação de cada lote nos custos da execução das obras, nem da caução legal, conforme exigido no artigo 26º, nº 3 da referida Lei. 8- Pelo que se entende que a sentença ao não se pronunciar sobre esta questão levantada pelos apelantes, tornou-se nula, por violação do disposto no artigo 615º, alínea d), do C.P.C., o que desde já se invoca e cuja declaração se requer por parte desse Venerando Tribunal. 9- É o próprio tribunal recorrido que conclui que o título executivo não é suficiente para apurar a quantia devida pelos apelantes quando refere que: “… a exequente procedeu ao cálculo dos custos de reconversão em causa após o deferimento do licenciamento de obras de urbanização e aprovação do pedido de licenciamento de loteamento”, o que significa que, até então, não tinha os elementos necessários para o fazer. 10- E se eventualmente passou a deter tais elementos, não os deu a conhecer aos comproprietários, de forma a que, em assembleia geral e por deliberação daqueles, fosse concretizada a fórmula descrita no título executivo. 11- A jurisprudência indicada na sentença recorrida não reflete a realidade dos presentes autos, nem se debruça sobre as questões levantadas nos mesmos, já que a apelada nunca iniciou quaisquer obras, embora estivesse autorizada a fazê-lo, provisoriamente em 2008 e, depois, em 2010. 12- O enquadramento jurídico que a sentença recorrida faz é inválido quando se tenta basear nos acórdãos ali indicados, uma vez que o que está a ser exigido nos presentes autos é a totalidade da comparticipação dos apelantes nos custos de reconversão, calculados com base numa fórmula não concretizada e sem qualquer trabalho ou obra feita, nem apresentação de contas ao longo de 14 anos. 13- Mais gritante é a fundamentação da sentença recorrida relativa à exequibilidade e exigibilidade do título dado à execução, considerando que o mesmo pode ser concretizado anos depois, através de documentos que não têm essa força executiva e dos quais não resultam os elementos necessários para o apuramento da quantia exequenda. 14- O elemento K que serviu de base para o cálculo do valor reclamado pela apelante não é o mesmo que consta como tabela anexa aquela, nem foi sujeita a deliberação de assembleia, sendo diferente do que consta como quadro síntese aprovado pela Câmara Municipal em agosto de 2009. 15- Quanto aos elementos STPT e STPL, o que ficou aprovado foi a sua designação e o facto de pertencerem à fórmula para cálculo das comparticipações nos custos da reconversão, e não, a sua concretização. 16- Não se faz ali referência à área total de construção do loteamento, pelo que não podia o tribunal recorrido concluir que tais elementos foram aprovados. 17- Resulta do título executivo que a área de construção a atribuir a cada lote não se mostrava definida à data da realização da respetiva assembleia, sendo que o mesmo constitui elemento essencial para o cálculo do valor da comparticipação. 18- Da fórmula de cálculo de comparticipação aprovada não resulta a determinação da prestação a cargo dos apelantes, já que na mesma não se indicam os valores que compõem, nomeadamente, os elementos G, GO (não se indica data prevista ou considerada pela assembleia para a aprovação das contas finais e para o início e conclusão das obras), T (não se indica o valor previsível e considerado dessas taxas). 19- Os documentos que estão juntos com o título executivo, nomeadamente, o edital da C.M.P. de 2010, não constituem um documento complementar do título executivo. 20- Só o alvará constitui um documento que poderá completar tal e provar a área máxima total de construção (STPT) e a área máxima de construção atribuída ao lote dos executados (STPL). 21- O cálculo que é feito pela apelada e referido numa simples carta enviada aos apelantes, não encontra qualquer sustentação no título executivo, não sendo possível determinar como foram apurados os elementos integrantes da fórmula em causa. 22- Dos autos não existem documentos que possam concretizar todos os elementos da referida fórmula e, mesmo que existissem, teriam que figurar no processo como fazendo parte do título executivo, o que não acontece. 23- Não podia o tribunal recorrido ter concluído que o valor das taxas municipais tinha sido determinado com recurso a um site, pois tal recurso não pode valer para o apuramento de uma quantia exequenda. 24- Os valores da comparticipação não podem ser devidos desde 30.04.2004, porque não podiam ainda ser apurados nessa data. 25- O raciocínio feito pelo tribunal recorrido que o valor da comparticipação é devido a contar de 1.11.2015 não tem qualquer sustentação legal. 26- Não se encontrando liquidada a dívida exequenda nos termos legais, não podendo por isso ser exigível, não se encontram vencidos juros. 27- Devia o tribunal recorrido ter concluído que o título dado à execução não fornece todos os elementos necessários para a determinação da quantia exequenda (despesas de reconversão a cargo dos apelantes) sendo por isso inexequível, o que, por si só, deveria ter determinado a procedência da oposição à execução. 28- Porque assim tem sido o entendimento da nossa jurisprudência, nomeadamente, o acórdão deste Venerando Tribunal, datado de 02.05.2019, o qual recaiu exatamente sobre o mesmo título executivo que o dado à execução, bem como sobre as mesmas questões levantadas nestes autos. 29- A jurisprudência maioritária vai no sentido que, pese embora a ata que contém a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão, em sede de AUGI, constitua título executivo, dela tem de constar a determinação do concreto montante a pagar por referência aos lotes que integram o loteamento. 30- Nem em 27.03.2004, nem até à data, a apelada logrou ainda obter a deliberação exigida pelo artigo 26º da Lei 91/95, de 2 de setembro. 31- Até à data, ainda não foi emitido o Alvará de Loteamento previsto no artigo 29º da Lei nº 91/95, de 2 de setembro. 32- O artigo 713º do Código de Processo Civil exige que a obrigação seja certa, exigível e líquida, devendo constar da mesma todos os elementos constitutivos da operação aritmética. 33- Não contendo a ata apresentada como título executivo qualquer deliberação da assembleia dos proprietários da AUGI concretizando as comparticipações do lote pertencente aos executados é manifesta a insuficiência desse título. 34- Não existindo título que sustente a presente execução, por insuficiente, devia a mesma improceder e ser considerada extinta, nos termos do artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil. 35- Por todo o exposto, andou mal o tribunal recorrido ao considerar como válido o título executivo, uma vez que do mesmo não resulta qualquer obrigação certa, líquida e exigível, não lhe podendo ser atribuída tal qualidade, por falta de pressupostos legais. 36- Encontrando-se desconforme à lei, outra solução não existe que a declaração da sua nulidade, com a consequente revogação e substituição por outra decisão que tenha em conta a falta de tais pressupostos, declarando como procedente a oposição deduzida pelos apelantes, o que se requer ao abrigo do artigo 665º do C.P.C. 37- A ata da assembleia de 23.03.2014 é usada como título executivo para coagir os comproprietários a pagarem comparticipações, quando a exequente sabe que nada fez para obter a confiança daqueles. 38- É abusivo obrigar os comproprietários a pagar elevadas quantias quando não são prestadas informações aos mesmos; quando a apelada esta incontactável; quando não são prestadas contas sobre os valores já entregues; quando se deixam desatualizar orçamentos e projetos que precisam de ser, novamente, atualizados, com acréscimo de custos. 39- É abusivo que desde a realização da assembleia de 2004, apenas tenha sido realizada uma assembleia em 2006 e iniciada uma outra em 2009 (mas não concluída), sem se aprovarem as contas de cada exercício e eleger, anualmente, a Comissão de Fiscalização. 40- Os factos carreados pelos apelantes e que deviam ter sido considerados como provados pelo tribunal recorrido, através dos documentos juntos e dos documentos cuja junção se requereu, evidenciam bem que a atuação da apelada é abusiva, porque ultrapassa os limites impostos pela boa-fé e pelo fim social e económico do direito que invoca. 41- A falta de assembleias gerais ou reuniões com os comproprietários para justificar toda essa atuação e o afastamento do processo ao logo de diversos anos, dando a entender aos mesmo que a apelada tinha desistido de concretizar o processo de reconversão, torna abusiva a interpelação de 2015 anexa ao título executivo, bem como a propositura da presente ação, nos termos do artigo 334º do C.C. 42- Consubstanciando o abuso de direito uma exceção perentória, que deve ser declarada e, em consequência, serem os apelantes absolvidos do pedido, nos termos do artigo 576º, nº 3, do C.P.C., o que desde já se invoca e se requer. 43- Não menos importante é o facto de tal questão ter sido levantada pelos apelantes e o tribunal recorrido não se ter pronunciado sobre a mesma na douta sentença, o que consubstancia uma nulidade, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), primeira parte do C.P.C., o que desde já se invoca e cuja declaração se requer, devendo ser substituída por uma sentença que se pronuncie sobre a questão da existência, ou não, de abuso de direito por parte da apelada. 44- O tribunal recorrido decidiu mal ao considerar que a apelada não litiga de má-fé, por ter indeferido a junção de documentos requerida pelos apelantes e por não ter relevado outros que se encontram junto aos autos. 45- A apelada omite a verdade dos factos, como seja a não existência de Alvará de Loteamento e a falta de elementos concretos para aplicação da fórmula aqui em causa; 46- A apelada deduz uma pretensão que sabe não ter fundamento, uma vez que à data do título executivo nenhuma quantia era exigível, por não concretizável, a não ser adiantamentos ou provisões, tendo a sua pretensão sido rejeitada em outras ações por esse motivo, pelo que não devia instaurar novos processos, nos mesmos termos; 47- A apelada omite factos relacionados com a oposição dos comproprietários quanto à forma como conduz o processo de reconversão e o destino que deu ou dá aos valores entregues pelos comproprietários; 48- A apelada faz um uso manifestamente reprovável deste processo, para obtenção coerciva de quantias dos comproprietários, sem ter de prestar trabalho, esclarecimentos e contas e sem que se saiba para que fim, uma vez que o processo de reconversão esteve parado na Câmara Municipal durante diversos anos, assim se mantendo, o que evidencia manifesta má-fé, nos termos previstos no artigo 542º, nº 1 e 2, alíneas a) b) e d), do C.P.C. 49- O tribunal recorrido obstou, com o indeferimento da prova requerida na petição de embargos, que se confirmasse que os elementos que constituem a apelada não efetuaram, até hoje, enquanto comproprietários, o pagamento das suas comparticipações. 50- Pelo que se entende por verificada a sua litigância de má-fé, ao contrário do entendimento feito constar na douta sentença recorrida, razão pela qual deve a mesma ser declarada e a apelada condenada enquanto tal, bem como no pagamento da indemnização, prevista no artigo 543º, nº 1, alínea a) do C.P.C. e cujo valor não poderá nunca ser inferior a € 2.500,00 (mínimo) a fim de ressarcir despesas e honorários a mandatários, despesas de deslocação à Câmara Municipal de Palmela, despesas de deslocação a escritório de mandatários e a tribunal, bem como despesas na obtenção de documentos para instruir o presente processo, nos termos do artigo 665º do C.P.C. Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente recurso proceder, por provado e, por conseguinte: a) Ser revogada parcialmente a decisão quanto à matéria de facto, nos termos supra enunciados, bem como a decisão recorrida pelo enquadramento jurídico feito; b) Declararem-se totalmente procedentes os embargos, com a absolvição dos apelantes do pedido, assim se fazendo a costumada Justiça!” * As conclusões mostram-se razoavelmente aperfeiçoadas verificando-se ter havido preocupação por parte dos Apelantes em reduzir a sua extensão, que lograram conseguir em cerca de um terço relativamente às iniciais. * O recurso é o próprio e foi correctamente admitido quanto ao modo de subida e efeito fixado. * Correram Vistos. * Uma vez que as Partes não lograram demonstrar nos autos terem chegado ao acordo que determinou a suspensão da presente instância recursiva impõe-se, na sequência do anterior despacho proferido em 07/07/2020, declarar cessada a mesma, ao abrigo do disposto no artigo 276º, nº 1, c), 2ª parte, do CPC., conhecendo-se, já de seguida, dos termos do recurso. * II – QUESTÕES OBJECTO DO RECURSO Nos termos do disposto no artigo 635º, nº 4, conjugado com o artigo 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (doravante apenas CPC), o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que concerne à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que, no âmbito de recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base em elementos constantes do processo, pelo que são as seguintes as questões que conformam o objecto deste recurso: a) Nulidades da sentença; b) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto; c) Insuficiência/Inexigibilidade do título executivo; d) Litigância de má-fé; e) Abuso do direito. * III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Constam da sentença recorrida os seguintes fundamentos de facto: “III. Factos assentes Está assente a seguinte factualidade, com relevância para a decisão da causa: 1. A exequente tem, entre outras, a atribuição de praticar os atos necessários à reconversão urbanística do solo e à legalização das construções integradas na AUGI de (…). 2. A favor dos executados/embargantes encontra-se registada, pela Ap (…), de 13.06.2013, da Conservatória do Registo Predial de Palmela, a aquisição de 360/82400 do prédio rústico sito na freguesia de (…), Palmela, descrito sob o nº (…) e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), secção (…). 3. O referido prédio faz parte da Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI) de (…). 4. A assembleia geral de comproprietários da AUGI de (…) realizada em 23.03.2002 fez aprovar a comissão de administração. 5. A assembleia geral de comproprietários da AUGI de (…), realizada em 27.03.2004, deliberou, além do mais, aprovar o orçamento provisional das obras de urbanização, elaborado com base nos custos previsíveis, no montante global de € 8.916.880,49. 6. A assembleia geral deliberou ainda sobre a seguinte proposta: «1 - Que seja adoptada a seguinte fórmula na repartição dos custos de reconversão por lote: CL = (P+G+GO)*K+((T+IE)/STPT)*STPL, em que: CL = Custo da reconversão a imputar a cada lote; P = Custo relativo à 1ª fase do processo (execução e aprovação dos projectos), no montante de € 762,66 (…), com IVA incluído; G = Custo relativo à gestão do processo, no montante de € 11,67 (…), com IVA incluído, por cada mês, desde Julho de 2000 até à aprovação das contas finais; GO = Custo relativo à gestão das obras, no montante de € 20,95 (…), a que acresce o IVA em vigor, por cada mês, desde o início das obras até à sua conclusão; T = Valor das taxas a liquidar à Câmara Municipal de Palmela pela realização das infra-estruturas adicionado ao de quaisquer outras obras que, legalmente, sejam devidas; IE = Custo de todas as infra-estruturas a realizar; STPT = Área máxima total de construção atribuída ao loteamento no respectivo alvará; STPL = Área máxima de construção atribuída ao respectivo lote no alvará de loteamento; K = Índice relativo à dimensão dos lotes, de acordo com a tabela em anexo. 2 - Que seja estabelecido o dia 30 de Abril do corrente ano como data limite para o pagamento dos custos adicionais, calculados de acordo com o orçamento aprovado por esta assembleia, sem qualquer encargo adicional; 3 - Que seja estabelecido um prazo máximo de 30 dias meses, a contar dessa mesma data, como prazo limite para pagamento desses custos, desde que seja apresentado e aceite por esta Comissão no prazo de um mês um plano de pagamento e que, neste caso, que o valor em dívida sujeito a um encargo equivalente a 6% (…) ao ano.» 7. Consta o seguinte da ata da assembleia geral, logo após o texto da proposta referida no ponto anterior: «Apresentada esta proposta (…), face à indefinição quanto à STPL (área de construção) a atribuir a cada lote, foi dado um prazo de 15 dias aos comproprietários que ainda o não fizeram para decidirem sobre a(s) área (s) de construção do (s) seu (s) lote (s) findo o qual se considerará a área prevista no actual projecto aprovado, atribuindo-se então o respectivo valor dos custos de reconversão por lote com base na fórmula em aprovação». 8. As aludidas propostas foram aprovadas por maioria absoluta. 9. Em face da fórmula de cálculo aprovada e do plano de loteamento definido pela Câmara Municipal de Palmela, a exequente efetuou os cálculos relativos aos lotes a atribuir aos embargantes, que terá o número (…), com a área de 378,00 m2, e com uma STPL de 225,60, pela aplicação da fórmula e valores aprovados na assembleia geral de 27.03.2004, considerando a licença de loteamento aprovada, a que se refere o edital Nº 03/DAU-GRAGI/2010 de 30.07.2010, da Câmara Municipal de Palmela. 10. Do referido cálculo resulta que a comparticipação dos embargantes, com os custos de reconversão, ascende aos € 19.914,22. 11. Foi enviada ao embargante, pela exequente, uma missiva datada de 23.09.2015, na qual a primeira solicitou o pagamento da quantia remanescente, no valor de € 19.462,69, no prazo máximo de 15 dias. 12. A deliberação aprovada na assembleia geral de comproprietários de 27.03.2004 foi publicada no dia 05.04.2004, no jornal “Correio da Manhã”. 13. Por edital de 30.07.2010, foi tornada pública a aprovação pela edilidade camarária da licença de loteamento, e respetivas alterações, referente à Reconversão da AUGI da Quinta do (…), por deliberação da Câmara tomada em reuniões de públicas de 13.12.2000, 18.10.2006 e 19.08.2009. 14. Por deliberação da Câmara Municipal de Palmela de 19.08.2009, foi aprovada a licença de loteamento e respetivas alterações, referentes à reconversão da AUGI da Quinta do (…), contemplando as alterações previstas em quadro síntese que continha a indicação das áreas e do número de lotes. 15. Por despacho exarado pelo Sr. Vereador do Pelouro em 19.07.2010, no uso da competência subdelegada pela Sra. Presidente da Câmara (através do despacho n.º 20/2009 de 23.11), foi deferido o licenciamento de obras de urbanização. Factos não provados Com relevância para a decisão a proferir, nenhum outro facto ficou provado. Nomeadamente, não se provou que: 1. Os 360/82400 avos do prédio rústico sito na freguesia de (…), Palmela, descrito sob o nº (…), e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), secção (…), não fazem parte integrante da Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI) de (…). ** IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Comecemos, então, por abordar a primeira questão (a)), objecto do recurso. Decorre do artigo 615º, nº 1, do CPC, que: “É nula a sentença quando: [ …] d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.” Relativamente a esta nulidade, concretamente a chamada “Omissão de pronúncia“, a que alude a primeira parte da alínea d ), diz-nos António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, em anotação ao mencionado artigo (“Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Almedina, 2ª edição atualizada, 2020, pág. 764), que a omissão de pronúncia afere-se “seja quanto às questões suscitadas, seja quanto à apreciação de alguma pretensão.“ E acrescentam ainda que “[…] o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as questões de conhecimento oficioso“, não obrigando, todavia, “ […] a que se incida sobre todos os argumentos, pois que estes não se confundem com «questões»[…].” Neste sentido saliente-se, entre vários outros, os acórdãos do STJ de 27/03/2014, proferido no Processo n.º 555/2002 e de 08/02/2011, proferido no Processo n.º 842/04TBTMR.C1.S1 (ambos acessíveis para consulta in www.dgsi.pt). Neste último aresto de 08/02/2011 decidiu-se de forma bastante clara o seguinte: “Não há que confundir as questões colocadas pelas partes com os argumentos ou razões que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões em determinado sentido: as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões…”. E acrescenta-se ainda no dito acórdão que: “Se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia”. Regressando ao caso concreto percebemos das conclusões recursivas apresentadas pelos Apelantes que os mesmos se insurgem quanto ao facto de a sentença recorrida não se pronunciar sobre se na data em que foi emitido o licenciamento das obras de reconversão era, ou não, necessário dar cumprimento aos artigos 25º e 26º da Lei nº 91/95, de 02/09 e, bem assim, sobre o abuso de direito por parte da ora Apelada. O Mmº Juiz a quo, aquando da prolação do despacho de admissão do presente recurso datado de 04/12/2019, pronunciou-se sobre as arguidas nulidades concluindo pelo indeferimento das mesmas por entender não se verificarem. Tendo presente a posição doutrinária e jurisprudencial acima expendidas, com as quais concordamos e que vimos seguindo, afigura-se-nos que o saber se na data em que foi emitido o licenciamento das obras de reconversão era, ou não, necessário cumprir o disposto nos artigos 25º e 26º da Lei nº 91/95, de 02/09, não consubstancia uma “questão” de obrigatória apreciação por parte do julgador, pois tal não se identifica nem com o pedido formulado, nem com a causa de pedir, nem com qualquer excepção relevante, situando-se antes no plano da argumentação e das razões jurídicas trazidas a juízo pela ora Apelante em defesa da sua posição e do seu ponto de vista, pelo que se conclui pela improcedência da invocada nulidade por omissão de pronúncia quanto ao ponto em apreço. Já quanto à figura do abuso de direito (ao contrário do sucedido relativamente à litigância de má-fé), verificamos que tal instituto não foi invocado em sede do argumentário fundamentador da oposição de embargos de executado e menos ainda ficou a constar no respectivo petitório que o Tribunal a quo apreciasse a sua verificação e determinasse as consequências legais. Na verdade, apenas no início da sessão de audiência final realizada em 27/03/2019 e em sede de reclamação contra a identificação do objecto do litigio, os ora Apelantes se apresentaram a requerer a introdução do abuso de direito por parte da Apelada nas matérias configuradoras de tal objecto, o que foi expressamente indeferido pelo Tribunal a quo. Processualmente a figura de abuso do direito prevista no artigo 334º do CPC traduz matéria de excepção, pelo que teria que ser invocada na petição de embargos de executado atento o disposto no artigo 731º, parte final, do CPC. Certo é, porém, que integra as matérias de conhecimento oficioso. Porém, no campo da pronúncia fundada na oficiosidade o julgador apenas se pronunciará sobre determinada questão se entender resultarem dos autos elementos que o habilitem a julgar verificada a mesma, o que significa que se tal não ocorrer o juiz não tem que se pronunciar expressamente para dizer que não decorre dos autos qualquer conduta ilustradora de uma questão de conhecimento oficioso, no caso concreto, de abuso do direito. Isto dito, é de concluir que também quanto à questão de abuso do direito não decorre que a sentença recorrida tenha incorrido em omissão de pronúncia. Improcedem, pois, na totalidade as conclusões recursivas no que tange à invocada nulidade de sentença por omissão de pronúncia. Quanto à segunda questão objecto do recurso (alínea b)): Dispõe o artigo 662º, nº 1, do CPC, que: “A relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Refere sobre este normativo o Conselheiro António Abrantes Geraldes (“Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 5ª edição, Almedina, pág. 287), o seguinte: “O actual artigo 662º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava …através dos nºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do principio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”. Por seu turno prevê o artigo 640º do CPC, que se debruça sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, o seguinte: “1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. […]” A este propósito sustenta António Abrantes Geraldes (obra acima citada, a págs. 168 -169), que a rejeição total ou parcial respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve ser feita nas seguintes situações: “a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635º, nº 4 e 641º, nº 2, alínea b)); b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artigo 640º, nº 1, a)); c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, esclarecendo, ainda, que a apreciação do cumprimento de qualquer uma das exigências legais quanto ao ónus de prova prevenidas no mencionado nº 1 e 2, a), do artigo 640º, do CPC, deve ser feita “à luz de um critério de rigor”. No caso concreto verifica-se que os Apelantes se insurgem contra os factos considerados na sentença recorrida como provados sob os pontos 9 e 10, sustentando que os ditos factos deveriam ter sido considerados como não provados, não logrando especificar com precisão nem na motivação, nem nas conclusões recursivas, a decisão que, no seu entender, deveria em concreto ser proferida sobre a questão de facto impugnada. Na verdade, não distinguindo a alínea c), do nº 1, do artigo 640º, do CPC, entre questão de facto provada, ou não provada, impugnada, no caso de se pretender que um facto considerado provado seja entendido como não provado revela-se insuficiente referir, apenas, que se deve considerar o mesmo como não provado sem lograr especificar devidamente a redacção (decisão), que o tribunal deve conferir à questão de facto impugnada. Mas ainda que assim não se entendesse certo é que relativamente a estes dois factos igualmente se verifica que os Apelantes não lograram especificar com precisão no seu recurso os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, incumprindo desse modo, também, o ónus de impugnação especificada previsto na alínea b) do nº 1, do artigo 640º, do CPC. Dito isto, por incumprimento do ónus de impugnação que recaia sobre si prevenido nas alíneas b) e c) do nº 1, do artigo 640º do CPC, impõe-se rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto no que tange a tais pontos de facto. Pretendem, ainda, os Apelantes que se considere como provados na sentença recorrida um acervo de 36 pontos de facto, que descriminam da alínea a) até à alínea jj), sustentando a sua posição numa panóplia de documentos que referem estar juntos aos autos e não terem sido impugnados. Ora, como resulta evidente da motivação recursiva e mormente do ponto 2 das conclusões recursivas, os Apelantes não lograram especificar relativamente a cada um dos pontos de facto pretendidos aditar à factualidade assente na sentença recorrida qual ou quais os concretos meios de prova que implicariam a consideração de cada um dos mencionados factos como provados. Sucede que e sublinhando o que supra já foi dito por força do disposto na alínea b), do nº 1, do artigo 640º do CPC, estavam obrigados a tal especificação, não podendo, de modo algum, entender-se que cumpriram o ónus de impugnação consagrado em tal alínea através da referência que fizeram em bloco aos documentos a que aludiram. Note-se, ademais, e a talhe de foice, que ao contrário do sustentado pelos Apelantes resulta da contestação à oposição apresentada aos embargos que muitos dos documentos aflorados foram objecto de expressa impugnação por parte da Apelada. Na conformidade acabada de expor é de concluir ser igualmente de rejeitar a impugnação da decisão atinente à matéria de facto considerada provada por incumprimento do ónus de impugnação que recaia sobre os Apelantes previsto na alínea b) do nº 1, do artigo 640º, do CPC, Destarte, conclui-se no sentido de manter inalterada a matéria de facto provada e não provada descriminada na sentença recorrida. Avancemos com a apreciação da terceira questão objecto do recurso respeitante à insuficiência/inexigibilidade do título executivo dado à execução (alínea c)). A questão essencial a solucionar neste âmbito prende-se com o saber se a execução foi instaurada sem título executivo suficiente, como sustentam os Apelantes. Dispõe o artigo 10º, nº 5, do CPC o seguinte: “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”. Seguindo a lição de Rui Pinto (“A Ação Executiva”, AAFDL Editora, Lisboa, 2018, pág. 143), dir-se-á que “o título executivo e a obrigação com determinadas qualidades são condições de ação”, ou seja, traduzem-se em condição essencial para recurso ao processo executivo. Tal recurso implica que o requerimento executivo deva ser, além do mais, acompanhado “De cópia ou do original do título executivo, se o requerimento executivo for entregue por via electrónica ou em papel, respectivamente” ( cfr. artigo 724º, nº 4, a), do CPC) Estatui o artigo 703º do mesmo diploma legal, que se ocupa das “espécies de títulos executivos”, que: “1 – À execução apenas podem servir de base: […] d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”. Por seu turno, prevê a Lei nº 91/95, de 02/09, que dispõe sobre o processo de reconversão das áreas urbanas de génese ilegal (abreviadamente AUGI), no seu artigo 10º, nº 5, o seguinte: “A fotocópia certificada da ata que contem a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão constitui título executivo”. Estamos, pois, perante disposição legal especial que atribui força executiva a um determinado documento, uma acta de deliberação da assembleia de proprietários e comproprietários, desde que aquela possua um determinado conteúdo respeitante precisamente à determinação do pagamento de comparticipação dos ditos proprietários e comproprietários nas despesas de reconversão. Decorre do artigo 3º, nº 3, da referida Lei 91/95, que dispõe sobre o “dever de reconversão” que: “3- O dever de reconversão inclui ainda o dever de comparticipar nas despesas de reconversão, nos termos fixados na presente lei.” Daqui se extrai com relativa clareza que a deliberação atinente à determinação do pagamento de comparticipação nas ditas despesas de reconversão não pode seguramente traduzir-se ou consubstanciar-se no reconhecimento genérico do dever de proprietários e comproprietários das zonas abrangidas pelas AUGI comparticiparem nas despesas de reconversão, uma vez que tal resulta já directamente do normativo acima enunciado. Posição contrária estaria, a bem dizer, a aceitar deliberações perfeitamente inúteis por parte da assembleia de proprietários e comproprietários. Mas, então, subsiste a questão, qual o conteúdo que a acta deverá apresentar para ter o valor de título executivo bastante? Será suficiente a deliberação da assembleia que disponha sobre a matéria prevenida no artigo 10º, nº 2, f), da Lei 91/95, relativo às competências da dita assembleia, concretamente a de “Aprovar os mapas e os respectivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações referidos na alínea c) do artigo 15º”? Ou será de exigir que tal deliberação vá mais longe e descrimine relativamente a cada um dos proprietários e comproprietários, de acordo com o lote, ou lotes, atribuídos a cada um, integrados na AUGI, o montante concreto e preciso a pagar por cada um deles? A questão não conhece ainda unanimidade jurisprudencial. A sentença recorrida adoptou a primeira posição e estribou-se em alguns acórdãos que assinalou. Porém, acompanhando a orientação que vem sendo seguida em arestos recentes (alguns deles emanados deste Tribunal da Relação de Évora), enveredamos pela outra orientação, que se nos afigura mais adequada quer às exigências de determinação do conteúdo da obrigação subjacente ao título executivo apresentado, quer, consequentemente, aos próprios direitos de defesa no âmbito deste tipo de acções. Salientamos, entre vários outros acórdãos, os proferidos no Tribunal da Relação de Lisboa em 09/07/2015 (Procº nº 4852/12.3TCLRS-A.L1-6), e em 24/11/2016 (Procº nº 6000/11.8TBALM-A.L1-2), respeitantes a matéria conexa com a dos presentes autos envolvendo também uma AUGI como exequente, ambos acessíveis para consulta em www.dgsi.pt, podendo ler-se de forma esclarecedora no acórdão datado de 09/07/2015 o seguinte: “…a acta apresentada como título executivo não contém qualquer deliberação concretizando as comparticipações do lote 6 pertencente aos executados, sendo por isso, manifesta a insuficiência desse título, o que impõe a extinção da execução…”. Deste Tribunal da Relação de Évora selecionamos dois arestos muito recentes que apreciaram matéria análoga à dos autos ora em apreço, respeitantes à mesma AUGI exequente e sobre o mesmo documento apresentado como título executivo, a saber a acta de deliberação de 27/03/2004. Trata-se dos acórdãos proferidos a 02/05/2019 (Proc.º nº 1078/18.6T8STB-A.E1) e em 24/10/2019 (Proc.º nº 3484/18.7T8STB-A.E1), ambos igualmente acessíveis para consulta em www.dgsi.pt. Refere o acórdão de 02/05/2019 que: “A aprovação do orçamento provisional das obras de urbanização e dos métodos e fórmulas de cálculo, definindo-se o prazo de 30 dias para a entrega das comparticipações, sem aprovação do mapa donde se alcance a comparticipação devida por cada lote e sem que estejam definidos os concretos lotes que cabem a cada comproprietário, não consubstancia título que contemple os itens necessários ao apuramento da quantia exequenda. Não constitui título executivo para cobrança de comparticipações nos custos de reconversão.” Já no acórdão datado de 24/10/2019, que acompanhamos muito de perto, podemos extrair o seguinte: “Consequentemente, não pode ser reconhecido o valor de título executivo à acta como tal junta ao requerimento executivo. …esse valor apenas pode ser reconhecido à acta de uma reunião da assembleia em que se delibere aprovar a concreta comparticipação de cada proprietário ou comproprietário nas despesas de reconversão, com referência a cada um dos lotes. Apenas nesta última hipótese estaremos perante uma acta que “contem a deliberação da assembleia que determine o pagamento da comparticipação nas despesas de reconversão” para o efeito previsto no artigo 10º, nº 5, da Lei nº 91/95. Regressando aos contornos do caso concreto em apreço retiramos da factualidade considerada como assente que a acta de 27/03/2004 dada à execução como título executivo retrata uma reunião de proprietários e comproprietários de área abrangida pela AUGI de (…) onde foi deliberado aprovar um orçamento provisional de obras de urbanização elaborado com base nos custos previsíveis das ditas obras, a par de uma fórmula matemática de repartição dos custos de reconversão por lote, bem como o prazo de pagamento dos custos adicionais calculados de acordo com o mencionado orçamento provisional. Mais ficou a constar na acta da assembleia geral em causa que “…face à indefinição quanto à STPL (área de construção), a atribuir a cada lote, foi dado um prazo de 15 dias aos comproprietários que ainda o não fizeram para decidirem sobre a(s) área(s) de construção do(s) seu(s) lote(s) findo o qual se considerará a área prevista no actual projecto aprovado, atribuindo-se então o respectivo valor dos custos de reconversão por lote com base na fórmula em aprovação.” Conforme facilmente se percebe não foi descriminado o montante definitivo concreto a pagar por cada proprietário ou comproprietário, por referência aos lotes abrangidos pela AUGI, o que, naturalmente, abrangeu os ora Apelantes, sendo certo que da leitura da acta de reunião da assembleia em apreço realizada em 27/03/2004, se constata, ademais, que tal concretização nem sequer seria possível de fazer na dita data, razão pela qual se optou na ocasião por aprovar apenas uma fórmula matemática com o intuito de calcular no futuro (o que se fez), a comparticipação concreta de cada proprietário ou comproprietário, por referência a elementos, ainda desconhecidos em 27/03/2004. Dito isto e face ao já acima exposto jurisprudencialmente sobre a matéria é imperioso reconhecer a manifesta insuficiência como título executivo da acta de 27/03/2004 junta ao requerimento executivo. Na verdade, para que tal acta valesse como título executivo bastante teria que ter sido deliberado no acto de reunião de assembleia realizada naquela data, formalizado na dita acta, a comparticipação concreta de cada proprietário, ou comproprietário, nas despesas de reconversão com referência a cada um dos lotes, o que não sucedeu, designadamente e para o que ora interessa, quanto aos ora Apelantes. Note-se que tal teria constituído motivo para indeferimento liminar do requerimento executivo de acordo com o disposto no artigo 726º, nº 2, a), do CPC. Procedendo as conclusões recursivas quanto ao fundamento acima exposto, revela-se prejudicada a apreciação das demais razões apresentadas pelos Apelantes no recurso relacionadas com o título executivo, ao abrigo do disposto no artigo 608º, nº 2, “ex vi” do artigo 663º, nº 2, parte final, ambos do CPC. Terá, pois, o recurso que proceder, o que implicará a extinção da execução por manifesta insuficiência do título executivo. Aqui chegados impõe-se abordar a questão que descriminamos supra sob a alínea d)), atinente à litigância de má-fé da Apelada AUGI. Resulta do artigo 542º do CPC, na parte que interessa analisar, o seguinte: “1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. 2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; […]. d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.” Diz-nos a propósito destes fundamentos de litigância de má-fé José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, Almedina, 4ª edição, 2019, pág. 457), o seguinte: “Segundo o nº 2, constituem actuações ilícitas da parte: a dedução de pretensão ou oposição com manifesta falta de fundamento, por inconcludência ou inadmissibilidade do pedido ou da exceção (alínea a)); a apresentação duma versão dos factos, deturpada ou omissa, em violação do dever de verdade (alínea b)); […] em geral o uso reprovável do processo ou de meios processuais, visando um objetivo ilegal, o impedimento da descoberta da verdade, o entorpecimento da ação de justiça ou o protelamento, sem fundamento sério, do trânsito em julgado da decisão ( alínea d))”. Por seu turno, segundo o entendimento de Paula Costa e Silva (“A Litigância de Má Fé”, pág. 394), para a parte se mostrar incursa na conduta prevista na alínea a ), do nº 2, do artigo 542º acima aludido basta que à mesma seja exigível esse conhecimento, competindo-lhe averiguar se a sua pretensão era concretamente fundamentada no plano de facto e do direito , enquanto a conduta prevenida na alínea b ) desse nº 2 pressupõe que a parte atue em seu benefício ao alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes, comportando um tipo de ilícito quer doloso, quer negligente. Segundo António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa (obra acima citada, pág. 616), “[…] não deve confundir-se a litigância de má-fé com: a) A mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a juízo; b) A eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar; c) A discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, a diversidade de versões sobre certos factos ou a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, a lograr impor (RP 02-03-10, 615/09)”. Regressando ao caso concreto e tendo como referência as razões invocadas pelos Apelantes, descriminadas nos pontos 45º a 48º das respectivas conclusões recursivas, considera-se, na esteira do entendimento de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, não estarem evidenciados factos ou circunstâncias que permitam considerar que a Apelada litigou de má fé, afigurando-se que a censura apresentada pelos Apelantes quanto a tal se enquadra, por um lado, em discordância quanto à interpretação e à aplicação da lei aos factos mormente quanto à questão da validade do título executivo apresentado, por outro em clara diversidade de versões sobre factos apresentadas por Apelantes e Apelada, respectivamente. Destarte, improcedem as conclusões recursivas quanto à invocada litigância de má-fé por parte da Apelada. Resta abordar a questão do abuso de direito invocada, ainda, pelos Apelantes nas suas conclusões recursivas. Dispõe o artigo 334.º do Código Civil, (doravante apenas CC), epigrafado precisamente “Abuso do direito”, o seguinte: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. Esta norma consagra o principio do abuso de direito cuja essência pode ser precisada ou através do recurso a uma teoria subjectiva, que coloca a tónica na intenção do agente, ou objectiva, que se debruça sobre o alcance objectivo do comportamento do agente, ou ainda através de fórmulas intermédias que procuram combinar um critério com o outro. A redacção do artigo 334º do CC aceitou a concepção objectiva do abuso de direito não sendo necessário que o agente tenha consciência da contrariedade do seu acto à boa fé, aos bons costumes ou ao fim social ou económico do direito exercido, bastando que tal acto revele essa contrariedade, mas num contexto de abuso nítido, dado que o titular do direito tem de ter excedido manifestamente os limites impostos ao seu exercício (neste sentido Mário Júlio de Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, Almedina, 12ª edição, 2018, págs. 84 a 86). A boa fé revela-se, antes demais, como principio geral de direito, sendo que numa perspectiva jurídico-positiva exprime-se através de cláusulas gerais, traduzindo o apelo que o legislador faz directamente a tal principio na regulamentação de certos domínios, existindo no direito obrigacional outras como por exemplo os bons costumes. Tais cláusulas gerais, a par dos conceitos indeterminados, destinam-se a conferir ao julgador uma generosa margem de liberdade de apreciação em cada caso concreto. De todo o modo agir segundo os ditames da boa fé pressupõe que os membros de uma comunidade jurídica adoptem “uma linha de correcção e probidade, tanto na constituição de relações entre eles como no desempenho das relações constituídas[…]que se exprimem na virtude de manter a palavra e a confiança, de cada uma das partes, proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do círculo social considerado, que determinam expectativas dos sujeitos jurídicos” (obra citada, pág. 122-123). Já no que tange ao conceito dos “bons costumes”, tratando-se igualmente de cláusula geral a preencher casuisticamente através do labor jurisprudencial, sempre será de entende-lo como um “conjunto de regras de convivência, de práticas de vida, que, num dado ambiente e em certo momento, as pessoas honestas e correctas aceitam comummente“ (idem, pág. 88), pelo que o exercício de um direito será contrário aos mesmos quando tiver laivos de imoralidade ou de violação das normas básicas impostas pelo decoro social. No que concerne ao último conceito determinativo da legitimidade ou ilegitimidade do exercício de um direito atinente precisamente ao “fim social ou económico” deve salientar-se que se prende com a função instrumental própria que cada direito possui, a qual justifica a sua atribuição ao titular e define o seu exercício. A propósito do exposto veja-se pelo seu interesse, entre outros, o Acórdão do STJ de 19/10/2005 (in Acórdãos Doutrinais, 531º - 549). Ao verificar-se abuso de direito e uma vez que a norma constante do artigo 334º do CC apenas alude a ilegitimidade do exercício abusivo de direito compete ao juiz determinar casuisticamente as consequências sancionatórias que derivam de tal acto abusivo, podendo sancionar-se, “[…] por um lado, com a nulidade, a anulabilidade, a inoponibilidade ou a resolubilidade, nos termos gerais, do próprio acto ou negócio abusivo e por outro lado, com o restabelecimento de actos ou negócios conexionados, recusando-se a acção de anulação, concedendo-se a excepção de dolo[…]” (obra citada pág. 90). Ora, em face do acabado de explanar, temos de convir, sem margem para rebuços, que a argumentação trazida aos autos por parte dos Apelantes neste recurso, no respeitante à figura do abuso do direito, constante designadamente dos pontos 38 a 41 das conclusões recursivas, não evidencia um manifesto excesso por parte da Apelada dos ditames da boa-fé, dos bons costumes, ou do fim social e económico do direito de que entendeu ser titular e executar no âmbito da acção executiva a que estes embargos foram apensados, razão pela qual deverão as conclusões recursivas improceder, igualmente, quanto a essa matéria. Por fim, quanto ao alegado indeferimento pelo Tribunal a quo de um requerimento dos ora Apelantes para junção aos autos de documentos em sede de despacho saneador, expresso pelos Apelantes nos artigos 44º e 49º das conclusões recursivas, nada se oferece apreciar uma vez que, conforme se alcança da análise destes mesmos autos, dessa decisão de indeferimento os ora Apelantes recorreram tempestivamente para este Tribunal, subindo o recurso imediatamente e em separado destes autos, tendo o mesmo sido objecto de decisão sumária de relator em 07/11/2019, a qual julgou improcedente o recurso e transitou pacificamente em julgado. * V - DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar parcialmente procedente o presente recurso de Apelação apresentado por (…) e (…) e, em consequência, decidir: a) Revogar a sentença recorrida, determinando a procedência da presente oposição por embargos de executado com a consequente extinção da execução; b) Julgar improcedente a questão excepcional de abuso do direito; c) Absolver a Apelada do pedido de condenação como litigante de má-fé; * Fixam-se custas a cargo de Apelantes e Apelada, na proporção de 20% a cargo dos primeiros e de 80% a cargo da segunda, nos termos do disposto no artigo 527º, nº 1 e 2, do CPC. * Évora, 22/10/2020 (José António Moita, relator – Assinatura electrónica certificada no canto superior esquerdo da primeira folha do acórdão). (Silva Rato, 1º Adjunto – Votou o acórdão em conformidade por comunicação à distância, nos termos do disposto no artigo 15º-A do Dec.-Lei nº 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3º do Dec.-Lei nº 20/2020, de 01/05). (Mata Ribeiro, 2º Adjunto – Votou vencido o acórdão, por comunicação à distância, nos termos do disposto no artigo 15º-A do Dec.-Lei nº 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3º do Dec.-Lei nº 20/2020, de 01/05, sendo o seu voto do seguinte teor):
Voto de Vencido Votei vencido por entender que para valer como título executivo a ata de assembleia da administração conjunta de uma AUGI não necessita de discriminar o montante concreto e definitivo a pagar por cada um dos proprietários ou comproprietários, por referência a cada um dos respetivos lotes. Pois, tenho seguido o entendimento que não é indispensável que conste do título executivo o exato montante da obrigação a pagar no futuro, bastando ao exequente liquidá-lo posteriormente a partir de simples cálculo aritmético em consonância com a deliberação da assembleia de comproprietários de área urbana de génese ilegal (AUGI) que aprova a fórmula de cálculo aplicável para comparticipação de cada um dos comproprietários no processo de reconversão, conforme os lotes a aprovar no licenciamento camarário, sendo o valor da comparticipação de cada um dos interessados determinável através da aplicação dessa mesma fórmula (v. Acórdãos deste Tribunal da Relação de Évora de 07/11/2019 e de 0810/2020, respetivamente nos processos 4785/18.0T8STB-A.E1 e 1279/19.0T8STB-A.E2, que relatei). Neste mesmo sentido, vide acórdãos desta Relação de Évora de 12/09/2019 e de 30/01/2020, respetivamente, nos processos 7755/17.1T8STB-A.E1 e 4284/17.7T8STB-A.E1, disponíveis em www.dgsi.pt, bem como o acórdão do STJ de 28/01/2020, no âmbito do processo número 1078/18.6T8STB-A.E1.S1, da 6ª secção cível. Nestes termos, julgava improcedente a apelação e confirmava a sentença recorrida. Mata Ribeiro |