Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
98/08.3PESTB.E1
Relator: EDGAR VALENTE
Descritores: ESCUTAS TELEFÓNICAS
NULIDADE
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
IN DUBIO PRO REO
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 04/12/2011
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: 1. As escutas telefónicas, constituem expediente atentatório de direitos fundamentais onde se procura o equilíbrio entre a realização da justiça e os direitos de defesa do arguido.

2. Desde que a motivação da decisão revele as razões para se acreditar que as escutas telefónicas são indispensáveis para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, tal revelação (nos termos do nº 1 do art. 187.º do CPP) será equivalente a considerarem-se as escutas telefónicas essenciais às finalidades da investigação.

3. Não podemos cair no exagero de exigir que a motivação do despacho que ordena as escutas seja tão completa como se tivesse a certeza de que o investigado cometeu o crime, uma vez que as escutas são precisamente o meio de obtenção de prova que poderá permitiriam carrear para os autos elementos (meios de prova) susceptíveis de confirmar (ou não) os aludidos ''negócios de droga'' entre os intervenientes.

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório.[[1]]

No processo comum n.º 98/08.3PESTB, da Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Setúbal, o Ministério Público deduziu acusação contra:

1. JB…, residente em Lisboa;

2. FM, … residente em Évora;

3. JP…, residente em Huelva, Espanha;

4. NS…, residente em Loures;

5. AN…, residente em Faro;

6. BE…, residente em Faro;

7. TE…, residente em Setúbal;

8. CR…, residente em Setúbal,

imputando-lhes a prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de produto estupefaciente, previsto e punido pela conjugação dos artigos 21º, nº 1 e 24º, alíneas b), c), f) e j) do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas Anexas I-A, I-B e I-C;

Contestaram os Arguidos JB, NS e BE, oferecendo o merecimento dos autos.

Contestou o Arguido AN, afirmando “eivada de inverdades” a acusação deduzida nos autos.

Contestou o Arguido FM, invocando que apesar do relacionamento com alguns dos outros Arguidos, lhe é absolutamente estranha a propriedade da mochila e da droga que nela se continha, que foram trazidas para a viatura automóvel onde a apreensão se verificou pelo Arguido JB. Mais invoca em seu favor integração familiar e laboral e tudo o que em audiência de julgamento possa resultar.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Colectivo, e ordenada a separação de processos relativamente aos Arguidos TE e CR, a acusação foi julgada parcialmente procedente e, consequentemente:

1 - Os Arguidos JB, FM, JP, AN e BE foram absolvidos da prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de produto estupefaciente, previsto e punido pela conjugação dos artigos 21º, nº 1 e 24º, alíneas b), c), f) e j) do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas Anexas;

2 - O Arguido JB foi condenado pela prática, em co-autoria material com o Arguido FM, de um crime de tráfico de produto estupefaciente, previsto e punido pelo artigo 21º do referido DL 15/93, com referência à Tabela I-C, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

3 - O Arguido FM foi condenado pela prática, em co-autoria material (com o Arguido JB), de um crime de tráfico de produto estupefaciente, previsto e punido pelo artigo 21º do referido DL nº 15/93, com referência à Tabela I-C, na pena de 6 (seis) anos de prisão;

4 - O Arguido JP foi condenado pela prática, como cúmplice dos Arguidos JB e FM, de um crime de tráfico de produto estupefaciente, previsto e punido pelo artigo 21º do referido DL nº 15/93, com referência à Tabela I-C, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa, na sua execução, por igual período de tempo;

5 - O Arguido AN foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de consumo de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 40º, nº 2, do mencionado DL 15/93, na pena de 2 (dois) meses de prisão, declarada integralmente extinta, ao abrigo do disposto no artigo 80º do Código Penal.

I - Inconformado com tal decisão, o Ministério Público dela interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:

« A)

1ª - O presente recurso visa questionar a douta decisão recorrida, nos seguintes aspectos: A) Impugnação da decisão de facto quanto à decisão absolutória relativamente ao arguido NS; B) Impugnação da matéria de direito relativamente ao seguinte: 1) Condenação do arguido JP como cúmplice, pois defende-se a sua condenação como co-autor; 2) Inexistência de fundamento para a suspensão da execução da pena relativamente ao arguido JP. 3) Medida das penas aplicadas aos arguidos JB, FM e JP;

B) Impugnação da matéria de facto

2ª - No que respeita à impugnação da matéria de facto, a discordância resulta de não ter ficado provado que o haxixe apreendido se destinasse a ser entregue ao arguido N, apesar de ter ficado provado que existiram várias conversações que antecederam a apreensão desta droga, realizadas entre o arguido J (um dos que a transportava) e o mencionado arguido;

3ª - Não obstante a clareza destas conversações, sobre o ponto em apreço, o douto acórdão não enquadrou esta prova, com o que demais ficou provado de grande relevância, ou seja, a apreensão da droga a que se reportam essas conversações;

4ª - Da análise efectuada à prova produzida, resulta sem qualquer dúvida relativamente ao arguido N: 1º- que estava ao corrente do que se estava a passar relativamente ao transporte da droga que veio a ser apreendida; 2°- que estava a articular com o arguido J toda a actividade relativa ao transporte; 3°- que conjugou com o arguido J qual o destino da droga; 4°- que visava receber a droga apreendida, dada a forma como acompanhou o transporte;

5ª - Através do conteúdo das conversações e em conjugação com os factos praticados, resulta o seguinte: a) o arguido N demonstra que está ciente do transporte de droga em questão, dadas as referências claras à quantidade e ao “saco” onde o produto estava a ser transportado; b) o arguido N sabia perfeitamente que o arguido Jorge tinha intenção de proceder á [à] entrega do “saco” no local onde se encontrava; e) o conteúdo das conversações veio a ser confirmado pela efectiva apreensão do haxixe, poucos momentos depois da última conversação efectuada;

6ª - Ao contrário do que se refere no douto acórdão, as transcrições das escutas indicadas na acusação valem como prova, considerando o actual regime legal vigente, sendo consideradas pela jurisprudência como prova documental;

7ª - Assim sendo, impunha-se que o tribunal ponderasse e valorasse, de forma adequada, o conteúdo das conversações relevantes sobre o ponto questionado, em conjugação a apreensão de droga efectuada, a qual foi possível realizar em face do conteúdo dessas conversações;

8ª - No caso dos autos, não existem apenas as conversações, há a existência de apreensão de haxixe, o que releva para a integração da conduta do arguido N no crime de tráfico de droga, já que este estava a efectuar as diligências necessárias para tal, que consistiam em acompanhar o percurso da droga para que a pudesse receber, de acordo com as instruções do arguido J com quem contactava;

9ª - Como se referiu supra a douta fundamentação é irrazoável, denota falta de clareza e não valorou as provas relevantes em termos legais, tendo também sido violado o princípio da livre apreciação da prova, dado que não apreciou as provas de acordo com as regras da experiência (arts. 374°, nº 2 e 127° do Código de Processo Penal);

10ª- Termos em que, face aos poderes de cognição desse tribunal superior, se peticiona a alteração da decisão de facto, no ponto impugnado, de molde a que se possa dar como provado que o haxixe apreendido era destinado ao arguido N, o que este sabia, tendo desenvolvido actos idóneos para tal, através de contactos com quem transportava a droga, o que tem relevância criminal, dada a forma como a tutela antecipada dos bens jurídicos se verifica no crime de tráfico de droga;

C) Impugnação da matéria de direito

11º- No douto acórdão recorrido veio a considerar-se que o arguido JP era cúmplice dos arguidos JB e FM em virtude de se terem dado corno provados os seguintes factos: - o arguido conduzia o veículo onde estava o haxixe que veio a ser apreendido, veículo que havia disponibilizado; - o arguido “havia disponibilizado meios para a sua deslocação do produto em causa, facultando aos outros dois arguidos o veículo em que a droga seguia”;

12ª- No caso em apreço, ante os factos provados, não há dúvida que este arguido não se limitou a fornecer o veículo para o transportar a droga apreendida, desempenhado um papel fundamental dado que vinha a conduzir o mesmo, o que permite afirmar, sem qualquer dúvida, que o mesmo estava a transportar o produto estupefaciente apreendido;

13ª- Assim sendo, o arguido J executou actos que preenchem o crime de tráfico de droga como co-autor, com inteiro domínio do facto, dado que estava a transportar a droga em veículo que conduzia, o que se mostrou decisivo no contexto em que os factos estavam a ser cometidos;

14ª- Uma vez que se considera que o arguido Juan é co-autor na prática de um crime de tráfico de droga do art. 21° do D. L. nº 15/93, a pena que deveria ter sido aplicada seria sempre superior a 5 anos de prisão, o que obstaria à suspensão da execução da pena (art. 50°, nº 1 do Código Penal;

15ª- Mas, mesmo admitindo como acertado o enquadramento do comportamento deste arguido na figura da cumplicidade, a pena aplicada nunca poderia ficar suspensa na sua execução, atendo aos seguintes aspectos relacionados com a criminalidade em causa: a) relevo dos bens jurídicos em causa; b) efeitos nefastos da mesma; c) fortes necessidades de prevenção geral relacionadas com a mesma;

16ª- Na verdade, a efectiva execução da pena mostra-se indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização das expectativas comunitárias, conforme jurisprudência uniforme do STJ sobre esta matéria, quando estão em causa crimes de tráfico de droga de alguma gravidade, como é o caso dos autos (cfr. Acs. 19.12.07, 20.2.08 e 8.5.08, mencionados supra);

17ª- A actividade de tráfico constitui um autêntico flagelo e dificilmente seria aceitável para o conjunto de cidadãos que a pena correspondente a tal ilícito fosse suspensa na sua execução, não relevando em sentido contrário a fundamentação aduzida na douta decisão, em face da globalidade dos factos provados;

18ª- Não obstante se tratar de haxixe, considerando as forma como os factos foram praticados, as necessidades de prevenção geral, a personalidade dos arguidos e as demais circunstâncias do caso, impõe-se a aplicação de uma pena de prisão efectiva relativamente aos três arguidos referidos, um pouco abaixo do limite médio da pena dentro da moldura penal aplicável ao crime praticado do art.º 21° do D.L. nº 15/93, de 22/1;

19ª- Na verdade, em face da forma como cada um destes arguidos participou nos factos, sendo fundamental o contributo de cada um deles para os actos de tráfico, impõe a aplicação da pena de 7 anos de prisão para cada um deles, não havendo fundamento para qualquer distinção punitiva relativamente a cada um deles;

D) Normas jurídicas violadas

20ª- O douto acórdão recorrido, na parte impugnada, violou o disposto nos arts. 188º, nº 9 do Código de Processo Penal e 127º do Código de Processo Penal, por um lado, e o disposto nos arts. 27°,71°, nº 1 e 50°, nº 1 do Código Penal, por outro;

21ª- O douto acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 188°, nº 9 e 127° do Código de Processo Penal, dado que não considerou como prova o que resultava das transcrições das escutas e que não a valorou de acordo com as regras da experiência;

22ª- O douto acórdão recorrido violou o disposto no art. 27º do Código Penal, ao considerar os factos provados relativamente ao arguido JP, dado que em face dos mesmos, a sua actividade não se pode integrar na figura da cumplicidade aí prevista;

23ª- O douto acórdão recorrido violou o disposto no art. 71°, nº 1 do Código Penal no que respeita às penas aplicadas aos arguidos JB, FM e JP, já que as penas a aplicar a estes arguidos deveriam ser de 7 anos de prisão, respectivamente, perante os factos provados e os critérios legais aplicáveis;

24ª- O douto acórdão recorrido violou o disposto no art. 50°, nº 1 do Código Penal, ao suspender a execução da pena ao arguido JP, por se considerar que não estão verificados os pressupostos desta norma em face dos factos provados, atendendo em especial às necessidades de prevenção geral nos crimes de tráfico de droga e aos efeitos nefastos desta criminalidade;

E) Cumprimento do disposto no art. 412°, nºs 3 e 4 do Código de Processo Penal

25ª-
I) Pontos que se consideram incorrectamente julgados:

No que respeita aos pontos de factos incorrectamente julgados, tal reconduz-se a um ponto, a saber: que o destino do haxixe que era transportado e que veio a ser apreendido, se destinava a ser entregue ao arguido N.

Reproduz-se o ponto de facto que se considera incorrectamente julgado, na parte sublinhada, de acordo com os termos da acusação e da decisão:

«Por este facto, sendo mais improvável uma abordagem policial por parte da Polícia Judiciária, o arguido JB efectuou nesse dia o transporte do produto estupefaciente desde a zona do Algarve até ao lugar da sua detenção, sendo que o objectivo seria entregar a mochila contendo o estupefaciente ao arguido NS».

II. Provas que impõem decisão diversa da recorrida:

A) Transcrição das escutas realizadas supra no ponto II.2.2 desta motivação, que aqui se dão por reproduzidas, as quais relevam para o ponto em apreço; B) Depoimento da testemunha BR sobre o contexto das conversações havidas já quando a droga estava a ser transportada, cujas passagens mais relevantes são referidas adiante; C) Auto de detenção de fls. 483-485,cujo conteúdo se mostra importante dado que o mesmo relaciona a acção policial com o conteúdo das escutas.

III. Provas que devem ser renovadas:

Todas as indicadas supra, na impugnação e que impõem decisão diversa da recorrida.

IV) Referência aos suportes técnicos e concretas passagens em que se funda a impugnação:

Pelas razões acima mencionadas há apenas o depoimento de uma testemunha, a testemunha BR, que releva para a impugnação da matéria de facto, pois a demais prova relevante é considerada prova documental (transcrições das escutas e auto de detenção.

Inquirição da testemunha BR, depoimento prestado em 27.5.2010 e de acordo com o constante na respectiva acta de audiência: Sistema de gravação do “Habilus”), transcrição das passagens relevantes: “Seguimos sempre o JB através da localização celular…Tivemos conhecimento no dia 29 que o J viria para cima com droga” … “O J vai ter com o N…para lá deixar o saco…Só havia um saco em poder dele.” “Nesta sessão ele diz para levar o saco para ir ter com o N” (nº da sessão da reprodução do sistema “Habilus Media Studio”: 20100527104127_65166 de 00.50 a 55.50, passagem relativa à leitura sobre entrega da droga a partir de 54:31).

Termos em que deverá ser concedido provimento ao recurso e, em consequência:

1º) Ser alterada a decisão da matéria de facto, no que respeita ao arguido NS, relativamente ao ponto atinente ao facto da droga apreendida se destinar a lhe ser entregue, em face das provas referidas, por não existir qualquer dúvida da sua comparticipação nos factos provados, atenta a forma como o tipo legal de crime de tráfico de droga se mostra preenchido;

2º) Em consequência da alteração à decisão quanto à matéria de facto, ser este arguido condenado pela prática do crime de tráfico de droga do art. 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22/1, na pena de prisão adequada;

3º) Ser o arguido JP condenado como co-autor dos arguidos JB e FM, em face da sua intervenção nos factos provados;

4º) Ser o arguido JP condenado na pena adequada como co-autor e, não como cúmplice, considerando-se ser justa e adequada a pena de sete anos de prisão;

5º) Em qualquer caso ser declarado que não há fundamento para a suspensão da execução da pena decretada relativamente ao arguido JP

6º) Serem os arguidos JB e FM condenados na pena de sete anos de prisão, que se considera justa e adequada.
(…)».

II – Igualmente inconformado com a mencionada decisão, o Arguido FM dela interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:

«1. Conforme se alcança logo de fls. 1 a 4 dos autos, a PSP solicitou as intercepções telefónicas, com o fundamento numa informação anónima.

2. Refere-se ali que não havia outro meio probatório que possibilitasse o avanço das investigações.

3. Não pode ser apenas a própria denúncia anónima, a demonstração dos indícios objectivos e consistentes que lei exige.

4. De tal forma que a final o arguido BE, suspeito nas intercepções telefónicas carreadas paras os autos sob o alvo 37398M, mereceu a douta decisão de Absolvição por falta de provas que corroborassem a acusação.

5. E foi com este arguido que todo o processo se iniciou.

6. Foi assim violado o princípio da subsidiariedade que impõe, além do mais, a demonstração de indícios fortes da prática de um dos crimes mencionados no art.º 187° do CPP, pelo que e por falta da sua fundamentação se arguí a nulidade de todas as intercepções telefónicas.

7. A violação do aludido princípio da necessidade e subsidiariedade, constituem a inconstitucionalidade pelo que desde já fica arguida qualquer interpretação do artigo 187° e 188° do C.P.P. em desconformidade com os artigos 18 e 34° da C.R.P.

8. Na verdade o argumento segundo o qual os factos subsequentes terão vindo a revelar-se, alegadamente, demonstrativos da subsistência da denúncia anónima, em nada releva para esta questão, já que, em processo penal, também vale o provérbio de que “os carros não devem estar à frente dos bois”.

9. O inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação (artº 262 nº 1 do C.P.P.)

10. Esse conjunto é por vezes vasto e prolongado no tempo, englobando muitos actos relacionados entre si, o que coloca a questão de saber se o vício que inquina um ou alguns deles se deve estender aos outros que lhes são subsequentes.

11. Na verdade, se o douto Tribunal da Relação entender decidir que as escutas telefónicas levadas a cabo ao co-arguido B. não são válidas, há que retirar as devidas consequências e apurar quais das outras aparecem depois deverão ser tratadas como se não tivessem existido; há que saber se essa invalidade abrange ou não actos processuais posteriores que apresentem alguma conexão com o que possa vir a ser considerado inexistente.

12. Esta possibilidade de projecção de efeitos assume particular importância no caso das proibições de prova.

13. O sentido de uma norma prescrevendo que a invalidade do acto nulo se estende aos que deste dependerem ou que ele possa afectar é desde logo, o de abrir caminho à ponderação que subjaz á chamada doutrina dos frutos proibidos.

14. Durante um período de mais de 80 anos e com importantes reflexos noutros sistemas jurídicos, a doutrina dos “frutos da árvore venenosa” tem sido alvo de tratamento jurisprudencial pelo Supremo Tribunal Federal norte-americano e nunca teve, na sua origem e desenvolvimento no direito respectivo, o sentido de um “efeito dominó” que arrasta todas as provas que, em quaisquer circunstâncias, apareçam em momento posterior à prova proibida e com ela possa, de alguma forma, ser relacionadas.

15. Aliás se a doutrina germânica e os autores americanos tem divergido nas soluções a dar ao problema, convergem, no entanto, no sentido da inadmissibilidade, quer da irrestrita relevância das provas consequenciais, quer da sua total inutilização.

16. Vejamos o que se passa nos presentes autos.

17. O presente processo teve inicio com uma denuncia anónima, de fls. 1 a 4, dos autos e onde constam duas vigilâncias aos suspeitos, entre os quais o BE, das quais e ao contrário do aí expendido, não resulta nenhuma transacção de estupefaciente, nem tão pouco nenhum movimento suspeito.

18. Ainda assim se autorizam as intercepções telefónicas aos suspeitos BE, TE e posteriormente, AN, com os alvos 37398M, 37397M e lT400M, respectivamente.

19. A partir daí, desencadearam-se várias intercepções telefónicas, até chegarem à intercepção ao telemóvel do arguido JB.

20. Assim, e sempre com a ajuda das “escutas” vieram a ser detidos os arguidos JB, J e FM.

21. Resulta assim e à saciedade, a fundamental importância que a escuta telefónica ao BE e TE, tiveram, desde logo para conseguir chegar ao JB, para a obtenção do resultado alcançado, mormente no que concerne à apreensão de droga e dinheiro.

22. Por outras palavras, as escutas dos telemóveis dos alvos 37398M e 37397M, foram condição “sine qua non, da intercepção do telemóvel do co-arguido JB que por sua vez levou à detenção do recorrente.

23. No dia 30 de Abril de 2009, pelas 9 horas, na Auto-estrada A2, foi interceptado uma viatura BMW, matricula ---DMZ, conduzida pelo seu proprietário, o co-arguido JP, e no qual surgia como pendura, no lado direito do condutor, o co-arguido JB e o recorrente no banco traseiro.

24. No acórdão recorrido foi dado como provado que “No dia 30 de Abril de 2009 JB detinha produto estupefaciente, que trouxe consigo desde a zona do Algarve até ao local da sua detenção.” (fim de citação)

25. Por outro lado, a fls. 9 (in fine) do mesmo acórdão recorrido que “No dia 30 de Abril de 2009, cerca das 9 horas, na auto-estrada A2 (sentido Sul-Norte), o arguido FM encontrava-se no banco traseiro da viatura e do veículo automóvel de marca BMW, de matricula ----DMZ, usada pelo co-arguido Juan”. (fim de citação)

26. Ora, os factos acima citados e declarados provados evidenciam, só por si, que o Tribunal “a quo” concluiu ser o co-arguido JB e com excepção dos outros dois ocupantes (entre os quais o recorrente) quem na altura e naquelas circunstancias era o DETENTOR DA DROGA APREENDIDA.

27. É certo que ainda no acórdão recorrido se dá como provado a fls. 10 que “assim, a seus pés, entre o banco traseiro e as costas do banco da frente do lado direito (lugar de passageiro) encontrava-se uma mochila com 126 placas de haxixe, envoltas em película aderente, com o peso total de 12,170 gramas.” (fim de citação).

28. O recorrente, impugna desde já que a mochila apreendida estivesse a seus pés uma vez que a mesma foi transportada atrás do banco do pendura e o recorrente seguia atrás do banco do condutor.

29. Aliás não resulta do depoimento de nenhum dos agentes intervenientes na detenção do arguido FM que estivesse com a mochila a seus pés.

30. Agente AF – Rotações: CD2100527154500 –

31. Perguntado se tinha visualizado quantas pessoas iam na viatura respondeu,
32. “sim 3 individuos”
33. Quanto à presença do recorrente na viatura referiu que, por exclusão de partes,
34. “ia atrás mais deitado” .
35. Perguntado se viu a abordagem referiu o seguinte,
36. “não porque nós estávamos mais afastados”

37. Aliás, esta testemunha, inicialmente e em inquérito tinha referido que apenas tinha visualizado duas pessoas, e que por exclusão de partes seria o recorrente que viria atrás. (fls. 89 do acórdão recorrido)

38. A testemunha PT, agente da PSP, que participou na detenção do recorrente referiu também que não visualizou a abordagem, apenas viu o veículo com 3 indivíduos lá dentro.

39. Rotações: CD20100527152650 – 00:03:10 – 00:03:20
40. “Eu estava a 800 metros do veículo”
41. “A abordagem não vi”
42. “Vi o carro passar e vi que iam 3 indivíduos”

43. De qualquer forma, não basta que no mesmo acórdão recorrido se tenha afirmado que o recorrente e o J“ … conheciam as características do produto que detinha e traziam consigo desde o Algarve até ao momento em que foram interceptados, designadamente a sua natureza de estupefaciente, e bem assim que a sua detenção era proibida por lei.” (fls. 10 do acórdão recorrido – fim de citação).

44. Na verdade, tal afirmação constitui uma mera conclusão que os factos anteriormente declarados provados não permite.

45. Nem se diga que a mochila onde se encontrava o estupefaciente apreendido exalava um cheiro característico do haxixe

46. Aliás, tendo em conta que os agentes da PSP, aguardaram alguns minutos (cerca de dois) após o inicio da intervenção dos G.O.E., que partiram o vidro da viatura e lançaram uma granada de gás, muito se estranha que conseguissem perceber, pelo olfacto, o cheiro intenso a haxixe dentro da viatura.

47. Rotações: CD 20100527115901 – 00:26:04 – 00:26:44

48. Perguntado quem partiu os vidros da viatura respondeu,
49. “os elementos do GOE” e continuou afirmando,
50. “lançaram uma granada de fumo lá para dentro”
51. “logo a seguir, após os indivíduos estarem detidos, abrimos a porta e vimos a mochila.”

52. Os 12 (doze) quilos de haxixe que estavam dentro de uma mochila eram propriedade do co-arguido JB. Aliás, se as intercepções telefónicas indiciam alguma coisa, será certamente o domínio deste sobre o estupefaciente, onde realçamos as seguintes transcrições:

53. Conversas mantida entre os co-arguidos JB[A] e N (Didi) (B]

54. Alvo 1T901M – n° 967179063 – 29/04/2009 – 22:38:22
55. ( … )
56.B) São 15 não é?
57.A) Não é um bocado menos.
58. (…)

59. A este respeito depôs o Sr. Agente da PSP, BR o seguinte:

60. Rotações: CD 20100527104127 – 00:49:50 – 00:50:02
61. “O J fala que o dele e o do N está pronto, que seria o estupefaciente que traziam na posse deles, que seria para os dois, tanto para o J como para o N”

62. Sessão 3942 a fls.33 –[A] Didi e [B] J
63.A) Ahhh … quando chegares vais deixar o F em casa e depois vais ter comigo, como é que vais fazer.
64.B) Não sei, primeiro livrava-me já disto.
65.A) Ahhh!!!
66.B) Vinhas Já
67.A) Não percebi, não percebi.
68.B) Vens já, levas-me o saco.

69. Ainda a este respeito depôs o Sr. Agente da PSP, BR o seguinte:

70. Rotações: CD 20100527104127 – 00:51:35 – 00:51:43
71. “Era o J a confirmar que estava atrasado mas que iria encontrar-se com o N para entregar o estupefaciente.”
72. era convicção do Agente Instrutor do processo –(BR) que a droga se destinava ao N, mas que não sabia de quem era.

73. Rotações: CD 20100527115901 – 00:23:10 – 00:23:20
“Eu não sei de quem era a droga. Eu sei é que era destinada ao N.

74. A circunstância do efectivo controlo policial sobre o veículo visado, permite-nos concluir pela diminuição da gravidade dos factos e do juízo de censura que recai sobre a conduta dos arguidos, o que contribui para reforçar o entendimento de que as penas aplicadas são excessivas, à satisfação das exigências de prevenção que no caso se fazem sentir.

75. Em conformidade os acórdãos do Tribunal Judicial de Grândola no processo 97/07.2 JAGRD, confirmado pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora com o n° 97/07.2 JAGRD.E1 de 14/07/2009.

76. Parece-nos, que a situação factual dada como provada acerca da culpabilidade do recorrente, encaixaria no que conceito de tráfico de menor gravidade e nunca numa qualificação do artigo 21° do Dec-Lei 15/93.

77. A alegada actuação delituosa do recorrente resumiu-se a um único acto, a mera detenção de produto estupefaciente.

78. A qualidade do produto (haxixe), a impossibilidade de vir a ser disseminada por outros consumidores dado a condenação por detenção, e a quantidade não ser elevada (não esqueçamos que a dar como provado o considerado pelo acórdão recorrido, o estupefaciente seria a dividir por 3 (três).

79. Pelo que a condenar o arguido dever-se-à ter em conta a menor gravidade do ilícito, (quanto mais não seja pela simplicidade do modo de actuação).

80. Atendendo à personalidade do arguido, a ausência de antecedentes criminais relacionados com tráfico de estupefacientes, à sua idade, à inserção familiar e profissional e ao tempo de prisão já sofrido, serão suficientes com a ameaça de prisão, realizar as finalidades da punição.

81. Entendemos estarem reunidos os pressupostos para a suspensão da execução da pena, caso o recorrente venha a ser condenado por crime com pena inferior a cinco anos de prisão.

82. É uma pena justa aquela que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa.

83. Ora, no caso vertente, parecem satisfeitas as exigências estatuídas no artigo 25° do dec-lei 15/93, porquanto:

84.a) a vencer o entendimento que decorre do acórdão recorrido, quanto à detenção de 12 quilos de haxixe, imputado globalmente aos três, o que só se admite por mera hipótese de raciocínio, então, e dividindo o total atrás referido por três, ao recorrente caberá um grau de culpa inerente apenas a 4 quilos de haxixe, quantidade que se afigura normalíssima.

85.b) muito embora a nossa legislação não diferencie genericamente as drogas duras das drogas leves, o que é certo é que o legislador tomou tal em consideração para os efeitos do artigo 25°, sendo facto notório a menor nocividade do haxixe.

86.c) o recorrente foi condenado em primeira instância, no limiar da prova e como mero detentor da droga (com exclusão de qualquer das restantes actividades descritas no artigo 21° do mencionado diploma).

87. Assim sendo, as penas fixadas apresentam-se, salvo o devido respeito, altamente exageradas face ao grau de culpa imputável ao recorrente.

88. Pelo exposto se pugna pela absolvição do recorrente. Se assim se não entender, dever-se-á, condenar o arguido F por um crime de tráfico de menor gravidade numa pena de prisão inferior a 2 anos e 6 meses, suspensa na sua execução.

Violaram-se:
· Artigo 187º nº 1 do C.P.P., porquanto não estavam reunidos os pressupostos para autorizar as intercepções telefónicas.
· Artigo 21º do Dec-Lei 15/93 de 22 de Janeiro, porquanto o recorrente não detinha nenhum produto estupefaciente.
· Artigo 25º do Dec-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, porquanto não se condenou por tráfico de menor gravidade.
· Artigo 71º do C.P., porquanto a medida da pena excede a culpa.
·
Impugnação da Matéria de facto
A) Os pontos de facto que considera incorrectamente julgados consistem:
· Que o recorrente fosse um dos detentores do produto estupefaciente apreendido.
· Que conhecesse o conteúdo da mochila que vinha no veículo automóvel.
· Que a referida mochila viesse aos seus pés.
· Que o recorrente fosse o “F” nomeado nas intercepções telefónicas efectuadas no telemóvel do co-arguido JB.

B) As provas que impõem decisão diversa da recorrida:

As declarações das testemunhas BR, PT e AA, todos agentes da PSP, cujas passagens e referências aos suportes magnéticos e ou digitais já se encontram especificados nesta Motivação no capítulo III, páginas 14, 16, 18 e 19 e nos pontos 30, 32, 34, 36, 39, 40, 41, 42, 47, 49, 50, 51, 60, 61, 70, 71 e 73 das Conclusões.

C) Devem ser renovadas as declarações do recorrente, caso assim se entenda pertinente.

· O Recorrente pretende que seja realizada a audiência nos termos do artigo 411º nº 5 do C.P.P., porquanto pretende ver debatidas as questões relativas à alegada participação no ilícito, da simplicidade do modo de actuação e da medida da pena.

Nestes termos deve o presente recurso obter provimento, por provado, absolvendo-se o recorrente. Caso assim se não entenda, que o recorrente seja condenado por um crime de tráfico de menor gravidade e numa pena não superior a 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução.»

III - O Ministério Público junto do Tribunal recorrido respondeu ao recurso interposto por FM formulando as seguintes conclusões [transcrição]:

«1ª - O recorrente suscita a nulidade das escutas realizadas nos autos, em virtude da forma como estas se iniciaram e da sequência dos alvos escutados, suscitando ainda o chamado “efeito à distância” da prova assim obtida;

2ª - Não se vê donde possa resultar a nulidade invocada, dado que as escutas realizadas foram ordenadas judicialmente, em função dos elementos existentes nos autos, seguros da existência de tráfico de droga, tendo sido respeitados os requisitos legais aplicáveis;

3ª - Mas, mesmo a existir tal nulidade, estar-se-ia perante uma nulidade processual a apreciar segundo o regime do art. 120° do Código de Processo Penal, que deveria ter sido arguida no prazo de cinco dias após a notificação do despacho que encerrou o inquérito, nos termos do art. 120°, nº 3, al. c) do Código de Processo Penal, estando sanada em virtude de não ter sido invocada neste prazo;

4ª - Não obstante isto, tendo a questão da nulidade das escutas sido suscitada na sessão do julgamento de 26.4.2010 e tendo sido decidido que ela não ocorria, considera-se que a mesma já foi definitivamente decidida, por decisão transitada em julgado;

5ª - No que respeita ao chamado efeito à distância, o mesmo não existiu por não ocorrer qualquer nulidade que invalide a prova posteriormente obtida, nem se demonstra existir qualquer nexo entre a pretensa nulidade e a prova que se obteve durante a investigação;

6ª - Na fundamentação de facto do douto acórdão e no exame crítico da prova resultam quais as provas que o tribunal considerou para dar como provados os factos que permitiram a condenação do recorrente;

7ª - Essas provas resultam da apreciação e valoração do seguinte: a) ponderação das versões apresentadas pelos três arguidos que seguiam no veículo onde foi apreendida a droga; b) depoimentos dos agentes de autoridade que se encontravam no local e tiveram intervenção na apreensão; c) transcrições das escutas com relevo para os factos ocorridos no dia da apreensão da droga; d) documentos relevantes sobre a apreensão da droga efectuada;

8ª - Da fundamentação de facto do douto acórdão não resulta qualquer dúvida sobre a forma como os factos provados ocorreram e da comparticipação do recorrente nos mesmos;

9ª - Aquilo que o recorrente alega e as provas onde se baseia para pedir a alteração da matéria de facto provada, não tem a virtualidade de permitir tal, dado que se limita à transcrição parcial dos depoimentos de certos agentes policiais;

10ª - No entanto, esses depoimentos devem ser conjugados com aquilo que os arguidos referiram na audiência e com o conteúdo muito importante das transcrições das escutas que antecederam a intervenção policial, o que permite considerar o envolvimento do recorrente e dos outros dois no transporte da droga;

11ª - Assim sendo, não há qualquer dúvida sobre a comparticipação do recorrente nos factos, não se colocando a hipótese da eventual aplicação do princípio do “in dúbio pr reo”, atendendo à fundamentação de facto do douto acórdão.

12ª - No caso em análise os factos provados integram, sem qualquer dúvida, o crime de tráfico de droga do art. 21° do D.L. no 15/93, em virtude da quantidade de droga envolvida e das suas características (12 kgs. de haxixe), envolvendo três pessoas, sendo um deles cidadão estrangeiro que conduzia o veículo onde aquela era transportada, o que tem algum relevo considerando os proventos que pretendiam obter;

13ª - Não há fundamento para afastar esta integração, nem releva para atenuar a sua responsabilidade, o facto do veículo onde a droga era transportada estar a ser seguido pela autoridade policial;

14ª - A forma como o recorrente agiu – em conjugação com os outros dois arguidos – transportando a droga em questão, a sua inserção sócio-familiar, a sua forma de vida e a personalidade evidenciada, impõem a aplicação da pena de prisão adequada, mostrando-se justa a pena de seis anos de prisão;

15ª - Atendendo à pena aplicada (seis anos de prisão) não é possível legalmente suspender a sua execução (art. 50°, no 1 do Código Penal);

16ª - Acresce ainda que, neste tipo de criminalidade, as prementes necessidades de prevenção geral impõe um rigor punitivo o que afasta, por regra, a possibilidade de aplicação do instituto da suspensão da execução da pena;

17ª - Em face dos critérios legais aplicáveis à medida da pena e atendendo à moldura penal do crime de tráfico de droga em apreço, a pena de prisão aplicada mostra-se justa e adequada;

18ª - Em suma, não há fundamento para a redução da pena aplicada ao recorrente, atendendo ao tipo de crime de tráfico em causa, circunstâncias em que o mesmo actuou, sendo necessária a imposição de pena de prisão efectiva, em face das evidentes necessidades de prevenção geral neste tipo de criminalidade;

19ª - O douto acórdão, na parte impugnada pelo recorrente, não violou qualquer norma legal, tendo apreciado correctamente toda a prova produzida e examinada na audiência, devendo ser mantida a penas de prisão aplicada.

Termos em que deverá negar-se provimento ao recurso interposto pelo recorrente FM e, consequentemente, confirmar-se o douto acórdão recorrido, na parte questionada pelo mesmo.»

IV - O Arguido JP respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Invocando os ensinamentos de Eduardo Correia e citando jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, afirma que o estatuto de cúmplice que lhe foi atribuído se revela perfeitamente justificado, face à prova produzida e ao disposto no n.º 1 do artigo 27º do Código Penal.

Mais invoca a adequação da pena que lhe foi imposta e também não merecer qualquer censura a suspensão da sua execução.
*
Os recursos foram admitidos.

Enviados os autos a este Tribunal da Relação, a Senhora Procuradora Geral Adjunta, aderindo às razões invocadas pelo Ministério Público na 1ª Instância, emitiu parecer no sentido do provimento do recurso pelo mesmo interposto e do não provimento do recurso interposto pelo Arguido FM.
*
Observou-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal.

Respondeu o Arguido FM, reiterando a posição anteriormente assumida no recurso interposto.

Colhidos os vistos legais, após a realização da audiência e após deliberação, cumpre decidir.

II. Fundamentação.

De acordo com o disposto no artigo 412º do Código de Processo Penal (CPP) e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95, de 19 de Outubro de 1995[[2]], o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no nº 2 do artigo 410º do CPP ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no nº 1 do artigo 379º do mesmo diploma legal[[3]].

Posto isto, nos presentes autos, o objecto do recurso suscita, para além do conhecimento das questões que acabam de se enunciar, o conhecimento:

I - Recurso interposto pelo MP.

1 – Impugnação da matéria de facto.
Impugna-se a absolvição do arguido NS, por não ter ficado provado que o haxixe apreendido nos autos lhe era destinado, uma vez que as escutas telefónicas (que valem como prova documental) e as circunstâncias em que ocorreu a apreensão da droga impunham decisão contrária.

Pugna-se pela condenação respectiva em pena de prisão.

2 – Impugnação da matéria de direito.
Forma de comparticipação de arguido JP.

2.1. Defende-se a sua condenação como co-autor e não como cúmplice, atentas, fundamentalmente, as seguintes razões:
(*) não se ter limitou a disponibilizar o veículo para o transporte de droga;
(*) desempenhou papel fundamental no transporte de droga, ao conduzir o veículo.

Entende-se que a pena a impor deve ser superior a 5 anos de prisão, ou mesmo 7 anos.

A manter-se a cumplicidade, a pena de prisão fixada não deve ficar suspensa na sua execução.

2.2. Medida das penas.

Defende-se que os arguidos JB, FM e JP devem ser condenados a 7 anos de prisão.

II - Recurso do arguido FM.

1 – Nulidade das intercepções telefónicas.

Por violação dos princípios da necessidade e da subsidiariedade.

A aplicação do disposto no artigo 122° do CPP - efeito à distância - atinge todos os meios de prova obtidos através da escuta telefónica.

2 – Impugnação da matéria de facto.

Com vista à demonstração de que o Recorrente não era o detentor da droga apreendida.

3 – Enquadramento jurídico dos factos.

A subsunção da conduta dada como provada deve integrar o crime de tráfico de menor gravidade, na previsão do artº 25° do DL nº 15/93, de 22.01.

4 – Medida da pena.

A pena deve ser fixada em medida inferior a 5 anos de prisão, pugnando-se pela fixação em 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução.

No acórdão recorrido foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]:

''Do arguido BE

No dia 5 de Dezembro de 2008, pelas 13:07 horas, BE recebe um SMS onde lhe referem “… que está um pouco caro. E também de chamom tem um moço que me perguntar qual é a marca que você tem. Se é Plim ou bolota ou sabão, que manda ele um bocado para provar se é bom que ele vai comprar… o moço disse que o pagamento é dia 6 comigo está tudo certo, está bem.”

Imediatamente a seguir a receber esse SMS, pelas 13:10 horas, BE contacta o emissor do mesmo alertando-o para não voltar a enviar SMS com os mesmo conteúdos, aproveitando para lhe relembrar que ainda não lhe pagou.

No dia 28 de Dezembro de 2008, pelas 11:56 horas, BE é contactado por alguém que diz ser “Neto” e lhe pede para “que lhe meça 100 metros de parede” a pedido de um outro amigo.

No dia 2 de Janeiro de 2009, pelas 11:35 horas, BE é contactado por um desconhecido que lhe pergunta se ainda tem o produto “barra de sabão” referindo o arguido que o deixou em Lisboa na última viagem.

No dia 6 de Janeiro de 2009, pelas 21:28 horas, BE telefona a alguém perguntando “quantos metros de reboco é que vai por dia” respondendo o seu interlocutor “50 ou 150, ele tem mais um companheiro, uns 50”.

No dia 21 de Janeiro de 2009, pelas 16:40 horas, BE recebe um telefonema de alguém que se intitula “Engenheiro” que lhe diz que “aquilo é 42.50 euros e até ás 18:30 horas o dinheiro tinha de lá estar”.

E, pelas 18:16 horas, do mesmo dia, BE telefona para um desconhecido que lhe diz “se tiver alguma ‘coisa’ na mão para aparecer por lá…e se ele precisar que ele lhe leva e que é de boa qualidade.”

Do arguido aN

O arguido A, residente…. em Olhão, sendo dono de uma oficina denominada Auto A…, situada na zona industrial de Olhão.

É o utilizador dos telemóveis com os números xxxxxxxx, xxxxxxxxx, xxxxxxxxxx, xxxxxxxx(e, ainda, os TM com os nºs xxxxxxxxx, xxxxxxxxxc e xxxxxxxxx que lhe foram apreendidos no interior da sua residência).

Foi combinado um encontro entre o AN, o BE e o NS , junto ás bombas de abastecimento e combustível da BP no Pinhal Novo.

No dia 2 de Março de 2009, pelas 13:57 horas, AN liga a um desconhecido referindo que «das outras “médias” já não há… leva das outras». E, no mesmo dia, envia um SMS a um desconhecido dizendo «É bom, bom, bom. Dá para pores a mais de 1600».

No mesmo dia, AN telefona para um indivíduo de alcunha “Edy”, e pergunta-lhe se “sobra alguma” referindo este que sim. Depois, liga a um desconhecido e refere que “mais uma horinha e tem aquilo”.

Telefona para o “Edy” perguntando se ele quer 1.5 das fininhas, tendo este respondido que sim.

Imediatamente a seguir, liga para o BE e diz-lhe o “Edy” lhe vai ligar para ele lhe dar um saco que se encontra por baixo do banco do Renault Megane.

Seguidamente, o A diz em voz off que tem um Holandês que “põe 65 mil Euros na mão do preto”.

No mesmo dia ainda recebe um SMS que refere «agora só 1.5» e envia um SMS a um desconhecido referindo “levax muito” e a um outro desconhecido «vem ter à minha , Traz”. E a um outro “E se te safar 2.5 amanhã”, este responde
“claro mas tens mesmo de ter”.

Ainda no mesmo dia (pelas 23:40 horas), o arguido AN envia um SMS a um desconhecido referindo “já tenh iss. O put tem alguma coisa?”… e outro “tens de descer plo menos ao fim da 13 e depois falamos melhor vais gostar” ao que o desconhecido responde “já tenho Max so te posso darte amanha akilo”.

No dia 4 Março de 2009, o NA envia diversos SMS’s e telefonemas a um indivíduo de identidade desconhecida.

Dias depois, o A liga ao arguido B, e pergunta se ele se lembra daquilo do café, porque ele tem aquilo na mão, escuro, para ver se ele sabe de alguém que queira. B diz que só lá em cima, mas A acrescenta que tem de ser em Faro e “para o B se desenrascar”.

Numa outra conversa telefónica, em voz off, o A diz que “no ano passado (2008) fez 20 quilos de outra para casa, no dia da descarga em que o outro foi apanhado”.

Noutra ocasião, o A dialoga com um indivíduo não identificado acerca de produtos não apurados.

Depois, o arguido B liga para o A e diz para “os gajos” lhe ligarem para irem a Portimão. A pergunta se é para o leite ou para o café B responde que é para o leite. A diz que agora está na casa dele no outro lado, a tentar safar a situação dele.

Em 9 de Março de 2009, pelas 12:22 horas, AN é contactado por alguém que lhe pergunta se tem ampolas, comprimidos ou em pó. AN, pelas 20:20 horas do mesmo dia, refere a um desconhecido “10 placas? dás 12 e dá 125”.

Já no dia 10 de Março de 2009, pelas 17:05 horas, AN diz “se Deus quiser hoje são 65 quilos. Era tão bom!”.

Alguns dias depois, um tal Duarte liga ao arguido AN e este pergunta se o Duarte se lembra dos 40 que tinha levado do outro. Duarte pergunta se eram os pacotes, ao que o A responde que sim, os de açúcar, e pergunta se o Duarte não consegue ir buscar um para dar de amostra a um “chavalo”.

Posteriormente, F liga ao AN que lhe refere que entregou 7 quilos de sardinha e mais 4 ou 5 quilos de placas fininhas e pergunta quanto custou. A responde dizendo que “isso é com o F”.

F acaba por convidar o A para ir com ele a Espanha buscar as coisas, porque o patrão está a receber. No decurso da conversa, F pergunta ao A se ele andou a comprar cocaína.

A, em conversa com um terceiro não identificado, menciona que “O melhorzinho é o mais barato. Eu prefiro o mais barato e o pior. Chego ali, plastifico, dou-lhe uma nova capazinha; Se for bom, e vier perfeito, investiste ali 500 Euros, e recebes 1200 ou 1300”.

Posteriormente, no dia 04/04/2009, em intercepção telefónica ao IMEI ~…….. do alvo 1T400I1E, na sessão 549, em voz off é perceptível o A. a dizer “ acho que não vou é vender nada… 150 Euros, do Euro…Quanto é que me fazes a mim? Então não quero nada disso… Precisava de 1000 Euros até segunda feira…. Estavam feitos, se o Didi tivesse trazido aquela merda.”

No dia 31 de Julho de 2009, pelas 6:00 horas, numa busca domiciliária à habitação do arguido AN sita….., em Olhão, foram encontradas 8,13 gr. de uma substância que aparentava ser haxixe e que submetida a exame laboratorial, revelou sê-lo.

Do arguido NS

NS, indivíduo conhecido pela alcunha de “Didi” é residente na zona de Loures e pertence ao grupo das relações dos arguidos AN e de BE.

Didi” era utilizador dos números telefónicos xxxxxxxxx, xxxxxxxxx, xxxxxxxxx, xxxxxxxxx, xxxxxxxx, xxxxxxxx, e xxxxxxxx.

No dia 30 de Abril de 2009, o arguido JB [logo após a sua detenção] ligou ao “Didi” informando que fora “apanhado em flagrante” e referindo que lhe ia escrever um papel onde dizia tudo o que ele iria ter que fazer, acrescentando para o Didi ir falar com o “Tubarão”, o qual lhe iria dar um telefone afirmando que as cenas iam continuar, mas que o iria avisar do que tinha que fazer, porque senão o iria encontrar ali (na prisão).

Do arguido JB

O arguido JB é o possuidor do telemóvel nº xxxxxxxxx.

No dia 30 de Abril de 2009 JB detinha produto estupefaciente, que trouxe consigo desde a zona do Algarve até ao local da sua detenção.

Assim, J telefonou para o NS (Didi) e disse-lhe que estava tudo pronto, mas ainda não tinham saído porque havia muita Polícia na estrada. Didi pergunta se os homens já estão vestidos. J diz que já está tudo pronto.

No dia 30 de Abril de 2009, cerca das 9 horas, na Auto Estrada A2, sentido Sul-Norte, ao km 74, os arguidos JB, FM e JP viajavam no interior do veículo automóvel, de marca BMW, de matrícula….DMZ, que era usado pelo arguido J, seguindo este como condutor, o arguido J no lugar de pendura e o arguido F no banco traseiro da viatura.

No interior da viatura, entre o banco traseiro e as costas do banco da frente do lado direito (lugar de passageiro) encontrava-se uma mochila com 26 placas de haxixe, envoltas em película aderente, com o peso total de 12,170.00 gramas.

Nesse dia, o arguido JB liga para ao co-arguido “Didi” e disse-lhe que já estava a caminho. “Didi” perguntou se estava tudo bem e JB responde que o dele e o do “Didi” está garantido, o resto é que não, acrescentando que se chateou com o F por causa de dinheiro, terminando com a referência de que o dinheiro que (o “Didi”) “lhe deixado lá para as cenas, valeu a pena”.

O arguido JB mesmo depois de se encontrar em prisão preventiva no estabelecimento prisional da PJ de Lisboa, em 1 de Maio de 2009 contactou telefonicamente NS.

Do arguido FM
O arguido FM é conhecido dos arguidos JB, NS e AN.

No dia 30 de Abril de 2009, cerca das 9 horas, na Auto Estrada A2 (sentido Sul-Norte), o arguido FM encontrava-se no banco traseiro da viatura e do veículo automóvel de marca BMW, de matrícula -----DMZ, usada pelo co-arguido J.

Assim, a seus pés, entre o banco traseiro e as costas do banco da frente do lado direito (lugar de passageiro) encontrava-se uma mochila com 126 placas de haxixe, envoltas em película aderente, com o peso total de 12, 170.00 gramas.

Do arguido JP
JP é um cidadão espanhol residente em Huelva, Espanha,

Assim, no dia 30 de Abril de 2009, cerca das 9 horas, na Auto Estrada A2 (sentido Sul-Norte), o arguido JP conduzia o veículo automóvel, de marca BMW, de matrícula ~~~~DMZ onde seguiam os co-arguidos JB e FM.

E, no interior da viatura, entre o banco traseiro e as costas do banco da frente do lado direito (lugar de passageiro) encontrava-se uma mochila com 126 placas de haxixe envoltas em película aderente, com o peso total de 12, 170.00 (cf. fls. 488).

Os arguidos J e F conheciam as características do produto que detinha e traziam consigo desde o Algarve até ao momento em que foram interceptados, designadamente a sua natureza de estupefaciente, e bem assim que a sua detenção era proibida por lei.

Outro tanto sabia o arguido J, tendo disponibilizado meios seus para a deslocação do produto em causa, facultando aos outros dois arguidos o veículo em que a droga seguia.

O arguido A conhecia as características do produto que detinha no interior da sua residência, designadamente a sua natureza de estupefaciente, e bem assim que a sua detenção era proibida por lei.

Embora resida em Portugal, BE não é cidadão nacional (sendo natural da Guiné – Bissau).

Mais se provou:

Que o arguido JB é solteiro e tem um filho com 7 anos que vive com a mãe.

A mãe do filho é advogada. Ganha 600 euros mês, prestando os seus serviços para escritório de terceiros.

Residem ambos com a avó do filho.

Tem o 11º ano e no EP está a tentar fazer o exame de acesso à faculdade (de acordo com a sistema “mais de 23”).

Do seu Relatório social, junto aos autos a fls. 3161 e ss., cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos e se transcreve parcialmente, no que às respectivas conclusões respeita;

“(…) o processo de desenvolvimento do arguido decorreu no seio da família de origem, sendo os progenitores referências gratificantes que procuraram transmitir-lhe princípios e valores socialmente ajustados (…) A instabilidade emocional advinda da ruptura da ligação afectiva com a mãe do filho (…) associada aos problemas económicos vividos na altura e à morte inesperada do progenitor, principal figura de referência da sua vida, revelar-se-iam como situações de difícil adaptação e desorganização pessoal, com consequências negativas a todos os níveis, no percurso futuro (…). Assumindo a nível pessoal, uma forte ligação a um estilo de vida sem privações de determinados bens de consumo (…) tais circunstâncias associadas às suas características pessoais como ambição e dificuldade de descentração precipitaram o seu contacto com o sistema (…) penal (…)”

Do seu CRC, que faz fls. 2534 dos autos, cujo teor aqui e dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos, consta o averbamento de uma condenação (trânsito em 20.02.2006) na pena de 130 dias de multa, pela prática a 5.01.2002, de um crime de ofensa à integridade física simples.

Nos termos do seu relatório social que faz fls. 3039 e ss. dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos, o arguido F é solteiro e como habilitações literárias, tem o 9º ano de escolaridade.

Tem um filho, com 9 anos de idade que reside com a mãe.

Emigrou para Espanha em 2006, onde trabalhou como segurança em casas de diversão nocturna em Lepe.

Nesse relatório, que se transcreve parcialmente, no que às suas conclusões respeita, consta que o arguido “(…) beneficiou de um ambiente familiar funcional (…) os progenitores terão procurado exercer as suas responsabilidades parentais e educativas, investindo na sua formação académica, processo ao qual o arguido ofereceu resistência (…)”.

Do seu CRC, junto aos autos a fls. 2606, consta o averbamento das seguintes condenações;

Com trânsito em 31.12.2004, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, pela prática a 04.04.2002, de um crime de passagem de moeda falsa;

Com trânsito em 27.09.2004, na pena de 75 dias de multa, pela prática a 27.09.2001 de um crime de injúria agravada;

Com trânsito em 20.12.2005, na pena de 270 dias de multa, pela prática a 16.02.2002, de um crime de ofensa à integridade física simples;

Com trânsito em 09.02.2009, na pena de 14 meses de prisão suspende na sua execução por igual período de tempo (subordinada a condição), pela prática a 09.05.2006 de um crime de ofensa à integridade física simples e de um crime de coacção na forma tentada.

O arguido J é construtor de construção civil. Tem uma pequena oficina em Huelva. O pai já exercia o mesmo ofício e de há 4, 5 anos atrás, “passou-lhe” o negócio.
A mulher está no Brasil, actualmente.
Mas viveu durante cerca de 10 anos em Espanha.
A mulher tem um filho com 7 anos de idade, que vive com eles.
Como habilitações literárias, é técnico de desenho de construção.
Tem manifestado um bom comportamento, no interior do EP no qual se encontra em prisão preventiva.
Do seu CRC junto aos autos a fls. 2651, “nada consta”.

Quanto ao arguido A, nos termos do seu relatório social que faz fls. 3171 e ss, dos autos, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos, o mesmo é solteiro e como habilitações literárias, tem o 12º ano.
Antes de ser preso, vivia com a sua namorada em apartamento próprio.

Das conclusões do seu relatório social, que parcialmente se transcrevem, consta que o arguido “(…) pessoa oriunda de meio sócio-familiar normativo foi sujeito a uma educação diferenciada voltada para a responsabilidade, o esforço, o trabalho mas também o lúdico e o prazer e a ligação ao mundo social. O contexto sócio-económico que o arguido integrou favoreceu um nível de vida média-alta, com um acesso facilitado aos bens de consumo e a um estilo de vida despreocupado (…) as suas capacidades de trabalho em especial na área da mecânica, parecem constituir um factor favorável à sua inserção no meio laboral, assim como a sua ligação afectiva a algumas pessoas com um percurso de vida consonante com a legalidade e as exigências sociais (…)”.

Do seu CRC, junto aos autos a fls. 2515 “nada consta”.

Quanto às situação pessoal e condições económicas do arguido NS, são as que constam do seu relatório social que faz fls. 3179 e ss., cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos.

Do seu CRC que faz fls. 2832 e ss, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos, mostram-se averbadas as condenações que do mesmo constam.

O arguido BE é tido por quem o conhece como pessoa trabalhadora, que vive da sua actividade profissional, na área da construção civil.

Do seu CRC que faz fls. 2838 e ss., cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os legais efeitos, mostram-se averbadas as condenações que do mesmo constam.»

Relativamente a factos não provados, consta do acórdão que [transcrição]:

«Não se provou:
Que arguidos pertencessem a uma rede de comércio e distribuição de diversas substâncias estupefacientes (cocaína, heroína e haxixe) actuando maioritariamente na zona de Setúbal – mas, também, em Lisboa, Damaia, Loures, Setúbal, Albufeira, Faro, Olhão, Vila Real de S. António e, ainda, com ramificações internacionais em Espanha (v.g. Isla Cristina, Sevilha e Barcelona, através do contacto com JP e com os suspeitos conhecidos por “El Gordo” e “F”) – tendo em vista negociar essa droga através da sua venda ao público (cfr. fls. 684).

Quanto ao arguido BE
Que fosse distribuidor de todo o tipo de estupefacientes que conseguia obter (cocaína, heroína e haxixe) para serem (re)vendidos por terceiros nas zonas de Setúbal e do Algarve.

Que para tal usasse o seu telefone móvel com o nº xxxxxxxxxx, desenvolvendo com o mesmo negociações de compra de droga, para revenda, e de venda de droga a terceiros, usualmente a revendedores, transaccionando quantias elevadas, superiores a um quilo, mas que podiam ascender a mais de 30 quilos (habitualmente quantidades de 3 ou 4 Kg).

Que no dia 7 de Novembro de 2008, pelas 20:00 horas se tenha deslocado à residência sita na Rua -----, em Setúbal, a fim de entregar cocaína, heroína e haxixe para venda ao público.

Que no dia 10 de Novembro de 2008, pelas 17:00 horas, tenha regressado ao mesmo local (nº 1 da Rua…., em Setúbal) para entregar mais estupefacientes.

Que trocasse frequentemente de fornecedor, abastecendo-se maioritariamente de produtos estupefacientes na zona da Damaia.

Que no sul o seu fornecedor fosse o arguido AN.

Que entre 07.11.2008 e 27.10.2009 tenha comprado a alguém que tratava por “Sobrinho”), “todo o tipo de estupefacientes”.

Que entregasse a TE cocaína e Heroína, deslocando-se em tal finalidade num jipe de marca Nissan, modelo Terrano, de cor verde, com a matrícula xxxxxG.

Quanto ao arguido AN
Que com recurso aos telemóveis de que era titular, desenvolvesse a actividade de comercialização de droga.
Que a alternância quanto ao uso de telemóveis visasse evitar ser alvo de escutas pela polícia.
Que a sua “verdadeira” actividade comercial fosse a aquisição de estupefacientes, para revenda (maioritariamente haxixe).
Que se encontrasse inserido numa rede organizada de tráfico de produtos estupefacientes, mais concretamente Haxixe, a operar na zona de Olhão e Faro, Ayamonte e Isla Cristina.
Que fosse distribuidor/grossista deste produto, adquirido a um indivíduo de nome Filipe, residente na região de Isla Cristina.
Que o e elo de ligação de AN aos restantes arguidos fosse “intermediado” pelo arguido JB
Que entre 14 de Novembro de 2008 e 31 de Julho de 2009 AN tenha efectuado várias viagens á área geográfica de Setúbal para venda (de haxixe) e/ou compra de (outras) drogas.
Que em Março de 2009 AN se encontrasse “freneticamente” a vender droga, aguardando em inícios de Março de 2009 um descarregamento de estupefaciente (haxixe) a ocorrer na zona de Olhão.
Que a conversa telefónica havida entre A e B, (café, tem aquilo na mão), se referisse a qualquer negócio de tráfico.
Que durante o referido período de tempo, o arguido A tenha efectuado diversos transportes de haxixe para a zona de Lisboa, e tenha levado cocaína para a zona do Algarve, a mando do co-arguido JB.
Que o produto que lhe foi apreendido em sua casa, que parecia cocaína se tratasse de facto desse produto estupefaciente.

Quanto ao arguido NS
Que gerisse qualquer negócio de comercialização de drogas, com ou sem recurso a contactos telefónicos;

Que tenha usado vários números de telefone, com o intuito de evitar as escutas policiais;

Que “trabalhasse” com Haxixe, Cocaína, Heroína, substâncias do tipo de Esteroides anabolizantes chamadas “Decas” (Decadurambolim) – vendendo estas últimas num ginásio que frequentava, em Loures.

Que a relação com o JB tivesse a ver com a actividade de tráfico, sendo ele a pessoa encarregada de contactar directamente com os fornecedores.

Que tenha vendido cocaína a BE através do co-arguido A (actuando este como “intermediário” nesse negócio).

Que tenha combinado com um indivíduo de Nacionalidade Espanhola, de alcunha o “Gordo” ficar-lhe com 25 quilos de Cocaína;

Que este arguido não tenha nacionalidade portuguesa.

Quanto ao arguido JB
Que ocupasse uma posição “proeminente” no seio do grupo do arguidos, dirigindo operações de venda de estupefacientes desde 14 de Novembro de 2008 e até à presente data 25 de Novembro de 2009.

Que para tal finalidade usasse quer o contacto directo com os seus potenciais clientes, ou desenvolvesse negociações através dos seus telefones móveis.

Que desenvolvesse negociações de compra de droga, para revenda, e de venda de droga a terceiros, transaccionando quantias elevadas, superiores a um quilo, mas que podiam ascender a mais de 30 quilos (habitualmente quantidades de 3 ou 4 Kg).

Que para além do apurado (i.é, que detinha, trazendo consigo tal produto), este arguido fizesse o transporte (para outrem, bem entendido) do mesmo, desde o Algarve.

Que o seu objectivo fosse o de entregar a mochila que continha estupefaciente ao arguido NS.

Que tenha “comandado” qualquer operação de comércio de estupefacientes do interior do Estabelecimento Prisional onde se encontra detido.

Que na conversa que teve com N., após a sua detenção, lhe tenha explicado como continuar a actividade de tráfico de estupefacientes enquanto ele estivesse preso.

Quanto ao arguido FM
Que fosse o “elo de ligação nacional aos traficantes da zona da Isla Cristina, em Espanha”, ali operando como intermediário no fornecimento de produtos estupefacientes, nomeadamente de “haxixe”.

Que ocupasse uma posição “destacada” no grupo dos arguidos, “cooperando” em quaisquer operações de transporte e venda de estupefacientes desde 14 de Novembro de 2008.

Que fosse o arguido o fornecedor do “haxixe” dos co-arguidos.

Que para tal usasse qualquer contacto directo com os co-arguidos, ou desenvolvesse quaisquer “negociações” através dos seus telefones móveis.

Que desenvolvesse negociações de compra de droga, para revenda, e de venda de droga a terceiros, transaccionando quantias elevadas, superiores a um quilo, mas que podiam ascender a mais de 30 quilos (habitualmente quantidades de 3 ou 4 Kg).

Que, pese embora o “supra” apurado (i.é, que na data referida nos autos, seguia dentro do BMW que foi interceptado), efectuasse este arguido o transporte (para ou de outrem) de qualquer droga.

Quanto ao arguido JP
Que tenha actuado “como intermediário”, utilizando, por diversas vezes, a sua viatura pessoal, BMW, modelo 120D, de cor preta, com a matrícula ----DMZ, para transportar os restantes arguidos (nomeadamente FM, JB, NS e AN) e o produto estupefaciente através do território nacional.

Que os seus contactos telefónicos fossem efectuados maioritariamente para o arguido FM que residia em Évora.

Que ocupasse “posição importante” no grupo dos arguidos, “cooperando” nas operações de transporte e venda de estupefacientes desde 14 de Novembro de 2008.

Que para tal fizesse uso dos seus telefones móveis e comunicasse sempre em código para os restantes arguidos, a fim de impedir a compreensão de que transaccionavam drogas ilícitas).

Que fosse desenvolvendo negociações de compra de droga, para revenda, e de venda de droga a terceiros, transaccionando quantias elevadas, superiores a um quilo, mas que podiam ascender a mais de 30 quilos (habitualmente quantidades de 3 ou 4 Kg).

Que o arguido acompanhasse o transporte de quaisquer desses produtos (via automóvel) vindos de Espanha e do Sul de Portugal para a zona de Setúbal e Lisboa.

Quanto a todos os arguidos:
Que os mesmos procedessem à venda dos mencionados produtos, visando obter um “diferencial” com elevada expressão económica, designadamente através da venda a um número indeterminado de pessoas de tais produtos.

Que efectivamente tenham logrado conseguir obter tal diferencial.

Que aos arguidos ou junto deles, tenha sido apreendida “Cocaína”.

Quanto aos demais factos não mencionados;

Tal opção deve-se à circunstância de se tratarem de meras conclusões, ou de serem processualmente irrelevantes (neste caso, a indicação dada no dia 30 de Abril de 2009 por JB acerca de um possível descarregamento de Haxixe na zona de Olhão, ao inspector da PJ RG).»

A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]:

«No alicerçamento da sua convicção, ponderou o tribunal, o seguinte circunstancialismo:

Que a investigação nos autos se inicia (nas palavras do seu instrutor policial, como “infra” melhor se explicitará, por referência directa ao seu depoimento), com a recolha “na rua” de informação (de fonte segura) de que havia dois indivíduos que se dedicariam ao tráfico.
Entre eles o BE que residia em Faro.
Inicialmente, o processo foi iniciado com vigilâncias em Novembro ao B.
Havia a informação de que o mesmo usava um veículo Nissan Terrano e que se deslocaria a Setúbal para tal.
Foi feita uma vigilância na BP e viram o mesmo dirigir-se à R. AG onde ia ter com alguém aí.
Todavia, não viram qualquer transacção (tal vigilância não encontra suporte documental nos autos, nada neles tendo sido junto acerca de tal temática).
Como tinham acesso aos números de telefone do E, solicitaram escutas.
O número atribuído ao Alvo: 37398M, apenso B.
O Telefone nº xxxxxxxxxxx
E daqui partindo (dir-se-ia e aqui chegados), os meios probatórios que estruturaram a acusação que nos autos foi deduzida, assentaram quase na sua totalidade em escutas, já que quase nenhuma outra diligência foi realizada (e as poucas que o foram, não trazem para os autos, na sua maioria, qualquer resultado que objectivamente comprovasse o libelo indiciário vertido na antedita peça processual).
São as conversas havidas entre este arguido e as pessoas que o contactaram no número objecto de intercepção, que levam a que os demais arguidos fiquem com os números telefónicos usados também em intercepção, de acordo com o teor das conversas registadas entre si e a sua proximidade (com maior ou menor rigor e assento literal) com o que (na convicção do instrutor do processo) traduziria uma “linguagem cifrada” em que se usariam termos (próprios, donde que “cifrados”) que indiciariam que aqueles se dedicariam ao tráfico de droga.
Relativamente a alguns dos arguidos (neste caso o F):
A sua investigação surge por intermédio da sua alusão mais ou menos descritiva, nas conversas sujeitas a intercepção havidas entre os arguidos sujeitos a essas escutas.
Assim iniciada a investigação;
E desse modo mantida;
Surgem indícios que levam a crer que numa determinada data, os arguidos J e F estariam a fazer um transporte de droga, proveniente do Algarve, na direcção de Lisboa.

Nessa sequência;
No dia 30 de Abril de 2009, é interceptado o veículo BMW melhor identificado nos autos, onde seguiam aqueles J e F, “acompanhados” de uma mochila cujo conteúdo é o que outrossim se apura (126 placas de haxixe, com o peso total que se menciona “supra”).
Ao volante desse veículo vinha o seu condutor (o arguido Juan), que até à data era absolutamente desconhecido para as entidades encarregues da investigação.
Ou seja;
Tal diligência surge como o resultado objectivo e material (o único, diga-se em abono da verdade) dos indícios que até então foram sendo recolhidos na sua quase exclusividade, por intermédio das escutas telefónicas (as quais prosseguem, com intercepção de conversa havida entre o arguido J - após a detenção deste – e o arguido NS, como mais à frente teremos ocasião de melhor explicitar).

Sendo que;
Tal diligência se consubstancia “ao cabo e ao resto” numa situação em que aqueles três arguidos são encontrados em “flagrante delito”, num carro onde viajavam juntos e tendo como “bagagem” uma mochila com a referida quantidade de haxixe (o que está na origem da detenção dos próprios) e que confere às escutas havidas nos autos (estas como bem se sabe, são simples meios de recolha probatória) alguma “tangibilidade” do ponto de vista da prova (de parte) do libelo acusatório.

Ora;

Tendo estes três arguidos (justamente os que são surpreendidos numa situação de “flagrante delito”) optado por (ao contrário dos demais) prestar declarações sobre os factos, disseram os mesmos o seguinte:

O arguido JB, que;
Nunca vendeu droga.
Quanto aos telemóveis mencionados na acusação, o 1º era seu, mas não conhece o segundo e o terceiro números nela referidos.
Não sabe se os outros dois se reportam a cartões que nunca usou de telemóveis com os quais fez contrato com operadoras móveis.
Deu a indicação ao Inspector da PJ referido na acusação (G), como nesta consta.
Não é a primeira vez que o faz. Está registado como tal (como informador da PJ).
E também, da PSP.
Tratou-se da informação de uma descarga no Algarve, que nada tem a ver com os autos.
Transportava haxixe desde o Algarve e tencionava ir até Lisboa (o destino concreto não sabe, nem nenhuma pessoa lhe foi indicada para a recepcionar) mas foi interceptado no entretanto (no BMW).
O produto era do FM.
Em 2008, trabalhava com o pai e nessa ocasião, por falecimento deste “foi-se abaixo”.
Dos arguidos só conhecia o N.
A 6 ou 8 Janeiro de 2009 conheceu o F, num jantar. Já o tinha visto antes e foi-lhe apresentado por um amigo comum, na Graça.
Como ele estava com problemas relacionados com alegados sequestros em Espanha, precisava de alguém que o protegesse.
Passou a acompanhá-lo como segurança dele (pagava-lhe 100, 150 Euros por semana).
Dormia em casa dele (em Isla Cristina) e acompanhava-o em todos os momentos que não da sua privacidade.
Este não exercia actividade profissional.
O F vinha muitas vezes a Lisboa e a outros sítios de Portugal.
Um dia propôs-lhe abrir caminho, a ver se havia polícia na estrada porque queria fazer transporte de produto estupefaciente e este arguido aceitou.
Auferiria 500 euros assim que chegasse a Lisboa.
Viria num carro dele à frente do BMW onde seria transportada a droga e só não o fez porque o carro em que se transportava com essa finalidade, avariou.
O dia: foi o da sua detenção, referida nos autos.
Sabia que fazia transporte de droga, mas não chegou a ver a mochila (porque foi para o lugar do pendura e adormeceu). Tinha estado a beber.
Não recorda quem vinha a conduzir porque houve uma troca entre o J e o F, que se revezaram.
Vinham de Albufeira.
Não recorda se antes dormiu na casa de uma namorada em Albufeira, se veio de Espanha.
Não sabia qual era a quantidade do produto transportado.
Não chegou a receber o dinheiro.
Dá a informação à PJ porque também lhe iriam pagar, referindo que há uma tabela de pagamento por informações assim prestadas.
A informação que deu foi decisiva para a intercepção de um carregamento de droga. Foi o próprio G que lho disse.
Foi no BMW porque não queria falhar a um compromisso em Lisboa, com o “tubarão” (trata-se do chefe da PSP, Marques) que lhe pediu para saber se uma pessoa relativamente à qual havia mandatos de detenção, tinha ou não estupefaciente.

O J tinha-lhe alugado o carro (ao F) e em contrapartida, este ficou de lhe trazer a mulher, que vive no Brasil. Pensa que não soubesse de nada.
Tendo sido questionado acerca da possibilidade do F se dedicar ao tráfico, ficou em silêncio.
Era normal ligar para o NS, porque eram amigos.
No dia da detenção ligou para ele por causa de um dinheiro que o F deveria ao N e este lhe tinha pedido que quando soubesse que o F tivesse dinheiro o avisasse, para “apertar com ele”.
Depois de estar recluído falou com o N, porque foi ele que várias vezes trouxe a mãe à visita e passou procurações para tratar de problemas relacionados com um seguro que a mãe receberia pelo falecimento do pai.
Depois de preso, escreveu uma carta ao F à qual não obteve resposta.

O arguido FM disse que;
Nunca forneceu nem foi intermediário em tráfico de droga. Nem sabia que o J, o N e A (que conhece) o fizessem. Não conhece o E.

Conhece o J de Lepe, onde reside.
Trabalhou com ele na construção civil como servente de pedreiro. O J era pedreiro.
Terá sido em 2007, durante meio ano, talvez.
O N conheceu-o por intermédio do J, na noite de Lisboa.
Pensa que este fosse segurança nas Docas.
Isto em Março, Fevereiro de 2009.
Deslocava-se a Lisboa com frequência, porque esteve ligado aos automóveis e adquiriu alguns em Lisboa.
Comprava e vendia automóveis, fazendo-o a título individual. Não está colectado quanto a esta actividade.
Fazia-o a contacto de terceiros.
Se viu o N 3 ou 4 vezes, foi muito.
Não ficou com o contacto telefónico dele.
O A tem uma oficina de automóveis em Olhão.
De quando em vez colocava lá os carros a arranjar, isto desde Janeiro de 2009.
Tem o contacto telefónico dele.
Este arguido tinha telemóvel de cujo número não recorda (apenas que era um nº espanhol).
Corresponde à verdade o que se refere na acusação, quanto ao dia da sua detenção, onde se refere que ia no BMW no banco de trás, o J a conduzir e o J no lugar do pendura.
No banco traseiro, atrás do banco do pendura, ia uma mochila com haxixe.
Primeiro, foi colocada na bagageira, mas depois por causa de um furo, tiveram que colocar uma jante nesta última e a mochila passou para ali.
Dia 29 estava à tarde com o J em Albufeira.
Tinha ido visitar um amigo e como na altura não tinha veículo, pediu-lhe boleia. Por acaso encontrou-se com o J que estava num restaurante onde foram nessa ocasião.
Tinha conhecido o J em Lisboa, numa casa de fados em Alfama.
Também o conheceu em Janeiro de 2009, foi-lhe apresentado, gosta de carros e disse que também andava muito pela zona do Algarve.
Encontravam-se de vez em quando em Lisboa e no Algarve.
Ficou com o contacto dele.
Sempre disse que trabalhava com a polícia e que às vezes roubava droga.
Aliás, ambos esporadicamente consumiam coca.
Ao final do dia, depois de estarem a consumir e a beber, o J falou em alta voz e ausentou-se para dar indicações sobre uma descarga de droga à polícia.
Terão estado juntos desde as 22h até talvez, à meia-noite.
Mais tarde acabou por ligar (cerca das 2, 3 horas) para ele.
Pediu-lhe para o ir buscar porque o carro dele tinha avariado.
Disse-lhe onde estava (em Olhos de Água).
Disse que sim, que o ia lá buscar.
Em princípio o J iria.
Foram buscá-lo então.
Tinham por destino ir a Évora. Isto porque depois disse ao J que precisava de lá ir ver os pais e este acedeu em levá-lo.
O J perguntou-lhes onde iam e pediu-lhes boleia até metade do caminho ou até Lisboa, já não se lembra.
Trazia uma mochila “normal”.
Levaram-no, mas já não recorda se lhe disseram que o levavam até Lisboa ou apenas até Évora.
A mochila foi colocada na bagageira (foi o J que a colocou ali).
O furo: aconteceu no Algarve e colocaram a jante no porta – bagagens, ainda em Albufeira.
Isto depois de lhe darem boleia (pelas 3h deram-lhe boleia e pelas 7 h mudaram o pneu).
O lapso de tempo ocorrido deveu-se ao facto de estar tudo fechado e terem andado “às voltas” para arranjar um pneu para substituir (o modelo do carro não traz pneu sobresselente).
Foi o J quem retirou a mochila na bagageira e a colocou no local onde foi depois encontrada.
Reproduzidas fotos de fls. 490 a 492: refere retratarem o carro e a jante estava na bagageira, como consta de tais fotos.
A mochila estava naquele local, mas não estava aberta como das fotos consta (ao contrário, estava fechada).
Naquela tarde e noite, não assistiu a nenhuma conversa do J com o N.
O J só quando falava com a polícia é que colocava o telefone em “alta voz”, gabando-se dos seus contactos.
O J passava o “tempo todo” ao telefone.
Era habitual o J emprestar-lhe o carro ou dar-lhe boleia.
O J tinha ido ao Brasil e regressado cerca de um mês antes (ponderada a data em que foram detidos).
Pensa que o J não soubesse o que vinha dentro da mochila.
Avançam pela auto-estrada.
Quando foram mandados parar, não fazia a menor ideia do que vinha lá dentro da mochila.
Quanto aos SMS`s mencionados na acusação: desconhece completamente o seu teor, nunca tendo feito as conversas que dela constam. Por isso, nem sabe se é ele que figura nas conversas que se diz terem havido.
Não foi vítima de qualquer rapto ou sequestro.
O J terá ficado uma ou duas vezes na sua casa. Em Fevereiro, talvez.
O arguido trabalhou como vendedor – comissionista na Chevrolet e também como segurança em discotecas. Por último só aos fins-de-semana. Durante a semana, como vendedor de automóveis.
O J só apareceu com a mochila depois de ter saído do restaurante.
Antes não estava com ela.
A casa deste arguido não foi objecto de qualquer busca.
Devia dinheiro ao N por causa de um arranjo automóvel, que estava ainda por liquidar.

Ou seja;
Ambos os arguidos efectuam adoptam uma estratégia de defesa, que denominaríamos como “clássica”, numa situação em que (como sucede nos autos) é interceptado um carro com droga, no interior do qual seguem vários arguidos, ou seja:
“Empurrando” para o outro a responsabilidade mais directamente causal na titularidade da mesma.

Dizendo o J que a droga (que o próprio transportava) pertencia ao F e este último de modo mais notório, pois que;

Alega total desconhecimento quanto à existência de produto estupefaciente no espaço físico em que se segue e que partilha com os outros dois arguidos.

Sendo certo que;
Se sentiu no decurso do julgamento, uma evidente hostilidade entre estes dois arguidos, que resulta perceptível não só das próprias declarações prestadas, mas também do teor de algumas transcrições telefónicas que “infra” serão reproduzidas, em que tal “estado de alma” (assente em premissas que, embora “se pressintam”, a prova indicada nos autos não nos permite afirmá-las como realidade fáctica) é muito perceptível.
Sendo que ambos os arguidos, são (nesta “estratégia defensiva”) consonantes, num pormenor apenas:
No afastamento de qualquer responsabilidade directa do arguido J, quanto à detenção, titularidade ou transporte do produto estupefaciente que foi encontrado no carro em causa (que era usado por este e por ele conduzido, nas circunstâncias de espaço e tempo que resultam apuradas).

Quanto ao arguido JP disse o mesmo que:
No momento em que foi apanhado pela polícia havia um saco de droga no carro.
O carro era usado por ele, mas pertencia a uma financeira.
Relativamente às declarações prestadas pelos arguidos J e F (que ouviu) refere que o primeiro contou meia verdade e o segundo muita mentira.
Este arguido deixava com frequência o seu carro ao F (que estava em casa do J).
Tinha ido para o Brasil a 20, 24 de Junho de 2008 a 24 de Fevereiro 2009.
Quanto aos factos respeitantes ao dia da detenção, referiu que o F lhe tinha pedido o carro emprestado mas como já o tinha feito muitas vezes, dessa não queria emprestá-lo.
Então o F disse-lhe que o ajudaria financeiramente para trazer a mulher dele, que está no Brasil, para cá.
Para se certificar que ele lhe devolvia o carro emprestou-lho, mas foi com ele na viagem.

Quanto à data da sua detenção:
Diz ter ido a casa do F, onde estava o J e saíram os três, tendo ido a Isla Cristina comprar droga para a noite e depois foram para o restaurante.
Este fica em Albufeira ou Faro.
Entre as 13, 14h chegaram ao restaurante.
Estiveram lá até ao momento em que o F lhe pediu o carro e saiu do mencionado estabelecimento com o seu dono, que conhecia.
Este arguido deu-lhe a chave. Seria já cerca das 17 h.
O J ficou com ele no restaurante.
Cerca de uma hora, uma hora e meia depois regressou, com o dono do restaurante.
Depois foram até a um Café (Farol), onde para continuaram a beber.
Distava cerca de 15 minutos (de carro), do restaurante.
Estiveram lá até às 21 horas. Ficou com o F naquele café e depois o J é que se ausentou, no carro dele que estava ali perto (era um Ford Fiesta ou Peugeot).
O F. disse-lhe que trabalhava com a polícia.
Ficaram ali até cerca da 1 h da manhã, altura em que o J regressou.
Quando o J chegou, pediu-lhe para abrir o carro (este fê-lo, com o comando, abrindo a bagageira).
Para colocar lá um saco de comida para a viagem (um saco de plástico com comida).
O J não trazia qualquer mochila (diz num primeiro momento).
Acabaram por não comer nada do que havia no saco.
Não consegue explicar a razão pela qual sendo assim, só a mochila ter sido encontrada no carro e nenhum saco ter sido aí encontrado.
*
(Por as suas declarações serem contraditórias com aquelas outras, foi então confrontado com declarações anteriormente prestadas em 1º interrogatório judicial, a fls. 1151 (já que nelas se refere claramente à mochila que J traria).

Perante tal reprodução, referiu que nessa ocasião (do 1º interrogatório) se referiu a mochila porque à data não sabia distinguir em português a diferença entre saco e mochila.

Confrontado com as fotos de fls. 491: refere não dar para perceber se era a mochila ou não.

Quanto aos documentos dos veículos: trazia-os no porta-luvas. Tem a certeza que lá estavam).
*
Prosseguindo as declarações prestadas em julgamento, insiste em que;
O J não trazia qualquer mochila.
A condição imposta pelo F para o arguido lhe emprestar o carro foi a de ir a Évora ver os pais, que já não via há muito tempo.
O J pediu-lhe uma boleia para Lisboa, e ele não aceitou.
Mas como o F lhe pediu para levar o J acabou por aceitar fazê-lo.
Quando saiu a caminho de Lisboa, furou um pneu.
Como o carro não tinha pneu sobresselente, estacionaram numa bomba de gasolina em Albufeira até cerca das 6 ou 7 horas
Isto porque o F tinha um amigo que podia entregar-lhe o pneu.
Ele chegou com o tal amigo e em cerca de 15 minutos trocaram o pneu.
Foram então para Lisboa.
A dada altura pararam, ocasião em que foi juntamente com o J tomar um café.
A determinado momento no caminho, colocou a mão atrás do bando do pendura e sentiu uma mochila. Não fez caso, pensou que fosse de um deles.
Não viu quem, nem a altura em que foi lá colocada.
A dada altura continuou até a uma bomba de gasolina, onde foi detido.
O J, conhece-o de “4 dias de festa”.
O F há 4 anos.
O F estava a trabalhar como servente com ele.
Conheceu o N só depois.
O A e o E, “idem”.
O número do seu telemóvel é o xxxxxxx.
Nunca falou ao telefone com J.
Com o F sim, porque já o conhecia de há 3 anos antes.
Aos fins-de-semana costumava encontrar-se com o F para “curtir”. As casas de um e de outro distam entre 4 a 5 km.
Nunca teve nada a ver com droga.
O J nunca conduziu o veículo e não tinha acesso às chaves do carro dele.
O F era segurança em discotecas, mas só aos fins-de-semana. Disse-lhe que vendia carros. Também lhe disse que não vinha a Portugal porque tinha um problema com a justiça.
Mas não tinha carro (o F).
Emprestou muitas vezes o carro ao F.
O J e o F viu-os sempre juntos, depois de vir do Brasil.
Não se apercebeu que a polícia quando os prendeu, conhecesse qualquer um deles
*
Já findos os depoimentos prestados pelas testemunhas indicadas na acusação, veio este arguido a dizer pretender prestar novas declarações e esclarecer (inflectindo de novo) que, afinal;

Era o J que transportava a mochila para o carro, tal como tinha referido em 1º interrogatório judicial (e ao contrário do que declarou em julgamento).

Ou seja;
A “atrapalhação” do arguido na “tomada de partidos” entre a versão dos factos trazida a julgamento por J e F, foi evidente.
*
Em síntese;
O teor das declarações prestadas pelos arguidos revela ser parcialmente contraditório entre si.

E pese embora o J ter assumido que transportava a droga em causa, a realidade é que disse fazê-lo “por conta” do F (depreende-se do facto de referir o F como o titular da mesma).

Já o F, é “surpreendido” pela droga.
Razão pela qual;
Haverá que conjugar tais declarações com a demais prova produzida em julgamento para melhor perspectivar a realidade fáctica que nos é ofertada pela diligência que “objectiva” e “materializa” os indícios emergentes das escutas (ou seja, a intercepção do BMW, com os arguidos e a mochila com Haxixe).
Sendo que em tal desiderato essa conjugação emerge algo claudicante, por a demais prova produzida em julgamento ser na sua essência ela própria;
Meio de recolha probatória.
Ou seja, deparando-nos com o acréscimo de dificuldade que resulta de tentar recolher num mero meio de obtenção probatória, a própria prova em si.

E com esta ressalva, temos que;
*
Inquirido BR (28 anos, agente da PSP, há 6 anos na esquadra de investigação criminal de Setúbal há 3, os nomes dos arguidos são-lhe familiares por motivos profissionais, já que foi o coordenador da investigação e o principal responsável pelas escutas, alvos e transcrições das mesmas, tendo sido ainda testemunha na detenção do J, F e J), referiu ademais (ou seja, para além do que acima já foi referido quanto ao início da investigação, realização de vigilâncias a E , intercepção das chamadas efectuadas para e do número por este usado e o alargamento dessas intercepções aos demais arguidos que delas foram objecto), disse o mesmo que;

O conhecimento que obteve relativamente aos factos objecto dos autos, emergem na sua quase totalidade, das intercepções telefónicas e da sua interpretação delas, designadamente, no que concerne à “linguagem cifrada” usadas pelos interlocutores.
E assim;
Atesta que o E falava com o A.
Passando-se à reprodução das escutas transcritas, entendidas relevantes quanto a este arguido, temos que:
No CD 2 a fls. 8.
ALVO—37398M
A chamar 91----

Destinatário 35-----
“1- Alvo
2- Bartolomeu
1- Estou, bom dia!
2- Oi! Eh pá, chatear você no telefone?!
1- Estava a rezar!
2- Ah, estavas a rezar?
1 — Pois!
2- Eh, pá, desculpa, desculpa!
1-Não faz mal, diz!
2 — Já está despedido? Já está rezado?
1- Já,já,já!
2 — Olha, sabes o que é?
1-Não!
2 — Ah... aquele gajo da Albufeira, que tem aquela porcaria, que não vende?
1- Ahhhhhh!
2 — Sim,vim ligar..., alguém me disse que...
1-Ah!
2- . . .ah.. ah., disseram-me que ele está por aí a falar que eu o devo que não o estou a pagar, foi dizer a toda a gente!
1—Ai é?
2 — Agora, eu disse-lhe que um dia ele vinha e via que tu tinhas aquela porcaria que não dava para vender!
1- Risos! Ah pois!
2 — Aquela porcaria que ele mandou não dá para vender, depois ele, ele.. .agora ele quer o dinheiro, e vai contar a toda a gente!
1- É mentira dele, isso é, é...
2-Ah?
1 — Isso é mentira dele, joga o gajo para o outro lado!
2- Pois! São porcarias, agora o que um gajo pode fazer?
1—Oh, pá!
2 — Dizem que ele já telefonou, ja telefonou para Lisboa, telefona para aqui, que eu tenho...que eu o devo...
1-Ná...
2 — Dever-lhe, são as coisas que eu tenho aqui para ele vir buscar, eu levei-o e ele não quis aceitar e eu trouxe-os de volta!
1- Pois, pois!
2- Pois!
1- O que é que ele quer? “

Cd 4 e 5 –a fls 8 (segundo esta testemunha, de acordo com a linguagem cifrada usada. 100/50 metros significava 100, 50 doses. A instâncias, diz desconhecer qual a actividade laboral do arguido):
ALVO—37398M
“1- Sim.
2- Já estás melhor?
1- Não, não, não estou muito bem.
2- Yah, o rapaz queria que lhe medisses 50 metros de parede!
1- Pois, mas estou de cama, pá!
2- Pois, mas ele queria que lhe medisses 50, 100 metros de parede, mas olha...
1- Pois, mas eu estou doente, estou doente.
2- Yah, mas se estás doente não dá!
1- Pois não dá, estou doente.
2- Yah, então as melhoras.
1 Está, obrigado.
2- Tchau.
1- Tchau”.

Quanto à de fls. 10, segundo a testemunha, falam na cedência de metade de um sabonete de haxixe.
ALVO—37398M
A chamar:
968-----
Destinatário: 96-----
“1- Alvo
2- Desconhecido
1- Sim, cunhado!
2- Cunhado, como é que estás?
1- Estou bem.
2- Sim. Quero pagar lotaria pá e esqueci do nosso número, euromilhões alias, o outro boletim estragou.
1- Ah?
2- Esqueci o nosso número e quero pagar lotaria.
1- Éhhhh.
2- Risos.
1- Já não o tenho na cabeça.
2- Éhh, o meu cunhado está doente a as coisas saíram todas.
1- Não, não tenho..., sabes que nunca o tive..., na cabeça, não é? Desde aquela vez
2- Queria voltar a pagar, sabes o ano já passou.
1- Ahh. Já mandaste fora o anterior?
2- Mas eu não tenho o número certo, é por isso que quero ter um número certo, fico a jogar só a toa o que calhar só.
1- É? Mas eu dei-te um assim...
2- Mas é esse que quero agora, não sei onde é que pus o boletim.
1- Não, eu não tenho, não cheguei a registar esse.
2- Éhh.
1- Não registei.
2- Pá, pá, pá.
1- Não registei.
2- Então aquela coisa, ainda o tens lá? Aquele sabão, aquele metade que dissestes que tinhas.
1- Não, fui..., levei para Lisboa.
2- Ahh.
1- Dei a um gajo em Lisboa.
2- Há um gajo aqui perto da obra, onde estamos aqui.
1- Sim, Faro?
2- Come isso.
1- Ahé?
2- Hm! Eu mostro-te.
1- Sim?
2- Depois mostro-te o gajo.
1- Ah..., está bom, está bom.
2- 0k, então está bom.
1- Está bom cunhado.
2- Tchau.”
Na do Cd 6, a fls. 2 – refere a testemunha que a expressão “trabalho” é usada como sendo estupefaciente, de acordo com a linguagem usada:

ALVO—37398M
A chamar 96----
Destinatário: 968------
“1- Alvo
2- Neto
1- Sim...
2- Como estás
1- Está tudo bem
2- Vais aparecer ou não
1-Ah
2- Vais aparecer ou não
- Epah..., ainda não consegui carro. O gajo que me empresta carro ainda não apareceu
2- Sim... mas estamos juntos
1- Ahn
2- Para aquele trabalho estamos juntos
1- Ah sim..
2- Sim.
1- Pois, mas estou a espera de um gajo também.
2- É assim, vais aparecer hoje ou como é que é
1- Epah vou esperar, se aparecer com carro vou. Se não aparecer..., se não me vires é porque não apareceu
2- Yah é assim, também vou trabalhar amanhã cedo é por isso que quero despachar
1- Ahn...
2- Vou trabalhar amanhã cedo, por isso quero despachar. Vê se consegues carro para despacharmos
1- Epah, então diz-lhe para despachar para outro lado
2- Yah
1- Pois...pois, pois. Porque ainda estou a depender e outra pessoa
2- Ah...
1- Estou a espera de outro gajo, estas e perceber. Agora não sei como é que a situação está
2- Tu não consegues vir hoje aqui
1- Não. Hoje não dá. Nao tenho transporte
2- Ohh. E agora
1- Vou esperar, se aparecer digo qualquer coisa
2- Yah. Se não der para hoje vou para o homem que me trouxe de Lisboa para ir para Almancil, estás a perceber
1- Ahn
2- Hum
1- Pois hoje já é um pouco complicado
2- Yah
1- Pois. Diz-lhe para despachar para outro lado, por enquanto depois digo-te alguma coisa. Quando conseguir digo-te.
2- Não..., fala com ele aqui porque não estou a perceber.
*
1- Sim, boa noite
3- Sim. Sou eu Zé
1-Ahn
3 — Sou eu Neto
1-Sim
3—Diz
1- Tu dizes o teu rapaz para resolver para outro lado, por enquanto
2- Ahn sim
1- Pois porque eu estou a espera de outro gajo também
2- Ah sim
1-Pois
2- Então mas não estás sempre com trabalho
1- Não..., não tenho nenhum trabalho aqui, estou a espera de outra pessoa
2- Hum..
1- Pois ...pois espero outra pessoa
2- Eu pensei que tinhas trabalho normalmente
1- A quanto tempo, aquele já foi tudo. As coisas atrasaram e o dono do trabalho não veio buscar tudo
2-Ahm
1- Pois, tu sabes que o trabalho não pode ficar parado
2-Yah,yah
1-Pois
2- Então fica fixe
1- Está bem, và tchau
2-Tchau.”

Quanto ao Cd 8 – a fls. 2 e ss., onde há alusão a “engenheiro”, refere a testemunha que estarão a falar de preço de compra de estupefaciente, em princípio de haxixe:
ALVO—37398M
A chamar: 91-------
Destinatário: 968-----
“1- Alvo
2- Desconhecido Cunhado
1- Sim...?
2- Estou. É o engenheiro estás bom? Olha uma coisa...
1- Sim...
2- Quarenta e dois e meio.
1- Ah?
2- Sim.
1- Ahé?
2- Tu estás aonde?
1- Estou em Faro.
2- Pronto mas a gente precisa até as seis da tarde, mas com o dinheiro aqui.
1- Ah?
2- Voz off: Fala lá aqui porque ele não está a perceber. Sim Cunhado?
1- Sim...
2- Ele está a dizer que aquilo que tinham combinado, os vinte que lhe pediste?
1- Sim.
2- Disse quarenta e dois e meio.
1- Diz-lhe para deixar, pode esquecer.
2- Está bem, tchau.
1- Tchau”.
Prosseguindo o seu depoimento, referiu-nos esta testemunha, a dado passo nas conversações com o B apareceu o A, que manifestava o intuito de ser seu fornecedor.
Quanto ao A, sabia que tinha uma oficina no parque industrial de Olhão (“Auto A”).
Este esteve em intercepção em 2 números sequenciais (mudou o número no decurso do processo).
Os números de telefone eram xxxxxx e;
xxxxxxxxxxx.
As intercepções iniciaram em Janeiro.
Sabe que falava com o JB e com o F.
Foi através dele que chegaram aos outros (e ao N também).
Fez uma visita ao E em Setúbal.
Por causa de escutas, soube que vinha fazer uma transacção. Mas nenhuma diligência foi feita sobre tal particular.
Áudio Vox D – CD 1 (nº chamada 354 a fls. 33) segundo refere esta testemunha, contém o registo do tal encontro que queriam ter com o N
:
ALVO 1T400M - n.° 96----------
CONVERSA ENTRE O A:(ALVO) e BE: (BE):
“VOZ 0FF ALVO COM OUTRO INDIVIDUO 20 CONTOS NEM UM EURO LHE VOU DAR.
OUTRO INDIVIDUO: TÁ TUDO FRACO
A: NÃO, VOU INVESTIR O DINHEIRO, PRA GENTE SAFAR A NOSSA VIDA
.BE: SIM.
A: TOU ZÉ.
BE: DIZ.
A: ATÃO COMO TÁ A SITUAÇÃO? VALE A PENA EU COMBINAR AS COISAS?
BE: OPÁ, VALE A PENA, AGORA DEPENDE... FILHO DA PUTA, PRECISA DE MIL
A: NÃO NÃO TE PREOCUPES, AGORA É COMIGO, VOU EU JÁ CONTIGO, E JÁ FALEI COM A PESSOA, ATÃO A PESSOA DEU NO FOCINHO DO F.
BE:Â?
A: A PESSOA LA DE CIMA CHATEOU-SE COM O F.
BE: AI É!
A: CLARO ATÃO COMBINA AS COISAS E NÃO APARECE, ATÃO MAS ISTO TAMOS AONDE!!!
BE: POIS POIS, ÉPA EU TAMBÉM TOU.
A. VÁ ATÃO AGORA VAMOS LÁ A TER CALMA, QUE EU É QUE VOU RESOLVER ISTO 37 TUDO E É JÁ HOJE E NÃO FALHA NADA.
BE. ATÃO VENHA TER COMIGO JÁ.
A. VÁ MAIS MEIA HORINHA TOU AI ATÉ JÁ.
BE: XAU,VÁ ATÉ JÁ.”.

Quanto a fls. 36 – aparece alusão ao Didi (identificado como NS). Também chegou a este arguido pelo seu número de telefone, no decurso das intercepções que ocorriam.
Segundo se convenceu, o indivíduo do dinheiro que nela é referido, seria o TE:

ALVO 1T400M n.° 960-----------

CONVERSA ENTRE A: (ALVO) e BE:):
“A:TOU.
BE.Ã
A: TÁSEMCASA?
BE:TOU.
A: TENS O TEU CARRO AI?
BE: NÃO NÃO.
A: NÃO CONSEGUES VIR TER AQUI À MINHA OFICINA?
BE: AH! COMO É QUE EU VOU?
A - ATAO ESCUTA UMA COISA, OUVE O QUE O AMIGO TE VAI DIZER QUE EU NÃO SOU O FILIPE, O FILIPE FALA FALA E NÃO FAZ NADA.
BE: POIS.
A: É O SEGUINTE: TOU SÓ À ESPERA DUM HOMEM QUE VEM AQUI PARA ME PAGAR UMA REPARAÇÃO.
BE:Ã.
A - SENÃO NÃO TENHO DINHEIRO PARA A VIAGEM, PERCEBES?
BE: SIM.
A: É COISA DE VINTE MINUTOS, O HOMEM VAI CHEGAR AGORA, JÁ LIGUEI TÁ A CHEGAR A FARO, VEM AQUI TER JÁ COMIGO.
BE:Ã.
A: E TOU A ARRANJAR CARRO PRA GENTE IR E DEPOIS VAMOS LOGO A FUNDO, PODES LIGAR À PESSOA, JÁ FALEI COM O DIDI, O DIDI TÁ À MINHA ESPERA, OUVE O DIDI DIZ QUE VAI MATAR O FILIPE, ANDA HÁ DOIS DIAS COM AQUILO PRA FRENTE E PRA TRÁS E NADA, JÁ VISTE ISTO? TÁ A DORMIR UM FILHO DA PUTA DAQUELES, TÁADORMIR.
BE: OPÁ.
A: JÁ LHE DEITEI A PORTA DE CASA A BAIXO E NAO ACORDA, JÁ VISTE ISTO? EU DESCANÇADO A TRATAR DA MINHA VIDA, A PENSAR QUE ISSO TAVA RESOLVIDO.
BE: NÃO TA NADA.
A: JÁ VISTE!.
BE: MAS OLHA!
A:Ã.
BE: O DIDI ONTEM FOI LÁ.
A:Ã.
BE: VIU O ESQUEMA TODO, VIU O DINHEIRO, ELE É QUE NÃO TROUXE O TRABALHO PÁ.
A: POIS MAS PORQUE O FILIPE DISSE QUE JÁ TINHA O TRABALHO NA MÃO.
BE: OPA MAS PRONTO A GENTE FAZA ASSIM: QUANDO VIERS AQUI A GENTE FALA MELHOR, TÁS A VER?
A:VÁ ATÉ JÁ.
BE: POIS.
A: AGUARDA UM BOCADINHO NÃO TE PROCUPES, NÃO VALE A PENA ME TELEFONARES, QUE EU TOU EM ANDAMENTO, VÁ ATÉ JÁ
BE: ELES TÃO A CHAMAR PÁ.
A. VÁ NÃO TE PREOCUPES QUE O AMIGO VAI RESOLVER JÁ ESSA MERDA TODA PRA GENTE, TOU EM FALTA.”
A fls. 41 – segundo a testemunha retrata uma conversa em que combina com o Didi o transporte de estupefaciente pelo E. até Setúbal:

4 ALVO 1T400M - n. ° 960-----------
CONVERSA ENTRE: DI (DIDI) e A: (ALVO):
“A:TOU.
DI:TOU.
A:TOU MANO.
DI (…)
A: TOU MESMO A CHEGAR AQUI Á ZONA DE SETÚBAL, O HOMEM TÁ ALI COM ISSO, SEGUNDO O QUE O MOÇO ME TA A DIZER, NÃO TEM VISTO, NÃO FOI?
DI: Ã.
A: SEGUNDO AQUILO QUE O ZÉ ME TÁ A DIZER, TU ONTEM VISTE AQUILO?
DI: AH ENTÃO SEMPRE SE TRATA DAS MESMAS PESSOAS, É ISSO?
A: EXACTAMENTE É TUDO IGUAL, SÓ QUE AS PESSOAS, AS ÚNICAS PESSOA QUE MUDOU É O NOSSO AMIGO DO COSTUME, O NOSSO FILIPEZINHO TÁ EM CASA A DORMIR COM UMA PUTA E EU TOU AQUI NO TRABALHO, LARGEI A MINHA OFICINA PARA VER SE A GENTE VER SE SAFA JÁ ESTA DESGRAÇA, QUE ISTO NÃO É BOM PRA MIM NEM PRA TI.
DI: SO QUE ESTES SENHORES ESTÃO AI, JÁ ESTIVE AI E ESSES SENHORES PRONTO NÃO TEM CONFIANÇA NAS PESSOAS QUE ESTÃO AI EM BAIXO E EU IMPUS UMA REGRA AS SENHORES E ELES NÃO TÃO MUITO DAQUELA DE QUERER CUMPRIR COMPREENDES?
A: COMO ASSIM?
DI: ÉPA PORQUE ÃÃÃ,DISSERAM TEM QUE IR OS TRÊS E QUE NÃO VEM PARA LISBOA E QUE...
A. E O TAL ASSUNTO AQUI EM SETÚBAL NÃO DAVA COMO TAL RAPAZ, NÃO?
DI: NÃO NÃO ESTA VIAVÉL.
A: AH!
DI: EU HOJE ATÉ Á HORA DO ALMOÇO, ÉPA OS RAPAZES TAMBÊM SÃO TIPO SLEEP, A OUTRA PESSOA NÃO É, MAS SÃO TIPO SLEEP E SÓ OS APANHEI HOJE Á TARDE, MAS AS COISAS NÃO TAVAM MAL, EU QUANDO QUANDO O JORGE ME DISSE A QUESTÃO DE ONTEM ( ) CONTIGO (....) AQUI EM LISBOA.
A: O QUE TE DISSERAM A TI DE MIM, DIDI DESCULPA DIZER-TE, MAS NÃO SABIA DE NADA, YA MÃE DO CÉU, OLHA EU TOU A VIR AQUI VOU SÓ ALI A SETÚBAL FALAR COM AS PESSOAS, EU CONSIGO LEVA-LAS, SE NÃO EU DOU-TE O TOQUE E TU VÊS O QUE PODES FAZER, 0K?
DI: TÁ BEM.
A: VÁ ATÉ JÁ IRMÃO A GENTE JÁ TRATA DISSO.
DI: TÁ. “

Quanto à de fls. 47 – a testemunha ficou convicta que a mesma mostra o A a convencer o Didi a ir a Setúbal e que seria o Didi a vender ao A:

ALVO 1T400M - n.° 960------
CONVERSA ENTRE: DI: (DIDI) e A: (ALVO):

“A:TOU MANO.
DI:YA.
A: Já VISTE FODA-SE TOU AQUI OLHA, A PESSOA DIZ QUE O ROLO DE IR PRÁ AI E COISO SOU DE LISBOA, JÁ FOI ROUBADO AI, NA NA NA, EU DISSE TENS TODA A RAZÃO, TENS TODA A RAZÃO, MAS OLHA! E O TEU AMIGO DAQUI NÃO DÁ NÃO?
DI: ÉPAÃ.
A: SE VIESSES AQUI PODIAS COMBINAR Á VONTADE, DOU-TE A MINHA PALAVRA, ISTO TÁ AQUI Á MINHA FRENTE NA CASA DO HOMEM, SE CONSEGUISSES COMBINAR COM O TEU SÓCIO DAQUI, A GENTE DAVA UMA VOLTINHA, IA JANTAR E TAL E FAZIAS Á TUA MANEIRA.
DI: TÁ BEM VOU TENTAR FAZER ISSO PÁ.
A:ATÃOVÁ.
DI: NÃO CONSIGO (...) VER O GAJO.
A: ESPERA AI, CONFIA EM MIM QUE É COMO TOU-TE A DIZER IRMÃO VÁ.
DI: JÁTE LIGO.”

Sendo que a convicção desta testemunha se mostra patente na sua opinião, ainda nas transcrições que fazem;
fls. 51 e ss:

ALVO 1T400M - n. ° 960---------
CONVERSA ENTRE: DI (DIDI) e A: (ALVO):
“A: TOU MANO.
DI: TOU, Ã VÁ (...) PRONTO JÁ CONSEGUI APANHAR AS PESSOAS AI DE BAIXO.
A: HUM.
DI: (.. .) PRÁ AI TÁ BEM?
A: OKAPA MANO, OBRIGADINHA.
DI: VAI DEMORAR UM BOCADINHO, MAS TASSE BEM.
A: TOU POR AQUI, NÃO TENHAS PRESSA, ATÉ JÁ”.
Na de fls. 52 – de acordo com esta testemunha combinaram um encontro no parque do Jumbo (instada a testemunha, refere inexistir qualquer relatório de activação celular das antenas das operadoras telefónicas móveis):

ALVO IT400M - n. ° 960---------
CONVERSA ENTRE: A: (ALVO) e DI: (DIDI):
“DI:TOU.
A:TOU MANO.
DI:YA.
A: ESCUTA, SE CALHAR É MELHOR A GENTE ALMOÇAR NÃO? AI DAQUI DO MEU AMIGO.
DI: EU VOU DESCER AGORA, PARA FALAR COM O OUTRO.
A: PÕ MAS SE CALHAR ERA MÊMO ALMOÇAR AMANHA, EU TENHO AQUI ISTO, ISTO VAI FICAR NA MINHA POSSE E TUDO, TÁS A VER, JÁ SAQUEI DA MALTA, TÁ TUDO TRANQUILO.
DI: MAS ENTÃO NESSE CASO EU VOU PRA SETÚBAL AGORA.
A: HUM.
DI:PARA FALAR CONVOSCO.
A:ATÃO VÁ.
DI: CONTIGO NESTE CASO, JÁ QUE TENS AS COISAS CONTIGO, FICA COM AS COISAS.
A: TÁ AQUI, TÁ AQUI GUARDADO, OKAPA MANO.
DI: EU VOU FALAR CONTIGO A SETÚBAL.
A: NA BOA, ATÉ JÁ ENTÃO.
DI :ATÉ JÁ.
A: CONSEGUES QUANTO TEMPO MAIS OU MENOS? OLHA EU NÃO TENHO BATERIA, VOU DAR UM TOQUE DUM NUMERO, QUALQUER COISA LIGAS PA ESSE.
DI: NÃO, VÁS PÁ ONDE NÓS TAVAMOS ALI NAQUELE PARQUE DE ESTACIONAMENTO.
A: OKAPA, O QUE MEIA HORINHA?
DI: MEIA HORA O MAIS TARDAR TOU LÁ.
A: VÁ ATÉ JÁ ENTAO.
DI: ATÉ JÁ. “
Quanto à de fls. 58 – a testemunha tem para si que o A entregou dinheiro ao N para sinalizar compra de produto estupefaciente:

CONVERSA ENTRE: A: (ALVO) e DI: (DIDI):
“DI: ATÃO MENINO.
A: TOU MANO ESCUTA!
DI: Ã.
A: O ELES TEM TADO A LIGAR PRA TI O JORGE OU ISSO?
DI: NÃO NÃO NÃO.
A:AH!PRONTO.
DI: PORQUE?
A: ELES TÃO A LIGAR PRA MIM EU NÃO TOU A ATENDER, TÁS A VER, NÃO TENHO NADA JÁ, JÁ TOU FARTO DESSES GAJOS.
DI: DI: HAM.
A: E A SITUAÇÃO É SE ELES LIGAREM PRA TI, DIZES QUE A GENTE ANDA POR AI A RESOLVER A VIDA E AMANHÃ LOGO COMUNICAMOS.
DI: TÁ BEM.
A: CLARO TÁ BEM.
DI: TU VAIS FAZER-ME É O SEGUINTE PÁ, ESTE DINHEIRO QUE ME DESTE EU VOU DAR AO OSVALDO E AMANHÃ RETEM-ME LÁ AQUELE DINHEIRO, QUE É PARA FAZER O QUE TENHO QUE FAZER PÁ.
A: PRONTO VOU VER, AINDA TENHO QUE RECOLHER AGORA QUALQUER COISA (...) QUE ESTE DINHEIRO DÁ-ME.
DI:YA
A: MEU NÃO TE PREOCUPES.
DI:TÁ LIMPO VÁ.
A: VOU VER O QUE É QUE CONSIGO VÁ.
DI: VÁ ATÉ AMANHÃ “

A de fls. 68 daria nota, de acordo com a ideia com que a testemunha ficou, que E. estaria no parque de estacionamento a falar no negócio:

ALVO 1T400M - n. ° 960--------
CONVERSA ENTRE:
A: (ALVO) e DI: ( DIDI ):
“A: TOU DIDI.
DI: AMIGO MAS DESCULPA DESCULPA LÁ, MAS EU TENHO, EU NÃO ME CONTIVE.
A: ATÃOVÁ.
DI: EU NÃO ME CONTIVE, SINCERAMENTE PÁ, EU TENHO-TE MUITO RESPEITO CONCERTEZA, MAS EU NÃO ME CONTIVE, QUE BRINCADEIRA É ESTA MEU?
A: FODA-SE OLHA NEM TE SEI DIZER.
DI: QUE MERDA É ESTA? QUE BRIMCADEIRA É ESTA MEU?
A: ESTE GAJO, OPÁ EU NÃO SEI, A PESSOA COMIGO FALA UMA COISA, AGORA CHEGOU AI COMEÇOU A CANTAR DE MANEIRA DIFERENTE.
DI: PUTA QUE PARIU, QUE BRINCADEIRA É ESTA MEU?
A: É (...).
DI: TÁ A FAZER UM GAJO QUEIMAR-SE CO, QUEIMAR-SE COM AS PESSOAS PÁ.
A: ATÃO NÃO É!!! FODA-SE, ERA O QUE EU LHE VINHA A DIZER, MAS TU TÁS A BRINCAR COM A MINHA CARA, VENS ALI MOSTRAS-ME AQUILO, O GAJO TEM, O IRMÃO TÁ AQUI NO PARQUE COM TUDO PÁ, FILHO DA PUTA MEU, já ME FODI COM O GAJO, VÁ VAI, AGUARDA SÓ UM BOCADINHO DE NADA QUE O ZÈ TÁ ALI A FODER A CABEÇA AO GAJO, SE CALHAR VOU TER ISSO NA MÃO, VÁ AGUARDA.
DI: EPÁ EU, VOCÊS TEM CINCO MINUTOS PARA DECIDIR, EU NÃO TENHO PACIÊNCIA PARA ISSO.
A. É ISSO MESMO.
DI: E EU NÃO FUI Á TROMBA A ESSE GAJO PORQUE ENFIM PÁ, POQRUE ENFIM, ‘ PUTA QUE OS PARIU PÁ.
A - PODES CRER, AGUARDA só CINCO MINUTOS, NÃO TE PEÇO MAIS, ESPERA AI”

Do teor de fls. 70 – extrai-se na opinião desta testemunha, que não se efectuou a transacção no dia anterior e que combinaram encontrar-se nas bombas da BP:

ALVO 1T400M - n.° 960--------
CONVERSA ENTRE: A: (ALVO) e DI: (DIDI) E 01 (OUTRO INDIVIDUO! QUE ESTÁ COM O DIDI):
“DI: TOU.
A: TOU MANO, VAIS LÁ TER AO PINHAL, NÃO?
DI: AI, ANDRÉ ANDRÉ.
A. TOU, VOU TRATAR AI DISSO O GAJO JÁ, JÁ QUER MAIS, VAMOS BUSCAR ELE, SÓ VOU EU CONTIGO, MAIS NINGUÉM.
DI: ENTÃO.
A: VÁ.
DI: PEGAS NO QUE TENS DE PEGAR, VENS TER COMIGO ONDE ONDE ME DEIXASTE.
A: AH! ATÃO VÁ, VOU, TENHO TENHO QUE IR LÁ, PERCEBES? O IRMÃO DO OUTRO TÁ LÁ COM ISSO, VOU SÓ TIRAR ESSA PARTE E VOU COISO.
DI: EU VOU AO PINHAL E DEPOIS TENHO QUE TAR A COMBINAR SITIOS E O CARAÇAS?.
A: ATÃO TOU LOGO Á ENTRADA, JUNTO Á BP.
DI: EU POSSO IR, NO QUÊ AONDE?
A: LÁ NO PINHAL, NÃO SE TINHA QUE IR LÁ DE QUALQUER MANEIRA?

OUTRO INDIVIDUO A FALAR COM O DIDI E O TELEFONE TÁ LIGADO.

01: (....) DIZ AO BACANO QUE ELE VAI TER O QUE É DELE, DIZ AO GAJO QUE VAI TER (...) O QUE É DELE, EU NÃO SOU PARVO (...) ISSO É É BANHADA, BANHADA (…)
DI:ESPERA AI TE LIGO”

Na de fls. 72 – O A. terá dito (de acordo com a interpretação desta testemunha) que ia dar dinheiro ao N:

ALVO 1T400M - n. ° 960-------
CONVERSA ENTRE: A: (ALVO) e DI: (DIDI):

“DI: TOUATÃO!
A: OLHA PÁ, EU NÃO NÃO NÃO TOU, JÁ VI O É QUE A CASA GASTA, SÓ TE PEÇO É MESMO DESCULPA MEU, NÃO DÁ, OLHA ESQUECE DIDI, EU QUANDO TIVER NA MINHA MÃO EU VOU TER CONTIGO, EU DOU-TE O DINHEIRO, DEMORAS O TEMPO QUE TU DEMORARES, EU FICO Á ESPERA NÃO INTERESSA, EU TOU MÊMO, OLHA TOU, DEITARAM-ME ABAIXO, CORTARAM-ME AS PERNAS, CORTOU MESMO AS PERNAS, FILHO DA PUTA, DAQUELE FILHO DA PUTA MEU, NÃO TEM OUTRO NOME MEU, CARALHO, CHEIO DE CONVERSA, CHEIO DE COISO, MOSTRA-ME O DINHEIRO, MOSTRA-TE A TI E AGORA FAZ ESTA FILA, AGORA MANDOU-ME ESPERAR TÁ A TRATAR DUM ASSUNTO, VÁ PÓ CARALHO, DISSE-LHE JÁ OLHA PRIMO, EU QUANDO QUERO COMPRAR COMIDA VOU AO SUPERMERCADO, EU QUANDO QUERO COMPRAR UMAS CALÇAS VOU Á LOJA, A LOJA NÃO VEM Á MINHA CASA, OLHA MEU, OLHA NÃO MÊMO QUE, NÃO SEI O QUE DIZER, SÓ PEÇO É MESMO DESCULPA, MIL E UMA DESCULPAS IRMÃO.
DI: AIAI.
A: FODA-SE, NÃO VOLTA A ACONTECER JÔ, PEÇO DESCULPA MESMO.
DI: DIZ-ME SÓ UMA COISA.
A: PARA IR AGORA ALI TER COM O JORGE, ACHO QUE ELE CONTIGO BAIXAR ISSO PARA TI, DEIXA LÁ VER O QUE É QUE SAI DAQUI, JÁ TE TELEFONO.
DI: VÊ LÁ ISSO ENTÃO VÁ ATÉ JÁ
A.VÁ ATÉ JÁ”

A de fls. 74 – mostra (de acordo com a opinião desta testemunha) que não chegaram a um acordo quanto ao pagamento:

ALVO 1T400M - n.° 960-------
CONVERSA ENTRE: D (DESCONHECIDO) e A:( ALVO):
“A: Tou.
D: Atão, quanto tempo demoras?
A: Um bom bocado caralho, tou em Lisboa.
D: Atão mas como é que isso tá? não fizeram nada ainda?
A: Não fiz nada pá, as pessoas depois vieram para trás, é as merdas, hoje que tinha tempo tá o homem tá retraido, queria-me dar dinheiro só pra um quarto, depois outro quarto e depois outro quarto, não não quero, vou pra casa pro caralho já, a tal cena, combina-se as coisas e não se faz não sei porque meu, agora é a mesma coisa, o Jorge pede para eu vir ter não sei o que falar comigo, tou há duas horas aqui no Vasco da Gama e ele tá a chegar meu, eu não tenho paciência para isto meu...
D: Olha lá! Olha lá uma coisa!, escuta lá! ouve-me lá e escuta-me lá.
A: Diz.
D: Tenho aqui um negócio do caralho preciso de ti aqui rápido rápido rápido, tá bem?
A: Negócios do caralho! ainda perco tudo o que tenho e não ganho é o caralho.
D: Rápido, rápido, rápido.
A: Vai-te foder, vai-te pó caralho.
D: Vá.”
Reproduzida ainda a transcrição de fls. 97, nela pode ler-se:

ALVO 1T400M - n.° 961---------
CONVERSA ENTRE: ALVO e B:
“A - TOU, ESCUTA LÁ!
B-DIZ!
A - CONSEGUES ALGUMA AMOSTRA DAÍ?
B-(...)DOQUÊ?
A - ORA DO QUE! DO CA GENTE QUER TRATAR E NÃ CONSEGUE!
B - Á. .Ê TÔ TRATAR DISSO TAMBÉM AQUI PÁ!
A - VÊ LÁ SE CONSEGUES SÓ UM BOCADIDINHO DE NADA, QUÉ PA EU MOSTRÁ A UM CHAVALO, AGENTE FAZ COISO AÍ
B - É PÁ ENTRGUEI AQUELA MERDA TODA PÁ!
A - Á TU TROUXESTE DE LÁ?
B-ÁH?
A - VEM LÁ PA FARO JÁ, OLHA JÁ TÔ EM FARO E NÃO QUE PERDER MUITO TEMPO ZÉ, DESPACHA-TE.
B - TÁ BOM VAI, ESPERA POR MIM”

Na de fls. 100 e 101 regista-se uma transacção de estupefaciente a 5 mil euros, de acordo com a convicção da mesma testemunha):

CONVERSA ENTRE: a) A (ALVO) e b) B:
“a)- ZÉ OLHA ESCUTA, VAI-TE LIGAR AÍ UM MOÇO
b)- SIM
a)- VAIS AO MÉGANE E DÁS-LHE O SACO QUE TÁ DE BAIXO DO BANCO DO PENDURA, TÁ BEM?
b)- ÁH E ELE CONHECE AQUI NA MINHA CASA?
a)- ELE VAI-TE LIGAR E FALAS COM ELE, VÁ
b)- TÁ BEM, TÁ BEM”.

*
ALVO 1T400M - n.° 960-------
CONVERSA ENTRE: a) A (ALVO) e EM VOZ OFF
“a)- TENHO UM HOLANDÊS MALUCO, 65 MIL EUROS PA POR NA MÃO DO PRETO, É IR 21 BUSCAR A PORTIMÃO “
As de fls. 110 , 111, 113- reportam-se a transacções de droga;
As de fls. 114 e 115 – a expressão pequenas e médias: referem-se a placas de haxixe (porque há de 100 e maiores), tudo na convicção da testemunha:

ALVO 1T400M - n.° 960-----
CONVERSA ENTRE: a) A (ALVO) e b) DESCONHECIDO:
“b)-TOU
a)-TOU MANO
b)-TOU
a)- TENHO AQUI JÁ UM DAS OUTRAS

b)- Á, OUTRAS É QUE EU CHEGUEI AGORA AQUI A CASA E VI AQUILO É o QUE EU TINHA DEVOLVIDO PÁ
a)- AI NÃO ÉRA DESSAS?
b)- AQUILO ÉRA O QUE EU TINHA DEVOLVIDO
a)- NÃO É IGUAL, É IGUAL MANO
b)- Ó PÁ, EU QUANDO CHEGUEI A CASA QUASE QUE ÍA BATENDO MAL
a)- Á DISSESTE FININHAS, DAS OUTRAS MÉDIAS JÁ NÃO HÁ, NÃO HÁ”
*
ALVO 1T400M - n. ° 960--------
CONVERSA ENTRE: A (ALVO) ENVIA SMS A DESCONHECIDO:
“É bom, bom, bom. Dá pra pores mais de 1600”
*
ALVO IT400M - n.° 960--------
CONVERSA ENTRE: a) ANDRÉ (ALVO) e b) DESCONHECIDO:
“b)- TOU
a)- TOU IRMÃO, TRAZES O, AQUILO?
b)- O QUÊ? Á DEIXA LÁ VER
a)- AS TRAVESSEIRAS VÁ
b )-
a)- ÉRA PA SABER, VOU AGARRAR AS PESSOAS, POR ISSO VÊ LÁ
b)- AGARRA LÁ ISSO,
a)- NÃO POIS ISSO É LÁ P’ ÁS 8 HORINHAS ELE VEM TER COMIGO, JÁ FALEI COM ELE `
b)- NÃO É PÁS 8 MANO, EU TENHO QUE FAZER, ÁS 8 TENHO QUE TAR EM LISBOA, ÁS 8 E MEIA”
*
ALVO 1T400M - n.° 960---------
CONVERSA ENTRE: a) A (ALVO) e b) DESCONHECIDO:
“b)- TOU
a)- TOU PAI
b)- TOU
a)- ESCUTA, AHH DESSAS ESTICADINHAS CHEIAS DE BOLOR
b)- SIM
a)- TÁ ALGUMA COISA POR AQUI, NÃO?
b)- NÃO SEI, TENS AÍ UM E MEIO
a)- YÁ, MAS 4, JÁ TENHO O DINHEIRO
b)- NÃO FILHO DISSO JÁ NÃO HÁ NADA, PERA, PERA, PERA AÍ
a)- CONSEGUES ARRANJAR MAIS
b)- VÁ ATÉ JÁ”.
*
ALVO 1T400M - n.° 960----------
CONVERSA ENTRE: a) A (ALVO) e b) DESCONHECIDO:
“a)- 01
b)- HÁ MAIS 1 SÓ
a)- MAIS 1 VÁ, BRING TO ME
b)- VÁ ATÉ JÁ, JÁ AÍ VOU.”
*
Quanto ao CD 2:
Fls. 2 e 3 – A expressão usada “uma”, significa uma peça, uma placa de haxixe.
Fls 4 a 10- há a discussão de um preço (2 e meio), a dizer que fazia mais barato do que o costume (haxixe).
Fls. 11 a 15 – refere-se a dinheiro para ir dar ao André que lhe diz para descer a A3 e encontrarem-se.
Fls. 59 – o F pergunta ao A se já tinha havido descarregamento (sabiam que este F falava para e com ele, todavia saber quem era, só aquando da sua detenção).
Fls. 68 – referem-se a produto estupefaciente puro. Fresquinho (haxixe). Pensa.
Fls. 72 – referem uma descarga que terá corrido mal.
Fls. 77 – referem-se a produto usado para o corte de cocaína.
Fls. 79 – a expressão “leite” refere-se a cocaína e “café” a heroína.
Fls. 82 – a percepção que tem é que todas as conversas do A se baseavam em produto estupefaciente.
Fls. 96 – o D trabalhava com o A na oficina. Era um empregado dele. Pedia-lhe um pacote de cocaína para amostra.
Fls. 128 e ss – o F e A. A voz em “off” foi captada porque permaneceu a gravação e o A não desligou bem o telefone. Falavam abertamente, porque não sabiam que estavam com a chamada ainda em linha. Falam do carimbo aposto no haxixe, que tem sempre um carimbo (no caso seria o de uma sardinha) e falado do arguido J.
Fls. 115 – os travesseiros: conjuntos de placas plastificadas em molhos de 6, tal como foram apreendidas. O A tinha o produto, veio para baixo e ia ter com o J, mas como não sabia a morada perguntava ao F onde era a morada dele.
*
Quanto ao CD 4:
Fls. 75 – A fala em estupefaciente mau a quem dava uma lavagenzinha (plastificando) revendendo-o com lucro.

Ou seja;
Uma vez que relativamente aos arguidos acabados de referir, a única prova existente nos autos é a que consta das escutas que foram referidas;

Sendo que;
A convicção manifestada pela testemunha acerca do seu conteúdo não é fundamentada senão da interpretação que fez do seu teor;

E;
Sendo certo que conversas nelas existem que nos levam a crer em que possam estar a decorrer “negócios” entre os interlocutores;
Na ausência de quaisquer outros elementos objectivos que lhes pudessem conferir qualquer enfoque utilitário do ponto de vista probatório;
Fica-se literalmente sem suporte, desse ponto de vista, uma vez que;
Assim “desgarradas” de quaisquer outros elementos que lhes conferissem uma perspectiva mais explicativa, as mesmas dizem “tudo e nada”.
Ao que se deverá acrescentar que;
Do ponto de vista do uso de cifras;
A linguagem assim denominada, tem por característica muito justamente, a constância e repetição de determinados termos, que permitem que os seus interlocutores se entendam entre si, sem que terceiros os entendam ou sem que os entendam na sua totalidade.

Ora;
Essa é uma das características que não se encontra nas escutas acima reproduzidas, como da sua singela leitura resulta.
Razões de sobra para que;
Nelas se não encontre consonância entre o seu teor e a interpretação que delas foi feita pela testemunha cujo depoimento ora se aprecia.

E;
Prosseguindo a apreciação deste, referiu a testemunha que;
Quanto a NS, este tem como alcunha Didi – conclusão a que chega por via das escutas.
A sua referência no processo após as intercepções feitas ao E.
Numa das sessões, pediu assistência em viagem à viatura dele e por via da matrícula do veículo, chegaram ao próprio.
Esteve em escuta em vários alvos, com vários números.
Este arguido tinha contactos directos com o J.
Apurou que morava na praceta BF, em Loures.
Havia indicação de 3 moradas, mas só naquela se constatou ser a da sua residência e se fez a busca.
A 30 Abril de 2009, o J foi preso, o N em Julho ou Agosto, mas neste período o J contactava-o telefonicamente (usava cabines telefónicas do estabelecimento em causa). Também o visitava no EP.

Audio Vox L C2 – 1164 – o Jorge dizia-lhe que tinha sido preso, para ter cuidado.
De fls. 36 a testemunha depreende que os 3 do carro estavam ligados e que também o N sabia de tudo o que se passava.
O gordo: trata-se de um negócio com outro tipo de produto.
Segundo crê, o N ia-se deslocar ao Algarve depois da detenção do J, para ir buscar 25 quilos de cocaína.
Foi feito o seguimento ao carro (Audi A4), interceptaram-no na vinda do Algarve, mas não encontraram nada.

ALVO 1T961M - n.° 927--------
CONVERSA ENTRE: A) Jorge e B) Didi (Alvo):
“B)YÁ!
A) MANDIDAS COMO É QUE É?
B) COMO É QUE É! FODA-SE QUE MERDA É ESTA MEU?
A)OQUÊ?
B) EU NÃO ESTOU A PERCEBER NADA, MERDA, O QUE SE PASSA?
A) O QUE É QUE SE PASSA DO QUÊ?
B) O QUE SE PASSA BROTHER, O QUE É QUE SE PASSA?
A)COMOASSIM.
B) TU ONTEM DISSESTE QUE TAVAS DE BOLA, O QUE É QUE SE PASSA?
A) TOU DE BOLA.
B) TÁS DE BOLA E TÁS AI A FAZER O QUÊ?
A) ATÃO TIVE DE FICAR, FUI APANHADO NA MÃO QUERES O QUÊ!!!
B) QUANTO TEMPO?
A) AHH, NÃO SEI !!! DEVO FICAR DOIS OU TRÊS MESES, ATÉ PULSEIRA.
B) 0K, DOIS OU TRÊS MESES, ENTÃO MAS A TUA COTA TÁ AQUI COM BUE DE STRESS. NÃO SEI O QUÊ, PORQUE ANDAM-ME A SEGUIR, NÃO SEI O QUÊ!
A) NÃO PORQUE, EU FIQUEI DE BOLA, MAN. SÓ QUE É ASSIM, OS GAJOS DISSERAM NO JORNAL, DIZ FOMOS APANHADOS UMA PARTE DE UMA REDE. E OS GAJOS TEM AS MINHAS ESCUTAS DESDE SEXTA FEIRA, PASSADA.
B)SIM.
A) PRONTO, FOI A PSP DE SETÚBAL QUE ME PRENDEU.
B)SIM.
A) PRONTO E EU NÃO SABIA NADA DA DIC DE SETÚBAL.
B) SIM E AGORA QUERES FAZER O QUÊ? O ANDRÉ QUER SABER NÃO SEI O QUÊ, AQUILO QUE DISSESTE LÁ EM BAIXO. O QUEÉ QUE SE PASSOU COM AQUILO?
A) NÃO SE PASSOU NADA, AQUILO ERA MATERIAL DAS OBRAS, NÃO SE PASSOU NADA. EU FUI APANHADO COM O FILIPE, PELO FILIPE E O CHAVALO DO BM, A SUBIR.
B)SIM E O ANDRÉ É O QUÊ? O ANDRÉ É O CHIBO É?
A) É ASSIM OU FOI ELE, PORQUE SÓ HAVIAM QUATRO PESSOAS QUE SABIAM. ELE O OUTRO GAJO QUE TAVA COM ELE, O QUIM E O OUTRO GORDO, SÓ HAVIAM QUATRO PESSOAS QUE SABIAM QUE A GENTE TINHA SUBIDO.
B) SIM !!! SIM.
A) PRONTO EU VOU-TE COMEÇAR A ESCREVER AS MERDAS. TU TENS QUE IR IMEDIATAMENTE LÁ A BAIXO, BUSCAR O JIPE A MOTA OS PAPÉIS. OS PAPÉIS ESTÃO TODOS EM CASA DO FILIPE (...) VAIS BUSCAR TUDO PARA VENDER, PORQUE EU TENHO QUE TER. VAIS BUSCAR O DINHEIRO AO FAROL. PORQUE EU TENHO QUE METER 400 PÁUS NA MÃO DO MEU ADVOGADO, QUANDO CHEGAR NA SEGUNDA FEIRA, PORQUE SENÃO O GAJO NÃO ME VAI DEFENDER. TÁS A VER! VAIS FAZER A PRIMEIRA COISA, JÁ, JÁ, JÁ! E EU VOU-TE DEIXAR UM PAPÉL, COM TUDO COMO TU TENS QUE FAZER, COM QUEM TENS QUE IR FALAR.

B) PÁ, PORQUE É ASSIM, AHHH, A TUA MÃE TÁ AQUI COM ... SECRETISMOS, EPÁ (…)
A) MAS TÁS A FALAR DO QUÊ?
B) O COISO, PORQUE NÃO SEI O QUÊ. TU AINDA NÃO TENS ADVOGADO?
A) NÃO VEM AGORA NA SEGUNDA FEIRA.
B) COMO ELA EXPLICOU-ME NÃO SEI O QUE MAIS... PRECISAS DE 400 EUROS PARA O ADVOGADO, É ISSO
A) SIM!! MAS NÃO É ISSO, TU PRECISAS DE IR BUSCAR O JIPE, PORQUE O JIPE É NOSSO. PORQUE SENÃO VAI O FILIPE BUSCAR PRIMEIRO.
B) O JIPE É NOSSO COMO ? TU TENS QUE ME EXPLICAR ISSO PÁ, PORQUE EU NÃO SEI COMO.
A) O JIPE TÁ NO QUIM, O QUIM É QUE TEM A CHAVE. O JIPE VAIS BUSCAR E OS DOCUMENTOS LIGAS À MARIA, Á MULHER DO FILIPE E VAIS BUSCAR Á CASA DELE, ESTÃO NA GAVETA MESMO POR BAIXO DA TELEVISÃO.
B) HUM,PRONTO.
A) VAIS BUSCAR E VENDES O JIPE, PORQUE SENÃO NÃO TENHO DINHEIRO PARA ESTAR AQUI MEU. TÁS A PERCEBER.

B) 0K, PRONTO ISSO EU POSSO FAZER, AGORA FODA-SE, (...) TANTA COISA A TUA MÃE DISSE OS HOMENS ANDAM ATRÁS DE TI, NÃO SEI O QUÊ!!!
A) NÃO FOI ISSO QUE EU DISSE A ELA.
B) (...) ESTÁS SOB ESCUTA, ANDAM ATRÁS DE TI..
A) ELA NÃO SABE FALAR.
B) FODA-SE ENTÃO QUE VENHAM, MAS ATÃO...
A) ELA NÃO SABE FALAR, FOI O QUE EU DISSE A ELA, ELE QUE TROQUE DE TELEFONE, PORQUE ESTE TELEFONE TÁ DE CERTEZA, PORQUE O MEU ESTÁ DESDE SEXTA FEIRA.
B)SIM.
A) DE CERTEZA QUE TÁ, FOI A PSP DE SETÚBAL.
B) SIM!

A) AGORA TOU A VER QUEM PODERÁ TER SIDO, OS GAJOS DISSERAM QUE A GENTE FOI MESMO CHIBADOS. ELES TIVERAM LÁ O OUTRO... TANTO PUXOU TANTO PUXOU, QUE ALGUÉM DISSE QUE A GENTE ERA CHIBADOS, PORQUE
B) AI!!! A TUA MÃE TÁ A DIZER QUE TU LEVASTE NOS CORNOS, QUEM É QUE TE BATEU?
A) OPÁ!! MAS ISSO NÃO INTERESSA.
B) NÃO INTERESSA NÃO !!! DIZ-ME LEVASTE NOS CORNOS TU?
A) NÃO PÁ, FOI A GOE QUE ME PRENDEU, PÁ! MANDARAM FUMO PARA DENTRO DO CARRO E TUDO.
B) AHH!!! MAS ISSO FOI GRANDE APARATO.
A) FODA-SE UM APARATO DO CARALHO! OLHA LÁ EU PRECISO DUM FAVOR TEU.
B) DIZ!
A) EU PRECISO QUE VÁS TRATAR DE UMA CENA QUE É UMA COISA AQUI DA GENTE. PRECISO QUE FALES COM ALGUÉM. PARA FAZERES UM TIPO DE UM TIPO DE CONVITE E UM CONTRATO DE TRABALHO, PARA UMA PESSOA, PARA UMA MULHER QUE É CASADA COM O ESPANHOL. QUE TÁ EM MARROCOS.
B) EPA, MAS ISSO. ISSO TENS QUE. EPÁ TENS AI OS CONTACTOS, NÃO DÁ PARA UM GAJO IR AI VISITAR-TE.
A) EU NÃO CONSIGO, EU NÃO CONSIFO, EU TENHO UMA PESSOA QUE A SEGUIR VAI, EU JÁ LHE DEI O TEU NÚMERO, QUE A SEGUIR VAI FALAR CONTIGO E VAI-TE POR AO CORRENTE DAS SITUAÇÕES, COM O QUE SE PODE FAZER E NÃO SE PODE FAZER. EU NÃO VOU SAIR DAQUI ATÉ ME DAREM PULSEIRA. TÁS A PERCEBER. ATÉ ME DAREM PULSEIRA EU NÃO SAIO DAQUI MANO. SE ME DEREM A PULSEIRA LOGO SE VÊ, MAS O OUTRO GAJO O CABRÃO QUE VINHA A CONDUZIR O CARRO EM VEZ DE SE AGARRAR PARA TODA A GENTE SAIR NÃO SE AGARROU. O FILIPE COMEÇOU A CHORAR PARECIA UMA MARIA MADALENA, TAMBÉM NÃO SE AGARROU ... E AGORA O FILIPE BORROU-SE TODO PARECIA UMA MULHER A CHORAR, SÓ CHORAVA, SÓ CHORAVA, COWBOY DO CARALHO, LÁ FORA ERAS O PATRÃO AGORA NÃO DIZES NADA.

B) Á POIS AQUI ERA O PATRÃO, AI NÃO DISSE NADA, NÃO É
A) AQUI NÃO DISSE NADA TIVE QUE VIR EU PARA AQUI. VAIS FALAR COM O TUBARÃO, QUE EU VOU LHE DAR O TEU NÚMERO, QUE ELE VAI-TE AJUDAR EM CERTAS MERDAS.

B)OQUÉ?
A) VAIS FALAR COM O TUBARÃO, EU VOU-LHE DAR O TEU NÚMERO, QUE ELE VAI- TE AJUDAR EM CERTAS MERDAS. A AVISAR O QUE É QUE SE PASSA., O QUE É QUE NÃO SE PASSA. TÁS A PERCEBER?
B) HUM!!!
A) MAIS TAMBÉM NÃO VOU PODER FALAR AO TELEFONE.
B) YÁ!
A) AS CENAS VÃO CONTINUAR, MAS EU VOU-TE AVISAR O QUE TENS QUE FAZER PARA CONTINUAR, SENÃO VAIS-ME ENCONTRAR AQUI. TÁS A PERCEBER MANO.
B) EPA .
A) TU SABES QUE EU SOU TEU TROPA, E TOU SEMPRE A ZELAR POR TI, TÁS A VER ELES TEM O TEU E O DO MAIS VELHO. TÁS A VER O DO VELHO LÁ DE BAIXO.
B) SIM II!

A) PRONTO! ELES TAVAM-TE A DAR COMO UMA REDE, MAS EU VOU-ME AGARRAR NEM QUE EU ME AGARRE EM TUDO PARA VOCÊS SAIREM PARA FORA. A ÚNICA CENA QUE EU QUERO É QUE TU...
B) AI QUEREM, QUEREM ME VIR BUSCAR?
A) NÃO, NÃO, PORQUE NÃO TÊM NADA, NÃO TÊM NADA SÓ ESCUTA. NÃO HÁ MAIS NADA. TOU-TE A AVISAR DO QUE É QUE HÁ, E O QUE É QUE NÃO HÁ. VAIS FAZER UMA CENA VAIS TROCAR DE TELEFONE. VAIS DAR O TEU NUMERO PARA A MINHA MÃE DECORAR E ENTREGAR AQUI.
B) SIM
A) TÁS A VER!! QUANDO COISO, TU VAIS TER, DEIXAS ESSE TELEFONE LIGADO EM CASA E PIRAS-TE, VAIS TER COM ESSE AMIGO QUE EU TINHA LÁ EM BAIXO. AQUELE AMIGO QUE A GENTE TINHA LÁ, SABES?
B) SIM.

A) O QUE VALIA TUDO, E VAIS MANDAR CHAMAR O GORDO, VAIS TRATAR DAS CENAS TODAS E A PARTIR DAI, VAIS METER OUTRAS PESSOAS A FRENTE TU SAIS DE CENA, PESSOAS, AGARRAS FALAS COM A MÃE DO CHAVALO, MAIS OUTRA PESSOA DA TUA CONFIANÇA, SE TU NÃO TIVERES, EU PEGO UM PUTO AI DE ODIVELAS, TÁS A VER ? QUE EU AGORA SE A GENTE NÃO EU NÃO TENHO DINHEIRO PARA TAR AQUI, MEU. TENS QUE IR, VAI BUSCAR OS CARROS LÁ A BAIXO AS MOTOS E TUDO E EU VOU-TE ENTREGAR, QUANDO A MINHA MÃE CÁ VIER, A MINHA MÃE DEVE CÁ VIR AMANHÃ. EU VOU-TE ENTREGAR OS PAPÉIS TODOS DA MULHER DESTE GAJO, PARA VER SE TU CONSEGUES FAZER O PEDIDO DE CONVITE, FALAS COM O QUILAMÓM E O CARALHO QUE ELE TEM LÁ A CENA DA EMPRESA ELE FAZ. TÁS A VER MANDA UM ABRAÇO AO HORÁCIO, DIZ QUE TÁ TUDO BEM. JÁ CONTASTE A ELE O QUE SE PASSOU?
.
B) JÁ, JÁ!!

A) YÁ! ISTO TÁ-SE BEM, MEU.
B) (...) ANDAM ATRÁS DE MIM E NÃO SEI QUÊH!
A) HAM!!! NÃO É, PORQUE ESTÁS TU E EU NA ESCUTA DO ULTIMO DIA PORQUE ELES SABIAM, EU ANDEI O DIA TODO NO ALGARVE, AQUELA MERDA...
B) A ESCUTA DO ULTIMO DIA!
A) SIM, ENTAÕ ANDEI O DIA TODO NO ALGARVE, COM AQUELA MERDA PARA TRÁS E PARA DIANTE E SABES QUE EU ESTOU SEMPRE A OLHAR, ELES NUNCA ANDARAM ATRÁS DE MIM. APANHARAM-ME QUANDO EU VINHA NA AUTO ESTRADA, TÁS A VER, NA ULTIMA BOMBA EM ALCACER DO SAL, SAIU NO JORNAL ONTEM, SAIU NO JORNAL E TUDO ONTEM. TRATA DAS COISAS QUE EU VOU-TE DIZENDO COMO É QUE VAIS FAZER AS COISAS. NA SEGUNDA FEIRA EU VOU-TE ENTREGAR AS CENAS, QUANDO TIVER AI O ADVOGADO. DOU AO ADVOGADO AS CENAS DA MULHER DELE PARA TU ARRANJARES AS CENAS AI FORA. O GAJO É BOM TROPA, ORIENTA UMAS MERDAS PARA A GENTE.

B) TÁ BEM, ATÉ AI, ATÉ AI, O OUTRO DEVE, DEVE-ME AI UMA GUITA PRONTO...

A) PRONTO FALA COM O (...) YÁ DIZ A ELE QUE O TELEFONE DELE FOI, OLHA VOU FICAR SEM SALDO, DIZ QUE O TELEFONE DELE FICOU NO BARULHO E TÁ-SE BEM, ARRANJA-ME SÓ UM CARTÃO E UMA GUITA AMANHÃ UNS DEZ OU VINTE EUROS E UM OU DOIS CARTÕES, PARA EU TER AI PARA FALAR COM VOCÊS.

B)TÁ BEM,VÁ.
A) TÁ BEM MANO. VÁ MANDA UM BEIJINHO À G, TÁ, DIZ Á G QUE EU VOU PRECISAR DELA.
B) TÁ BEM, TÁ BEM.
A) MANDA UM BEIJINHO A ELAS, TÁ!
B)TÁ.
A)TÁ, ATÉ JÁ. “
*
Quanto ao dia da apreensão (30 de Abril):

A partir de 27 de Abril tiveram a noção de que o J se iria deslocar à zona do Algarve para ir buscar droga.
Estiveram 24 sobre 24h em alerta para saber.
Quando este chegou ao Algarve, estava a ser localizado por equipamento celular, equipas com turnos.
Sabiam onde estavam, à excepção de quando saíram para Espanha.
No dia 29 à noite tiveram a informação de que o J viria para cima pela madrugada.
Montaram vigília nas bombas da Galp, em Alcácer do Sal.
O sistema de localização celular indica o local em que se encontra o utilizador do telemóvel.
O carro vinha a ser seguido por uma viatura descaracterizada da PSP.
Foi uma equipa dos GOE que fez a abordagem, por razões de segurança.
Eram 3 os indivíduos que vinham na viatura.
Foi um dos outros elementos da equipa, que não esta testemunha, que elaborou o auto.
Já dentro da bomba de Alcácer, a viatura foi bloqueada.
Rebentaram 2 vidros. Na parte de trás da viatura (entre o banco de trás e o do pendura), encontraram uma mochila com haxixe.
Quanto às fotografias de fls. 490 e ss - retratam a viatura que trazia um pneu na bagageira.
Numa fotografia consta o local onde estava a mochila, na qual se via um molho de placas de haxixe.
Outra retrata as mesmas após a sua retirada do interior da mochila.
A testemunha pensa que o destino da droga fosse a sua entrega ao N (conclusão a que chega uma vez mais por intermédio de escutas), designadamente da que consta do Audio Vox J2 CD5 – sessão 3497, a fls. 17, onde o J lhe refere haver polícia na estrada e estavam à espera que pudessem arrancar (transcrição que em seguida se reproduz).

ALVO 1T901M n. 967--------
CONVERSA ENTRE:
A) J (Alvo) e B) DIDI
“B) Tou, Tou.
A) Olha lá. Espera ai só um pouco.
B)O quê?
A) Eu estou .... isto está fechado, deixa-me só. Eu já tou pronto, tamos todos nos carros, só estou a espera que eles levantem, para depois bazar. Ahh! Faz-me um favor meu.
B)O quê?
A) Dá uma piçada do caralho ao Filipe quando eu chegar ai com ele.
B) Porquê ? O que é que foi?
A) Porque ele éeeee, ele é que manda o dinheiro é dele, ele é que isto , ele é que aquilo
B) Eu trato dele, quando ele chegar aqui.
A)É que ontem tudo bem, estas cenas podiam não tar, naõ, tavam fodidos e o caraças, já podia tar ai aquilo do amigo dele.
B)Ahm!!
A) Ontem já podia ele ter ido para cima ele e o amigo. Os gajos ainda não estavam vestidos.
B)Sim.
A) Tas a ver! Não ele é que saiba, quis ir dormir, acordou agora à coisa de uma hora e meia cheio de pressa. Tás a ver e não queria que eu fosse falar com ele, porque os homens, sozinho não querem que ele vá. Porque não curtiram a atitude dele na ultima vez. Pronto e não querem que o Filipe venha, vou eu sozinho. Ele tá armado em patrão, por isso é que eu tou-te a dizer faz-me um grande favor. Dá-lhe uma piçada do caralho quando ele tiver ai meu
B) Eu quero saber se as coisas tão todas organizadas conforme tu disseste.
A) Tá tudo pronto! Tá tudo pronto só a única merda que tá, é assim h ouve ai uma merda qualquer, os gajos tiveram desde a 125, os espanhóis e tudo os carros tiveram desde a 125 ao pé dali da Fuzeta, depois do Monte Gordo até aqui a este lado. A gente tá à espera que eles levantem.
B) Tudo bem. Os putos tá tudo vestido.
A) Tá tudo pronto.
B) E aquilo que os outros disseram que iam trazer, também vão trazer.
A) Tá tudo pronto, meu
B) Tudo?
A) Tudo meu, só faltam eles sairem daqui.
B)Tá bem.(...)
A) ... é que estão os cães na estrada e tudo.
B) O homem também tá a vir contigo?
A) Vem com a gente não é!!
B) Tá bem. Tou à vossa espera.
A)(...)
B) Quando o puto chegar aqui eu vou-lhe contar uma história.
A) Tás a perceber?
B)Ah!
A) Mas dá-lhe a piçada mesmo.
B) Não ele tá é armado em esperto, vou ter é que lhe dar nos cornos, é o que vai acontecer.
A) Ehhhhhh!!!! Tem calma.
B) Vou ter que falar com ele.
A) para aprender certas merdas
B) Ele tá mas é ! Tá-se bem.
A) Até já.
B)Até já”.

Na Sessão 3584, a fls. 20 – J emprestou o telefone ao A para ligar ao F
A sessão 3600, a fls. 22, retrata uma conversa entre F e A (usando o telefone do J), dando nota de que tinha um furo. De acordo com a opinião da testemunha, o A sabia do que se passava, mas nada tinha a ver com o transporte (era mecânico, razão pela qual o contacto devia ser para tratar do pneu do carro, diz).

ALVO 1T9O1M - n.° 967----------
CONVERSA ENTRE: A) F e B) A (N° DO ALVO)
“A) TOU.
B) TOU.!!!
A) TOU, TOU.
B) ATÃO ONDE É QUE TÁS? ESSE STESS TODO, ESSA ACELARAÇÃO.
A) ATÃO (...) BATI AQUI COM O CARRO, FODEU-SE UMA RODA (...) TOU A CAMINHO.
B) QUAL CARRO?
A) QUAL CARRO !! O BM NÃO !!!
B) HÃ, FODESTE UMA RODA?
A) NÃO FODI NADA, VÁ TOU A CAMINHO
B) MAS NÃO VENHAS PARA AQUI COM ISSO, COM O CARRO E ESSA COISA TODA.
A) ENTÃO ONDE É QUE VEJA.
B) ÉPA QUANDO TIVERES AQUI NA ARFA. SEM SECAS SEM NADA, DÁ UM TOQUE QUE EU VOU TER CONTIGO.
A) NÃO VOU-TE JÁ DIZER, TOU A SAIR MESMO. TOU A ENTRAR NA A 22.
B) NÃO QUANDO TIVERES, DEMORA UM MINUTO AO PÉ DE TI
A)AONDE?
B) TOU Á s OITO HORAS Á TUA ESPERA.
A) DIZ LÁ AONDE? NÃO É POR MIM, Ó ANDRÉ NÃO ME ESTEJAS A ATROFIAR A CABEÇA...
B)EU SEI.
A) SÓ AGORA, SÓ AGORA É QUE ESTÁ PRONTO.
B) SABES PORQUÊ, TOU COM A MARIA AQUI.
A) OPÁ TAMBÉM FODIDO, TOU EU PÁ.
B) ATÃO PRONTO MANO É ASSIM, COISA E TAL É HORA É HORA E O CARALHO VÁ.
A)VÁ.
B)OLHA PODIA TAR(...)
A)DAQUIA VINTE MINUTOS AONDE?
B) QUANDO TIVERES EM OLHÃO DÁ-ME UM CARALHO DE UM TOQUE.
A)(...)
B) DOIS MINUTOS TOU AO LADO DE TI SE FAZ FAVOR.
A) ENTÃO PRONTO, VAMOS, VAIS TER AQUELA GASOLINA, AO PE DO TEU ESTABELECIMENTO.
B)AO DO TWIKS?
A) DO KIT KAT, DO TWIKS.
B) VÁ GOSTO MAIS DO TWIKS.
A)VÁ ATÉ JÁ”.

A sessão 3649 – fls. 24 – refere-se conversa entre J e N em que aquele disse que já ia a caminho no peugeot.
No BMW iria o dono da viatura e o F.
Durante a noite o contacto do J foi sempre o N.

ALVO 1T9O1M - n.° 967---------
Data/hora inicio
29. 04/2009
22 :38:22

CONVERSA ENTRE: A) J. ( ALVO ) e B) DIDI :
“B)Yá!
A) Onde andas tu?
B) Hã?
A) Onde andas tu?
B) Diz, diz.
A) Nada . Tou fodido. O outro vai no outro carro.
B) Hã?
A) Tou a ir ter contigo o outro ta no outro carro. Eu tou no Peugeot só dá 130.
B) Tá tudo bem ?
A) Tá, tá! Mais ou menos.
B) Foda-se já tou fodido. O que é que é mais ou menos?
A) O que é que é mais ou menos. É que o meu e o teu tão garantidos. O resto.., o gajo mete a pata na poça. Só quero te pedir uma cena. Fazemos isto, e amanhã ou depois vem ter comigo, não quero mais nada. Eu daqui vou-me separar não dá puto. Eu daqui vou-me separar, só peço...
B) O que fomos lá fazer tá garantido.
A) Tá! Só quero que venhas comigo cá. Não quero mais nada, tá bem, deixa tar que isto, tá descansado... a única coisa que eu quero é que venhas comigo depois...
B) Atão mas o homem não tá a vir?
A) Há?
B) O homem já não vem?
A) Vem como? Este demorou quatro dias a ir buscá-lo. Mas já mandou a gente vir. Agora, vem comigo para baixo não te peço mais nada. Eu não vou falar à frente dele, falo quando chegar ai.
B) Ele tá ao pé de ti ou não?
A) Não! ele tá no outro carro. Eu quando chegar ao pé de ti, a gente faz as coisas normal sem alarido nenhum ele sai para onde tiver que ir e quando eu tiver sozinho contigo, vamos lá os dois. Porque toda a gente já percebeu, muitas merdas, diz aqui que toda a gente o tá a tratar de maneira diferente. Tá toda a gente a tratar-me super bem e ele já tá a topar essa merda e o gajo hoje ficou fodido, percebes o gajo hoje encavacou-se ficou fodido, porque até o chavalo daqui, o gordo. Passou-se uma cena, estupida qualquer, o gajo agarrou e disse toma lá o dinheiro, que ele a ti faz mais barato. Por causa de uma merda dessas, tas a ver! O rapaz a mim disse-me um preço a ele disse outro. Ele chegou para ir comprar uma cena e o chavalo disse um preço. ... o homem agora disse Jorge vem sozinho tu ès tu os outros são os outros (…)
B) O gajo é um filha da puta então!
A) Apanhou-se com o dinheiro em casa ontem, de manhã não tinha dinheiro nenhum, atão
B) Quanto?
A) Tás a perceber? Há?
B) Quanto?
A) Opá dinheiro, para ai uns 80 Euros (…)
B) Quer dizer, o homem que supostamente tinha falado contigo já não vem?
A) Não !! Temos que nós ir para baixo. É que ele estragou tudo, ele estragou, ele estragou tudo, não sei , eu não o entendo (…)
B) Então mas qual é o problema dele?
A) Épa tá paranoico, tá mesmo completamente todo fodido (...)
B) Então o problema dele é que o dinheiro é dele e não sei quê?
A) É sempre! E tá sempre a dizer que ainda falta dinheiro, e que a gente ainda temos que lhe dar cinco paus e que não sei o quê e bebebeuuu, que a gente tem que dar cinco paus por causa do BM e não sei o quê, e eu disse tá bem, meu.
B) Por causa do quê?
A) Ainda faltava a gente ainda lhe dar cinco paus. tás a ver? Pá, bue merdas, disse bué da merdas. Eu só disse assim ao chavalo, o chavalo tá fodidissimo com ele pá, fodidissimo, tanto que o gajo tava a fazer isto e tava a dizer que dava três paus ao chavalo, e eu disse olha isso é impossível mano, isso vou-te dizer que isso é impossível, porque isso é se calhar o que a gente vai tirar para nós, isso é impossível meu. É impossível.
B) .. .0 chavalo!
A)Sim.
B) Qual chavalo?
A) O que vem com a gente, o que lhe emprestou o carro para ele andar.
B) Ahh!! Mas ai não vai sair nada para lá!
A) Ah pois! eu disse a ele.
B) Tu vens ter comigo mais nada.
A) Eu disse a ele. Ó amigo deixa tar calado, tás a ver ele a cantar de galo aqui não tás, então deixa ele chegar lá acima a Lisboa, quando ver o outro a ver se diz alguma coisa. Ele vai-se calar em copas. Tás a ver e ele, á ele tem muito medo. E eu disse tem medo, tem medo, mas eu disse não te preocupes que eu vou falar com o mais velho e tu ficas com a gente na mesma, agora ele eu não me responsabilizo por o que ele tá a dizer ou não, tu desta vez, vou-te dizer tu desta vez não vais ganhar dinheiro, ganhas dinheiro na próxima.
B) Qual, qual é o problema desse chavalo? O que é que ele tá ai a fazer?
A) O chavalo o quê?
B) Esse que tá contigo supostamente.
A) Tu não o conheces, foi o chavalo que me deu o carro e tentaram fazer as cenas comigo.
B)ah!
A) Percebes. Anda para aqui e para ali comigo. (…), tens que vir comigo para baixo, percebes, a gente não precisa da casa dele para nada, se não ficarmos ali, dormimos aqui deste lado, dormimos aqui deste lado.
B) Exacto
A) (...) Eu tenho aqui os putos, os putos arranjam-me contrato de aluguer e tudo aqui tenho andado a falar com os putos daqui, tá-se bem, tá-se mesmo bem. O homem tava, o homem tava, ele ontem quando a gente tava no café ... porque o homem disse que não queria que ele entrasse dentro do carro, eu tava sózinho com o gordo, com o chefe, tava sózinho e ele disse que não queria que ele entrasse dentro do carro. Depois fomos andar e fomos beber um copo, e eu sózinho com o cota a falar, bebebeuu, quando cheguei ao café o outro virou-se para mim e disse o que é que lhe sacaste. Isso agora!!!! Não lhe disse népia, percebes, teve que se aguentar, porque aquilo que o cota, quer é tar comigo e não com ele, percebes.
B) Hum!
A) E agora tá-se a começar a roer, tá-se a começar a roer, porque as pessoas querem é ficar comigo e não com ele e não aturei eu hoje disse-lhe. Épa pára com essa merda, o que tu eras e o que tu és !! Vai para o ginásio, caralho, pára de beber, pára dessa merda, a toda a hora, toda a hora, só andas nisso meu, não consegues andar sem isso caralho. Pára com isso, eu também faço isso e não ando assim, caralho!! Pára com isso, quando é dia de festa é, quando não é não é caralho!! Foda-se eu tou, tou com a cabeça mesmo feita em merda, pá.
B)Tu...
A) Eu tou ai, o carro só dá 130 é o que vai!
B) São 15 não é?
A) Não é um bocado menos.
B) Foda-se !!!!
A) Espera, é menos um !!!! Calma, não te preocupes, tem calma. Tá bem, não te preocupes!
B) Tá bem.
A) Eu tou a dizer para não te preocupares, é para não te preocupares !
B) Não tem nada para um gajo ficar desapontado, não é?
A) Não, não, não , não, não , não Não porque a seguir .. a gente tem que falar pessoalmente. Não te preocupes mano, não te preocupes... o dinheiro que aqui deixaste.
B) Eu vou
A) Ouve o dinheiro que aqui, deixaste, as cenas todas como se passaram, desta vez valeu a pena. Percebes, eu ainda tou a dever dinheiro ao homem, desta vez valeu a pena, entendes? Depois a gente já fala. Vá.
B) Tou à tua espera”.

Na sessão 3789 a fls. 29 – O J confirma o seu atraso, mas que vai ter com ele (arguido N).

ALVO 1T9OIM - n.° 967---------
CONVERSA ENTRE: A) J ( ALVO ) e B) DIDI:
“B)(...)
A) NÃO TE ATENDO PORQUE NÃO POSSO FALAR À VONTADE.
B) ACREDITO QUE SIM MAS MANDA UMA PORCARIA DE UMA MENSAGEM.
A) É O QUE EU TE IA FAZER, TÁ DESCANSADO, TÁ TUDO BEM, COM A NOSSA COISA TÁ TUDO BEM. APARECEU FOI UMA CENA PELO MEIO. ELE DESAPARECEU DAQUI, E EU TIVE QUE IR COM ELE.
B)E AGORA?
A) AGORA TÁ TUDO BEM, NÃO INTERESSA, DAQUI A POUCO TOU AI
B) QUERO ESTAR CONTIGO HOJE.
A) SIM!!! JÁ TE DISSE HOJE TOU CONTIGO, HOJE
B) ATÉ JÁ.
A) ATÉ JÁ”.

Na sessão 3924 a fls. 31, J transmite a notícia ao N do furo do pneu do BMW e de que o Peugeot tinha avariado. Segundo crê esta testemunha, a expressão “ bomba” significa droga.

ALVO 1T9O1M - n.° 967---------
CONVERSA ENTRE: A) J (ALVO ) e B) DIDI:
“A) TU TÁS A DORMIR, NÃO?
B) (...)
A) FODA-SE ATÃO O QUÊ!! TOU Á ESPERA QUE CHEGUE ALGUÉM... CARALHO FICA COM O TELEFONE LIGADO, QUANDO TIVER DESPACHADO LIGO-TE.
B)(...)
A) ÉPÁ TOU A VER SE CONSIGO QUE O QUIM ACORDE OU UMA MERDA QUALQUER, ATÃO. O JIPE TÁ NO RESTAURANTE, TAMOS AQUI NO MEIO DA RUA COM O PNEU FURADO, NÃO É!!
B) O PNEU SUPLENTE.
A) QUAL PNEU SUPLENTE ISTO É O SERIE 1 ... NÃO TEM PNEU, NÃO TEM PNEU SUPLENTE. FUI COMPRAR UMA LATA DAQUELAS PARA O FURO A VER SE AGUENTAVA, VOLTEI PARA TRÁS, PASSEI PELA CASA DA .. NEM ABRIU A PORTA. FODA-SE TUDO ME ESTÁ A ACONTECER, PARTI O MOTOR DO 206, FIQUEI COM O VITARA, PARTI O MOTOR DO 206. O VITARA DEIXEI A CHAVE ALI, ARRANQUEI COM ESTE. ESTE FICOU COM O PNEU FURADO....
B) ONDE É QUE VOCÊS ESTÃO?
A) TAMOS AQUI EM ALFUFEIRA, IA PARA AONDE A ÚNICA PESSOA QUE CONHEÇO É A NUCHA AQUI, OU O QUIM OU CARALHO, NÃO APARECE NINGUÉM, NINGUÉM ATENDE O TELEFONE. POIS E COM A BOMBA AQUI, NÃO É TAMOS AQUI DUM LADO PARA O OUTRO COM O PNEU QUASE DE ROJO, E COM A BOMBA AQUI. FODA-SE. OLHA ... DEIXA O TELEFONE AO PE, VOU TE LIGANDO.
B) YÁ! “

Na sessão 3942 – a fls 33 – O J fala no saco, especificamente (uma hora antes da abordagem, que ocorreu às 9h):

ALVO 1T9OIM - n.° 967----------
CONVERSA ENTRE: A) DIDI e B) J (ALVO):
“B) EHH!!
A)YÁ!
B) FALA.
A) AHH!! ... QUANDO CHEGARES VAIS DEIXAR O FILIPE EM CASA E DEPOIS VAIS TER COMIGO, COMO É QUE VAIS FAZER.
B) NÃO SEI! PRIMEIRO LIVRAVA-ME JÁ DISTO.
A)AHH!!!!
B) VINHAS JÁ.
A) NÃO PERCEBI, NÃO PERCEBI.
B) VENS JÁ, LEVAS-ME O SACO.
A)(....)
B) É PARA TU VERES O ESTADO EM QUE UM GAJO ANDA.
A) O QUÊ?
B) REBENTEI UMA RODA DO PNEU AGORA. UMA RODA DO CARRO AGORA.
A) TÁS A FALAR A SÉRIO.
B) TOU A FALAR A SÉRIO.
A) FODA-SE.
B) EU NÃO QUIS IR TER CONVOSCO PORQUE ESTAVA CANSADO, QUANDO TE LIGUEI TAVA A IR TER CONVOSCO, OU SEJA...
A) MAS TAMBÉM ACONTECEU A MESMA COISA COM A GENTE.
B) EXACTO, A CAMINHO DE CÁ, VOLTEI AGORA ADORMECI, BATI COM O CARRO.
A)BATESTE.
B)YÁ!
A) COM O CARRO
B)YÁ!
A) E NÃO FEZ MAIS ESTRAGO PORQUE NÃO VINHA NENHUM CARRO ATRÁS DE MIM, CONTROLEI O CARRO E O CARALHO.
B) BATESTE AONDE?
A) EPÁ BATI NA, NO SEPARADOR.
B) FICOU MUITO MAL.
A) NÃO, NÃO! FODEU O PNEU. A SÉRIO, ATÉ AGORA VAMOS A VER O QUE É QUE FODEU.
B)(...)
A)VÁ ATÉ JÁ”.

Dos telemóveis apreendidos nos autos (dos arguidos interceptados na estrada), sabe que 2 ou 3 tinham estado a ser objecto de escuta. O do J. lembra que foi.

Houve um contacto com um inspector da PJ

Quanto a J, a primeira intercepção ocorre em Março de 2009.
Não fizeram diligências para aferir se os arguidos tinham trabalho.
Aquando da sua detenção, dirigiram-se ao local elementos da PJ para saber se o J. tinha sido detido e se estava sobre escuta.
Das conversas que ouviu teve a percepção de que o J. a que se referiam as pessoas que conversavam nos telefones em intercepção era o arguido, porque não falavam com mais nenhum J.

Quanto ao FM:

Quando o telefone do A. é interceptado, falava muito com um F., que moraria em Espanha, na Isla Cristina e no dia da intercepção o J. disse-lhe que o F. iria com ele. Logo, relacionaram o F. com o que detiveram.

Conclui que o F. vinha de Espanha, porque após um período em que o seu telefone não activou as antenas de localização, a 1ª antena de localização a ser reactivada foi a de Vila Real.

Acrescenta esta testemunha que essa activação ocorre, mesmo quando o telefone se encontra desligado (desde que esteja numa área territorial que seja abrangida por uma antena desse tipo).

Assim, pressupuseram que a droga vinha de Espanha via F. para o J. (uma vez mais pelas escutas).

O carro em que vinham foi fotografado quando já estava a Setúbal. Foi esta testemunha que conduziu a viatura desde Alcácer até esta cidade, sendo acompanhado de outro elemento policial que vinha ao lado dele.

Quanto ao JP:
Ficou com a impressão de que o J. viria no Peugeot 206 e no BMW viesse o J e eventualmente o F, mas não pode saber onde vinha o F em concreto.

Reproduzidas fls. 684 – trata-se de um organigrama feito por esta testemunha, de acordo com a percepção com que ficou, dos lugares que os arguidos ocupariam na “rede”.

Nunca tiveram a percepção de que o J tenha tido intervenção no negócio. Indicam-no como transportador, porque vinha no carro, a conduzi-lo.

Quanto à ligação entre o N/E:
É apenas (a do negócio que não se concretizou, a que aludiu por confronto de uma das transcrições “supra” reproduzidas).

Quanto ao N : não houve registo de que houvesse compra directa de droga a qualquer um dos arguidos.

Venderia haxixe, de acordo com as intercepções telefónicas.
Nunca o viram vender, nem em Loures, nem em qualquer outro local.

Quanto ao A:

As vigilâncias foram anteriores às escutas (depois destas, não foram feitas outras vigilâncias).
Sabe que o A. tinha uma oficina automóvel.
Nunca lá foi directamente. Sabia que se situava no parque industrial.
Foi feita lá uma busca, mas esta testemunha não teve presente na mesma.
Nunca constataram por visualização, a deslocação deste arguido a Setúbal, nem o seu contacto com nenhum dos outros arguidos.
Quanto ao negócio do Pinhal Novo: tem para si que não foi feito.
Nos sabonetes de haxixe vinha a imagem de uma sardinha.
Quanto ao BE: participou numa busca feita à casa deste.
Não encontrou na mesma qualquer elemento relevante para a investigação. Nada sabe sobre o património do mesmo.

Em síntese;

Quanto à situação respeitante à intercepção do BMW e do haxixe que vinha no interior do mesmo (é a única diligência objectiva com relevo decisivo do ponto de vista da prova indicada nos autos) e;
À sua ligação aos 3 arguidos que nele seguiam (e bem assim, ao arguido N, para o qual alegadamente aquela se destinaria), temos para nós que:
Do confronto entre as declarações dos arguidos e o teor das escutas “supra” transcritas resulta indubitavelmente que:
Os 3 arguidos se deslocavam com a droga (sabendo-o), vindos do Algarve.
A quem esta pertencia, não se apura.
Demonstra-se apenas que;
Arrancam, o J fazendo-se transportar num veículo (o Peugeot) e o F e o J no BMW.

Tal resulta evidente da escuta acima referida (conversa entre J e Didi), na sessão 3649, a fls. 24:
“(…)
B) Diz, diz.
A) Nada . Tou fodido. O outro vai no outro carro.
B) Hã?
A) Tou a ir ter contigo o outro ta no outro carro. Eu tou no Peugeot só dá 130.
B) Tá tudo bem ?
A) Tá, tá! Mais ou menos.
B) Foda-se já tou fodido. O que é que é mais ou menos?
(…)”.

E que J, diferentemente do que fez crer (e nesse particular também J e F) em julgamento, bem sabia que trazia droga no seu veículo, parece ser também conclusão simples.
Atentando na mesma escuta, tal resulta claro na parte dela em que o Didi pergunta a J:
“(…) Ele tá ao pé de ti ou não?

Respondendo-lhe o J em seguida e referindo-se ao Juan como o “chavalo”:
A) Não !! Temos que nós ir para baixo. É que ele estragou tudo, ele estragou, ele estragou tudo, não sei , eu não o entendo (…)
B) Então mas qual é o problema dele?
(…)
B) Então o problema dele é que o dinheiro é dele e não sei quê?
A) É sempre! E tá sempre a dizer que ainda falta dinheiro, e que a gente ainda temos que lhe dar cinco paus e que não sei o quê e bebebeuuu, que a gente tem que dar cinco paus por causa do BM e não sei o quê, e eu disse tá bem, meu.
B) Por causa do quê?
A) Ainda faltava a gente ainda lhe dar cinco paus. tás a ver? Pá, bue merdas, disse bué da merdas. Eu só disse assim ao chavalo, o chavalo tá fodidissimo com ele pá, fodidissimo, tanto que o gajo tava a fazer isto e tava a dizer que dava três paus ao chavalo, e eu disse olha isso é impossível mano, isso vou-te dizer que isso é impossível, porque isso é se calhar o que a gente vai tirar para nós, isso é impossível meu. É impossível.
B) .. .0 chavalo!
A)Sim.
B) Qual chavalo?
A) O que vem com a gente, o que lhe emprestou o carro para ele andar.
B) Ahh!! Mas ai não vai sair nada para lá!
A) Ah pois! eu disse a ele.
B) Tu vens ter comigo mais nada.
A) Eu disse a ele. Ó amigo deixa tar calado, tás a ver ele a cantar de galo aqui não tás, então deixa ele chegar lá acima a Lisboa, quando ver o outro a ver se diz alguma coisa. Ele vai-se calar em copas. Tás a ver e ele, á ele tem muito medo. E eu disse tem medo, tem medo, mas eu disse não te preocupes que eu vou falar com o mais velho e tu ficas com a gente na mesma, agora ele eu não me responsabilizo por o que ele tá a dizer ou não, tu desta vez, vou-te dizer tu desta vez não vais ganhar dinheiro, ganhas dinheiro na próxima.
B) Qual, qual é o problema desse chavalo? O que é que ele tá ai a fazer?
A) O chavalo o quê?
B) Esse que tá contigo supostamente.
A) Tu não o conheces, foi o chavalo que me deu o carro e tentaram fazer as cenas comigo.
B)ah!
A) Percebes. Anda para aqui e para ali comigo. (…)”.

Ou seja:
O Juan sabe-o e espera até ganhar dinheiro com toda a situação (desconhecendo-se em que moldes tal vantagem económica terá sido acordada, em que montantes, mas parecendo indubitável que a sua comparticipação se esgota no facultamento do seu veículo automóvel - ao J cujo veículo avariara e ao F que não o tem - como meio de levar a droga do Algarve para Lisboa).

Sendo que todos permanecem nas suas primitivas posições (com o intuito de em conjunto, cada um dos arguidos no seu carro se deslocarem para Lisboa), sabendo que a droga existe.

Basta atentar na sessão 3789 a fls. 29, já referida, para que tal assim se conclua:
“Didi- (...)

J - NÃO TE ATENDO PORQUE NÃO POSSO FALAR À VONTADE.
Didi - ACREDITO QUE SIM MAS MANDA UMA PORCARIA DE UMA MENSAGEM.
J - É O QUE EU TE IA FAZER, TÁ DESCANSADO, TÁ TUDO BEM, COM A NOSSA COISA TÁ TUDO BEM. APARECEU FOI UMA CENA PELO MEIO. ELE DESAPARECEU DAQUI, E EU TIVE QUE IR COM ELE.

Se o Peugeot tinha por incumbência efectuar o “varrimento” ao BMW, não se sabe.

Sabe-se apenas que;
Por circunstancialismos exteriores à vontade inicial dos arguidos (avaria no Peugeot) que arrancam nas duas viaturas, como referido;
O J acaba por sair do Peugeot, para se dirigir a Lisboa no BMW, juntamente com os outros dois.
Disso dando conhecimento ao NS, nas conversações havidas entre ambos, no decurso do caminho, como se pode concluir da sessão 3924 a fls. 31:

“J- TU TÁS A DORMIR, NÃO?
Didi (...)
J - ÉPÁ TOU A VER SE CONSIGO QUE O QUIM ACORDE OU UMA MERDA QUALQUER, ATÃO. O JIPE TÁ NO RESTAURANTE, TAMOS AQUI NO MEIO DA RUA COM O PNEU FURADO, NÃO É!!
Didi (…)
A) QUAL PNEU SUPLENTE ISTO É O SERIE 1 ... NÃO TEM PNEU, NÃO TEM PNEU SUPLENTE. FUI COMPRAR UMA LATA DAQUELAS PARA O FURO A VER SE AGUENTAVA, VOLTEI PARA TRÁS, PASSEI PELA CASA DA .. NEM ABRIU A PORTA. FODA-SE TUDO ME ESTÁ A ACONTECER, PARTI O MOTOR DO 206, FIQUEI COM O VITARA, PARTI O MOTOR DO 206. O VITARA DEIXEI A CHAVE ALI, ARRANQUEI COM ESTE. ESTE FICOU COM O PNEU FURADO....
B) ONDE É QUE VOCÊS ESTÃO?
A) TAMOS AQUI EM ALFUFEIRA, IA PARA AONDE A ÚNICA PESSOA QUE CONHEÇO É A NUCHA AQUI, OU O QUIM OU CARALHO, NÃO APARECE NINGUÉM, NINGUÉM ATENDE O TELEFONE. POIS E COM A BOMBA AQUI, NÃO É TAMOS AQUI DUM LADO PARA O OUTRO COM O PNEU QUASE DE ROJO, E COM A BOMBA AQUI. FODA-SE. OLHA ... DEIXA O TELEFONE AO PE, VOU TE LIGANDO.

Depois;

O tempo é passado nas diligências de substituição do pneu do BMW, como os arguidos declaram de forma consentânea, neste segmento e como das “supra” referidas escutas resulta, seguindo após em conjunto com destino a Lisboa, mas sendo interceptados no entretanto, nos apurados moldes.

Ou seja;
Tudo conjugado – nessa conjugação recorrendo às regras da experiência comum, que não nos permitem aceitar ademais a singeleza declaratória atinente ao desconhecimento da existência da droga por parte dos arguidos F e Juan, por esta ser transportada no interior de uma mochila fechada (bastando pensar que mesmo embalado, o haxixe é tudo menos inodoro e a quantidade desse estupefaciente carregado na mochila não deixaria de “aromatizar” o interior do veículo onde seguiam os 3 arguidos, sendo aquando da sua intercepção encontrada junto do arguido F, não sendo este “virgem” do ponto de vista do consumo de drogas);

Não nos fica a menor dúvida pois, quanto à envolvência conjunta dos arguidos J, F e J, na detenção do produto (este último todavia, com a sua comparticipação restringida ao facultamento do veículo BMW, como acima referido).

E referimo-nos a detenção (que não transporte), propositadamente, porque;
O transporte supõe a deslocação de uma coisa de alguém para outrem, a mando de uma delas (e em princípio uma remuneração, pelo serviço).
Nos autos todavia;
Não se apura nenhum dos anteditos segmentos, razão pela qual eclode;
A vertente residual do “tráfico”, que consiste justamente na mera detenção de produto estupefaciente.

Quanto ao arguido NS:
As escutas efectuadas no dia da detenção dos arguidos J, F e J, comprovam e existência de relações de proximidade e colaboração entre N e J;

Entre J e F (estas não isentas de divergências entre ambos) e;

Entre F e N;
Com vista a desideratos diversos, alguns dos quais, não temos dúvidas de que se prendiam com actividades relacionadas com o tráfico de droga.

Todavia;
Como e de que modo;
É algo a que o processo não responde.
Não sendo suficiente para fundar uma esclarecida convicção quanto à aferição positiva de uma determinada realidade, a mera análise de transcrições telefónicas, desacompanhadas na sua comprovação de diligências que as sustentassem no seu teor (putativo ou real), “no mundo do ser”, enquanto suceder fáctico.

Razão pela qual;
Na insuficiência dos meios probatórios indicados para demonstração da factualidade vertida na acusação, nesta parte;
“In dúbio pró réu”;
Terá a mesma que ter-se por indemonstrada.

No processo de formação da sua convicção, valorou ainda o tribunal o teor dos depoimentos prestados por:
PT, agente da PSP de Setúbal na esquadra investigação criminal de há 2 anos e meio a esta parte que disse;
Ter conhecido o J, o F e o J, porque interveio numa operação de vigilância e abordagem. Bombas Galp Alcácer do Sal, no sentido Sul/Norte (sabiam que era um BMW, 120 cor preta com matrícula espanhola).
Tem a ideia de que podia estar envolvido outro veículo mas já não o pode precisar.
Chega o veículo, percebe que no seu interior estão 3 indivíduos, mas não os fixou.
Foram os GOE que intervieram em primeira instância. A testemunha estava colocada num sítio estratégico no local e levou cerca de 2 minutos a chegar ao carro.
Os 3 indivíduos estavam já algemados no chão.
No espaço do banco traseiro e do passageiro da frente, uma mochila semiaberta que pelo cheiro, pensou que continha haxixe.
Foi feito o transporte do veículo e dos indivíduos para Setúbal.

O agente R conduzia o BMW, a testemunha veio com ele, sentada no lado do pendura.
A mochila já ia aberta e depois não teve qualquer intervenção ulterior no processo.
Reproduzido o auto de apreensão de fls. 483 – refere que o seu nome consta como sendo do autuante, mas quem o elaborou foi o colega A.
Reproduzidas fls. 490 e ss: refere tratar-se de fotografias em que consta a mochila, nos termos que a viu no local;

AA, agente da PSP na esquadra de investigação criminal de Setúbal, há cerca de 5 anos, referiu;
Serem-lhe familiares os nomes dos arguidos e até os localiza nas feições.
Conheceu-as no âmbito funcional.
Teve intervenção directa na investigação, fazendo parte da equipa que acompanhou o processo desde o início e interveio em diligências específicas, designadamente;
Na intervenção e detenção da auto-estrada.
Fazia parte de dispositivo especial que estava no terreno estava no Algarve durante toda a noite e davam-lhe indicações de Lisboa. Cerca das 7h tiveram a indicação do colega “do directo” de que a viatura em que encontraram J. F. e J. ia para Lisboa. Fizeram-lhe o seguimento.
Falaram-lhe de viatura em concreto BMW, matrícula espanhola, modelo 120.
Avistou-a quando esta entrou na A2, pelas 7h da manhã.
Viu 3 indivíduos no interior da viatura. Deu para entender que o J (cujo rosto já conhecia e sem dúvida) ia ao lado do condutor, o J pareceu-lhe ir a conduzir e o J atrás (isto já por raciocínio de exclusão de partes).

Estava em ligação com o dispositivo que estava montado nas bombas de Alcácer do Sal, sentido sul norte.
À abordagem não assistiu.
Chega logo a seguir.
Foi uma das primeiras pessoas a chegar depois ao local e das primeiras a tirar fotografias a mochila foi encontrada no sítio indicado pelas anteriores testemunhas.
A viatura foi conduzida a Setúbal por um dos colegas dele.
As fotos do veículo foram tiradas umas no local e outras já no comando de Setúbal. Não sabe quais são as que constam dos autos.
A droga vinha dentro da mochila, em local plastificado, à excepção de uma caixa que estava aberta.
Reproduzido o auto de apreensão de fls. 494, refere ter sido quem o elaborou.
As fotografias de fls. 490 – foram tiradas no comando, mas retratam o veículo tal e qual o que encontraram.
Viu uma declaração de compra e venda no porta-luvas do veículo. Que se recorde, documentação não a encontrou. A documentação que encontraram ainda está no interior do mesmo.
Interveio numa busca na casa do B. – onde não encontraram nada de relevante.
Quanto à casa do A: ficava na Estrada nacional nº 125 e fizeram uma busca no local (encontraram um grama de cocaína, poucos gramas de haxixe e uma pistola não verdadeira).
Efectuaram outra busca na oficina que já não era dele, mas do irmão (segundo este lhe disse).
Reproduzido o auto de busca de Fls. 1231 – confirma o teor, autoria e apreensão.
Reproduzidas fls. 507 – confirma a assinatura como sua.
Espelha o que viu.
Na ocasião viu 2 indivíduos e mais tarde deduz serem 3.
Antes da detenção não conhecia o F.
O A viu-o pela primeira vez no dia das buscas. Das vezes que foi ao Algarve nunca o viu.
Sabe que fazia trabalho de oficina automóvel.
Não tem conhecimento directo de que o A. tenha praticado qualquer acto de tráfico.
AV chefe da PSP na esquadra investigação criminal de Setúbal de há 8 anos a esta parte, referiu;
Dos arguidos conhecer apenas o N (alcunha Didi)
Interveio apenas nas buscas à casa do N.
A 31 de Julho de 2009, foi realizada uma busca à sua residência na qual apreenderam 3 telemóveis, que lhe foram indicadas pelo agente coordenador de que seriam relevantes porque estavam sob escuta.
A casa situava-se em Loures.
Foi apreendido um Mercedes, mas não sabe quem foi o fiel depositário.
Reproduzidas fls. 1209 – confirma a sua intervenção no auto respectivo, apesar de nele não constar.
Reproduzidas fls. 1213 – refere tratar-se do auto apreensão Mercedes.
Confirma ser o que foi apreendido e estava na praceta, junto da casa do arguido, sendo que;

Todas as testemunhas inquiridas e mencionadas em último lugar, depuseram de uma forma convincente, sem manifestação de qualquer parcialidade, no sentido apurado pelos factos.
Quanto ao agente instrutor dos presentes autos:
Encontrou-se-lhe também coerência no respectivo depoimento, conhecimento quase exaustivo das diligências realizadas nos autos, uma memória límpida nos relatos que nos fez e;
Pese embora ter emprestado um certo grau de subjectividade na interpretação que fez das escutas que foram reproduzidas em julgamento, o certo é que;
Tendo em conta que a investigação assentou quase integralmente nelas;
Dificilmente poderia a testemunha afastar esse grau de subjectividade do depoimento que prestou (o qual na sua globalidade, foi relevante).
*
Quanto às testemunhas indicadas pelo arguido BE:

Inquirido FB – português, Nascido na Guiné Bissau, que conhece o E desde a Guiné (há mais de 30 anos), porque são primos (a testemunha vive há 20 anos em Portugal), disse que;
O arguido trabalha na construção civil. É subempreiteiro na armação de ferro e em carpintaria. Às vezes gere as subempreitadas, outras vezes trabalha nela. Conhece obras dele em Vilamoura e em Quarteira. Em Messines também (nesta a testemunha esteve há 3 anos atrás).
Conhece a mulher e os filhos do arguido. Primeiro diz julgar que tem cá 3.
Depois refere que afinal não sabe quantos filhos tem cá, nem sabe as idades deles, correctamente, conhecendo apenas um.
A testemunha vive em Lisboa e o arguido e família em Faro.

Afinal;
Refere que nada sabe da vida dele, a não ser que trabalha na construção civil.
Inquirido UC português, país onde vive, há 20 ano, em Loures refere;
Conhecer o E já desde a Guiné (desde a infância, a testemunha tem 46 anos). É parente dele. Considera-o como primo (foi criado pelo irmão mais velho do pai da testemunha).
O E trabalha na construção civil. No início como servente. Subsequentemente a colocar pessoal nas obras. Está em obras no Alentejo, Algarve e no norte (pelo que ele lhe disse). Pessoalmente nunca viu nenhuma obra.
Nunca o viu com luxos. A vida dele era normal e simples. Vivia do seu trabalho.
Não sabe se tem um carro.
Tem 2 filhos em Portugal. O rapaz, entre 18, 19 anos. O outro (não faz a mínima ideia). A mulher é cozinheira.
Se tem outra vida, a testemunha não sabe.

Inquirida ME (prima direita do arguido, sendo os pais de ambos irmãos), que vive em Portugal desde 88, em Almada, refere que;
Sempre o conheceu a trabalhar na construção civil. Por vezes encontram-se em reuniões de família. Todos os meses durante o ano. Na casa de um ou de outro, consoante o que dê mais jeito a todos.
É subempreiteiro. A testemunha por vezes dá o contacto dele a familiares ou conhecidos a quem depois ele dava emprego em obras no Algarve.
A testemunha nunca foi a nenhuma das obras do arguido.
Sabe que vivia do seu trabalho.
Tem 4 filhos. O rapaz tem 19.
A seguir outro mais velho. Outra na Guiné.
*
Toda a prova produzida foi ponderada em conjugação com o teor (para além dos que já foram referidos por referência à prova declaratória) dos seguintes documentos:
Autos de apreensão de fls. 494 a 496, 1209, 1213, 1231-1232, 2007;
As fotografias de fls. 490 a 492, 1235, 1238, 1240-1241;
Termos de pesagem de droga fls. 488, 1234, 1237 (estes em conexão com o teor dos relatórios de exame aos produtos estupefacientes realizados pelo LPC – a fls. 1547 e 2042);
Autorização de busca domiciliária e revista – fls. 994 a 996, 1193, 1922 a 1927, 1930-1931
Os apensos Áudio Vox juntos aos autos e restringidos quanto à sua reprodução nos termos de fls 2805 dos autos.
Os documentos de fls. 2908 e ss. e de fls. 3114 e ss.
*
Quanto aos factos não apurados:
Os meios indicados para a sua prova revelaram-se manifestamente insuficientes para a demonstração fáctica de uma peça acusatória que (salvaguardado todo o devido respeito) se caracterizou em face dos meios probatórios que pretensamente a sustentariam, “ab initio” (i.é, independentemente da concreta produção destes em julgamento), a “olho nu” - da mera análise perfunctória dos autos - pelo seu estilo fantasioso.

Razão pela qual;
À míngua de quaisquer elementos que objectivamente pudessem sustentar a sua narrativa, o nosso juízo não poderia deixar de ser senão o que a seu propósito foi realizado.»
*
Por uma questão de precedência lógica, uma vez que o conhecimento e a procedência de determinadas questões colocadas pelo arguido recorrente prejudicaria o conhecimento de todas as questões suscitadas no recurso do MP, começaremos por conhecer do recurso daquele.
Assim:

Recurso do arguido FM

1ª questão - Nulidade das intercepções telefónicas.

Como acima se referiu em termos sintéticos, a argumentação do recorrente relativamente a esta questão radica na autorização de escutas telefónicas com base em denúncia anónima não confirmada e na violação dos princípios da necessidade, da subsidiariedade e da proporcionalidade.

Na 1ª Instância, o Ministério Público, pugnou pela sanação de tal nulidade, caso se entenda que ocorre, por não ter sido invocada no prazo de cinco dias após a notificação do despacho que encerrou o inquérito. Lembrou que a mesma questão foi também colocada no decurso da audiência de julgamento, dando lugar a decisão que entendeu não ocorrer qualquer nulidade, decisão esta, entretanto, transitada em julgado.

Com interesse para a decisão, os autos fornecem os seguintes elementos:

Com data de 14 de Novembro de 2008, na Esquadra de Investigação Criminal de Setúbal, foi elaborado “Relatório” que consta de fls. 1 a 4 dos autos, com o seguinte teor:

''I - Resulta o presente das diligências efectuadas por este OPC, no seguimento de informações recolhidas por este Departamento Policial, no âmbito de actividades delituosas, concretamente tráfico de produtos estupefacientes, efectuadas por um ou mais indivíduos.
É do conhecimento comum que tal actividade, além de ilícita, provoca nas populações, e neste caso em particular na sociedade onde nos inserimos, grande sentimento de alarme social, ao qual não deixa de ser alheio os efeitos nefastos causados a quem, movido por vício ou qualquer outro factor, se dedica ao consumo de tais substâncias.

Considera-se, portanto, de extrema importância, a realização das acções abaixo descritas, com vista ao combate deste tipo de criminalidade.

II - Foi recolhida por este OPC, através de um indivíduo que, devido ao receio que a sua integridade física, da sua família e conhecidos seja posta em causa, preferiu manter o anonimato, uma informação que menciona uma actividade ilícita de tráfico de estupefacientes, mais precisamente Cocaína e Heroína, perpretada por um indivíduo cujo nome se desconhece, mas sabe-se que se trata de um indivíduo negro, de alcunha “Baldé”, de nacionalidade Guineense, com cerca de 50 anos de idade, com cabelo grisalho, que reside na Rua … em Setúbal. O mesmo foi indicado como principal fornecedor daquela zona, vendendo estupefacientes a indivíduos tais como AM, de alcunha “Sida”, o qual já foi detido por tráfico de estupefacientes sob NUIPC ---/03.0PCSTB, um outro indivíduo de alcunha “Viriato”, desconhecendo-se mais dados acerca do mesmo, ambos referenciados como traficantes estupefacientes na zona da Bela Vista, e outros indivíduos não identificados, os quais efectuam vendas directas aos consumidores.

Segundo informação, o indivíduo “Baldé” recebe o estupefaciente através de um indivíduo negro, oriundo também da Guiné Bissau, com cerca de 40 anos de idade, cabelo rapado, com compleição física forte, e que se faz transportar num veículo de marca Nissan, modelo Terrano, de cor verde, com a matrícula -----IG, propriedade de B S, residente na Praceta …, Faro. A mesma fonte mencionou que a viatura em questão é sempre conduzida por um indivíduo mais velho, de etnia negra, cuja identidade se desconhece, sendo que o hipotético fornecedor circula sempre no lugar do passageiro (frente, lado direito). O mesmo é suspeito de ter residências na cidade de Almada e na zona do Algarve, em locais por determinar.

III - Tendo como base de sustentação as informações atrás mencionadas e a de que iria haver contacto pessoal entre os dois indivíduos Guineenses para transacção de droga, este OPC procedeu à realização de vigilâncias ao local onde foi indicado como sendo o de contacto do indivíduo fornecedor com o “Balde”. Das vigilâncias realizadas importa extrair algumas inferências, a saber:

1 - No dia 7-11-2008 foi montado um dispositivo de vigilância na Rua…., em Setúbal, frente ao nº 1, tendo sido possível observar a viatura de matrícula ------IG chegou ao local pelas 22H00, onde se faziam transportar 02 indivíduos de raça negra, sendo que o condutor aparentava ter cerca de 65 anos de idade, com cabelo grisalho e óculos. Ao seu lado, no banco do passageiro encontrava-se um indivíduo negro, com cerca de 40 anos de idade, com compleição física forte, e careca. O condutor estacionou a viatura, e ambos abandonaram o veículo, dirigindo-se para o interior do nº 1 daquela artéria;

2 - No dia 10-11-2008 foi montado um dispositivo de vigilância na Rua-----, em Setúbal, frente ao nº 1, pelas 17H30, local onde se encontrava já estacionado, sensivelmente a meio da artéria, o veículo de matrícula -----IG. Importa salientar que foram avistados a dirigirem-se para as imediações do nº 1 da Rua Dr. ----, vários indivíduos suspeitos de serem traficantes de produtos estupefacientes, entre os quais o AM, conhecido como “Sida”.

IV - Segundo informação recolhida, o suspeito “Baldé” contacta única e exclusivamente com o seu fornecedor, fazendo uso do seu telemóvel com o nº ------. Por seu lado o fornecedor (até ao momento não identificado) faz uso do aparelho telefónico da operadora de comunicações móveis “TMN” com o nº ------. A mesma fonte menciona ainda que os contactos entre o “Balde” e os compradores que lhe adquirem produtos estupefacientes para posterior venda/distribuição é feito da mesma forma ou através de deslocações à sua residência, contudo, tais deslocações nunca se verificam senão precedidas de contactos telefónicos. Tal modo de actuação torna bastante difícil, senão impossível, proceder a uma recolha efectiva e inequívoca de indícios com valor probatório que permitam inferir com exactidão tal actividade ilícita.

V - No âmbito da troca de informações entre OPC’S foi cumprido o protocolo com a DCITE, da polícia Judiciária, onde se verificou que sobre os suspeitos e seus contactos telefónicos não existem quaisquer investigações pendentes, pelo que, tendo em linha de conta que os mesmos se dedicam ao tráfico de estupefacientes em moldes que se enquadram no regime de venda directa ao consumidor, não existe qualquer inconveniente na realização de actos de inquérito.

VI - Assim, e porque tal se afigura como ferramenta essencial à descoberta dos factos materiais e apuramento das respectivas responsabilidades penais dos intervenientes, sugere-se a Vª. Exª. a promoção das seguintes diligências a realizar por este OPC:
(…)

2 - intercepção e gravação das conversações e comunicações telefónicas mantidas de e para os números -----, utilizado pelo suspeito “Baldé” e ~~~~ utilizado por suspeito não identificado, ambos da operadora de comunicações móveis “TMN”.
(…)

NOTA: Atendendo á informação recolhida por este OPC, e á experiência colhida na investigação deste tipo de ilícito, solicita-se a Vª Exª que, tanto quanto possível, seja célere na promoção das diligências pedidas neste Relatório, em virtude de os indivíduos suspeitos de efectuarem tráfico de estupefacientes, os quais contactam maioritariamente por telefone, trocarem regularmente de número com o intuito de se furtarem a este tipo de investigação.''

O mencionado Relatório deu entrada na Secretaria do Ministério Público, junto do Tribunal de Setúbal, no dia 18 de Novembro de 2008, acompanhado:

- de documento do registo automóvel relativo ao veículo ligeiro de passageiro de matrícula ---, de marca Nissan, modelo Terrano II R20, de cor verde, onde consta como seu proprietário BS, residente na Praceta …., em Faro, titular do Bilhete de Identidade com o número ---- – fls. 5;

- de pedido de informação enviado pelo Comando de Polícia de Setúbal à Polícia Judiciária (DCITE) e respectiva resposta, via fax, relativamente a investigação pendente contra o indivíduo conhecido por “Baldé” e o utilizador do veículo automóvel de matrícula -----IG – fls. 6 a 10.

Com data de 20 de Novembro de 2008, foi elaborada pelo Ministério Público a promoção que consta de fls. 12 a 15, com o seguinte teor:

''2 - As Escutas Telefónicas

Decorre da análise dos autos que, neste momento, e de acordo com a vigilância que a PSP se encontra a fazer na sequência de uma denúncia anónima, os factos constantes do auto são susceptíveis de integrar o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro. Os autores de tal factualidade são os suspeitos “Balde”, AM (de alcunha “Sida”) e um outro denunciado apenas referido através da sua alcunha “Viriato”.

Foi, ainda, possível apurar o telemóvel do denunciado “Baldé” – que tem o número ---- – e do seu fornecedor de produto estupefaciente (um quarto indivíduo de identidade completamente desconhecida) que utiliza o telemóvel com o número -----.

Afigura-se-nos muito útil às averiguações em curso – por ser a única forma capaz de entender o modus operandi – a realização de escuta telefónica aos dois referidos telemóveis dos suspeitos a fim de verificar com exactidão os factos praticados e recolher elementos de prova sobre a sua actividade passada e futura nesse domínio.
O crime investigado é punido com pena de prisão de máximo superior a 3 anos.

Nos termos do disposto no artigo 187º, nº 1, do Código de Processo Penal, a admissibilidade de escutas telefónicas só pode ser ordenada pelo Mmº Juiz de Instrução.

Assim, concluam-se urgentemente os autos ao mesmo a fim de ser determinada a realização de escuta telefónica aos telemóveis da operadora TMN com os números ------ e ------, com observância das formalidades previstas pelo art. 188º do Código de Processo Penal.

Para tal solicita-se a autorização da intercepção e gravação das conversas telefónicas, a localização celular, o registo de “trace back” e a facturação detalhada relativa ao último mês.

Atento o bom andamento da investigação solicita-se o prazo de 30 dias para a realização de tais escutas telefónicas.''

Tal pretensão foi apreciada e deferida pela Exmª Srª Juiz de Instrução Criminal, a 24 de Novembro de 2008, conforme consta do despacho de fls. 18 e 19, que se transcreve:

''Investigam-se nos presentes autos factos susceptíveis de, em abstracto, integrarem o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, de que são suspeitos “Balde”, “Viriato” e AM, conhecido por “Sida”.

Dos elementos coligidos a fls. 1 a 5, resultam sérias suspeitas de que “Balde”, “Viriato” e “Sida” procedem à venda directa ao consumidor de produto estupefaciente, designadamente heroína e cocaína, recorrendo ao contacto telefónico para a prática de tal actividade, o que dificulta a realização das diligências tendentes a confirmar as suspeitas existentes.

Assim, porque tal se afigura essencial às finalidades da presente investigação, ao abrigo do disposto os artigos 269º, n.º 1, alínea e) e 2, 187º, n.º 1, alínea b) e 188º, todos do Código de Processo Penal, determino que se proceda à intercepção e gravação das conversações telefónicas, comunicações por fax e SMS efectuadas de e para os nº ----- e ----, pelo prazo de 30 (trinta) dias.

Oficie em conformidade à TMN, solicitando ainda o registo de trace back, localização celular e intercepção dos IMEI’s, bem como o envio da facturação detalhada das comunicações recebidas e efectuadas de e para os referidos números no mês de Outubro de 2008.

Antes de se iniciar a intercepção deverá ser-me dado conhecimento imediato e, após, ser dado cumprimento ao disposto no artigo 188º do Código de Processo Penal.''

No decurso da audiência de julgamento (1ª sessão, que teve lugar no dia 26.04.2010), conforme consta da acta de fls. 2886 a 2896, o ilustre Sr. Mandatário do Arguido NS, no uso da palavra que lhe foi concedida, disse:

''Quanto à nulidade das escutas telefónicas

1 - Decorre dos autos que as intercepções telefónicas foram o meio de obtenção de prova preferencialmente usado nos presentes autos. Aliás, cremos, com alguma certeza, ter sido mesmo o único meio de obtenção de prova que a P.S.P. de Setúbal pretendeu utilizar.

2 - Vejamos, do relatório elaborado pela P.S.P. e junto aos autos a fls. 2 e ss., é-nos veiculada a informação de que haviam sido realizadas duas vigilâncias, uma no dia 7, outra no dia 10, ambas do mês de Novembro de 2008.

3 - Consultados os autos, e sempre com o devido e maior respeito pelo O.P.C. em causa, teremos que colocar em causa tal informação e invocar a irregularidade de como a mesma consta dos autos. Assim, como é consabido, todas as vigilâncias que qualquer O.P.C. leve a cabo, são reduzidas a auto, até mesmo para que tal diligência não seja colocada em causa e possa ser considerada como prova no futuro.

4 - Não existe dos autos qualquer notícia formal de que as diligências referidas tenham ocorrido e, daí, sentirmo-nos com alguma legitimidade para afirmar que as mesmas serviram apenas e somente como forma de lançar, desde logo, mão das escutas telefónicas.

5 - Assim, e porque se nos afigura ter existido uma violação clara dos princípios orientadores das intercepções telefónicas, nomeadamente os constantes do art.º 187.º, do C.P.P., um vez que nenhuma outra diligência foi, cabalmente, levada a cabo.

6 - Os O.P.C. não podem, após a notícia do crime, solicitar de imediato autorização para realizar escutas telefónicas sem que primeiro se fundamente que os meios de investigação, até então usados, não são os adequados e proporcionais “stricto sensu” para prevenir e investigar o crime sub Júdice.

7 - Noutro plano, e resulta do mesmo relatório, aliás, curiosamente, resulta de quase todos os processos cujos O.P.C. pretendem iniciar investigação, “… que terá sido um indivíduo que, devido ao receio da sua integridade física, da sua família e conhecidos seja posta em causa, preferiu o anonimato” e daí normalmente discorre toda a informação que se tem por conveniente. É de estranhar que sempre assim se comece, mas sentimo-nos com legitimidade de questionar de quem essa pessoa sentiria receio de represálias. Seria do O.P.C.?

8 - O facto é que, de um indivíduo misterioso, nasce a informação para que todo o processo tenha início, inclusivamente com referência a dois números de telefone que, desde logo e na mesma informação de serviço se ousa, desde logo, sugerir promoção para venham a ser interceptados. Não podemos deixar de estranhar e de fazer referência aos moldes como tudo começa, realçando-se a violação dos mais elementares princípios ordinários e constitucionais respeitantes às intercepções telefónicas.

9 - Crê-se ser legítimo por parte de todos os arguidos, pretender saber-se quem foi o indivíduo que facultou tal informação, pois só dessa forma será possível exercer-se cabalmente o exercício do contraditório e acima de tudo concluir-se sobre a legalidade da obtenção da prova carreada para os autos, nomeadamente se a mesma terá ocorrido dentro dos moldes do art.º 126º, do C.P.P..''

Pelo Ministério Público, em resposta, foi dito:

'' I – Tanto quanto se crê, o suscitado pela defesa do arguido NS implica dois tipos de situações, a saber: a existência de irregularidades processuais e nulidades processuais.

Todos esses eventuais vícios, a existirem, reportam-se à fase do inquérito, que os sujeitos processuais tiveram conhecimento, aquando do encerramento do inquérito.

Assim sendo, considera-se que os mesmos não foram suscitados em tempo, pois impunha-se à defesa do mesmo arguido suscitá-los na fase processual idónea, e não em plena primeira sessão do julgamento.

Assim sendo, considera-se manifestamente extemporâneo o que a defesa ora suscita, devendo ser, por isso, indeferido “in totum” o requerido.

II – Quanto à nulidade das escutas, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J.) tem distinguido, de forma uniforme, de que uma coisa é a preterição de formalidades das próprias escutas, outra coisa é os trâmites processuais dessas mesmas escutas, o que nem tudo implica a existência de nulidade, tendo em vista o disposto no art.º 190º, do C.P.P..

Aliás, a jurisprudência do S.T.J. tem defendido que, quanto às nulidades “processuais”, as mesmas devem ser suscitadas no prazo a que alude a al. c), do n.º 3 do art.º 120º, do C.P.P., por se tratarem de nulidades respeitantes à fase do inquérito (cfr. Acórdão do S.T.J., de 07-03-2007).

Nestes termos, mesmo a assistir razão ao arguido quanto à nulidade suscitada, é manifesto que a mesma não está em tempo, uma vez que se reporta àquilo que processualmente foi realizado em fase de inquérito.
(…)

IV – Por tudo o exposto, se requer seja indeferido o que foi suscitado pela defesa do arguido NS.''

Foi, então, proferido despacho pela Senhora Juiz Presidente do Colectivo, com o seguinte teor:

''Como é bem sabido;

Vigora em matéria de nulidades processuais o princípio da tipicidade, sendo certo que, o regime da arguição respectiva (por via do preceituado pelo art.º 190º, do C.P.P.) é aquele que consta no art.º 120º, do mesmo compêndio normativo.

Ora;

A admitir-se como nulidade aquela que assim é nominada pelo arguido NS, seria esta, indubitavelmente, nulidade de inquérito, a qual haveria que ter sido arguida pelos interessados no momento processual oportuno, como previsto no art.º 120º, n.º 3, al. c), do mesmo compêndio normativo.

E, desse modo;

Mesmo assim considerando (isto é, não a considerando como mera irregularidade), o prazo para arguição da mesma, quer por via do citado art.º 120º, quer por via do art.º 123º, do C.P.P. precludiu, a partir do momento em que se iniciou a fase de julgamento.
(…)

Razões pelas quais, sem ulteriores delongas, se decide:

Indeferir, “in totum” o requerimento apresentado pelo arguido NS.

Notifique.''


Conhecendo.
A questão em análise aconselha se indiquem, desde já, as regras nucleares que permitem a sua resolução.
Constituição da República Portuguesa

Artigo 26º
(Outros direitos pessoais)

''1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
(…)''
Artigo 32º
(Garantias de processo criminal)
''(…)
8. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
(…).''
Artigo 34º
(Inviolabilidade do domicílio e da correspondência)
''1. O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis.
(…)
4. É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.''

Artigo 18º
(Força jurídica)

''1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.

2. A lei só pode restringir direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial de direitos fundamentais.''

Código de Processo Penal
Artigo 187º [Admissibilidade (das escutas telefónicas)]

''1 – A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes:

a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos;

b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;
(…)

4 – A intercepção e a gravação previstas nos números anteriores só podem ser autorizadas, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, contra:

a) Suspeito ou arguido;
b) Pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; ou
c) Vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido.
(…)
5 – A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações são autorizadas pelo prazo máximo de três meses, renovável por períodos sujeitos ao mesmo limite, desde que se verifiquem os respectivos requisitos de admissibilidade.

(…)''
Artigo 190º [Nulidade]

''Os requisitos e condições referidas nos artigo 187º, 188º e 189º são estabelecidos sob pena de nulidade.''

A intercepção de conversações ou comunicações telefónicas [doravante, escutas telefónicas] é um meio de obtenção de prova (cfr. respectiva inserção sistemática – artigos 171º e seguintes do CPP) que se caracteriza pela sua natureza dissimulada e oculta – meio oculto de investigação – com enorme eficácia para a investigação.

Tem-se assistido a um aumento progressivo da utilização das escutas telefónicas, associado a novas formas de criminalidade – terrorismo, tráfico de armas e de droga, crimes económicos – caracterizadas pela organização mais elaborada / refinada e que acarretam maior dificuldade ao nível da repressão.

As escutas telefónicas constituem expediente exclusivo do processo penal, de natureza excepcional, devido à sua potencialidade danosa.

''No panorama dos meios de obtenção de prova, as escutas telefónicas sobressaem (…), para além da sua eficácia do ponto de vista da perseguição penal, pela sua manifesta e drástica danosidade social. Isto atento quer o número de direitos e interesses atingidos, quer a gravidade da respectiva lesão.''[[4]]

'' A afirmação da danosidade qualificada dos meios ocultos de investigação configura hoje um dado consensual e pacífico e intersubjectivamente estabilizado, sendo como tal recorrente e sistematicamente proclamado por autores e tribunais.

(…) esta danosidade qualificada começa por aflorar no número e eminência dos bens jurídicos ou direitos fundamentais directamente atingidos (…): a privacidade inclusivamente na área nuclear e inviolável da intimidade, o direito à palavra, o direito à imagem, à autodeterminação informacional, a inviolabilidade do domicílio e das telecomunicações, o sigilo profissional (…). A par destes bens jurídicos ou direitos fundamentais de étimo prevalentemente material-substantivo, os meios ocultos de investigação atingem igualmente direitos de natureza adjectivo-processual, que configuram outras tantas “instituições” (…) irrenunciáveis do processo penal do Estado de Direito. Como: o privilege against self-incrimination (…), direito a recusar depoimento (…). A danosidade ganha também uma expressão marcante no plano subjectivo, isto é, na sua tendência para alastrar (…) atingindo um universo incontrolável de pessoas que estão muito para além dos que à partida poderiam figurar como suspeitos ou destinatários.

Acresce a circunstância de os atentados aos direitos fundamentais e aos bens jurídicos ocorrerem sistemática e invariavelmente à margem do conhecimento das pessoas concretamente atingidas. Que, por vias disso, não podem sindicar tempestivamente a legalidade e admissibilidade da medida nem opor-se à sua realização. (…) a pessoa atingida por uma medida oculta não tem a possibilidade fáctica de se opor à medida antes da sua realização. Assiste-lhe, é certo, a possibilidade de reagir a posteriori, se e quando vier a ter conhecimento da sua ocorrência. O que nem sempre se dá. E quando se dá, já a danosidade se terá consumado, muitas vezes de forma irreversível.''[[5]]

Acarretando as escutas telefónicas a compressão / restrição de direitos fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa [artigos 26º, n.º 1, e 34º, n.º 1 e 4 – em especial, reserva da vida privada, inviolabilidade das telecomunicações (garantia da reserva da vida privada) e direito à palavra] e de garantias de defesa que se manifestam no estatuto processual do arguido [direito ao silêncio[[6]] e direito à não auto-incriminação], não pode deixar de se observar o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa, ou seja, a mencionada restrição de direitos fundamentais deve estar expressamente prevista na Constituição, deve salvaguardar outros direitos ou interesses também aí protegidos, deve limitar-se ao estritamente necessário, ser proporcional e adequada e não pode conduzir à destruição do direito fundamental.

E porque o direito processual penal é direito constitucional aplicado, sempre que no decurso do processo penal se verifique uma intromissão nos direitos fundamentais do arguido, tem de ocorrer minuciosa regulamentação legal que não pode eliminar o núcleo do direito afectado (núcleo essencial).

Desta relação entre direito processual penal e direito constitucional decorre o princípio da proibição de provas obtidas com restrição de direitos fundamentais, consagrado nos artigos 32º, n.º 8, e 34º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e que foi transposto para o artigo 126º do Código de Processo Penal.

As normas dos artigos 187º a 190º do Código de Processo Penal são a excepção consentida pelo nº 4 do artigo 34º da Constituição da República Portuguesa, na articulação dos direitos fundamentais afectados com a escuta telefónica com o interesse processual de concretização de perseguição criminal, desde que se registe respeito pelo disposto no nº 2 do artigo 18º da Lei Fundamental.

Na mencionada articulação entre a Lei Fundamental e as regras processuais penais estão subjacentes diversos princípios – proporcionalidade [do qual decorre que se exige uma relativa gravidade da infracção perseguida ou da relevância social do bem jurídico tutelado; do qual tem que decorrer o convencimento de que, com a escuta telefónica se conseguirá atingir a verdade material, descobrindo-a], adequação [do qual decorre que a escuta telefónica terá que ser adequada ao fim que, com a sua utilização se visa atingir; do qual há-de decorrer que com a escuta telefónica, se não se atingir o fim que determinou a sua realização, pelo menos ela terá mais benefícios ou vantagens para a descoberta da verdade material do que prejuízos para os direitos fundamentais atingidos], e necessidade [do qual decorre que os resultados probatórios almejados não podem ser alcançados por um meio de obtenção de prova menos restritivo dos direitos fundamentais ou seja, a escuta telefónica não pode ser substituída por outra medida menos gravosa para os direitos do investigado].

Em jeito de conclusão, pode dizer-se que as escutas telefónicas, constituem expediente atentatório de direitos fundamentais onde se procura o equilíbrio entre a realização da justiça e os direitos de defesa do arguido.

Estando em causa a validade da primeira decisão que autorizou, nos presentes autos, as escutas telefónicas, interessa-nos o disposto no artigo 187º do Código de Processo Penal.

Efectivamente, enquanto o artigo 187º do Código de Processo Penal consagra a admissibilidade da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas para valerem como meio de obtenção de prova, o artigo 188º do mesmo diploma legal estabelece as formalidades a que estão sujeitos os actos de intercepção e gravação.

Estas disposições estabelecem um regime de autorização e de controlo judicial e o “sistema de catálogo”, em consonância com o disposto nos n.os 1 e 4 do artigo 34º da Constituição da República Portuguesa.

Como acima vimos, resulta do disposto no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa e do nº 5 do artigo 97º do Código de Processo Penal a necessidade de fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente.

E do disposto no nº 3 do artigo 9º do Código Civil resulta que na fixação do sentido e alcance da lei, se presume que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Daí que, não sendo imaginável que o legislador desconheça a necessidade de fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente, se possa concluir que com a menção à necessidade de despacho fundamentado, no nº 1 do artigo 187º do Código de Processo Penal, se pretendeu vincar a necessidade de fundamentação da decisão que autoriza as escutas telefónicas, face ao constrangimento dela decorrente para direitos constitucionalmente consagrados.

«A necessidade de fundamentação “motivação” da medida de intercepção ou gravação das conversações ou comunicações privadas, levadas a cabo por telefone ou meio técnico equiparado (…) entronca-se no próprio “direito de defesa da pessoa investigada, pois somente explicitando-se e tornando-se cognoscíveis as concretas razões pelas quais se autoriza uma determinada actuação de ingerência sobre determinados direitos ou liberdades poderá facilitar-se ao afectado o uso dos meios de reacção com que o brinda o ordenamento jurídico; motivação é portanto sinónimo de exteriorização do discurso jurídico no qual o juiz baseou a sua decisão, cognoscibilidade dos elementos e fundamentos em que o Instrutor assentou a sua decisão de autorizar o acto de ingerência e na forma como o concedeu. (…) Mas não se deve cair no exagero de que a motivação seja tão completa como se se tivesse a certeza de que o investigado cometeu o crime, pois, a ser assim, ficaria deslegitimado o recurso a tal meio visto que os factos teriam já a clareza e concisão suficientes para autonomizarem e fundarem um juízo de acusação. (…) A decisão judicial de intervir parte do pressuposto de que uma investigação criminal necessita “de elementos de convicção nos quais estruturar as vias e indícios que podem levar à constatação de perpetração de determinado ou determinados delitos, pelo que não pode impor um dever tal de exigência na motivação e na própria base na qual se estrutura que resolva precisamente o conflito; chegar a tais níveis de exigência levaria precisamente à desnecessidade da medida, pois uma tão radical exigência suporia nada mais nada menos que a existência de indícios suficientes de criminalidade que tornariam supérflua a investigação. Insistimos, pois, em que o imprescindível é que a motivação permita ao arguido ou suspeito conhecer porque se autorizou a intromissão na sua intimidade e, com base em tal compreensão, decidir se impugna ou não a mesma; é a cognoscibilidade do raciocínio e do juízo de ponderação que levam o órgão judicial a decidir-se pelo sacrifício do direito fundamental o que se procura, em definitivo, com a exigência da motivação das resoluções judiciais”. (…) Motivar ou fundamentar o acto de ingerência não é apenas cumprir um determinado formalismo ou ritualismo, é muito mais do que isso, é “uma imposição finalística da necessidade de evitar a arbitrariedade ou o voluntarismo como fundamentadores de uma determinada resolução judicial que interfira no normal respeito dos direitos fundamentais da pessoa”.»[[7]]

Apelidando a motivação da decisão que autoriza a escuta telefónica de «rigoroso requisito do acto de sacrifício de direitos fundamentais», Ana Raquel Conceição[[8]] conclui que ''a motivação judicial é o requisito mais importante no seio das escutas telefónicas.''

André Lamas Leite, em artigo onde tratou das principais alterações introduzidas pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, ao regime das escutas telefónicas[[9]], afirma que a «densidade fundamentadora do despacho de autorização é acrescida. Os elementos que justificam o recurso às escutas, funcionando como critérios aferidores da respectiva legalidade, conhecem um aumento de exigência: a descoberta da verdade e a obtenção da prova qua tale. Para a primeira, a diligência tem de ser agora “indispensávele não apenasde grande interesse”. O legislador terá pretendido que as escutas sejam o único meio de atingir a verdade material, ou seja, quando existirem outras formas de obtenção da prova aptas a atingir uma das finalidades últimas de todo o processo penal, as escutas serão ilegais. Quanto à relevância para a obtenção de prova, diz-se agora que elas só devem ser usadas quando, de outra forma, esse material seja “impossível ou muito difícil de obter”.

Mau grado este apertar da malha autorizadora, em si mesmo condizente com a proporcionalidade, a excepcionalidade e a interpretação restritiva que, de modo unânime, sempre se veio defendendo na doutrina e na jurisprudência, mantemos o entendimento de que continua a ser possível lançar-se mão das escutas telefónicas logo como primeiro meio de obtenção da prova utilizado, quando – e apenas nessa hipótese – o juiz de instrução se convença, em face dos concretos dados factuais trazidos pelo MP, que ela é a única diligência capaz de fazer carrear para os autos elementos probatórios aptos à descoberta da verdade. Nessas situações, as escutas são, de idêntica forma, indispensáveis a esse desiderato. Se, ao invés, o dominus do inquérito tiver ao seu dispor qualquer outro meio, é esse que deverá ser utilizado, sendo inadmissível qualquer argumentação em contrário, maxime baseada em maior dispêndio de tempo ou recursos materiais e/ou humanos.»

O cumprimento do disposto nos artigos 187º e 188º do CPP significa «dar satisfação não só aos requisitos formais-procedimentais, mas também a um conjunto de pressupostos materiais. Sabendo-se outrossim que estes vão muito para além da exigência de que em causa esteja um crime do catálogo. Neles vai coenvolvida toda uma série de exigências a que não é possível responder – e por vias disso, cumprir a lei e actualizar o pertinente programa de tutela – curando-se apenas da mera e ritualizada comprovação (ou denegação) de em causa estar (ou não) um crime de catálogo. Antes se prolongam para um conjunto de outros, nucleares e cumulativos, pressupostos, com destaque para a verificação de uma suspeita qualificada e a observância da subsidiariedade. É o que corresponde ao entendimento hoje consensual e pacífico da doutrina e a que o direito positivo português não deixa de prestar homenagem. Explícita e expressa pelo menos no que respeita à subsidiariedade: “só podem ser autorizadas … se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, se outra forma, impossível ou muito difícil de obter (artigo 187º, n.º 1). (…) Pela natureza das coisas, subsidiariedade significa necessidade num quadro de ultima ratio. Só será admissível o recurso às escutas quando, face ao processo em concreto – sc. à vista da complexidade criminalística do caso, da volatilidade ou consistência das provas já alcançadas ou previsíveis, da urgência em quebrar eventuais laços de solidariedade ou penetrar em santuários imunes à devassa da investigação, etc. – não seja possível ou só seja possível com dificuldades acrescidas, prosseguir com sucesso a investigação recorrendo apenas a meios menos gravosos ou invasivos. Importa, logo e num primeiro passo, indagar se tal poderá prosseguir-se apenas com recurso a meios não ocultos de investigação. Isto sendo certo que os meios ocultos de investigação – de que as escutas são uma manifestação paradigmática – são, como tais, mais gravosos de que os meios de investigação exposta ou a descoberto. Para, num segundo momento, a ser necessário lançar mão dos meios ocultos e tendo como pano de fundo o quadro de danosidade social comparativa, questionar se não será possível alcançar os resultados probatórios almejados mobilizando apenas meios ocultos menos drásticos do que as escutas.

Há-de, para além disso, precisar-se que a ideia ou o princípio de subsidiariedade comporta uma dimensão irredutível de proporcionalidade. Logo a proporcionalidade já assinalada e assente no potencial diferenciado de danosidade, isto é, de intromissão e devassa. Que, na sua expressão mais exposta e directa, obriga a reservar os meios mais agressivos para a perseguição dos crimes mais graves. Mas a proporcionalidade reporta-se também aos diferentes graus de sustentação da suspeita. No sentido de que as formas mais consolidadas e expostas de suspeita justificam o risco do recurso a meios comparativamente mais invasivos. Para além disso, a proporcionalidade opera também na direcção da necessidade ou premência investigatória. Trata-se, agora e fundamentalmente, de saber em que medida a recusa de um determinado meio – sc. a utilização de um meio menos gravoso e invasivo – impossibilita ou dificulta e em que grau (muito? pouco?) a investigação.

O simples cumprimento da subsidiariedade faz intervir requisitos cuja verificação pressupõe a representação cabal e actualizada do processo: do seu estado e das suas vicissitudes, das luzes e sombras da investigação, das resistências encontradas e das que se deixam adivinhar. Para, num juízo esclarecido de estratégia criminalística, escolher, dentre o arsenal de meios disponíveis, aquele(s) que, sendo eficaz(es), se mostre(m) o(s) menos invasivo(s) (…).

O quadro repete-se do lado da suspeita qualificada, uma suspeita que alguns ordenamentos erigem em pressuposto autónomo e expresso da legalidade e admissibilidade das escutas. Mas que no direito positivo português figura claramente como um pressuposto não escrito da medida. O que, de acordo com o entendimento pacífico de autores e tribunais, significa que só é legítimo o recurso às escutas nos casos em que se verifica uma suspeita de crime (de catálogo) assente em facto determinados. Isto é, factos concreta e objectivamente referenciáveis e, como tais, sindicáveis, objecto idóneo de contestação, de infirmação ou confirmação e, sendo caso disso, suporte de consenso intersubjectivo. E, para além disso, factos portadores de fecundidade heurística bastante para fundamentar a suspeita do crime do catálogo. “Não basta para o efeito a mera existência de pontos de apoio. Têm antes de se verificar circunstâncias concretas e em certo sentido densificadas como base factual da suspeita”.

Na certeza de que, o juiz só poderá pronunciar-se a favor da realização de uma escuta se considerar integralmente satisfeita esta pletora de exigências.»[[10]]

A «escuta telefónica será um meio de obtenção de prova, utilizado no decurso de um processo penal, com o fim de recolher provas da prática de crimes de especial gravidade, limitativo dos direitos fundamentais dos cidadãos e como tal objecto de prévia autorização ou ordem do Juiz de Instrução Criminal. Autorização ou ordem devidamente fundamentada que estabelece quem, o quê, durante quanto tempo e em que circunstâncias os órgãos de polícia criminal vão interceptar as conversas ou comunicações telefónicas efectuadas entre duas pessoas.»[[11]].

Relativamente ao caso dos autos.

É de sublinhar, desde logo, que, ao contrário do que é afirmado pelo recorrente, entendemos que não estamos perante uma denúncia anónima. Com efeito, como se alcança do Relatório Policial que desencadeou os presentes autos (fls. 1 a 4 dos autos), a recolha da informação relevante inicial pela Polícia foi efectuada ''através de um indivíduo que, devido ao receio que a sua integridade física, da sua família e conhecidos'' fosse ''posta em causa, preferiu manter o anonimato''. A este propósito, é, ao que sabemos, entendimento pacífico que deve existir um acrescido rigor na apreciação dos indícios susceptíveis de fundamentar o recurso legal ao meio de obtenção de prova em causa (escutas telefónicas) exclusivamente decorrente do carácter anónimo da denúncia[[12]]. Com efeito, tal acrescido rigor deriva naturalmente da possibilidade de um desconhecido imputar dolosa e falsamente indícios da prática de um crime de catálogo, tendo em vista exclusivamente a devassa da vida privada do visado, sem que, recorrendo a escutas telefónicas, seja possível mais tarde, verificada aquela falsidade, responsabilizá-lo por tal conduta criminosa. No caso dos autos, caso se verificasse tal situação, sempre seria possível ao MP perseguir criminalmente o denunciante (crime de denúncia caluniosa), pois o OPC, que tem conhecimento da identidade do mesmo e apenas não a revelou por motivos de segurança, seria legalmente obrigado a transmiti-la. De qualquer forma, mesmo que se entenda que a denúncia é absolutamente anónima, entendemos que o seu conteúdo concreto permitia o legal recurso a este meio de obtenção de prova.

Com efeito, da referida informação resulta(va) existirem indícios da existência de uma rede de tráfico de drogas que funciona naquilo que podemos apelidar de 3 planos distintos, mas articulados entre si.

A figura dominante na articulação entre os aludidos planos seria um indivíduo conhecido por ''Baldé'', de nacionalidade guineense, com cerca de 50 anos de idade, residente na Rua ----, em Setúbal, apontado como o principal fornecedor de droga da zona.

A actuação desta verdadeira figura de charneira concretizar-se-ia de duas formas:

1 – Por um lado, seria abastecido por indivíduo, também oriundo da Guiné Bissau, com cerca de 40 anos de idade, que se faria transportar em veículo com a matrícula ----IG, conduzido por outro indivíduo mais velho;

2 – Por outro lado, abasteceria AM (conhecido por “Sida”), bem como outro indivíduo conhecido por “Viriato” e ainda outros, não identificados, efectuando estes vendas directas aos consumidores, na zona da Bela Vista, em Setúbal.

Assim, os 3 aludidos planos teriam as seguintes características:

I - O plano do tráfico de rua, em que o tráfico seria realizado pelos indivíduos abastecidos pelo aludido ''Baldé'';

II - O plano daquilo a que poderíamos chamar médio tráfico, ou seja, as vendas do ''Baldé'' aos dealers de rua;

III - Finalmente, o plano daquilo a que chamaríamos tráfico médio elevado, traduzido no abastecimento do ''Baldé'' pelo mencionado indivíduo guineense de 40 anos de idade.

Do exposto flui que estão reunidos os pressupostos mínimos subjectivos para proceder a escutas telefónicas relativamente aos aludidos suspeitos (cfr. artº 187º, nº 1, alínea a) do CPP).

Dos elementos constantes da mencionada informação resulta que a sofisticação, complexidade e visibilidade da actuação dos aludidos suspeitos se apresenta como crescente à medida que, ascencionalmente, passamos de um plano para outro, desde a venda de rua, que é naturalmente observável por terceiros, até às compras e vendas de estupefacientes efectuadas pelo ''Baldé'', realizadas de forma oculta, na sua residência e noutros locais não públicos: Sinal claro de tais sofisticação / complexidade são as circunstâncias (mencionadas na informação a que vimos aludindo) de o ''Baldé'' contactar única e exclusivamente com o seu fornecedor por telemóvel e de os contactos entre aquele e os compradores que lhe adquirem produtos estupefacientes para posterior venda / distribuição ser feito através de deslocações à sua residência, deslocações essas sempre precedidas de contactos telefónicos.

Após tomar conhecimento destes factos e de que iria haver contacto pessoal entre o indivíduo conhecido por ‘‘Baldé’’ e o seu fornecedor de droga, a PSP de Setúbal afirma ter efectuado duas vigilâncias, de onde resulta que:

- no dia 7 de Novembro de 2008, cerca das 2200 horas, o veículo automóvel de matrícula ….IG chegou à Rua ----- e, após ter sido imobilizado, do seu interior saíram dois indivíduos com as características referidas na denúncia, que se dirigiram para o interior do nº 1 daquela artéria;

- no dia 10 de Novembro de 2008, cerca das 1730 horas, sensivelmente ao meio da Rua ------, encontrava-se estacionado o veículo automóvel de matrícula -----IG e foram vistos a dirigir-se para as imediações do nº 1 da mesma Rua vários indivíduos suspeitos de serem traficantes de produtos estupefacientes, entre os quais o AM (conhecido por ''Sida'').

Com base nestes elementos e mediante requerimento do Ministério Público, foi proferido despacho judicial determinando escutas telefónicas.

Esta decisão, que foi proferida pela entidade competente, surge reportada à investigação de um crime de tráfico de estupefacientes e dela consta que a intercepção e gravação das conversações telefónicas, conversações por fax e SMS efectuadas de e para os números ------ e ---------se afigura essencial às finalidades de tal investigação.

Nenhum reparo digno de registo nos merece o teor da decisão em análise.

Com efeito, desde que a motivação da decisão revele as razões para se acreditar que as escutas telefónicas são indispensáveis para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, tal revelação (nos termos do nº 1 do artº 187º do CPP) será equivalente a considerarem-se as escutas telefónicas essenciais às finalidades da investigação (terminologia adoptada no despacho em causa).

Entendemos que o mencionado despacho se encontra devidamente fundamentado.

Com efeito, apesar do carácter sucinto da respectiva fundamentação, deve sempre o mesmo interpretar-se em necessária conjugação e articulação com o teor da promoção que lhe dá origem (onde se identifica a actividade delituosa, os seus agentes - suspeitos – e os números de telefone por si utilizados) e com o acervo indiciário constante do relatório policial a que acima aludimos, de modo a considerar que, dadas as características do tráfico ali descrito, nomeadamente o recurso ao contacto telefónico para o seu exercício, tal meio de obtenção de prova ''se afigura essencial às finalidades da presente investigação'', ou seja, por outras palavras, que as escutas telefónicas se mostram indispensáveis para a descoberta da verdade, sendo a prova, de outra forma, impossível de obter. Assim, se os contactos entre os traficantes / suspeitos são exclusivamente preparados telefonicamente, como investigar sem o recurso a escutas telefónicas? O recurso a tal meio de obtenção de prova, num crime com as características indiciadas na altura em que foi proferido o despacho determinativo das escutas mostra-se absolutamente indispensável para a descoberta da verdade, sem que se vislumbre qualquer outra possibilidade de obter a prova necessária. Na verdade, a complexidade interligada dos níveis de tráfico a que acima aludimos tornavam absolutamente desaconselhável qualquer outro tipo de investigação (vg. outras vigilâncias), que poderiam colocar de sobreaviso os investigados, fazendo naufragar toda e qualquer possibilidade de êxito investigatório. Trata-se de uma interpretação, ao contrário do que é afirmado pelo recorrente, que respeita os acima aludidos princípios constitucionais: o da proporcionalidade é respeitado, uma vez que está em causa a investigação do crime de tráfico de estupefacientes especialmente grave, existindo o convencimento de que as escutas poderão contribuir decisivamente para atingir a verdade material; idêntica conclusão se extrai relativamente ao princípio da adequação, uma vez que as escutas se mostram adequadas ao fim que determinou a sua realização, ou seja, a investigação de um crime de características concretas especialmente graves – daqui decorre que, caso as escutas não lograssem atingir o escopo que determinou a sua realização, sempre as mesmas trariam mais benefícios / vantagens para a descoberta da verdade do que os prejuízos para os direitos fundamentais dos visados (aqui concretamente menos valiosos do que os potenciais benefícios que se pretendiam obter – êxito na investigação de um crime grave de tráfico de estupefacientes); por último, como vimos supra, qualquer outro meio de obtenção de prova seria absolutamente ineficaz para conseguir os resultados probatórios almejados, não se vislumbrando que fosse, em termos investigatórios, eficazmente possível o recurso a meios menos intrusivos para a esfera jurídica dos visados.

Por último, e atento o entendimento de André Lamas Leite acima mencionado, estamos aqui precisamente perante uma situação de investigação em que as escutas telefónicas se mostravam ''a única diligência capaz de fazer carrear para os autos elementos probatórios aptos à descoberta da verdade''.

É evidente que na altura da prolação do despacho em causa estávamos perante meros indícios e relativos a realidade atomisticamente parcelar, não estando demonstrado (entre outros aspectos) que o indivíduo conhecido por ''Baldé'' residisse na morada indicada ou que utilizasse tal local; que os indivíduos que no dia 07.11.2008, cerca das 2200 horas, se fizessem transportar no veículo de matrícula ------IG, se tenham dirigido àquela residência; que os indivíduos que no dia 07.11.2008, cerca das 2200 horas, se faziam transportar no mesmo veículo se tenham encontrado com o indivíduo conhecido por ''Baldé''; que no dia 10.11.2008, o mesmo veículo tenha sido usado pelos mesmos indivíduos que foram avistados a sair dele no dia 07.11.2008; que no dia 10.11.2008, quem utilizou o veículo de matrícula ----IG se tenha dirigido ainda à referida residência; que quem no dia 10.11.2008 utilizou o veículo de matrícula -----IG se tenha encontrado com o indivíduo conhecido por “Baldé”; que houvesse negócios de droga entre o indivíduo conhecido por ''Baldé'' e quem se fez transportar no veículo referido nos dias 07 e 10.11.2008; que houvesse negócios de droga entre o indivíduo conhecido por ''Baldé'', o AM [conhecido por “Sida”], o indivíduo conhecido por “Viriato” ou outros indivíduos; que no dia 10.11.2010 tenha ocorrido contacto entre o AM ou outros indivíduos suspeitos de serem traficantes de substâncias estupefacientes com o indivíduo conhecido por ''Baldé'' ou com quem se fez transportar no veículo automóvel mencionado: no entanto, não podemos cair no exagero de exigir que a motivação para ordenar as escutas seja tão completa como se tivesse a certeza de que o investigado cometeu o crime[[13]], uma vez que as escutas são precisamente o meio de obtenção de prova que poderá permitiriam carrear para os autos elementos (meios de prova) susceptíveis de confirmar (ou não) os aludidos ''negócios de droga'' entre os intervenientes.

Assim, entendemos que o despacho que autorizou as escutas respeitou o disposto no nº 1 do artº 187º do CPP, encontrando-se fáctica e normativamente escorado. Por outro lado, como vimos, a interpretação subjacente ao mesmo não se mostra contrária a qualquer norma (nomeadamente, os invocados artigos 18º e 34º da CRP) ou princípio constitucional.

Por tudo o exposto, improcede o recurso nesta parte. (pontos I e II da motivação)

2ª questão - Impugnação da matéria de facto.

Constitui princípio geral que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, nos termos do artº 428º do CPP.
Diz-nos o artº 431º do CPP que[[14]] a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ser modificada se (…) ( alínea b ) a prova tiver sido impugnada, nos termos do nº 3 do artigo 412º.

Dispõe, por seu turno o artº 412º do CPP, com referência à motivação do recurso e conclusões:
« ( … )
3 – Quando impune a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a ) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b ) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c ) As provas que devem ser renovadas .

4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artº 364º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.»

Desde já, importa ter presente que a impugnação da matéria de facto em sentido amplo – com observância dos ónus impostos pelo artº 412º, nº 3 e nº 4 referidos – não se confunde com a invocação[[15]] dos vícios consagrados no nº 2 do artº 410º do Código de Processo Penal, pois estes hão-de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

Voltando à impugnação da matéria de facto e ao disposto no artº 412º do CPP, como consta do Comentário do Código de Processo Penal, de Paulo Pinto de Albuquerque[[16]], em anotação à referida norma, ''[a] especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado (…)''; ''[a] especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida (…) [m]ais exactamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de “voltas” do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento''.

''(…) acresce que o recorrente deve explicitar a razão porque essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. É este o cerne do dever de especificação.''

Assim sendo, sempre que seja impugnada a matéria de facto, por se entender que determinado aspecto da mesma foi incorrectamente julgado, o recorrente tem de expressamente indicar esse aspecto, a prova em que apoia o seu entendimento e, tratando-se de depoimento gravado, o segmento do suporte técnico em que se encontram os elementos que impõem decisão diversa da recorrida.

A referência aos suportes magnéticos só se mostrará cumprida – nas situações em que o registo da prova tenha sido vertido em CD-ROM /DVD-ROM (ou similar) – quando o recorrente indica, não as mencionadas voltas (porque inexistentes neste formato), mas os marcos temporais respectivos do CD-ROM e não apenas o respectivo início e fim do depoimento.

Tal exigência decorre da circunstância de que todos os recursos – à excepção do recurso de revisão – se encontrarem ''concebidos na lei como remédios jurídicos e não como instrumentos de refinamento jurisprudencial, o que inculca que aos impugnantes seja pedido (em obediência ao princípio da lealdade processual) que indiquem qual o defeito ou vício de que padece o acto impugnado, por forma a habilitar o tribunal superior a ajuizar do mérito das razões invocada.

Ora é exactamente esse o escopo da motivação: a indicação do recorrente ao tribunal ad quem do quid concreto que, segundo o seu entendimento, foi mal julgado e oferecer uma alternatividade fáctica que aquele tribunal vai julgar consistente ou não.''[[17]]

Por outro lado, pretendendo o recorrente ''impugnar a decisão da matéria de facto, forçosamente há-de saber o que nesta decisão concretamente quer ver modificado, e os motivos para tal modificação, podendo, portanto, expressá-lo na motivação.''[[18]]

As exigências previstas nos números 3 e 4 do artº 412º do CPP não se revestem de natureza meramente secundária ou formal: ao invés, relacionam-se com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e só a sua estrita observância permitirá ao tribunal de recurso conhecer a vontade do recorrente e pronunciar-se sobre um objecto escolhido, não por si próprio, mas por quem não se conforma com uma decisão.

Analisando, em concreto, os pressupostos legais para a impugnação da matéria de facto:

I - Indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.

No caso dos autos, o recorrente, pretendendo impugnar a matéria de facto considerada como provada pelo tribunal a quo, indicou os factos ''que considera incorrectamente julgados'', ou seja, que a mochila contendo o haxixe estivesse a seus pés no momento da detenção e também, muito embora apenas implicitamente, que conhecesse as características do produto que detinha e trazia consigo (juntamente com o arguido JB) desde o Algarve até ao momento em foi interceptado (idem), designadamente a sua natureza de estupefaciente e bem assim que a sua detenção era proibida por lei.

Assim, temos por cumprido, de forma algo imperfeita, diga-se, o referido ónus de indicação especificada.

II – Indicação das concretas provas que suportam a pretensão impugnatória.

O recorrente reproduz alguns trechos dos depoimentos prestados por algumas testemunhas que, segundo o seu entendimento, devem conduzir à não prova dos factos assinalados (fls. 3501 a 3503, 3504/5 e 3507/8). Ainda se refere o teor de declarações prestadas pelos co-arguidos (fls. 3505) e o teor de algumas das escutas efectuadas (fls. 3505/6).

Relativamente aos trechos dos depoimentos acima aludidos, dir-se-á o seguinte: o recorrente está obrigado a indicar a(s) passagem(ns) concreta(s) que serve(m) de fundamento à impugnação (declaração ou testemunho), bem como o específico local onde a(s) mesma(s) se encontra(m), concretamente, a hora, minuto e segundo em que, no respectivo suporte digital, se inicia e termina o concreto segmento daquela declaração ou testemunho: só assim cada parte seleccionada da gravação pode ser facilmente identificada com indicação da hora, minuto e segundo de início e da hora, minuto e segundo de termo. (neste sentido, vide o Acórdão da Relação de Guimarães de 06.12.2010, proferido no processo nº 569/06.6GAEPS.G1, disponível em www.dgsi.pt; no mesmo sentido, pode ver-se o Acórdão da Relação de Coimbra de 22.09.2010, proferido no processo nº 305/08.2TASEI.C1, igualmente disponível em www.dgsi.pt): ''Incumbe pois ao recorrente, sempre que impugne a matéria de facto, o ónus de concretizar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e, sempre que as provas tenham sido gravadas, deve referir-se o início e o termo da gravação de cada declaração, concretizando-se o excerto ou excertos do depoimento ou depoimentos em que se suporta essa impugnação.''

A este propósito, escreveu Pinto de Albuquerque[[19]] que ''a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida. Por exemplo, é insuficiente a indicação genérica de um depoimento, de um documento, de uma perícia ou de uma escuta telefónica realizada entre duas datas ou a uma pessoa. Mais exactamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de “voltas” do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento.'' Por seu turno, Maia Gonçalves refere, também a propósito deste aspecto em particular,[[20]] que ''com estes aditamentos ficou acentuada a necessidade de precisar, concretizando, quais os erros que, segundo o Recorrente, foram cometidos pelo tribunal a quo, em ordem a serem remediados pelo tribunal ad quem.'' esclarece complementarmente que[[21]] ''o recorrente pode referir as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, indicando as passagens das gravações, não sendo obrigado a proceder à respectiva transição, e o tribunal ad quem procede à audição ou visualização das passagens indicadas ou de outras que considere relevantes.''
Articulando harmoniosamente as normas constantes das alíneas a) e b) do nº 3 do artº 412.º do CPP, resulta que o recorrente terá, a um tempo, que individualizar cada facto julgado provado na sentença recorrida e a concreta localização de cada declaração ou depoimento que, no seu entender, impunha diverso julgamento e que, por assim não ter sido ali entendido, pretende em recurso ver reapreciado pelo Tribunal da Relação.[[22]]

Daí que, como já se entendeu nesta Relação de Évora[[23]] ''não satisfaz o disposto no art.º 412.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, após a revisão levada a cabo pela Lei n.º 48/2007, de 29-8, o recurso em que o recorrente se limite a indicar a que voltas e em que cassete se inicia e acaba a totalidade do depoimento das testemunhas.''

Mais recentemente também assim se decidiu nesta Relação de Évora, como resulta do sumário do respectivo aresto que abaixo se indica:[[24]]

«Para impugnar um facto específico, o recorrente tem que individualizar concretamente quais são as particulares passagens aonde ficaram gravadas as concretas frases do universo das declarações prestadas que se referem ao ponto impugnado e não indicar por grosso o total das declarações prestadas por um certo número de testemunhas, com isso prejudicando ou inviabilizando até o exercício legítimo do contraditório por banda dos sujeitos processuais interessados no desfecho do recurso, transferindo também, desse modo, abusivamente, para o tribunal de recurso a incumbência de ser este tribunal a encontrar e seleccionar as específicas passagens das gravações que melhor se adeqúem aos interesses do recorrente;

Assim, para dar satisfação ao actual conteúdo do n.º 4 do art. 412.º do CPP, não basta indicar apenas, por «referência ao consignado na acta», como ali se diz, em que cassete ou CD está o depoimento da testemunha invocada pelo recorrente e a que “voltas” começa e em que “voltas” acaba o seu depoimento. O mesmo preceito legal contém ainda uma outra exigência: a do recorrente «indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação», isto é, quais são as concretas frases em que se baseia.

Quando o recurso não cumpre na motivação e simultaneamente nas conclusões as especificações a que alude o art. 412.º n.º 3 e 4 do CPP não há que formular ao recorrente qualquer convite ao aperfeiçoamento.''

Em suma, poderemos com segurança dizer que o ónus de especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida só é cabalmente cumprido se o recorrente especificar, de entre as faixas de gravação[[25]] de determinado depoimento, aquelas onde se encontram registadas as passagens relevantes para a reapreciação. Note-se que a razão de ser deste regime, como aliás vem sendo repetidamente julgado pelos nossos Tribunais superiores, está intimamente ligada à seguinte circunstância: ''os n.os 3 e 4 do art.º 412.º do Código de Processo Penal limitam o julgamento da matéria de facto àqueles pontos que referem, mas não permitem o julgamento da globalidade dessa matéria de facto.''8[26]]

Nem se diga que o cumprimento das regras impostas pelo legislador nos nos 3 e 4 do artº 412º do Código de Processo Penal, no sentido que acaba de se apontar, surge como desproporcionado.

Na verdade, todos os recursos – à excepção do recurso de revisão – se encontram ''concebidos na lei como remédios jurídicos e não como instrumentos de refinamento jurisprudencial, o que inculca que aos impugnantes seja pedido (em obediência ao princípio da lealdade processual) que indiquem qual o defeito ou vício de que padece o acto impugnado, por forma a habilitar o tribunal superior a ajuizar do mérito das razões invocadas.

Ora é exactamente para isso que serve a motivação: permitir ao recorrente apontar ao Tribunal ad quem o que na sua perspectiva foi mal julgado e oferecer uma proposta de correcção para que o órgão judiciário a possa avaliar.» [[27]]

Trata-se de uma visão pacificamente assumida pelo Supremo Tribunal de Justiça, como foi no caso em que considerou que «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2.ª Instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1.ª Instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.» [28]

Por outro lado, pretendendo o recorrente ''impugnar a decisão da matéria de facto, forçosamente há-de saber o que nesta decisão concretamente quer ver modificado, e os motivos para tal modificação, podendo, portanto, expressá-lo na motivação.''[29]

Acresce ainda que as especificações consagradas nos n.os 3 e 4 do artº 412º do CPP não têm natureza puramente secundária ou formal. Bem pelo contrário, relacionam-se com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.[30] Sendo certo que só a sua observância permite ao Tribunal ad quem conhecer a vontade do recorrente e pronunciar-se sobre o objecto escolhido, não por si próprio, mas por quem não se conforma com uma decisão.

Retornando ao caso em análise, depois de afirmar que ''não resulta do depoimento de nenhum dos agentes intervenientes na detenção do arguido FM que estivesse com a mochila a seus pés'', não restam dúvidas de que a recorrente não deu cumprimento cabal ao ónus supra referido no que respeita ao depoimento da testemunha AA (quer na motivação, quer nas conclusões do recurso), de indicação da parte seleccionada da gravação, com referência à hora, minuto e segundo de início e da hora, minuto e segundo do respectivo termo. De referir que a reprodução de determinadas passagens dos depoimentos também não logra preencher o desiderato legal, pois tais passagens não são temporalmente definidas pelo binómio do respectivo início e terminus. Assim, está a impugnação do mencionado facto votada ao insucesso, pois apenas seria possível conhecer da mesma através da audição / apreciação dos trechos de todos os depoimentos recortados pelo recorrente, o que, atento o acima referido, não é possível, pois não está preenchido um requisito legal para a audição / apreciação de um dos depoimentos.

Assim, uma vez que relativamente a outro facto se entende cumprido o requisito legal neste ponto em análise, prosseguiremos.

III – Exposição das razões porque a prova indicada impõe decisão diversa da recorrida.

A tónica hermenêutica quanto a este ónus da impugnação da matéria de facto deve ser colocada no verbo impor. Desde logo, deve sublinhar-se que não basta que aquela prova permita decisão diversa – é necessário que a imponha. '' .

.
Note-se que a lei refere as provas que «impõem» e não as que «permitiriam» decisão diversa. É que afigura-se indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.''[[31]]

Relativamente ao critério a seguir pelo tribunal de 1ª instância para escolher entre as soluções plausíveis segundo as regras da experiência podemos socorrer-nos da lição de Castanheira Neves[[32]]: ''… se […] quisermos enunciar […] um critério de certeza probatória (o critério de verdade prática) diremos que se não pode evidentemente pretender a demonstração de uma evidência, que exclua toda a possibilidade do contrário, assim como é também claro que não nos podemos bastar com juízo de pura possibilidade lógica. Deverá sim exigir-se aquele tão alto grau de probabilidade prática quanto possa oferecer a aplicação esgotante e exacta dos meios utilizáveis para o esclarecimento da situação – um tão alto grau de probabilidade que faça desaparecer a dúvida (ou logre impor uma convicção) a um observador razoável e experiente da vida, ou, talvez melhor, a um juiz normal (com a cultura e experiência da vida e dos homens que deve pressupor-se num juiz chamado a apreciar a actividade e os resultados probatórios) referido às mesmas circunstâncias históricas e processuais.''

Entendemos que o recorrente assenta a sua pretensão numa ideia errada, qual seja, a de que o Tribunal da Relação pode, para julgar o recurso, efectuar um novo julgamento da matéria de facto, com o recurso às transcrições dos depoimentos que o aquele efectua e que, em seu entendimento, conduziriam à não prova de alguns dos factos: A doutrina – referenciada por Germano Marques da Silva[[33]] – tal como a jurisprudência dos nossos tribunais superiores (cfr., entre muitos, os Acórdãos do STJ de 30.06.99 in BMJ nº 488, página 272, de 17.02.2005 no processo 04P4324 disponível em www.dgsi.pt e desta Relação de Évora de 01.04.2008, proc. 360/08, disponível no mesmo sítio), são inequívocas no sentido de que ''... o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, mas constitui apenas remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância…'', mais se sublinhando que ''... não se podendo recorrer sobre a matéria de facto sem mais, limitando-se o recorrente a pôr em causa a convicção dos julgadores sem ter em conta que o princípio básico do nosso processo penal assenta na livre convicção do julgador consagrado no artº 127º do C.P.P.'' Em síntese, como refere a doutrina italiana, os recursos são meros remédios jurídicos.[34]

Que vícios de julgamento poderão fundamentar o recurso em matéria de facto? Elegeremos dois exemplos concretos: se o tribunal a quo tiver dado como provado o facto de A ter agredido B, explicitando que a sua convicção para a respectiva prova se formou exclusivamente a partir do depoimento com o mesmo concordante de determinada testemunha e o teor de tal depoimento (gravado) for absolutamente omisso quanto a tal facto, é forçoso concluir que ocorreu um erro manifesto no julgamento da matéria de facto, procedendo a respectiva impugnação. Idêntica conclusão pode tirar-se se, no exemplo atrás citado, do depoimento da referida testemunha constar a agressão mas que a testemunha apenas tomou conhecimento de tal facto por o ter ouvido a outras pessoas. É um caso claro de ilegal valoração de meio de prova proibido (cfr. artigos 129º e 130º do CPP).

O recurso da matéria de facto não pode significar o sacrifício do princípio da livre apreciação da prova, consagrado expressamente no artº 127º do CPP.

''A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional[35] e, portanto, imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão.''[[36]]

Atendendo a tal aspecto, o artº 374º, nº 2 do CPP determina que a sentença deverá conter ''uma exposição tanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, com a indicação e exame crítico das provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal''.

Contudo, apesar da objectivação da apreciação dos factos, a decisão do juiz deve assentar sempre numa ''convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo, não só a actividade puramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais''.[37]

Por outro lado, a livre apreciação da prova é indissociável do princípio da oralidade, que enforma o julgamento em 1ª instância. Segundo Alberto do Reis ''a oralidade, entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), é condição indispensável para a actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal.''[38]

O mencionado artº 127º do CPP impõe um limite à discricionariedade do juiz: as regras da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.

Articulemos, pois, os argumentos alinhados pelo recorrente com a motivação do acórdão recorrido quanto à decisão sobre a matéria de facto, no que tange ao recorrente.

Começa o recorrente por afirmar que a ''afirmação'' constante do acórdão recorrido segundo a qual, quer ele, quer o arguido Jorge Bento conheciam as características da droga que detinham e traziam consigo quando foram interceptados constitui uma mera conclusão que os factos anteriormente provados não permite.

Labora em erro manifesto, pois, muito mais do que uma ''afirmação'', tal trecho do acórdão recorrido é um ''facto'' que não resulta conclusivamente de quaisquer outros factos. Por outro lado, ao invés do que afirma, basta uma leitura atenta para se encontrarem na decisão recorrida os fundamentos que alicerçam a prova de tal facto.

Deste modo.

Declarações dos co-arguidos:

JB (a fls. 20 do acórdão recorrido – fls. 3315 dos autos) afirma que ''[o] produto era do FM''. Por outro lado, JP (a fls. 26 do acórdão recorrido – fls. 3321 dos autos), começa por afirmar que o arguido JB contou ''meia verdade'' e o ora recorrente ''muita mentira''. Por outro lado, também afirma que ''emprestou'' o carro ao ora recorrente (apesar de seguir com ele na viagem), o que indica que a viagem em causa foi iniciativa deste último. Relativamente à mudança de ''versões'' sobre a propriedade da droga, o recorrente afirma que tal arguido ''repôs a verdade'' no final (atribuindo-a ao arguido JB), não se descortinando, contudo (nem o recorrente os indica), que elementos valorar para afirmar que numa das versões é que aquele estava a falar verdade.

Não há qualquer impedimento do arguido depor nessa qualidade contra os co-arguidos no mesmo processo e, consequentemente, de valorar a prova feita por um arguido contra os seus co-arguidos,[[39]] desde que preenchidas duas condições: (i) não se esteja perante a situação prevista no artº 345º, nº 4 do CPP; (ii) ser necessária a corroboração probatória das declarações incriminatórias do co-arguido.

Assim, obviamente, nunca poderia ser exclusivo fundamento da prova do facto incriminatório da detenção da droga a mera afirmação nesse sentido de um dos arguidos relativamente a outro.

Contudo, no caso dos autos, a mencionada corroboração probatória existe de facto.

Desde logo, é inegável que a droga era transportada no habitáculo do veículo perto da sua pessoa.

Por outro lado, vários indícios resultam das escutas ligando o recorrente à droga transportada e à respectiva detenção consciente e intencional:

I - Relato da escuta telefónica mencionado no acórdão recorrido a fls. 3363 (conversa mantida entre ''J'' e ''Didi'' em que aquele refere haver polícia na estrada e que estavam à espera que pudessem arrancar) – Numa referência do J ao ora recorrente afirma aquele ''Porque (…) ele é que manda o dinheiro é dele (…)''. Daqui se indicia que, pelo menos, o ora recorrente tinha alguma espécie ligação (direcção das operações, propriedade...) directa à droga apreendida.

II - Relato da escuta telefónica mencionado no acórdão recorrido a fls. 3365 (conversa mantida entre ''F'' e ''A'' – este último, ao ser informado pelo ora recorrente de que o mesmo tinha tido um furo e que estava a caminho, advertiu-o expressamente ''mas não me venhas para aqui com isso, com o carro e essa coisa toda'', evidenciando estar a par do transporte da droga e eximindo-se prudentemente ao contacto com a mesma no local onde se encontrava na altura. Tal preocupação, evidenciada pelo interlocutor e transmitida significativamente ao ora recorrente pressupõe, em face do assentimento deste e do não questionamento da objecção, como é óbvio (pelo menos) a detenção consciente da droga por parte deste último.

Segundo o depoimento testemunhal (de um agente policial) constante de fls. 3375, os agentes policiais pressupuseram … que a droga vinha de Espanha via F para o J. A este propósito, é de sublinhar que a passagem do depoimento do agente da PSP NR (cfr. fls. 3506), ao contrário do que o recorrente afirma, não aponta apenas para imputação da propriedade da droga ao arguido JB e ''N'', mas também para a posse conjunta da mesma a eles[[40]], ou seja, aos indivíduos que se faziam transportar no veículo em causa, o arguido JB, o recorrente e o arguido JP. Os restantes elementos invocados pelo recorrente (---- – fls. 3505/6 e 3942 – fls. 3506/7, trecho do depoimento do mencionado agente da PSP BR reproduzido a fls. 3507), sendo atinentes eventualmente à propriedade da droga apreendida, não infirmam, como é óbvio, a posse conjunta acima mencionada.

Por tudo o exposto, pensamos que bem andou o tribunal a quo ao considerar uma detenção conjunta da droga apreendida, não a atribuindo em exclusividade a qualquer um dos arguidos.

Relativamente à valoração do ''cheiro'' que a mochila exalava – segundo o recorrente, tal facto não se acha inscrito nos factos provados e em segundo lugar, não seria perceptível, uma vez que a mochila se encontrava fechada e o haxixe embalado, a que acresce que a polícia partiu o vidro do carro e lançou uma granada de gás, o que tornaria difícil perceber o cheiro intenso a haxixe dentro da viatura – é de sublinhar que o que está em causa não é a percepção olfactiva do haxixe pelos elementos da polícia. O acórdão condenatório (fls. 3381) afasta, pelas regras da experiência comum, o alegado desconhecimento por parte do recorrente da existência de droga por esta ser transportada no interior de uma mochila fechada, dado o notório cheiro destas quantidades de haxixe e o passado de consumo de drogas pelo recorrente. A este respeito, cumpre sublinhar que consta do acórdão recorrido que, segundo a testemunha AA, agente da PSP que foi uma das primeiras pessoas a chegar ao local, a droga vinha dentro da mochila, em local plastificado, à excepção de uma caixa que estava aberta (fls. 3384), o que coloca em crise a estanquicidade alegada pelo recorrente.

Por outro lado, afirma o recorrente que (apesar da sua presença na viatura onde se encontrava a droga) a não prova de que o mesmo efectuasse o transporte (para ou de outrem) de qualquer droga ''torna tudo ainda mais confuso''. Não conseguimos descortinar a origem desta ''confusão'' – com efeito, não se vislumbra como pode existir qualquer incongruência entre a prova de uma detenção de droga e a não prova de que tal detenção fosse instrumental para o respectivo transporte para ou de outrem. A inexistência de tal incongruência / confusão é expressamente referida no acórdão condenatório, a fls. 3381: depois de se afirmar a inexistência de qualquer dúvida na envolvência conjunta dos arguidos J, F e J na detenção da droga, especifica-se que tal convicção se reporta a uma detenção e não a um transporte, entendido este como ''a deslocação de uma coisa de alguém para outrem, a mando de uma delas (e em princípio uma remuneração, pelo serviço)'', uma vez que este último não se apura, restando a ''vertente residual do ''tráfico'', que consiste justamente na mera detenção de produto estupefaciente.''

Segundo o recorrente (fls. 3504) o tribunal recorrido deveria ter aplicado o princípio in dubio pro reo.

A Constituição da República estabelece no artº 32º que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, presumindo-se todo o arguido inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação.

Em tal realidade (todas as garantias de defesa), incluem-se, como afirmam Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa, Anotada, Coimbra Editora, 4ª Edição, pág. 516), todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação.

Sublinham os autores, no que à presunção de inocência do arguido tange (ob. cit., págs. 518-519), como conteúdo adequado deste princípio, e entre o mais, (1) a proibição de inversão do ónus da prova em detrimento do arguido e (2) o princípio in dubio pro reo, implicando a absolvição em caso de dúvida do julgador sobre a culpabilidade do acusado.

E acrescentam: ''[o] princípio de presunção de inocência surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.

Este princípio considera-se também associado ao princípio nulla poena sine culpa, pois o princípio da culpa é violado se, não estando o juiz convencido sobre a existência dos pressupostos de facto, ele pronuncia uma sentença de condenação. Os princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo constituem a dimensão jurídico-processual do princípio jurídico-material da culpa concreta como suporte axiológico-normativo da pena.''

Trata-se de um princípio que traduz uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver formulado um juízo de certeza sobre os factos decisivos para a imputação criminal.

Isto é, o julgador tem de decidir a favor do arguido se, face ao material probatório produzido em audiência, não tiver dissipado todas as dúvidas sobre qualquer facto: um non liquet na questão da prova deve ser sempre valorado a favor do arguido (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2008, I volume, pág. 83); o processo deve assentar em alicerces precisos e fundamentados. Porém, não é a existência de qualquer dúvida sobre os factos que permite, sem mais, a operacionalidade do princípio traduzida na adopção de uma solução favorável ao arguido: a circunstância de serem produzidos depoimentos contraditórios ou a existência de outros meios de prova / obtenção de prova intrinsecamente conflituantes não pode, por si só, conduzir à existência de uma dúvida razoável sobre o acervo fáctico considerado provado e, por força do mencionado princípio, à absolvição do arguido.

Com efeito, a dúvida terá, necessariamente, de assumir uma natureza irredutível, insanável, sem esquecer que nos actos humanos nunca se dá uma certeza contra a qual não haja alguns motivos de dúvida.[[41]] ''O que exige o princípio da presunção de inocência é a absolvição em caso de dúvida pelo que se o tribunal pelo conjunto das provas praticadas está convencido da inexistência de circunstâncias justificativas, de desculpa ou outras excludentes da responsabilidade poderá condenar com base na prova dos factos constitutivos do crime; não basta, por isso, a mera alegação pela defesa da ocorrência de circunstâncias excludentes da responsabilidade, importa criar a dúvida no espírito do julgador sobre a sua existência.'' (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 4ª Edição, 2008, página 126).

No caso dos autos, porém, como vimos, não resulta que o tribunal a quo, após a produção de prova, tenha ficado na dúvida quanto aos factos consubstanciadores da detenção da droga por parte do arguido.

Não se vislumbra que a mera discordância do recorrente suscite a aplicação do princípio, quando, contrariamente, a motivação do tribunal recorrido é, como acima vimos, razoável e credível, para além de toda a dúvida razoável.

Não se mostra, assim, violado, o princípio in dubio pro reo nem a indicada presunção de inocência do recorrente.
Em conclusão:

Na decisão recorrida, está minuciosamente descrito o iter que levou à convicção do tribunal relativamente à matéria de facto.

Por seu turno, na sua motivação, o recorrente não coloca em causa a descrição que o acórdão efectua do conteúdo dos depoimentos das testemunhas ou de outros meios de prova referidos, nomeadamente que é inverídico que as mesmas tenham prestado depoimentos com o conteúdo assinalado na decisão sob censura ou que alusão a outros meios de prova / obtenção de prova não seja rigorosa.

Contudo, como acima vimos, o juízo sobre a prova dos factos em processo penal não visa a demonstração de uma evidência excludente de toda a possibilidade do contrário. É tão só necessário chegar àquele alto grau de probabilidade prática que faça desaparecer a dúvida ou logre impor uma convicção ao juiz. Dos elementos dos autos, parece-nos indiscutível que este alto grau de probabilidade foi efectivamente alcançado.

O que o recorrente exterioriza é uma convicção diferente da do tribunal recorrido sobre a prova produzida. Porém, tal convicção é apenas a sua opinião pessoal, não sendo apontadas nem se vislumbrando quaisquer violações ao regime legal que regula a formação da convicção do tribunal.

Como se diz no Acórdão da Relação de Coimbra de 06.12.2000 (processo nº 733/2000, disponível em www.dgsi.pt.) ''o tribunal superior só em casos de excepção poderá afastar o juízo valorativo das provas feito pelo tribunal a quo, pois a análise do valor daquelas depende de atributos (…) que só são verdadeiramente apreensíveis pelo julgador de 1ª instância''.

Noutro Acórdão da mesma Relação de 03.11.2004 (processo n° 1417/04, igualmente disponível em www.dgsi.pt) pode ler-se: ''... é evidente que a valoração da prova por declarações e testemunhal depende, para além do conteúdo das declarações e dos depoimentos prestados, do modo como os mesmos são assumidos pelo declarante e pela testemunha e da forma como são transmitidos ao tribunal, circunstâncias que relevam, a par da postura e do comportamento geral do declarante e da testemunha, para efeitos de determinação da credibilidade deste meio de prova, por via da amostragem ou indiciação da personalidade, do carácter, da probidade moral e da isenção de quem declara ou testemunha; Portanto a jurisprudência tem entendido, de modo unívoco, que o recurso sobre matéria de facto para o Tribunal da Relação não configura um novo julgamento destinada a reapreciar toda a prova produzida perante a primeira instância e documentada no processo , antes se destina a remediar erros de julgamento.''

O tribunal recorrido, que teve acesso a elementos agora inalcançáveis (como tom de voz, gestos, capacidade física dos intervenientes etc.), avaliou globalmente a prova constante dos autos e formou livremente a sua convicção, tendo explicado de forma coerente e coesa todos os mecanismos lógicos que conduziram a tal conclusão.

Do exposto flui com meridiana clareza que as razões que o recorrente expõe não impõem uma decisão diversa da recorrida.

Consequentemente, não se vislumbra qualquer violação de quaisquer princípios ou mecanismos legais (e constitucionais) de apreciação e de valoração da prova, pelo que improcederá o recurso também nesta parte.

3ª questão - Enquadramento jurídico dos factos.

Segundo o recorrente, a sua conduta dada como provada integraria o crime de tráfico de menor gravidade - previsão do artº 25° do DL nº 15/93, de 22.01.

Vejamos.

Estipula o artigo 21º, nº 1 do DL nº 15/93, de 22.01, que ''[q]uem, sem para tal se encontrar autorizado, …vender … ceder …ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas na tabela I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos''.

Por sua vez, determina o artigo 25º, alínea a) do mesmo diploma que ''[s]e, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude dos factos se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI.''

Pode ler-se no Acórdão do STJ de 21.01.2004 (Processo nº 3176/03, 3ª Secção, www.dgsi.pt), que o tipo legal de crime de tráfico de menor gravidade, previsto no artº 25º do DL 15/93, construído a partir do tipo-base do artº 21º do mesmo diploma, repousa numa considerável diminuição da ilicitude, funcionando como válvula de segurança para os casos em que a punição por força do artº 21º representaria um excesso de punição, uma salvaguarda do sistema, que se atinge pela valoração global dos factores-índice meramente exemplificados no artº 25º, nº 1, a propósito da qual os autores italianos falam de uma “valorização global do episódio”, não bastando uma perscruta isolada de qualquer deles, em preponderância absoluta de qualquer dos outros. Pode também ler-se, em sintonia, no Acórdão do mesmo tribunal de 04.02.2004 (Processo nº 3290/03, 3ª Secção, www.dgsi.pt), que este tipo legal de crime (do artigo 25º) permite ao julgador que encontre a justa pena nos casos em que a gravidade objectiva e subjectiva do facto fica aquém da gravidade pressuposta no tipo-base, por isso no sistema punitivo aquele tipo se apresenta como um tipo situado a meio caminho entre o tipo-base e o tipo agravado, como válvula de segurança do sistema.

É jurisprudência corrente que no domínio do tráfico de menor gravidade o que releva é a chamada imagem global do facto, tudo dependendo da consideração e apreciação conjuntas das circunstâncias, factores ou parâmetros mencionados no texto da norma.[[42]]

Curiosamente, o acórdão mencionado pelo recorrente na sua motivação (fls. 3509) não faz referência a uma situação análoga à dos autos, pois aí se menciona uma situação traduzida, entre outras circunstâncias, num ''único negócio de rua''. Segundo o recorrente, a alegada actuação delituosa resumiu-se a um único acto, a mera detenção de haxixe, droga ''leve'', existindo a impossibilidade de vir a ser disseminada por outros consumidores.

A este respeito, cumpre lembrar que o crime de tráfico de estupefacientes tem vindo a ser uniformemente considerado pela jurisprudência como um crime de trato sucessivo, traduzido na unificação normativo-subsuntiva do conjunto das múltiplas acções praticadas pelo agente; simultaneamente, entende-se que integra a categoria dos crimes exauridos, isto é, um daqueles crimes em que basta a prática de um qualquer acto de execução para a incriminação do agente, independentemente de corresponder à execução completa do facto. Além disso, uma vez que está em causa um crime abstracto ou presumido, para a sua consumação não é exigível a verificação de um dano real e efectivo: o crime consuma-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para a saúde pública, seja na sua vertente física, seja na sua vertente moral: por tal razão, a norma que institui o crime-base em causa (artº 21º do DL 15/93) criminaliza, entre outros comportamentos, a venda, cedência, oferecimento e detenção.

Por tudo isto, para o preenchimento do tipo não é necessário que se prove qualquer nexo de instrumentalidade entre a provada detenção e uma subsequente venda, bastando a simples detenção ilícita (neste sentido, vide os Acórdãos do STJ de 24.11.1999, proferido no processo nº 937/99 e de 01.07.2004, proferido no processo nº 04P2035, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

Complementarmente, é de sublinhar que a alegada singeleza da actuação delituosa do recorrente não tem correspondência no acervo fáctico provado. Com efeito, o recorrente participa (artº 28º, nº 1 do C. Penal) na ilicitude global da actividade delituosa dada como provada e esta, como se alcança dos factos provados (fls. 3303/4/5), é acompanhada de contactos telefónicos organizativos, de cuidados relativamente ao controlo policial estradal, o que, acompanhado pela utilização de um veículo automóvel para transporte da droga, consubstancia uma logística que não pode ser qualificada como rudimentar. Por outro lado, a circunstância de a droga apreendida estar envolta em película aderente e o seu fraccionamento em 26 placas também indicia um manuseamento prévio da mesma e um destino não uniforme. Por último, deve salientar-se a expressiva quantidade de droga (mesmo tratando-se de uma droga «leve») apreendida, não fazendo qualquer sentido a distribuição aritmética que o recorrente faz por «cabeça», que, nem os factos provados, nem a acima mencionada participação na ilicitude global minimamente consentem.

De qualquer forma, não podemos deixar de sublinhar que as seguintes decisões consideraram que a posse de quantidades de haxixe inferiores à dos presentes autos (entre outras circunstâncias), não permitiam o funcionamento do tipo atenuado previsto no citado artº 25º do DL 15/93:

(i) Acórdão do STJ de 15.02.2007 [[43]] proferido no processo nº 4339/06, 5ª Secção, relatado pelo Sr. Conselheiro Carmona da Mota – 3,808 quilogramas.

(ii) Acórdão STJ de 10.07.2008 [[44]] proferido no processo nº 4563/07, 5ª Secção, relatado pelo Sr. Conselheiro Rodrigues da Costa - mais de 9 quilogramas (não se tendo provado, tal como nos presentes autos, que o arguido era um mero «transporte»).

Não foram, por tudo o exposto, provados factores, parâmetros ou circunstâncias que permitam sustentar a operatividade da norma, mostrando-se, consequentemente, afastada qualquer acentuada diminuição da ilicitude susceptível de subsumir os factos ao disposto no artigo 25º citado.

Uma vez aqui chegados, só nos resta concluir – como concluiu e bem o tribunal a quo – que o arguido praticou o crime previsto e punido no artigo 21º, nº 1 do DL nº 15/93, de 22.01.

4ª questão – Medida da pena.

O recorrente pugna pela fixação de um pena inferior a 5 anos de prisão, concretamente uma pena «inferior a 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução.»

De acordo com o artº 71º, nº 1 do C. Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

''A redacção dada ao nº 1 harmonizou esta norma com a do novo artº 40º: o texto anterior podia sugerir que se atribuía à culpa um papel preponderante na determinação da medida da pena, possibilitaria mesmo, contra a filosofia que era já a do Código, uma leitura que apontasse no sentido da afirmação da retribuição como fim das penas; poderia ser entendido como atribuindo às exigências de prevenção um papel secundário, meramente adjuvante, naquela determinação, que não é, de modo algum, o que agora expressamente se lhes assinala.''[[45]]

Deste modo, resulta expressamente do normativo citado a necessidade da consideração da díade culpa / prevenção na determinação do quantum punitivo.

Relativamente à culpa, entende-se como inequívoco que se trata de um conceito chave do Código Penal de 1982, constando do ponto 2 do respectivo Preâmbulo que ''toda a pena tem como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta''. A eleição legal de um verdadeiro princípio da culpa cinde-se em duas realidades diferentes, a saber, a culpa como fundamento da pena e a culpa como fundamento da medida da pena[[46]], sendo desta última que agora nos ocuparemos.

De que forma pode a culpa determinar a medida concreta da pena, articulando-se harmoniosamente nessa função com as citadas exigências de prevenção?

A jurisprudência alemã[[47]] desenvolveu a chamada ''teoria do espaço livre'': segundo esta, não é possível determinar-se de modo exacto uma pena adequada à culpa, sendo apenas possível delimitar uma zona dentro da qual deve situar-se a pena para que não possa falhar a sua função de levar a cabo uma justa compensação da culpabilidade do autor; esta relação imprecisa entre a culpa e a pena pode ser aproveitada pelo tribunal para a prevenção especial, fixando a sanção entre o limite inferior e superior do ''espaço livre'' da culpa, de acordo com os efeitos que possam esperar-se daquela para a integração social do autor do ilícito.[[48]]

Segundo Jorge de Figueiredo Dias[[49]] a finalidade primordial visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto; e esta há-de ser também por conseguinte a ideia mestra do modelo de medida da pena. Tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada (prevenção geral positiva ou prevenção de integração). Esta ideia traduz a convicção de que existe uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena visa alcançar. Porém, tal como na anteriormente aludida ''teoria do espaço livre'' esta medida óptima de prevenção geral positiva também não fornece ao juiz um quantum exacto de pena. Assim, de acordo com este entendimento é a prevenção geral positiva (não a culpa) que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem actuar considerações de prevenção especial de socialização.

Quer consideremos a ''teoria do espaço livre'', quer a teoria da ''moldura de prevenção'' (o texto do nº 1 do artº 71º, quanto a este aspecto, é de uma desdogmatização normativa exemplar, sem que se possa apontar uma preferência legal por qualquer das teorias), existe algum consenso no sentido de que, dentro dos limites mínimo e máximo de tais sub-molduras punitivas, são considerações relativas à chamada prevenção especial que operam no último estádio hermenêutico que leva à concretização exacta de uma dada pena.

''Dentro da «moldura de prevenção» (…) actuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que devem aqui ser valorados todos os factores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza; seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou de inocuização.''[[50]]

Quanto às exigências de prevenção, ''pode-se distinguir entre prevenção especial negativa e positiva. A primeira traduz-se na intimidação do agente em concreto. A prevenção especial positiva é representada pela ressocialização.'' [[51]]

Em concreto, que circunstâncias devemos valorar para definir exactamente a pena?

As circunstâncias que, nuclearmente, devem ser levadas em conta são as que dizem respeito ao facto ilícito praticado: ''os danos ocasionados, a extensão dos efeitos produzidos, em suma, o «efeito externo», determinam então para o juiz, no momento da fixação da pena, o significado do facto para a ordem jurídica violada.'['[52]]

Tais efeitos externos dos factos ilícitos encontram correspondência legal nos factores de determinação da medida da pena previstos nas primeiras alíneas do nº 2 do artº 72º do C. Penal.

Sublinham-se da decisão recorrida os seguintes factores levados em conta para a determinação da medida da pena:

''O grau de ilicitude do facto, traduzido na circunstância do arguido ter em sua posse o produto estupefaciente oportunamente referido, numa quantidade que, ainda que não detenha relevo para agravar a conduta, ainda assim já é muito significativa, é elevado.

Quanto à gravidade das suas consequências:

Eis o que não se pode medir com exactidão.

De recordar o sobredito, ou seja, que o crime de tráfico de estupefacientes não é punível apenas em termos da perigosidade concreta da conduta, mas essencialmente em termos da aptidão causal, de perigosidade de acção, no que tange à colocação em risco de uma ou mais espécies de bens genericamente protegidos.

Neste desiderato leva-se em conta todavia que;

A droga apreendida não se inclui no domínio das chamadas "drogas duras", por o haxixe, como se sabe, não ser droga viciante (do ponto de vista dos efeitos físicos do seu consumo), o que aponta para uma menor intensidade quanto perigosidade da conduta, agregados ao atentos os efeitos substancialmente menos graves que se encontram tráfico/consumo deste tipo de estupefacientes.

O arguido agiu com dolo directo que, regra geral, é a forma mais intensa do dolo, ou seja:

Sendo conhecedor da ilicitude da sua acção, ainda assim, tal facto não o coibiu de querer actuar pelo descrito modo, bem sabendo que ao fazê-lo, se encontraria a praticar um crime, como consequência directa da sua conduta.

(…)
A título de prevenção geral, considera-se que nos encontramos perante um tipo criminal que se traduz num dos que maior alarme social suscitam e ao qual se encontra associado a um sem número de ilícitos penais vulgarmente designados como de "criminalidade secundária".

No que concerne ao mesmo ilícito, praticado pelo arguido FM:

Remete-se para as considerações acabadas de expender aquando da determinação em concreto da pena a propósito do anterior arguido, reiterando-se o sobredito acerca do grau da ilicitude do facto, da gravidade das suas consequências, do dolo usado, das necessidades de prevenção geral.

Relativamente a este arguido anota-se comparativamente ao arguido J (e para pior), que;

Possui passado criminal que pese embora atinente à prática de ilícitos de distinta natureza, não se esgota na prática de um só crime.

A isto acrescendo que;

O arguido pratica os factos que ora se apuram, logo após o trânsito em julgado da sentença que o condenou pela prática de um crime de coacção na forma tentada e de um crime de ofensa à integridade física simples, em pena de prisão suspensa na sua execução.

Circunstância "de per si" suficientemente esclarecedora quanto à sua fraca capacidade para interiorizar a censura penal.

Sendo que no que a este arguido respeita;

O seu contributo para o apuramento da verdade dos factos foi nulo, pois que negou qualquer envolvimento seu, mesmo numa situação em que é interceptado em "flagrante delito".

O que é bem demonstrativo da dificuldade que tem na assunção das consequências da conduta praticada.''

Relativamente a tais aspectos, entende-se adequado tecer as seguintes considerações:

A - Grau de ilicitude do facto – Como se afirma no acórdão recorrido, a quantidade da droga apreendida, não tendo relevo suficiente para agravar a conduta, «ainda assim já é muito significativa», o que traduz um grau de ilicitude do facto elevado. Atenta a quantidade em causa, que é objectivamente significativa, não podemos deixar de sufragar esse entendimento. Com efeito, segundo o Relatório do Exame à droga apreendida (fls. 1547 dos autos), trata-se de ''canabis resina''. De acordo com o artº 9º da Portaria nº 94/96, de 26.03 e respectivo mapa anexo, o limite máximo para cada dose média individual diária da referida droga é de 0,5 gramas. Assim, a droga apreendida (12.170 gramas) representa 24.340 de tais doses diárias. Deste modo, para além da acima sublinhada inconsistência fáctica e normativa do «fraccionamento» da droga apreendida pelos três arguidos (12 Kg ÷ 3 = 4 Kg cada) que o recorrente efectua, é com perplexidade acentuada que verificamos ser este da opinião segundo a qual uma quantidade de 4 Kg de haxixe é «normalíssima» (ponto 84.a) das conclusões). Admite-se que para um experiente traficante de droga tal quantidade (que representa cerca de 8.113 das mencionadas doses diárias) possa ser considerada normalíssima, mas não o será obviamente para qualquer cidadão afastado de tal mundo ou para um arguido que clama por inocência relativamente a um crime de tráfico de estupefacientes.

B - Intensidade do dolo – O crime em causa é, necessariamente, doloso: ''As formas mais graves do ilícito subjectivo funcionam como circunstância agravante e as menos graves como circunstância atenuante, assim, o dolo directo é mais grave do que o dolo necessário ou o dolo eventual e o dolo necessário é mais grave do que o dolo eventual.'' [[53]]

Uma vez que o recorrente agiu com dolo directo, (artº 14º, nº 1 do C. Penal), estamos perante a forma mais grave do tipo subjectivo, ou seja, verifica-se mais uma agravante.

C - Personalidade do agente e conduta anterior.
É sublinhada correctamente na decisão recorrida a multiplicidade de antecedentes criminais (recorde-se que o recorrente tem averbadas no seu CRC 4 condenações criminais, por delitos polítropos, duas concretizadas em penas de multa e duas já em penas de prisão suspensas na sua execução – fls. 3307). Estes antecedentes criminais dão uma clara indicação de que o perigo concreto, efectivo e próximo da prática pelo recorrente de novos crimes é uma realidade a ter em conta na determinação da medida da pena. Com efeito, infere-se de tudo o anteriormente afirmado que o arguido não aproveitou minimamente as oportunidades que lhe foram dadas, vindo a reiterar comportamentos criminalmente desviantes, aparentando ser imune às penas não reclusivas que lhe foram aplicadas, bem como à circunstância do aumento progressivo da respectiva severidade, quer na perspectiva da sua educação para o direito (socialização), quer na perspectiva da advertência individual ou de segurança. A este propósito, parece-nos especialmente significativo (circunstância também colocada devidamente em relevo na decisão recorrida) que o recorrente tenha praticado o crime pelo qual foi agora condenado «logo após» (ou seja, concretamente, menos de 3 meses[[54]] após o trânsito da decisão de condenação em pena de prisão suspensa anterior), o que é um evidente índice de desprezo absoluto pela eficácia preventiva desta mesma decisão.

Por último, concorda-se igualmente com o tribunal a quo quando afirma que, a título de prevenção geral, o crime em causa é um dos que maior alarme social suscitam e ao qual se encontra associado um sem número de ilícitos penais vulgarmente designados como de «criminalidade secundária». Com efeito, ''[d]e acordo com estudos conhecidos, é manifesta a relação entre a toxicodependência e o crime. Na verdade, as pulsões do toxicodependente impelem-no para a prática de crimes contra o património, furtos e roubos principalmente, a tal ponto que em estudo recente, concluiu-se que 72,90% das situações de privação de liberdade em meio prisional, se devem directa ou indirectamente ao consumo de estupefacientes.''[[55]]

Deste modo, valora-se uma clara preponderância das circunstâncias agravantes, em particular (mas não só) as circunstâncias relativas ao facto, pelo que a pena concreta aplicada, situada apenas no limite superior do 1º quarto da moldura punitiva abstracta, traduz uma decisão legalmente escorada.

Quanto à solicitada suspensão de execução da pena, devemos atender à norma que define os respectivos pressupostos:

Artigo 50º [[56]]

Pressupostos e duração

1 - O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

A operatividade do instituto depende, pois, da verificação de pressupostos formais e materiais[[57]].

Considerando que a pena fixada foi de 6 anos de prisão, resulta desde logo evidente que não se mostra preenchido o respectivo pressuposto formal, o que impede a aplicação do instituto.

Pelo exposto, a pena em que o recorrente foi condenado na 1ª instância mostra-se adequada e obedece aos comandos legais aplicáveis, não merecendo qualquer censura.

Consequentemente, improcede in totum o recurso do arguido.

Vencido no recurso, deverá o arguido suportar o pagamento das custas respectivas, fixando-se a taxa de justiça em quatro unidades de conta (artigos 513º, nº 1 e 514º nº 1 do CPP e 82º, nº 1 e 87º, nº 1, al. b) do Código das Custas Judiciais).

I - Recurso interposto pelo MP.

1 – Impugnação da matéria de facto.

O recorrente coloca em causa a absolvição do Arguido NS, por não ter ficado provado que o haxixe apreendido nos autos lhe era destinado, entendendo que as escutas telefónicas (que valem como prova documental) e as circunstâncias em que ocorreu a apreensão da droga não deixarem «qualquer dúvida» da sua comparticipação nos factos provados.

Dão-se aqui por reproduzidas as considerações teóricas sobre os requisitos da impugnação da matéria de facto tecidas a propósito do recurso do arguido FM.

Desde logo cumpre sublinhar que o recorrente começa por afirmar (fls. 2 da sua motivação – fls. 3423 dos autos) que considera que existem provas que permitem outra decisão. No entanto, como acima vimos, a lei, (artº 412º, nº 3, alínea b) do CPP) para a procedência da impugnação da matéria de facto, exige que se especifiquem as provas que impõem e não as que permitam decisão diversa. Assim, é o próprio recorrente que reconhece, implicitamente, não satisfazer as condições legais necessárias ao êxito da impugnação da matéria de facto que deduz.

De qualquer forma, sempre se dirá:

Após reprodução de alguns factos considerados provados na decisão sob censura (fls. 3423/4), o recorrente afirma que por várias vezes e em momentos que antecederam a apreensão de droga, o arguido J contactou o arguido N, dando-lhe conta do que se estava a passar e sendo que tais conversas ''são sinal'' de que este último estava ''ao corrente'' dos acontecimentos, sabendo que estava em causa um transporte de droga. Como o próprio recorrente reconhece, trata-se (apenas) de um ''sinal'', insusceptível de fornecer a certeza/segurança necessárias para a prova de um facto em processo criminal, maxime, o facto de a droga apreendida se destinar ao arguido N. Mais afirma o recorrente que é ''inaceitável'' defender (como se faz no acórdão recorrido) a necessidade de, para imputar o crime ao mencionado arguido, sedimentar o teor das escutas telefónicas com diligências complementares, tendo em vista a concretização do seu teor, putativo ou real: para fundamentar o seu entendimento, o recorrente invoca a dinâmica da situação de facto, que ''não permitia a realização de qualquer outra diligência de prova relevante e que pudesse «comprovar» o que resultava das conversações referidas'', (…) ''dado que a droga foi apreendida antes de chegar ao aludido destino''.

Quanto a isto, devemos salientar que nos parece um vício de raciocínio extrair directamente de uma eventual impossibilidade de realizar outras diligências de prova um juízo de suficiência dos ''sinais'' que um meio de obtenção de prova possa fornecer relativamente à prova efectiva de determinado facto: repare-se que se diz que o teor das escutas era suficiente porque não havia outras diligências de prova, sem se procurar demonstrar, não a invocada insuficiência, mas sim a suficiência do teor daquele meio de obtenção de prova para a efectiva prova do crime.

A afirmação de que a exclusão da responsabilidade do arguido em causa é destituída de razoabilidade é, ela própria, uma afirmação que carece em absoluto de demonstração, que, aliás, o recorrente nem intenta efectuar, podendo, até, efectuar-se a seguinte reflexão, conducente precisamente ao contrário do afirmado: porque não prosseguiu[[58]] a perseguição policial dissimulada, até a previsível (implícita na tese do recorrente) entrega da droga ao arguido NS, assim se podendo comprovar a sua participação no crime, através da efectiva prática de actos de execução do mesmo? Aliás, em relação aos factos não provados, deve sublinhar-se o seguinte: o que não ficou provado não foi (como o recorrente indica na sua motivação – fls. 3423 dos autos) que «''a mochila que continha estupefaciente'' era para lhe[[59]] ser entregue» mas sim que «o seu[[60]] objectivo fosse o de entregar a mochila que continha estupefaciente ao arguido NS» (fls. 16 do acórdão recorrido – 3311 dos autos). Estamos, pois, no domínio de uma intenção do arguido JB e não no domínio da prática dos actos materiais de execução previstos no artº 21º do DL 15/93. Quanto a circunstâncias que conduzissem à prova inequívoca e segura da existência de actos de execução do crime, para além do teor das escutas (e de uma invocada interpretação de um agente policial sobre o respectivo teor), nada se diz. Aliás, segundo o recorrente, teria resultado provado que o arguido N, a partir do local onde se encontrava estava a controlar o circuito da droga, pretendia recebê-la e auferir proventos económicos, tendo executado actos tendentes a que a mesma chegasse ao seu poder: estão, porém, aqui em causa conclusões e factos sem que sequer seja indicado qualquer suporte concreto na prova produzida: o que é ''controlar o circuito da droga''?; que ''proventos económicos'' pretendia o arguido auferir?; que ''actos tendentes a que a mesma chegasse ao seu poder'' executou?

Por último, quando o recorrente refere que a conduta não pode considerar-se inócua dado que o crime se consuma com a tutela antecipada, está-se a referir ao carácter exaurido deste tipo de crime, uma vez que, como salientámos supra, basta a prática de um qualquer acto de execução para a incriminação do agente, independentemente de corresponder à execução completa do facto – é meridianamente claro que, sem a imputação de qualquer acto de execução, estamos fora do ''âmbito da norma incriminadora'' (expressão do recorrente).

Assim, mostrando-se a asserção do recorrente destituída de qualquer fundamento, a correspondente afirmação de que a decisão recorrida, nesta parte, viola os critérios legais decorrentes da previsão normativa ínsita nos artigos 374º, nº 2 e 127º do CPP não se mostra escorada em quaisquer razões válidas. Tal conclusão também se aplica, intocada, ao invocado vício de erro notório na apreciação da prova (artº 410º, nº 2, alínea c) do CPP): a existir erro notório, não é seguramente na avisada e prudente apreciação da prova mas sim na invocação de qualquer vício à mesma inerente.

O recurso improcede nesta parte, mantendo-se integralmente o acervo factual provado/não provado constante da decisão recorrida.

2 – Impugnação da matéria de direito. (forma de comparticipação de arguido JP)

Segundo o recorrente, este arguido é co-autor e não cúmplice, uma vez que não se ter limitou a disponibilizar o veículo para o transporte de droga e que desempenhou papel fundamental no transporte de droga, ao conduzir o veículo.

Diremos desde já não concordar com a tese do recorrente.

Com efeito, entendemos que, face aos factos provados o aludido arguido actuou como mero cúmplice e não como co-autor. É de referir que o acervo fáctico provado relevante (fls. 3305) a este arguido atinente traduz-se na condução do veículo que disponibilizou para o transporte da droga apreendida, tendo conhecimento da existência desta.

Com efeito, nos termos do artº 27º, nº 1 do C. Penal, é punível como cúmplice quem dolosamente e por qualquer forma prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso.

No caso dos autos, temos a considerar que, efectivamente, o arguido prestou auxílio material à prática do crime, fornecendo um automóvel para o transporte da droga e conduzindo-o.

Como escreveu Figueiredo Dias[[61]], o chamado auxílio material existe quando o acto de cumplicidade aumenta as hipóteses de realização típica por parte do autor. A delimitação do conteúdo executivo máximo da cumplicidade relativamente à co-autoria realiza-se através da prova de circunstâncias que indiquem existir ou não o denominado domínio do facto: só deve considerar-se excluída a cumplicidade e preenchida a co-autoria quando o agente executa, por si, ''todos os elementos do tipo, agindo de forma plenamente responsável.''[[62]]

No caso dos autos, a conduta imputada a este arguido sem dúvida alguma que foi de molde a aumentar o risco de lesão do bem jurídico tutelado, ao facilitar o transporte da droga efectivamente detida pelos autores material do crime. No entanto, a sua actuação traduziu-se num mero auxílio, não essencial à prática do crime.

Improcede, pois, também nesta parte o recurso.

Segundo o recorrente, a manter-se a cumplicidade, a pena de prisão fixada não pode ficar suspensa na sua execução.

Vejamos.

Como acima vimos, a operatividade do instituto depende da verificação de pressupostos formais e materiais.

A este propósito, pode ler-se no Acórdão da RC proferido no Processo 228/07.2GAACB.C1 e relatado pelo Sr. Desembargador Jorge Dias (disponível em www.dgsi.pt): A suspensão da execução da pena é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que deve ser decretada se (e somente se), o julgador concluir que a simples censura do facto e ameaça da pena realizam de forma adequada as finalidades da punição, isto é a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, tal como aponta o artº 40, nº 1 do C. Penal. A aplicação desta medida de excepção (suspensão), não é automática, sendo essencial a demonstração de que das circunstâncias que acompanharam a infracção, se não induza perigo da prática de novos crimes, sempre sem olvidar os fins das penas e nomeadamente as necessidades da prevenção. 


Cumpre sublinhar que, como acima mencionámos e se encontra devidamente assinalado na decisão recorrida, muito embora se mantenham válidas as considerações sobre as circunstâncias agravantes valoradas a propósito dos arguidos FM (acima referidas) e JB, este arguido contribuiu para o apuramento da verdade, é delinquente primário e inexistem notícias que levem a crer não se encontrar socialmente integrado.

Ao prognóstico favorável inerente à operatividade do instituto ''… não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade ou só das circunstâncias do facto – o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.''[[63]]

Apesar de o tribunal efectuar um prognóstico favorável à luz de considerações exclusivas de prevenção especial, pode obstar ao decretamento da suspensão se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime, ou seja, se considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico[[64]] obstarem à operatividade concreta do instituto.

Já vimos que o crime em causa suscita fortíssimas preocupações de prevenção geral, quer pela destruição das vidas de inúmeros consumidores, quer pela criminalidade associada à toxicodependência. No entanto, entendemos que também para a valoração positiva/negativa (tendo em vista a operatividade do instituto) de considerações de prevenção geral, devem ser levadas em conta as características concretas do crime e a forma de participação concreta no mesmo.
Deste modo, não obstante as circunstâncias ''gerais'' do crime negativamente relevantes para a prevenção geral (maxime a quantidade da droga), entendemos que a qualidade da droga (de características menos gravosas para a saúde do que outro tipo de drogas), a forma de participação no crime (cumplicidade), a ausência de antecedentes criminais, a circunstância de aquele, aparentemente, estar socialmente integrado e o seu contributo para o apuramento da verdade traduzem um núcleo circunstancial a que deve ser dada preponderância, uma vez que, como se deduz do acima citado, o prognóstico favorável subjacente ao instituto deve ser feito nuclearmente tendo em atenção considerações de prevenção especial de socialização, não se podendo dizer que, em concreto, o efectivo cumprimento de uma pena de prisão por parte deste arguido é necessário para a defesa do ordenamento jurídico.

Consequentemente, o decretamento da suspensão da execução da pena em que o arguido foi condenado mostra-se legalmente fundamentado, improcedendo também o recurso nesta parte.

Medida das penas.

Entende o recorrente que os Arguidos JB, FM e JP deveriam ter sido condenados numa pena de 7 anos de prisão (quanto a este arguido, afirma-se que a pena deveria, pelo menos, ser superior a 5 anos de prisão – conclusão 14ª).

Reproduzem-se aqui, quanto a todos os arguidos, as considerações teóricas que tecemos a propósito do recurso do arguido FM relativamente à medida da pena, bem como as considerações concretas relativamente às circunstâncias comuns aos três arguidos.

Assim, mostrando-se, como acima salientámos, ajustada a pena do arguido FM, há que discorrer sobre as razões que fundamentaram a diferenciação das penas.

Desde logo, em face do disposto no artº 71º, nº 2, alínea e) do C. Penal, confessamos a nossa perplexidade relativamente à pretensão do recorrente em fixar, para aquilo que designa por um ''grau de participação idêntico'', uma pena igual para os três arguidos, uma vez que os mesmos têm um passado criminal perfeitamente distinto entre si.

Com efeito, desde logo, o grau de participação não foi igual, como acima vimos. Por outro lado, quanto ao arguido JB, o seu passado criminal, como se salienta na decisão recorrida, traduz-se numa única condenação por crime polítropo, tendo decorrido já um intervalo apreciável de tempo, quer entre a prática dos factos que lhe deram origem, quer da própria condenação. Ainda se sublinha o seu contributo ''medianamente relevante'' para o apuramento da verdade''.

Entendemos que estas duas circunstâncias fundamentam de forma clara e normativamente sedimentada uma diferenciação na fixação da pena deste arguido e do arguido FM, que, recorde-se, tem averbadas no seu CRC 4 condenações criminais, duas já em penas de prisão suspensas na sua execução, tendo este arguido praticado o crime pelo qual foi agora condenado pouco tempo após o trânsito da decisão de condenação na pena de prisão suspensa anterior tendo sido o seu contributo para o apuramento da verdade dos factos nulo. Por último, quanto ao arguido JP, as circunstâncias de ser delinquente primário e de ter contribuído (ainda que hesitantemente) para o apuramento da verdade fundamentam, de forma normativamente assertiva, a fixação da sua pena, atenta a moldura punitiva abstracta decorrente da sua participação a título de cumplicidade (fls. 3385 dos autos).

Assim, improcede o recurso, tal como quanto às demais questões, também nesta parte.

3. Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

I – Quanto ao recurso do arguido FM negar-lhe provimento, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.

II – Quanto ao recurso do MP, negar-lhe provimento, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.

Sem custas, por isenção do recorrente.

(Processado em computador e revisto pelo relator)

Évora, 12 de Abril de 2011

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(Edgar Gouveia Valente - relator por vencimento)
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(Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz – anterior relatora, com voto de vencido em anexo)
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Voto vencida pelas seguintes razões, que integravam a “Fundamentação” do projecto de acórdão de que inicialmente era relatora:

II. FUNDAMENTAÇÃO

(…)
NULIDADE DAS INTERCEPÇÕES TELEFÓNICAS

Neste domínio, a argumentação do Recorrente FM radica na autorização de escutas telefónicas com base em denúncia anónima não confirmada e na violação dos princípios da necessidade e subsidiariedade.

Na 1ª Instância, o Ministério Público, pugnou pela sanação de tal nulidade, caso se entenda que ocorre, por não ter sido invocada no prazo de cinco dias após a notificação do despacho que encerrou o inquérito. E lembrou que a mesma questão foi também colocada no decurso da audiência de julgamento, dando lugar a decisão que entendeu não ocorrer qualquer nulidade, decisão esta, entretanto, transitada em julgado.

Com interesse para a decisão, os autos fornecem os seguintes elementos:

Com data de 14 de Novembro de 2008, na Esquadra de Investigação Criminal de Setúbal, foi elaborado “Relatório” que consta de fls. 1 a 4, com o seguinte teor:

« I
Resulta o presente das diligências efectuadas por este OPC, no seguimento de informações recolhidas por este Departamento Policial, no âmbito de actividades delituosas, concretamente tráfico de produtos estupefacientes, efectuadas por um ou mais indivíduos.

É do conhecimento comum que tal actividade, além de ilícita, provoca nas populações, e neste caso em particular na sociedade onde nos inserimos, grande sentimento de alarme social, ao qual não deixa de ser alheio os efeitos nefastos causados a quem, movido por vício ou qualquer outro factor, se dedica ao consumo de tais substâncias.

Considera-se, portanto, de extrema importância, a realização das acções abaixo descritas, com vista ao combate deste tipo de criminalidade.

II
Foi recolhida por este OPC, através de um indivíduo que, devido ao receio que a sua integridade física, da sua família e conhecidos seja posta em causa, preferiu manter o anonimato, uma informação que menciona uma actividade ilícita de tráfico de estupefacientes, mais precisamente Cocaína e Heroína, perpretada por um indivíduo cujo nome se desconhece, mas sabe-se que se trata de um indivíduo negro, de alcunha “Baldé”, de nacionalidade Guiniense, com cerca de 50 anos de idade, com cabelo grisalho, que reside na Rua Dr…... em Setúbal. O mesmo foi indicado como principal fornecedor daquela zona, vendendo estupefacientes a indivíduos tais como AM, de alcunha “Sida”, o qual já foi detido por tráfico de estupefacientes sob NUIPC ---/03.0PCSTB, um outro indivíduo de alcunha “Viriato”, desconhecendo-se mais dados acerca do mesmo, ambos referenciados como traficantes estupefacientes na zona da Bela Vista, e outros indivíduos não identificados, os quais efectuam vendas directas aos consumidores.

Segundo informação, o indivíduo “Baldé” recebe o estupefaciente através de um indivíduo negro, oriundo também da Guiné Bissau, com cerca de 40 anos de idade, cabelo rapado, com compleição física forte, e que se faz transportar num veículo de marca Nissan, modelo Terrano, de cor verde, com a matrícula ----IG, propriedade de BS, residente na Praceta-----, Faro. A mesma fonte mencionou que a viatura em questão é sempre conduzida por um indivíduo mais velho, de etnia negra, cuja identidade se desconhece, sendo que o hipotético fornecedor circula sempre no lugar do passageiro (frente, lado direito). O mesmo é suspeito de ter residências na cidade de Almada e na zona do Algarve, em locais por determinar.

III
Tendo como base de sustentação as informações atrás mencionadas e a de que iria haver contacto pessoal entre os dois indivíduos Guinienses para transacção de droga, este OPC procedeu à realização de vigilâncias ao local onde foi indicado como sendo o de contacto do indivíduo fornecedor com o “Balde”. Das vigilâncias realizadas importa extrair algumas inferências, a saber:

1. No dia 7-11-2008 foi montado um dispositivo de vigilância ,,,,, em Setúbal, frente ao nº 1, tendo sido possível observar a viatura de matrícula ….-IG chegou ao local pelas 22H00, onde se faziam transportar 02 indivíduos de raça negra, sendo que o condutor aparentava ter cerca de 65 anos de idade, com cabelo grisalho e óculos. Ao seu lado, no banco do passageiro encontrava-se um indivíduo negro, com cerca de 40 anos de idade, com compleição física forte, e careca. O condutor estacionou a viatura, e ambos abandonaram o veículo, dirigindo-se para o interior do nº 1 daquela artéria;

2. No dia 10-11-2008 foi montado um dispositivo de vigilância na Rua …. em Setúbal, frente ao nº 1, pelas 17H30, local onde se encontrava já estacionado, sensivelmente a meio da artéria, o veículo de matrícula ----IG. Importa salientar que foram avistados a dirigirem-se para as imediações do nº 1 da Rua ----, vários indivíduos suspeitos de serem traficantes de produtos estupefacientes, entre os quais o AM, conhecido como “Sida”.

IV
Segundo informação recolhida, o suspeito “Baldé” contacta única e exclusivamente com o seu fornecedor, fazendo uso do seu telemóvel com o nº ----. Por seu lado o fornecedor (até ao momento não identificado) faz uso do aparelho telefónico da operadora de comunicações móveis “TMN” com o nº ---. A mesma fonte menciona ainda que os contactos entre o “Balde” e os compradores que lhe adquirem produtos estupefacientes para posterior venda/distribuição é feito da mesma forma ou através de deslocações à sua residência, contudo, tais deslocações nunca se verificam senão precedidas de contactos telefónicos. Tal modo de actuação torna bastante difícil, senão impossível, proceder a uma recolha efectiva e inequívoca de indícios com valor probatório que permitam inferir com exactidão tal actividade ilícita.

V
No âmbito da troca de informações entre OPC’S foi cumprido o protocolo com a DCITE, da polícia Judiciária, onde se verificou que sobre os suspeitos e seus contactos telefónicos não existem quaisquer investigações pendentes, pelo que, tendo em linha de conta que os mesmos se dedicam ao tráfico de estupefacientes em moldes que se enquadram no regime de venda directa ao consumidor, não existe qualquer inconveniente na realização de actos de inquérito.

VI
Assim, e porque tal se afigura como ferramenta essencial à descoberta dos factos materiais e apuramento das respectivas responsabilidades penais dos intervenientes, sugere-se a Vª. Exª. a promoção das seguintes diligências a realizar por este OPC:
(…)
2. intercepção e gravação das conversações e comunicações telefónicas mantidas de e para os números ~~~~~~, utilizado pelo suspeito “Baldé” e ----, utilizado por suspeito não identificado, ambos da operadora de comunicações móveis “TMN”.
(…)
NOTA: Atendendo á informação recolhida por este OPC, e á experiência colhida na investigação deste tipo de ilícito, solicita-se a Vª Exª que, tanto quanto possível, seja célere na promoção das diligências pedidas neste Relatório, em virtude de os indivíduos suspeitos de efectuarem tráfico de estupefacientes, os quais contactam maioritariamente por telefone, trocarem regularmente de número com o intuito de se furtarem a este tipo de investigação.»

O mencionado “Relatório” deu entrada na Secretaria do Ministério Público, junto do Tribunal de Setúbal, no dia 18 de Novembro de 2008, acompanhado:

- de documento do registo automóvel relativo ao veículo ligeiro de passageiro de matrícula ---IG, de marca Nissan, modelo Terrano II R20, de cor verde, onde consta como seu proprietário BS residente na Praceta----, em Faro, titular do Bilhete de Identidade com o número ------ – fls. 5;

- de pedido de informação enviado pelo Comando de Polícia de Setúbal à Polícia Judiciária (DCITE) e respectiva resposta, via fax, relativamente a investigação pendente contra o indivíduo conhecido por “Baldé” e o utilizador do veículo automóvel de matrícula -----IG – fls. 6 a 10.

Com data de 20 de Novembro de 2008, foi elaborada pelo Ministério Público a promoção que consta de fls. 12 a 15, com o seguinte teor:

« 2. As Escutas Telefónicas
Decorre da análise dos autos que, neste momento, e de acordo com a vigilância que a PSP se encontra a fazer na sequência de uma denúncia anónima, os factos constantes do auto são susceptíveis de integrar o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º do Decreto-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro. Os autores de tal factualidade são os suspeitos “Balde”, AM (de alcunha “Sida”) e um outro denunciado apenas referido através da sua alcunha “Viriato”.

Foi, ainda, possível apurar o telemóvel do denunciado “Baldé” – que tem o número ---- – e do seu fornecedor de produto estupefaciente (um quarto indivíduo de identidade completamente desconhecida) que utiliza o telemóvel com o número ------.

Afigura-se-nos muito útil às averiguações em curso – por ser a única forma capaz de entender o modus operandi – a realização de escuta telefónica aos dois referidos telemóveis dos suspeitos a fim de verificar com exactidão os factos praticados e recolher elementos de prova sobre a sua actividade passada e futura nesse domínio.

O crime investigado é punido com pena de prisão de máximo superior a 3 anos.

Nos termos do disposto no artigo 187º, nº 1, do Código de Processo Penal, a admissibilidade de escutas telefónicas só pode ser ordenada pelo Mmº Juiz de Instrução.

Assim, concluam-se urgentemente os autos ao mesmo a fim de ser determinada a realização de escuta telefónica aos telemóveis da operadora TMN com os números ------ e ------, com observância das formalidades previstas pelo art. 188º do Código de Processo Penal.

Para tal solicita-se a autorização da intercepção e gravação das conversas telefónicas, a localização celular, o registo de “trace back” e a facturação detalhada relativa ao último mês.

Atento o bom andamento da investigação solicita-se o prazo de 30 dias para a realização de tais escutas telefónicas.»

Tal pretensão foi apreciada e deferida pela Senhora Juiz de Instrução Criminal, a 24 de Novembro de 2008, conforme consta do despacho de fls. 18 e 19, que se transcreve:

«Investigam-se nos presentes autos factos susceptíveis de, em abstracto, integrarem o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, de que são suspeitos “Balde”, “Viriato” e AM, conhecido por “Sida”.

Dos elementos coligidos a fls. 1 a 5, resultam sérias suspeitas de que “Balde”, “Viriato” e “Sida” procedem à venda directa ao consumidor de produto estupefaciente, designadamente heroína e cocaína, recorrendo ao contacto telefónico para a prática de tal actividade, o que dificulta a realização das diligências tendentes a confirmar as suspeitas existentes.

Assim, porque tal se afigura essencial às finalidades da presente investigação, ao abrigo do disposto os artigos 269º, n.º 1, alínea e) e 2, 187º, n.º 1, alínea b) e 188º, todos do Código de Processo Penal, determino que se proceda à intercepção e gravação das conversações telefónicas, comunicações por fax e SMS efectuadas de e para os nº ---- e ----, pelo prazo de 30 (trinta) dias.

Oficie em conformidade à TMN, solicitando ainda o registo de trace back, localização celular e intercepção dos IMEI’s, bem como o envio da facturação detalhada das comunicações recebidas e efectuadas de e para os referidos números no mês de Outubro de 2008.

Antes de se iniciar a intercepção deverá ser-me dado conhecimento imediato e, após, ser dado cumprimento ao disposto no artigo 188º do Código de Processo Penal.»

No decurso da audiência de julgamento – 1ª sessão, que teve lugar no dia 26 de Abril de 2010 –, conforme consta da acta de fls. 2886 a 2896:

O Mandatário do Arguido NS, no uso da palavra que lhe foi concedida, disse:

«Quanto à nulidade das escutas telefónicas
1. Decorre dos autos que as intercepções telefónicas foram o meio de obtenção de prova preferencialmente usado nos presentes autos. Aliás, cremos, com alguma certeza, ter sido mesmo o único meio de obtenção de prova que a P.S.P. de Setúbal pretendeu utilizar.

2. Vejamos, do relatório elaborado pela P.S.P. e junto aos autos a fls. 2 e ss., é-nos veiculada a informação de que haviam sido realizadas duas vigilâncias, uma no dia 7, outra no dia 10, ambas do mês de Novembro de 2008.

3. Consultados os autos, e sempre com o devido e maior respeito pelo O.P.C. em causa, teremos que colocar em causa tal informação e invocar a irregularidade de como a mesma consta dos autos. Assim, como é consabido, todas as vigilâncias que qualquer O.P.C. leve a cabo, são reduzidas a auto, até mesmo para que tal diligência não seja colocada em causa e possa ser considerada como prova no futuro.

4. Não existe dos autos qualquer notícia formal de que as diligências referidas tenham ocorrido e, daí, sentirmo-nos com alguma legitimidade para afirmar que as mesmas serviram apenas e somente como forma de lançar, desde logo, mão das escutas telefónicas.

5. Assim, e porque se nos afigura ter existido uma violação clara dos princípios orientadores das intercepções telefónicas, nomeadamente os constantes do art.º 187.º, do C.P.P., um vez que nenhuma outra diligência foi, cabalmente, levada a cabo.

6. Os O.P.C. não podem, após a notícia do crime, solicitar de imediato autorização para realizar escutas telefónicas sem que primeiro se fundamente que os meios de investigação, até então usados, não são os adequados e proporcionais “stricto sensu” para prevenir e investigar o crime sub Júdice.

7. Noutro plano, e resulta do mesmo relatório, aliás, curiosamente, resulta de quase todos os processos cujos O.P.C. pretendem iniciar investigação, “… que terá sido um indivíduo que, devido ao receio da sua integridade física, da sua família e conhecidos seja posta em causa, preferiu o anonimato” e daí normalmente discorre toda a informação que se tem por conveniente. É de estranhar que sempre assim se comece, mas sentimo-nos com legitimidade de questionar de quem essa pessoa sentiria receio de represálias. Seria do O.P.C.?

8. O facto é que, de um indivíduo misterioso, nasce a informação para que todo o processo tenha início, inclusivamente com referência a dois números de telefone que, desde logo e na mesma informação de serviço se ousa, desde logo, sugerir promoção para venham a ser interceptados. Não podemos deixar de estranhar e de fazer referência aos moldes como tudo começa, realçando-se a violação dos mais elementares princípios ordinários e constitucionais respeitantes às intercepções telefónicas.

9. Crê-se ser legítimo por parte de todos os arguidos, pretender saber-se quem foi o indivíduo que facultou tal informação, pois só dessa forma será possível exercer-se cabalmente o exercício do contraditório e acima de tudo concluir-se sobre a legalidade da obtenção da prova carreada para os autos, nomeadamente se a mesma terá ocorrido dentro dos moldes do art.º 126º, do C.P.P..»

Pelo Ministério Público, em resposta, foi dito:

«I – Tanto quanto se crê, o suscitado pela defesa do arguido NS implica dois tipos de situações, a saber: a existência de irregularidades processuais e nulidades processuais.

Todos esses eventuais vícios, a existirem, reportam-se à fase do inquérito, que os sujeitos processuais tiveram conhecimento, aquando do encerramento do inquérito.

Assim sendo, considera-se que os mesmos não foram suscitados em tempo, pois impunha-se à defesa do mesmo arguido suscitá-los na fase processual idónea, e não em plena primeira sessão do julgamento.

Assim sendo, considera-se manifestamente extemporâneo o que a defesa ora suscita, devendo ser, por isso, indeferido “in totum” o requerido.

II – Quanto à nulidade das escutas, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (S.T.J.) tem distinguido, de forma uniforme, de que uma coisa é a preterição de formalidades das próprias escutas, outra coisa é os trâmites processuais dessas mesmas escutas, o que nem tudo implica a existência de nulidade, tendo em vista o disposto no art.º 190º, do C.P.P..

Aliás, a jurisprudência do S.T.J. tem defendido que, quanto às nulidades “processuais”, as mesmas devem ser suscitadas no prazo a que alude a al. c), do n.º 3 do art.º 120º, do C.P.P., por se tratarem de nulidades respeitantes à fase do inquérito (cfr. Acórdão do S.T.J., de 07-03-2007).

Nestes termos, mesmo a assistir razão ao arguido quanto à nulidade suscitada, é manifesto que a mesma não está em tempo, uma vez que se reporta àquilo que processualmente foi realizado em fase de inquérito.
(…)

IV – Por tudo o exposto, se requer seja indeferido o que foi suscitado pela defesa do arguido NS.»

Foi, então, proferido despacho pela Senhora Juiz Presidente do Colectivo, com o seguinte teor:

«Como é bem sabido;

Vigora em matéria de nulidades processuais o princípio da tipicidade, sendo certo que, o regime da arguição respectiva (por via do preceituado pelo art.º 190º, do C.P.P.) é aquele que consta no art.º 120º, do mesmo compêndio normativo.

Ora;

A admitir-se como nulidade aquela que assim é nominada pelo arguido NS, seria esta, indubitavelmente, nulidade de inquérito, a qual haveria que ter sido arguida pelos interessados no momento processual oportuno, como previsto no art.º 120º, n.º 3, al. c), do mesmo compêndio normativo.

E, desse modo;

Mesmo assim considerando (isto é, não a considerando como mera irregularidade), o prazo para arguição da mesma, quer por via do citado art.º 120º, quer por via do art.º 123º, do C.P.P. precludiu, a partir do momento em que se iniciou a fase de julgamento.
(…)
Razões pelas quais, sem ulteriores delongas, se decide:

Indeferir, “in totum” o requerimento apresentado pelo arguido NS.
Notifique.»

Conhecendo.

A questão em análise aconselha se indiquem, desde já, as regras que permitem a sua resolução.

Da Constituição da República Portuguesa

Artigo 26.º [Outros direitos pessoais]

«1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
(…)»

Artigo 32.º [Garantias de processo criminal]

«(…)
8. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
(…)».

Artigo 34.º [Inviolabilidade do domicílio e da correspondência]
«1. O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis.
(…)

4. É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais meios de comunicação, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.»

Artigo 18.º [Força jurídica]

«1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.

2. A lei só pode restringir direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial de direitos fundamentais.»

Artigo 205.º [Decisões dos tribunais]
«1. As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
(…)»

Do Código de Processo Penal

Artigo 187.º [Admissibilidade (das escutas telefónicas)]

«1 – A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas durante o inquérito, se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público, quanto a crimes:
a) Puníveis com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos;
b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;
c) De detenção de arma proibida e de tráfico de armas;
d) De contrabando;
e) De injúria, de ameaça, de coacção, de devassa da vida privada e perturbação da paz e do sossego, quando cometidos através de telefone;
f) De ameaça com a prática de crime de abuso e simulação se sinais de perigo; ou
g) De evasão, quando o arguido haja sido condenado por algum dos crimes previstos nas alíneas anteriores.
(…)
4 – A intercepção e a gravação previstas nos números anteriores só podem ser autorizadas, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, contra:
a) Suspeito ou arguido;
b) Pessoa que sirva de intermediário, relativamente à qual haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens destinadas ou provenientes de suspeito ou arguido; ou
c) Vítima de crime, mediante o respectivo consentimento, efectivo ou presumido.
(…)
5 – A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações são autorizadas pelo prazo máximo de três meses, renovável por períodos sujeitos ao mesmo limite, desde que se verifiquem os respectivos requisitos de admissibilidade.
(…)»

Artigo 190.º [Nulidade]
«Os requisitos e condições referidas nos artigo 187º, 188º e 189º são estabelecidos sob pena de nulidade.»

Artigo 125.º [Legalidade da prova]
«São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.»

Artigo 126.º [Métodos proibidos de prova]

«1 – São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa à integridade física e moral das pessoas.
(…)
3 – Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
(…)»

Artigo 97.º [Actos decisórios]
«(…)
5 – Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.»

A intercepção de conversações ou comunicações telefónicas – doravante, escutas telefónicas – é um meio de obtenção de prova que se caracteriza pela sua natureza dissimulada e oculta, com enorme eficácia para a investigação.

Tem-se assistido a um aumento progressivo da utilização das escutas telefónicas, associado a novas formas de criminalidade – terrorismo, tráfico de armas e de droga, crimes económicos – caracterizadas pela organização mais elaborada\refinada e que acarretam maior dificuldade ao nível da repressão.

As escutas telefónicas constituem expediente exclusivo do processo penal, de natureza excepcional, devido à sua potencialidade danosa.

«No panorama dos meios de obtenção de prova, as escutas telefónicas sobressaem (…), para além da sua eficácia do ponto de vista da perseguição penal, pela sua manifesta e drástica danosidade social. Isto atento quer o número de direitos e interesses atingidos, quer a gravidade da respectiva lesão.»[[65]]

«A afirmação da danosidade qualificada dos meios ocultos de investigação configura hoje um dado consensual e pacífico e intersubjectivamente estabilizado, sendo como tal recorrente e sistematicamente proclamado por autores e tribunais.

(…) esta danosidade qualificada começa por aflorar no número e eminência dos bens jurídicos ou direitos fundamentais directamente atingidos (…): a privacidade inclusivamente na área nuclear e inviolável da intimidade, o direito à palavra, o direito à imagem, à autodeterminação informacional, a inviolabilidade do domicílio e das telecomunicações, o sigilo profissional (…). A par destes bens jurídicos ou direitos fundamentais de étimo prevalentemente material-substantivo, os meios ocultos de investigação atingem igualmente direitos de natureza adjectivo-processual, que configuram outras tantas “instituições” (…) irrenunciáveis do processo penal do Estado de Direito. Como: o privilege against self- incrimination (…), direito a recusar depoimento (…). A danosidade ganha também uma expressão marcante no plano subjectivo, isto é, na sua tendência para alastrar (…) atingindo um universo incontrolável de pessoas que estão muito para além dos que à partida poderiam figurar como suspeitos ou destinatários.

Acresce a circunstância de os atentados aos direitos fundamentais e aos bens jurídicos ocorrerem sistemática e invariavelmente à margem do conhecimento das pessoas concretamente atingidas. Que, por vias disso, não podem sindicar tempestivamente a legalidade e admissibilidade da medida nem opor-se à sua realização. (…) a pessoa atingida por uma medida oculta não tem a possibilidade fáctica de se opor à medida antes da sua realização. Assiste-lhe, é certo, a possibilidade de reagir a posteriori, se e quando vier a ter conhecimento da sua ocorrência. O que nem sempre se dá. E quando se dá, já a danosidade se terá consumado, muitas vezes de forma irreversível.»[[66]]
Acarretando as escutas telefónicas a compressão\restrição de direitos fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa [artigos 26.º, n.º 1, e 34.º, n.os 1 e 4 – em especial, reserva da vida privada, inviolabilidade das telecomunicações (garantia da reserva da vida privada) e direito à palavra] e de garantias de defesa que se manifestam no estatuto processual do arguido [direito ao silêncio[[67]] e direito à não auto-incriminação], não pode deixar de se observar o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, ou seja, a mencionada restrição de direitos fundamentais deve estar expressamente prevista na Constituição, deve salvaguardar outros direitos ou interesses também aí protegidos, deve limitar-se ao estritamente necessário, ser proporcional e adequada e não pode conduzir à destruição do direito fundamental.

E porque o direito processual penal é direito constitucional aplicado, sempre que no decurso do processo penal se verifique uma intromissão nos direitos fundamentais do arguido, tem de ocorrer minuciosa regulamentação legal que não pode eliminar o núcleo do direito afectado (núcleo essencial).

Desta relação entre direito processual penal e direito constitucional decorre o princípio da proibição de provas obtidas com restrição de direitos fundamentais, consagrado nos artigos 32.º, n.º 8, e 34.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, e que foi transposto para o artigo 126.º do Código de Processo Penal.

As normas dos artigos 187.º a 190.º do Código de Processo Penal são a excepção consentida pelo n.º 4 do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa, na articulação dos direitos fundamentais afectados com a escuta telefónica com o interesse processual de concretização de perseguição criminal, desde que se registe respeito pelo disposto no n.º 2 do artigo 18.º da Lei Fundamental.

Na mencionada articulação entre a Lei Fundamental e as regras processuais penais estão subjacentes diversos princípios – proporcionalidade [do qual decorre que se exige uma relativa gravidade da infracção perseguida ou da relevância social do bem jurídico tutelado; do qual tem que decorrer o convencimento de que, com a escuta telefónica se conseguirá atingir a verdade material, descobrindo-a], adequação [do qual decorre que a escuta telefónica terá que ser adequada ao fim que, com a sua utilização se visa atingir; do qual há-de decorrer que com a escuta telefónica, se não se atingir o fim que determinou a sua realização, pelo menos ela terá mais benefícios ou vantagens para a descoberta da verdade material do que prejuízos para os direitos fundamentais atingidos], e necessidade [do qual decorre que os resultados probatórios almejados não podem ser alcançados por um meio de obtenção de prova menos restritivo dos direitos fundamentais ou seja, a escuta telefónica não pode ser substituída por outra medida menos gravosa para os direitos do investigado].

Em jeito de conclusão, pode dizer-se que as escutas telefónicas, constituem expediente atentatório de direitos fundamentais onde se procura o equilíbrio entre a realização da justiça e os direitos de defesa do arguido.

Estando em causa a validade da primeira decisão que autorizou, nos presentes autos, as escutas telefónicas, interessa-nos o disposto no artigo 187.º do Código de Processo Penal.

Efectivamente, enquanto o artigo 187.º do Código de Processo Penal consagra a admissibilidade da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas para valerem como meio de prova, o artigo 188.º do mesmo diploma legal estabelece as formalidades a que estão sujeitos os actos de intercepção e gravação.

Estes normativos estabelecem um regime de autorização e de controlo judicial e o “sistema de catálogo”, em consonância com o disposto nos n.os 1 e 4 do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa.

Resulta do disposto no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa e do n.º 5 do artigo 97.º do Código de Processo Penal a necessidade de fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente.

E do disposto no n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil resulta que na fixação do sentido e alcance da lei, se presume que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

Daí que, não sendo imaginável que o legislador desconheça a necessidade de fundamentação das decisões judiciais que não sejam de mero expediente, se possa concluir que com a menção à necessidade de despacho fundamentado, no n.º 1 do artigo 187.º do Código de Processo Penal, se pretendeu vincar a necessidade de fundamentação da decisão que autoriza as escutas telefónicas, face ao constrangimento dela decorrente para direitos constitucionalmente consagrados.

Tal decisão, consubstanciando-se em despacho que conhece de questão interlocutória [artigo 97.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal], há-de revestir a forma escrita e conter a assinatura do seu autor [artigos 94.º e 95.º do Código de Processo Penal]. E embora não exija fundamentação específica ou diferenciada, deve respeitar os requisitos constantes dos artigos 187.º e 188.º do Código de Processo Penal, ou seja, deve conter:

- a indicação de existência de indícios determinados de que alguém cometeu um dos crimes do catálogo ou cuja moldura penal abstracta é superior a três anos de prisão;
- a idoneidade ou necessidade da medida para a descoberta da verdade ou para a prova;
- a razão de ciência em que se baseia o juízo e admissibilidade da intervenção;
- a identificação da pessoa a ser objecto da ingerência;
- o telefone(s) objecto da medida – número(s) de telefone a intervir;
- o inicio, duração e cessação da medida;
- o cumprimento de deveres acessórios: entrega periódica de relatórios, para fiscalização, das gravações efectuadas.

«A necessidade de fundamentação “motivação” da medida de intercepção ou gravação das conversações ou comunicações privadas, levadas a cabo por telefone ou meio técnico equiparado (…) entronca-se no próprio “direito de defesa da pessoa investigada, pois somente explicitando-se e tornando-se cognoscíveis as concretas razões pelas quais se autoriza uma determinada actuação de ingerência sobre determinados direitos ou liberdades poderá facilitar-se ao afectado o uso dos meios de reacção com que o brinda o ordenamento jurídico; motivação é portanto sinónimo de exteriorização do discurso jurídico no qual o juiz baseou a sua decisão, cognoscibilidade dos elementos e fundamentos em que o Instrutor assentou a sua decisão de autorizar o acto de ingerência e na forma como o concedeu. (…) Mas não se deve cair no exagero de que a motivação seja tão completa como se se tivesse a certeza de que o investigado cometeu o crime, pois, a ser assim, ficaria des-legitimado o recurso a tal meio visto que os factos teriam já a clareza e concisão suficientes para autonomizarem e fundarem um juízo de acusação. (…) A decisão judicial de intervir parte do pressuposto de que uma investigação criminal necessita “de elementos de convicção nos quais estruturar as vias e indícios que podem levar à constatação de perpetração de determinado ou determinados delitos, pelo que não pode impor um dever tal de exigência na motivação e na própria base na qual se estrutura que resolva precisamente o conflito; chegar a tais níveis de exigência levaria precisamente à desnecessidade da medida, pois uma tão radical exigência suporia nada mais nada menos que a existência de indícios suficientes de criminalidade que tornariam supérflua a investigação. Insistimos, pois, em que o imprescindível é que a motivação permita ao arguido ou suspeito conhecer porque se autorizou a intromissão na sua intimidade e, com base em tal compreensão, decidir se impugna ou não a mesma; é a cognoscibilidade do raciocínio e do juízo de ponderação que levam o órgão judicial a decidir-se pelo sacrifício do direito fundamental o que se procura, em definitivo, com a exigência da motivação das resoluções judiciais”. (…) Motivar ou fundamentar o acto de ingerência não é apenas cumprir um determinado formalismo ou ritualismo, é muito mais do que isso, é “uma imposição finalística da necessidade de evitar a arbitrariedade ou o voluntarismo como fundamentadores de uma determinada resolução judicial que interfira no normal respeito dos direitos fundamentais da pessoa”.»[[68]]

Apelidando a motivação da decisão que autoriza a escuta telefónica de «rigoroso requisito do acto de sacrifício de direitos fundamentais», Ana Raquel Conceição[[69]] conclui que «a motivação judicial é o requisito mais importante no seio das escutas telefónicas».

André Lamas Leite, em artigo onde tratou das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, ao regime das escutas telefónicas[[70]], afirma que a «densidade fundamentadora do despacho de autorização é acrescida. Os elementos que justificam o recurso às escutas, funcionando como critérios aferidores da respectiva legalidade, conhecem um aumento de exigência: a descoberta da verdade e a obtenção da prova qua tale. Para a primeira, a diligência tem de ser agora “indispensável” e não apenas “de grande interesse”. O legislador terá pretendido que as escutas sejam o único meio de atingir a verdade material, ou seja, quando existirem outras formas de obtenção da prova aptas a atingir uma das finalidades últimas de todo o processo penal, as escutas serão ilegais. Quanto à relevância para a obtenção de prova, diz-se agora que elas só devem ser usadas quando, de outra forma, esse material seja “impossível ou muito difícil de obter”.

Mau grado este apertar da malha autorizadora, em si mesmo condizente com a proporcionalidade, a excepcionalidade e a interpretação restritiva que, de modo unânime, sempre se veio defendendo na doutrina e na jurisprudência, mantemos o entendimento de que continua a ser possível lançar-se mão das escutas telefónicas logo como primeiro meio de obtenção da prova utilizado, quando – e apenas nessa hipótese – o juiz de instrução se convença, em face dos concretos dados factuais trazidos pelo MP, que ela é a única diligência capaz de fazer carrear para os autos elementos probatórios aptos à descoberta da verdade. Nessas situações, as escutas são, de idêntica forma, indispensáveis a esse desiderato. Se, ao invés, o dominus do inquérito tiver ao seu dispor qualquer outro meio, é esse que deverá ser utilizado, sendo inadmissível qualquer argumentação em contrário, maxime baseada em maior dispêndio de tempo ou recursos materiais e/ou humanos.»

O cumprimento do disposto nos artigos 187.º e 188.º do Código de Processo Penal significa «dar satisfação não só aos requisitos formais-procedimentais, mas também a um conjunto de pressupostos materiais. Sabendo-se outrossim que estes vão muito para além da exigência de que em causa esteja um crime do catálogo. Neles vai coenvolvida toda uma série de exigências a que não é possível responder – e por vias disso, cumprir a lei e actualizar o pertinente programa de tutela – curando-se apenas da mera e ritualizada comprovação (ou denegação) de em causa estar (ou não) um crime de catálogo. Antes se prolongam para um conjunto de outros, nucleares e cumulativos, pressupostos, com destaque para a verificação de uma suspeita qualificada e a observância da subsidiariedade. É o que corresponde ao entendimento hoje consensual e pacífico da doutrina e a que o direito positivo português não deixa de prestar homenagem. Explícita e expressa pelo menos no que respeita à subsidiariedade: “só podem ser autorizadas … se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, se outra forma, impossível ou muito difícil de obter (artigo 187º, n.º 1). (…) Pela natureza das coisas, subsidiariedade significa necessidade num quadro de ultima ratio. Só será admissível o recurso às escutas quando, face ao processo em concreto – sc. à vista da complexidade criminalística do caso, da volatilidade ou consistência das provas já alcançadas ou previsíveis, da urgência em quebrar eventuais laços de solidariedade ou penetrar em santuários imunes à devassa da investigação, etc. – não seja possível ou só seja possível com dificuldades acrescidas, prosseguir com sucesso a investigação recorrendo apenas a meios menos gravosos ou invasivos. Importa, logo e num primeiro passo, indagar se tal poderá prosseguir-se apenas com recurso a meios não ocultos de investigação. Isto sendo certo que os meios ocultos de investigação – de que as escutas são uma manifestação paradigmática – são, como tais, mais gravosos de que os meios de investigação exposta ou a descoberto. Para, num segundo momento, a ser necessário lançar mão dos meios ocultos e tendo como pano de fundo o quadro de danosidade social comparativa, questionar se não será possível alcançar os resultados probatórios almejados mobilizando apenas meios ocultos menos drásticos do que as escutas.

Há-de, para além disso, precisar-se que a ideia ou o princípio de subsidiariedade comporta uma dimensão irredutível de proporcionalidade. Logo a proporcionalidade já assinalada e assente no potencial diferenciado de danosidade, isto é, de intromissão e devassa. Que, na sua expressão mais exposta e directa, obriga a reservar os meios mais agressivos para a perseguição dos crimes mais graves. Mas a proporcionalidade reporta-se também aos diferentes graus de sustentação da suspeita. No sentido de que as formas mais consolidadas e expostas de suspeita justificam o risco do recurso a meios comparativamente mais invasivos. Para além disso, a proporcionalidade opera também na direcção da necessidade ou premência investigatória. Trata-se, agora e fundamentalmente, de saber em que medida a recusa de um determinado meio – sc. a utilização de um meio menos gravoso e invasivo – impossibilita ou dificulta e em que grau (muito? pouco?) a investigação.

O simples cumprimento da subsidiariedade faz intervir requisitos cuja verificação pressupõe a representação cabal e actualizada do processo: do seu estado e das sua vicissitudes, das luzes e sombras da investigação, das resistências encontradas e das que se deixam adivinhar. Para, num juízo esclarecido de estratégia criminalística, escolher, dentre o arsenal de meios disponíveis, aquele(s) que, sendo eficaz(es), se mostre(m) o(s) menos invasivo(s) (…).

O quadro repete-se do lado da suspeita qualificada, uma suspeita que alguns ordenamentos erigem em pressuposto autónomo e expresso da legalidade e admissibilidade das escutas. Mas que no direito positivo português figura claramente como um pressuposto não escrito da medida. O que, de acordo com o entendimento pacífico de autores e tribunais, significa que só é legítimo o recurso às escutas nos casos em que se verifica uma suspeita de crime (de catálogo) assente em facto determinados. Isto é, factos concreta e objectivamente referenciáveis e, como tais, sindicáveis, objecto idóneo de contestação, de infirmação ou confirmação e, sendo caso disso, suporte de consenso intersubjectivo. E, para além disso, factos portadores de fecundidade heurística bastante para fundamentar a suspeita do crime do catálogo. “Não basta para o efeito a mera existência de pontos de apoio. Têm antes de se verificar circunstâncias concretas e em certo sentido densificadas como base factual da suspeita”.

Na certeza de que, o juiz só poderá pronunciar-se a favor da realização de uma escuta se considerar integralmente satisfeita esta pletora de exigências.»[[71]]

A «escuta telefónica será um meio de obtenção de prova, utilizado no decurso de um processo penal, com o fim de recolher provas da prática de crimes de especial gravidade, limitativo dos direitos fundamentais dos cidadãos e como tal objecto de prévia autorização ou ordem do Juiz de Instrução Criminal. Autorização ou ordem devidamente fundamentada que estabelece quem, o quê, durante quanto tempo e em que circunstâncias os órgãos de polícia criminal vão interceptar as conversas ou comunicações telefónicas efectuadas entre duas pessoas.»[[72]].

Aqui chegados, não resta senão ponderar as consequências do desrespeito pelos requisitos e condições de admissibilidade da escuta telefónica.

Antes de o fazer importa precisar alguns conceitos.

As Provas têm por função a demonstração da realidade dos factos [artigo 341.º do Código Civil].

Constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis e, ainda, os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil, se tiver sido formulado pedido nesse sentido [artigo 124.º do Código de Processo Penal].

Meios de prova são elementos de que o julgador se pode servir para formar a sua convicção acerca de um facto.

Meios de obtenção de prova são os instrumentos de que se servem as autoridades judiciárias para investigar e recolher meios de prova.

Regras de produção de prova são meras prescrições ordenativas da produção de prova, visando «apenas disciplinar o procedimento exterior da prova na diversidade dos seus meios e métodos, não determinando a sua violação a reafirmação contrafáctica através da proibição de valoração[[73]]»

A proibição de valoração de prova resulta da impossibilidade da prova proibida poder ser valorada no processo.

As proibições de prova [ou proibição de produção de prova] são verdadeiras limitações, ou prescrições de limite, à descoberta da verdade.

O legislador fornece o elenco dos meios de obtenção de prova que são proibidos. Ou melhor é proibida a produção de prova através desses meios.

A proibição de produção de prova origina, sempre, uma proibição de valoração de prova. Mas a proibição de valoração de prova não pressupõe a proibição de produção de prova.

«(…) as proibições de prova são invalidades que dispõem de uma causa específica (vício) e de um efeitos específico (consequência): ao nível da causa, representam limitações à descoberta da verdade material por a sua violação constituir colisão de direitos fundamentais ou de (…) garantias de defesa do arguido; ao nível do efeito, as provas proibidas estão atingidas por uma inutilizabilidade, quer endoprocessual originária quer externa.»[74]

A lei processual penal, no artigo 118.º, onde se reporta ao princípio da legalidade que consagra no domínio da violação ou inobservância das suas disposições, expressamente ressalva do regime das nulidades as normas relativas a proibições de prova.

Manuel da Costa Andrade[[75]], defendendo que «as proibições de prova estão hoje legalmente consagradas com autonomia, generalidade e consistência que permitem perspectivá-las como uma das construções basilares da dogmática processual penal», não deixa de chamar a atenção para a imbricação íntima entre as proibições de prova e o regime das nulidades e para o disposto no preceito legal acabado de referir, advertindo que, frequentemente, a lei processual penal portuguesa enuncia as proibições de prova cominando precisamente com a sanção da nulidade a violação dos pertinentes imperativos legais, o que se pode ilustrar com o regime previsto para o métodos proibidos de prova [artigo 126.º], recusa de parentes e afins [artigo 134.º, n.º 2] e escutas telefónicas [artigo 190.º].

Neste mesmo sentido – da autonomização das proibições de prova – pronunciam-se Germano Marques da Silva[76], João Conde Correia[[77]], Teresa Beleza[[78]], Paulo Pinto de Albuquerque[[79]], Paulo Sousa Mendes[[80]], Carlos Adérito Teixeira[[81]].

Não obstante a mencionada autonomia, a concretização do seu regime tem sido problemática na legislação ordinária.

Situação para que, fundamentalmente, concorre a inconstância terminológica do legislador constitucional e ordinário, reveladora de menor rigor na delimitação de conceitos tão importantes e dispares como são as nulidades e as proibições de prova.

A doutrina não se revela uníssona em relação ao vício processual que se origina com o desrespeito pelo regime legal de uma escuta telefónica.

Relativamente às consequências decorrentes do desrespeito dos requisitos formais e materiais da ordenação e autorização, por despacho judicial, das escutas telefónicas, alguns autores falam em “prova ilícita”, sendo «aquela que na sua origem ou desenvolvimento lesou um direito ou liberdade fundamental, cujo efeito seria a proibição da prova, no sentido da proibição da valoração de seu resultado, por contraposição à prova irregular que seria aquela que se obtém ou pratica com lesão de normas de legislação ordinária.»[[82]].

Damião da Cunha, entendendo estar-se perante a mesma “garantia judicial” do “mesmo valor constitucional”, conclui pela nulidade da prova obtida quando não se verificam os requisitos materiais e formais da intervenção nas comunicações e conversações privadas e tratar-se de meio de prova nulo quando as escutas não foram autorizadas ou ordenadas por um Juiz.

Fátima Mata-Mouros, esclarecendo que «a realização de escutas telefónicas traduz-se num meio de aquisição probatória demasiadamente precioso, quer pela sua expressividade, quer pela sua onerosidade, para poder continuar a originar decisões de anulação baseadas em aspectos que, só na aparência, não se reconduzem a argumentos meramente formais», entende que, mesmo aí, não devem ser flexibilizados os requisitos formais e materiais da autorização deste meio de obtenção de prova.

«(…) apesar da singeleza dos textos legais e da clara definição de princípios, nossa jurisprudência tem sido em grande parte determinada por interpretações que apenas satisfazem interesses de recurso e confundida sobre a leitura integral daqueles princípios.»[83]

A nível jurisprudencial, podem sumariar-se três posições distintas:

I. o desrespeito pelos requisitos e condições de admissibilidade legal das escutas telefónicas origina uma forma de obtenção de prova proibida, por força do disposto no artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, logo sendo inadmissíveis, não podendo ser utilizadas;

II. a consequência por semelhante desrespeito será uma nulidade, sanável, face ao disposto nos artigos 190.º e 120.º do Código de Processo Penal, existindo divergência no que concerne ao prazo de arguição;

III. o desrespeito pelos requisitos das escutas telefónicas gera mera irregularidade, em conformidade com o disposto no artigo 123.º do Código de Processo Penal.

Estando em causa, no domínio em que nos encontramos, fundamentalmente, o direito à reserva da vida privada, o direito à inviolabilidade das telecomunicações e o direito à palavra, a regra é a da proibição de produção e valoração das gravações resultantes das escutas telefónicas.

A excepção a tal regra, permitida pela Constituição, é a existência de uma lei ordinária, no processo criminal, que estabelece uma autorização de produção dessa prova.

Se a não existência dessa lei conduziria a uma proibição de prova, a consequência pelo desrespeito dela não pode ser diversa.

Por não poder deixar de assim ser, a escuta telefónica ilegal é um meio de obtenção de prova proibido. Constitui uma proibição de produção de prova a que o legislador faz corresponder uma proibição de valoração – não pode ser utilizada [nº 3 do artigo 126.º do Código de Processo Penal].

Após a entrada em vigor da 15.ª alteração ao Código de Processo Penal – Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto – entendeu-se terem ficado melhor esclarecidas as opções do legislador no domínio das escutas telefónicas.

André Lamas Leite, no artigo já citado [páginas 665 a 669], referindo-se ao regime aplicável à violação dos artigos 187.º a 189.º do Código de Processo Penal, afirma que «Em reforço contrafáctico do n.º 1 do art. 126º em que se referia (e continua a prescrever-se) que as provas aí indicadas “não [podem] ser utilizadas», o que se comunicava ao n.º 3 (que aqui mais nos interessa) por intermédio do advérbio “igualmente”, vem a nova redacção do art. 126º, n.º 3, introduzindo-se a locução “não podendo ser utilizadas”, consagrar, ao que cremos de forma doravante indiscutível, posição que, de entre muitos, vínhamos defendendo à luz do pretérito e menos claro preceito.

Perece hoje, então, resolvida na segunda direcção a dúvida sobre se a nulidade nele prescrita o era em sentido técnico (enquadrando-a nos arts. 119º ou 120º) ou se o legislador teria usado o lexema em sentido não técnico ou lato. Na verdade, o segmento introduzido fulmina com as consequências de “inutilização” todas as provas obtidas em incumprimento da disciplina legal dos meios de obtenção probatórios que contendam com os bens jurídicos nele protegidos, sendo ilegal, desde 15-09-2007, a interpretação quase unânime da jurisprudência e de alguma doutrina, no sentido da destrinça entre a violação do art. 187º e do art. 188º como conduzindo, respectivamente, a uma nulidade insanável ou a uma mera nulidade sanável.

Apertis verbis, a epígrafe do art. 126º; o art. 118º, n.º 3 (a que se junta a nova disposição do art. 310º, n.º 2, ressalvando a exclusão de “provas proibidas” da irrecorribilidade da decisão instrutória de pronúncia e das nulidades e outras questões prévias ou incidentais invocadas em instrução, permitindo, ao invés – é um verdadeiro poder-dever –, que o tribunal de julgamento declare tal exclusão (…); os parâmetros constitucionais ínsitos nos art. 34º, n.os 1 e 4, da Lei Fundamental; o carácter indistinto das consequências previsto no então art. 189º (hoje, art. 190º) e o programa tutelar único das prescrições do art. 187º e das ditas “formalidades” do artigo 188º - para nós, em expressão mais próxima do mandato constitucional, exigências materiais densificadoras e aplicativas concretas do art. 187º – já impunham tal entendimento, aliás reconhecido pelo TC [[84]]. Julgamos, assim, que não se poderá agora, em face da nova redacção, pretender que mudança legislativa tão clara vise abranger somente as condições aludidas no art. 187º. Seria, por certo, uma interpretação contra legem e ofensiva dos arts. 32º, n.º 8, e 34º, n.º 4, da Constituição.

Donde, de uma hermenêutica conjugada entre os arts. 126º, n.º 3, e 190º (este último inciso apenas tendo operado um alargamento do regime prescrito à norma de extensão do agora art. 189º) conclui-se pela previsão, no art. 190º, de uma nulidade atípica, designada por proibição de prova (…), a qual impede toda e qualquer utilização do material probatório assim obtido (…) – mesmo se requerido pelo arguido –, cujo regime não é in totum sobreponível às nulidades insanáveis, mas que dele muito se aproxima.

Registemos, a finalizar, uma dúvida: como dissemos, este é o quadro que julgamos hoje de meridiana clareza face ao texto legal – veja-se tal intentio na exposição de motivos da proposta de lei que deu origem à Lei n.º 48/2007. Todavia, em termos de iure condendo, será adequado ao sopesamento dos interesses em causa fulminar como proibição de prova a ultrapassagem dos prazos prescritos nos arts. 188º, n.os 2 e 3? Porventura estas duas hipóteses – e só estas – deveriam ter merecido uma consequência jurídica menos forte.»

No mesmo sentido:

- Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, II, 4ª Edição Revista e actualizada, Editorial Verbo, 2008, páginas 257 e 258;

- José Manuel Damião da Cunha, in “A jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria de escutas telefónicas, Anotação aos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.os 407/97, 347/01, 411/02 e 528/03”, Jurisprudência Constitucional, n.º 1, Janeiro-Março 2004, página 55;

- Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 3ª Edição Actualizada, Universidade Católica Editora, páginas 530 e 531;

- Ana Raquel Conceição, in “Escutas telefónicas – Regime Processual Penal”, Quid Juris 2009. página 197;

- Benjamim Silva Rodrigues, in “Das Escutas Telefónicas”, Tomo I – A Monitorização dos Fluxos Informacionais e Comunicacionais, Coimbra Editora 2008, página 415;

- Gil Moreira dos Santos, in “O Direito Processual Penal”, Porto, Edições Asa, 2003, página 258;

- Fernando Gonçalves e Manuel João Alves, in “A Prova do Crime – Meios Legais para a sua Obtenção”, Livraria Almedina, página 240.

E acompanhando opinião expressa a páginas 512 e 513 do “Código de Processo Penal – Comentários e Notas Práticas” dos Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, em anotação ao artigo 190.º, «se atendermos ao que tem sido a instabilidade jurisprudencial nesta matéria, como a história se tem encarregado de demonstrar, ao ponto de, por vezes, se adoptar durante anos uma dada interpretação neste domínio, sufragada até pelos tribunais superiores, que depois se vê posta em crise por jurisprudência constitucional, que julga desconforme à CRP aquela dada interpretação (com todas as nefastas consequências para o bom andamento e imagem da justiça, além dos prejuízos que foram acarretados para os cidadãos que foram afectados por uma tal interpretação), tudo parece aconselhar que, nesta sede, orientemos a nossa acção segundo apertados critérios de interpretação, ou seja, segundo uma interpretação restritiva do normativo em análise, tratando de igual forma e observando com igual rigor as condições e requisitos referidos nos arts. 187º e 188º.

Assim o recomendam um cauteloso critério de apreciação e ponderação das consequências e efeitos de tais vícios, bem como os princípios constitucionais estruturantes e subjacentes ao preceito em questão.»

Resta referir serem características das proibições de prova a não taxatividade, o conhecimento oficioso, o carácter insanável do vício, a inutilizabilidade da prova, a eficácia erga omnes e o efeito à distância expansivo.

É tempo de regressar ao processo.

Com base em denúncia de alguém que quis manter o anonimato, por razões que se dizem de segurança própria e de segurança dos que lhe são próximos, é dado conhecimento, à Polícia de Segurança Pública de Setúbal, de rede de tráfico de estupefacientes – de heroína e de cocaína.

Do relato dessa notícia resulta que tal rede de tráfico de drogas se desenrola em dois “níveis”, tendo como figura dominante, na articulação entre eles, um indivíduo conhecido por “Baldé”, de nacionalidade guineense, com cerca de 50 anos de idade, residente na Rua ------, em Setúbal, apontado como o principal fornecedor de droga da zona:

- que é abastecido por indivíduo, também oriundo da Guiné Bissau, com cerca de 40 anos de idade, que se faz transportar em veículo com a matrícula -----IG, conduzido por um indivíduo mais velho;

- que abastece AM (conhecido por “Sida”), indivíduo conhecido por “Viriato” e outros indivíduos, que efectuam vendas directas aos consumidores, na zona da Bela Vista, em Setúbal.

Diz-se que o indivíduo conhecido por “Baldé” contacta única e exclusivamente com o seu fornecedor por telemóvel.

Estão indicados os números de telemóveis usados para tais contactos – do indivíduo conhecido por “Baldé” e do seu fornecedor.

O denunciante refere, também, que os contactos entre o indivíduo conhecido por “Baldé” e os compradores que lhe adquirem produtos estupefacientes para posterior venda\distribuição é feito da mesma forma ou através de deslocações à sua residência, deslocações essas sempre precedidas de contactos telefónicos.

Após tomar conhecimento destes factos e de que iria haver contacto pessoal entre o indivíduo conhecido por “Baldé” e o seu fornecedor de droga, a Polícia de Segurança Pública de Setúbal afirma ter efectuado duas vigilâncias, de onde resulta que:

- no dia 7 de Novembro de 2008, cerca das 22H00, o veículo automóvel de matrícula ----IG chegou à Rua ---- e, após ter sido imobilizado, do seu interior saíram dois indivíduos com as características referidas na denúncia, que se dirigiram para o interior do n.º 1 daquela artéria;

- no dia 10 de Novembro de 2008, cerca das 17H30, sensivelmente ao meio da Rua ---- encontrava-se estacionado o veículo automóvel de matrícula ----IG e foram vistos a dirigir-se para as imediações do n.º 1 da mesma Rua vários indivíduos suspeitos de serem traficantes de produtos estupefacientes, entre os quais o AM (conhecido por “Sida”).

Com base nestes elementos e mediante requerimento do Ministério Público, foram ordenadas escutas telefónicas pela Senhora Juiz de Instrução Criminal.

Esta decisão foi proferida pela entidade competente, surge reportada à investigação de um crime de tráfico de estupefacientes e dela consta que a intercepção e gravação das conversações telefónicas, conversações por fax e SMS efectuadas de e para os números -----e -------se afigura essencial às finalidades de tal investigação.

Porque não sou adepta de fórmulas estereotipadas que sempre proporcionam algum conforto, mesmo quando, por vezes, em nada se alicerçam, nenhum reparo digno de registo merece a forma adoptada para a elaboração da decisão em análise.

Ou seja, desde que a motivação da decisão revele as razões para se acreditar que as escutas telefónicas são indispensáveis para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, esta formulação [conforme o texto do n.º 1 do artigo 187.º do Código de processo Penal] será equivalente a considerarem-se as escutas telefónicas essenciais às finalidades da investigação [forma adoptada na decisão].

Todavia, a motivação da decisão em crise é omissa quanto a esse aspecto essencial – porque não pronuncia, através da avaliação concreta dos elementos que os autos forneciam, sobre a indispensabilidade das escutas telefónicas que ordenou, para a descoberta da verdade, na investigação em curso, nem quanto ao grau acrescido de dificuldade de obtenção de prova, se não as tivesse autorizado.

Efectivamente, tendo dado como assente investigação pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, limita-se a referir que os indivíduos suspeitos de o cometerem, na modalidade de venda directa ao consumidor, recorrem ao contacto telefónico para a prática de tal actividade, circunstância que dificulta a realização das diligências tendentes a confirmar as suspeitas existentes.

A facilidade de acesso a comunicações telefónicas – nomeadamente através de rede móvel –, que caracteriza os nossos dias e que é de conhecimento generalizado, diz-nos que quem se dedica à compra e venda de drogas também utiliza esse meio para desenvolver semelhantes negócios.

Mas a constatação dessa possibilidade, para além de não se revelar nos presentes autos – naquilo que deles consta antes da decisão em análise, como adiante melhor se explicitará, aquando da avaliação da denúncia feita – não conduz, sem mais, a que se encontrem excluídos outros meios de obtenção de prova para demonstração do tal crime de tráfico de estupefacientes.

Desde logo, porque o “nível inferior” do tráfico – o levado a cabo pelos indivíduos conhecidos por “Sida” e “Viriato” –, concretizando-se, de acordo com a denúncia, no Bairro da Bela Vista, através de vendas directas aos consumidores, dispensa tal meio de obtenção de prova.

Por outro lado, a denúncia constante do “Relatório” de fls. 1 a 4 dos autos, porque não se encontra revelada a identidade de quem a fez, só pode, do ponto de vista do processo, qualificar-se como anónima.

Note-se, desde logo, que do teor desse relatório não resulta que quem o elaborou tivesse conhecimento da identidade do denunciante.

Ou de outra forma, que pretendo mais rigorosa, entendo que do teor desse relatório não resulta que os agentes da autoridade envolvidos na actividade de recolha e processamento de informação no âmbito dos presentes autos tenham contactado pessoalmente com o denunciante nele referido. Nem que, ainda que tal tenha acontecido, estejam em condições de o identificar.

E sendo desprovido de sentido questionar, aqui e agora, a validade das razões que levaram à ocultação da identidade de quem denunciou a prática de um crime [do próprio ou dos agentes da autoridade que nisso, eventualmente, tenham consentido], não pode deixar de se configurar a hipótese de a pessoa que se esconde sob a capa do anonimato, com vista a não lhe seja assacada qualquer responsabilidade, agir por vingança, ódio ou qualquer outra motivação espúria.

Daí que o anonimato da fonte – mesmo nos casos em que seja possível a perseguição e responsabilização criminal – exija um esforço acrescido do investigador e do decisor para que seja reputada como suficiente para servir de sustentáculo ao uso de um meio de obtenção de prova tão delicado como é a escuta telefónica[[85]].

E semelhante cautela não se detecta nos presentes autos.

Senão vejamos.

Do relato consubstanciado no “Relatório” de fls. 1 a 4 – onde não se discerne, com precisão, o que diz a fonte anónima, o que constitui confirmação das suas palavras por diligências entretanto realizadas pela autoridade policial e o que é a experiência do correr dos dias [de quem lida com o mundo das drogas, porque dele depende ou porque é sua tarefa combatê-lo] que permite algumas afirmações –, dos documentos que o acompanham e da confiança que nos merece a palavra dos agentes da autoridade policial, pode considerar-se como demonstrado que:

- no dia 7 de Novembro de 2008, cerca das 22H00, o veículo de marca Nissan, modelo Terrano, de cor verde, com a matrícula -----IG, foi avistado na Rua -----, em Setúbal;

- nas referidas condições de tempo e lugar, circulavam no interior do dito veículo automóvel dois indivíduos de raça negra, aparentado o condutor do mesmo idade superior à do passageiro;

- após o condutor estacionar o veículo, ambos os indivíduos dele saíram e dirigiram-se para o interior do n.º 1 da Rua ~~

- no dia 10 de Novembro de 2008, cerca das 17H30, o veículo de matrícula ----IG encontrava-se estacionado sensivelmente ao meio da Rua Dr.---- em Setúbal;

- nessas circunstâncias de tempo e lugar, foram avistados a dirigirem-se para as imediações do n.º 1 da Rua ----vários indivíduos suspeitos de serem traficantes de produtos estupefacientes, entre os quais o AM, conhecido por “Sida”;

- o AM, conhecido por “Sida”, foi detido por tráfico de estupefacientes no âmbito do inquérito n.º ----/03.0PCSTB;

- o veículo automóvel de marca Nissan, modelo Terrano, com a matrícula -----IG encontra-se registado como sendo propriedade de BS, residente na praceta ------, em Faro;

- o indivíduo conhecido por “Baldé” e o utilizador do veículo de marca Nissan, modelo Terrano, com a matrícula ----IG não são conhecidos, junto da Polícia Judiciária (DCITE) ou de qualquer outro órgão de polícia criminal, em investigações activas por tráfico de estupefaciente.

Mas tendo em vista os mesmos elementos, só pode concluir-se que não há indícios de que:

- o indivíduo conhecido por “Baldé” resida no -----Rua ---, em Setúbal, ou que utilize esse local;

- os indivíduos que no dia 7 de Novembro de 2008, cerca das 22H00, se faziam transportar no veículo de matrícula ----IG, se tenham dirigido ao rés-do-chão esquerdo do n.º-----da Rua -----, em Setúbal;

- os indivíduos que no dia 7 de Novembro de 2008, cerca das 22H00, se faziam transportar no veículo de matrícula ----IG, se tenham encontrado com o indivíduo conhecido por “Baldé”;

- no dia 10 de Novembro de 2008, o veículo de matrícula ----IG tenha sido usado pelos mesmos indivíduos que foram avistados a sair dele no dia 7 de Novembro de 2008, cerca das 22H00;

- no dia 10 de Novembro de 2008, quem utilizou o veículo de matrícula -----IG se tenha dirigido ao rés-do-chão esquerdo do n.º --- da Rua ----, em Setúbal;

- quem, no dia 10 de Novembro de 2008, utilizou o veículo de matrícula -----IG, se tenha encontrado com o indivíduo conhecido por “Baldé”;

- no dia 10 de Novembro da 2010 tenha ocorrido contacto entre o AM [conhecido por “Sida”] ou outros indivíduos suspeitos de serem traficantes de substâncias estupefacientes com o indivíduo conhecido por “Baldé” ou com quem se fez transportar no veículo automóvel de matrícula ----IG.

E aqui chegados, não restará senão extrair uma outra conclusão.

Até à ocasião em que nos autos, pela primeira vez, foram ordenadas as escutas telefónicas, não existiam neles elementos que permitissem validar o conteúdo da denúncia anónima que lhes deu origem, na parte em que a mesma pudesse considerar-se apta a revelar a prática de um crime.

Ou seja, perante apenas o acontecimento que desencadeou o inquérito e que não passava de mera suposição ou convicção subjectiva, até á ocasião em que foi proferida a decisão em crise, não se podia sequer perspectivar que a diligência pretendida pelo Ministério Público e que veio a ser autorizada fosse necessária e assumisse interesse para a descoberta da verdade.

E por ser assim, o conhecimento, através de uma simples fonte, que quer manter o anonimato, da existência de uma rede de tráfico de droga não constitui fundamento para deferir pedido de escutas telefónicas. Porque não permite concluir, por si só, pela existência de razões para crer que tal diligência seja indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter.

Um outro aspecto tem, ainda, que apontar-se à decisão que, pela primeira vez, nos presentes autos, ordenou as escutas telefónicas.

Nela se determinou a intercepção e gravação das conversas telefónicas, comunicações por fax e SMS efectuadas de e para os números ------- e -------, dizendo-se resultarem sérias suspeitas de que indivíduos conhecidos por “Baldé”, “Viriato” e “Sida” procedem à venda directa ao consumidor de produto estupefaciente, designadamente heroína e cocaína, recorrendo ao contacto telefónico para a realização de tal actividade.

Dos elementos constantes dos autos até à ocasião em que foi proferida esta decisão decorre que o telefone da rede móvel com o número ----- não pertence a nenhuma das pessoas nela mencionada – o telemóvel utilizado pelo indivíduo conhecido por “Baldé” tinha o número ------; aos indivíduos conhecidos por “Sida” e “Viriato” não se associa a utilização de telemóvel.

Posto isto, porque não respeitou o disposto no n.º 1 do artigo 187.º do Código de Processo Penal, a decisão proferida em 24 de Novembro de 2008, que autorizou a intercepção e gravação das conversações telefónicas, comunicações por fax e SMS de e para os números ------ e -------, é nula, não podendo ser utilizada a prova obtida por seu intermédio – artigos 190.º e 126º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

A declaração de nulidade que acaba de ser feita conduz-nos ao disposto no artigo 122.º do Código de Processo Penal, que se reporta aos efeitos dessa declaração, nos seguintes termos:

«1 – As nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar.

2 – A declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição, pondo as despesas respectivas a cargo do arguido, do assistente ou das partes civis que tenham dado causa, culposamente, à nulidade.

3 – Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela.»

Esta norma constitui afloramento do «problema “desesperadamente controverso” (…) do chamado “efeito à distância” (…). Isto é, quando se indaga da comunicabilidade ou não da proibição de valoração aos meios secundários de prova tornados possíveis à custa dos meios ou métodos proibidos de prova» [[86]] – ou seja, da transmissão da proibição de valoração do método proibido de obtenção de prova a todos os meios de prova que através dele são obtidos.

Também neste domínio não pode deixar de se ter presente que se a afirmação da culpabilidade penal do arguido é importante para a segurança colectiva e a afirmação do primado da lei sobre o instinto primário e o restabelecimento da paz e da segurança, não menos importante é a materialização do julgamento à luz das regras pré-estabelecidas sem atropelo daquelas que constituem garantias de defesa do acusado.

«O efeito-à-distância parece, assim, configurar um momento nuclear do fim de protecção do artigo 126º do CPP na direcção do arguido. Uma conclusão reforçada pela consideração suplementar e decisiva de que só o efeito-à-distância pode prevenir uma tão frontal como indesejável violação do princípio nemo tenetur se ipsum accusare.»[[87]]

O “efeito à distância” surge, pela primeira vez, enunciado em 1920, na sentença do Juiz Oliver Wendell Holmes, proferida no caso “Silverthorne Lumber Cº v United States”. Dela consta que se o conhecimento de factos foi obtido ilegalmente, o Governo não os pode aproveitar, diversamente, se o conhecimento deles é adquirido por uma fonte independente, podem ser provados, como quaisquer outros.

Em torno de tal ideia, em 1939, o Juiz Felix Frankfurter, do Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos, no caso “Nardone v United States”, construiu a metáfora, não mais abandonada e que veio a ser adoptada de forma generalizada, do “fruto da árvore venenosa” – o meio de prova inválido constitui a árvore venenosa, importando saber se nasce dela a prova ulterior, como fruto envenenado ou são.

Antes do actual Código de Processo Penal, o “efeito à distância” era já reconhecido como vigente entre nós pelo Professor Figueiredo Dias[[88]].

Da longa evolução jurisprudencial neste domínio dá conta o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 194/2004, de 24 de Março de 2004[[89]], onde se concretizam as situações em que o “efeito à distância” se não projecta, enunciando-se três situações que o impedem, denominadas de “limitação da fonte independente”, de “limitação da descoberta inevitável” e de “limitação da mácula dissipada”.

A fonte independente respeita a um recurso probatório destacado do inválido, usualmente com recurso a meio de prova anterior que permite induzir, probatoriamente, aquele a que o originário tendia, mas foi impedido. Ou seja, quando a ilegalidade não foi conditio sine qua non da descoberta de novos factos.

A segunda limitação ao funcionamento da doutrina do “efeito á distância” ocorre quando se demonstre que uma outra actividade investigatória, não levada a cabo, seguramente iria ocorrer na concreta situação, não fora a descoberta através da prova proibida, conducente inevitavelmente ao mesmo resultado. Ou seja, quando inevitavelmente, apesar da proibição, o resultado seria inexoravelmente alcançado.

A limitação da mácula dissipada leva a que uma prova, apesar de derivada de outra prova ilegal, seja aceite sempre que os meios de alcançar aquela revelem uma forte autonomia em relação a esta, em termos tais que revelem uma decisiva atenuação da ilegalidade precedente.

O Professor Manuel da Costa Andrade[[90]] revela, na busca de critérios para solução do problema, que não será correcta a «transposição, sem mais, da clássica fruits of the poisonous tree doctrine americana, que propende para a maximização do alcance da proibição de valoração, por via de regra extensiva também ao meio de prova secundário. Mas que não devem igualmente aproximar-se do extremo oposto da negação de todo e qualquer Fernwirkung em nome do receio (…) de que “a menor habilidade do polícia que procede ao primeiro interrogatório ou a corrupção de qualquer autoridade judiciária venha a determinar a paralização de todo o processo.»

E acrescenta que «Como ponto de partida e horizonte de equacionação dos problemas há-de, mais uma vez, privilegiar-se a referência à dimensão teleológica subjacente ao regime das proibições de prova: prevenir sentenças condenatórias assentes na valoração de meios proibidos de prova. (…) Na maior parte dos casos de violação das leis processuais não é possível determinar se influenciaram negativamente a sentença. À causalidade deve, por isso, equiparar-se a possibilidade de causalidade. Deste modo, a sentença assenta já na infracção à lei quando parece possível ou não é apenas de excluir que sem o erro outro teria sido o resultado.
(…)
Resumidamente, não estarão, de todo em todo, excluídas as constelações típicas em que a conexão normativa entre o vício e a sentença seja tão óbvia como decisiva. É o que sucederá nos casos em que a valoração proibida do meio de prova constitua o único suporte probatório sobre que assenta a sentença condenatória. Hipótese em que tanto a pertinência do recurso como o sentido da sua decisão – sc. a absolvição do arguido – se afiguram inescapáveis. As coisa serão igualmente lineares nas constelações que se situam no extremo oposto, em que a irrelevância causal da valoração da prova proibida aparece claramente exposta. Então a invocação da proibição de prova, a não determinar a Rejeição do recurso (art. 420º do CPP) não será em qualquer caso e só por si bastante para pôr em causa a decisão recorrida. O mesmo deverá ser o tratamento dos casos em que a nulidade devida à proibição de prova haja de considerar-se sanada exclusão do nexo normativo entre o vício e a sentença. Como sucederá, por exemplo, quando o recurso aos processos hipotéticos de investigação permitiria seguramente alcançar o mesmo resultado probatório.

As expressões concretas, segregadas pelos caprichos da vida, e que constituem a fenomenologia das proibições de prova oferecida ao aplicador do direito, raramente se ajustarão aos modelos canónicos referenciados, extremados quanto à relevância ou irrelevância causal do erro sobre a sentença. O normal será que a prova proibida concorra com uma bateria de meios admissíveis, numa teia dificilmente extrincável de influência e codeterminação recíprocas. Muitas vezes nada, por isso, mais aleatório e inseguro do que a tentativa de identificar e isolar o peso que o meio de prova terá tido na convicção do julgador. Estas hipóteses só pela via da revogação da decisão se poderão assegurar a reafirmação contrafáctica das normas violadas e a actualização do respectivo fim de protecção. O que terá de fazer-se prevenindo-se o perigo de a convicção sobre a responsabilidade criminal do arguido, entretanto lograda – e para a qual contribuiu, a seu modo, o meio proibido de prova – ter já operado uma reinterpretação cognitiva do significado e da valência probatória dos meios sobrantes e legítimos de prova. A renovação da prova motivada pelas proibições de valoração suscita, assim, exigências a que, por princípio, só através do Reenvio (arts. 426º, 431º e 436º do CPP) se poderá dar resposta ajustada.»

O regime jurídico consagrado no artigo 122.º do Código de Processo Penal mais não é do que a concretização do n.º 8 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, e é neste preceito que também se de procurar a solução para o problema do conteúdo e alcance do efeito à distância.

«Esta disposição normativa considera como nulas todas as provas obtidas mediante certo tipo de métodos, como a tortura, a coacção, a ofensa à integridade física ou moral da pessoa, a abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações. Nestes termos, o legislador constitucional, com este dispositivo, tem em vista a protecção dos direitos fundamentais da pessoa, independentemente da susceptibilidade ou não de os mesmos poderem ser restringidos. Passando essa protecção por considerar nulas todas as provas obtidas com a sua restrição fora dos trâmites da lei e, ainda, contaminar, com esta nulidade todas as demais que tenham resultado da prova obtida com essa restrição. Pois, caso contrário de pouco valeria a proibição constitucional na utilização de certos métodos de prova, já que, ultrapassado o crivo da proibição de prova, os demais meios de prova obtidos seriam inatacáveis, não obstante estarem na base da lesão de um direito fundamental. Acrescendo ainda o elemento literal, pois a lei diz que todas as provas estarão abrangidas, quer as provas directas quer as indirectamente obtidas. (…) se assim se não entendesse, estaríamos a esvaziar todo o conteúdo útil da presente norma, e na esteira de Costa Andrade, inclusivamente, a estimular a utilização de métodos proibidos de obtenção de prova.»[[91]]

Não resta agora, senão, voltar a olhar para o processo.

Cuja investigação se “alimentou”, de forma quase exclusiva, de escutas telefónicas.

Efectivamente, as primeiras escutas telefónicas autorizadas nos autos deram origem a muitas outras, com base nas quais se realizaram buscas domiciliárias e a intercepção dos Arguidos JB, FM e JP, no dia 30 de Abril de 2009.

Este aspecto é mencionado na fundamentação do acórdão recorrido, em termos que não podem deixar de se referir, por transcrição:

«No alicerçamento da sua convicção, ponderou o tribunal, o seguinte circunstancialismo:

Que a investigação nos autos se inicia (…), com a recolha “na rua” de informação (de fonte segura) de que havia dois indivíduos que se dedicariam ao tráfico.

Entre eles o BE que residia em Faro.

Inicialmente, o processo foi iniciado com vigilâncias em Novembro ao B.

Havia a informação de que o mesmo usava um veículo Nissan Terrano e que se deslocaria a Setúbal para tal.

Foi feita uma vigilância na BP e viram o mesmo dirigir-se à R. ----- onde ia ter com alguém aí.

Todavia, não viram qualquer transacção (tal vigilância não encontra suporte documental nos autos, nada neles tendo sido junto acerca de tal temática).

Como tinham acesso aos números de telefone do E----, solicitaram escutas.

O número atribuído ao Alvo: 37398M, apenso B.

O Telefone nº -------.

E daqui partindo (dir-se-ia e aqui chegados), os meios probatórios que estruturaram a acusação que nos autos foi deduzida, assentaram quase na sua totalidade em escutas, já que quase nenhuma outra diligência foi realizada (e as poucas que o foram, não trazem para os autos, na sua maioria, qualquer resultado que objectivamente comprovasse o libelo indiciário vertido na antedita peça processual).

São as conversas havidas entre este arguido e as pessoas que o contactaram no número objecto de intercepção, que levam a que os demais arguidos fiquem com os números telefónicos usados também em intercepção, de acordo com o teor das conversas registadas entre si e a sua proximidade (com maior ou menor rigor e assento literal) com o que (na convicção do instrutor do processo) traduziria uma “linguagem cifrada” em que se usariam termos (próprios, donde que “cifrados”) que indiciariam que aqueles se dedicariam ao tráfico de droga.

Relativamente a alguns dos arguidos (neste caso o F):

A sua investigação surge por intermédio da sua alusão mais ou menos descritiva, nas conversas sujeitas a intercepção havidas entre os arguidos sujeitos a essas escutas.

Assim iniciada a investigação;

E desse modo mantida;

Surgem indícios que levam a crer que numa determinada data, os arguidos J e F estariam a fazer um transporte de droga, proveniente do Algarve, na direcção de Lisboa.

Nessa sequência;

No dia 30 de Abril de 2009, é interceptado o veículo BMW melhor identificado nos autos, onde seguiam aqueles J e F “acompanhados” de uma mochila cujo conteúdo é o que outrossim se apura (126 placas de haxixe, com o peso total que se menciona “supra”).

Ao volante desse veículo vinha o seu condutor (o arguido J), que até à data era absolutamente desconhecido para as entidades encarregues da investigação.

Ou seja;

Tal diligência surge como o resultado objectivo e material (o único, diga-se em abono da verdade) dos indícios que até então foram sendo recolhidos na sua quase exclusividade, por intermédio das escutas telefónicas (as quais prosseguem, com intercepção de conversa havida entre o arguido J - após a detenção deste – e o arguido NS, como mais à frente teremos ocasião de melhor explicitar).

Sendo que;

Tal diligência se consubstancia “ao cabo e ao resto” numa situação em que aqueles três arguidos são encontrados em “flagrante delito”, num carro onde viajavam juntos e tendo como “bagagem” uma mochila com a referida quantidade de haxixe (o que está na origem da detenção dos próprios) e que confere às escutas havidas nos autos (estas como bem se sabe, são simples meios de recolha probatória) alguma “tangibilidade” do ponto de vista da prova (de parte) do libelo acusatório.»

Ou seja, apenas a prova obtida com abusiva intromissão nas telecomunicações – decorrente da decisão que, pela primeira vez nos autos, autorizou escutas telefónicas [também a número da rede móvel não associado a nenhum dos indivíduos denunciado como traficante de droga (--------)]–, tornou possível a realização de outras diligências probatórias.

A prova derivada [a obtida através das escutas telefónicas posteriores às primeiras ordenadas nos autos, das buscas e da intercepção dos Arguidos JB, FM e JP] só foi possível em virtude da prova viciada [a obtida na sequência das primeiras escutas telefónicas ordenadas nos autos].

Aqui chegados – e recuperando a imagem da árvore venenosa e dos seus frutos – não resta senão concluir que os “frutos” [escutas telefónicas subsequentes às primeiras ordenadas nos autos, buscas e intercepção dos Arguidos JB, FM e JP] não teriam existido se a “árvore envenenada” [primeiras escutas telefónicas ordenadas nos autos] não tivesse sido “plantada”. Razão porque tais “frutos” não podem deixar de ser atingidos pelo “veneno” da “árvore”, não sendo válidos como meios de prova.

Assim sendo, toda a prova em que o Tribunal “a quo” fundamentou a decisão recorrida se encontra afectada pela declaração de nulidade das primeiras escutas telefónicas ordenadas, não podendo, por isso, ser utilizada.

O que conduz à alteração da matéria de facto considerada como provada no acórdão recorrido, por forma a expurgá-la de todos os factos que não digam apenas respeito às condições de vida dos Arguidos.

E conduz, também, à absolvição do Recorrente FM e de todos os restantes Arguidos condenados nos autos.

Seria este o sentido da minha decisão.


(José Felisberto Proença da Costa – Presidente de Secção)
_________________________________________________
[1] - Foi utilizado quase integralmente o texto do Relatório e parte do texto relativo ao conhecimento da 1ª questão do recurso do arguido elaborados pela Exmª Srª anterior Relatora.

[2] - Publicado no Diário da República de 28 de Dezembro de 1995, na 1ª Série A.

[3] - Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.09.2007 proferido no processo nº 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].

[4] - Manuel da Costa Andrade in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, Reimpressão, Coimbra Editora, 2006, página 2819.

[5] - Manuel da Costa Andrade in Escutas Telefónicas, Conhecimentos Fortuitos e Primeiro Ministro, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 139, Maio-Junho de 2010, nº 3962, páginas 276 e seguintes.

[6] - A génese do direito ao silêncio não assenta no intuito de beneficiar o arguido, antes decorrendo do princípio do contraditório, que impõe à acusação o dever de provar os factos em que se alicerça, facultando-se ao arguido um comportamento que, em última análise, poderá obstar a que se auto-incrimine.

[7] - Benjamim Silva Rodrigues in Das Escutas Telefónicas, Tomo I, A Monitorização dos Fluxos Informacionais e Comunicacionais, Coimbra Editora, 2008, páginas 227 e 228.

[8] - In Escutas Telefónicas – Regime Processual Penal, Quid Juris, 2009, página 101.

[9] - Entre Péricles e Sísifo: O Novo Regime Legal das Escutas Telefónicas – Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Separata, Ano 17, nº 4, Outubro-Dezembro 2007, páginas 624 a 626.

[10] - Manuel da Costa Andrade, Escutas Telefónicas … cit. páginas 278 a 280.

[11] - Ana Raquel Conceição in Ob. cit., página 24

[12] - Ou seja, que o anonimato da fonte exija um esforço acrescido do investigador e do decisor para que seja reputada como suficiente para servir de sustentáculo ao uso de um meio de obtenção de prova tão delicado como é a escuta telefónica, entendimento que sufragamos e que se defende no Acórdão da Relação do Porto de 09.05.2001, proferido no processo nº 0140346 e da Relação de Lisboa de 28.10.2004 – processo nº 7968/2004-9 – acessíveis em www.dgsi.pt

[13] - Pois assim ficaria des-legitimado o recurso a tal meio visto que os factos teriam já a clareza e concisão suficientes para autonomizarem e fundarem um juízo de acusação. Neste exacto sentido, Benjamim Silva Rodrigues in Das Escutas Telefónicas, Tomo I, A Monitorização dos Fluxos Informacionais e Comunicacionais, Coimbra Editora, 2008, páginas 227/8.

[14] - Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, inaplicável ao caso.

[15] - Também chamada ''revista alargada'', segundo terminologia usada, entre outros, nos Acórdãos da Relação de Coimbra de 14.01.2009 e de 11.03.2009 proferidos, respectivamente, nos processos 175/07.8TASPS.C1 e 4/05.7TAACN.C1 e disponíveis, também respectivamente, em www.dgsi.pt e http://www.trc.pt. O conceito ''revista alargada'' com o sentido exposto também pode encontrar-se utilizado no voto de vencida da Exmª Srª Conselheira Maria Fernanda Palma proferido no Acórdão do TC de proferido em 04.08.1988 no Procº nº 170/98 (disponível no respectivo site).

[16] - Na sua 3ª edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, Abril de 2009, página 1121.

[17] - Simas Santos e Leal-Henriques in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 7ª edição, 2008, pág. 105. No preciso sentido enunciado no 1º §, vide citações infra, cfr. notas 9 e 10.

[18] - Acórdão do Tribunal Constitucional nº 140/2004 , de 10 de Março de 2004 – Diário da República , II Série , de 17 de Abril de 2004, quando a versão do artº 412º, nº 3 e nº 4 do Código de Processo Penal era, nesta sede específica, menos exigente do que a actual.

[19] - In Ob. cit., página 1121.

[20] - In Código de Processo Penal Anotado, 17ª edição, página 965, referindo-se ao aditamento do adjectivo concretos nas alíneas a) e b) do nº 3 do artº 412º deste diploma.

[21] - Ob. cit., página 966.

[22] - Neste exacto sentido, vide o Acórdão desta RE de 15.04.2010, proferido no Recurso Penal nº 506/05.5GBPSR.E1, que seguiremos ulteriormente em parte.

[23] - Acórdão de 12.03.2008, disponível http://www.dgsi.pt.

[24] - Acórdão da Relação de Évora de 24.09.2009, disponível em http://www.dgsi.pt.

[25] - No caso de gravação em suporte digital (CD ou DVD) ou do número das rotações / voltas, no caso de gravação em suporte analógico (de cassete).

[26] - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29.09.2009 e 18.01.2001, aquele disponível em http://www.dgsi.pt e este nos Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, nº 47. Em sentido análogo, o Acórdão desta Relação de 24.09.2009 [relatado pelo Senhor Desembargador Martinho Cardoso no processo nº 2829/08-1] acessível em www.dgsi.pt no sentido de que não se aceitando o entendimento de que a impugnação deve ser restrita a passagens concretas identificadas pelo recorrente, pode prejudicar-se ou até inviabilizar-se ''o exercício legítimo do contraditório por banda dos sujeitos processuais interessados com o desfecho do recurso'', impondo-lhes, eventualmente, que consultem ''dezenas ou até centenas de minutos ou horas de gravações até descobrirem, se conseguirem e se elas efectivamente existirem, as concretas passagens das declarações em que o recorrente presumivelmente se terá baseado para impugnar um determinado facto e que podem ser apenas duas ou três palavras em cada depoimento ou até não existirem, transferindo também desse modo abusivamente para o tribunal de recurso a incumbência de ser este tribunal a encontrar e seleccionar as específicas passagens das gravações que melhor se adequem aos interesses do recorrente, ficando assim o tribunal na situação de bem servir os objectivos de uma das partes, com violação do seu dever de independência e equidistância em relação a todas elas e ficando sempre sujeito a que o recorrente depois alegue que não era bem aquela mas antes uma outra passagem da gravação em que o tribunal de recurso devia ter ponderado.''

[27] - Simas Santos e Leal-Henriques in Recursos em Processo Penal, 7ª edição, Rei dos Livros, 2008, página 105.

[28] - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.12.2005, acessível em http://www.dgsi.pt.

[29] - Acórdão do Tribunal Constitucional nº 140/2004, de 10.03.2004 – Diário da República, II Série, de 17 de Abril de 2004 - quando a versão do art.º 412.º, n.os 3 e 4 do Código de Processo Penal era menos exigente do que a actual.

[30] - Acórdão da Relação de Coimbra de 22.10.2008, disponível em http://www.dgsi.pt.

[31] - Acórdão da Relação de Guimarães de 20.03.2006 proferido no processo 245/06-1 e disponível em www.dgsi.pt.

[32] - In Sumários de Processo Criminal, Coimbra, 1968, páginas 50/1.

[33] - Na Revista Fórum & Iustitiae, Direito & Sociedade, Ano 1, nº 0, Maio de 1999, pág. 22.

[34] - Cunha Rodrigues in Lugares do Direito, Coimbra Editora, 1999, p. 498, citando Manzini, G. Leone e U. Dinacci.

[35] - Uma espécie de ''corazonada'', não exteriorizável nem controlável noutras instâncias. Enrique Ruiz Vadillo, La Actividad Probatoria en El Proceso Penal Español in La Prueba en El Proceso Penal apud Paulo Saragoça da Matta, A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença nas Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Almedina, Coimbra, 2004, página 221.

[36] -Acórdão do TC nº 1165/96 disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.

[37] - Jorge de Figueiredo Dias in Direito Processual Penal, Coimbra Editora , vol. I , 1974 , pág. 204 .

[38] - In Código de Processo Civil Anotado, volume IV, págs. 566 e ss.

[39] - Neste sentido, vide Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa, 3ª edição, Abril de 2009, página 870.

[40] - ''O J. fala que o dele e do N- está pronto, que seria o estupefaciente que traziam na posse deles, que seria para os dois, tanto para o J. como para o N..'' (itálico e negrito da nossa autoria)

[41] - Assim, Cristina Monteiro, In Dubio Pro Reo, Coimbra Editora, 1997 e Acórdão do STJ de 10.01.2008 proferido no processo nº 4198/07, 5ª Secção e disponível em www.dgsi.pt.

[42] - Neste exacto sentido, vide Fernando Gama Lobo in Droga, Legislação, Notas, Doutrina, Jurisprudência, 2010, página 82, sendo aí mencionados exemplos da referida corrente jurisprudencial.

[43]- Disponível em http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=24782&codarea=2.

[44] - Disponível em http://www.pgdlisboa.pt/pgdl/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=26974&codarea=2 .

[45] - José Gonçalves da Costa, Revisão do Código Penal - Implicações Judiciárias mais Relevantes da Revisão da Parte Geral, CEJ, Lisboa, 1996, p. 29.

[46] - Sobre esta distinção fundamental, pode ver-se Claus Roxin in Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Editorial Civitas, Madrid, 1997, páginas 813 e 814, onde se afirma que a culpa como fundamento da pena diz respeito à imputabilidade ou capacidade de culpa, bem como à possibilidade de conhecimento da proibição, sendo que a culpa como fundamento da medida da pena é uma realidade susceptível de fixação em concreto através da consideração de circunstâncias (cfr. o nº 2 do artº 71º do C. Penal).

[47] - A norma do C. Penal Alemão equivalente ao artº 71º do Código Penal Português tem a seguinte estrutura: o § 46 I daquele diploma contém o enunciado de que na individualização da pena se devem tomar em consideração os fins da mesma e no nº II enumeram-se as circunstâncias que , em benefício ou em prejuízo do autor , devem ser levadas em consideração para o aludido desiderato .

[48] - Assim, Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend in Tratado de Derecho Penal, tradução da 5ª Edição do Lehrbuch des Strafrechts, All. Teil, Comares, Granada, Dezembro de 2002, páginas 948 e 949. Sabemos que Eduardo Correia (com a concordância da Comissão Revisora) defendia, nas suas linhas essenciais, este conceito, ao afirmar ''é claro que que, em absoluto, a medida da pena é uma certa; simplesmente, qual ela seja exactamente é coisa que não poderá determinar-se, tendo, pois, o aplicador de remeter-se a uma aproximação que, só ela, justifica aquele ''spielraum'', dentro do qual podem ser decisivas considerações derivadas da pena prevenção.'' (BMJ nº 149, página 72)

[49] - Temas Básicos da Doutrina Penal , Coimbra Editora , 2001 , páginas 105 a 107 .

[50] - Acórdão do STJ de 24.05.1995 in CJ, ASTJ, Ano III, Tomo 2, página 214.

[51] - Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação Concreta da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra Editora, 1995, página 323.

[52] -Anabela Miranda Rodrigues, Ob. cit., página 481.

[53] - Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal , Universidade Católica Editora , Lisboa , 2008 , página 230 .

[54] - Trânsito em julgado da decisão que o condenou, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples e de um crime de coacção na forma tentada – 09.02.2009; data da prática dos factos a que dizem respeito os presentes autos: 30.04.2009.

[55] - Fernando Gama Lobo in Ob. cit. página 58.

[56] - Do Código Penal.

[57] - A terminologia é de Figueiredo Dias in Novas e Velhas Questões Sobre a Pena de Suspensão de Execução da Prisão, RLJ, Ano 124, página 67.

[58] - A explicação de que a autoridade policial destacou os meios necessários para que a intercepção fosse feita em determinado local, não se podendo exigir mais da actividade policial (motivação – fls. 3426), não colhe, pois deve sempre exigir-se à autoridade policial a actividade necessária para a prossecução penal da investigação pelo MP. Caso esta não seja suficiente para tal efeito, nunca poderão retirar-se de tal insuficiência quaisquer relevâncias para a imputação de um crime a um agente.

[59] - Ao arguido NS.

[60] - Do arguido JB.

[61] -In Direito Penal - Questões Fundamentais - A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2ª edição, 2007, página 836.

[62] - Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend in Ob. cit. página 744.

[63] - Figueiredo Dias in Novas e Velhas Questões … cit. , página 68 .

[64] - Neste sentido, Figueiredo Dias in Direito Penal Português cit. página 344.

[65] - Manuel da Costa Andrade, “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, Reimpressão, Coimbra Editora, 2006, página 2819.

[66] - Manuel da Costa Andrade, “Escutas Telefónicas, Conhecimentos Fortuitos e Primeiro Ministro”, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 139, Maio-Junho de 2010, n.º 3962, páginas 276 e seguintes.

[67] - A génese do direito ao silêncio não assenta no intuito de beneficiar o arguido, antes decorrendo do princípio do contraditório, que impõe à acusação o dever de provar os factos em que se alicerça, facultando-se ao arguido um comportamento que, em última análise, poderá obstar a que se auto-incrimine.

[68] - Benjamim Silva Rodrigues, in “Das Escutas Telefónicas”, Tomo I – A Monitorização dos Fluxos Informacionais e Comunicacionais, Coimbra Editora 2008, páginas 227 e 228.

[69] - In “Escutas Telefónicas – Regime Processual Penal”, Quid Juris 2009, página 101.

[70] - “Entre Péricles e Sísifo: O Novo Regime Legal das Escutas Telefónicas” – Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Separata, Ano 17, n.º 4, Outubro-Dezembro 2007, páginas 624 a 626.

[71] - Manuel da Costa Andrade, “Escutas Telefónicas, Conhecimentos Fortuitos e Primeiro Ministro”, Revista de Legislação e Jurisprudência citada, páginas 278 a 280.

[72] - Ana Raquel Conceição, obra citada, página 24

[73] - Manuel da Costa Andrade, “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, página 84.

[74] - Carlos Adérito Teixeira, in “Escutas Telefónicas: A Mudança de Paradigma e os Velhos e os Novos Problemas”, Revista do CEJ, 1º Semestre 2008, nº 9 (Especial) – Jornadas sobre a revisão do Código de Processo Penal, páginas 292 e 293.

[75] - In “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, páginas 11, 194 e 195.

[76] In “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo 2008, II Volume, página 144 e 145.

[77] - In “A Distinção Entre Prova Proibida Por Violação dos Direitos Fundamentais e Prova Nula Numa Perspectiva Essencialmente Jurisprudencial”, Revista do CEJ, n.º 4, 2006, página 175.

[78] - In “Apontamentos de Direito Processual Penal”, II Volume, Edição da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1993,página 151.

[79] - In “Comentário ao Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora, 2007, página 305.

[80] - In “As Proibições de Prova no Processo Penal”, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Livraria Almedina, 2004, página 147.

[81] - In “Escutas Telefónicas: A Mudança de Paradigma e os Velhos e os Novos Problemas”, Revista do CEJ já citada.

[82] - Benjamim Silva Rodrigues, obra citada, página 414
.
[83] - Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 18 de Outubro de 2004, citado no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º426/2006, de 25 de Agosto de 2005 – acessível em www.tribunalconstitucional.pt.

[84] - Vide acs. n.ºs 407/97, 347/2001, 411/2002, 528/2003 e 379/2004.
[85] - Neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto, de 9 de Maio de 2001 – processo n.º 0140346 – e da Relação de Lisboa, de 28 de Outubro de 2004 – processo n.º 7968/2004-9 – acessíveis em www.dgsi.pt

[86] - Manuel da Costa Andrade, in “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, página 61.

[87] - Manuel da Costa Andrade, in “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, página 315.

[88] - Cfr. “Para uma Reforma Global do Processo Penal”, in “Para uma Nova Justiça Penal”, Coimbra, 1983, página 208.

[89] - Publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Junho de 2004 e também acessível em www.tribunalconstiticuional.pt

[90] - “Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal”, página 62 e seguintes.

[91] - Ana Raquel Conceição, in obra citada, páginas 203 e 204.
Decisão Texto Integral: