Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
83/18.7YREVR
Relator: FERNANDO RIBEIRO CARDOSO
Descritores: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
TRIBUNAL DA ÚLTIMA CONDENAÇÃO
PENAS DE DIFERENTE NATUREZA
PENAS EXTINTAS
Data do Acordão: 06/26/2018
Votação: DECISÃO DO RELATOR
Texto Integral: S
Meio Processual: CONFLITO DE COMPETÊNCIA
Decisão: ATRIBUÍDA A COMPETÊNCIA
Sumário:
I – O legislador ao atribuir ao tribunal da última condenação a competência territorial em caso de conhecimento superveniente do concurso de penas, tem pressuposta a competência funcional do mesmo tribunal, que só existe quando este tiver aplicado uma das penas em concurso, mas não quando o tribunal que tiver imposto pena que com as demais está numa relação de sucessão.

II - A “ última condenaçãoé das penas parcelares que estão em concurso, e não de todos os concursos de penas que hajam de se formar, por serem anteriores àquela, integrantes de vários ciclos criminosos.

III - A diversidade da natureza das penas impede o cúmulo jurídico ditando um cúmulo material, sem incidência uma vez cumprida tal prisão subsidiária no englobamento de que há-de emergir a pena única. Por outro lado, atualmente, o art. 78.º, n.º 1, do Código Penal, considera que o cumprimento leva ao desconto na pena única formada, em inteira benesse para o arguido, mas já não se, por exemplo, ela se mostrar extinta por qualquer outro motivo, designadamente por decurso do prazo da suspensão da execução da pena, sem que haja cumprimento efectivo da pena cominada, ou em caso de pena prescrita sem cumprimento, amnistia ou perdão total.
Decisão Texto Integral:
Relatório:

I - O arguido X foi condenado no âmbito do processo comum singular n.º 16/16.5PALGS, que corre termos pelo Juízo de Competência Genérica de Lagos – Juiz 2, por sentença proferida em 10 de Novembro de 2016, transitada em julgado em 12-12-2016, pela prática de factos integrantes de um crime de burla, cometido em 05-08-2015, na pena de 10 (dez) meses de prisão.

II - Já no âmbito do processo comum n.º ---/11.0PBEVR, que correu seus termos na instância local de Montemor-o-Novo, o arguido fora condenado, por sentença proferida em 07 de Março de 2016 e transitada em julgado em 1 de Setembro de 2016, por factos praticados em Outubro de 2011, integrantes de um crime de burla, na pena de 6 (seis) meses de prisão.

III – No âmbito do processo referido em I-, por despacho de 4 de Maio de 2017, sufragando a promoção do Ministério Público, o senhor juiz entendeu não haver lugar à realização de qualquer cúmulo jurídico no âmbito daquele processo, porquanto a única pena em concurso é uma pena de multa e foi aplicada no âmbito do processo n.º ---/14.8TDPRT, pelo que se trataria de ato inútil a realização do cúmulo jurídico, porquanto as mesmas terão que manter a sua natureza diferenciada e assim a sua medida.

IV – Também no âmbito do processo referido em II- foi ordenada a extração de certidão e que foi enviada ao Juízo Central Criminal de Évora, a que coube o NUIPC ---/17.1TBEVR, com vista à realização do cúmulo jurídico das penas impostas ao arguido em múltiplos processos, tendo a meritíssima Juíza 2 daquele juízo declinado a sua competência para o efeito, por despacho de 14-09-2017, por entender caber à Instância Local de Lagos (leia-se, Juízo de Competência Genérica de Lagos), enquanto tribunal da última condenação, aferir da existência de concurso superveniente de penas, ainda que aí se possam ter de aplicar diversas penas únicas a cumprir sucessivamente.

V – Por despacho de 20 de Janeiro de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 16/16.5PALGS, a Meritíssima Juiz 1 do Juízo Central Criminal de Portimão, depois de elencar as diversas condenações constantes do CRC do arguido, considera haver lugar à realização de três cúmulos jurídicos, sendo que para elaborar o primeiro será competente o tribunal da última condenação, ou seja o processo ---/08.9TAMTS, cujos factos ocorreram em 05-06-2008; para elaborar o segundo cúmulo jurídico, de cumprimento sucessivo, em que entrarão as penas referentes aos crimes praticados antes do trânsito em julgado do processo n.º ---/11.1GBMTS (2.º trânsito relevante para a contagem, ocorrido em 12.09.2013), será competente o processo ---/12.0TALRA, por a condenação ter ocorrido em 09-12-2015; finalmente, existirá lugar a um terceiro cúmulo jurídico que englobará os crimes praticados antes do trânsito em julgado do processo ----/14.8TDPRT (3.º trânsito relevante para a contagem, ocorrido em 30-11-2015, não se contando os trânsitos englobados no cúmulo anterior), ou seja, englobará as penas aplicadas naquele processo e no processo ---/16.5PALGS, sendo que para este cúmulo, cujas penas são de diferente natureza e não totalizam mais de 5 anos, não é competente o Juízo Central Criminal de Portimão.

VI – Por último o Meritíssimo Juiz 2 do Juízo de Competência Genérica de Lagos, por seu despacho de 20 de Março de 2018, afirmando que a única condenação que se encontra numa relação de concurso com a do processo n.º---/16.5PALGS é a que foi aplicada no processo n.º ---/14.8TDPRT, que, sendo uma pena de multa, inviabiliza a realização de qualquer cúmulo jurídico, ante a diferente natureza das penas em presença (uma pena de prisão e uma pena de multa). E que, quanto aos outros dois blocos de condenações não é o juízo de competência genérica materialmente competente para a realização de qualquer cúmulo – a entender-se que seja sempre o tribunal da última condenação o competente para a realização de todos os cúmulos que se possam verificar, ainda que aplicando penas únicas distintas e de cumprimento sucessivo – ante a moldura abstracta das penas em presença, que excede os 5 anos de prisão, pelo que declarou também o Juízo de Competência Genérica de Lagos incompetente para a realização do cúmulo jurídico, tendo determinado a extração e remessa a esta Relação de determinadas peças processuais com vista à resolução do conflito.

VII - Todas decisões transitaram em julgado, como se certifica a fls.2.

Cumprido o disposto no art.º 36.º, n.º 1 do CPP, apenas o Ministério Público junto deste Tribunal da Relação se pronunciou, tendo emitido parecer no sentido de que concorda com os argumentos dos despachos de fls.24 a 30 que afastam a competência do Juízo Central Criminal de Portimão e do Juízo de Competência de Lagos para a elaboração do cúmulo jurídico.

FUNDAMENTAÇÃO

Dos elementos documentais juntos aos autos, nomeadamente do CRC que nos foi enviado, resulta a factualidade supra elencada em I a VI, bem como que o arguido X sofreu as seguintes condenações:

a) No processo n.º ---/05.1PCCBR do extinto 1.º Juízo Criminal do TJ de Coimbra (factos de 24-07-2005), por sentença proferida em 26-02-2008, transitada em julgado em 30-09-2009, na pena de 70 dias de multa – cf. boletim n.º1.

b) No processo n.º---/08.9TAMTS do então 3.º Juízo Criminal do TJ de Matosinhos (factos de 05-06-2008), por sentença proferida em 14-07-2010, transitada em julgado em 29-09-2010, na pena de 150 dias de multa. Esta pena veio a ser cumulada com a aplicada ao arguido no processo n.º ----/05.1PCCBR, tendo sido fixada a pena única em 180 dias de multa, por sentença de 31-07-2013, transitada em julgado. Por decisão de 03-04-2014 a pena de multa foi convertida em 120 dias de prisão subsidiária, tendo sido considerada extinta em 17-02-2016cf. boletins n.ºs 2, 3, 20 e 21.

c) No processo n.º ---/11.1GBMTS do extinto juízo e tribunal referido na alínea anterior (factos de 02-08-2011), por sentença de 27-06-2013, transitada em julgado em 12-09-2013, na pena de 150 dias de multa. Esta pena foi convertida, por despacho de 22-01-2014, em 100 dias de prisão subsidiária e foi considerada extinta em 29-05-2014, por desconto de prisão preventiva sofrida no âmbito do processo n.º ---/11.0SMPRT da antiga 2.º Vara Criminal do Porto - cf, boletins n.ºs 8 e 17.

d) No Processo n.º ---/11.0TAGDM, do Juízo Local Criminal de Gondomar – Juiz 2, da comarca do Porto (factos praticados em 23-02-2011), por sentença proferida em 11-09-2013, transitada em julgado em 11-10-2013, na pena de 220 dias de multa. Esta pena foi convertida, por despacho de 29-09-2014, em 146 dias de prisão subsidiária, tendo sido considerada extinta em 17-08-2015- cf. boletins n.ºs 24 a 26.

e) No Processo comum coletivo n.º ---/11.3GBOAZ do então 2.º Juízo Criminal do TJ de Oliveira de Azeméis (factos ocorridos em 28-11-2011), por sentença proferida em 03-07-2013, transitada em julgado a 29/10/2013, na pena de 3 meses de prisão, que foi considerada extinta, por cumprimento, em 12-06-2014 – cf. boletins n.ºs 18 e 19.

f) No processo n.º ---/11.5PAOVR da Instância Criminal de Ovar (factos de 26-03-2011) e por sentença proferida em 30-09-2013, transitada em julgado em 04-11-2013, na pena de 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, sob condição de ressarcimento do ofendido. Tal pena foi julgada extinta em 27-05-2015, nos termos do artigo 57.º, n.º1 do Código Penal.cf. boletins 27 e 28.

g) No processo n.º ---/11.9PBEVR, do extinto 2.º Juízo Criminal do TJ de Évora (factos de 25-05-2011), por sentença proferida a 17-09-2013, transitada em julgado a 24/01/2014, na pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, tendo sido considerada extinta em 24-01-2015, nos termos do artigo 57.º, n.º1 do Código Penal- cf. boletins n.ºs 5, 6 e 7.

h) No processo n.º ---/10.7PCLRA do extinto 1.º Juízo Criminal do TJ de Leiria (factos de 05-07-2010), por sentença proferida em 08-04-2014, transitada em julgado a 19/05/2014, na pena de 100 dias de multa, a qual, por despacho de 26-02-2015, foi convertida em 66 dias de prisão subsidiária, tendo sido considerada extinta em 31-03-2016 – cf. boletins n.ºs 9, 10 e 13.

i)No processo n.º ---/10.3PCSTB da extinta Instância Local de Setúbal (factos de Agosto de 2010), por sentença proferida em 22-04-2014, transitada em julgado em 23/05/2014, na pena de 150 dias de multa. Esta pena foi convertida em 100 dias de prisão subsidiária, por despacho de 01-06-2016, tendo sido considerada extinta em 24-07-2017 – cf. boletins n.ºs 14, 15 e 16.

j) No processo ---/11.0SMPRT da então Instância Central Criminal do Porto (factos praticados em 19-08-2010) e por acórdão de 11-07-2014, transitado em julgado em 20-11-2014, na pena de 4 anos e 8 meses de prisãocf. boletim n.º 29.

k) No processo n.º ---/13.7PASTS, da Instância Local de Santo Tirso (factos de 31-01-2013), por sentença de 13-03-2015, transitada em julgado em 21-04-2015, na pena de 7 meses de prisão – cf. boletim n.º 30.

l) No processo n.º ---/10.4GAMTA, da Instância Local do Barreiro (factos de 05-09-2010), por sentença proferida em 28-05-2015, transitada em julgado em 29-06-2015, na pena de 6 (seis) meses de prisão. Esta pena foi declarada extinta em 17-04-2017cf. boletins n.ºs 31e 32.

m) No processo n.º ---/11.0PHLRS, da Instância Local de Loures (factos de 02-02-2011), por sentença proferida em 09-10-2015, transitada em julgado em 09-11-2015, pela prática de dois crimes de burla na pena única de 8 (oito) meses de prisão. Esta pena foi declarada extinta em 17-10-2016cf. boletins n.ºs 33 e 34.

n) No processo comum n.º ---/14.8TDPRT, da Instância Local do Porto (factos de 18-07-2014), por sentença proferida em 30-10-2015, transitada em julgado em 30-11-2015, na pena de 150 dias de multa. Esta pena, por despacho de 28-09-2016, foi convertida em 100 dias de prisão subsidiária, tendo sido considerada extinta em 02-11-2017 – cf. boletins n.ºs 35 a 37.

o) Processo n.º ----/12.0TALRA, do Juízo Local Criminal de Leiria – J3 (factos ocorridos em 11-11-2012), por sentença proferida em 09-12-2015 e transitada em julgado em 21-01-2016, na pena de 7 (sete) meses de prisão – cf. boletim n.º22.

p) No processo n.º ---/11.0PBEVR do Juízo de Competência Genérica de Montemor-o-Novo – J2 (factos de Outubro de 2011), por sentença proferida a 07-03-2016, transitada em julgado a 01/09/2016, na pena de 6 (seis) meses de prisão – cf. boletim n.º 12.

q) No processo comum singular n.º ---/13.9PAMAI do Juízo Local Criminal da Maia, Juiz 3, da comarca do Porto (factos de 2010), por sentença proferida em 28-06-2015, transitada em julgado em 19-10-2016, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão – cf. boletim n.º11.

r) No processo comum singular n.º ---/16.5PALGS, que corre termos pelo Juízo de Competência Genérica de Lagos – Juiz 2, por sentença proferida em 10 de Novembro de 2016, transitada em julgado em 12-12-2016, pela prática de factos integrantes de um crime de burla, cometido em 05-08-2015, na pena de 10 (dez) meses de prisão – cf. boletim n.º 38.

Apreciando e decidindo:

Com o presente incidente pretende-se, em síntese, obter decisão que resolva definitivamente, entre os juízos envolvidos, se há lugar a operação de cúmulo jurídico e, na afirmativa, a quem compete a sua realização.

Impõe-se, desde já, deixar consignado que a realização definitiva do conflito só ocorrerá quando estão em causa tribunais da área de competência deste Tribunal de Relação, pois tratando-se de tribunais ou juízos abrangidos por mais do que um Tribunal de Relação (de diferentes distritos judiciais, na terminologia do CPP) a competência para a resolução de conflitos desta natureza compete ao STJ – cf. artigo 11.º, n.º6, al. a) do CPP e 62.º, n.º3, al. e) e 4 da LOSJ.

O condenado tem direito a uma pena conjunta, resultante da soma jurídica das penas (parcelares) correspondentes aos crimes por si cometidos, desde que concorram efetivamente entre si.

A realização do cúmulo jurídico de penas visa permitir que, num certo momento, se conheça da responsabilidade do arguido quanto a factos do passado, no sentido em que todos esses factos, caso fossem conhecidos e houvesse contemporaneidade processual, poderiam ter sido apreciados (e sobre eles proferida decisão) em conjunto (e num só processo ou num único momento).

O caso de cúmulo jurídico, por conhecimento superveniente de concurso real de crimes, tem lugar quando posteriormente à condenação no processo de que se trata, o da última condenação, se vem a verificar que o agente, anteriormente a tal condenação, praticou outro ou outros crimes. São, pois, pressupostos da realização deste cúmulo a existência de uma pluralidade de crimes com julgamentos efetuados em momentos diferentes e a anterioridade da prática dos crimes em relação ao trânsito em julgado da 1.ª condenação. Na verdade, como é dominantemente entendido, e resulta do AUJ n.º 9/2016, de 28-04-2016, publicado no DR, 1-ª Série, n.º111, de 9 de Junho de 2016, “O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso.”

O trânsito em julgado obstará a que com essa infração ou outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infrações que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, que funcionará assim como barreira excludente, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso, dos crimes cometidos após aquele limite. [[1]]

A primeira decisão transitada é, assim, o elemento aglutinador de todos os crimes que estejam em relação de concurso, demarcando as fronteiras do ciclo de condenações objeto de unificação. A partir desta barreira inultrapassável afastada fica a unificação, formando-se outras penas autónomas, de execução sucessiva, que poderão integrar outros cúmulos. Dito de outro modo, uma pluralidade de infrações/crimes cometidas pelo mesmo arguido/agente pode dar lugar ou a um concurso de penas (quando os vários crimes/infrações tiverem sido cometidos antes do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer deles) ou a uma sucessão de penas (nos demais casos de pluralidade de crimes/infrações cometidos pelo mesmo arguido/agente).

Paulo Dá Mesquita, em Concurso de Penas, a págs. 45, já defendia que o trânsito em julgado da primeira das condenações é o pressuposto temporal do concurso de penas, o que se compreende, porque só depois do trânsito a condenação adquire a sua função de solene advertência ao arguido. O trânsito em julgado da primeira condenação é o momento determinante em que se fixa a data a partir da qual os crimes não estão em concurso com os anteriores para efeitos de cúmulo jurídico; só se podem cumular juridicamente penas relativas a infrações que estejam em concurso e tenham sido praticadas antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer delas, só sendo cumuláveis penas em concurso, pois o art. 78.º não pode ser interpretado cindido do art. 77.º do Código Penal - fls. 64/7.

Defendia ainda o mesmo autor que o sistema de cúmulo jurídico das penas deve ser aplicado somente nos casos de concurso de penas e já não nos de sucessão de penas, já que a generalização de tal sistema em todos os casos de pluralidade de penas traduzir-se-ia num perverter do sistema penal no seu todo dando-se carta branca a determinados agentes para a prática de novos crimes - fls. 65.

Em conclusão, poderá dizer-se que o momento temporal decisivo para o estabelecimento de relação de concurso (ou a sua exclusão) é o do trânsito em julgado da primeira condenação, sendo esse o momento em que surge, de modo definitivo e seguro, a solene advertência ao arguido, pelo que, o cometimento de qualquer crime após esta solene advertência, quebra o concurso, não havendo já razão para esta pena ser englobada na pena conjunta, tratando-se antes de uma situação de sucessão de crimes.

De facto, o trânsito em julgado de uma sentença condenatória delimita a conexão das condutas a considerar no concurso real de crimes, ficando afastados desse concurso os cometidos posteriormente. Não poderá haver cúmulo jurídico de penas respeitantes a crimes praticados uns antes e outros depois da primeira condenação transitada em julgado. Depois daquele trânsito haverá sucessão de crimes e de penas, que poderão dar origem a outras penas conjuntas.

É esta a jurisprudência que temos seguido.

No caso, as condenações sofridas pelo arguido e supra elencadas espelham a existência de várias relações de concurso de infrações, tendo por referência os crimes apreciados nos processos supra mencionados.

Na verdade, se tomarmos em consideração a data do trânsito em julgado referida em a), todos os crimes cometidos pelo arguido desde 24 de Janeiro de 2005 até 30-09-2009, data do trânsito em julgado da condenação referida em a), deveriam integrar um primeiro cúmulo jurídico, de que fariam parte as penas aplicadas nos processos referidos em a) e b), cúmulo esse que já foi realizado no âmbito do processo referido em b), mostrando-se extinta, por cumprimento, a pena única aplicada, após conversão em pena subsidiária de prisão.

No tocante às condenações seguintes, a 1.ª condenação transitada em julgado é a mencionada em c), pelo que devem ser objeto de um mesmo cúmulo as penas aplicadas por crimes cometidos até 11-09-2013, no caso, as referidas nas alíneas e), j), k), l), m), o), p), q), ficando de fora as penas cominadas nos processos referidos nas alíneas c), d), f), g), h), i), n) e r), quer por respeitarem a penas subsidiárias de prisão já cumpridas, a penas de prisão suspensas e julgadas extintas nos termos do n.º1 do artigo 57.º do Código Penal e, por último, a pena referente a crimes cometido depois do trânsito em julgado da decisão que serve de bitola à existência do concurso, ou seja posterior a 12-09-2013.

A diversidade da natureza das penas impede o cúmulo jurídico impondo um cúmulo material, sem incidência uma vez cumprida tal prisão subsidiária no englobamento de que há-de emergir a pena única. Por outro lado, atualmente, o art. 78.º, n.º 1, do Código Penal, considera que o cumprimento leva ao desconto na pena única formada, em inteira benesse para o arguido, mas já não se, por exemplo, ela se mostrar extinta por qualquer outro motivo, designadamente por decurso do prazo da suspensão da execução da pena, sem que haja cumprimento efectivo da pena cominada, ou em caso de pena prescrita sem cumprimento, amnistia ou perdão total.

Por conseguinte, seguindo o critério legal, assiste razão ao Meritíssimo Juiz 2 do Juízo de Competência Genérica de Lagos, da comarca de Faro, quando sustenta que não deve haver lugar a cúmulo jurídico no processo n.º --/16.5PALGS, pois a única pena que estaria em concurso com a aplicada nesse processo é a referida na al. n) e respeita a pena de multa que foi convertida em prisão subsidiária, já extinta.

Haverá apenas lugar à realização de um único cúmulo jurídico e adianta-se, desde já, que também o Juízo Central Criminal de Portimão não é competente para o realizar.

E qual o tribunal competente para proceder à realização do cúmulo jurídico das penas aplicadas, cujos crimes se encontram numa relação de concurso?

Não nos compete a atribuir competência a tribunais estranhos ao conflito suscitado, sobretudo quando estão em causa tribunais fora da área de competência deste tribunal de Relação.

De qualquer modo, impõe-se conhecer se a competência para o cúmulo jurídico das penas em concurso cabe ou não ao Juízo Central Criminal de Évora, que também declinou a sua competência para tal, como se referiu em IV – do relatório desta decisão.

Dispõe o art.º 471º, sob a epígrafe “Conhecimento superveniente do concurso”:

1 - Para o efeito do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 78.º do Código Penal é competente, conforme os casos, o tribunal coletivo ou o tribunal singular. É correspondentemente aplicável a alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º

2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, é territorialmente competente o tribunal da última condenação.

Fazendo apenas a interpretação literal do preceito, com extrema facilidade se conclui que a competência há-de ser deferida ao tribunal da última condenação. Da última condenação e não do último trânsito em julgado, reza o preceito legal. E o elemento histórico e teleológico aponta no mesmo sentido.

Quando o legislador fala em “tribunal da última condenação” teve em mente implicar nele o tribunal que, justamente por ser o último a intervir em tempo e na cadeia das condenações, dispõe dos elementos de ponderação mais completos e atualizados.

Contudo, a regra do n.º 2 do artigo 471.º do CPP, atribuindo ao tribunal da última condenação a competência territorial em caso de conhecimento superveniente do concurso de penas, tem pressuposta a competência funcional do mesmo tribunal, que só existe quando este tiver aplicado uma das penas em concurso, mas não quando o tribunal que tiver imposto pena que com as demais está numa relação de sucessão. Neste sentido a decisão de conflito proferida em 17-06-2014, no âmbito do processo n.º 938/06.1PBSTB-A.E, do mesmo relator.

De facto, “a última condenaçãoé das penas parcelares que estão em concurso, e não de todos os concursos de penas que hajam de se formar, por serem anteriores àquela, integrantes de vários ciclos criminosos.

Quanto à fixação da competência territorial, se atentarmos que a efetivação da operação de cúmulo jurídico se traduz na realização de um “novo julgamento” (cf. art.º 472.º, do CPP) faz todo o sentido que o legislador tivesse imposto essa tarefa ao foro da “última condenação”, que está em melhores condições de proferir uma decisão atualizada, quer quanto aos factos, quer quanto à personalidade do agente.

A este propósito, refere-se no acórdão do STJ, de 6.01.2010 [proferido no processo n.º 98/04.2, 3ª secção, relatado pelo Conselheiro Pereira Madeira, publicado no sítio www.dgsi.pt.], que “…teve (o legislador) em mente implicar nele o tribunal que, justamente por ser o último a intervir em tempo e na cadeia das condenações, dispõe dos elementos de ponderação mais completos e actualizados, nomeadamente, quanto aos factos (…) e que, portanto, a todas as luzes, é o que está em melhor plano para colher a visão que se quer de panorâmica completa e actual do trajecto de vida do arguido, circunstância que, manifestamente, arreda qualquer interpretação restritiva daquela disposição processual”.

Assim, considerando os fundamentos subjacentes à atribuição da competência territorial ao tribunal da última condenação, só a incompetência material do tribunal singular pode desviar tal regra. E assim acontecerá, sendo o tribunal singular o da última condenação, o cúmulo será elaborado pelo tribunal coletivo se o arguido tiver sido anteriormente condenado em pena que somada à do tribunal singular exceda os cinco anos de prisão. O tribunal competente para elaborar o cúmulo jurídico será então o tribunal coletivo com competência territorial na área do tribunal singular (da última condenação). Mas, no caso de o tribunal coletivo ser o “foro da última condenação”, será sempre esse o tribunal material e territorialmente competente para a elaboração do competente cúmulo jurídico.

Em nome da unidade do sistema jurídico, o tribunal da última condenação, funcionando com composição plural ou como tribunal singular, conforme o caso, é o competente para a realização do cúmulo jurídico superveniente.

Aos juízos Centrais Criminais compete, além do mais, proceder ao julgamento e aos termos subsequentes nos processos de natureza criminal da competência do tribunal coletivo (artigo 118.º, n.º1 do LOSJ), aqui se incluindo, enquanto tribunal da última condenação, a realização do cúmulo jurídico superveniente de penas por crimes em situação de concurso.

No caso concreto, de entre os tribunais que proferiram as decisões conflituantes, qual é o tribunal da última condenação?

Considerando as datas em que foram proferidas as condenações elencadas no ciclo das penas em concurso, não é seguramente o Juízo Central Criminal de Portimão o competente para a realização desse cúmulo, pois o tribunal da última condenação foi o Juízo de Competência Genérica J2, de Montemor-o-Novo, já que a sentença ali proferida no processo ---/11.0PBEVR tem a data de 07-03-2016.

E porque as penas de prisão que devem integrar um único cúmulo jurídico excedem 5 anos, caberá, sem dúvida, ao Juízo Central Criminal de Évora a realização do cúmulo jurídico, a menos que, entretanto, surja uma ulterior condenação por factos que se integrem no mesmo ciclo criminoso.

Tal cúmulo deverá ser realizado no âmbito do processo n.º ----/17.1TBEVR, que foi distribuído, para esse efeito, a Meritíssima J2 do referido Juízo Central Criminal de Évora.

DECISÃO
Termos em que, na resolução do conflito negativo de competência, se declara competente para a realização do cúmulo jurídico o Juízo Central Criminal de Évora – Juiz 2, no âmbito do referido processo n.º ----/17.1TBEVR,

Cumpra, de imediato, o disposto no n.º 3 do artigo 36.º do Código de Processo Penal. Dê conhecimento aos Senhores Juízes Presidentes das Comarcas de Évora e Faro.
Sem tributação.

(Texto processado informaticamente e integralmente revisto pelo relator)

Évora, 26 de Junho de 2018

Fernando Ribeiro Cardoso (Juiz Presidente da Secção Criminal)

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[1] - Para efeito de aplicação de uma pena única, o limite determinante e intransponível da consideração da pluralidade de crimes é o trânsito em julgado da condenação que primeiramente tiver ocorrido por qualquer dos crimes anteriormente praticados – cf. Acs. do STJ de 02-06-2004, Proc. n.º 1391/04 - 3.ª, CJSTJ, 2004, tomo 2, pág. 217, e de 10-01-2007, Proc. n.º 4051/06 - 3.ª. Apenas não há que proceder a cúmulo jurídico das penas quando os crimes foram cometidos depois de transitadas em julgado as anteriores condenações (AC. do STJ, 3ª Secção, de 23 de Junho de 1994, proc. nº 46860). Ou seja, as penas dos crimes cometidos depois de uma condenação transitada em julgado não podem cumular-se com as penas dos crimes cometidos anteriormente a essa condenação (v. ac. do STJ de 20 de Junho de 1996 in BMJ, 458, 119).

Como se escreveu no acórdão do STJ de 29-03-2012, proferido no processo n.º 316/07.5GBSTS, de que foi relator o Exmo. Conselheiro Raul Borges, “O trânsito em julgado obstará a que com a infração a que respeita ou outras cometido até esse trânsito, se cumulem infrações que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, que funcionará assim como barreira excludente, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso, dos crimes cometidos após aquele limite. A primeira decisão transitada será assim o elemento aglutinador de todos os crimes que estejam em relação de concurso, englobando as respectivas penas em cúmulo, demarcando as fronteiras do círculo de condenações objeto de unificação. A partir desta data, em função dessa condenação transitada, deixam de valer discursos desculpabilizantes das condutas posteriores, pois que o(a) arguido(a) tendo respondido e sido condenado(a) em pena de prisão por decisão passada em julgado, não pode invocar ignorância acerca do funcionamento da justiça penal, e porque lhe foi dirigida uma solene advertência, teria de agir em termos conformes com o direito, “cortando” com as anteriores condutas. Persistindo, se se mostrarem preenchidos os demais requisitos, o/a arguido(a) poderá inclusive ser considerado(a) reincidente. Esta data marca o fim de um ciclo e o início de um novo período de consideração de relação de concurso para efeito de fixação de pena única. A partir de então, havendo novos crimes cometidos desde tal data, desde que estejam em relação de concurso, terá de ser elaborado com as novas penas um outro cúmulo e assim sucessivamente. A partir desta barreira inultrapassável afastada fica a unificação, formando-se outras penas autónomas, de execução sucessiva, que poderão integrar outros cúmulos. (...)

Nestes casos de cúmulo por conhecimento superveniente há que ter em consideração o imprescindível requisito do trânsito em julgado, elemento essencial, incontornável e imprescindível, que determina, simultaneamente, o fecho, o encerramento de um ciclo, e o ponto de partida para uma nova fase, para o encetar de um outro/novo agrupamento de infrações, interligadas/conexionadas por um elo de contemporaneidade, e o início de um outro/novo ciclo de atividade delitiva, em que o prevaricador - sucumbindo, na sequência de uma intervenção/solene advertência do sistema de justiça punitivo, que se revelará, na presença da repetição, como ineficaz - não poderá invocar o estatuto de homem fiel ao direito.

Em caso de pluralidade de crimes praticados pelo mesmo arguido é de unificar as penas aplicadas por tais crimes, desde que cometidos antes de transitar a condenação por qualquer deles.

A partir do trânsito em julgado da primeira decisão condenatória, os crimes cometidos depois dessa data deixam de concorrer com os que os precedem, isto é, já não estão em concurso com os cometidos anteriormente à data do trânsito, havendo a separação nítida de uma primeira fase, em que o agente não é censurado, atempadamente, muitas vezes por deficiências do sistema de justiça, ganhando assim, confiança na possibilidade de outras prevaricações com êxito, sem intersecção da acção do sistema, de uma outra que se lhe segue, abrindo-se um ciclo novo, autónomo. “ (sublinhado e itálico do ora relator)