Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1056/20.5T8STR.E1
Relator: MARIA AMÉLIA AMEIXOEIRA
Descritores: ACÇÃO CÍVEL
INCÊNDIO
MEIOS DE PROVA
RESPONSABILIDADE CIVIL
FACTO ILÍCITO
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I-Uma vez impugnada a decisão de facto relativa às causas da ocorrência de um incêndio em terreno rural com árvores e onde, em determinado local, passava uma linha eléctrica de alta tensão, na existência de versões opostas e contraditórias, deve ser dado particular relevo à inspecção ao local, extensamente documentada na sentença recorrida, na conjugação ponderada com os demais elementos de prova testemunhal e documental, tanto mais que em 2ª Instância não é possível substituir o juiz de 1ª instância nessa apreciação.
II-Provando-se que o incêndio se iniciou por causas não concretamente determinadas, a cerca de 100 m a norte da linha de alta tensão (LAT) junto a uma zona de canavial, progredindo em direcção a sul, conclui-se que a Ré EDP não teve qualquer acção ou omissão que desse causa ao incêndio em causa.
III-A falta de prova do facto gerador da responsabilidade, afasta a responsabilidade civil por facto ilícito, sendo que a ausência de prova de que o incêndio em causa teve origem na rede eléctrica, afasta a hipotética aplicação do art.493º, do CC, conjugado com o 28º do Decreto Regulamentar 1/92, de 18 de Fevereiro.

(Sumário elaborado pela relatora)

Decisão Texto Integral:

Processo: 1056/20.5T8STR.E1

Tribunal Judicial da Comarca ...

Juízo Central Cível ... - Juiz ...

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

1 – RELATÓRIO
1.1.Partes:
Autora: Sociedade A..., Lda., pessoa colectiva nº ...46, com sede em ..., ... ..., ...;
Ré: EDP Distribuição – Energia. S.A. pessoa colectiva nº 504394029, com sede na Rua Camilo Castelo Branco nº 43, 1050-121 Lisboa;
Interveniente Principal do lado passivo: Fidelidade – Companhia de Seguros S.A., pessoa colectiva nº 500018880.
A Autora intentou ação declarativa com processo comum, contra EDP Distribuição – Energia S.A. e Companhia de Seguros, tendo formulado o pedido de “Condenação da Ré no pagamento à Autora da quantia de 299.561,89€ (duzentos e noventa e nove mil quinhentos e sessenta e um euros e oitenta e nove cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos por danos decorrentes de incêndio provocados por cabos electricos.

O Tribunal a Quo definiu como questões fundamentais a dar resolução no presente processo:

- responsabilidade pelo incêndio ocorrido no dia 4 de Agosto de 2018;
- prejuízos causados pelo mesmo
E, se for caso disso:
- cláusulas de exclusão do contrato de seguro
*
Tendo sido realizada audiência de discussão e julgamento, foi decidido pelo Tribunal a quo julgar a acção improcedente por não provada, absolvendo a Ré EDP-Distribuição Energia S.A., de todos os pedidos deduzidos pela Autora Sociedade A... Lda.
*
A interveniente principal FIDELIDADE veio interpor recurso com fundamento em que, foi proferida sentença que nem na fundamentação, nem na decisão final procedeu respetivamente a análise e subsequente pronúncia quanto à absolvição da interveniente principal Fidelidade, ora recorrente, dos pedidos que haviam sido formulados pela A. recorrida.

Considerou que a douta sentença enferma da nulidade prevista no artigo 615º/1 d) do CPC e ou no limite das nulidades previstas no mesmo normativo nas alíneas b) e c), quando nem na fundamentação conheceu da inexistência de responsabilidade indemnizatória da interveniente Fidelidade, e nem no segmento decisório final emitiu correspondente decisão absolutória desta.

-O Tribunal recorrido apreciou a invocada nulidade, decidindo nos termos conjugados dos arts.615º, al.d), 617º, nºs 1 e 2 e 641º, nº1, do CPC, proceder ao suprimento da nulidade, defendendo assistir razão à interveniente, pelo que a decisão final passou a ser a seguinte:

Face ao exposto e nos termos das disposições legais supra referidas, considera-se a acção totalmente improcedente e não provada e, em consequência, absolve-se a Ré EDP Distribuição Energia, S. A, e a interveniente principal Fidelidade Companhia de Seguros, S.A., de todos os pedidos deduzidos pela Autora Sociedade A..., Ldª.

Custas pela Autora.

*

A Autora, inconformada com o teor da sentença, veio interpor recurso, concluindo da forma seguinte:

1-Em causa está o ponto de inicio do incêndio e/ou ponto de ignição, ou seja, circunstâncias em que ocorreu um incêndio em 04 de Agosto de 2018 e nomeadamente, condições atmosféricas, modo e ponto de ignição.

2- 2. Quanto á matéria de facto dado como provada: “o incendio se iniciou por causas não concretamente determinadas, a cerca de 100m a norte da linha de alta tensão (LAT) junto a uma zona de canavial, progredindo em direcção a sul, bem assim que, na altura em que deflagrou o incendio o vento era predominantemente de noroeste, no entendimento do recorrente, não existe qualquer prova nos autos que permita concluir quer que o vento tinha predominância noroeste, quer que o mesmo teve origem no canavial.

3. Quanto à direcção do vento, factor determinante na compreensão das condições e progressão do incêndio, resulta claro, da prova produzida que a direcção do vento, no dia

4 de agosto de 2018 era predominante no sentido norte sul, conforme certidões emitidas

pelo IPMA, não contabilizando, o gráfico das condições atmosféricas apresentado, junto

ao relatório pericial (doc. 1 da petição inicial, imagem 8) apresentado pela ora recorrente,

demonstra que “ a direcção do vento foi predominantemente e de forma aproximada no sentido de norte para sul. “

4. Quanto ao ponto de inicio e circunstâncias em que ocorreu, houve erro de julgamento

traduzido numa má apreciação da prova, pois, conforme Relatório da GNR ,verificamos que os agentes que procederam ás averiguações no local e o inspecionaram, imediatamente a seguir declaram que o incêndio, decorreu “ devido ao contacto dos pinheiros de grande envergadura /cerca de 15 a 20 metros) existentes por debaixo das linhas elétricas e devido à acção do vento os mesmo entraram em contacto com os cabos elétricos provocando a energia necessária para a ignição do referido incêndio. “

5. Para alem de investigarem e inspecionarem o local, retirando o diâmetro dos pinheiros que haviam sido cortados, tiraram as fotos, juntas como doc. 4 na petição inicial, verificando- se, não só, as copas dos pinheiros queimados como o seu alinhamento por cima das linhas aéreas, bem assim, os pinheiros cortados debaixo das referidas linhas e, ainda, a diferença de cor nas mesmas linhas, sendo a GNR/SEPNA a entidade pública com legitimidade para averiguar este tipo de situações.

6. No mesmo sentido surge o Relatório dos Bombeiros, junto aos autos em 10.05.2022 com referencia também ao dia 24.05.2022, com as referencias ...99 e ...48, reproduz o seguinte: “Chegada ao local, reconhecimento e identifica “o ponto de origem junto a cabos de electricidade de média tensão, cujas copas dos pinheiros bravos estavam em contacto com as mesmas.

7. Por outro lado, do Relatório realizado pela Riser em outubro de 2018 , para além de mostrar fotograficamente (fotos 15, 16, 17, 36) que os condutores da linha aérea se encontram localizados por cima das copas dos pinheiros e/ou sobre o local do sinistro e concluir que o incendio teve a sua origem num dos pontos situados na linha de fronteira que separa a área queimada da área não queimada, assinalada com uma linha amarela na imagem 7 do dito relatório e progrediu no sentido aproximadamente de norte para sul, tendo em conta as condições atmosféricas, o clima, o vento e respectiva direcção , concluindo, assim, que a energia de activação que deu origem ao incendio foi fornecida pela linha aérea LA6574, donde a origem do incendio, a fonte de ignição está na descarga elétrica das linhas aéreas para a terra devido ao contacto com as copas dos pinheiros:

8. Para o efeito, verificou, também que o alinhamento dos pinheiros cortados debaixo da

linha (no dia seguinte pela EDP) e ardidos estão no mesmo alinhamento debaixo das linhas aéreas, ou seja, as linhas referentes à direcção dos condutores das linhas aéreas e a

disposição alinhada dos cepos ardidos se encontram próximos,

9. O relatório da UON, realizado em fevereiro de 2022, a pedido duma das Rés, elaborado cerca de 3 anos após o decurso do incendio e com vestígios nada concludentes, atento o tempo decorrido e o corte das árvores , conclui que “(… ) indicamos que o incendio , pelas leituras efectuadas no local da ocorrência e tendo em consideração a direcção do vento na tarde, em que o mesmo eclodiu, ter-se-á iniciado junto a um canavial, possivelmente em pneu carbonizado que aí se encontrava á data da ocorrência, tendo o mesmo sido registado fotograficamente pelo segurado nos dias seguintes á ocorrência.”

10. Partindo da premissa errada que o vento soprava de noroeste, bem assim, do facto de dias após o incêndio haverem fotografado a existência dum pneu carbonizado, o qual jamais poderia haver dado origem ao incêndio, não só, pelo vegetação verde (e até seca, pois o que está seco, não ardeu) que o circunda, como pelo facto de não se saber sua localização, nem ninguém ter visto alguém com o mesmo na mão, além de que, com vento norte, nunca o incêndio se propagaria do lado do riacho e canavial para o lado dos pinheiros e linhas elétricas.

11. Além de que, referem “a zona identificada como mais provável para o inicio do incendio, zona do canavial, foi referida a partir do momento em que existiram testemunhos locais que terão presenciado o seu começo” ponto 16, o que não foi provado e não corresponde à verdade (ninguém falou em viatura parada e saírem dois indivíduos tendo momentos depois saindo 2 indivíduos).

12. Assim, dos factos relatados e da prova produzida, não permite ao tribunal formar a sua convicção de que o incendio se iniciou junto a um canavial, iniciando-se por causas não concretamente determinadas.

13. O tribunal valorou de forma imprudente as declarações prestadas pelas testemunhas,

sendo que nenhuma testemunha das Rés confirmou o facto dado como provado, não só por não haver presenciado os factos, como pela circunstancia de o Relatório, tendo por base testemunhos ou depoimento de testemunhas da Ré não credíveis, haver partido dum pressuposto ou premissa errada.

14. Importando, assim, analisar a prova carreada e produzida para os autos para entender que o Tribunal jamais podia dar como provado aquele facto.

15. Assim, verificamos que a Ré/Rés constrói toda uma história baseada no “ouvir dizer”, no facto de alegar haver testemunhas locais que presenciaram uma viatura parada na curva, na estrada de terra batida, saíram dois indivíduos e posteriormente deflagrou o incendio, facto que alegam ter sido testemunhado por um morador local que os abordou e lhes transmitiu esse facto, mas que não identificam, nem, tão pouco, voltaram a abordar pese embora as deslocações feitas ao local.

16. Sendo, em consequência toda a análise ou investigação destinada a apurar a ponto de

ignição desenvolvida a partir dos dados erradamente fornecidos, partindo como pontos de referencia quer o canavial, quer o pneu ardido e, isto, porque lhes disseram.

17. Concluindo-se, pois, que não oferece qualquer credibilidade o depoimento das testemunhas da Ré, com base nos quais foi feita toda a análise quanto ao ponto de ignição do incendio, sendo a partir daí desenvolvida toda uma teoria (falsa) favorável às Rés, sustentando a sua suposta averiguação e conclusão em alegadas, por inexistentes, declarações de terceiro e na existência dum pneu carbonizado, cuja localização não foi identificada e consequente Relatório elaborado três anos após o decorrer do incêndio.

18. Daí que, o incêndio, apenas pode ter resultado da descarga elétrica das linhas sob as copas dos pinheiros, para a terra, contrariamente ao que o tribunal a quo deu como provado, facto que é corroborado, também, pela circunstância de, no dia seguinte de madrugada, haverem sido dado ordens aos funcionários da EDP para efectuarem o corte dos pinheiros quer debaixo das linhas aéreas que fora da faixa, pois:

- Se os pinheiros não representassem perigo de interação com a LAT, menos se justificaria

o corte das árvores.

- Os depoimentos prestados não merecem qualquer credibilidade, pois não é verosímil que, por um lado, as copas dos pinheiros não batessem nas linhas condutoras, seriam mais

baixas, mas como tinham ficado frágeis por causa do incendio, por ação do vento, pudessem cair sobre as linhas.

- Pois, se não ofereciam, no dizer das Rés, perigo de interacção com as linhas condutoras

antes do incêndio, não seria depois do incendio que poderia apresentar perigo e cair sobre

as linhas, bem assim, não sendo credível que os pinheiros fora da faixa de proteção fossem

mais altos que aqueles que estavam debaixo da linha.

-Por outro lado, não é credível que procedessem ao corte das árvores, não havendo perigo de interacção com as linhas condutoras, para proteção das pessoas, na medida em que tal não é da competência da E-Redes.

19. Acresce que o incêndio jamais se poderia ter o seu inicio ou ponto de ignição junto a um canavial, tendo em consideração a direção do vento, ou o depoimento de particulares e/ou a existência dum pneu carbonizado que aí se encontrava à data da ocorrência, tendo o mesmo sido registado fotograficamente pelo Segurado nos dias posteriores à ocorrência,

como resulta do facto provado e ora impugnado e como alegam as rés, na medida em que:

- Como demonstrado a direcção do vento era norte-sul.

- Do canavial não resultam quaisquer indícios, pois o que não está verde, está seco ou não

ardido e,

- Se tivesse ardido aquela área tudo teria desaparecido, até canas como se papel se tratasse, ou seja, se o fogo tivesse origem no canavial tinha desaparecido tudo e onde existe vegetação seca não há fogo.

20. Ainda que algumas plantas que formam o canavial mostrassem e não mostram sinais de terem sido queimadas, essa foto 3 constante da sentença, também mostra que do lado

direito do canavial existe uma área de terreno sem vegetação, o que torna impossível a propagação do incendio, o que prova que não foi este hipotético foco de incendio que atingiu a zona dos pinheiros e a parte sul.

21. Ainda que, junto ao canavial existissem árvores queimadas, as fotos apresentadas não

mostram evidencias de propagação do incendio a partir desse ponto, não existem árvores

queimadas por baixo, nem por cima, pois o que a foto mostra não são árvores, mas vegetação arbustiva (canas) naturalmente secas.

22. Se atentarmos na foto nº 17 do relatório da Riser mostra-se que o tronco e a copa dos

pinheiros situados do lado esquerdo da foto se apresentam verdes, sem alteração da sua condição natural, enquanto o tronco e a copa dos pinheiros situados do lado direito da foto mostra a copa do pinheiro queimada do lado da linha aérea.

23. Acresce que, se por mera hipótese o incendio tivesse origem no canavial, teria percorrido o mesmo de cima abaixo (incêndio seguia paralelo à linha de água), o que não aconteceu, ou seja, considerando como ponto de inicio o canavial e o vento norte (facto provado) o fogo jamais se propagaria até ás linhas aéreas, tal aconteceu: do canavial só se poderia propagar para a zona dos pinheiros se o vento estivesse oeste.

24. Nesse sentido cite-se a propósito a seguinte prova produzida: AA testemunha da Ré Seguradora, em suporte digital ...75-...99

Mandatária da A (56:00) Imaginando que o incêndio teria começado na zona do canavial

no ponto assinalado a amarelo, imagine que o vento estava norte –sul nesse dia, a direção

do vento seria essa, eu pergunto-lhe, no pressuposto ser essa a direcção do vento e tivesse

começado no canavial, em que sentido se propagaria o incêndio?

Testemunha (56:17) Na zona onde estaria o inicio era sempre ao longo do canavial.

Mandatária da A Junto à linha de agua?

Testemunha (56:32) Junto à linha de água e como eu disse se fosse de norte para sul e

preferencialmente também na margem esquerda porque está muito mais alta.

Mandatária do A (56:46) se o vento estivesse norte sul seguia a linha correcto?

Testemunha Correcto , sim

Mandatária da A (56:58) se o vento tivesse norte sul, vamos imaginar se se tivesse iniciado no canavial, acha que havia possibilidade de se transpor para o lado de lá… aqui está o canavial, correcto e eu digo que vamos imaginar que o vento corre norte sul, a pergunta que eu faço é esta, está aqui um canavial, está aqui uma zona que parece um descampado, se o vento estivesse norte sul, o incendio passaria para o lado de lá junto das linhas aéreas?

Testemunha (58:34) Seria difícil……

25. Analisando criticamente e rigorosamente as provas impunha-se decisão diversa, dando como provado o facto de o incêndio se haver iniciado nos pinheiros que ficaram por debaixo das linhas aéreas cujas copas chegavam à altura das linhas condutoras.

26. Impugna também a Autora os pontos 2.1.23 e 2.1.24, pois, o facto de ter havido inspecção termográfica, não significa que a LAT não possa ter sido a fonte de ignição, uma vez que a análise termográfica destina-se a detetar “pontos quentes” que se possam formar nos pontos de ligação dos condutores, sendo fortemente influenciada por condições do ambiente que podem de várias maneiras influenciarem os resultados dessa inspecção e que sendo muito variáveis podem ocultar pequenas diferenças térmicas que poderiam ser indicativas de defeito.

27. Pelo que, para além de não proceder aquele fundamento indicado, o facto de não haver

sido detectada qualquer anomalia ou não haver registos de qualquer anomalia, não é facto

impeditivo de a LAT haver sido a fonte de ignição que provocou o incendio: ela não teria de ficar necessariamente danificada e, portanto, a ausência de qualquer elemento danificado não se opõe á possibilidade de a linha haver provocado o incêndio.

28. A ausência de qualquer elemento danificado e a ausência da necessidade e reparação da linha não se opõem à possibilidade de a linha haver provocado o incêndio e/ou que a

energia elétrica transportada pela linha se transmita para as árvores, não correspondendo

à realidade a argumentação de que quando os pinheiros tocam nos cabos elétricos, estes

possam ficar afectados ou que o cabo cai no chão e deixa rasto enquanto não é feito o disparo.

29. E, o facto de não haver registos de anomalias naquela linha, dúvidas não há de que as

faixas de gestão do combustível e de protecção não estavam devidamente implementadas

junto às linhas condutoras.

30. As linhas de média tensão estavam desprovidas de faixa de protecção e onde não tinha sido efectuada a gestão do combustível: as faixas de gestão de combustíveis e de protecção não estavam devidamente implementadas. Aliás, nas palavras do Dr. BB “o facto de aparentemente não haver nenhum tipo de reacção quando um ou dois (a fim de gerar uma diferença de potencial) cabos de alta tensão encostam em uma árvore na rua, NÃO PODE SER INTERPRETADO COMO EVIDÊNCIA DE QUE A CONDUÇÃO ELECTRICA DO FATO NÃO ESTEJA ACONTECENDO ALI.”

31. Por outro lado, importa salientar que na data e local em que o incendio deflagrou a distancia mais desfavorável, no dizer da ré, no vão da LAAT, em causa era de 1, 46m, ou

seja, uma distancia, tendo em conta o tipo de árvore, não implicava uma intervenção de imediato, quando nos termos do Decreto Regulamentar 1/92 seria a distância mínima seria de 2,50m.

32. Donde, devia a douta sentença considerar não provado o ponto 2.1.14 considerando que o incendio iniciou-se junto a um canavial, por tal não poder resultar da prova produzida

33. Considerou o tribunal como NÃO PROVADOS os seguintes factos: Da sentença resultaram não provados os seguintes factos:

“2.2.1. O incêndio foi provocado em virtude de por baixo da linha de alta tensão existirem

pinheiros de brande envergadura, cujas haste e troncos, por via da ação do vento, entraram em contacto com os cabos eléctricos provocando a energia necessária para a ignição do incêndio.

2.2.2. Os danos nas árvores mostram que os seus troncos foram percorridos verticalmente

por uma corrente eléctrica que libertou uma quantidade de calor suficiente para provocar

a pirólise dos pinheiros.”

34. Conforme resulta do anteriormente exposto, estes factos, deveriam ter sido considerados provados, pretendendo-se que seja modificada a decisão da matéria de facto, pois:

- A testemunha CC, testemunha presencial e isenta, identificou como ponto de inicio ou de ignição as linhas aéreas por cima dos pinheiros, relatando, ainda, o seguinte:

Testemunha (28:38) O fogo devia ter começado aqui assim e depois caminhou assim e assim…. Aqui para cima não ardeu nada, ardeu mas foi depois do reacendimento, sempre a caminho do sul e depois reacendeu-se aqui caminhou para o canavial.

Mandatária do A (30.01) Aqui para cima (lado do canavial) não ardeu nada?

Testemunha – Ardeu mas foi depois do reacendimento. (….) sempre a caminho do sul e depois reacendeu-se aqui caminhou para o canavial.

Testemunha (32:44) Há aqui um canavial, os bombeiros tiveram que entrar ali dentro para travar o fogo no canavial que ia a caminhar para a povoação …..

Juiz (35:43) Quando começou aqui, deste lado não estava nada ardido?

Testemunha: Não, não, isto aqui ficou tudo intacto até ele reacender e ainda

Mandatária do A (14:11) Á data do incêndio que árvores existiam nessa zona?

Testemunha: Havia ali pinheiros, sobreiros, mato muito alto e tenho outra coisa para dizer é que cerca de 2 a 3 anos antes tinha lá ido uma secção da EDP à procura de quem eram os donos daqueles terrenos…….. (15:09)

Eles iam lá porque já os pinheiros estavam a chegar aos fios. Nunca mais lá apareceu ninguém e nunca ninguém mais se incomodou com os pinheiros a chegar aos fios. Como se costuma dizer em bom português “casas roubadas, trancas à porta”, só depois daquilo arder é que lá apareceram empregados da EDP e tiveram até no dia do incêndio a conversar comigo e eu disse : OH pá vocês já deviam ter cortado isto, agora é que vocês vêm aqui ter!

35. Tanto assim, que conforme consta da sentença, “pelo menos desde 2015, os terrenos que manutenção e limpeza”, as quais se impunham.

36. Estando o vento na direcção norte sul, jamais um incêndio iniciado junto a um canavial do lado oeste, se transpunha para o lado das linhas aéreas ficando ardida toda a área constante dos documentos junto aos autos, 5, 8, e 13 da contestação.

37. Ademais, se as arvores não configurassem um perigo sério, e se estavam abaixo das linhas aéreas, com alegado pelas Rés, qual a justificação para o respectivo corte na madrugada do dia seguinte? Jamais árvores secas e mais baixas que as linhas podiam cair para cima das linhas, tal seria completamente inviável.

38. Como referido toda a tese sustentada pelas rés foi assente numa base errada e construída com base na indicação da zona do canavial, com base no facto de terem ouvido dizer….

Facto que, conforme se provou é falso e, bem assim, sustentada com base em analise de

factos decorridos há cerca de 3 anos do incêndio.

39. Aliás, se há uma ou mais testemunhas presenciais que observaram o local de inicio do incêndio, tendo também sido constatado o corte dos pinheiros de baixo das linhas condutoras e, não se tendo verificado a existência ou prova de qualquer outra causa possível para a verificação do incêndio, é de presumir, com grau de probabilidade suficiente que foram as linhas elétricas que desencadearam o incendio.

40. Sendo a credibilidade de tal presunção reforçada pelo Relatório e depoimento da GNR e Relatório dos Bombeiros, uma vez ter sido apontado o circunstancialismo referido como causa do incêndio.

41. Além de que, nas fotos retiradas algum tempo após o incêndio verifica-se que os danos nas árvores foram percorridos verticalmente, tendo ficado totalmente destruídos, sendo que, no ponto de ignição as árvores apresentam-se queimados por baixo e mais a sul já se

apresentam totalmente queimadas o que permite aferir qual o percurso do incendio.

42. Se verificarmos as fotos e o documento junto pela Ré E-redes em 02.05.2022, com a

referencia ...84, na qual foram juntas 3 fotografias e informação do sistema SCADA

para a LAT ...- ..., verificamos o seguinte:

-Nos ficheiros de imagem juntos, constatamos que as linhas, não só passam entre os pinheiros, como estes têm as suas copas queimadas, acrescendo que aquele que estavam

mesmo por baixo, já haviam sido cortados.

- Dúvidas não existindo quer, quanto á altura dos pinheiros, quer quanto ao facto de os pinheiros se encontrarem debaixo da linha, bem assim, ao lado, quer o facto de os mesmos terem sensivelmente a mesma altura, além de se verificar o corte com os pinheiros em estado horizontal, cortados pela EDP/E-Redes

- Relativamente ao documento ou registos obtidos através do sistema SCADA, que se refere ao estado do disjuntor que protege essa linha, concluímos o seguinte: o disjuntor foi colocado na posição de “DESLIGADO”, na véspera do incêndio e só voltou à situação

estabilizada de “LIGADO” no dia 05/08/2018 10:20:11.

43. Acresce que, provado que pelo menos desde 2015, os terrenos que se situavam por baixo da linha elétrica de alta tensão, não tinha sido objecto de acções de manutenção e limpeza,

44. Tal, como é do conhecimento da Ré/ E-REDES, esta não podia ignorar, que havia pinheiros altos junto ás linhas elétricas, arvores de crescimento rápido, que o crescimento das árvores facilita a propagação de incêndios, que estes provocam aumento da temperatura e que o aquecimento do ar pode desencadear o arco eléctrico e a subsequente descarga eléctrica para a terra através das mesmas árvores.

45. A eventualidade de um incêndio e dos fenómenos que lhe estão associados, como os dos presentes autos, não podiam nem deviam ser ignorados pela ré, a qual devia, desde logo, tomar todas as providências ao seu alcance para abater todas as árvores na zona de protecção, numa largura de 45 m, para garantir a segurança da sua exploração e eliminar todo o perigo para as pessoas e assim evitar o dano.

46. Não obstante esse conhecimento, continuou a conduzir a energia eléctrica pela referida Linha, não cuidando de saber da segurança das pessoas que a norma regulamentar da distância pretende proteger, nem fazendo caso dos perigos que a proximidade da linha provocava, alheando-se ao resultado previsível.

47.Pelo que, o que determinou a descarga elétrica foi a existência de árvores debaixo da linha e quiçá a sua proximidade da mesma, podendo tal descarga ter igualmente ocorrido por efeito da ionização do ar devida ao aquecimento com a consequente formação de arcos eléctricos que podem saltar das linhas para as árvores e assim atingir o solo em consequência do incêndio: o arco eléctrico provocou curto circuito e a respectiva corrente eléctrica escoou-se, sucessivamente, pela árvore passando para a terra.

48. Aliás, só o aquecimento pode provocar a ionização do ar, pois, consistindo este processo na transformação dos átomos e moléculas em iões mediante a perda de electrões, para estes serem libertados é necessário que lhes seja fornecido um valor de energia superior àquele que eles tinham quando estavam inseridos no átomo.

49. Donde, o ponto 2.2.1 da sentença, contrariamente ao decidido teria de ser considerado

provado.

50. Verificando-se uma flagrante desconformidade entre os elementos provatórios disponíveis e a decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto, existindo, assim, um erro de julgamento, ou seja, má apreciação da prova que leva a que a matéria de facto não seja aquela que fluiria da prova produzida,

51. Até porque a sentença dá como provados factos dos quais não foi produzida prova e vice- versa, existindo erro notório na apreciação da prova.

52. Pelo que, a existência de árvores por debaixo das linhas de alta tensão, em condições em que se possa estabelecer o referido arco eléctrico, cria um risco agravado para os bens

existentes na zona das linhas.

53. A Recorrida tem os deveres de vigiar e conservar as linhas de alta tensão e respectiva

zona envolvente.

54. Pela sua própria natureza e pela natureza dos meios empregues, a condução e distribuição de energia eléctrica de alta tensão, é uma actividade perigosa.

55. Dispõe o artigo 493º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil que “ quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar...responde pelos danos que a coisa ....causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua "e que" quem causar danos a outrem, no exercício de uma actividade perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigada a repará-los, excepto se demonstrar que empregou todas as providências exigíveis pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.

56. A Recorrida, ao permitir o crescimento de árvores por debaixo das linhas de alta tensão, em condições de se estabelecer o arco eléctrico com posterior descarga através dessa árvores para o solo, violou o disposto nos artigos 5º, 26º, 28º, n.º 3, 161º e 167º, n.º 3 do Decreto Regulamentar n.º 1/92 de 18 de Fevereiro.

57. Assim sendo incorreu em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos e In casu, a presunção de culpa estabelecida no art.º 493.º, n.º 2, Cód. Civil (onde se integra a actividade de condução de energia elétrica), não foi ilidida, devendo a Ré ser responsabilizada pelos danos causados á Autora.

Assim, deve

a) Ser revogada a sentença proferida em 1ª instância substituindo–se esta por outra que considere procedente o pedido formulado pela A.;

b) Ser dado provimento ao presente recurso, sendo o mesmo julgado procedente;

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FIDELIDADE - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. (doravante designada “FIDELIDADE”), veio apresentar as suas CONTRA-ALEGAÇÕES, concluindo que não lhe assiste razão ao recorrente.
Na verdade, provando-se – como se provou e como decorre de todo o supra exposto – que o ponto de início do incêndio se dá a cerca de 100 metros da zona da linha de alta tensão, jamais a tese da Apelante poderia proceder.
A tese da Apelante é assim, destituída de qualquer saber científico, contrariando todas as evidências que foram recolhidas e observadas, inclusivamente no próprio local do incêndio, pelo Tribunal a quo.
Em suma: foi produzida nos autos extensa prova que suporta os factos provados e os factos não provados que a Apelante coloca em crise, e sobre os quais invoca ter havido erro de julgamento.
De onde decorre que a decisão recorrida não merece censura.
Por último, não pode a Apelada deixar de notar que a Apelante junta com as suas motivações de recurso um conjunto de documentos cuja junção é processualmente inadmissível, por não respeitarem os pressupostos previstos no artigo 425.º e 426.º do CPC, razão pela qual devem os mesmos ser desentranhados.
Termos em que deve o recurso interposto pela Apelante ser indeferido, confirmando-se a bondade da sentença recorrida.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
QUESTÕES A DECIDIR:
1-Nulidade da sentença em relação ao recurso interposto pela Ré Fidelidade.
-Do Recurso interporto pela Autora:
-Da Impugnação da decisão de facto.
-Determinar a causalidade na ocorrência do incêndio.
-Saber se ocorre responsabilidade da Autora, nos termos do art.493º do CC.
-Em caso afirmativo, se ocorre obrigação de indemnizar e o seu valor.
*
2 – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Factos provados:
DAS PARTES
2.1.1. A Autora, Sociedade A... Lda., é uma sociedade comercial cujo objecto é o seguinte: culturas agrícolas, produção animal, exploração florestal, actividades cinegéticas, produção agrícola e animal associadas. [Vide certidão permanente junta a fls. 19 a 20]
2.1.2. Assim, e no desenrolar das respectivas actividades, procede, predominantemente, à plantação de eucaliptos para posterior venda para fábricas de celulose.
2.1.3. A Autora integra o Grupo de Gestão Florestal Certificada da Associação de Produtores Florestais de .... [Vide doc. de fls. 21]
2.1.4. A Ré, EDP – DISTRIBUIÇÃO – Energia S.A. , tem por objecto a distribuição de energia eléctrica e as actividades que lhe são inerentes, exercendo, em regime de serviço público, a exploração da rede nacional de distribuição, em alta e média tensão, e das redes de baixa tensão. [Vide certidão permanente código de acesso nº 5867-5026-2246]
2.1.5. Estando em causa, nos presentes autos, uma linha de alta tensão, a Ré apresenta-se na qualidade de concessionária da rede nacional de distribuição.
2.1.6. A Fidelidade Companhia de Seguros S.A. foi admitida a intervir nos autos a título principal, porquanto à data da ocorrência em discussão nos autos estava válido e em vigor o contrato de seguro de responsabilidade civil titulado pela apólice nº ...99. [Vide doc. de fls. 112v a 165 e 165v a 181v]
2.1.7. O contrato de seguro em causa, foi outorgado pela EDP Energias de Portugal S.A., na qualidade de tomador e a ora Ré EDP-DISTRIBUIÇÃO – Energia S.A., é segurado/entidade segura, por ser empresa que consta da listagem anexa às Condições Particulares e participada do tomador EDP Energias de Portugal S.A. [Vide doc. de fls. 112v a 165 e 165v a 181v

DO INCÊNDIO
2.1.8. No dia 4 de Agosto de 2018, cerca das 15h 15m, deflagrou um incêndio florestal na ..., pertencente à freguesia ..., nas proximidades da Rua ..., numa zona rural composta de pinheiros e mato, cujo acesso é permitido através de estrada de terra batida. [Vide doc. de fls. 22 a 23v]
2.1.9. No referido local existiam pinheiros em quantidade e dimensões não concretamente apuradas.
2.1.10. Existia, igualmente, instalada e em exploração, uma linha de alta tensão, que tem a designação de LN ...74 ... –... (LAT), localizada nas coordenadas ...64 – 8.776780 [Vide docs. de fls. 33v e 120 e fotografia de fls. 130.]


2.1.11. Na altura em que deflagrou o incêndio o vento era predominantemente de Noroeste
2.1.12. E a temperatura do ar era de cerca de 40º.
2.1.13. Em 8 de Agosto de 2018 a GNR deslocou-se ao local a fim de apurar as causas do incêndio, tendo, em consequência, elaborado uma “Ficha de Determinação de Causas”, na qual indica como localização do incêndio as seguintes coordenadas:
- na primeira página (fls. 22): 39.3974 – 8.77308 [foto de fls. 129]

- na quinta página (fls. 24): ...30 [Foto de fls. 129v]

2.1.14. O incêndio iniciou-se por causas não concretamente determinadas, a cerca de 100 m a norte da linha de alta tensão (LAT) junto a uma zona de canavial, progredindo em direcção a sul [Vide fotos de fls. 125v e 126]

2.1.15. Tendo ardido uma área total de 289,52 ha, de eucaliptos, choupos e matos. [Vide doc. de fls. 22]
DAS C0NSEQUÊNCIAS DO INCÊNDIO
2.1.16. A Autora, ora na qualidade de proprietária, ora na qualidade de arrendatária, era à data do incêndio, com povoamento de eucaliptal, dos seguintes prédios rústicos:
a) Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ..., da secção BS da freguesia ..., concelho ....
b) Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...5, da secção BR, da freguesia ..., concelho ....
c) Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...3, da secção BR, da freguesia ..., concelho ....
d) Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...4, da secção BR, da freguesia ..., concelho ...
e) Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...9, da secção BR, da freguesia de
..., concelho ....
f) Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...0, da secção BR, da freguesia de
..., concelho ....
g) Prédios rústicos inscritos na respetiva matriz sob os artigos ...4 e ...3, da secção
BR, freguesia ..., concelho ....
h) Prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos ...1 e ...0, da secção BR e BS,
respetivamente, da freguesia ..., concelho ....
i) Prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos ...1, ...2 e ...3, da secção BS,
respetivamente, da freguesia ..., concelho ....
j) Prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos ...7 e ...9, ambos da secção BR,
da freguesia ..., concelho ....
k) Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...7, da secção L, da freguesia de
..., concelho ....
l) Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ..., da secção M, da freguesia de
..., concelho ....
m) Prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...1, da secção L, da freguesia de
..., concelho ...
n) Prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos ...0 e ...1, da secção BR, da
freguesia ..., concelho ....
[Vide cadernetas prediais de fls. 70v a 88, certidões conservatória do registo predial de fls. 44 a 60 e contratos de arrendamento de fls. 61 a 69v]
2.1.17. Em consequência do incêndio a área ardida dos prédios explorados pela Autora corresponde a 45,6 ha que resultou num prejuízo de perda de produção/investimento de pelo menos €139.341,19 (cento e trinta e nove mil trezentos e quarenta e um euros e dezanove cêntimos), de acordo com o seguinte quadro junto a fls. 90:

2.1.18. Calculado da seguinte forma:
1. No talhão nº 151 referente ao prédio rústico denominado ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., secção BS, da freguesia ..., foi ardida a área de 5,87 ha (= 58.704 m2), tendo o povoamento aí existente a idade de 4 anos e uma produção real de 16,682 m3 ano/ha (183,5m3:11anos) resulta um prejuízo de € 15.472,80 (5.87 ha x 16,682 m3 x 4 anos x € 39,5);
2. No talhão nº 154 referente ao prédio rústico sito em ... da freguesia ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...5, secção BR, da dita freguesia, foi ardida uma área de 0,30 ha, tendo o povoamento aí existente a idade de 5 anos e uma produção real de 18.468m3/ano (203,15 m3:11 anos), resulta um prejuízo de €1.057,80 (0,30 ha x 18,468m3 x 5 anos x €38,00);
3. No talhão nº 155 referente ao prédio rústico sito em ... da freguesia ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...3, secção BRI, da dita freguesia, foi ardida uma área de 1,77 ha , tendo o povoamento aí existente a idade de 5 anos e uma produção real de 19,999 m3/ano (219,63 : 11 anos) resulta um prejuízo de € 6.730,00 (1,77ha x 19.999m3 x 5 anos x €38,00):
4. No talhão nº 156 referente ao prédio rústico sito em ... da freguesia ..., inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...4, secção BR, da dita freguesia, foi ardida uma área de 15,63 ha, tenho o povoamento aí existente a idade de 5 anos e uma produção real de 13.036m3/ano (143.399m3:11 anos) resulta um prejuízo de €38.713,80 (15m63ha x 13.036m3 x 5 anos x €38,00);
5. No talhão nº 157, abrangendo parte dos prédios inscritos na respectiva matriz sob os artigos ...4 e ...3, secção BR, da freguesia ..., com a idade de 2 anos, uma área ardida de 0,58 ha e uma produção real de 12,843 m3/ano (141,27m3:11 anos) resulta um prejuízo de €551,20 (0,58ha x 12.843m3 x 2 anos x €37,00);
6. No talhão nº 158 referente ao prédio rústico sito em B..., freguesia ..., com a idade de 4 anos, uma área ardida de 4,36ha e uma produção real de 18,759m3/anos (206,35m3:11 anos) resulta um prejuízo de €12.913,10 (4.36ha x 18.759m3 x €39,50);
7. No talhão nº 163 localizado nos prédios rústicos da freguesia ..., inscritos na respectiva matriz sob os artigos ...1 e ...0 das secções BR e BS respectivamente, com a idade de 4 anos, uma área ardida de 2,58ha e uma produção real de 15.897m3/ano ((174,87m3:11 anos), resulta um prejuízo de €6.480,40 (2.58ha x15,897 x 4 anos x €39,50);
8.No talhão nº 166 localizado nos prédios inscritos na respectiva matriz sob os artigos ...1, ...2 e ...3 da secção BS, da freguesia ..., com a idade de 7 anos, uma área ardida de 5,05ha e uma produção real de 15,897m3/ano (174,87m3:11 anos), resulta um prejuízo de €19.387,90 (5,05ha x 15,897m3 x 7 anos x €34,50);
9. No talhão nº 167, localizado nos prédios inscritos na respectiva matriz sob os artigos ...8 e ...9, ambos da secção BR, da freguesia ..., com a idade de 10 anos, uma área ardida de 2,91ha e uma produção real de 15,757m3/ano (173,33m3:11 anos), resulta um prejuízo de €16.048,80 (2,91ha x 15,757 x 10 anos x €35,00);
10. No talhão nº 168, localizado nos prédios inscritos na respectiva matriz sob os artigos ...8 e ...9, ambos da secção BR ,da freguesia ..., com a idade de 10 anos, área ardida de 1,22ha e uma produção real de 15,757m3/ano (173,33m3:11 anos), resulta um prejuízo de €6.728,40 (1,22ha x 15,757m3 x 10 anos x €35,00);
11. No talhão nº163, localizado no prédio inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...7, da secção L, da freguesia ..., com a idade de 2 anos, uma área ardida de 0,92ha e uma produção real de 17,671m3/ano (194,38m3:11 anos), resulta um prejuízo de € 1.203,80 (0,92ha x 17, 671m3 x 2 anos x €37,00);
12. No talhão nº 294, localizado no prédio inscrito na respectiva matriz sob o artigo ..., da secção M, da freguesia ..., com a idade de 5 anos, uma área ardida de 1,31ha e uma produção real de 545m3/ano (181,99m3:11 anos), resulta um prejuízo de €4.118,00 (1,31ha x 16,545m3 x 5 anos x €38,00);
13. No talhão nº 296, localizado no prédio inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...1, da secção L, da freguesia ..., com a idade de 2 anos, uma área ardida de 0,73ha e uma produção rela de 17,671m3/ano (194,38m3:11 anos), resulta um prejuízo de €954,60 (0,73ha x 17,671m3 x 2 anos x €37,00);
14. No talhão nº 161 localizado nos prédios inscritos na respectiva matriz sob os artigos ...0 e ...1, ambos da secção BR da freguesia ..., com a idade de 7 anos, uma área ardida de 2,36ha e uma produção real de 15.757m3/anos (173,33m3:11 anos) resultou um prejuízo de €8.980,70 (2,36ha x 15,757m3 x 7 anos x €34,50).
[Vide docs. de fls 90 a 91v]
2.1.19. Houve ainda 25.069 (vinte cinco mil e sessenta e nove) cepos que não rebentaram devido à intensidade do fogo, tendo ficado totalmente queimados, sem possibilidade de voltar a rebentar, no que resultou uma quebra de produtividade de valor não concretamente apurado. [Vide quadro de fls. 14]
2.1.20. Em resultado do incêndio haverá ainda uma quebra de produção de valor não concretamente apurado.

2.1.21. Os eucaliptos ardidos têm valor comercial não concretamente apurados e foram entregues pela Autora a terceiros, que em troca procederam à limpeza dos terrenos.
2.1.22. À data do incêndio, e pelo menos desde 2015, os terrenos que se situavam por baixa da linha eléctrica de alta tensão, não tinha sido objecto de acções e manutenção e limpeza.
Outros factos com interesse para a decisão da causa
2.1.23. No troço da linha eléctrica em questão, e antes da ocorrência do incêndio, foi realizada em 2017, uma inspecção termográfica, com recurso a helicóptero, não tendo sido detectada qualquer anomalia dos componentes da linha eléctrica que carecesse de manutenção. [Vide doc. de fls. 122v a 124v]
2.1.24. No dia seguinte ao incêndio, a Ré EDP fez deslocar para o local uma equipa técnica de assistência à rede, que analisou o estado da mesma e concluiu pela inexistência de qualquer elemento danificado, não tendo sido efectuada qualquer acção de reparação da linha, nem na data do incêndio nem posteriormente.
2.1.25. Esta equipa técnica procedeu ao corte de alguns pinheiros.
2.2. Factos não provados
Com interesse para a decisão da causa não lograram provar-se os seguintes factos:
2.2.1. O incêndio foi provocado em virtude de por baixo da linha de alta tensão existirem pinheiros de grande envergadura, cujas haste e troncos, por via da ação do vento, entraram em contacto com os cabos eléctricos provocando a energia necessária para a ignição do incêndio.

2.2.2. Os danos nas árvores mostram que os seus troncos foram percorridos verticalmente por uma corrente eléctrica que libertou uma quantidade de calor suficiente para provocar a pirólise dos pinheiros.
2.2.3. A Autora adquiriu tractor e alfaias agrícolas destinadas a gradagem e adubação dos terrenos.
2.2.4. A Autora efectuou a preparação do terreno e plantação de eucaliptal novo, bem assim, a gradagem, selecção de varas de primeira e segunda rotação e adubação nos povoamentos já existentes, pagamento de rendas, com custos que ascendem a €63.216,94.
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DE DIREITO!

-DA ADMISSÃO DOS DOCUMENTOS:

O Apelante veio requerer a junção aos autos de três documentos.

-Um auto de noticia datado de 13 de Agosto de 2018, denunciando a prática de um crime de incêndio florestal, contra desconhecidos.

-E dois documentos de duas entidades recusando a indicação de perito para este processo, por a averiguação não ser da respectiva competência, datados de 2022.

I- Da conjugação entre o disposto nos artigos 651º, n.º 1 e 423º do C. P. Civil resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excecional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: a) a impossibilidade de apresentação do documento até ao encerramento da discussão em 1ª instância; b) por se ter tornada necessária a junção em virtude do julgamento proferido na 1ª instância, face à “novidade” ou “surpresa” da decisão proferida.
II. No que se refere à primeira situação, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objetiva ou superveniência subjetiva.
III. Objetivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjetivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.

IV. Neste caso de superveniência subjetiva, é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis.
V. Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.
VI. Quanto à segunda situação, a mesma pressupõe que, em face da fundamentação da sentença ou do objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida.
VII. Daí que se entenda que o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperado junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.

Neste último aspeto, conforme referem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, In Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, págs. 533 e 534, “a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da ação (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida.”
Daí que se entenda que “o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperado junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.” (5) Antunes Varela, em anotação ao Ac. STJ de 09.12.1980, RLJ, Ano 115º, pág. 89. No mesmo sentido, cf. Ac. STJ de 18.02.2003, CJASTJ, 2003, Tomo I, pág. 106; e Ac. STJ de 27.06.2000, CJASTJ, 2000, Tomo II, pág. 130; Ac. STJ de 26.09.2012, proc. n.º 174/08.2TTVFX.L1.S1, relator Gonçalves Rocha; e Ac. STJ de 21.01.2014, proc. n.º 9897/99.4TVLSB.L1.S1, relatora Maria Clara Sottomayor, disponível em
www.dgsi.pt. Cfr. Ac. da RG de 20-04-2019, Proc. nº 3966/17.8GMR.G1, publicado in www.dgsi.pt).

Em nosso entender, nenhuma das situações se verificam para a admissão dos documentos segundo os critérios acima enunciados.

O auto de noticia datado de 13 de Agosto de 2018, denunciando a prática de um crime de incêndio florestal, contra desconhecidos poderia ter sido junto em data anterior à prolação da sentença.

E os demais documentos não relevam para a decisão da causa.

Em razão do exposto, não se admitem os documentos juntos com as alegações de recurso.

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-Do Recurso interposto pela Interveniente Fidelidade

-Da invocada Nulidade da Sentença.

A interveniente principal FIDELIDADE veio interpor recurso com fundamento em que foi proferida sentença que nem na fundamentação, nem na decisão final, procedeu respetivamente a análise e subsequente pronúncia quanto à absolvição da interveniente principal Fidelidade, ora recorrente, dos pedidos que haviam sido formulados pela A. recorrida.

Considerou que a douta sentença enferma da nulidade prevista no artigo 615º/1 d) do CPC e ou no limite das nulidades previstas no mesmo normativo nas alíneas b) e c), quando nem na fundamentação conheceu da inexistência de responsabilidade indemnizatória da interveniente Fidelidade, e nem no segmento decisório final emitiu correspondente decisão absolutória desta.

-O Tribunal recorrido apreciou a invocada nulidade, decidindo nos termos conjugados dos arts.615º, al.d), 617º, nºs 1 e 2 e 641º, nº1, do CPC, proceder ao suprimento da nulidade, defendendo assistir razão à interveniente, pelo que a decisão final passou a ser a seguinte:

Face ao exposto e nos termos das disposições legais supra referidas, considera-se a acção totalmente improcedente e não provada e, em consequência, absolve-se a Ré EDP Distribuição Energia, S. A, e a interveniente principal Fidelidade Companhia de Seguros, S.A., de todos os pedidos deduzidos pela Autora Sociedade A..., Ldª.

Custas pela Autora.

Em face da decisão proferida pelo Tribunal a quo, e tendo presente o disposto no art.617º, nºs 1 e 2, do CPC, consideramos prejudicada a apreciação do recurso interposto pela interveniente Fidelidade invocando a nulidade da sentença, uma vez que a questão suscitada foi apreciada pelo Tribunal a quo, que proferiu decisão absolvendo a interveniente principal Fidelidade Companhia de Seguros, S.A., de todos os pedidos deduzidos pela Autora Sociedade A..., Ldª. *

Do Recurso Interposto pelo Autor:

-Da Impugnação da Decisão de Facto:

A Autora, insatisfeita com a decisão do tribunal sobre a matéria relativa às “Circunstâncias em que ocorreu um incêndio em 04 de agosto de 2018 e nomeadamente, condições atmosféricas, modo e ponto de ignição.”, veio impugnar a decisão de facto em pontos que identifica e que importa este Tribunal reapreciar.

Reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detectar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento» (preâmbulo do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios.

Com efeito, e desta feita, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 228, com bold apócrifo).
Lê-se, assim, no art. 640.º, n.º 1 do CPC que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (al. a), do n.º 2, do art. 640.º citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de
rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c), do n.º 1, do art. 640.º citado), «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor (10) enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma
dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efectividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
Por outras palavras, se o dever - constitucional (art. 205.º, n.º 1 da CRP) e processual civil (arts.154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC) - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma
análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo n.º 3785/11.5TBVFR.P1).

Com efeito, «livre apreciação da prova» não corresponde a «arbitrária apreciação da prova». Deste modo, o Juiz deverá objectivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a «identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador», e ainda «a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 655).

«Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol. I, Coimbra Editora, 2013, pág. 591, com bold apócrifo).

Dir-se-á mesmo que, este esforço exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida «exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao acto jurisdicional» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 281).

No caso dos autos, a decisão tomada pelo tribunal a quo, evidencia que a convicção que se formou no espírito do tribunal, foi suportada na i) prova testemunhal, na ii) prova documental, e ainda em tudo quanto foi possível apurar, esclarecer e confirmar no próprio local em que deflagrou o incêndio, através de inspecção ao local realizada em 21.10.2022 (documentada na acta com a referência ...98).

Remete-se, por economia processual, para a decisão da matéria de facto acima transcrita, na integra.

Afigura-se-nos que a inspecção ao local, extensamente documentada como decorre da sentença recorrida apresenta um relevo que este tribunal deve ponderar de modo particular, na conjugação ponderada com os demais elementos de prova, tanto mais que não se pode substituir ao juiz de 1ª instância nessa apreciação.

Feitas estas considerações gerais, vejamos o caso dos autos.

Desde logo, a recorrente não aceita como provados os factos constantes dos pontos 2.1.11 e 2.1.14, respeitante quer á direcção do vento, quer quanto ás suas causas, bem assim, quanto ao ponto de inicio do incendio e/ou fonte de ignição.
Resultou provado que:
2.1.11. Na altura em que deflagrou o incêndio o vento era predominantemente de Noroeste.
No entender da Recorrente, resulta claro, da prova produzida que a direcção do vento, no dia 4 de agosto de 2018 era predominante no sentido norte sul, conforme certidões emitidas pelo IPMA, uma junta aos autos em 04.08.2021, com a referencia ...42 e outra apresentada pela autora em 12.04.2022 com a referencia ...60.
Além de que, o gráfico das condições atmosféricas apresentado, junto ao relatório pericial (doc. 1 da petição inicial, imagem 8) apresentado pela ora recorrente, demonstra que “a direcção do vento foi predominantemente e de forma aproximada no sentido de norte para sul. “
A Apelante discorda do mencionado facto, defendendo que a direcção do vento no dia 04.08.2018 era «predominantemente no sentido norte sul».
Em primeiro lugar, cumpre notar que a Apelante alicerça a sua discordância em dois documentos que elenca no artigo 18.º das suas motivações.
Analisados os aludidos documentos, verificamos que nenhum dos dois confirma a tese da Apelante!
Em segundo lugar, a Apelante invoca o teor do Relatório da RISER, da autoria de DD, igualmente para sustentar que o vento estaria de Norte / Sul (cfr. o dito documento, junto pela A. com o requerimento com a referência ...66).
Trata-se de documento onde é defendida a tese que aproveita à demanda da Apelante - a de que o incêndio teve início por baixo da linha de alta tensão , tese essa que, de acordo com o Tribunal, «não tem sustentação lógica».
A recorrente alicerça ainda a sua convicção nas declarações prestadas pela testemunha EE, GNR, gravadas em suporte digital ...75-...99- 22:34 a 23:00, nas quais o mesmo refere que a indicação do sentido e velocidade do vento não o determinou no dia em que foi lá, a saber no dia 8, mas sim a direção do incendio.
E atendeu à direcção do incêndio, pela direcção que o incêndio tomou, se começou a arder de norte para sul indica que o vento tinha de estar de norte para sul, desde o ponto de inicio do Incêndio ardeu só para o lado sul, logo o vento tinha de estar nessa direcção.
Das declarações prestadas pela testemunha DD, gravadas em suporte digital ...75-...99- 24:32 a 26:46 e 31:01 a 35.02, o qual refere que analisou os dados que estão publicados sobre essa matéria e o que se podem ver na pagina (imagem 8). Ai existe um gráfico que mostra as condições meteorológicas na localidade de ... no período de 01.08 a 31.08.2018. E relativamente à direcção do vento, vento norte digamos paralelo quase à costa portuguesa. Depois acrescenta que é vento de norte para sul.
O vento predominante a 80%, é o vento norte sul directamente ainda que existam alguns momentos onde há registos de ventos vindos do leste.
Donde conclui a recorrente que, da prova produzida resulta claro que a direcção do vento, no dia 4 de agosto era no sentido norte sul e não, tal como consta da douta sentença, predominantemente de noroeste.
As condições atmosféricas são um ponto essencial para analisar quer o ponto de ignição quer a direcção do incêndio.
Não encontrando, aliás o ponto 2.1.11, qualquer base para poder ser considerado facto provado, impondo-se, pelo contrário considerar como provado a predominância norte e o sentido norte –sul.
Contrariando esta tese, refere o Tribunal a quo:
O que se mostra controvertido é o ponto de ignição do incêndio e as suas causas.
Começando pela localização da análise da “ Ficha de Determinação das Causas” salienta-se desde logo coordenadas distintas para a localização do incêndio, o que indicia alguma falta de rigor.
De qualquer modo, foi inquirida o agente da GNR EE, que se deslocou ao local no dia 8 de Agosto.
Esta testemunha afirmou que o incêndio começou de cima para baixo, concluindo, por isso, que teria começado por baixo da linha de alta tensão. Mais referiu que percorreu todo o perímetro do incêndio não tendo encontrado outros indícios e que o incêndio se desenvolveu para Sul pelo que a direcção do vento seria Norte/Sul.
As afirmações e conclusões desta testemunha são desmentidas pela inspecção ao local.

Em primeiro lugar, a evolução do incêndio para Sul, a partir de ponto situada por baixo da linha de alta tensão, não explica como a Norte deste local, junto a um canavial existem árvores queimadas. O incêndio propagou-se para Sul e não para Norte.
Como se pode constatar pelas fotografias tiradas a Norte da linha de alta tensão, as árvores apresentam-se queimadas na parte de baixo (mais ou menos até meio do tronco) e à medida que o incêndio se desenvolve para Sul as árvores vão ficando queimadas também para cima, chegando arder por completo.
Ou seja, quando o incêndio começa numa árvore, começa naturalmente por baixo e à medida que vai avançando a amplitude vai aumentando, sendo a copa a última a arder. No ponto de ignição as árvores apresentam-se queimadas por baixo (neste caso a cerca de 100 metros a Norte da linha de alta tensão) e mais a Sul já se apresentam totalmente queimadas o que permite aferir qual o percurso do incêndio.
Esta situação foi constatada no local e melhor explicitada pelas testemunhas FF e AA, tendo sido feito registo fotográfico das árvores situadas a Norte da linha de alta tensão, onde se verifica que o incêndio vem em evolução desde junto ao canavial até ao ponto situada por baixo da linha eléctrica, local onde já apresenta grande amplitude (no local estava um tronco totalmente queimado).
Salientamos ainda que a referida Ficha - cujo objectivo era analisar o circunstancialismo em que ocorreu o incêndio e identificar a causa que o originou – constata-se que o seu autor não procedeu à recolha de dados que se revelavam absolutamente sacramentais para o cumprimento do seu objecto.
Convém lembrar que a testemunha EE, no desenvolvimento da tarefa de que foi incumbido não apurou um conjunto de circunstâncias absolutamente fundamentais para a análise que se propunha fazer, tais como a temperatura, a humidade relativa, a velocidade e a direcção do vento, dia 04.08.2018.
Veja-se o Ponto 1.4 Condições Meteorológicas, da aludida “Ficha de Determinação de Causas”, onde tais elementos estão ausentes.
Dai que não se dê credibilidade nesta parte ao depoimento desta testemunha.
Perante a fundamentação do tribunal, fundada em inspecção ao local, com registo fotográfico e inquirição de testemunhas, que apontam noutro sentido pela observação de cientifica de sinais deixados no local mantém-se a redação dada ao facto 2.1.11.
Mais impugna o recorrente o facto 2.1.14, que refere o seguinte:
2.1.14. O incêndio iniciou-se por causas não concretamente determinadas, a cerca de 100 m a norte da linha de alta tensão (LAT) junto a uma zona de canavial, progredindo em direcção a sul [Vide fotos de fls. 125v e 126].

Sobre este facto, com particular relevância no desfecho da acção, existem versões contraditórias entre as partes.

O Recorrente situa o foco do incêndio na descarga elétrica das linhas sob as copas dos pinheiros, para a terra, contrariamente ao que o tribunal a quo deu como provado, facto que considera corroborado, também, pela circunstância de, no dia seguinte de madrugada, haverem sido dado ordens aos funcionários da EDP para efectuarem o corte dos pinheiros quer debaixo das linhas aéreas que fora da faixa.

Mais defende que o incêndio jamais se poderia ter o seu inicio ou ponto de ignição junto a um canavial, tendo em consideração a direção do vento, ou o depoimento de particulares e/ou a existência dum pneu carbonizado que aí se encontrava à data da ocorrência, tendo o mesmo sido registado fotograficamente pelo Segurado nos dias posteriores à ocorrência,

como resulta do facto provado e ora impugnado e como alegam as rés, na medida em que:

- Como demonstrado a direcção do vento era norte-sul.

- Do canavial não resultam quaisquer indícios, pois o que não está verde, está seco ou não

ardido e,

- Se tivesse ardido aquela área tudo teria desaparecido, até canas como se papel se tratasse, ou seja, se o fogo tivesse origem no canavial tinha desaparecido tudo e onde existe vegetação seca não há fogo.

Vejamos:

O Tribunal de 1ª Instância refere que quanto ao incêndio e respectivas causas, factualidade dada como provada sob os pontos 2.1.8., 2.1.9., 2.1.10., 2.1.11., 2.1.12., 2.1.13., 2.1.14. e 2.1.15. e factualidade dada como não provada sob os pontos 2.2.1. e 2.2.2., o tribunal formou a sua convicção com base nos depoimentos das testemunhas EE, CC, GG, DD, HH, II, JJ, FF e KK, conjugada com a análise do teor da “Ficha de Determinação de Causas “ de fls.22 e ss e respectivas fotografias, relatório da “Riser” de fls. 31 a 42v, relatório fotográfico de fls. 129 a 133v e relatório de “peritagem” da Fidelidade de fls. 228 e ss e inspecção ao local (com inquirição de testemunhas) documentada fotograficamente, tudo conjugado ainda com as regras da experiência comum.
Em primeiro lugar cumpre referir que as circunstâncias de local, condições atmosféricas, direcção do vento, existência de linha de alta tensão e a área ardida (pontos 2.1.8.,2.19.,2.1.10., 2.1.11. e 2.1.12.) é consensual, quer pelas testemunhas quer pelos documentos juntos.
O que se mostra controvertido é o ponto de ignição do incêndio e as suas causas.
Começando pela localização da análise da “ Ficha de Determinação das Causas” salienta-se desde logo coordenadas distintas para a localização do incêndio, o que indicia alguma falta de rigor.
De qualquer modo, foi inquirida o agente da GNR EE, que se deslocou ao local no dia 8 de Agosto.
Esta testemunha afirmou que o incêndio começou de cima para baixo, concluindo, por isso, que teria começado por baixo da linha de alta tensão. Mais referiu que percorreu todo o perímetro do incêndio não tendo encontrado outros indícios e que o incêndio se desenvolveu para Sul pelo que a direcção do vento seria Norte/Sul.
As afirmações e conclusões desta testemunha são desmentidas pela inspecção ao local.

Em primeiro lugar, a evolução do incêndio para Sul, a partir de ponto situada por baixo da linha de alta tensão, não explica como a Norte deste local, junto a um canavial existem árvores queimadas. O incêndio propagou-se para Sul e não para Norte.
Como se pode constatar pelas fotografias tiradas a Norte da linha de alta tensão, as árvores apresentam-se queimadas na parte de baixo (mais ou menos até meio do tronco) e à medida que o incêndio se desenvolve para Sul as árvores vão ficando queimadas também para cima, chegando arder por completo.
Ou seja, quando o incêndio começa numa árvore, começa naturalmente por baixo e à medida que vai avançando a amplitude vai aumentando, sendo a copa a última a arder. No ponto de ignição as árvores apresentam-se queimadas por baixo (neste caso a cerca de 100 metros a Norte da linha de alta tensão) e mais a Sul já se apresentam totalmente queimadas o que permite aferir qual o percurso do incêndio.
Esta situação foi constatada no local e melhor explicitada pelas testemunhas FF e AA, tendo sido feito registo fotográfico das árvores situadas a Norte da linha de alta tensão, onde se verifica que o incêndio vem em evolução desde junto ao canavial até ao ponto situada por baixo da linha eléctrica, local onde já apresenta grande amplitude (no local estava um tronco totalmente queimado).
Quanto à tese da Autora sufragada pelo relatório da RISER, de que o incêndio deflagrou em virtude de as árvores tocarem nas alinhas de alta tensão, baseado nos indícios referido na foto nº12 a fls. 39, o mesmo não tem sustentação lógica.
Senão vejamos!
Na fotografia de fls. 39 (relatório da RISER) é tirada uma linha de alinhamento de 6 cepos que estão exactamente por baixo da linha de alta tensão, restos de 6 (seis) árvores que terão sido queimadas em virtude de descarga eléctrica.
Como se pode ver os cepos têm diferentes diâmetros o que significa que as árvores ali existentes teriam diferentes alturas. Ora seria demasiada coincidência diferentes árvores de diferentes alturas, quer as mais altas quer as mais baixas, terem todas tocado nas linhas eléctricas.

Por outro lado, o técnico que elaborou tal relatório, DD, no local referiu que o local de ignição teria disso exactamente ali, progredindo para Sul. Contudo não apresentou qualquer explicação para as árvores queimadas a Norte desde local. A sensação que ficámos é que o técnico apenas se deslocou ali, olhou para os cepos, formou de imediato a sua convicção e não procurou mais indícios
Se o fogo progrediu para Sul, como referiu, como é que aparecem, árvores queimadas a Norte em amplitude baixa que vai evoluindo até ao local situada por baixo da linha de alta tensão. Não apresentou qualquer explicação.
Acresce, que o depoimento do técnico da EDP LL, que foi ao local no próprio dia do incêndio desligando as linha e verificando o estado das mesmas e o depoimento da testemunha MM, também técnico da EDP, permite concluir que não houve quaisquer danos nas linhas de alta tensão por cima do local onde o incêndio lavrou, o que não seria compatível com o facto de as árvores tocarem nas linhas e provocarem descargas.
Finalmente quanto à testemunha presencial CC, que vive numa casa perto do local do incêndio, declarou em tribunal que se deslocou ao local e logo a seguir vieram os bombeiros. Contudo reinquirido no local referiu que quando deu conta do incêndio já lá estavam os bombeiros. (vide gravação inspecção ao local).
Também a testemunha GG afirmou ter visto o incêndio, ter chegado antes dos bombeiros, mas o seu depoimento revelou-se muito inseguro, não se recordando onde o incêndio começou.
Em conclusão dir-se-á que a Autora fundamenta a sua pretensão com base na “Ficha de Determinação de Causas” com coordenadas contraditórias em relação ao início do incêndio e sem apuramento de outros indícios (que existiam) e no relatório da RISER, cujo perito foi logo directamente ao local sem investigar outros locais e sem ter em atenção a amplitude e o desenvolvimento do incêndio, tese esta que é desmontada com a inspecção ao local. Refere aindaFace ao exposto o tribunal não teve quaisquer dúvidas em fixar esta factualidade nos exatos termos em que deixou consignado”.
Perante a imediação, que este tribunal não dispõe, tanto mais que existiu inspecção ao local, o que tem um peso acentuado neste caso, entendemos que a versão do Tribunal se deve manter.
Rebatendo a posição do recorrente, verificamos que a sua argumentação para discordar do Facto Provado 2.1.14, assenta, essencialmente e desde logo, no depoimento da já mencionada testemunha EE, a qual não reveste credibilidade, dada a evidente falta de rigor técnico e científico na execução da análise que fez.
É o próprio Tribunal a quo, na sentença recorrida, que afirma peremptoriamente:
«As afirmações e conclusões desta testemunha são desmentidas pela inspecção ao local.»
EE, afirma, resumidamente, o seguinte: «vê-se que o incêndio começou de cima para baixo, não debaixo para cima, porque as copas estão queimadas em V invertido, ou seja, tocou na linha e começou a arder de cima para baixo.» Mais à frente no seu depoimento, a testemunha volta a insistir na mesma teoria, a de que «o incêndio começou de cima para baixo, ou seja, as copas dos pinheiros bateram nos fios, fizeram a descarga elétrica ou arco elétrico e a árvore começa a arder de cima para baixo.
Ou seja, a testemunha conclui que o incêndio teria começado por debaixo da linha
de alta tensão.
Acrescentou a aludida testemunha que percorreu todo o perímetro do incêndio e que não encontrou outros vestígios ou indícios que apontassem sobre a causa do incêndio, sem ser a linha eléctrica.
Ora, como nota a sentença recorrida, tal conclusão é desmentida pela inspecção ao local.
outros indícios que nos permitem discutir o circunstancialismo do incêndio!
Na verdade, o depoimento de EE, que sustenta a teoria defendida pela Apelante, de que o incêndio começou de baixo da linha de alta tensão e foi propagando para Sul, deixa sem explicação lógica o facto de existir, a Norte da linha de alta tensão, um canavial onde existem árvores queimadas.
Por outro lado, as árvores existentes a Norte da linha de alta tensão, e que ficaram queimadas pelo incêndio – como constatou o Mmo. Juiz -, apresentam-se queimadas de uma forma também ela muito reveladora a) do local em que o incêndio teve início bem como do b) sentido em que mesmo se propagou.
Como se constatou in loco, as árvores ali existentes, próximo ao canavial, foram atingidas na parte de baixo, o que significa que estamos próximos do ponto de ignição.
Mais a Sul, as arvores apresentam-se totalmente queimadas, o que nos diz que, nesse ponto, o incêndio já ia em forte propagação.
Em segundo lugar, a Apelante invoca o depoimento da testemunha CC para sustentar a sua tese quanto ao ponto de início do incêndio, pese embora tenha resultado que a aludida testemunha não estava no local quando o incêndio deflagrou, ao afirmar que quando chegou ao local já lá estavam os bombeiros.
A testemunha disse que viu o fogo, mas já lá estavam os bombeiros, logo, é questionável a sua tese quanto ao ponto de inicio do local de incêndio referida pela mesma.
Finalmente, na defesa da posição que refere nas conclusões do recurso, a Apelante invoca o depoimento da testemunha DD, responsável pelo Relatório da RISER.
Esta testemunha veio defender que o ponto de início do incêndio ocorreu por baixo da linha de alta tensão.
Todavia, aquando da inspecção ao local, quando confrontado com a existência de várias árvores queimadas a norte da linha, «não apresentou qualquer explicação», tendo ficado evidente que tão pouco havia explorado a zona existente a cerca de 100 metros a Norte da LAT, que ficou igualmente queimada, quando questionado pelo Sr. Juiz que lhe perguntou se o fogo progrediu para Sul, como é que aparecem árvores queimadas a norte em amplitude baixa, que vai evoluindo até ao local situado por debaixo da LAT.
Além disso, no depoimento prestado em sede de audiência de julgamento, a testemunha reconheceu não ter percorrido toda a área ardida, facto que reiterou em sede de inspecção judicial.
Na verdade, referiu: e a determinada altura eu vi aqui evidências que me permitem definir aqui as fontes de energia, as fontes térmicas, fontes de calor e portanto eu não preciso de andar mais 3 km para baixo e vou-me concentrar aqui.
E a zona onde me concentrei, a imagem n.º 9 eu concentro a minha observação dentro daquela zona que está ali delimitada por aquelas linhas.
Resulta do exposto, que a testemunha formulou um juízo e não explorou exaustivamente todo o perímetro do incêndio.
E, pela análise dessa imagem 9, o perímetro que é assinalado como sendo a origem do incêndio fica distante da linha de alta tensão!
A testemunha afirmou que o ponto de ignição estaria na linha amarela da Imagem7Riser, que delimita a área ardida da área não ardida.
Foi peremptório ao afirmar que o ponto de ignição estaria em qualquer um dos
pontos dessa linha, o que quer dizer numa multiplicidade de pontos!
E mais, quando foi confrontado com a localização dessa linha amarela (onde se teria dado o incêndio), acabou por constatar que a mesma se encontra fora do perímetro por si assinalado na Figura 9 com a “Área de origem do incêndio”!
A própria testemunha acabou por se contradizer e contrariar aquela que era a tese que vinha defender!
A testemunha quis ainda convencer o Tribunal que seis árvores teriam entrado, no mesmo preciso momento, em contacto com a linha de alta tensão, causando o incêndio.
É que semelhante teoria apresenta-se como
absolutamente improvável – para não dizer impossível!
É que para que essa hipótese tivesse ocorrido, todos os pinheiros teriam de ter
a mesma altura – o que vimos não suceder (por força dos diferentes diâmetros
dos cepos, documentados nos autos).
Aliás, a originalidade e inverosimilhança dessa tese foi notada pelo Tribunal a quo, que não lhe concedeu qualquer “sustentação lógica”.
Como explica a douta sentença recorrida, na fotografia de fls. 39 (relatório da RISER) é tirada uma linha de alinhamento de 6 cepos que estão exactamente por baixo da linha de alta tensão, que constituem restos de 6 árvores que terão sido queimadas em virtude de descarga eléctrica.
Sucede que, como resulta das referidas imagens, os cepos apresentam diferentes diâmetros entre si, o que significa que as árvores ali existentes teriam diferentes alturas!
Transcrevendo a douta sentença, diremos que «seria demasiada coincidência diferentes árvores de diferentes alturas, quer as mais altas quer as mais baixas, terem todas tocado nas linhas eléctricas.»
A testemunha DD referiu ter visto duas espécies de cepos: a) uns sem danos no interior, mas cujos troncos apresentavam vestígios de carbonização, a indiciar uma combustão, e b) cepos com a superfície negra, que na sua óptica seriam significado de pirólise, a ocorrer por força do toque das copas das árvores nos cabos eléctricos.
Porém, tal afirmação é totalmente errada.
Com efeito, e desde logo, os troncos das árvores em que se dá uma pirólise ficam destruídos de forma errática e assimétrica, conforme fotografias juntas no relatório da UON.
Ora os cepos das imagens 9 a 12 e 21 a 26 do Relatório da RISER estão cortados de forma simétrica, perpendicular ao seu crescimento, o que significa, que esses cepos são de pinheiros que foram cortados antes do incêndio e que foram por este atingidos, razão pela qual ficaram com a superfície carbonizada!
Pelo que, por um lado, os cepos que não apresentavam danos por acção directa das chamas
na zona de corte, não estavam carbonizados, foram cortados após o incêndio.
E, Por outro lado, os restantes cepos – mais concretamente os 6 indicados pela testemunha DD no seu Relatório RISER como tendo sofrido pirólise – que apresentam a superfície de corte com marcas de carbonização por acção directa das chamas, significa tão só que já estavam cortados antes do incêndio, tendo depois sido atingidos pelas chamas!
Dai resulta que o depoimento prestado pela testemunha DD não pode merecer qualquer credibilidade, como não mereceu.
Ainda sobre a discordância da Apelante em relação ao facto provado 2.1.14, o Apelante invoca os depoimentos de HH, técnico de instalações eléctricas, JJ, electricista de redes e MM, electricista, todos funcionários da E-REDES.
HH limitou-se a desligar a linha sob a qual passou o incêndio para apurar a existência de eventuais avarias nos cabos, após o que procedeu ao corte de alguns pinheiros que se encontravam fora da faixa de gestão mas fragilizados dada a passagem do incêndio, e, que por isso podiam constituir um perigo para as linhas e o espaço envolvente.
Já MM confirmou que não houve sinais de disparos no dia do incêndio, o que, de resto, ficou provado documentalmente (cfr. Doc. 1 junto pela E-REDES no requerimento com a referência ...84).
A Apelante vale-se ainda do depoimento de KK, engenheiro, autor do Relatório da UON que investigou o circunstancialismo do incêndio dos autos e as respectivas consequências, e que se encontra junto aos autos com o requerimento com a referência ...47.
A Apelante tudo faz para descredibilizar o depoimento da aludida testemunha, que se revelou rigoroso e de uma lógica irrefutável.
Suportado no saber científico e fundamentado de forma racional e lógica, a testemunha explicou que depois de analisado todo o local, que as evidências existentes apontam como ponto de início a zona do canavial.
A sua conclusão foi suportada nas evidências ainda existentes no local – que o Mmo. Juiz pôde confirmar por si próprio em sede de inspecção judicial, designadamente nos troncos de algumas árvores situadas muito para lá da linha de alta tensão, a cerca de 100 metros, nas qual foi possível constatar as marcas do início do incêndio, na zona do canavial, que ganhou força e progrediu, tendo avançado e transposto a zona do vão da linha de alta tensão.
Cai assim por terra a argumentação da Apelante, no sentido de contrariar que o ponto de ignição do incêndio se deu na zona de canavial existente a cerca de 100m da linha de alta tensão.
Em face do exposto, inexiste qualquer erro de julgamento quanto aos factos provados 2.1.11 e 2.1.14 invocados pela Apelante como fundamento do seu recurso de apelação.
A Apelante veio ainda insurgir-se contra os factos não provados, a saber:
2.2. Factos não provados
Com interesse para a decisão da causa não lograram provar-se os seguintes factos:
2.2.1. O incêndio foi provocado em virtude de por baixo da linha de alta tensão existirem pinheiros de brande envergadura, cujas haste e troncos, por via da ação do vento, entraram em contacto com os cabos eléctricos provocando a energia necessária para a ignição do incêndio.

2.2.2. Os danos nas árvores mostram que os seus troncos foram percorridos verticalmente por uma corrente eléctrica que libertou uma quantidade de calor suficiente para provocar a pirólise dos pinheiros.
2.2.3. A Autora adquiriu tractor e alfaias agrícolas destinadas a gradagem e adubação dos terrenos.
2.2.4. A Autora efectuou a preparação do terreno e plantação de eucaliptal novo, bem assim, a gradagem, selecção de varas de primeira e segunda rotação e adubação nos povoamentos já existentes, pagamento de rendas, com custos que ascendem a € 63.216,94
Os factos não provados 2.2.1 e 2.2.2 resultam infirmados nos termos supra expostos, tendo-se provado outra versão fáctica.

No mais, referiu o tribunal a quo que “Finalmente quanto a aquisição de máquinas e preparação dos terrenos, factualidade esta dada como não provada sob os pontos 2.2.3. e 2.2.4., cumpre dizer que, em rigor, nem sequer foi produzida prova concludente sobre esta factualidade, pelo que ao tribunal não restava outra alternativa que não fosse dar tal factualidade como não provada”.

Em face do exposto, improcede na totalidade a impugnação da decisão proferida nos pontos de facto impugnados, mantendo-se na integra a decisão de facto proferida pelo tribunal a quo.

*

.Considera a Apelante que a existência de árvores por debaixo das linhas de alta tensão, em condições em que se possa estabelecer o referido arco eléctrico, cria um risco agravado para os bens existentes na zona das linhas.

No entender da Apelante, a Recorrida tem os deveres de vigiar e conservar as linhas de alta tensão e respectiva zona envolvente.

Considera que, pela sua própria natureza e pela natureza dos meios empregues, a condução e distribuição de energia eléctrica de alta tensão, é uma actividade perigosa.

Dispõe o artigo 493º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil que “ quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar...responde pelos danos que a coisa ....causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua "e que" quem causar danos a outrem, no exercício de uma actividade perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigada a repará-los, excepto se demonstrar que empregou todas as providências exigíveis pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.

Defende a recorrente que a Recorrida, ao permitir o crescimento de árvores por debaixo das linhas de alta tensão, em condições de se estabelecer o arco eléctrico com posterior descarga através dessas árvores para o solo, violou o disposto nos artigos 5º, 26º, 28º, n.º 3, 161º e 167º, n.º 3 do Decreto Regulamentar n.º 1/92 de 18 de Fevereiro.

Pelo que, incorreu em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos e In casu, a presunção de culpa estabelecida no art.º 493.º, n.º 2, Cód. Civil (onde se integra a actividade de condução de energia elétrica), não foi ilidida, devendo a Ré ser responsabilizada pelos danos causados á Autora.

Pese embora a argumentação da Apelante, a sua versão não logrou ficar provada nos autos.

No mais, as obrigações da Ré nesta matéria vêm consignadas no artigo 28º da Decreto Regulamentar 1/92, que estabelece o seguinte:
Artigo 28.º
Distância dos condutores às árvores
1 - Entre os condutores nus das linhas, nas condições de flecha máxima, desviados ou não pelo vento, e as árvores deverá observar-se uma distância D, em metros, arredondada ao decímetro, não inferior à dada pela expressão
D = 2,0 + 0,0075 U
em que U, em kilovolts, é a tensão nominal da linha.
O valor de D não deverá ser inferior a 2,5 m.
2 - Deverá estabelecer-se ao longo das linhas uma faixa de serviço com uma largura de 5 m, dividida ao meio pelo eixo da linha, na qual se efectuará o corte e decote de árvores necessários para tornar possível a sua montagem e conservação.
3 - Com vista a garantir a segurança de exploração das linhas e para efeitos de aplicação do número seguinte, a zona de protecção terá a largura máxima de:
a) 15 m, para linhas de 2.ª classe;
b) 25 m, para linhas de 3.ª classe de tensão nominal igual ou inferior a 60 kV;
c) 45 m, para linhas de 3.ª classe de tensão nominal superior a 60 kV.
4 - Na zona de protecção proceder-se-á ao corte ou decote das árvores que for suficiente para garantir a distância mínima referida no n.º 1, bem como das árvores que, por queda, não garantam em relação aos condutores, na hipótese de flecha máxima sem sobrecarga de vento, a distância mínima de 1,5 m.
5 - Fora da zona de protecção referida no n.º 3 poderão ainda ser abatidas as árvores que, pelo seu porte e condições particulares, se reconheça constituírem um risco inaceitável para a segurança da linha, nas condições previstas no n.º 4.
6 - Entre os cabos isolados das linhas, nas condições de flecha máxima, desviados ou não pelo vento, e as árvores deverá observar-se uma distância não inferior a 2 m, mas de forma que as árvores ou o seu tratamento fitossanitário não possam danificar a bainha exterior dos cabos.
No caso dos autos, atendendo à factualidade dada como provada, nomeadamente no ponto 2.1.14., (O incêndio iniciou-se por causas não concretamente determinadas, a cerca de 100 m a norte da linha de alta tensão (LAT) junto a uma zona de canavial, progredindo em direcção a sul) conclui-se que a Ré não teve qualquer acção ou omissão que desse causa ao incêndio em causa, uma vez que o mesmo se iniciou a cerca de 100m da linha de alta tensão, cuja manutenção era de sua responsabilidade.
Não faz por isso sentido falar em presunção de culpa, já que faltam os demais pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito, único que a Apelante colocou em causa no presente recurso.
Por outro lado, foi ainda dado como provado que:
2.1.23. No troço da linha eléctrica em questão, e antes da ocorrência do incêndio, foi realizada em 2017, uma inspecção termográfica, com recurso a helicóptero, não tendo sido detectada qualquer anomalia dos componentes da linha eléctrica que carecesse de manutenção.
Em face do exposto, conclui-se pela falta de prova do facto gerador da responsabilidade, afastando assim a responsabilidade civil por facto ilícito e também não logrou ficar provado que o incêndio em causa teve origem na rede eléctrica, afastando a hipotética aplicação do art.493º, do CC, pelo que, sem necessidade de mais considerações, terá que improceder a pretensão da Autora.
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3 - DECISÃO
Nos termos vistos, acordam os juízes da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente a Apelação, mantendo na íntegra a sentença objecto de recurso.
Custas a cargo da Apelante.
Évora, 25-01-2024

Maria Amélia Ameixoeira

Manuel Bargado

Maria José Cortes