Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
215/18.5T8FAR.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
INSTALAÇÕES ELÉCTRICAS
RUÍDO
Data do Acordão: 09/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – É ilícita e obriga a reparar os prejuízos, a emissão de ruídos de um posto de transformação de eletricidade que envolve a ofensa de direitos de personalidade, ainda que o ruido seja inferior ao limite máximo permitido por lei e localização do posto de transformação tenha sido autorizada pela autoridade administrativa competente.
II – Demonstrando-se que a autora, pelo menos há mais de cinco anos, em virtude do ruído, não dorme com tranquilidade, tem insónia, apresenta zumbidos bilaterais permanentes e intensos, que interferem com a sua qualidade de vida, o que tudo contribuiu para ser uma pessoa ansiosa e angustiada, com síndrome depressivo para o qual toma medicação, tem 61 anos de idade e vive com pensão de reforma de € 334,44 mensais, afigura-se ajustada a atribuição da quantia de € 40.000,00 para reparação dos danos não patrimoniais.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 215/18.5T8FAR.E1

Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório
1. (…), solteira, residente na Rua (…), n.º 81, r/c, E, em Portimão, instaurou contra E-Redes – Distribuição de Eletricidade, S.A., com sede na Rua Camilo Castelo Branco, n.º 43, em Lisboa, ação declarativa com processo comum.
Alegou, em resumo, residir no prédio com o n.º 81 da Rua (…), em Portimão, no qual está instalado, paredes-meias com a sua residência, um posto de transformação explorado pela Ré, do qual emana um constante e acentuado zumbido, ininterruptamente, dia e noite, e produz campos eletromagnéticos, constantes e permanentes, prejudicais à saúde e vida, ruído audível na sua casa e por efeito do qual não dorme com tranquilidade, sofre de insónias, chega a dormir no terraço do prédio ou em casa de pessoas amigas para se libertar do permanente ruído, situação que dura há oito anos e que tornou a Autora numa pessoa ansiosa, depressiva, martirizada, angustiada, usando permanentemente tampões nos ouvidos.
Concluiu pedindo a condenação da Ré a encerrar o posto de transformação, a removê-lo para outro espaço e a pagar-lhe, a título de indemnização por danos “morais, físicos e materiais”, a quantia de três milhões de euros, acrescida de juros.
A Ré contestou para afirmar, em resumo, que só teve conhecimento da reclamação da Autora em junho de 2017, na sequência da qual tomou, com êxito, medidas para a diminuição do ruído de tal forma que em março de 2018 os valores do ruído e dos níveis dos campos magnéticos, no interior e exterior do posto de transformação e no interior da habitação contígua, se encontravam dentro dos limites regulamentares; alega, ainda, que a Autora não concretiza os danos, nem alega factos que permitam concluir pelo nexo de causalidade entre sua situação pessoal e condição de saúde e a permanência do posto de transformação no local onde se encontra.
Concluiu pela improcedência da ação e provocou a intervenção da seguradora (…) – Companhia de Seguros, S.A. para quem, alega, transferiu a responsabilidade civil por danos ocasionados pela sua atividade.
A intervenção foi admitida e a chamada contestou por forma a fazer sua a contestação da Ré e a concluir pela improcedência da ação.

2. Foi proferido despacho saneador a afirmar a validade e regularidade da instância, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença em cujo dispositivo designadamente se consignou:
Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, e, em consequência, decido:
a) Absolver da instância a ré E-Redes – Distribuição de Electricidade, S.A., relativamente aos pedidos formulados pela autora (…) sob as alíneas a) e b);
b) Condenar a mesma ré a pagar à mesma autora a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros), correspondentes aos danos não patrimoniais sofridos por esta no período compreendido entre junho e 3 de dezembro de 2017 (€ 10.000,00) e daí até janeiro de 2023 (€ 30.000,00). Acrescerão juros legais vincendos até integral pagamento;
c) Absolver no mais a mesma ré;
d) Absolver do pedido a ré (…) – Companhia de Seguros, S.A.”.

3. O recurso
A ré E-Redes – Distribuição de Eletricidade, S.A., recorre da sentença e conclui assim a motivação do recurso:
“1. No âmbito dos presentes autos, foi a ação interposta pela A. contra a R., declarada parcialmente procedente, nos seguintes termos:
“a) Absolver da instância a ré E-Redes – Distribuição de Electricidade, S.A., relativamente aos pedidos formulados pela autora (…) sob as alíneas a) e b);
b) Condenar a mesma ré a pagar à mesma autora a quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros), correspondentes aos danos não patrimoniais sofridos por esta no período compreendido entre junho e 3 de dezembro de 2017 (€ 10.000,00) e daí até janeiro de 2023 (€ 30.000,00). Acrescerão juros legais vincendos, até integral pagamento;
c) Absolver no mais a mesma ré;
d) Absolver do pedido a ré (…) – Companhia de Seguros, S.A.”.
2. Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 635.º/2, do CPC, o recurso interposto está delimitado à alínea b) da douta sentença ora recorrida.
3. A condenação da R. em tal pedido deriva, primordialmente, de uma interpretação jurídica efetuada pelo Tribunal a quo, designadamente através da aplicação do instituto de ‘colisão de direitos’, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 335.º do Código Civil (CC) porém, partindo de pressupostos errados e, por conseguinte, resultando em conclusões desfasadas da própria matéria factual dada como provada.
Da nulidade da sentença.
4. Dispõe o artigo 615.º/1/c), do CPC que “é nula a sentença quando” (…) “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
5. Em função de tal disposição, a sentença ora recorrida está manifestamente ferida de nulidade.
6. Com efeito, a decisão a quo apresenta-se como manifestamente contraditória com o leque de factos considerados como provados.
7. Efetivamente, do leque de factos considerados como provados pela sentença a quo assumem particular relevância os pontos 50, 52, 58, 59, 60, 61 e o ponto terceiro dos factos não provados.
8. Factualidade essa da qual resulta que a R. não perpetrou qualquer facto ilícito justificação da condenação na alínea b) do dispositivo.
• Com efeito, resultou provado que em 3 de dezembro de 2017 a R. procedeu a intervenções no Posto de transformação; Que após essa data foram efetuadas várias medições periciais, tendo todas concluído pela regularidade dos respetivos níveis; E que, em função de tais perícias, foi considerado não provado que “o barulho, na data da apresentação da ação em tribunal, se mantenha para além dos limites legais”.
9. Consequentemente, a douta sentença a quo fundamenta que:
“Depois de dezembro de 2017: não obstante as queixas da ré, não se apurou que, após a substituição do posto de transformação, houvesse a produção de ruído em desconformidade com a lei.”
“Quanto ao ruído, e depois dos testes de 2018 e 2020, concluímos que a atividade da ré de gestão do posto de transformador cumpre as regras sobre o ruído e dos campos elétricos e de indução magnética. Por isso, se afirma que tal atividade é, à partida legítima, não ilícita.”
10. Para, ulteriormente, sem enquadramento jurídico, concluir pela “ilicitude da atividade da ré relativamente à autora”, em manifestamente oposição com toda a factualidade que considerou provada, e respetiva fundamentação.
11. Com efeito, tendo o Tribunal a quo entendido que, desde dezembro de 2017 está provada a regularidade da emissão de ruído e campos eletromagnéticos, pelo Posto de transformação em causa, bem como a licitude da atividade desenvolvida pela R., a decisão vertida na alínea b) do dispositivo da sentença recorrida é, s.m.o., contrária à que se impunha.
12. Tal circunstância consubstancia uma nulidade da sentença, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C., que especificamente se invoca, com todos os devidos e Legais efeitos.
Sem prescindir,
13. Para proceder à condenação da R., em específico ao pagamento de indemnização à A. no valor de € 30.000,00 por danos não patrimoniais de “3 de dezembro de 2017 até janeiro de 2023”, conclui a douta sentença pela “ilicitude da atividade da ré relativamente à autora que tem visto preterido o seu direito ao descanso, até dezembro de 2017 de forma mais clara e grave; depois dessa data, sem violar o Regulamento do Ruído, mas perturbando a vida da autora nos termos sobreditos.”
14. Porém, a conclusão pela “ilicitude da atividade da ré” encontra-se totalmente desacompanhada do respetivo enquadramento jurídico.
15. Na verdade, para o lapso temporal corrido desde 3 de dezembro de 2017 a totalidade da prova produzida (inclusivamente prova pericial determinada judicialmente) indica a licitude da exploração do posto de transformação em causa.
16. Assim, a nível de enquadramento jurídico dos factos considerados como provado, inexiste qualquer referência à eventual ilicitude, em concreto, de factos perpetrados pela R..
17. Como tal, sendo objetivamente lícita a atividade desenvolvida pela R. (provado pericialmente), na exploração da infraestrutura em causa, a harmonização dos Direitos eventualmente conflituantes está totalmente alcançada.
18. E, por outro lado, o recurso ao disposto no artigo 335.º do CC perpetrado pela sentença a quo encontra-se totalmente desenquadrado, no caso sub judice.
19. Com efeito, não existe prova de que a atividade da R. atente contra qualquer Direito da A., na medida em que se está perante a exploração de um equipamento que cumpre todos os normativos técnicos e regulamentares.
20. Tal prova existe independentemente de uma particular sensibilidade da A. à produção de ruídos, na medida em que, os ruídos emitidos pelo equipamento em causa são inaudíveis na habitação da A., em todos os períodos de referência.
21. Facto esse consignado por três perícias às emissões de ruído, cujo conteúdo foi dado como provado pela sentença a quo.
22. Tendo sido dado como provado o conteúdo dos relatórios periciais, e sendo o eventual ruído produzido pelo posto de transformação, após 3 de dezembro de 2017, inaudível, jamais se poderá concluir pela violação de qualquer Direito de personalidade da A..
23. Consequentemente, pelo menos para o que respeita ao período de dezembro a 2017 a janeiro de 2023, inexiste prova de qualquer facto ilícito perpetrado pela R., bem como não subsiste qualquer nexo causal entre a exploração do posto de transformação (cujo ruído foi provado pericialmente que é inaudível na habitação da A.) e os danos invocados pela A..
24. Também de acordo com os factos provados, não existem, objetivamente, nenhuns efeitos nefastos para a saúde humana, decorrentes da exploração da infraestrutura em causa.
25. O posto de transformação encontra-se edificado de acordo com as melhores regras da técnica, da arte e de segurança, tendo sido alvo de intervenções de melhoria em 3 de dezembro de 2017.
26. Por outro lado, o espaço em que se encontra instalado o equipamento foi escolhido e cedido pelo construtor do respetivo edifício, sendo que o condomínio do mesmo é responsável pela alvenaria da cabine onde aquele se encontra.
27. Consequentemente considerando que, tal como provado na sentença a quo, que o local onde se encontra o quarto da A. não é confinante com o espaço onde está localizado o posto de transformação.
28. E, ainda, que foi dado como provado o teor dos relatórios periciais, dos quais resulta a inaudibilidade de ruído proveniente do equipamento sub judice, no interior da instalação da A., jamais se poderá conceber um valor indemnizatório a título de danos não patrimoniais em valor tão elevado como € 40.000,00, em especial no que concerne à parcela de € 30.000,00 atribuída para o período posterior a dezembro de 2017.
29. Com tal, por falta do preenchimento dos pressupostos jurídicos para a condenação da R., a sentença a quo violou o artigo 483.º do CC, a contrario.
30. Foi igualmente violado o estatuído nos artigos 494.º e 496.º do CC, relativamente à atribuição do montante a título de danos não patrimoniais.
Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Ex.as mui doutamente suprirão, deve dar-se provimento ao presente recurso e declarar-se a nulidade da sentença a quo, com a consequente revogação da mesma.
Sem prescindir,
Com delimitação à alínea B) do dispositivo da sentença a quo, sempre se deverá substituir a mesma por outra que determine a absolvição da R. no mencionado pedido.
Assim decidindo farão V. Exas. Sã, Inteira e Costumada JUSTIÇA”.
Não foi oferecida resposta.
Admitido o recurso e observados os vistos legais cumpre decidir.

II. Objeto dos recursos
Considerando que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4 e 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), que nos recursos se apreciam questões e não razões ou argumentos e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido, são as seguintes as questões colocadas no recurso: (i) se a sentença é nula, (ii) se não se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar, (iii) se a indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais é excessiva.

III. Fundamentação
1. Factos
A decisão recorrida julgou assim os factos:
Provado:
1. A autora é natural de Portimão, tendo nascido no dia 28 de março de 1961.
2. A autora reside, desde 2009, no rés-do-chão do imóvel situado na Rua (…), n.º 81, em Portimão, zona residencial.
3. A autora já tinha sofrido alguns problemas de saúde e passou a sofrer de insónia. No relatório de fevereiro de 2022, concluiu-se que mesmo que a causa única da insónia seja o referido ruído, esta será reversível perante a alteração do fator ambiental, não tendo por isso um caráter permanente.
4. Em virtude do ruído, a autora não dorme com tranquilidade, passando imensas noites em claro.
5. Chegando a ter de sair de casa, indo para a rua ou para casa de pessoas amigas, para se libertar do ruído.
6. Esta realidade contribuiu para ser uma pessoa ansiosa e angustiada. Sofre de síndrome depressivo, tendo-lhe sido prescrita a medicação de fls. 300.
7. Devido ao ruído, a autora passou a usar um tampão em cada ouvido.
8. A autora vive com esse zumbido (0 dB – decibel – o sonómetro mede o nível de intensidade sonora, sendo que 0 dB corresponde ao limiar de audição, nível sonoro mínimo a partir do qual o ouvido humano deteta o som quando conjugado com determinado nível de frequência).
9. A exposição aos campos eletromagnéticos gerados pelo posto de transformação interfere com o equilíbrio funcional da autora que apresenta zumbidos permanentes intensos, bilaterais que interferem com a sua qualidade de vida.
10. Em fevereiro de 2018, a autora foi diagnosticada com lesão cutânea do couro cabeludo.
11. No ano de 2016, a autora recebeu € 4.262,16 de pensão de invalidez; em 2017, € 4.334,34; em 2018, € 4.507,44; e no ano de 2019, € 334,44/mês.
Da ré E-REDES
12. A ré presta o serviço de distribuição de energia elétrica e as atividades que lhe são inerentes, exercendo, em regime de serviço público, a exploração da rede nacional de distribuição e das redes de baixa tensão, de acordo com o disposto nos Decreto-lei n.º 29/2006, de 15 de fevereiro, e Decreto-lei n.º 172/2006, de 23 de agosto, nas suas redações atuais.
13. Para efeito do exercício da respetiva atividade, a R. recorre à instalação de postos de transformação, os quais se caracterizam como sendo uma infraestrutura que procede à transformação da energia elétrica de média tensão para baixa tensão, alimentando a rede de distribuição de baixa tensão. Produz um ruído constante e grave, de baixas frequências.
14. Os postos de transformação têm a função de reduzir a tensão de níveis elevados para níveis utilizáveis pelos consumidores finais, que são industriais e domésticos (informação disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Posto_de_transforma%C3%A7%C3%A3o).
15. Os postos de transformação podem ser implementados diretamente pela R. ou por terceiros que depois os entregam à R. para efeitos de integração na rede de distribuição em baixa tensão.
Do r/c
16. A fração na qual a autora reside, considerando o percurso de Nascente para Poente da Rua (…), fica num edifício composto por 5 pisos, um deles em cave.
17. O pavimento do apartamento está em contacto com a cave, destinada a garagem. A cobertura do apartamento está em contacto com a fração do piso superior.
18. A estrutura do prédio foi executada em betão armado. Tem 2 envolventes verticais exteriores que estão orientadas a Oeste e a Sul. Na envolvente vertical exterior orientada a Oeste existem 2 vãos envidraçados. As paredes da envolvente exterior são revestidas exteriormente por reboco e interiormente por reboco. As paredes da envolvente interior são revestidas exteriormente por reboco e interiormente por reboco.
19. Foi apresentado, em 1988, um pedido de ligação à rede em média tensão dos imóveis sitos na Rua (…) e na Rua (…), pela sociedade (…).
20. Para efeitos de deferimento e execução do pedido de ligação à rede tornou-se necessário – como procedimento habitual em casos idênticos – que o requisitante disponibilizasse um espaço para instalação do posto de transformação.
21. A sociedade (…) elegeu, como local para instalar o posto de transformação, a área indicada com as iniciais “TP” na planta de fls. 89.
22. O posto de transformação foi executado e construído pela (…) para fornecimento de energia elétrica aos blocos na Rua … (já construído) e Rua … (em construção) promovidos pela mesma empresa.
23. Em 27 de julho de 1991, foi realizada a vistoria pela ré, para efeitos de integração do posto de transformação na rede elétrica de baixa tensão e ligação do mesmo.
24. Nem a localização do posto de transformação, nem a construção e execução do mesmo esteve a cargo da ré.
25. A autora nunca autorizou ou deu o seu consentimento à instalação ou manutenção do posto.
26. O posto de transformação está orientado a Sul.
27. O quarto de dormir da autora fica em contacto com a parede de Poente, tendo um vão para o terraço.
28. O posto de transformação funciona 24 horas por dia, em atividade contínua.
29. A deslocalização do posto de transformação para fora do imóvel sempre estaria dependente de resolução em conjunto com o Município de Portimão, na qualidade de concedente da rede de distribuição de baixa tensão naquele município.
Das queixas da autora junto da ré
30. A ré teve conhecimento da motivação da reclamação da autora, por meio de correio eletrónico que lhe foi enviado em 22 de junho de 2017, com uma carta anexo.
31. Nos termos desta comunicação, a autora, na pessoa do seu advogado nomeado, refere que o PTD (…) emite ruído e que o quadro clínico da mesma (doenças crónicas e degenerativas) se agrava com a sujeição ao ruído contínuo e ininterrupto, concluindo, a A. com a interpelação da R. para, em 10 dias, apresentar elementos probatórios da conformidade do equipamento com as normas legais em vigor.
32. Em 28 de junho de 2017, a ré solicitou procuração ao Advogado, o que consubstancia procedimento habitual para demonstração dos poderes de representação dos reclamantes.
33. Mediante resposta do Advogado, por meio de correio eletrónico de 30 de junho de 2017, foi, formalmente, aberta a reclamação.
34. No dia 10 de julho de 2017, a ré promoveu a deslocação de uma equipa técnica – composta por (…), (…), (…) e (…) – ao PTD (…), a fim de realizar uma primeira análise à reclamação.
35. Nessa vistoria, concluiu-se pela necessidade de proceder à avaliação na habitação da cliente, para cujo efeito foi agendada nova deslocação para dia 10 de julho de 2017.
36. No dia 10 de julho de 2017, realizou-se uma reunião entre a ré – na pessoa de (…) e (…) – e a autora, na habitação desta, a fim de se realizar uma análise à situação descrita.
37. Nessa data, concluiu-se que era percetível o ruído do PTD 298 no interior da habitação.
38. Não foi efetuada qualquer medição nessa data que permitisse aferir conformidade com os níveis legais admissíveis, mas apenas percecionada a sensação de ruído na habitação.
39. Com efeito, a R. avaliou internamente a necessidade de intervenção, independentemente da verificação técnica do nível efetivo de ruído, nomeadamente através da substituição do transformador de potência.
40. Em conformidade, foi enviada à A., por meio de correio eletrónico datado de 11 de julho de 2017, uma comunicação nos termos da qual, em face da verificação não técnica do ruído, a ré se comprometeu a realizar uma intervenção para melhoria das condições acústicas.
41. Em 18 de julho de 2017, a A. apresentou nova reclamação à R. ao balcão de uma loja, tendo sido efetuado o seguinte registo: “Em seguimento à resposta dada à cliente acerca da reclamação (…) a mesma informa que não concorda e pede para que seja retirado PT.”
42. Foi, ainda, anexa à indicada reclamação o correio eletrónico enviado pela A., nos termos do qual esta solicita descrição do que se pretende fazer a nível do transformador de potência.
43. Em resposta, a R. enviou o correio eletrónico datado de 21 de julho de 2017, informando que as obras no PTD (…) estavam em curso, as quais serão efetivadas em 4 horas, após o que se efetuaria nova análise por forma a aferir a eficácia da mesma.
44. Em 1 de agosto de 2017, a R. – na pessoa de (…), (…) e (…) – reuniu com a A. na respetiva habitação, para esclarecimento e análise à reclamação.
45. Nesta reunião, foi explicada à A. a obra que iria ser efetuada, nomeadamente a substituição do transformador de potência, o elemento gerador do ruído.
46. A R. ficou disponível para agendar reunião conjunta com a autarquia de Portimão (a ser promovida pela A. e que não chegou a concretizar-se), e, ainda, para uma eventual medição de ruído a ser promovida pela cliente.
47. Por meio de correio eletrónico, datado de 2 de agosto de 2017, a R. formalizou as conclusões da reunião realizada.
48. Em 6 e 9 de setembro de 2017, e mediante solicitação da A. para o efeito, foi desligado pela equipa técnica da R. – constituída por (…) e (…) – o Transformador de Potência, para que a empresa … (contratada pela A.) pudesse realizar medições de ruído.
49. Após ensaios, a (…), Unipessoal, Lda., concluiu: “Da análise objetiva dos resultados obtidos (válidos apenas para a presente amostragem) no ponto de medição em estudo e tendo em conta a metodologia e pressupostos descritos no presente relatório, verifica-se que os limites aplicáveis e estipulados no Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de Janeiro, no que concerne à avaliação do critério de incomodidade da atividade ruidosa permanente do funcionamento do equipamento da EDP Distribuição – Posto de Transformação n.º (…), sito em Rua (…), n.º 81, Portimão, constata-se que: No período noturno não cumpre com o limite legal (quarto).»
50. Em 3 de dezembro de 2017, foi realizada, pela equipa de prestadores de serviços externos da R., a obra de substituição do transformador de potência por um de menor ruído e assente em placas antivibratórias, o que foi comunicado ao Município – fls. 240 verso (artigo 46.º da contestação)
51. Em 8 de janeiro de 2018, a A. enviou novo correio eletrónico, nos termos do qual reclama a retirada de todos os equipamentos da zona onde se encontra o PTD (…).
52. Em 19 de janeiro de 2018, a R. respondeu, informando que, na intervenção de dia 3 de dezembro de 2017, foram tomadas as medidas adequadas de minimização ou anulação de ruído, dando sequência e desfecho favorável à reclamação da A., mais se informando que iria proceder-se à medição do ruído, por forma a aferir a adequação e sucesso das medidas implementadas.
53. A ré tem registo de uma reclamação por ruído efetuada em 1996, na sequência da qual foram efetuadas medições que concluíram que as emissões estavam regulamentares tendo em conta a legislação à data em vigor – Decreto-Lei n.º 251/87, de 24 de julho.
54. Essa reclamação foi apresentada pela pessoa que, à data, habitava o imóvel onde hoje reside a autora, tendo sido arquivada com fundamento no resultado das medições, efetuado, à data, pela Delegação Regional da Indústria e Energia do Algarve.
55. O indicado relatório identificou como irregular o ruído sentido no período noturno.
56. A ré, no respetivo sítio da internet, tem disponível toda a informação acerca de possíveis dúvidas de consumidores e clientes, acessível em http://www.edpdistribuicao.pt/pt/ambiente/desempenhoambiental/Pages/camposEletromagneticos.aspx.
57. Na referida página da internet, é possível obter informação sobre o pretenso impacto das linhas elétrica na saúde pública, os meios de mitigação de emissão de campos eletromagnéticos aplicados pela R. e ainda um guião de resposta a perguntas frequentes sobre esta matéria.
58. A medição de ruído foi efetuada pelo Instituto Eletrotécnico Português, entidade acreditada pelo Instituto Português de Acreditação – IPAC, em março de 2018, sendo que os ensaios efetuados e as conclusões obtidas foram reduzidos a escrito no relatório de fls. 123.
59. Em sede de análise de resultados, constatou-se que “No âmbito do critério de incomodidade para os períodos diurno, entardecer e noturno, (…) os valores registados encontram-se dentro dos limites especificados para os períodos de referência avaliados”. Concluiu-se, assim, nos termos do referido relatório, que “… ao abrigo dos critérios definidos no artigo 13.º do Decreto-lei 9/2007, a Atividade do PTD PTM (…), Edifício (…), Cumpre o estabelecido no referido regime jurídico para todos os períodos de referência.”
60. No que se refere à medição de campo elétrico e campo de indução magnética, a mesma foi efetuada em 7 de março de 2018, conforme relatório de ensaio de fls. 130.
61. Nos termos do referido relatório, concluiu-se que os valores medidos são inferiores aos níveis legais de referência em vigor nesta matéria (páginas 5 e 10): campo elétrico, interior da instalação, 421; interior da habitação, 66,5; campo de indução magnética, interior da instalação, 84,14; interior da habitação, 5,56.
62. Em dezembro de 2018 procedeu-se a ensaio no local de onde se concluiu que no período diurno, entardecer e noturno o nível de incomodidade obtido é de 3dB (dia), 0 dB (entardecer) e 1 dB (noite), já audível; sendo que quanto aos campos eletromagnéticos, depois de medidos, concluiu-se serem inferiores aos valores de referência.
63. Nos dias 15 e 16 de julho de 2020, procedeu-se a ensaio no local de onde se concluiu que cumpre o estabelecido no referido regime jurídico para os períodos de referência, diurno, entardecer e noturno. O período diurno corresponde a 7H00-20H00, o de entardecer 20H00-23H00 e o noturno, 23H00-7H00 e segundo os ensaios o critério de incomodidade apurado foi de 2 em todos os períodos quando o limite máximo é de 5, 4 e 3, respetivamente.
Do seguro
64. A ré é beneficiária de um seguro de Responsabilidade Civil, celebrado junto da (…), Companhia de Seguros, S.A., o qual se encontra titulado pela Apólice (…), conforme fls. 142 (artigo 99.º da contestação)
65. Os segurados pela referida apólice são a EDP Energias de Portugal, S.A. e respetivas subsidiárias e participadas estabelecidas em Portugal – onde se inclui a ora R.
66. Nos termos do contrato de seguro, o mesmo abrange, entre outras, a responsabilidade civil geral.
67. Com efeito, a R. transferiu o risco associado à responsabilidade civil geral para a seguradora acima identificada, encontrando-se, no âmbito da cobertura, garantido o pagamento de indemnizações que possam ser exigidas ao segurado no âmbito do exercício da sua atividade.
68. Ao assumir esta posição de garante, a referida seguradora assumiu assim, até ao limite do capital garantido pela Apólice, os danos ou consequências da eventual responsabilidade civil da sua segurada, com uma franquia de € 50.000,00 por sinistro.
Não provado:
- Que a autora, em virtude da proximidade do posto, corra o risco de vir a desenvolver carcinoma.
- Que quando vai à rua use sempre os ditos tampões nos ouvidos.
- Que o barulho, na data da apresentação da ação em tribunal, se mantenha para além dos limites legais.
- Que a autora corra o risco de vir a ser carbonizada pela existência do posto de transformação.
- Quais as medidas das paredes do prédio e características em termos de isolamento.

2. Direito
2.1. Se a sentença é nula
Considera a Ré que a sentença é nula; argumenta que a decisão está em contradição com os factos provados por destes não resultar, ao invés do decidido, qualquer facto ilícito justificativo da condenação.
Dispõe o artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil (CPC), que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
A sentença comporta, em regra, um silogismo judiciário em que a premissa maior é a lei, a premissa menor são os factos que se provam no caso concreto e a conclusão é a decisão, devendo esta inferir-se daqueles como seu consequente necessário; a lei considera nula a sentença que não observe este método dedutivo.
A oposição surge quando “… os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.”[1]
O vício da contradição que gera a nulidade da sentença resulta do processo lógico da sua construção, é um erro de atividade e não um erro de julgamento.
Voltando à lição de Alberto dos Reis, “importa, na verdade, distinguir cuidadosamente (…) erros de atividade e erros de juízo. O magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete erro de atividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afetam o fundo ou o mérito da decisão; os da segunda categoria são de caráter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua atividade de julgador”[2].
No caso, a Ré considera que os fundamentos de facto da sentença estão em contradição com a decisão porque, não obstante resultar dos factos provados, nomeadamente os incluídos nos pontos 50, 52, 58, 59, 60, 61 e o ponto terceiro dos factos não provados, que o ruído emanado do posto de transformação se encontra dentro dos valores de referência permitidos pela lei, a decisão recorrida concluiu pela ilicitude da sua conduta.
O vício apontado à decisão recorrida, a existir, constitui um caso típico de erro de juízo ou de julgamento pois se fundamenta numa errada valoração dos factos, os factos que se provam impõem, no entender da Ré, não a decisão recorrida, mas a contrária; o erro que se aponta está pois no juízo formulado e não no processo lógico da sua formulação.
E tanto basta para concluir que a apontada nulidade não se verifica.
A construção do recurso transporta, aliás, neste particular, uma petição de princípio, isto é, dá por demonstrado o que falta demonstrar, ao considerar que a ilicitude do facto e a consequente obrigação de indemnizar só poderá resultar da violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios, no caso da inobservância das regras administrativas que regulamentam as atividades ruidosas e não é assim; para além da violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios, a ilicitude do facto também pode resultar da violação do direito de outrem [artigo 483.º do Código Civil], o que significa que a ilicitude do facto não se contém nos estreitos limites supostos pelo recurso.
Como, no caso, se considerou.
A decisão recorrida apesar de afirmar que “depois de dezembro de 2017 (…) não se apurou que, após a substituição do posto de transformação, houvesse a produção de ruído em desconformidade com a lei”, ponderou que “a ilicitude pode revestir a forma de violação de regras destinadas a proteger interesses alheios (…) ou de violação de um direito subjetivo, no caso o direito ao sossego que permite à autora descansar e dormir, sobretudo no período noturno, na sua casa, sita numa zona residencial.”
A reparação de prejuízos determinada pela decisão tem fundamento na violação dos direitos de personalidade da Autora, o que significa que a apontada contradição, assente na existência de fundamentos que não concorreram para a decisão recorrida – a violação de disposição legal destinada a proteger interesses alheios – não se verifica.
Não se reconhece, pois, apresentar a decisão recorrida a nulidade que a Ré lhe aponta.
O recurso improcede quanto a esta questão.

2.2. Se o facto é ilícito
A segunda questão colocada no recurso dá garantias de concordar a Ré com a solução da primeira; considera esta “objetivamente lícita a atividade desenvolvida” com a exploração do posto de transformação, assim afastando a ilicitude do facto e argumenta: “Com efeito, não existe prova de que a atividade da R. atente contra qualquer Direito da A., na medida em que se está perante a exploração de um equipamento que cumpre todos os normativos técnicos e regulamentares”.
Forma de dizer que reconhece fundar-se a decisão recorrida na violação de direitos subjetivos da Autora – não existe prova de que a atividade da R. atente contra qualquer Direito da A – como antes afirmado e assenta na ideia que o cumprimento das normas técnicas e regulamentares do posto de transformação que explora obsta, por si, à violação de direitos de outrem.
Não é, porém, assim; nem direito, nem de facto na espécie.
Na previsão do n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil, aquele que, como dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Para a obrigação de indemnizar, por atos ilícitos, concorrem como pressupostos: i) o facto, ii) a ilicitude iii) a imputação do facto ao lesante, iv) o dano, v) um nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Interessa-nos a ilicitude do facto e esta, como antes referido, pode consistir na violação do direito de outrem, ou seja, na infração de um direito subjetivo e pode consistir na violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios, como acontece, por exemplo com a violação de normas “que, tutelando certos interesses públicos, visam ao mesmo tempo proteger determinados interesses particulares.”[3]
Entre os direitos subjetivos em vista da norma ressaltam os direitos à integridade física e moral das pessoas de que os direitos ao repouso, sono e tranquilidade constituem emanação, o que significa que a violação destes direitos constitui um facto ilícito.
Os “direitos ao repouso, ao sono e à tranquilidade constituem uma emanação dos direitos fundamentais de personalidade, nomeadamente à integridade física e moral da pessoa e a um ambiente de vida sadio, direitos esses acolhidos quer em Convenções Internacionais, como a DUDH (artigo 24.º) e a CEDH (artigo 8.º, n.º 1), encontrando-se também constitucionalmente consagrados, nos artigos 17.º e 66.º da CRP”[4]
Violando direitos de outrem, designadamente direitos de personalidade, o facto é ilícito ainda que não viole qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios o que significa, no caso, que ainda que a Ré houvesse observado, em toda a linha, os limites máximos de ruído admissíveis para o posto de transformação – e não é o caso, uma vez que nas medições de 6 e 9 de setembro de 2017 o equipamento não cumpria os critérios de incomodidade ruidosa no período noturno (pontos 48 e 49 dos factos provados) – tal não significaria necessariamente, como supõe a sua argumentação, a ausência de ilicitude do facto.
Como superiormente decidido em casos semelhantes.
A ilicitude, na perspetiva da violação intolerável dos direitos fundamentais, dispensa a aferição do nível de ruído pelos padrões legais estabelecidos, verificando-se se, após o início de funcionamento de determinados instrumentos (…) vêm a sofrer queixas de alteração de humor, fadiga, enxaquecas e hipersensibilidade ao ruído.”[5]
Perante a lei civil, o direito de oposição face à emissão de ruídos subsiste, mesmo que o seu nível sonoro seja inferior ao legal e a respetiva atividade tenha sido autorizada pela autoridade administrativa competente, sempre que implique ofensas de direitos de personalidade”.[6]
“O direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade de vida configuram-se como requisitos indispensáveis à realização do direito à saúde e à qualidade de vida, constituindo emanação do direito fundamental de personalidade. Por isso, se compreende que, desde há muito, se tenha firmado na jurisprudência deste Supremo Tribunal o entendimento de que a relevância da ofensa do direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade nem sequer é afetada pela circunstância de se mostrar respeitado o que se encontra regulamentado relativamente ao ruído e/ou de a atividade que o provoca se encontrar, ou não, devidamente licenciada, dispensando a ilicitude, nesta perspetiva, a aferição do nível do ruído pelos padrões legalmente estabelecidos.[7]
Por isto que a tese da Ré, segundo a qual a ilicitude do facto não se verifica uma vez que a exploração do equipamento cumpre todos os normativos técnicos e regulamentares, não conta com o apoio da lei; violando direitos pessoais da Autora, a emanação de ruídos do posto de transformação explorado pela Ré comporta um facto ilícito ainda que os limites máximos do ruído observem os padrões legalmente estabelecidos.
Os factos provados também não lhe dão razão; contrariamente ao que afirma, existe prova de que a exploração do posto de transformação atenta contra direitos de personalidade da Autora.
O ruído emitido pelo posto de transformação, segundo se prova (v.g. pontos 3 a 6 e 9 dos factos, não impugnados pela Ré), afetou o repouso, descanso e a saúde da Autora, o que significa que o facto – a emissão dos ruídos – violando direitos de personalidade da Autora, é ilícito.
O recurso improcede quanto a esta questão.

2.3. Nexo de causalidade entre o facto e o dano
Para cálculo da indemnização, a decisão recorrida considerou três períodos: i) entre 2009 e junho de 2017, relativamente ao qual desconsiderou, por abuso de direito, os prejuízos da Autora, na consideração que apenas se prova haver sido nesta última data que apresentou reclamação contra os ruídos; ii) entre junho e Dezembro de 2017, considerando que a Ré “reconheceu que o posto produzia ruído audível e que incomodava a Autora (…) situação que levou à substituição de equipamento e instalação de placas antivibratórias, com vista a minimizar o incómodo, mas apenas em dezembro” e fixou em € 10.000,00 a parcela de indemnização devida e iii) após dezembro de 2017, considerando que após esta data “os valores do ruído respeitam os limites legais, mas continuam, porque o ruído é audível, a incomodar a autora. No que se reporta aos campos magnéticos, temos o resultado da prova pericial de fls. 425” e fixou em € 30.000,00 a parcela de indemnização devida.
A Ré diverge e considera que após dezembro de 2017 não se verifica o nexo causal entre a emissão de ruídos pelo posto de transformação e os danos invocados pela A., por decorrer da prova pericial que o ruído é inaudível na habitação da A. e que não existem, objetivamente, nenhuns efeitos nefastos para a saúde humana, decorrentes da exploração da infraestrutura em causa.
O artigo 563.º do Código Civil, com a epígrafe “nexo de causalidade”, dispõe: “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
O nexo de causalidade entre o facto e o dano desempenha a dupla função de pressuposto da responsabilidade civil e de medida da obrigação de indemnizar.[8]
Enquanto pressuposto da responsabilidade civil, “para que um facto seja causa de um dano é necessário que, no plano naturalístico ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado e, em abstrato ou em geral, seja causa adequada do mesmo, traduzindo-se, essa adequação, em termos de probabilidade fundada nos conhecimentos médios, de harmonia com a experiência comum, atendendo às circunstâncias do caso[9].
Cumpre, pois, iniciar por apreciar se, no plano naturalístico, isto é, de acordo com os factos provados, a emissão de ruídos do posto de transformação foi causa dos danos alegados pela Autora e, depois verificar se, em abstrato ou em geral, de harmonia com a experiência comum, é causa adequada destes.
E a prova, a nosso ver, foi expressiva quanto a este ponto.
Em virtude do ruído, a Autora não dorme com tranquilidade, passando imensas noites em claro, chegando a sair de casa e ir para a rua ou para casa de pessoas amigas, para se libertar do ruído, passou a usar um tampão em cada ouvido, tem insónia, apresenta zumbidos permanentes intensos, bilaterais que interferem com a sua qualidade de vida, o que tudo contribuiu para ser uma pessoa ansiosa e angustiada, com síndrome depressivo para o qual toma medicação (3 a 7 e 9 dos factos provados).
No plano naturalístico, a emissão de ruídos do posto de transformação é causa dos danos alegados pela Autora e, em abstrato ou em geral, é causa adequada dos mesmos, por ser da experiência comum que a permanente exposição a ruído constante e grave, de baixas frequências (pontos 13 e 28 dos factos provados) é causador dos maiores incómodos e prejudica a saúde mormente quando contende, como é o caso, com o repouso e o descanso de uma pessoa.
Prosseguindo, não decorre dos factos provados, em oposto ao afirmado pela Ré, que após dezembro de 2017 o ruído é inaudível na habitação da A.; prova-se, que na medição de ruído efetuada pelo Instituto Eletrotécnico Português, em março de 2018, os valores registados – 3dB (dia), 0 dB (entardecer) e 1 dB (noite), já audível – se encontravam dentro dos limites especificados para os períodos de referência avaliados, [pontos 58, 59 e 62 dos factos provados] e que nas medições de 15 e 16 de julho de 2020, para os períodos de referência, diurno (7H00-20H00, entardecer (20H00-23H00) e noturno (23H00-7H00) o critério de incomodidade apurado foi de 2 em todos os períodos quando o limite máximo é de 5, 4 e 3, respetivamente [ponto 63 dos factos provados].
Mas prova-se também que o posto de transformação produz um ruído constante e grave, de baixas frequências [ponto 13 dos factos provados] e a circunstância do ruído observar os limites máximos impostos pelo Regulamento Geral do Ruído (aprovado pelo D.L. n.º 9/2007, de 17/1) não significa que não seja audível e incómodo para quem, como a Autora, vive paredes-meias com ele, como no caso se verifica.
Improcede o recurso quanto a esta questão.
Demonstrando-se que a emissão de ruídos do posto de transformação é causa dos danos, verificando-se a ilicitude do facto e os demais pressupostos da responsabilidade civil por atos ilícitos, aliás, não questionados pela Ré, deverá esta reparar os prejuízos da Autora.
Aliás, quanto ao período de tempo em que se prova que a emissão de ruido do posto de transformação excedia os limites legais, ou seja, até dezembro de 2017 [pontos 49 e 50 dos factos provados] a Ré sempre se mostraria obrigada a indemnizar a Autora, independentemente, de culpa [artigo 509,º, n.º 1, do Código Civil].

2.4. Se a indemnização por danos não patrimoniais é excessiva
A decisão recorrida fixou em € 40.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais e a Ré defende “que jamais se poderá conceber um valor indemnizatório a título de danos não patrimoniais em valor tão elevado como € 40.000,00, em especial no que concerne à parcela de € 30.000,00 atribuída para o período posterior a dezembro de 2017”; argumenta que o Supremo Tribunal de Justiça, em 15/4/2009 [acórdão proferido no proc. 08P3704] teve “como adequado o valor de € 7.500 fixado pelas instâncias, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por vítima mortal” e o Tribunal da Relação do Porto, em 3/8/2017 [acórdão proferido no proc. n.º 324/14.0PAGDM.P2], fixou em € 20.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais a vitima de ofensa à integridade física agravada que viu amputado um braço.
O montante da indemnização por danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito é fixado equitativamente pelo tribunal e deve encontrar-se com recurso ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (artigos 496.º, n.º 1 e 4 e 494.º, ambos do Código Civil).
Recurso à equidade que não afasta, escreveu-se no Ac. STJ de 31/5/2012[10], “a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso. Cumpre “não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes” acórdão de 25 de Junho de 2002 (www.dgsi.pt, proc. n.º 02A1321).
À luz destes princípios, vejamos os traços fundamentais que caracterizam, segundo os factos provados, o particular caso dos autos.
À data da sentença, a Autora tinha 61 anos de idade e morava há cerca de 13 anos no n.º 81 da Rua (…), em Portimão, num prédio em zona residencial onde se encontra instalado um posto de transformação explorado pela Ré, o qual funciona 24 horas por dia, em atividade contínua e produz um ruído constante e grave, de baixas frequências [pontos 1, 2, 13, 21 e 28 e 30 dos factos provados].
Em 22/6/2017 a Autora apresentou uma reclamação à Ré queixando-se do ruído e das consequências nefastas que o mesmo representava para a sua saúde e em 1996 a Ré já havia recebido uma reclamação, por ruído, do residente do prédio hoje habitado pela Autora, a qual foi arquivada apesar das medições então efetuadas haverem identificado como irregular o ruído sentido no período noturno [pontos 30 e 53 a 55 dos factos provados].
Em virtude do ruído, a Autora não dorme com tranquilidade, passando imensas noites em claro, chegando a sair de casa e ir para a rua ou para casa de pessoas amigas, para se libertar do ruído, passou a usar um tampão em cada ouvido, tem insónia, apresenta zumbidos permanentes intensos, bilaterais que interferem com a sua qualidade de vida, o que tudo contribuiu para ser uma pessoa ansiosa e angustiada, com síndrome depressivo para o qual toma medicação (3 a 7 e 9 dos factos provados).
No ano de 2016, a autora recebeu € 4.262,16 de pensão de invalidez; em 2017, € 4.334,34; em 2018, € 4.507,44; e no ano de 2019, € 334,44/mês [ponto 11 dos factos provados].
Atendendo a este quadro factual, do qual emerge, a nosso ver, um alto grau de culpabilidade da Ré (sabia pelos menos desde 1996 que a emissão de ruído do posto de transformação era superior ao permitido pela lei e incomodava terceiros e nada fez para o corrigir), a gravidade das consequência do facto ilícito (a Autora apresenta insónia, zumbidos permanentes intensos, bilaterais que interferem com a sua qualidade de vida, o que tudo contribuiu para ser uma pessoa ansiosa e angustiada, com síndrome depressivo; a depressão é uma doença caraterizada v.g. por dificuldades intelectuais, bem como diminuição do campo de interesses, nomeadamente pela família, pelo trabalho e pelo envolvimento social[11]) e a frágil situação económica da Autora e ponderando a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que v.g. fixou em € 50.000,00 a compensação devida por danos não patrimoniais a trabalhador mantido em situação de absoluta inatividade, durante cerca de cinco anos[12], entende-se que o montante encontrado pela decisão recorrida acolhe os critérios legais, não se afasta dos critérios jurisprudenciais do STJ e conforma-se com o quadro factual que julgou provado, assim minguando, a nosso ver, razões para a sua redução.
Improcede o recurso, restando confirmar a decisão recorrida.

3. Custas
Vencida no recurso incumbe à Ré/ recorrente o pagamento das custas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

Sumário (da responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
(…)

IV. Dispositivo:
Delibera-se, pelo exposto, em julgar improcedente o recurso e, em consequência, em manter a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.
Évora, 28/9/2023
Francisco Matos
José Tomé Carvalho
José Manuel Barata


__________________________________________________
[1] A. Reis, Código de Processo Civil, anotado, vol. V, pág. 141.
[2] Ob. e volume cit., págs. 124 e 125.
[3] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anotado, vol. 1º, 4ª ed. pág. 472.
[4] Acs. STJ de Ac. STJ de 30/05/2013 (proc. 2209/08.0TBTVD.L1.S1) e de 2/12/2013 (proc. n.º 110/2000.L1.S1) disponíveis em www.dgsi.pt.
[5] Ac. STJ de 30/05/2013 (proc. 2209/08.0TBTVD.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt
[6] Ac. STJ de 7/11/2019 (proc. 1386/15.8T8PVZ.P1.S1), disponível em www.dgsi.pt
[7] Ac. STJ de 7/11/2019 (proc. 1386/15.8T8PVZ.P1.S1) disponível em www.dgsi.pt.
[8] Almeida Costa, Obrigações, 4ª ed., pág. 397.
[9] Ac. STJ de 28/11/12, disponível em www.dgsi.pt
[10] Disponível in www.dgsi.pt
[11] https://www.sns24.gov.pt/tema/saude-mental/depressao/#a-depressao-e-uma-doenca
[12] Ac. STJ de 21/04/2016 (proc. 79/13.5TTVCT.G1.S1), disponível em www.dgsi.pt