Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
192/23.0T8ENT.E1
Relator: MARIA JOSÉ CORTES
Descritores: PERSI
COMUNICAÇÃO
INEFICÁCIA
Data do Acordão: 01/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – Tendo a instituição bancária indicado genericamente como fundamento legal da extinção do PERSI, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, e tendo também indicado genericamente a causa da inviabilidade da manutenção do procedimento, referenciando tão só a falta de colaboração com a instituição de crédito e a falta de capacidade financeira, nada de concreto referiu quanto aos fundamentos da extinção do referido procedimento, seja por via da descrição dos factos que a tal determinaram, seja pela concretização dos fundamentos que, no seu entender, a tal levaram.
II – Essa forma de comunicação viola a ratio legis do citado diploma, bem como o disposto no artigo 17.º, n.º 3, do mesmo, e artigo 9.º, alínea a), do Aviso n.º 7/2021, do Banco de Portugal, aplicável ao caso dos autos, impedindo os clientes bancários de se defenderem, quer no plano factual, quer no plano legal, caso a entidade bancária venha instaurar procedimento judicial contra os mesmos para cobrança do crédito incumprido.
III – A violação do no n.º 3 do artigo 17.º do PERSI nos termos sobreditos, determina a ineficácia da comunicação da extinção do PERSI (n.º 4 do artigo 17.º), mantendo-se o impedimento de instauração da execução.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: RECURSO n.º 192/23.0T8ENT.E1
Tribunal recorrido: Juízo de Execução do Entroncamento – J1
Apelante: Caixa Económica (…)
Apelada: (…)

Sumário (elaborado pela relatora – artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil):
(…)
*
Acordam os Juízes que integram a 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – RELATÓRIO
1.1. Em 12 de janeiro de 2023, a Caixa Económica instaurou contra (…) a presente ação executiva para pagamento de quantia certa, apresentando como títulos executivos dois contratos de mútuo garantidos por hipotecas e uma livrança com o valor aposto de € 5.019,97 (cinco mil e dezanove euros e noventa e sete cêntimos).
Por despacho proferido em 31 de janeiro de 2023, foi a exequente, ora apelante, notificada para esclarecer o que tivesse por conveniente acerca do cumprimento do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), estipulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro.
A apelante, por requerimento de 27 de fevereiro de 2023, veio aos autos “informar que (…) deu cumprimento ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) estipulado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10 conforme missivas remetidas à Executada e que ora se juntam como Doc. 1 e Doc. 2 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Missivas estas que foram devidamente rececionadas pela Executada conforme captura de tela do site dos CTT que ora se junta como Doc. 3 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Nestes termos, e porque se encontra provado o cumprimento do PERSI por parte da Exequente, deverá a presenta instância prosseguir os ulteriores tramites processuais, o que se requer”.
Juntou cópias de duas cartas, transcritas parcialmente na decisão sob recurso, e que damos por reproduzidas.
O tribunal a quo proferiu o despacho datado de 09 de março de 2023, com o seguinte teor:
«(…) analisados os teores dos documentos juntos pela exequente através da ref.ª 9469348 de 27-02-2023, faculto-lhe o mesmo prazo de 10 (dez) dias para exercer, querendo, o respectivo contraditório acerca da eventual adopção do entendimento de acordo com o qual a carta de comunicação de extinção do PERSI não é susceptível de traduzir o cabal cumprimento do disposto no artigo 17.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, por não indicar o concreto fundamento legal da extinção nem, de forma conveniente, as concretas razões de facto pelas quais foi considerada inviável a manutenção do procedimento».
A exequente veio exercer o contraditório, aduzindo, entre outros, os seguintes factos:
24. Quanto à questão suscitada pelo Tribunal sobre a carta de extinção do PERSI não indicar o concreto fundamento legal de extinção, entende a ora Exequente que a carta é bastante para produzir os efeitos do artigo 17.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10.
25. A missiva de extinção do procedimento, do requerimento apresentado a 27.02.2023 e junta aos autos sob ref.ª 9469348, informa que a causa de extinção foi a “ FALTA DE COLABORAÇÃO”, fazendo referência expressa ao artigo 17.º do diploma aqui em causa que sempre estaria ao alcance da devedora consultar.
26. Sendo que o n.º 2 do artigo 17.º do diploma acima invocado na alínea d) dispõe: (…) 2 - A instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que: (…) O cliente bancário não colabore com a instituição de crédito, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito ao abrigo do disposto no artigo 15.º, nos prazos que aí se estabelecem, bem como na resposta atempada às propostas que lhe sejam apresentadas, nos termos definidos no artigo anterior” (…).
27. Ora a entrega de documentos que foi solicitada pressupõe necessariamente a colaboração da devedora para o efeito, pelo que a remessa da carta onde se menciona que a extinção se deve a falta de colaboração, será adequada a ser compreendida pelo destinatário cuja diligência terá que ser aferida por aquele que se considera o homem normal.
28. Mais, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 6.º do CC, o desconhecimento da lei não pode ser aproveitado.
29. Assim, a Executada foi devidamente informada através de comunicação em suporte duradouro da extinção do PERSI invocando expressamente a razão pelo qual se considerou o procedimento inviável tendo a mesma produzido os efeitos legais previsto no artigo 17.º, n.ºs 3 e 4, do diploma já mencionado.
30. Face ao exposto, dúvidas não restam que a ora Exequente deu cumprimento ao Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) cumprindo as missivas remetidas todas as disposições legais.
*
1.2. Por decisão de 13 de junho de 2023, o tribunal recorrido julgou verificada oficiosamente a exceção dilatória inominada insanável decorrente do desrespeito, pela exequente, Caixa Económica (…), da demonstração do válido cumprimento da comunicação de extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, e, em consequência, absolveu a executada da instância executiva, determinando a extinção da execução nos termos dos artigos 551.º, n.º 3, 573.º, n.º 2, 576.º, n.ºs 1 e 2, 578.º, 726.º, n.º 2, alínea b), e 734.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, a qual se transcreve no que para a presente decisão releva:
“(…)
Revertendo à situação dos autos, a questão que se nos coloca é a de saber se a supra citada comunicação de extinção datada de 18-07-2022 satisfaz os requisitos enunciados naquelas disposições, mormente os que acima foram objecto de negrito e sublinhados nossos.
Do nosso ponto de vista, a resposta é negativa.
Vejamos porquê.
(…)
Com efeito, em tal missiva foi transmitido à executada o seguinte: «Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, informamos que o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) n.º (…), no qual estava incluído, encontra-se extinto com o seguinte fundamento:
FALTA DE COLABORAÇÃO».
Ora, fazendo-se uma remissão genérica para o «artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro», somos de parecer que não foi devidamente indicado o fundamento legal para a extinção do PERSI, sobretudo quando se sabe que essa extinção pode ter uma plêiade diversificada de fundamentos plasmados nos n.ºs 1 e 2 daquele mesmo preceito legal.
Acresce que, do nosso ponto de vista, a aqui executada não foi informada, «em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis», sobre quais as concretas razões em que se terá baseado a inviabilidade da manutenção do procedimento, não se lhe dando a conhecer os factos que determinaram a extinção ou que justificaram a decisão de pôr termo ao mesmo.
Apontar como motivo de extinção, sem mais, a «FALTA DE COLABORAÇÃO» é quase o mesmo que nada dizer.
Tal como, em situação em tudo similar, foi judiciosamente explanado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-07-2021 (consultável, como todos os demais que citaremos, em www.dgsi.pt, neste caso sob Processo n.º 613/19.7T8MMN-A), «[u]m dos motivos de extinção do PERSI é, precisamente, a falta de colaboração do cliente, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito ao abrigo do disposto no artigo 15.º, nos prazos que aí se estabelecem (artigo 17.º, n.º 2-d), do DL 227/12).
A extinção do PERSI e o respectivo fundamento legal e concreto devem ser comunicados ao devedor (nºs 3 e 4 do citado artigo 17.º).
(…)
Entendeu (…) a sentença que a carta de extinção não respeitava as exigências do n.º 3 do artigo 17.º do DL 227/12, uma vez que não especificara claramente o motivo que a determinava.
Concordamos.
De acordo com o n.º 3 do artigo 17.º do DL 227/12, a instituição de crédito deve informar o cliente da extinção do PERSI, “descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento”. E que a lei pretende que tais aspectos sejam conhecidos pelo devedor resulta da circunstância de negar eficácia à extinção (à excepção do caso em que a instituição bancária e o devedor chegam a um acordo no âmbito do PERSI) enquanto lhe não for comunicada (artigo 17.º, n.º 4, do DL 227/12).
Com efeito, o cliente bancário deve ter o direito de aferir da regularidade e legalidade de todo o procedimento, em particular quando é demandado judicialmente pela instituição (como sucedeu no presente caso). E, tratando-se da extinção do PERSI, só conhecendo os concretos motivos que levaram à decisão da instituição bancária se podem, efectivamente, defender, seja no plano factual, seja em sede de cabimento legal.
Neste conspecto, invocar, simplesmente, o artigo 17.º do DL 227/(…) é praticamente o mesmo que nada dizer, já que tal preceito cobre todas as situações de extinção do PERSI.
E invocar que o motivo da extinção do PERSI é “falta de colaboração, nomeadamente na prestação de informações ou na resposta atempada às propostas apresentadas pelo banco” é, em primeiro lugar, deixar o cliente na dúvida. Em primeiro lugar, porque fica sem saber se a sua falta de colaboração se prendeu com a prestação de informações ou com a resposta a propostas apresentadas, sendo certo que se trata de diferentes realidades; em segundo lugar, fica sem saber se a falta de colaboração se prende com omissões ou com atrasos. Sem saber exactamente quais foram as informações que deixou de prestar ou as respostas que deixou de apresentar e, no caso de as ter prestado/apresentado, o atraso com que o fez, o devedor fica, repetimos, sem poder contrariar tais factos e/ou discutir a sua subsunção jurídica.
Não é, aliás, difícil para a instituição bancária comunicar ao cliente esses concretos fundamentos de extinção, uma vez que é suposto existir um processo para cada cliente, com toda a informação relevante (artigo 20.º do DL 227/12).
Em consequência, temos por inválida a extinção do PERSI».
O mesmo entendimento foi acolhido pelo Acórdão do mesmo Tribunal da Relação de Évora de 24-11-2022 (Processo n.º 824/22.8T8ENT.E1) (…)
Deste modo, a analisada missiva com data de 18-07-2022 não produziu efeitos e, consequentemente, mantêm-se as garantias da executado previstas no artigo 18.º, ou seja, o impedimento de instauração da presente ação executiva [alínea b) do n.º 1].
Chegados a tal conclusão, não desconhecemos que, em Acórdão de 26-05-2022 (Processo n.º 18/22.2T8ENT.E1), o mesmo Tribunal da Relação de Évora, a propósito de situação algo similar, argumentou no sentido de o despacho liminar de indeferimento dever «ser reservado para situações de manifesta e indiscutível improcedência do pedido», pelo que «mesmo que subsistam dúvidas sobre a ocorrência de uma excepção dilatória inominada, a execução deve prosseguir, tanto mais que o processo admite aos executados a oportunidade de deduzir a sua oposição, podendo invocar todos os fundamentos que possam ser invocados como defesa no processo de declaração – artigo 731.º do Código de Processo Civil».
Salvo o devido respeito, não conseguimos, manifestamente, concordar.
Repare-se que o tribunal está a basear-se nos documentos disponibilizados pela exequente com vista a demonstrar o cumprimento do PERSI, que é um ónus que sobre si incide.
O que esperar? Que a executada, quando citada, venha dizer que o teor da comunicação que alegadamente recebeu diverge, afinal, da que foi junta pela exequente? Que efectivamente lhe é imputável a inviabilidade da manutenção do PERSI? Como, se estamos no âmbito da análise, não da eventual manifesta improcedência de qualquer pedido, mas do cumprimento de uma condição objectiva de procedibilidade da própria execução?
Aliás, de acordo com o que enfaticamente se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27-01-2022 (Processo n.º 1373/13.0TBBNV.E1), «como a lei não permite o recurso aos tribunais sem que, antes, estejam cumpridas as formalidades de PERSI – nos termos do artigo 18.º, n.º 1, do citado diploma, “No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento; b) Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito” –, no momento em que a instituição de crédito opta, então, por recorrer ao Tribunal, tem, concomitantemente, de fazer a prova de ter cumprido as formalidades de PERSI, porque isso é condição de procedibilidade, para poder dirigir-se ao Tribunal a exigir o cumprimento coercivo daqueles seus créditos. Esse é um ónus que lhe cabe, não ficando na dependência de qualquer notificação do Tribunal nesse sentido, rectius, resulta da própria lei, não decorre da maior ou menor atenção do Tribunal em fazê-lo cumprir».
(…)
A questão deve, pois, ser efectivamente tratada com os elementos para o efeito disponibilizados pela parte onerada com o respectivo ónus, não havendo fundamento para que a execução prossiga – como que transferindo para a executada aquele ónus – quando, da análise desses elementos, logo resulta a falta de verificação da dita condição objectiva de procedibilidade.
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1.3. Não se conformando com esta decisão, dela apela a exequente, extraindo da motivação de recurso as seguintes conclusões (transcrição):
1. Ficou provado que, em cumprimento do disposto no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, a Caixa (…) enviou à Executado a comunicação relativa ao início do PERSI, a 06/06/2022.
2. Ora, da referida comunicação consta que foram prestadas as seguintes informações à Executada:
- Que o contrato de crédito se encontrava em incumprimento;
- Que ocorreu a integração no PERSI;
- Que o Banco teria de proceder a uma avaliação da sua actual situação financeira, tendo em vista a procura de uma eventual solução para resolução da situação de incumprimento;
- Que o Executado deveria dirigir-se ao Balcão identificado na comunicação para, no prazo de 10 dias, facultar informação detalhada sobre a actual situação financeira e entrega da respectiva documentação;
- Que, nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, caso não fossem prestadas informações ou disponibilizados os documentos solicitados o procedimento (PERSI) seria considerado extinto (sublinhado nosso).
3. À supra mencionada comunicação foi, ainda, anexado um documento a informar o seguinte:
- Qual o intuito o PERSI;
- As garantias do Executado, bem como os seus deveres;
- Que o PERSI se extingue no 91.º dia após o seu início, se não for prorrogado por acordo entre as partes ou com a declaração de insolvência do cliente bancário;
- Os restantes fundamentos legais de extinção do PERSI;
- As situações em que o cliente bancário pode solicitar a intervenção de um Mediador de Crédito;
- A existência do regime extraordinário de protecção de clientes com contratos de crédito à habitação em incumprimento e da rede de apoio ao cliente bancário.
4. Ora a entrega de documentos que foi solicitada pressupõe necessariamente a colaboração da devedora para o efeito, pelo que a remessa da carta onde se menciona que a extinção se deve a falta de colaboração, será adequada a ser compreendida pelo destinatário cuja diligência terá que aferida por aquele que se considera o homem normal.
5. Encontrando-se a sentença em clara oposição, é, sem mais nula.
Termina pedindo o provimento do recurso e a alteração da decisão recorrida.
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1.4. Por despacho proferido em 30 de novembro de 2023, o recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
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1.5. Efetuada a apreciação liminar, colhidos os vistos legais e realizado o julgamento, nos termos do artigo 659.º do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Âmbito do recurso e questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 3, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes em 1.ª instância e ali apreciadas, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no sistema de recursos vigente na nossa lei adjetiva, não se destina à prolação de novas decisões judiciais, mas ao reexame ou à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias [Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de processo Civil, págs. 92-93].
No seguimento desta orientação, as questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
1.ª Determinar se a decisão recorrida padece do vício de nulidade por os fundamentos estarem em oposição com a decisão (artigo 615.º n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil);
2.ª Em caso de resposta negativa, determinar se o tribunal de 1.ª instância errou na aplicação do Direito ao julgar que a exequente não deu integral cumprimento ao disposto no artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro.
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2.2. Apreciação do recurso
Os factos
Foram os seguintes os factos que o tribunal de 1.ª instância teve em conta na decisão:
1. Missiva datada de 06-06-2022, tendo como destinatária a aqui executada e o seguinte teor:
«(…)
ASSUNTO: Notificação sobre integração em PERSI n.º (…)
(…)
Informamos que devido ao incumprimento das responsabilidades assumidas com o Banco (…) no âmbito do(s) contrato(s) de crédito identificados no verso, cujo montante global em dívida à data de emissão desta carta é de 488,67 EUR, e nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, foi integrado no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) n.º (…)com efeitos a partir de 06-06-2022.
Deste modo, e cumprindo o n.º 1 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, há a necessidade do Banco (…)proceder à análise dos seguintes elementos:
a) Última Declaração de IRS e respetiva Nota de Liquidação;
b) Últimos 3 recibos de vencimento;
c) Em caso de desemprego, declaração emitida pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional;
d) Certidão da Conservatória do Registo Predial ou respetivo código de acesso e Caderneta Predial dos imóveis que garantem o financiamento, se aplicável.
Fica, assim, notificado para proceder à entrega da documentação acima referida ao seu Gestor de Cliente ou no seu balcão no prazo máximo de 10 (dez dias, contados a partir da receção desta comunicação, de modo a permitir ao Banco (…) analisar a sua capacidade financeira para regularizar o atual incumprimento, bem como fazer face às responsabilidades resultantes do crédito.
Enviamos em anexo informação adicional, conforme estabelecido pelo Aviso 17/2012 do Banco de Portugal.
Para qualquer esclarecimento adicional, visite um dos nossos balcões ou ligue (…), custo de chamada de acordo com o tarifário de telecomunicações contratado para rede fixa nacional (atendimento personalizado todos os dias das 08h00 às 00h00).
RIO MAIOR, através do número (…)»;
2. Missiva datada de 18-07-2022, tendo de igual modo como destinatária a aqui executada e, neste caso, o seguinte teor:
«(…)
ASSUNTO: Notificação de extinção do PERSI n.º (…)
(…)
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, informamos que o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) n.º (…), no qual estava incluído, encontra-se extinto com o seguinte fundamento:
FALTA DE COLABORAÇÃO
Tratando-se de um crédito à habitação, informamos que, no que respeita ao direito à resolução e à retoma do contrato, este encontra a sua regulamentação legal no Decreto-Lei n.º 394/98, de 11 de novembro e no Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho, com as salvaguardas aí constantes.
Considerando a situação de incumprimento de V. Ex.ª que se mantém, a extinção do PERSI acima referido terá as consequências contratual e legalmente previstas, designadamente, a possibilidade de resolução do contrato e a execução do património de V. Ex.ª, e dos garante do crédito, para o pagamento dos montantes de capital, juros, comissões e quaisquer outros encargos e despesas em que venha o Banco (…) a incorrer nesse âmbito.
Informamos ainda que, caso intervenha como mutuário em contratos de crédito celebrados com outras instituições, poderá recorrer junto do Banco de Portugal, no prazo de 5 (cinco) dias, a intervenção do Mediador de Crédito, nos termos e para os efeitos do disposto no Decreto-lei n.º 144/2009, de 17 de junho.
Caso solicita a mediação referida no parágrafo anterior, serão aplicáveis pelo período de 30 (trinta) dias, subsequentes ao envio do processo de mediação às instituições de crédito por si identificada, as garantias resultantes do PERSI, que cessarão caso:
- seja declarado insolvente;
- seja nomeado Administrador Judicial provisório no âmbito de Processo Especial de Revitalização;
- sejam realizadas penhoras ou decretados arrestos sobre bens;
- sejam instauradas contra V. Ex.ª ações executivas ou processos de execução fiscal.
Para informação mais detalhada, queira consultar os artigos 18.º e 22.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro.
Para qualquer esclarecimento adicional, visite um dos nossos Balcões ou ligue (…), custo de chamada de acordo com o tarifário de telecomunicações contratado para rede fixa nacional (atendimento personalizado todos os dias das 08h00 às 00h00).
RIO MAIOR, através do número (…).
*
O Direito
1.ª Questão
Determinar se a decisão recorrida padece do vício de nulidade por os fundamentos estarem em oposição com a decisão (artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil)
Entende a apelante, de forma absolutamente conclusiva, que a sentença sob recurso é nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, porquanto os fundamentos estão em oposição com a decisão. É assim que a apelante inicia a motivação do seu recurso.
E termina as conclusões da motivação dizendo que a sentença proferida, encontrando-se em clara oposição, é, sem mais nula.
Não fundamenta minimamente as razões daquela alegação conclusiva.
Sendo, porém, questão submetia a este tribunal superior, há que a dirimir.
É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível – alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
Mostra-se pacífico o entendimento quanto à caracterização da nulidade prevista no artigo 651.º, n.º 1, alínea c), 1.ª parte, do Código de Processo Civil, que ocorre na construção lógica da decisão quando o julgador concluiu num sentido oposto ou diverso do que resultaria face aos fundamentos nela indicados, isto é, perante os alicerces dessa decisão [exemplificativamente, o acórdão deste TRE, de 16.06.2023, em que é relatora Maria Adelaide Domingos, disponível em www.dgsi, e onde se lê “Conforme é comumente aceite, a nulidade prevista na primeira parte da alínea c), verifica-se quando haja uma contradição lógica no processo de decisão, ou seja, quando os fundamentos invocados devam conduzir logicamente ao resultado oposto ao que veio a ser expresso na decisão.”].
E no acórdão do STJ, de 03.03.2021, no processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1, refere-se: “A nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. Ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente”.
É por demais evidente, percorrendo a decisão recorrida, que a mesma não é nula por contradição entre os seus fundamentos e a decisão proferida.
Na verdade, o tribunal entendeu que a apelante/exequente ao comunicar à executada a extinção do PERSI, por carta datada de 18 de julho de 2022, não satisfez os requisitos enunciados nas disposições legais que cita (designadamente o artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10), mormente por tal comunicação não conter, em termos claros, rigorosos e legíveis, a descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termos ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal. E esclarece, ainda, que a concretização de tais factos “é essencial, pois só dessa forma os devedores têm a possibilidade de se defender, quer no plano factual, quer no plano legal, caso a entidade bancária venha instaurar procedimento judicial contra os mesmos para cobrança do crédito incumprido.
Como supra assinalámos, a extinção válida (porque realizada ao abrigo de um dos fundamentos legalmente previstos) e eficaz (porque comunicada ao devedor nos termos contemplados no artigo 17.º, n.ºs 3 e 4, do D/L n.º 227/2012) do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento constitui um pressuposto processual negativo da presente ação executiva, ou seja, uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso
Por conseguinte, não se verifica a arguida nulidade. O que a apelante esgrime não é um qualquer vício de nulidade da decisão, antes dissente do julgamento de mérito dessa questão e o facto de ela ter sido julgada contra ela.
Improcede, assim, sem mais delongas a pretensa nulidade por omissão de pronúncia.
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2.ª Questão
Em caso de resposta negativa, determinar se o tribunal de 1.ª instância errou na aplicação do Direito ao julgar que a exequente não deu integral cumprimento ao disposto no artigo 17.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro
Do que a apelante discorda é do julgamento efetuado pelo tribunal a quo quanto à questão da invalidade e ineficácia da extinção do PERSI, entendendo que a comunicação datada de 18 de julho de 2022, efetuada à executada, é bastante para produzir os efeitos do artigo 17.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro.
Vejamos se assim é.
O Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, veio prever acerca do Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) – entretanto objeto de alteração pelo Decreto-Lei n.º 70-B/2021, de 6 de agosto – estabelecendo “princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização dessas situações”.
Do preâmbulo deste diploma resulta pretender-se estabelecer “um conjunto de medidas que, refletindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as atuais dificuldades económicas”.
Visa-se proteger especificamente o cliente bancário que seja consumidor, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, que celebra contratos de mútuo com entidades bancárias, nos termos do artigo 3.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro. Ou seja, com o PERSI, pretendeu o legislador estabelecer, mediante normas imperativas, uma ordem pública de proteção do cliente/devedor/consumidor em situação de mora no cumprimento, visto como parte frágil na relação e, por isso, carecido de especial proteção, deixando a cargo da contraparte (uma entidade de crédito) especiais deveres de informação, esclarecimento e proteção.
No artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, determina-se que «[a]s instituições de crédito promovem as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito».
No artigo 13.º determina-se que «[n]o prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, a instituição de crédito informa o cliente bancário do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolve diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado».
Resulta do exposto que o PERSI se aplica a casos nos quais não chegou a existir incumprimento definitivo do contrato e procura-se com tal procedimento evitar a resolução do contrato por incumprimento.
Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 15.º (Fase de avaliação e proposta) «[a] instituição de crédito desenvolve as diligências necessárias para apurar se o incumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se, pelo contrário, esse incumprimento reflete a incapacidade do cliente bancário para cumprir, de forma continuada, essas obrigações nos termos previstos no contrato de crédito».
O PERSI termina nos termos previstos no n.º 1 do artigo 17.º, ou seja, «O PERSI extingue-se:
a) Com o pagamento integral dos montantes em mora ou com a extinção, por qualquer outra causa legalmente prevista, da obrigação em causa;
b) Com a obtenção de um acordo entre as partes com vista à regularização integral da situação de incumprimento;
c) No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação; ou
d) Com a declaração de insolvência do cliente bancário».
Para a decisão em causa, relevam, ainda, as seguintes normas do citado artigo 17.º:
2- A instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que:
(…)
c) A instituição de crédito conclua, em resultado da avaliação desenvolvida nos termos do artigo 15.º, que o cliente bancário não dispõe de capacidade financeira para regularizar a situação de incumprimento, designadamente pela existência de ações executivas ou processos de execução fiscal instaurados contra o cliente bancário que afetem comprovada e significativamente a sua capacidade financeira e tornem inexigível a manutenção do PERSI;
d) O cliente bancário não colabore com a instituição de crédito, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito ao abrigo do disposto no artigo 15.º, nos prazos que aí se estabelecem, bem como na resposta atempada às propostas que lhe sejam apresentadas, nos termos definidos no artigo anterior;
(…)
3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.
4. A extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.
5- O Banco de Portugal define, mediante aviso, os elementos informativos que devem acompanhar a comunicação prevista no n.º 3.
O Aviso de Banco de Portugal aludido no n.º 5 do artigo 17.º é, atualmente, o n.º 7/2021 (publicado no Diário da República n.º 244/2021, Série II, de 20.12.2021, Parte E), dispondo o seu artigo 9.º que:
A comunicação pela qual a instituição de crédito informa o cliente bancário da extinção do PERSI deve conter, em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis, as seguintes informações:
a) Descrição dos factos que determinam a extinção do PERSI ou que justificam a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento, com indicação do respetivo fundamento legal;
b) Consequências da extinção do PERSI, nos casos em que não tenha sido alcançado um acordo entre as partes, designadamente a possibilidade de resolução do contrato e de execução judicial dos créditos;
(…)
f) Indicação dos elementos de contacto da instituição de crédito através dos quais o cliente bancário pode obter informações adicionais ou negociar soluções para a regularização da situação de incumprimento.”.
Tem sido entendimento da jurisprudência dos tribunais superiores, e é nosso também, que a comunicação de extinção do PERSI funciona como uma condição de admissibilidade da ação, declarativa ou executiva, constituindo a sua falta exceção dilatória insuprível que determina a extinção da instância (artigo 576.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), exceção essa de conhecimento oficioso [ver, por todos, o acórdão do TRL, de 29.09.2020, proc. n.º 1827/18.2T8ALM-B.L1-7, em www.dgsi.pt, e a jurisprudência no mesmo indicada].
No caso submetido à nossa apreciação, não está em causa a integração da executada/apelada no PERSI, mas a sua extinção.
Conforme se lê na decisão recorrida:
“(…) fazendo-se uma remissão genérica para o «artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro», somos de parecer que não foi devidamente indicado fundamento legal para a extinção do PERSI, sobretudo quando se sabe que essa extinção pode ter uma plêiade diversificada de fundamentos plasmados nos n.ºs 1 e 2 daquele mesmo preceito legal.
Acresce que, do nosso ponto de vista, a aqui executada não foi informada, «em termos claros, rigorosos e facilmente legíveis», sobre quais as concretas razões em que se terá baseado a inviabilidade da manutenção do procedimento, não se lhe dando a conhecer os factos que determinaram a extinção ou que justificaram a decisão de pôr termo ao mesmo.
Apontar como motivo de extinção, sem mais, a «FALTA DE COLABORAÇÃO» é quase o mesmo que nada dizer.”
E mais adiante pode ler-se:
“Repare-se que o tribunal está a basear-se nos documentos disponibilizados pela exequente com vista a demonstrar o cumprimento do PERSI, que é um ónus que sobre si incide.
O que esperar? Que a executada, quando citada, venha dizer que o teor da comunicação que alegadamente recebeu diverge, afinal, da que foi junta pela exequente? Que efectivamente lhe é imputável a inviabilidade da manutenção do PERSI? Como, se estamos no âmbito da análise, não da eventual manifesta improcedência de qualquer pedido, mas do cumprimento de uma condição objectiva de procedibilidade da própria execução?
Por seu turno, a apelante entende que deu cumprimento ao disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, aduzindo, que:
A missiva de extinção do procedimento, do requerimento apresentado a 27.02.2023 e junta aos autos sob ref.ª 9469348, informa que a causa de extinção foi a “ FALTA DE COLABORAÇÃO”, fazendo referência expressa ao artigo 17.º do diploma aqui em causa que sempre estaria ao alcance da devedora consultar.
Ademais a Executada contactou a aqui Recorrente para obter informações nomeadamente quanto ao valor em dívida quanto ao contrato n.º (…) e n.º (…), créditos à habitação abrangidos pelo DL n.º 74-A/2017, de 23 de Junho para retoma dos mesmos.
Sabendo e fazendo uso do Decreto para retoma do contrato, o que fez, mantendo os mesmos em vigor nos exatos termos e condições iniciais.
Contudo, quanto à Livrança, apesar da solicitação clara e expressa da documentação para que a aqui Recorrente procedesse à avaliação económica verificou-se uma total indiferença manifestada pela Executada, consubstanciada pela total ausência de elementos que permitissem identificar alternativas ao procedimento executivo na tentativa de se ver ressarcido do seu crédito.
Sendo que o n.º 2 do artigo 17.º do diploma acima invocado na alínea d) dispõe:” (…) 2 - A instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que: (…) O cliente bancário não colabore com a instituição de crédito, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito ao abrigo do disposto no artigo 15.º, nos prazos que aí se estabelecem, bem como na resposta atempada às propostas que lhe sejam apresentadas, nos termos definidos no artigo anterior”.
Ora a entrega de documentos que foi solicitada pressupõe necessariamente a colaboração da devedora para o efeito, pelo que a remessa da carta onde se menciona que a extinção se deve a falta de colaboração, será adequada a ser compreendida pelo destinatário cuja diligência terá que aferida por aquele que se considera o homem normal.
Mais, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 6.º do CC, o desconhecimento da lei não pode ser aproveitado.
A expressão “falta de colaboração” é um termo imposto pelo legislador aplicável às situações decorrentes da falta de disponibilização de elementos num prazo fixado, e que permitam a avaliação económica.
Não podemos concordar com a posição assumida pela apelante.
Como se escreve no douto acórdão deste TRE, de 14.07.2021 (invocado na decisão recorrida), do qual a ora segunda Adjunta é relatora (proc. n.º 613/19.7T8MMN-A.E1, disponível em www.dgsi.pt):
Com efeito, o cliente bancário deve ter o direito de aferir da regularidade e legalidade de todo o procedimento, em particular quando é demandado judicialmente pela instituição (como sucedeu no presente caso). E, tratando-se da extinção do PERSI, só conhecendo os concretos motivos que levaram à decisão da instituição bancária se podem, efectivamente, defender, seja no plano factual, seja em sede de cabimento legal.
Neste conspecto, invocar, simplesmente, o artigo 17.º do DL 227/12 – como fez a apelante – é praticamente o mesmo que nada dizer, já que tal preceito cobre todas as situações de extinção do PERSI.
E invocar que o motivo da extinção do PERSI é “falta de colaboração, nomeadamente na prestação de informações ou na resposta atempada às propostas apresentadas pelo banco” é, em primeiro lugar, deixar o cliente na dúvida. Em primeiro lugar, porque fica sem saber se a sua falta de colaboração se prendeu com a prestação de informações ou com a resposta a propostas apresentadas, sendo certo que se trata de diferentes realidades; em segundo lugar, fica sem saber se a falta de colaboração se prende com omissões ou com atrasos. Sem saber exactamente quais foram as informações que deixou de prestar ou as respostas que deixou de apresentar e, no caso de as ter prestado/apresentado, o atraso com que o fez, o devedor fica, repetimos, sem poder contrariar tais factos e/ou discutir a sua subsunção jurídica.
Não é, aliás, difícil para a instituição bancária comunicar ao cliente esses concretos fundamentos de extinção, uma vez que é suposto existir um processo para cada cliente, com toda a informação relevante (artigo 20.º do DL 227/12)
.”
Acresce que não é suficiente repetir os dizeres que constam da lei, pois isso, nada concretiza em relação aos devedores destinatários da extinção do PERSI, pois previsão legal é em regra, geral e abstrata, cabendo à instituição bancária, em cada caso concreto, concretizar, completar e explicitar na comunicação da extinção do PERSI, o fundamento legal da extinção do mesmo, mas também a razão, o fundamento, o motivo, que na situação daqueles devedores implica, na ótica da instituição bancária, a extinção do PERSI.
Como se lê no acórdão do TRE, de 24.11.2022, em que foi relatora Maria Adelaide Domingos e em que foi segundo ajunto o aqui primeiro adjunto (processo n.º 824/22.8T8ENT.E1, acessível em www.dgsi.pt), também citado na decisão recorrida, “Se, por um lado, há uma aposta na prevenção do risco de incumprimento, por outro lado, ocorrendo o incumprimento, estabelece um procedimento de regularização do mesmo, que passa pela identificação das razões do incumprimento das obrigações e pela adoção de medidas/propostas viáveis e suscetíveis de reverter o incumprimento.
O que implica, por parte das entidades bancárias, todo um procedimento de avaliação da natureza pontual ou duradoura do incumprimento e da avaliação da capacidade financeira do cliente inadimplente.
(…)
Deste modo, a entidade que está em condições de explicar as razões para o insucesso do PERSI, é, sem dúvida, a entidade bancária, pelo que é sobre a mesma que recaí o ónus de, para além de invocar o fundamento legal da extinção do procedimento, também explicar as razões da falta de viabilidade do mesmo (n.º 3 do artigo 17.º).
Sendo que a falta da comunicação prevista no n.º 3 do artigo 17.º do PERSI nos termos sobreditos determina a ineficácia da comunicação da extinção do PERSI (n.º 4 do artigo 17.º)”.
Essa concretização é essencial, pois só dessa forma os devedores têm a possibilidade de se defender, quer no plano factual, quer no plano legal, caso a entidade bancária venha instaurar procedimento judicial contra os mesmos para cobrança do crédito incumprido (neste sentido o citado acórdão do TRE, de 14.07.2021).
Em face do exposto, entendemos que a apelante não deu cabal cumprimento ao disposto no artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, pelo que a douta decisão recorrida não merece censura e deve manter-se, improcedendo, desta forma, a apelação.
As custas serão suportadas pela apelante suma vez que ficou vencida (n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil).
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que integram a 1.ª secção cível deste Tribunal da Relação de Évora, em julgar improcedente a apelação, e, consequentemente, em manter a decisão recorrida.
Custas pela apelante (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
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Évora, 11 de janeiro de 2024
(o presente acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos seus signatários)
Maria José Cortes (Relatora)
Manuel Bargado (1.º Adjunto)
Graça Araújo (2.ª Adjunta)