Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
472/13.3TBFAR.E1
Relator: FLORBELA MOREIRA LANÇA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM
Data do Acordão: 11/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I. Para efeito de se estabelecer o limite da condenação, a que se refere o art.º 609.º, n.º 1 do CPC, o valor do pedido global a considerar é aquele que, decorrendo da mesma causa de pedir, se apresenta como a soma do valor de várias parcelas, em que o mesmo se desdobra ou decompõe.
II. Os limites da condenação, ditados pelo princípio do dispositivo, reportam-se ao pedido global e não às parcelas em que, para determinação do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do dano.
III. Tendo o A. pedido a condenação da R. no pagamento de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais, a sentença que condena a R. no montante de € 10.000,00, a esse título, não viola o n.º 1 do art.º 609.º do CPC, quando o montante global do pedido é superior ao montante global da condenação.
IV. Afigura-se adequado o montante de € 10.000,00 fixado pelo tribunal a quo, a título de danos não patrimoniais, tendo em atenção que o Autor a) sofreu traumatismo crânio-encefálico sem perda de conhecimento, traumatismo cervical e traumatismo da grelha costal direita; luxação IF do polegar esquerdo, tendo sido efetuada redução ortopédica; traumatismo da coluna cervical com raquialgia, embora sem alterações neurológicas; traumatismo do tornozelo; cervicalgia de predomínio esquerdo; discretas alterações degenerativas disco-ligamentares sem outras alterações; torcicolo pós-traumático; fratura do 9º arco costal direito b) recebeu assistência hospitalar e esteve imobilizado no leito, em casa, durante cerca de 30 dias, por dificuldade na marcha e por dores, tendo verificado-se a consolidação médico-legal das lesõesa 27.07.2006; c) na recuperação das lesões efectuou 30 sessões de fisioterapia; d) sofreu: i) um período de défice funcional temporário total de 22 dias; ii) um período de défice funcional temporário parcial de 88 dias; iii) um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 110 dias; e iv) um quantum doloris fixado no grau 3/7; e) passou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos, correspondente a: dor cervical moderada com contractura muscular paravertebral de predomínio esquerdo, com ligeira limitação das rotações e lateralidade esquerdo sem alterações neurológicas; e rigidez moderada da IF do polegar esquerdo, sendo a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, considerando que o Autor praticava ciclismo e futebol, é de grau f); terá de realizar tratamentos médicos regulares e fisioterapia; g) na sequência do acidente, tem-se sentido triste e frustrado, para além do sofrimento causado pelas dores sentidas.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I. Relatório
AA propôs acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra BB - Companhia de Seguros, SA, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe:

- a quantia de € 80.609,52 a título de indemnização por danos patrimoniais e € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Alegou o A., para tanto e em síntese, que no dia 07.04.2006 ocorreu um acidente de viação causado pelo veículo, conduzido por CC, de marca Audi com o matrícula …-BE-…, segurado da R., no qual seguia o A., tendo este, por virtude do referido acidente sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais.

A R. contestou por excepção e impugnou os factos alegados, pugnando pela improcedência da acção.

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, que julgando improcedente a excepção peremptória da prescrição, identificou o objecto do litígio e enunciou os temas de prova

Realizada a audiência final, foi proferida sentença, tendo sido fixada a indemnização por danos não patrimoniais em € 10.000,00 e a R. condenada a pagar ao A. a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais o valor total de € 33.623,06.

Não se conformando com sentença recorrida na parte em que condenou a Ré, BB - Companhia de Seguros, S.A, no pagamento ao Autor, ora Recorrido, da quantia de €.10.000,00 a título de danos não patrimoniais, dela interpôs o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:

“I. É nula a sentença recorrida, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. e), do CPC, por condenar em quantia superior ao pedido, porquanto, não obstante o Autor, ora Recorrido, ter peticionado uma indemnização por danos morais de apenas €.5.000,00, veio o Tribunal a quo a atribuir-lhe uma indemnização de € 10.000,00 para compensar tais danos.

II. Não se aplica no caso dos autos o entendimento de que o limite referido nos art.º 609.º, n.º 1, do CPC deve aferir-se por referência ao pedido globalmente, porquanto o ressarcimento dos danos morais foi peticionado pelo Autor de forma autónoma.

III. Ao fixar ao Recorrido o montante de € 10.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais (únicos em causa no presente recurso), o Tribunal a quo desconsiderou o Princípio da Equidade previsto no referido artigo, fixando a respetiva indemnização em montante exageradamente elevado e desajustado da realidade.

IV. Ao contrapor-se a decisão ora em crise com a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de fixação de indemnizações por danos não patrimoniais, é possível – salvo melhor entendimento - encontrar casos mais gravosos do que o dos presentes autos nos quais foi fixada uma indemnização igual ou inferior.

V. O juízo efetuado pelo Tribunal a quo na douta sentença recorrida, para fixação do montante da indemnização por danos não patrimoniais do Recorrido, é, em face dos factos provados nos presentes autos, desigual e injusto, por excessivo.

VI. Sendo que, apenas uma decisão que fixasse uma indemnização por danos não patrimoniais em montante não superior a € 5.000,00 seria conforme o Princípio de Equidade.

VII. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou os artigos 615.º, n.º 1, al. e) e 609.º, n.º 1, do CPC e o princípio da equidade previsto no n.º 3 do artigo 496.º do Código Civil.

Nestes termos, e com o muito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais.

Decidindo-se assim, far-se-á JUSTIÇA”.

O recorrido contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Providenciados os vistos por meios electrónicos e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do Recurso

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões (art.ºs 608.º, nº 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC), importa decidir as seguintes questões:

a) se a sentença recorrida padece de nulidade em virtude da R. ter sido condenada a pagar ao A., a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 10.000,00 quando o A. havia peticionado, a esse título, a quantia de € 5.000,00;

b) apurar o quantum indemnizatório a título de danos não patrimoniais

III. Fundamentação

1. De Facto
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
“(…)
34. Em consequência dos vários embates do veículo …-BE-…, conduzido por CC, o ora Autor AA sofreu as seguintes lesões: traumatismo crânio-encefálico sem perda de conhecimento, traumatismo cervical e traumatismo da grelha costal direita; luxação IF do polegar esquerdo, tendo sido efetuada redução ortopédica; traumatismo da coluna cervical com raquialgia, embora sem alterações neurológicas; traumatismo do tornozelo; cervicalgia de predomínio esquerdo; discretas alterações degenerativas disco-ligamentares sem outras alterações; torcicolo pós-traumático; fratura do 9º arco costal direito.
35. Após o acidente, o Autor recebeu assistência hospitalar e esteve imobilizado no leito, em casa, durante cerca de 30 dias, por dificuldade na marcha e por dores.
36. A consolidação médico-legal das lesões verificou-se a 27.07.2006.
37. Na recuperação das lesões, o Autor efetuou 30 sessões de fisioterapia.
38. Na sequência do acidente, e das lesões do mesmo resultantes, o Autor sofreu: i) um período de défice funcional temporário total de 22 dias; ii) um período de défice funcional temporário parcial de 88 dias; iii) um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 110 dias; e iv) um quantum doloris fixado no grau 3/7.
39. Na sequência do acidente, e das lesões do mesmo resultantes, o Autor passou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos, correspondente a: dor cervical moderada com contractura muscular paravertebral de predomínio esquerdo, com ligeira limitação das rotações e lateralidade esquerdo sem alterações neurológicas; e rigidez moderada da IF do polegar esquerdo.
40. As sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual.
41. A repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, considerando que o Autor praticava ciclismo e futebol, é de grau 2/7.
42. Por força das descritas sequelas, o Autor terá de realizar tratamentos médicos regulares e fisioterapia.
43. Na sequência do acidente, o Autor tem-se sentido triste e frustrado, para além do sofrimento causado pelas dores sentidas.

2. O Direito

Nulidade da sentença

O A. pediu a condenação da R. no pagamento da quantia de € 80.609,52 a título de indemnização por danos patrimoniais e de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais.

A sentença recorrida fixou a indemnização global devida ao A., a título de danos patrimoniais e não patrimoniais em € 33.623,06, sendo a indemnização pelos danos não patrimoniais no montante de € 10.000,00.

Entende a apelante que a sentença é nula, porquanto condenou a R. no pagamento de uma indemnização no montante de € 10.000,00, a título de danos não patrimoniais, quando o A. havia peticionado a esse título a quantia de € 5.000,00, não se aplicando no caso dos autos o entendimento de que o limite referido nos art.º 609.º, n.º 1, do CPC deve aferir-se por referência ao pedido globalmente, porquanto o ressarcimento dos danos morais foi peticionado pelo Autor de forma autónoma.

Vejamos:

A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir (n.º 1 do art.º 609.º do CPC), sendo que é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (al. e) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC).

A proibição de condenação em quantidade superior à do pedido, consignada no art.º 609.º, n.º 1 do CPC, é justificada pela ideia de que compete às partes a definição do objecto do litígio, não cabendo ao juiz o poder de se sobrepor à vontade das partes, e de que não seria razoável que o demandado fosse surpreendido com uma condenação mais gravosa do que a pretendida pelo autor. É na observância do princípio do dispositivo que o tribunal está impedido de condenar em quantia superior ou em objecto diverso do que for pedido.

Com efeito, um dos princípios estruturantes do direito processual civil é o princípio do dispositivo, a que alude o n.º 1 do art.º 5.º do CPC, nos termos do qual “às partes cabe alegar os factos essenciais que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas”.

“O princípio do dispositivo é, substancialmente, a projecção, no campo processual, daquela autonomia privada que, dentro dos limites marcados pela lei, encontra a sua afirmação mais enérgica na figura tradicional do direito subjectivo; até onde a lei substancial reconhecer tal autonomia, mesmo para a coordenar melhor com os fins colectivos, o princípio dispositivo deverá ser coerentemente mantido no processo civil, como expressão irrefragável do poder atribuído aos particulares, de dispor da sua esfera jurídica própria.

Conservaram-se, por isso, no Código (arts. ...), como afirmações de princípio, os aforismos da sabedoria antiga: ne procedat judex ex officio, ne eat judex ultra petita partium, judex secundum allegata et prabata decidere debet.

Suprimir estes princípios equivaleria a reformar, mais do que o processo, o próprio direito privado; dar ao juiz o poder de iniciar ex officio um pleito que os interessados querem evitar, ou de conhecer de factos que as partes não alegaram, significaria cercear, no campo do direito processual, aquela autonomia individual que, no campo do direito substancial, a lei vigente reconhece e garante” (Alberto dos Reis, CPC anot., V, pp.51).

Encontra-se, há muito, firmado na jurisprudência o entendimento segundo o qual os limites da condenação contidos no art.º 609.º, n.º 1 do CPC têm de ser entendidos como referidos ao valor do pedido global e não às parcelas em que aquele valor se desdobra.

Esta orientação tem sido assumida como válida na solução de casos em que o efeito jurídico pretendido se apresenta como indemnização decorrente de um único facto ilícito, traduzindo-se o total do pedido na soma dos valores de várias parcelas, que correspondem, cada uma delas, a certa espécie ou classe de danos (v.g. danos patrimoniais e danos não patrimoniais, danos emergentes e lucros cessantes, danos presentes e danos futuros), componentes ou integrantes do direito cuja tutela é jurisdicionalmente solicitada.

Compreende-se que assim seja nos casos em que, com base na descrição de uma situação de facto, se afirma a titularidade de um direito que se pretende ver tutelado mediante a declaração da sua existência e a concretização em valor único da sua dimensão global, porque, então, se trata de pedido unitário, decomposto ou desdobrado em parcelas que integram um só efeito jurídico, com a mesma e única causa de pedir.

Com efeito, na definição legal (artigo 498.º, n.º 3, do Código de Processo Civil), pedido é o efeito jurídico que se pretende obter com a acção, traduzindo uma pretensão decorrente de uma causa, a causa de pedir, consubstanciada em factos concretos [artigos 467.º, alínea d), e 498.º, n.º 4, 1.ª parte, do Código de Processo Civil], sendo, pois, os dois elementos (pedido e causa de pedir) indissociáveis, como elementos identificadores da acção e delimitadores do seu objecto, do que resulta que o pedido se individualiza como a providência concretamente solicitada ao tribunal em função de uma causa de pedir”. (Ac. do STJ de 25.03.2010, acessível em www.dgsi.pt).

Segundo a apelante, ao caso não é aplicável o entendimento de que o limite referido nos art.º 609.º, n.º 1, do CPC deve aferir-se por referência ao pedido globalmente, porquanto o ressarcimento dos danos morais foi peticionado pelo Autor de forma autónoma, mas não tem razão, porquanto o pedido de indemnização no valor total de apresenta-se como indemnização decorrente de um único facto ilícito, traduzindo-se o total do pedido na soma dos valores de várias parcelas, que correspondem, cada uma delas, a certa espécie ou classe de danos. Não será pelo factos de os pedidos de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais terem sido deduzidos parcelarmente, que não se atenderá ao entendimento impressivamente manifestado no Acórdão do STJ acima citado.

Com efeito, não se mostra violado o princípio do pedido que impede a condenação em valor superior ao peticionado, já que estamos perante um valor parcelar da indemnização global e a limitação quantitativa da condenação implícita no art.º 609.º n.º 1 do CPC reporta-se ao valor global e não ao das concretas parcelas que integram o valor total do pedido.

“Os limites da condenação contidos no artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, têm de ser entendidos como referidos ao valor do pedido global e não às parcelas em que aquele valor se desdobra, sendo esta a orientação assumida como válida na solução de casos em que o efeito jurídico pretendido se apresenta como indemnização decorrente de um único facto ilícito, traduzindo-se o total do pedido na soma dos valores de várias parcelas, que correspondem, cada uma delas, a certa espécie ou classe de danos, componentes ou integrantes do direito cuja tutela é jurisdicionalmente solicitada” (Ac. do STJ de 25.03.2010, acessível na Internet através de http://www.dgsi.pt).

O A./apelado pediu a título de danos patrimoniais a quantia de € 80.609,52, e, a título de danos não patrimoniais a condenação da demandada a pagar-lhe a quantia de € 5.000,00. Ora, tendo a A. sido condenada a pagar a indemnização global, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, no montante de € 33.623,06, é manifesto que não verifica a condenação ultra petitium, já que a obrigação de indemnização a que a recorrente se encontra vinculada, ainda que os danos sejam distintos, por ser diversa a sua natureza, é una, proveniente do mesmo facto ilícito.

“Assim, ainda que os danos revistam uma natureza diferenciada – como por exemplo, a decorrente da fundamental dicotomia entre dano patrimonial e não patrimonial – e, por isso, o cálculo da respectiva indemnização obedeça a parâmetros distintos, os recorrentes não ficam investidos em vários direitos de crédito – tantos quantas as parcelas em que, para a determinação do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do dano – mas num único direito de crédito. É justamente isto que explica, v.g., que os limites da condenação, ditados pelo princípio da disponibilidade objectiva, se entendem referidos ao pedido global e não às parcelas em que, para a determinação do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do dano (artº 661 nº 1 do CPC), e que a proibição da reformatio in mellius – que é um simples consequência da vinculação do tribunal ad quem à impugnação do recorrente, que vincula a que esse tribunal não pode conceder a essa parte mais do que ela pede no recurso interposto – não seja violada pela circunstância de o tribunal de recurso confirmar a procedência do quantitativo total do pedido do autor, ainda que com diferentes montantes de cada uma das parcelas. Se, por exemplo, o autor pede uma determinada indemnização para pagamento dos vários prejuízos decorrentes de um acidente de viação, o tribunal de recurso pode considerar a acção totalmente procedente, ainda que faça uma diferente avaliação de cada um desses prejuízos. Identicamente, o tribunal ad quem pode julgar o recurso procedente, quantificando diferentemente os diversos danos que devem ser reparados ou compensados” (Ac. da RC de 21.03.2013, acessível em www.dgsi.pt)

Assim, pelo exposto, arredada fica a invocada nulidade, já que o tribunal a quo se conteve dentro dos limites traçados pelo n.º 1 do art.º 609.º do CPC, não se verificando, consequentemente, o alegado vício da sentença recorrida, consistente em condenação superior do que foi pedido.

Quantum dos danos não patrimoniais

Entende a apelante que o montante arbitrado ao A., a título de danos não patrimoniais, é exagerado, aludindo a diversos acórdãos, nos quais, para casos mais graves, foram fixadas indemnizações inferiores a € 10.000,00, sendo que “apenas uma decisão que fixasse a indemnização por danos não patrimoniais (únicos aqui em causa) em montante não superior a €.5.000,00, seria conforme o Princípio de Equidade.

Para haver obrigação de indemnizar, é condição essencial, também, que haja dano, ou seja, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém. O dano é a perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de um certo facto, nos interesses materiais, espirituais ou morais que o direito violado ou a norma jurídica infringida visam tutelar. É a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea. É a morte ou são os ferimentos causados à vítima.

Ao lado dos danos pecuniariamente avaliáveis, há outros prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral I, pp. 623). A estes danos, dá-se o nome de danos não patrimoniais (art.º 496.º do Cod. Civil). O mesmo facto ilícito pode, como é sabido, produzir simultaneamente danos patrimoniais e danos não patrimoniais.

A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos.

Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.

Por último, a reparação obedecerá a juízos de equidade, tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso, como se depreende, quer dos termos (equitativamente), em que a lei (art.º 496.º, nº 3 do Cód. Civil) manda fixar para os factores discriminados no art.º 494.º do Cód. Civil.

“A sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto. Nos termos do acórdão deste Supremo Tribunal de 31 de Janeiro de 2012, proc. nº 875/05.7TBILH.C1.S1, www.dgsi.pt, “os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art.º 13.º da Constituição”. Exigência plasmada também no art.º 8.º, n.º 3, do Cod. Civil: “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.” (Ac. do STJ de 28.01.1016, acessível em www.dgsi.pt).

A indemnização, tendo especialmente em conta a situação económica do agente e do lesado, é assim mais uma reparação do que uma compensação, mais uma satisfação do que uma indemnização (cfr. Antunes Varela, op. cit., pp. 628).

O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante), segundo critérios de equidade, pelo Tribunal, atendendo, nomeadamente, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado. E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida (cfr. P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, pp. 501), devendo a indemnização ser fixada, tendo em conta os parâmetros jurisprudenciais adoptados para casos análogos (n.º 3 do art.º 8.º do Cod. Civil)..

“(…)a indemnização por danos não patrimoniais tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de algum modo, o compensem da lesão sofrida, por serem susceptíveis de proporcionar-lhe um lenitivo mitigador do sofrimento causado. Por isso, deverá constituir uma efectiva e adequada compensação, tendo em vista o quantum doloris causado, oferecendo ao lesado uma justa contrapartida que contrabalance o mal sofrido, razão pela qual não pode assumir feição meramente simbólica”, sendo que “(…)na determinação da indemnização há que ter em atenção que a equidade é a justiça do caso concreto, humano, pelo que o julgador deverá ter presente as regras de boa prudência, do bom senso, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida” (Ac. do STJ de 29.10.2008, acessível em www.dgsi.pt).

No que aos danos não patrimoniais respeita, resultou provado que em consequência dos vários embates do veículo …-BE-…, conduzido por CC, o apelado sofreu as seguintes lesões: traumatismo crânio-encefálico sem perda de conhecimento, traumatismo cervical e traumatismo da grelha costal direita; luxação IF do polegar esquerdo, tendo sido efetuada redução ortopédica; traumatismo da coluna cervical com raquialgia, embora sem alterações neurológicas; traumatismo do tornozelo; cervicalgia de predomínio esquerdo; discretas alterações degenerativas disco-ligamentares sem outras alterações; torcicolo pós-traumático; fratura do 9º arco costal direito, tendo o apelado, após o acidente recebido assistência hospitalar e tendo estado imobilizado no leito, em casa, durante cerca de 30 dias, por dificuldade na marcha e por dores, sendo que a consolidação médico-legal das lesões verificou-se a 27.07.2006.

Mais se provou que na recuperação das lesões, o Autor efetuou 30 sessões de fisioterapia e que na sequência do acidente, e das lesões do mesmo resultantes, o Autor sofreu: i) um período de défice funcional temporário total de 22 dias; ii) um período de défice funcional temporário parcial de 88 dias; iii) um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 110 dias; e iv) um quantum doloris fixado no grau 3/7.

Provou-se, ainda, que na sequência do acidente, e das lesões do mesmo resultantes, o Autor passou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos, correspondente a: dor cervical moderada com contractura muscular paravertebral de predomínio esquerdo, com ligeira limitação das rotações e lateralidade esquerdo sem alterações neurológicas; e rigidez moderada da IF do polegar esquerdo, sendo que as sequelas descritas são, em termos de repercussão permanente na atividade profissional, compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas já a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, considerando que o Autor praticava ciclismo e futebol, é de grau 2/7.

Também se provou que por força das descritas sequelas, o Autor terá de realizar tratamentos médicos regulares e fisioterapia e que, na sequência do acidente, o Autor tem-se sentido triste e frustrado, para além do sofrimento causado pelas dores sentidas.

Já acima referimos, quanto aos danos não patrimoniais, que só são indemnizáveis os danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (art.º 496.º, n.º 1 do Cod. Civil). Ora, dúvidas não se suscitam que todos os danos acima enunciados deverão ser ressarcidos, importando, pois, e apenas, apurar o quantum da indemnização, devendo a ponderação sobre a gravidade do dano não patrimonial e, logo, do valor da sua reparação dever ocorrer, considerando o princípio da proporcionalidade e numa perspectiva de uniformidade, no sentido de que a indemnização deve ser fixada tendo em conta os parâmetros jurisprudenciais geralmente adoptados para casos semelhantes.

“Na verdade, no tocante à determinação do quantum da indemnização do dano não patrimonial, a lei aponta nitidamente para uma valoração casuística, orientada por critérios de equidade (artº 494, ex-vi artº 493, 1ª parte, do Código Civil). O critério de determinação da indemnização do dano não patrimonial não obedece, portanto, à teoria da diferença que, de resto, se mostra para essa finalidade imprestável. Mas esta circunstância não obsta à aplicação àquele dano de um princípio orientador do cômputo do dano patrimonial: o princípio da reparação integral do dano.

A lei é terminante na declaração de que o montante da indemnização do dano não patrimonial será fixado equitativamente (artº 496 nº 3, 1ª parte do Código Civil). Neste contexto, a equidade visa determinar aspectos quantitativos de uma prestação: a indemnização. Mas seria errado pensar-se que a fixação da indemnização, a que a equidade é chamada, está no livre arbítrio do juiz; a leitura da lei evidencia a existência de critérios a que o juiz, nessa tarefa delicada, deve atender.

A actividade do juiz, na determinação do montante da indemnização, não se traduz num juízo silogístico-formal de subsunção - dado que o obriga a converter a sua valoração de critérios jurídicos de determinação numa quantificação numérica; trata-se, porém, de uma actividade juridicamente vinculada que constitui estruturalmente autêntica aplicação do direito. Desta constatação faz-se, naturalmente, decorrer a consequência da controlabilidade por via de recurso do procedimento de determinação da indemnização.

No tocante ao processo de determinação do valor da indemnização não se deve reconhecer um espaço de discricionariedade diverso daquele que sempre se encontra presente em qualquer decisão verdadeiramente jurídica, antes se devendo qualificar a actividade correspondente como aplicação do direito, susceptível de controlo por via do recurso. “ (Ac. RC de 21.03.2013, acessível em www.dgsi.pt).

A jurisprudência do STJ tem manifestado a preocupação da padronização quantitativa da compensação devida por danos não patrimoniais, e, por essa via, dos princípios da igualdade e da unidade do direito e ao valor eminente da previsibilidade da decisão judicial, pelo que assume especial relevo a equidade comparativa fundada na ponderação do presente caso com decisão jurisprudencial, também fundada na equidade, proferida em outros casos anteriores, pois que tal como as concepções e valores sociais relacionados com a projecção e tutela dos interesses e direitos individuais fundados no direito geral de personalidade evoluem, qualitativa e quantitativamente, também o valor da compensação devida pela ofensa desses direitos e interesses de natureza não patrimonial tende a reflectir a evolução da sensibilidade da comunidade perante tais violações.

Assim, ter-se-á em atenção as indemnizações fixadas pelo STJ, nomeadamente, nos Acórdãos (todos acessíveis em www.dgsi.pt) de 27.05.2010, 07.10.10, 27.11.2011, 19.04.2012, 02.05.2012 e mais recentemente os Acórdãos de 04.07.2013, 18.12.2013, 20.03.2014, 19.02.2015, 07.05.2014, 20.11.2014 e 04.06.2015 e, em particular, o Acórdão de 20.11.2014, que manteve em €10.000 o montante da compensação por danos não patrimoniais de lesada que, sendo saudável e com 24 anos à data do acidente, sofreu dores, teve de ser assistida e fazer tratamentos, suportando limitações na sua vida habitual durante cerca de um mês, teve insónias e pesadelos.

Revertendo ao nosso caso, de harmonia com a matéria de facto apurada e acima transcrita e de acordo com o critério de equidade fixado no art.º 496.º, n.º 3, e fazendo uma vez mais apelo ao critério das regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da ponderação das realidades da vida, a contemporânea linha jurisprudencial respeitante a análogas condições contextuais (art.º 8.º, n.º 3 do Cod. Civil) e o princípio constitucional da igualdade relativa (art.º 13.º, n.º 1 da CRP), entendemos, face à gravidade dos danos não patrimoniais sofridos, ser justo, adequado e proporcional atribuir ao autor a quantia de € 10.000,00 a título de compensação por danos não patrimoniais sofridos com o acidente dos autos.

Não vislumbramos razão para censurar o julgamento do tribunal a quo, designadamente não descortinamos no valor arbitrado de € 10.000,00 o excesso que a recorrente diz existir.

Sumário:
I. Para efeito de se estabelecer o limite da condenação, a que se refere o art.º 609.º, n.º 1 do CPC, o valor do pedido global a considerar é aquele que, decorrendo da mesma causa de pedir, se apresenta como a soma do valor de várias parcelas, em que o mesmo se desdobra ou decompõe.
II. Os limites da condenação, ditados pelo princípio do dispositivo, reportam-se ao pedido global e não às parcelas em que, para determinação do quantum indemnizatório, há que desdobrar o cálculo do dano.
III. Tendo o A. pedido a condenação da R. no pagamento de € 5.000,00 a título de danos não patrimoniais, a sentença que condena a R. no montante de € 10.000,00, a esse título, não viola o n.º 1 do art.º 609.º do CPC, quando o montante global do pedido é superior ao montante global da condenação.
IV. Afigura-se adequado o montante de € 10.000,00 fixado pelo tribunal a quo, a título de danos não patrimoniais, tendo em atenção que o Autor a) sofreu traumatismo crânio-encefálico sem perda de conhecimento, traumatismo cervical e traumatismo da grelha costal direita; luxação IF do polegar esquerdo, tendo sido efetuada redução ortopédica; traumatismo da coluna cervical com raquialgia, embora sem alterações neurológicas; traumatismo do tornozelo; cervicalgia de predomínio esquerdo; discretas alterações degenerativas disco-ligamentares sem outras alterações; torcicolo pós-traumático; fratura do 9º arco costal direito b) recebeu assistência hospitalar e esteve imobilizado no leito, em casa, durante cerca de 30 dias, por dificuldade na marcha e por dores, tendo verificado-se a consolidação médico-legal das lesõesa 27.07.2006; c) na recuperação das lesões efectuou 30 sessões de fisioterapia; d) sofreu: i) um período de défice funcional temporário total de 22 dias; ii) um período de défice funcional temporário parcial de 88 dias; iii) um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 110 dias; e iv) um quantum doloris fixado no grau 3/7; e) passou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 3 pontos, correspondente a: dor cervical moderada com contractura muscular paravertebral de predomínio esquerdo, com ligeira limitação das rotações e lateralidade esquerdo sem alterações neurológicas; e rigidez moderada da IF do polegar esquerdo, sendo a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer, considerando que o Autor praticava ciclismo e futebol, é de grau f); terá de realizar tratamentos médicos regulares e fisioterapia; g) na sequência do acidente, tem-se sentido triste e frustrado, para além do sofrimento causado pelas dores sentidas.

IV. Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, em consequência, mantem-se a decisão recorrida.
Custas nesta instância, pela apelante.
Registe.
Notifique.

Évora, 17 de Novembro de 2016
Florbela Moreira Lança
Bernardo Domingos
Silva Rato