Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1185/10.3TBABF.E1
Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
CADUCIDADE
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Sumário: O legislador consagrou prazos curtos de propositura de acções relativas às Assembleias de Condóminos, tendo por escopo a rápida estabilização das deliberações, visando prevenir a mais que provável perturbação que a indefinição sobre a eficácia das mesmas provocará, atingindo um universo alargado.
Decisão Texto Integral: Processo 1185/10.3TBABF.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Juízo Local Cível da Albufeira

*

I. Relatório
No então Tribunal Judicial da Comarca da Albufeira,
(…), casado, empresário, residente no Edifício (…), Fracção F, papelaria (…), em (…), Albufeira, instaurou em 20 de Maio de 2010 contra (…) e outros, na qualidade de proprietários das fracções autónomas que integram o referido prédio constituído em propriedade horizontal, acção declarativa constitutiva, à data a seguir a forma ordinária do processo comum, pedindo a final fosse declarada nula e sem efeito a convocatória para a Assembleia de 04 de Abril de 2009, bem como declaradas nulas ou anuláveis e ilegais todas as deliberações tomadas na supra referida Assembleia de Condóminos do Edifício (…), lotes 128/129/130, (…), Albufeira, por violação de Lei e do Regulamento da Propriedade Horizontal.
Requereu o autor a apensação aos presentes dos autos do procedimento cautelar de suspensão provisória das deliberações tomadas na referida assembleia que correra termos pelo 1.º juízo do mesmo Tribunal sob o n.º 915/09.0TBAABF.
Nos aludidos autos de providência cautelar, instaurados em 20/5/2009, foi proferida decisão em 26/4/2010, transitada, que deu parcial provimento à pretensão do requerente, suspendendo a deliberação tomada no dia 4/4/2009 pela assembleia de Condóminos, “no que respeita à eleição da empresa “(…) – Administração, Limpeza de Condomínios, Aluguer de Imóveis, Lda., como administradora do condomínio respectivo”.
*
Citados os RR, apresentou contestação em representação dos condóminos a administradora do condomínio sociedade (…) e (…), Administração de Condomínios e Gestão Imobiliária Unipessoal, Lda., peça na qual, para além do mais, se defendeu por excepção, invocando para o que ora releva a caducidade do direito de acção, por ter sido interposta pelo autor muito para além do prazo de 20 dias consagrado no art.º 1433.º, n.º 4, do CC.
O autor respondeu à matéria da excepção pugnando pela sua improcedência, alegando ter interposto providência cautelar de suspensão provisória das aludidas deliberações logo no dia 11 de Maio de 2009, o que impede a caducidade.
*
Dispensada a realização da audiência prévia, proferiu a Mm.ª juíza douto saneador sentença no qual julgou procedente a excepção peremptória da caducidade invocada, absolvendo os RR do pedido.
Inconformado, apelou o autor e, tendo desenvolvido nas alegações que apresentou as razões da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões:
“1.ª As deliberações da assembleia de condóminos contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado, vide art.º 1433.º, n.º 1, do CC;
2.ª Pode ser requerida a suspensão das deliberações nos termos da lei de processo, vide n.º 5 do art.º 1433.º do CC;
3.ª No caso “sub judice”, em relação às deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos de 04/04/2009 do Edifício (…), Lotes 128, 129 e 130, (…), Albufeira, em apenso aos autos foi intentado procedimento cautelar de suspensão de deliberações em 11/05/2009, tendo sido proferida decisão a julgar procedente a providência cautelar em 26/04/2010 e a acção principal intentada em 20/05/2010, aproveitando o decretamento da providência dentro dos 30 dias contados da data de notificação, vide art.º 389.º, n.º 1, al. a), do CPC;
4.ª Os procedimentos cautelares são medidas processuais urgentes que visam impedir que como preliminar de qualquer acção garantam o efeito útil, ou seja a eficácia efectiva do que se pretende da acção;
5.ª Em regra são dependência da acção principal; nesta medida, só vigoram enquanto não for proferida a sentença transitada em julgado na acção de que é dependência;
6.ª As providências cautelares têm como primordial função assegurar a eficácia do direito que se quer exercer através da acção e que, devido às naturais demoras, os direitos que se quer assegurar correm perigo;
7.ª A função do procedimento cautelar requerido ao tribunal é, através dele, pôr em evidência a probabilidade séria da existência do direito que se pretende exercer e que o mesmo corre perigo em função da demora;
8.ª De tal modo estes procedimentos são importantes que desde 1997 os mesmos assumiram dimensão constitucional, enquanto meios processuais garantidores da efectivação dos direitos.
9.ª O art.º 398.º do CPC refere que se extinguem os efeitos do procedimento cautelar se, quando decretada a providência caduca, o requerente não propuser a acção da qual a providência depende dentro de 30 dias da data em que lhe tiver sido notificada da decisão que a tenha ordenado;
10.ª Ou seja, sendo intentada a acção, que é o caso “sub judice", da qual a providência depende, dentro dos 30 dias contados da data em que lhe tiver sido notificada a decisão (no caso “ sub judice” decisão de 26/04/2010, aproveitando os efeitos, acção intentada em 20/05/2010), deste modo os efeitos do procedimento cautelar retroagem à data da interposição do procedimento, ou seja, em 11/05/2009, a Assembleia impugnada é de 04/04/2009, tendo o A. sido notificado da dita acta muito posteriormente por não ter estado presente. Note-se que as partes são as mesmas e as causas de pedir entre o procedimento cautelar e a acção.
11.ª É de notar ainda que na reforma de 2013 o legislador processual, no seguimento do acima explanado e prosseguindo a "ratio legis", operou a inversão do contencioso nos procedimentos cautelares, dispensando o requerente em certos casos da dispensa do ónus de propositura da acção principal, vide art.º 369.º, 376.º e 382.º do NCPC, de modo a que a decisão cautelar se possa consolidar como definitiva.
Tendo embora omitido a indicação concreta das disposições legais que, em seu entender, se mostram incorrectamente interpretadas e/ou aplicadas pela decisão recorrida, concluiu o apelante pela sua revogação e substituição por outra que determine o prosseguimento dos autos.
Contra alegou o condomínio réu, pugnando naturalmente pela manutenção do julgado.
*
Assente que pelo teor das conclusões se fixa e delimita o objecto do recurso, constitui única questão submetida à apreciação deste Tribunal determinar se caducou ou não o direito do autor instaurar acção de anulação das deliberações tomadas na Assembleia de condóminos que teve lugar no dia 04 de Abril de 2009.
*
II. Fundamentação
Importam à decisão os factos relatados em I., impondo-se reter que:
- o autor não esteve presente na referida Assembleia de Condóminos que teve lugar no dia 4/4/2009, tendo sido notificado do teor da respectiva acta em 30/4/2009;
- instaurou providência cautelar de suspensão provisória das deliberações tomadas na mesma Assembleia em 20/5/2009, aqui tendo sido proferida decisão em 26/4/2010;
- a presente acção deu entrada em juízo no dia 20/5/2010.
A Mm.ª juíza “a quo” considerou, face a tais dados de facto, que não tendo sido observado o prazo de propositura da acção consagrado no n.º 4 do art.º 1433.º do CC, correctamente qualificado como de caducidade, qualificação que o apelante não discute, encontrava-se extinto o direito deste interpor a acção de anulação das deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos que teve lugar no referido dia 4 de Abril de 2009. O recorrente, por seu turno, apelando ao disposto no art.º 398.º do CPC em vigor à data em que foi decretada a providência, contrapõe que instaurou a acção tempestivamente, por ter observado o prazo de 30 dias ali previsto, tendo-se a acção por instaurada na data da propositura do procedimento cautelar, isto se bem interpretamos a referência à retroacção dos seus efeitos. Seja como for, a posição do autor vai claramente no sentido de considerar que a propositura da providência cautelar, quando respeitado o prazo de 30 dias previsto no aludido preceito, obsta à caducidade do direito de interpor a acção.
Não tem, porém, razão, o que se antecipa.
Nos termos do art.º 1433.º do CC qualquer condómino, confrontado com deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados pode, para o que aqui releva, requerer a sua anulação, instaurando acção para o efeito no prazo de 60 dias contados da data da deliberação, sem embargo de também poder requerer “a suspensão das deliberações nos termos da lei do processo” (cf. n.ºs 4 e 5).
O procedimento cautelar nominado de suspensão de deliberações sociais vinha previsto à data nos art.ºs 396.º e 397.º, sendo o seu regime aplicável às deliberações das assembleias de condóminos por força do art.º 398.º.
Então, tal como agora (cf. art.ºs 380.º a 383.º do CPC em vigor) previa-se a suspensão da execução de quaisquer deliberações da assembleia de condóminos de prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal com o fim de impedir o prejuízo ou o dano causado pela efectivação da medida decidida na deliberação impugnada. No entanto, tal como a Mm.ª juíza bem esclareceu, a possibilidade conferida ao condómino de requerer a suspensão da execução da deliberação tida por ilegal -meio de que podia ou não lançar mão- em nada contendia (e não contende ainda) com o prazo estabelecido na lei para a propositura da acção.
No contexto em que nos movemos é essencial distinguir entre o prazo de caducidade do direito de interpor a acção de anulação e o prazo de extinção do procedimento cautelar ou da providência decretada, tratando-se de prazos autónomos e independentes, cada um com o seu âmbito de aplicação. Assim, se a acção de anulação foi instaurada mais de 60 dias sobre a data da deliberação, caducou o direito de acção; se a providência cautelar tiver sido decretada, vindo a acção a ser proposta mais de 30 dias depois da data da notificação ao requerente, caduca a providência (cf. art.º 389.º, n.º 1, al. a) do CPC em vigor à data, 373.º, al. a) do CPC vigente, que faz contar o prazo do trânsito da decisão).
No mesmo sentido, ainda que a propósito das deliberações sociais, em termos transponíveis para a situação dos autos, o professor Lobo Xavier faz notar que “(…) a providência de suspensão das deliberações sociais de modo algum interfere com o prazo para a acção anulatória dos mesmos”[1]. Deste modo, o prazo de propositura da acção principal não se suspende ou interrompe com a instauração da acção cautelar de suspensão e no decurso do procedimento da acção cautelar de suspensão há também o decurso normal do prazo para a propositura da ação principal, tanto mais que “Nenhum motivo razoável se descortina para que o legislador tenha querido que o prazo de proposição da acção anulatória fosse aqui mais amplo do que nos casos em que não se requereu a suspensão, ou em que, apesar de requerida, esta não foi decretada.”[2].
O referido entendimento, acolhido na decisão recorrida e que sufragamos, foi defendido nos acórdãos do TRL de 19/2/2013, no processo 43/12.2TYLSB.L1-7, de que se destacam os seguintes pontos do sumário: “1. O prazo de caducidade, fixado no artigo 59.º, n.º 2, do CSC, para o exercício do direito potestativo de arguir a anulabilidade de deliberações sociais é de natureza substantiva, só sendo impedido pela proposição da acção de anulação, nos termos do artigo 331.º, n.º 1, do CC; 2. Assim, a instauração de procedimento cautelar preliminar para suspensão de tais deliberações sociais não tem efeito impeditivo antecipatório daquele prazo”; do TRP de 18/10/2005, processo n.º 0524881, no qual a Mm.ª Juíza igualmente se estribou, aí se afirmando de forma lapidar que “A pendência do procedimento cautelar de suspensão da deliberação não impede o decurso do prazo de caducidade de propositura da acção de anulação respectiva”; do TRC de 190/9/2013, processo 776/10.7TJCBR.C1, também citado na decisão recorrida, com recenseamento de doutrina e jurisprudência, e aresto do STJ de 28/3/2000, Revista n.º 71/00, assim sumariado “I - O pedido de suspensão de deliberação social visa evitar o dano resultante da deliberação e o pedido de anulação visa apenas a sua legalidade. II - A providência não é uma mera antecipação provisória da sentença de anulação. III - O prazo para a propositura da acção de anulação é de 30 dias, que é um prazo de caducidade que não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine. IV - Aqui apenas se interrompia pela propositura da acção de anulação. V - Tendo decorrido mais de 30 dias sobre a assembleia em que a deliberação foi tomada, caducou o direito de impugnar a sua validade” (estando os primeiros acessíveis em www.dgsi.pt e este último em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2000.pdf).
O legislador consagrou curtos prazos de propositura das acções em causa tendo por escopo a rápida estabilização das deliberações, visando prevenir a mais que provável perturbação que a indefinição sobre a eficácia das mesmas provocará, atingindo um universo alargado. Tal desiderato não se compadece com o aguardar o decretamento da providência que, conforme ocorreu no caso vertente, em virtude de vicissitudes várias pode demorar vários meses. Por assim ser, e tal como a Mm.ª juíza certeiramente fez constar da decisão recorrida, o facto de o Autor ter instaurado em 11.5.2009 o procedimento cautelar de suspensão de deliberações da assembleia de condóminos à luz do que prevê e permite o n.º 5 do art.º 1433.º do Código Civil, conjugado com o art.º 398.º do Código de Processo Civil (na redacção anterior à Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho), em nada interferia com a obrigação que sobre si impendia de, no prazo substantivamente previsto de 60 dias, instaurar a acção principal e definitiva de impugnação das deliberações dessa Assembleia de Condóminos à luz do artigo 1433.º, n.º 1 e 4, do Código Civil, sob pena de caducidade desse direito.
Estando o aludido prazo a correr e tendo o autor aguardado pelo desfecho da providência para instaurar a presente acção, que deu entrada em juízo mais de um ano sobre a data da deliberação que visa impugnar, já há muito se encontrava extinto o seu direito por efeito da caducidade (em bom rigor, à data em que foi decretada a suspensão de uma das deliberações, já se tinha extinto, por caducidade, o direito que com a providência se visou acautelar, o que é causa de extinção da mesma – cf. art.º 389.º, n.º 1, al. e), do CPC cessante, art.º 373.º, al. e), do diploma agora em vigor).
Uma nota final para refutar o argumento que o apelante pretende extrair do novel artigo 382.º do CPC, quando dispõe que “Se tiver sido decretada a inversão do contencioso, o prazo para a propositura da acção a que alude o n.º 1 do art.º 371.º só se inicia com a notificação da decisão judicial que haja suspendido a deliberação (vide a al. a)”, regime que, ressalvado o respeito por opinião diversa, na verdade depõe contra a posição que defende.
Como se sabe, o regime de inversão do contencioso é aplicável, entre outras providências nominadas, à suspensão das deliberações sociais (cfr. n.º 4 do art.º 376.º). Um dos efeitos do pedido de inversão do contencioso é a interrupção do prazo “se o direito acautelado estiver sujeito a caducidade (…), reiniciando-se a contagem do prazo a partir do trânsito em julgado da decisão que negue o pedido” (cfr. art.º 369.º, n.º 3).
O prazo da propositura da acção é, já se disse, um prazo de natureza substantiva, sujeito ao regime da caducidade e, como tal, insusceptível de suspensão ou interrupção, salvo nos casos em que a lei o determine (cfr. art.º 328.º do CC). Tal é agora o caso prevenido no citado n.º 3 do art.º 369.º – este sim destinado ao requerente da providência, ao invés do que ocorre com o convocado art.º 382.º –, havendo portanto lei que consagra de forma expressa a interrupção do prazo de caducidade em curso no caso de ser pedida a inversão do contencioso. E compreende-se que a contagem se reinicie com a decisão que negue o pedido, uma vez que o requerente terá forçosamente, ainda que obtenha o decretamento da providência, de instaurar a acção principal (sob pena de caducidade da providência).
No caso dos autos, inexistindo norma que determinasse a suspensão ou interrupção do prazo em curso operou a extinção por caducidade do direito do autor a instaurar a acção anulatória, sanando-se eventuais vícios de que padecessem as deliberações tomadas pela Assembleia de Condóminos que teve lugar em 4 de Abril de 2009.
Improcedem assim todos os argumentos do recurso, impondo-se manter a douta decisão recorrida.
Em suma:
A possibilidade legal do condómino requerer a suspensão provisória da deliberação viciada prevista no n.º 5 do art.º 1433.º do CC não afasta o prazo de caducidade estatuído no número anterior da mesma disposição legal, não se tratando de meios alternativos.
Interposta acção de anulação de deliberação tomada em assembleia de condóminos de prédio constituído em propriedade horizontal decorridos mais de 60 dias sobre a data da deliberação impõe-se declarar extinto por caducidade (invocada que foi pela parte contrária) o direito do autor.
E assim ocorre ainda que tenha sido observado o prazo de 30 dias a que aludia o art.º 389.º, n.º 1, al. a), do CPC cessante (art.º 373.º, n.º 1, al. a), do CPC vigente), por ser este o prazo de caducidade da providência, absolutamente independente e que em nada contende com a regra de direito substantivo que fixa, sob pena de caducidade, o prazo para a propositura da acção anulatória, no caso a parte final do n.º 4 do art.º 1433.º do CC.
*
III. Decisão
Em face a todo o exposto, julgo improcedente o recurso, confirmando nos seus precisos termos a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.
*
Évora, 28 de Junho de 2018
Maria Domingas Alves Simões

__________________________________________________
[1] In Anulação de Deliberação Social e Deliberações Conexas, Almedina, 1999, pág. 94.
[2] Obra e loc. citadas.