Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
113/22.8T9EVR.E1
Relator: JORGE ANTUNES
Descritores: IMPORTUNAÇÃO SEXUAL
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
PORNOGRAFIA DE MENORES
ESPETÁCULO PORNOGRÁFICO
Data do Acordão: 10/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I.O crime de importunação sexual, o bem jurídico protegido é a liberdade sexual de outra pessoa, visa-se a protecção da liberdade das pessoas a relacionarem-se, ou não, sexualmente com outrem e a escolherem com quem manterão esse tipo de relacionamento. É uma forma de expressão da liberdade sexual, representando, como se disse supra, um crime de resultado, já que a própria importunação representa o resultado da acção.
A lei exige, sendo elemento do tipo de crime, a formulação de uma proposta (um convite) a um acto de natureza sexual, o constrangimento a contacto de natureza sexual e que a conduta do agente efectivamente importune a vítima (“quem importunar outra pessoa…”) - cause uma perturbação do estado psíquico da vítima por ela sentida como negativa e / ou indesejada.

Não se exige o envolvimento da vítima na execução corporal de um acto sexual, ao contrário do que se passa com outros crimes de natureza sexual, bastando-se com a recepção, por parte desta, de actos comunicativos de teor sexual.

Trata-se também de um crime de dano (a lesão da autodeterminação sexual) e de execução vinculada, pois a importunação só tem relevância típica se for causada por uma das três acções enunciadas no artigo 170.º do Código Penal: a prática de actos de carácter exibicionista, a formulação de propostas de teor sexual ou o constrangimento a contacto de natureza sexual.

De notar que a importunação não se afere através de uma perspectiva subjectivista, devendo considerar-se e ponderar-se diferentes circunstâncias, como o modo, a forma de execução, a sensibilidade do /a visado/a, local do país.

O tipo subjectivo supõe o dolo intencional na obtenção dos efeitos, incluindo o efeito crescente da excitação sexual do próprio. Bastará o dolo eventual quanto à importunação sexual da “vítima”.

II.Com a entrada em vigor da Lei n.º 40/2020, de 18 de agosto, passou a constar expressamente do nosso Código Penal um conceito operativo de pornografia de menores – o nº 8 do artigo 176º do Código Penal passou, então, a dispor que “Para efeitos do presente artigo, considera-se pornográfico todo o material que, com fins sexuais, represente menores envolvidos em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou contenha qualquer representação dos seus órgãos sexuais ou de outra parte do seu corpo”. A Diretiva 2011/93/UE do Parlamento Europeu e do Conselho a cuja transposição para o Direito interno se procedeu, contém, no seu artigo 2º, um conjunto de definições, entre as quais as de pornografia infantil e de espetáculo pornográfico.

III. A existência de um espetáculo pornográfico não pressupõe a organização de um evento aberto a público plural. Pelo contrário, poderá ser um evento privado, não comercial, não se impondo um número mínimo de espetadores para que opere o conceito. Na Diretiva 2011/93/UE entendeu-se ser útil a formulação de uma definição de espetáculo pornográfico. Assim, estabelece-se no artigo 2º, alínea e), que “Para efeitos da presente diretiva, entende-se por: (…) «Espetáculo pornográfico», a exibição ao vivo, destinada a um público, inclusive com recurso às tecnologias da informação e da comunicação, de: i) crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou ii) órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais;”

É um ato de representação de uma ou mais pessoas em comportamento sexualmente explícito, real ou simulado, ou os órgãos sexuais de uma pessoa, para fins predominantemente sexual. O espetáculo não tem de ser público, nem remunerado. O espetáculo pode ser visual ou sonoro, como é o caso das hot lines. O agente pode intervir no espetáculo ou ser mero espetador ou ouvinte ou até nem intervir nem presenciar o mesmo, bastando que tenha levado a criança a presenciá-lo.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
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I – RELATÓRIO

1. No Juízo Central Cível e Criminal de … (Juiz …), o arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi submetido a julgamento em processo comum com a intervenção do Tribunal Coletivo, após acusação do Ministério Público que lhe imputou a prática, na forma consumada, em autoria material e em concurso real, nos termos dos artigos 14.º, 26.º, 30.º, n.º 1, todos do Código Penal, dos seguintes crimes:

a) dois crimes de pornografia de menores, previstos e punidos pelo artigo 176.º, n.º 1, e b), e n.º 8 do Código Penal, sendo ofendido BB.

b) dois crimes de pornografia de menores agravados sob a forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 176.º, n.º 1, alínea b), n.º 8 e n.º 9, 177.º, n.º 6, 22.º e 23.º do Código Penal, sendo ofendido o indivíduo identificado na rede social “Instagram” como sendo CC.

c) um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 3, alíneas a) e b), do Código Penal, sendo ofendido DD.

d) um crime de importunação sexual, previsto e punido pelos artigos 170.º e 178.º, n.º 1, do Código Penal, sendo ofendido EE.

e) um crime de importunação sexual, previsto e punido pelos artigos 170.º e 178.º, n.º 1, do Código Penal, sendo ofendido FF.

f) um crime de importunação sexual, previsto e punido pelos artigos 170.º e 178.º, n.º 1, do Código Penal, sendo ofendido GG.

g) dois crimes de importunação sexual, previstos e punidos pelos artigos 170.º e 178.º, n.º 1, do Código Penal, sendo ofendido HH.

2. Após comunicação de alteração não substancial dos factos e da qualificação jurídica, por acórdão de 19 de junho de 2023, foi decidido:

“Pelo exposto, delibera o Colectivo de Juízes que compõem este Tribunal, julgar a acusação parcialmente procedente e, em consequência, decide:

a. Absolver o arguido AA da prática de um crime de pornografia de menores agravados sob a forma tentada, previsto e punido pelos artigos 176.º, n.º 1, alínea b), n.º 8 e n.º 9, 177.º, n.º 6, 22.º e 23.º do Código Penal, sendo ofendido o indivíduo identificado na rede social “Instagram” como sendo CC;

b. Absolver o arguido AA pela prática de um crime de pornografia de menores agravados sob a forma tentada, previsto e punido pelos artigos 176.º, n.º 1, alínea b), n.º 8 e n.º 9, 177.º, n.º 6, 22.º e 23.º do Código Penal, sendo ofendido o indivíduo identificado na rede social “Instagram” como sendo CC;

c. Condenar o arguido AA pela prática um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, alínea a) e n.º 8 do Código Penal, sendo ofendido BB, na pena de 2 anos e 5 meses de prisão;

d. Condenar o arguido AA pela prática um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, alínea b) e n.º 8 do Código Penal, sendo ofendido BB, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão;

e. Condenar o arguido AA pela prática um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, alínea b) e n.º 8 do Código Penal, sendo ofendido BB, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão;

f. Condenar o arguido AA pela prática um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, alínea b) e n.º 8 do Código Penal, sendo ofendido o indivíduo identificado na rede social “Instagram” como sendo CC, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão;

g. Condenar o arguido AA pela prática um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, alínea b) e n.º 8 do Código Penal, sendo ofendido o indivíduo identificado na rede social “Instagram” como sendo CC, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão;

h. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 3, alíneas a) e b), do Código Penal, sendo ofendido DD, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

i. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de importunação sexual, previsto e punido pelos artigos 170.º e 178.º, n.º 1, do Código Penal, sendo ofendido EE, na pena de 6 meses de prisão;

j. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de importunação sexual, previsto e punido pelos artigos 170.º e 178.º, n.º 1, do Código Penal, sendo ofendido FF, na pena de 6 meses de prisão;

k. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de importunação sexual, previsto e punido pelos artigos 170.º e 178.º, n.º 1, do Código Penal, sendo ofendido GG, na pena de 6 meses de prisão;

l. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de importunação sexual, previsto e punido pelos artigos 170.º e 178.º, n.º 1, do Código Penal, sendo ofendido HH, na pena de 6 meses de prisão;

m. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de importunação sexual, previsto e punido pelos artigos 170.º e 178.º, n.º 1, do Código Penal, sendo ofendido HH, na pena de 6 meses de prisão;

n. Condenar o arguido AA, operando o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido – c. a m. -, nos termos do art.º 77.º, do Código Penal, na pena única de 7 (sete) anos de prisão;

o. Condenar o arguido AA na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, prevista no artigo 69.º-B, n.º 2 do Código Penal, pelo período de 13 (treze) anos e 6 (seis) meses;

p. arbitrar oficiosamente a indemnização de € 3 500.00 a favor BB, condenando o arguido AA no respectivo pagamento;

q. arbitrar oficiosamente a indemnização de € 1 500.00 a favor DD, condenando o arguido AA no respectivo pagamento;

r. arbitrar oficiosamente a indemnização de € 1 000.00 a favor EE, condenando o arguido AA no respectivo pagamento;

s. arbitrar oficiosamente a indemnização de € 1 000.00 a favor FF, condenando o arguido AA no respectivo pagamento;

t. arbitrar oficiosamente a indemnização de € 1 000.00 a favor GG, condenando o arguido AA no respectivo pagamento;

u. arbitrar oficiosamente a indemnização de € 1 500.00 a favor HH, condenando o arguido AA no respectivo pagamento;

v. Ordenar a recolha de amostra de ADN ao arguido AA, atenta a pena em que foram condenados.

w. Condenar o arguido AA, nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC e nos demais encargos previstos na lei.

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Notifique.

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Após trânsito:

- Remeta boletins ao registo criminal;

- Comunique ao Tribunal de Execução de Penas e ao Estabelecimento Prisional da …;

- Oficie ao LPC da PJ, com vista a recolha de amostra de ADN ao arguido, nos termos do artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2008, de 12.02;

- Notifique o arguido, antes da aludida recolha, do que consta no artigo 9.º, alínea a) da Lei n.º 5/2008 de 12.02, devendo ainda o respectivo perfil ser incluído na base de dados de perfis de ADN, nos termos do artigo 18.º n.º 3 do mesmo diploma legal;

- Informe os legais representantes dos ofendidos menores do arbitramento de indemnização a favor destes.

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Proceda à identificação e registo de todos os objectos apreendidos à ordem dos presentes autos e, após, lavre termo de vista para que o Digno Magistrado do Ministério Público se pronuncie sobre o destino dos mesmos.

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Reexame dos Pressupostos da Medida de Coacção aplicada ao arguido:

O arguido AA encontra-se sujeito a medida de coacção detentiva da liberdade, à ordem destes autos.

Nos termos do disposto no artigo 213.º, n.º 1, alínea b), parte final, do Código de Processo Civil, proferida decisão que conheceu, a final, do objecto do processo, há que proceder à reavaliação dos pressupostos da medida de coacção aplicada, com vista a confirmar a sua manutenção, substituí-la por outra medida menos gravosa ou, sendo caso, revogar a sua aplicação.

Atendendo aos crimes por que foram condenados e ao que dispõe o artigo 215.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, não se mostra excedido o prazo de duração máxima das medidas em curso.

Nos presentes autos, verifica-se que se mantêm inalterados os pressupostos que impuseram a aplicação das medidas de coacção suprarreferidas e encontram-se agora reforçados, tendo em conta que a prova produzida em audiência de julgamento determinou a condenação do arguido nas penas atrás fixadas.

Em face do exposto, não tendo sido atingido o prazo máximo a que se aludiu, o Tribunal Colectivo decide manter a medida de coacção de prisão preventiva aplicada ao arguido AA, para além do TIR prestado, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 191.º, 193.º, 194.º, 195.º, 202.º, n.º 1, alínea a), 204.º, alínea a), artigo 213.º, n.º 1, 215.º, n.º 1, alínea d) e n.º 2, todos do Código de Processo Penal.”.

3. Inconformado com a decisão final condenatória, dela interpôs recurso o arguido, pugnando pela revogação da decisão e sua substituição por outra em que:

- se absolva o arguido dos crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº 1, al. a), ou tendo entendimento diferente, se condene o arguido pelo nº 9 desse artigo, por tentativa;

- se absolva o arguido do crime de abuso sexual de menores, por não provado;

- se absolva o arguido dos crimes de importunação sexual de menores ou, caso assim não se entenda, se absolva o arguido dos crimes de importunação sexual quanto aos menores DD, GG e FF, por não provados;

- se aplique, em “última instância”, o principio do “in dúbio pro reo” e se absolva o arguido;

- (em caso de condenação), se reduzam as penas parcelares e se aplique aos crimes de importunação sexual, penas de multa;

- se aplique ao arguido, em cúmulo jurídico, uma pena única mista, sendo a pena de prisão não superior a cinco anos, sempre suspensa na sua execução;

- se altere a pena acessória para uma inferior, nunca superior à pena em cúmulo jurídico que vier a ser aplicada ao arguido;

- se absolva o arguido do pagamento das indemnizações arbitradas aos menores, ou caso assim não se entenda, se alterem as mesmas para valores que não ultrapassem a metade do valor arbitrado pelo tribunal “a quo”.

Formulou o Recorrente a seguinte síntese conclusiva:

“I- O arguido foi condenado a 7 (sete) anos de prisão efectiva na sua execução, em cúmulo, pela prática de 5 (cinco) crimes de pornografia de menores, 5 (cinco) crimes de importunação sexual de menores e1 (um crime) de abuso sexual de menores.

II- Foi ainda condenado na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores e no pagamento de indemnização de:

a) 3 500,00€ a BB;

b) 1 500,00€ a DD;

c) 1 500,00€ a HH;

d) 1 000,00€ a FF;

e) 1 000,00€ a GG.

III- No que respeita ao Crime de pornografia de menores, p.e.p. no artº 176º nº1 al. a), o Tribunal “ a quo “ formulou a sua convicção , com base , quase exclusiva , das declarações do arguido e na errada apreciação da prova constante a fls. 257 a 271 ;

IV- Ignorando as declarações para memória futura prestadas pelo menor, onde este refere que não foram realizadas videochamadas (min…)

V- Considera a defesa, com o devido respeito, que o Tribunal “a quo” não dispunha de matéria fáctica suficiente para condenar o arguido pela prática do crime de pornografia de menores, p. e. p. pela al. a , do nº 1 do artº 176º do CP.

VI- Ou melhor, dizendo, dispunha de prova suficiente para não dar como provado o crime de pornografia da al. a) do artº 176º do CP.

VII-Não se vislumbrando outra solução, que não, a absolvição do arguido!

Por outro lado,

Quanto ao espectáculo pornográfico,

VIII- O Estado português não definiu o conceito de espectáculo pornográfico

IX- A Convecção de Lanzarote , prevê no artº 21 º nº 1 que cada parte toma as necessárias medidas legislativas ou outras para qualificar como infração penal os comportamentos dolosos de Recrutar ou coagir uma criança para que participe em espectáculos pornográficos ou favorecer a participação em tais espectáculos , tirar proveito ou, de qualquer forma tirar explorar uma criança para esse fim.

X- Por seu Lado, o relatório Explicativo da Convenção, expressamente, no ponto 148 e 147 se refere a “organização de espectáculos…,

XI- Acrescentando no ponto 147 …”…… esta disposição visa essencialmente a organização de espectáculos ao vivo com a participação de crianças…”…

XII- A existência de um espectáculo, pressupõe um evento com público ou aberto ao publico, um evento ao vivo aberto a espectadores, será um evento destinado a entreter!

XIII- O comportamento do arguido, ao solicitar a realização de videochamada, limitou-se a uma tentativa de contacto interpessoal entre duas pessoas, por imagem, com a finalidade de manterem um contacto sexual entre si, dentro da sua esfera de intimidade, e não a sua participação em qualquer espectáculo, não se enquadrando na a al. a) do artº 176 ao presente caso.

XIV- Deve, por isso, também neste caso, o arguido ser absolvido!

Em caso de entendimento diferente,

XV- Deve o arguido ser condenado, em última análise, com base na prova constantes dos autos, pela prática do crime, na forma tentada, pelas tentativas de realização de videochamadas, que nunca se concretizaram!

XVI- E não perante uma “tentativa de aliciamento “, como o tribunal “a quo” pretende sustentar.

XVII- Daquilo que se extrai da prova existente nos autos é de que os pedidos de videochamadas eram feitos através de simples pergunta, memso antes de o arguido e o menor terem iniciado, muitas das vezes, qualquer diálogo prévio, sem qualquer tipo de sedução (vejam-se fls 258 a 271- auto de apreensão , pesquisa e análise ao telemóvel e impressão de mensagens trocadas com o menor)!

XVIII- Tento o próprio tribunal “a quo” a fls 16 do douto Acórdão referido que “… as mensagens trocados entre o arguido e os menores – as constantes a fls. 258 a 271 e 275 a 278 – não configuram nada de aliciante ou de muito aliciante , antes se constata estarmos perante persistentes pedidos do arguido junto daqueles , com tentativas de videochamadas , com pedidos de “ videochamada sem som”- …”

XIX- Ora, é a própria fundamentação do douto Acórdão que contraria a tese de aliciamento!!

XX- Assim, só se equaciona como possível, em última instância, que o arguido, seja condenado pelo crime, na forma tentada, de acordo com o previsto no 176º nº 9, aplicando-se o artº 22º e artº 23º nº 2 do Código Penal, sendo a pena especialmente atenuada!

Quanto ao crime de abuso sexual de menores:

XXI- O menor DD nasceu em … de 2006;

XXII- Os factos descritos na acusação e no douto Acórdão, repostar-se-ão, a uma data anterior a 18 de Março de2020, data em que o menor estaria a menos de um mês de fazer os 14 anos!

XXIII- Realidade que o tribunal “quo” desconsiderou, pois, em momento algum, quer no 1º interrogatório judicial, quer em sede de audiência de discussão e julgamento, foi o arguido questionado se sabia a idade do menor, que representação fazia da sua idade!

XXIV- Ora, o arguido foi condenado pelo tribunal “a quo” por dolo directo!

Conclusão que o tribunal não poderia ter extraído da prova produzida, por ausência da mesma!

XXV- O que, não se fazendo prova de que o arguido conhecia a idade da vítima, o arguido não pode ser condenado por um crime de abuso sexual de menores, nos termos do nº 3 do artigo171º do CP , porque os factos em apreço, aí se integram, atendendo precisamente à idade do menor!

Ainda quanto ao crime de abuso sexual de menores,

XXVI- O menor foi ouvido em sede de declarações para memória futura, tendo contrariado toda a versão inicialmente apresentada perante a Magistrada do Ministério Publico;

XXVII- As declarações do menor prestadas em sede declarações para memória futura, devem ser consideradas como não credíveis, perante tamanhas discrepâncias e contradições!

XXVIII- Levando à absolvição do arguido da prática do crime de abuso sexual de menores.

XXIX- Como, cremos que ficou demostrado, não só pelos depoimentos dos menores, como pelas restantes testemunhas ouvidas, o arguido é pessoa afável, bem disposta, simpática que gosta do contacto físico, considerado até como meloso (palavras de EE mni …), conotado, por um comportamento semelhante ao comportamento dos dos menores.

XXX- Os comportamentos do arguido não eram levados a sério pelos menores que, foram unanimes em afirmar isso mesmo

XXXI- Cremos, até que, apesar de nenhum abertamente o ter expressado, o arguidi seria, até, motivo de gozo entre os menores!

XXXII- É verdade que o arguido se excedeu nas conversas e em alguns comportamentos que, enquanto funcionário e treinador, deveria ter percebido que não era adequados.

XXXIII- Mas que não podem ser vistos como de âmbito sexual, ficando, antes, no campo da “atitudes anódinas” que não representam em si, mais do que um comportamento inconsequente e irrefletido por parte do arguido.

XXXIV- Dir-se-á, que a forma como os factos ocorreram, com sensatez de análise, não pode ser vista como apta a concretizar qualquer tipo de satisfação sexual!

XXXV- Não pode ficar demonstrado, com base na prova produzida, que os actos praticados são de cariz sexual , nem ficar demonstrado o constrangimento dos jovens.

XXXVI- Como também não se provou o dolo, em qualquer das suas formas.

XXXVII- Crime que em último caso, seria praticado por negligencia, o que não é possível, dado a norma não o prever!

XXXVIII- Assim a tal interpretação feita pelo tribunal “a quo” incorre no erro notório da apreciação da prova.

XXXIX- Deve o arguido ser absolvido de todos os crimes de importunação sexual e abuso sexual de menores.

XL -Em última instancia, ser aplicado o principio do ” in dúbio pro reo” .

Ainda que assim não se entenda

XLI- Quanto ao menor FF e GG, sempre se dirá que não foram praticados quaisquer factos que possam ter relevância jurídica e que mereçam tutela.

XLII- Não podem o Tribunal “ad quem” deixar de desconsiderar os factos constantes no douto Acórdão, porque não revelam em si mesmos valor jurídico, tendo o tribunal “a quo” andado mal ao considera-los, fazendo uma errada valoração dos mesmos.

XLIII-Devendo o arguido ser absolvido desses crimes.

XLIV-Nunca esquecendo, que na dúvida, esta deve pender para o lado do arguido, aplicando-se o principio do in dúbio pro reo, que aqui, em última ratio, deveria ter sido aplicado pelo Tribunal “a quo”.

Da Medida de Pena

XLV- A medida da pena deve aferir-se em função da culpa e das necessidades de prevenção;

XLVI- Dispõe o artº 40º nº 1 do Código Penal que “A aplicação de penas e medidas de segurança visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade

XLVII- E o nº 2 “que “ em caso de algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa;

XLVIII- A pena privativa da liberdade, constitui a última ratio, de acordo com o os princípios da necessidade, proporcionalidade e subsidiariedade e, por isso, só deverá ser aplicada quando não for possível alcançar as finalidades da pena com pena mais leve.

XLIX- Deve, no caso, o arguido ser condenado na justa medida do ilícito e da culpa, ponderada a necessidade de prevenção geral e especial

L- Considera o recorrente que as penas parcelares e o seu cúmulo jurídico são exagerados são e desproporcionais à gravidade e aos factos dados como provados no douto Acórdão de que se recorre.

LI- Para apurar a medida das penas parcelares, deve ter-se em conta todos os factores positivos que não fazendo parte do tipo, abonem em favor doa arguido, tais como o relatório social, o facto do arguido não ter antecedentes criminais, a inserção social, familiar e profissional, a idade dos menores à data dos factos , o consentimento dos menores BB e de CC e o baixo impacto e alarme social gerados na comunidade onde o arguido se insere.

LII- Devendo nos casos dos crimes de importunação, optar-se pela pena de multa, por esta ser suficiente para acautelar as finalidades das penas.

Quanto ao cúmulo jurídico

LIII- Nosso entendimento, deve ser reduzido, para quantum que não exceda os 5 (cinco) anos, devendo ser suspensa na sua execução, por realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena.

LIV- Ainda que inusual, defende-se, a aplicação de uma pena única mista, de multa e de prisão e, esta, sempre suspensa na sua execução.

Da Pena Acessória

LV- A par da pena principal, foi o arguido condenado, nos termos 69-B nº 2 do Código Penal, na pena acessória de 13 (treze) anos e 6 (seis) meses.

LVI - Pena acessória com o qual não se concorda, por excessiva e desadequada.

LVII- Há que encontrar a justa medida e ser a pena acessória proporcional aos crimes cometidos, tal como previsto no artº 18º nº 2 da CRP;

LVIII- Deve, por isso, a pena acessório, ser aplicada em “quantum” proporcional à gravidade dos crime e, com isso, ser reduzida, nunca ultrapassando o máximo aplicado em cúmulo jurídico, na pena principal.

Da Reparação das vítimas prevista no artº 82-A do CPP

LIX- Deve o arguido ser absolvido do pagamento do quantum indemnizatório ou os montantes reduzidos para valores que não ultrapassem a metade dos montantes arbitrados pelo tribunal “a quo”.

LX- Não ficou demonstrado que os menores, ofendidos nos crimes de importunação sexual e abuso sexual, tenham sofrido qualquer tipo de dano, susceptível de reparação, demonstraram uma diminuta relevância pelos factos e manifestaram total desinteresse no processo, bem como não se constituíram assistentes, apesar de, na sua maioria, serem filhos de pais ligados a profissões judicias.

LXI- Quanto ao ofendido BB, acresce o facto, de o mesmo ter consentido e participado activamente e voluntariamente nos contactos que manteve como o arguido..”

4. O referido recurso do arguido foi admitido, por legal e tempestivo.

5. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela sua improcedência e formulando conclusões nos seguintes termos:

“Com relevância para a decisão em causa, afere-se que o Tribunal a quo formou a sua convicção na conjugação dos factos trazidos a juízo pela acusação, alicerçada, designadamente, no teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas em julgamento e em declarações para memória futura, na prova documental carreada nos autos, assim como, nas próprias regras da experiência.

A prova produzida foi devidamente ponderada, apreciada e corretamente valorada para efeitos de motivação dos factos dados como provados, porquanto é manifesto que o Tribunal a quo tomou em consideração todos os meios de prova produzidos, apreciando-os sensatamente, sopesando e valorando os mesmos para efeitos de fixação da matéria de facto.

Critérios que foram assertivamente ponderados e fundamentados no acórdão recorrido, o qual se afigura, assim, perfeitamente ajustado, devendo, em consequência, o recurso interposto ser declarado totalmente improcedente, por infundado, mantendo-se aquele integralmente..”

6. Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta apresentou parecer, acompanhando integralmente a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1.ª instância, por concordar com os seus fundamentos.

7. Notificado o parecer ao arguido, não foi apresentada resposta ao mesmo.

8. Colhidos os vistos e realizada a Conferência, cumpre decidir.

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II – QUESTÕES A DECIDIR

Como é pacificamente entendido, o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, (...), a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.»). Com a conformação que é dada ao objecto do recurso pelas conclusões apresentadas, poderemos afirmar que as questões a apreciar são as seguintes:

1 – Da revista alargada - dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova;

2 – Da impugnação ampla da decisão em matéria de facto - do erro de julgamento;

3 - Da violação do princípio do in dubio pro reo;

4 – Do conceito de espetáculo pornográfico e do preenchimento do tipo crime de pornografia de menores da alínea a) do nº 1 do artigo 176º do Código Penal;

5 – Do preenchimento do tipo crime de pornografia de menores na forma consumada ou tentada;

6 – Do preenchimento dos elementos típicos do crime de abuso sexual de criança previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 3, alíneas a) e b), do Código Penal;

7 – Do preenchimento dos elementos típicos do crime de importunação sexual previsto e punido pelo artigo 170.º do Código Penal;

8 - Da escolha e medida das penas parcelares;

9 – Da determinação da pena única;

10 – Da determinação concreta da pena acessória;

11 - Do quantum fixado para reparação das vítimas.

*

III – TRANSCRIÇÃO DOS SEGMENTOS RELEVANTES DA DECISÃO RECORRIDA.

O acórdão final proferido tem, para além do mais, o seguinte teor:

“II.FUNDAMENTAÇÃO

Da prova produzida na audiência de discussão e julgamento resultaram os seguintes:

2.1. FACTOS PROVADOS

1. Em Outubro de 2020, através da rede social “Facebook”, do perfil com o URL https://www.Facebook....., AA remeteu um pedido de amizade a BB, nascido a … de 2004, à data com 15 anos de idade, estudante, utilizador do perfil de “Facebook” com o URL https://www.Facebook....

2. Então, BB aceitou o pedido de amizade de AA, que já visualizara as fotografias daquele por onde era possível ver que o mesmo tinha 15 / 16 anos de idade. Decorrido algum tempo, através do “Messenger” da rede social Facebook e dos mencionados perfis, AA começou a pedir a BB que lhe enviasse fotografias e/ou vídeos em que estivesse nu ou a manipular os órgãos genitais, com consciência de que o mesmo era menor de idade.

3. Igualmente através do “Messenger” da rede social Facebook e dos mencionados perfis, AA começou a efectuar videochamadas para a BB, no decurso das quais pedia a este que lhe exibisse os órgãos genitais e se masturbasse, o que ocorreu durante cerca de duas semanas, em mais do que uma videochamada que durava cerca de 5 / 6 minutos, enquanto o arguido assistia, com consciência de que aquele era menor de idade.

4. No decurso de tais videochamadas, AA exibiu os órgãos genitais a BBa, pôs as mãos no pénis erecto e fez movimentos ascendentes e descendentes, obtendo prazer sexual, o que fez com consciência de que este era menor de idade. Assim, através do “Messenger” da rede social Facebook e dos mencionados perfis, no dia 12 de Dezembro de 2021, AA disse a BB, com consciência de que o mesmo tinha 15 / 16 anos de idade, instigando-o e persuadindo-o a remeter-lhe fotografias e/ou vídeos em que este estivesse nu ou a manipular os órgãos genitais, “manda”, “primeiro tu”, “activo mas adoro mamar”, “e tu?”, “bommm”, “és de onde?”, “pena estares longe”, “mas se quiseres um dia podemos fazer uma videochamada”, “já vi que não queres”, “desculpa”, “mas tu é que pediste nudez”.

5. Ainda através do “Messenger” da rede social Facebook e dos mencionados perfis, no dia 20 de Dezembro de 2021, AA disse a BB “oi”. Após, AA efectuou uma videochamada para BB, que não atendeu.

6. Ainda através do “Messenger” da rede social Facebook e dos mencionados perfis, no dia 21 de Dezembro de 2021, AA enviou a BB uma fotografia do seu pénis erecto.

7. Nessa ocasião, AA disse a BB, com consciência de que o mesmo tinha 15 / 16 anos de idade, instigando-o e persuadindo-o a efectuar uma videochamada ou remeter-lhe fotografias e/ou vídeos em que este estivesse nu ou a manipular os órgãos genitais, “videochamada podes”, “eu ia ao wc”, “e vias”, “já ligo”, “vou agora ao wc”, “ligas tu ou eu”, “viste a foto”, “não vi nada teu”, “diz que foi apagado”, “mas não cheguei a ver”, “podes mandar outras”, “?”.

8. Em data não apurada, mas antes de Dezembro de 2021, através da rede social “Instagram”, AA solicitou ser seguidor de um indivíduo de identidade ainda não apurada, identificado como CC nessa rede social, indivíduo que utiliza no seu perfil as fotografias de II, nascido a … de 2006.

9. Aceite o pedido para ser seguidor do mencionado indivíduo identificado como CC na rede social “Instagram”, no dia 5 de Dezembro de 2021, AA disse ao mesmo “estás a fazer o quê na cama”.

10. Então, o referido indivíduo respondeu “a mexer no cu”.

11. De imediato, AA disse ao mencionado indivíduo “ui”, “mostra”, “esporraram-te o cu”, “quando”, “quem”.

12. Depois do referido indivíduo ter respondido “sim”, “o meu tio”, AA disse ao mesmo “sério”, “mostra mais”, “videochamada sem barulho”, “podes”, “mostra mais”, “que idade tem o teu tio”, “e tu”.

13. Então, o referido indivíduo, de identidade não apurada, respondeu que o tio tinha 45 anos de idade e que ele tinha 15 anos de idade.

14. Convicto de que o indivíduo identificado na rede social “Instagram” como sendo CC tinha 15 anos de idade, AA disse ao mesmo “ele faz-te o quê”, “mamas o”, “mostra me mais vá”, “gostava de estar no lugar do teu tio”, “???”, “pq sim”, instigando-o e persuadindo-o a remeter-lhe fotografias ou vídeos em que este estivesse nu e ou a masturbar-se.

15. No dia 7 de Dezembro de 2021, convicto de que o indivíduo identificado na rede social “Instagram” como sendo CC tinha 15 ou 16 anos de idade, instigando-o e persuadindo-o a remeter-lhe fotografias ou vídeos em que este estivesse nu e ou a masturbar-se, AA disse ao mesmo “adorava ver-te”, “?”, “podes”, “hey”.

16. Em 1993, AA começou a exercer funções de assistente educativo no estabelecimento de ensino “…”, em …, local onde, desde data não concretamente apurada, exerce funções no Pavilhão Desportivo …, sendo responsável pela sua limpeza e pelo apoio às aulas de educação física dos alunos.

17. Em data não concretamente apurada, no Pavilhão Desportivo …, AA começou a treinar equipas de futsal de iniciados e infantis e apoiar as actividades do ArtiSport (estrutura de actividades extra-curriculares) - servindo de elo de ligação entre esta estrutura e a Associação de Futebol - tendo, para o desempenho de tal actividade, acesso a todos os dados dos atletas.

18. Até ao ano lectivo de 2019/2020, DD, nascido a … de 2006, frequentou o estabelecimento de ensino “…” e jogou futsal na equipa orientada por AA.

19. Durante o mencionado ano lectivo, em datas não concretamente apuradas, mas antes do dia 18 de Março de 2020, data em que foi decretado o primeiro estado de emergência, no interior do estabelecimento de ensino, AA aproximou-se de DD, à data com 13 anos de idade, que se encontrava de frente ou de costas para ele, encostou o corpo dele ao do mesmo e apertou-o, abraçando-o durante algum tempo.

20. No referido período temporal e no interior do estabelecimento de ensino, AA passou as mãos pelos peitos de DD, acariciou os braços.

21. Em todas as ocasiões, DD sentiu-se incomodado e desconfortável.

22. Ainda no referido período temporal, AA disse a DD “que lindo corpo”, “gosto muito de ti”, “posso namorar contigo?”, que os rapazes que têm medo que outro homem lhes toque é que são “gays” e se tinha namorada ou namorado.

23. Noutras ocasiões, no referido período temporal e no interior do estabelecimento de ensino, AA beijou uma das mãos, levantou-a e soprou o beijo na direcção de DD, incomodando-o.

24. Ainda no referido período temporal, no Pavilhão Desportivo …, AA perguntou a DD e a outros jogadores da equipa de futsal se se masturbavam.

25. EE, nascido a … de 2004, frequenta, pelo menos desde o ano lectivo 2019/2020, o estabelecimento de ensino “…”, em ….

26. Em data não concretamente apurada, mas entre Abril de 2020 e Abril de 2021, quando EE tinha 16 anos de idade, nos balneários do Pavilhão Desportivo …, AA aproximou-se do mesmo e, subitamente, tocou-lhe e acariciou-lhe os mamilos, enquanto dizia “ai que maminha tão boa”, incomodando-o e fazendo-o sentir-se desconfortável.

27. No referido período temporal, AA disse a EE que fazia “broches”.

28. FF, nascido a … de 2006, frequenta o estabelecimento de ensino “…”, em …, desde data não concretamente apurada.

29. Em data não apurada, mas entre 27 de Fevereiro de 2020 e 27 de Fevereiro de 2021, quando FF tinha 14 anos de idade, nos balneários do Pavilhão Desportivo …, AA aproximou-se do mesmo e, sem que nada o fizesse esperar, tocou-lhe e acariciou-lhe os mamilos, incomodando-o e fazendo-o sentir-se desconfortável.

30. Em data não apurada, mas entre 2017 e 2018, GG, nascido a … de 2004, à data com 14 ou 13 anos de idade, foi jogador na equipa de futsal treinada por AA.

31. Em data não determinada, mas no referido período temporal, no Pavilhão Desportivo …, AA pôs uma das mãos num das coxas de GG, que se encontrava de calções sentado ao seu lado, e acariciou-a.

32. Então, por se ter sentido incomodado e desconfortável, GG tirou a mão de AA da sua coxa e disse ao mesmo “deve ser gay”.

33. De imediato, AA disse a GG “os gays é que têm medo que toquem”.

34. HH, nascido a … de 2005, frequenta o estabelecimento de ensino “…”, em …, desde data não concretamente apurada.

35. Em data não concretamente apurada, mas no ano lectivo 2021/2022, no interior do estabelecimento de ensino, AA aproximou-se de HH e, subitamente, acariciou o peito e o abdómen do mesmo, que à data tinha entre 15 e 16 anos de idade.

36. Simultaneamente, AA disse a HH “lindo corpo”, incomodando-o, perturbando-o e fazendo-o sentir-se desconfortável.

37. Igualmente em data não concretamente apurada, mas no ano lectivo 2021/2022, no interior do estabelecimento de ensino, AA disse a HH “eu posso namorar contigo?” e “então deixa-me apaixonar-me por ti”, fazendo-o sentir-se desconfortável e envergonhado.

38. Após, por diversas vezes, AA beijou uma das mãos, levantou-a e soprou o beijo na direcção de HH, incomodando-o, perturbando-o.

39. Ao actuar da forma descrita, entre os dias 12 e 21 de Dezembro de 2021, AA agiu com intenção de instigar e persuadir BB, nascido a … de 2004, a efectuar videochamadas e a remeter-lhe fotografias e/ou vídeos em que estivesse nu ou a praticar actos sexuais, o que conseguiu, obtendo prazer sexual e satisfazendo os seus instintos libidinosos, o que fez com consciência de que o mesmo era menor de idade, de que punha em causa o seu são desenvolvimento da consciência sexual, de que interrompia o percurso normativo do seu desenvolvimento psicossexual, erotizando-o antes de ele dispor de competências cognitivas, sociais e emocionais para regularizar a sua sexualidade e evitar o contacto sexual com o adulto.

40. Ao agir do modo descrito, nos dias 05 e 07 de Dezembro de 2021, AA agiu com intenção de instigar e persuadir o indivíduo identificado na rede social “Instagram” como sendo CC a efectuar videochamadas e a remeter-lhe fotografias e/ou vídeos em que estivesse nu ou a praticar actos sexuais, obtendo prazer sexual e satisfazendo os seus instintos libidinosos, convicto de que o mesmo tinha 15 ou 16 anos de idade e de que as fotografias constantes do perfil o representavam.

41. Ao tocar e ao acariciar os corpos de DD, EE, FF, GG e HH, AA quis compeli-los a suportar contactos físicos sexualizados, incomodá-los e perturbá-los, com intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos e de obter prazer sexual, o que fez com consciência de que os mesmos eram menores de idade, de que ofendia os respectivos sentimentos de pudor, intimidade e liberdade sexual, erotizando-os antes de disporem de competências cognitivas, sociais e emocionais para regularizarem a sua sexualidade e evitarem o contacto sexual com o adulto.

42.AA agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, para sua satisfação sexual, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.

Mais se provou:

43. Das condições pessoais, sociais e económicas do arguido AA -do relatório social efectuado pela Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais consta designadamente que o arguido:

“À data dos factos subjacentes ao presente processo, […] residia com a companheira, JJ e com a filha do casal, KK de … anos de idade, em casa própria na cidade de … e na mesma zona residencial, onde os vizinhos são todos familiares, mantendo o arguido uma imagem positiva no seio da família e no meio comunitário.

Antes de ser detido o arguido trabalhava nos …, …, tanto em … como em …, sendo descrito como um bom profissional e pessoa de bom trato, revelando surpresa pelo tipo de crime referindo que nunca notaram comportamentos que evidenciassem quaisquer condutas criminais.

Antes de ser acusado dos factos que estão na base do presente processo, o arguido exercia funções de auxiliar educativo no … em …, onde era responsável pela organização dos torneios de futsal, sendo suspenso destas funções logo após o conhecimento dos referidos factos.

[…] o arguido foi alvo de um processo disciplinar que resultou no despedimento com justa causa em 11de abril de 2022.

Em termos económicos o arguido e a companheira ainda iniciaram o negócio de uma pastelaria, o qual não teve grande sucesso acabando por encerrar pouco tempo depois de se ter iniciado.

Deste modo a economia doméstica era assegurada pelos rendimentos provenientes do desempenho das funções como empregado de …, das funções de … em casas particulares por parte da companheira e ainda do trabalho da filha em part-time, a qual ainda se encontra a terminar o mestrado em …. O agregado refere que apesar de parcos rendimentos, estes são suficientes para colmatar as necessidades básicas da família.

AA refere padecer de um enfisema pulmonar estando a ser medicado e refere ainda que antes de ser preso se encontrava em acompanhamento psicológico, uma vez que manifestava sintomas depressivos.

Perante a situação judicial que pende sobre o arguido, a família tem-se mostrado apoiante independentemente do desfecho do presente processo, revelando sentimentos de afeto e de interajuda.

Relativamente ao enquadramento laboral, o antigo patrão, dono do …, Sr. LL, manifesta disponibilidade para reintegra o arguido logo que este seja colocado em liberdade.

[…]

Em contexto prisional o arguido tem revelado capacidade para cumprir as regras e normas institucionais mantém-se inativo e recebe visitas da companheira e filha.

Relativamente aos factos que estão na origem do presente processo, o arguido não se revê em tais condutas, nem identifica de onde surgiram tais acusações uma vez que mantinha quer com os jovens e com os seus pais uma relação positiva, sendo por todos conhecido e respeitado.

O facto de ter sido despedido por justa causa do… onde já exercia funções há trinta anos terá sido o mais constrangimento de toda a situação que vivencia, dando ênfase aos constrangimentos que a reclusão a que se encontra sujeito está a ter para si próprio e para toda a família, vivenciando o presente processo com alguma ansiedade.

AA apresenta denota ser detentor de competências ao nível da organização da vida pessoal e hábitos de trabalho, manifestando preocupação em proporcionar bem-estar à família.

O arguido mantém uma união de facto há mais de trinta anos, tendo uma filha de … anos desta união que ainda integra o agregado familiar de origem.

O arguido é descrito quer pela família quer por aqueles que com ele convivem, de ser um individuo prestável, preocupado com os outros e de relacionamento fácil, não tendo evidenciado condutas criminais junto da família e dos pares.

No meio comunitário foi com surpresa que os factos foram conhecidos e apesar deste tipo de crime ser condenado por todos aqueles com quem contactamos, verifica-se que na comunidade o arguido mantém uma imagem positiva não havendo evidências de que este possa vir a ser rejeitado quando for colocado em meio livre.

[…]

Atento o atrás referido, em caso de condenação, identificam-se como principais áreas de necessidade a serem trabalhada com AA, o reforço de competências ao nível emocional e a frequência de programa direcionado para a tipologia de crime de que se encontra acusado.”

Provou-se ainda que:

44. O arguido não possui quaisquer condenações averbadas no respectivo certificado de registo criminal;

45. O arguido era tido por simpático no seu meio laboral.

2.2. FACTOS NÃO PROVADOS

Não resultaram demonstrados os seguintes factos:

a. Que na sequência do referido em 2. dos factos provados, BB tenha informado o arguido de que tinha 15 anos de idade;

b. Que por referência ao período temporal indicado em 20. dos factos provados, o arguido desferiu palmadas no rabo de DD, deixando ficar a mão;

c. Nas referidas circunstâncias de tempo e de lugar, em várias ocasiões, AA desferiu um toque com o cotovelo no corpo de DD e disse-lhe “ficaste zangado comigo”, incomodando-o e fazendo-o sentir-se desconfortável.

*

Com relevância para a decisão da causa não resultaram provados ou não provados quaisquer outros factos, designadamente diferentes ou que estejam em oposição com os acima elencados.

*

2.3. MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A valoração da prova foi norteada pelo princípio da livre apreciação da prova consagrado pelo legislador no artigo 127.º do Código de Processo Penal, o qual encontra os seus alicerces nos princípios da oralidade e da imediação.

Neste preceito legal consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante, pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, limitado pelas excepções decorrentes da “prova vinculada” [artigos 84.º (caso julgado), 163.º (valor da prova pericial), 169.º (valor probatório dos documentos autênticos e autenticados) e 344.º (confissão) do Código de Processo Penal] e está sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova [artigo 32.º, n.º 8 da Constituição da República Portuguesa e artigos 125.º e 126.º do Código de Processo Penal] e o do “in dubio pro reo” [artigo 32.º, n.º 2 da Lei Fundamental].

Para formar a convicção do Tribunal quanto à factualidade apurada baseou-se este na conjugação e ponderação crítica de toda a prova produzida em audiência e prova documental junta aos autos, aliada às regras da experiência comum, sempre balizada por deduções e induções da prova produzida que, em face dos indícios objectivos, resultantes desta, constituam uma consequência natural e lógica da dedução dos factos-base.

O Tribunal fundou a sua convicção nos seguintes meios de prova:

Declarações:

- Do arguido – as prestadas em audiência de discussão e julgamento e as prestadas em sede de 1.º interrogatório;

- Para memória futura prestadas por (i) DD, (ii) FF, (iii) GG, (iv) HH e (v) BB - cfr. autos de fls. 1270 a 1272 e CD de fls. 1276;

Pericial:

Relatório de exame pericial de fls. 810.

Testemunhal:

- EE; - MM;

- NN;

- OO;

- PP;

- QQ;

- RR;

- SS;

- TT, todos melhor identificados na acta da audiência de discussão e julgamento de 08.04.2023.

Documental:

- Denúncia – fls. 5 e 6; 228 e 539;

- Informação dos … de fls. 17 a 21, 77 a 147, 216 a 224, 307 a 345. 369 a 421, 426,433 a 438, 475 a 505, 546 a 548, 834;

- Autos de busca e apreensão de fls. 49 a 54;

- Auto de pesquisa e análise ao telemóvel de fls. 59 a 68, 177 a 180 - Termo de consentimento de fls. 290 vs. e 291

- Impressão de mensagens trocadas e de página de rede social de BB – fls. 258 a 271

- Impressão de mensagens trocadas e páginas de rede social de CC – fls. 275 a 278

- Assentos de nacimento de fls. 577 a 586, 1183 - Auto de apreensão de fls. 602.

- DVD´s com mensagens de Instagram e Messenger de fls. 668 e 669; - Termo de consentimento de fls. 801

- CD’s com mensagens de Instagram e Messenger – contracapa 1 Volume - CD’s de inquirições com registo de voz e imagem

- Apenso de impressões de mensagens

- Certificado do Registo Criminal do arguido, com a Referência Citius n.º …, de 11.04.2023;

- Relatório da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, com a Referência Citius n.º …, de 21.04.2023.

Cumpre concretizar em que moldes foram os supra aludidos meios probatórios tidos em conta pelo Tribunal.

Vejamos:

Para prova dos factos constantes da acusação atendeu o Tribunal, em primeiro lugar, às próprias declarações do arguido que confessou a essencialidade dos factos que lhe eram imputados quanto às situações descritas nos factos provados 1. a 17., negando todas as demais.

Ainda que refutasse procurar obter qualquer prazer ou satisfação sexual, afirmando que está muito arrependido e que o que o moveu foi a curiosidade, o arguido descreveu com aparente sinceridade e credibilidade o essencial dos seus contactos com BB e com a pessoa identificada na rede social instagram como sendo CC, sem olvidar afirmar que o conteúdo das mensagens que recebeu destes era muito aliciante.

Quanto ao primeiro referiu que o conheceu numa aplicação para encontros entre pessoas do mesmo sexo – … – na qual as conversas mantidas, segundo o próprio, se atêm a um tema: sexo. Nessa aplicação reconhece ter mantido conversas de teor sexual com BB, negando saber, nessa ocasião, a idade do mesmo, e que, na sequência daquelas, BB forneceu o seu perfil de facebook e passaram a contactar-se através do Messenger desta rede social.

Esclarece que antes de pedir amizade a BB no facebook, visualizou as fotografias que o mesmo ali possuía no seu perfil público, por onde verificou que se tratava de pessoa com cerca de 15 / 16 anos de idade e, não obstante tal circunstância, reconhecendo que as conversas que iria ter com o mesmo seriam de igual teor às mantidas no … decidiu prosseguir o intento de se relacionar com o mesmo, por aquele meio. Mais refere que confirmou a idade de BB após ver as fotografias que este lhe enviou.

Não obstante tal conhecimento e confirmação da idade de BB, questionado, esclarece que efectuou mais do que uma videochamada com este, cada uma com duração de cerca de 5 / 6 minutos, no decurso das quais visualizava o menor a se masturbar e, simultaneamente, o arguido também se masturbava; além de referir que trocavam entre si fotografias (as denominadas nudes) do pénis de ambos e ainda do rabo despido de BB. Situações que ocorriam, segundo o arguido, a pedido do próprio e a pedido do menor. Confirma igualmente o teor das mensagens trocadas com BB.

Relutantemente, questionado, confirma que os contactos que manteve com BB eram sempre de teor sexual e tinham em vista a masturbação - não obstante achar que não chegava a obter “realização sexual” e negar ter ejaculado aquando das referidas masturbações, por não ser capaz.

O arguido referiu ainda que tais contactos cessaram porquanto BB lhe pediu dez euros, pois vivia com a avó que era doente e como aquele recusou e o bloqueou na aludida rede social, o menor terá ameaçado que divulgaria à filha do arguido o teor das conversações que mantinham (já que a identificação desta constava do perfil do facebook do arguido).

No tocante ao perfil de instagram do utilizador CC, o arguido confirma igualmente o teor do libelo acusatório (factos provados 8. a 15.), designadamente que as fotografias que aquele possuía na indicada rede social representavam uma pessoa do sexo masculino que aparentava ter 15 / 16 anos de idade, que não conhecia, afirmando que só pretendia conhecer a pessoa, para falarem e que, primeiramente, não foi com desejo sexual, mas que a conversa depois despoletou para esse sentido.

Confirma que pediu uma ou duas vezes fotos e vídeos de CC, que este não chegou a enviar e que às vezes faziam videochamadas, onde confirmou que se tratava de jovem na faixa etária já referenciada e, apesar de relatar que as mesmas não tinham teor sexual, depois assume que o indivíduo identificado como CC exibia (e o arguido queria ver) o respectivo pénis.

Nega que tivesse ocorrido, neste particular, masturbação, quer do arguido, quer do menor, só exibição dos respectivos pénis, por dois / três minutos, pois nunca deu para acontecer, ou porque o arguido não queria ou porque “CC” não quis.

Questionado, justifica o ocorrido com a curiosidade, reiterando uma outra vez que não devia ter acontecido e que não tem desejos sexuais com jovens adolescentes do sexo masculino.

No entanto, confrontado, não consegue explicar que tipo de curiosidade o assolava para, primeiro, pedir amizade ou para seguir, consoante a plataforma, jovens que bem sabia (e as fotografias de perfil o demonstravam, vejam-se as fotos de fls. 258 a 271 e de fls. 275 a 278) terem 15 / 16 anos e, segundo, para manter as conversas de teor sexual explícito que manteve com os mesmos (veja-se a confirmação de ter perguntado a “CC” após este referir que estava a mexer no cu, se lhe tinham esporrado o cu e quem o teria feito, ou de ter afirmado – quando CC lhe disse que fora o tio de 45 anos de idade – que gostaria de estar no lugar do tio), além dos pedidos e envios de mensagens com fotografias (dos pénis dos menores e do rabo de BB), pedidos de vídeos que não chegaram a ser enviados e das videochamadas pedidas e efectuadas que tinham por objectivo a masturbação simultânea do arguido e dos jovens, apesar de, no caso de “CC” afirmar que só visualizavam o pénis um do outro.

A curiosidade que o arguido referiu sentir, nunca foi explicada pelo mesmo, ainda que exaustivamente lhe tenha sido perguntado, tendo o mesmo adoptado a postura de que está muito envergonhado, que as mensagens não deveriam ter ocorrido, que não se revê nestes comportamentos, que nunca mais vão acontecer.

Não obstante este discurso e até a menção de que terá dito a CC para ter cuidado e não fazer determinados actos com adultos por ainda ser jovem [(?) enquanto, paradoxalmente, mantinha conversas de teor sexual explícito com o mesmo, fazia videochamadas para visualizar o pénis do menor e ainda pretendia que se masturbassem no decurso das mesmas], não conseguiu deixar de afirmar que as conversas dos dois jovens, BB e CC, também eram aliciantes - o que, naturalmente, revela que o arguido não consegue refrear o seu impulso sexual no que toca a jovens adolescentes do sexo masculino.

O exposto retrata a postura ambivalente adoptada pelo arguido relativamente aos factos, já que os reconhece como errados, o que verbaliza, ainda que não explique racionalmente o que o determinou a praticar um conjunto de factos que assume, sendo certo que a “curiosidade” não convence – e não se compreende - na medida em que o arguido, com a sua idade e pai de uma filha já maior de idade à data dos factos, procura expor e exibir os órgãos genitais a jovens menores de idade (sendo que neste último caso não se compreende, sequer, onde se encontraria a dita curiosidade), resultando da experiência comum que o arguido procurou, com aqueles factos objectivos, obter prazer sexual mediante exibição e visualização dos genitais.

Na verdade, sustenta esta leitura, a circunstância de que as mensagens trocadas entre o arguido e os menores – as constantes de fls. 258 a 271 e 275 a 278 – não configuram nada de aliciante ou de muito aliciante, antes se constata estarmos perante persistentes pedidos do arguido junto daqueles, com tentativas de videochamadas, com pedidos de “videochamada sem som” - que o arguido esclareceu significar videochamada para se masturbar – e com pedidos de envio de fotos. Obviamente, tudo com cariz sexual como acima descrito e não se olvidando a rapidez com que o arguido estabelece o primeiro contacto com os menores, para, de imediato, revelando alguma sofreguidão, escalar para as condutas supra narradas.

Daí que o Tribunal considere que o arguido prestou declarações com aparente credibilidade (no tocante ao acabado de expor), reportando-se aos factos constantes da acusação e ainda referindo outros que não constavam expressamente da mesma, como a confirmação de que também BB se masturbava nas videochamadas.

No entanto, quanto ao arrependimento do arguido, à ausência de interesse e de satisfação sexual no que respeita a jovens adolescentes do sexo masculino, o Tribunal não considerou credíveis as declarações do arguido, convicção que se estende às demais situações dadas como provadas e referentes aos menores que eram alunos … em … e / ou atletas de futsal do .. (núcleo do mencionado… vocacionado para o desporto e cultura), onde o arguido assumia funções, respectivamente, de assistente administrativo (co-responsável pelo pavilhão …) e de treinador dos escalões de formação – benjamins, infantis e iniciados.

Sem prejuízo de tal entendimento a que já voltaremos, o Tribunal considerou provado o facto 16. pelas declarações do arguido (que afirmou ser treinador de futsal das indicadas camadas jovens há cerca de 20 anos e descreveu as suas funções …, onde trabalhou 28 anos), conjugadas com as declarações de todas as testemunhas ouvidas e que confirmam o ali inscrito.

Aqui chegados, cumpre consignar que o Tribunal atribuiu alguma credibilidade às declarações do arguido como acima se referiu, no entanto, essa circunstância não bule com o facto de se entender que, no mais, não relevam as declarações por si prestadas. E, em rigor, não há qualquer incongruência ou contrariedade em tal afirmação.

Vejamos que se tratam de dois conjuntos de situações absolutamente distintos entre si (não se olvidando que os ofendidos são, em ambas, jovens adolescentes do sexo masculino): um bloco de situações em que os ofendidos se assemelham a seres virtuais, pessoas com quem o arguido não teve contacto físico, que não são conhecidas na comunidade em que o mesmo se insere e em que a prova do ocorrido tem uma “existência material”, na medida em que o Tribunal tem acesso a parte do conteúdo trocado entre o arguido e os jovens e, nesta medida, afigura-se ser mais fácil confessar os factos, ainda que parcialmente, do que encontrar uma narrativa que “justifique” as expressões utilizadas e comportamentos mantidos pelo arguido quanto a BB e a CC.

Já o outro bloco de situações, reconduz-se à palavra dos ofendidos contra a palavra do arguido, a que acresce a circunstância de estes jovens serem alunos … onde o arguido trabalhava e / ou atletas das equipas de futsal que este treinava. Ou seja, são jovens inseridos na mesma comunidade (escolar / desportiva / laboral) do arguido e onde o grau de censurabilidade, atenta a especial posição do arguido em face dos mesmos, se afigura superior.

Nesta distinção radica a assumpção ou não da prática dos factos pelo arguido.

No entanto, no tocante aos factos provados 18. a 38. referentes aos menores DD, FF, GG e HH o Tribunal não teve qualquer dúvida de que os factos ocorreram tal qual se deu como demonstrado e para tal fundou a sua convicção nas declarações dos ofendidos (sejam as prestadas para memória futura pelos demais, sejam as prestadas em audiência por EE).

Mais se tendo demonstrado a idade dos ofendidos à data dos factos, seja pela declaração dos mesmos, seja pelos assentos de nascimento juntos aos autos e que eram do conhecimento do arguido, como resulta das suas declarações.

Na verdade, individualmente, cada um dos ofendidos confirmou as expressões que lhe foram dirigidas pelo arguido e, bem assim, os comportamentos deste, o que fizeram com desprendimento, com alguma tendência para normalizar os comportamentos do arguido – transversal a todos os depoimentos -, e com contexto, pelo que mereceram a credibilidade do Tribunal.

HH confirmou as expressões e comportamentos descritos em 35. a 38., referindo inclusivamente outras situações em que o arguido dizia que o ia adoptar e levar para casa, que lhe dizia ainda expressões como “coisinha boa”, “lindo corpo”, afirmando que tudo o deixava constrangido, além de não gostar dos abraços “muito chegados” que o arguido lhe dava.

Esta testemunha refere igualmente que o arguido perguntava se a mesma e os colegas tinham namoradas, que também mandava mensagens no instagram, além de oferecer boleia de e para o treino, aparecendo perto da casa do ofendido quando este saía de casa, o que o levou a pensar “que se calhar era estranho” (o comportamento do arguido). A tudo isto soma-se ainda a circunstância de o arguido, do nada, segundo a testemunha, lhe mandar mensagens nas férias a dizer que tinha “bué saudades” e de muitas vezes, na escola lhe dizer “gosto muito de ti” e de uma vez o ter agarrado pelos ombros e lhe ter dito “amo-te”, além de que mandava muitas mensagens e emojis com corações. Revelando que todo este comportamento o constrangiam, expressando que “foi um crescendo, cada vez mais recorrente e constrangedor”. A que se soma o facto de afirmar que chamou “pedófilo” ao arguido por ter sabido que um colega de nome UU e que teria cerca de 16 / 17 anos namorava com o mesmo.

GG confirmou igualmente os factos que lhe diziam respeito (31. a 33.), designadamente que se sentiu desconfortável com o toque / apertão na perna / coxa quando estava no banco, num jogo de futsal, o que o deixou desconfortável ao ponto de afirmar “tou a ver que é gay”. A credibilidade desta testemunha (e das demais) assenta ainda na circunstância de, apesar de questionada sobre diversos comportamentos – padrão do arguido – se cingir a confirmar aqueles que efectivamente ocorreram consigo.

Por seu turno, FF, confirma os factos 28 e 29., ainda que refira que já tinha visto o arguido fazer o mesmo a outros colegas e que considerou isso normal, que era uma pequena brincadeira.

EE descreveu as situações que ocorreram consigo e, sem prejuízo de, numa fase inicial, ter normalizado o comportamento do arguido, ficou claro que os actos praticados por este e as expressões por si proferidas, dirigidas ao ofendido, o deixaram incomodado – levando-o inclusivamente a perguntar aos colegas se o mesmo era gay, ao que estes lhe responderam que não, que o arguido era mesmo assim, simpático.

Confirma que o arguido lhe tocou no peito e no mamilo, já vestido e lhe terá dito “maminha boa”, referindo que não ligou (quando perguntado se ficou desconfortável) pois os outros (colegas) diziam que era normal ele ser assim, que era a maneira de ser, dar abracinhos e ser simpático.

Mais acrescentou a testemunha que o arguido lhe fez conversas sobre ver filmes pornográficos e sobre fazer broches, que este considerou desadequadas, que não eram conversas para manter com o mesmo e, inclusive, nos dois momentos em que ocorreram tais conversas, a testemunha terá feito uma expressão facial de estranheza perante o teor das mesmas, o que levou o arguido a mudar o rumo da conversa, referindo a este propósito que o arguido “ficava meio desorientado” porque EE obstava a este tipo de diálogo.

Adiantou ainda que o arguido entrava muitas vezes no balneário, para dar bom dia, para perguntar se estava tudo bem. Caracterizando o arguido como “muito meloso”.

No que respeita a DD, constata-se que o mesmo confirma os factos tal como se deram por provados e não provados [factos provados 19., 20., 21., 22., 23. e 24. e factos não provados b. e c.].

Não se ignora, até porque referido em sede de alegações da defesa do arguido, que a testemunha, nas suas declarações para memória futura, começa por desvalorizar e negar alguns dos comportamentos e expressões do arguido, no entanto, quando confrontada com as declarações prestadas anteriormente, acaba por asseverar que comportamentos ocorreram e que expressões foram proferidas, o que não obstou a que mantivesse um discurso de normalização, procurando racionalizar os comportamentos de que foi alvo e as expressões que lhe foram dirigidas num padrão de normalidade.

O que, em rigor, com mais ou menos evidência, ocorreu com todos os ofendidos e não retira seriedade e credibilidade aos seus depoimentos. Na verdade, estamos perante jovens ainda em desenvolvimento, designadamente sexual, e em que, não raras vezes, tendem a normalizar o sucedido, desde logo por não saberem lidar com o mesmo, ou por acharem que contribuíram para que determinados comportamentos tivessem lugar.

Não se ignorando que a normalização advém, igualmente, do contexto em que tais actos foram praticados, em contexto escolar, por alguém bem integrado nessa comunidade e que se mostrava titular de uma posição de poder sobre os alunos (seja como funcionário, seja como treinador).

Será o momento de reiterar que as declarações do arguido não assumiram relevo, neste particular, já que afirma que não percebe de onde surgem estas questões, que alguns pais assistem aos treinos – isto no período pré-pandemia – nega ter curiosidade quanto a estes ofendidos, afirmando que quanto aos alunos da escola ou atletas, nem por palavras, nem por gestos, teve qualquer conduta imprópria.

Nega ter mantido conversas e proferidos as expressões constantes da acusação aos mesmos ou a qualquer atleta ou aluno da escola. Que nunca falou com os mesmos, individual ou colectivamente, sobre masturbação ou namoradas, acrescentando que as palestras eram dadas no centro do campo e que, o próprio, revelava alguma exigência com eventuais palavrões proferidos por estes.

Refere que alunos e atletas tinham por hábito formar um coração com as mãos, dirigido ao arguido, o que refere que faziam por amizade paterna, alegando que nos … seguem a pedagogia de …, que exige que educadores sejam carinhosos com jovens, com colegas e procurava transmitir isso, uma amizade sincera. Nega que entrasse no balneário e quando o fazia era só para perguntar se já estavam prontos.

De relevo quanto a GG refere somente uma situação em que lhe terá tocado na perna e dito: “GG, vai lá aquecer.”

Em particular quanto a HH nega ter-lhe dito as expressões apontadas na acusação, como que este tinha um lindo corpo ou se queria namorar consigo, considerando que seria muito complicado tal ocorrer no contexto escolar, e que não se recorda que tivesse ocorrido no contexto de treino, para depois afirmar que nunca proferiu tais expressões, o único motivo que encontra para a testemunha afirmar que estas expressões ocorreram, foi ter ouvido alguma conversa do arguido com um ou uma colega de trabalho e tivesse achado que era com ele, não esclarecendo que contexto poderia ser esse.

No entanto, o Tribunal não encontra nos depoimentos destes jovens razões para não os considerar fidedignos, tanto mais que, além do que se deixou exarado supra, os mesmos tendem a racionalizar os comportamentos do arguido, a normalizá-los, revelando pouca hostilidade ou interesse em prejudicar o arguido.

Deste modo, o Tribunal concluiu que o arguido quis e conseguiu, através dos contactos físicos a que sujeitou as testemunhas e através das expressões que lhes dirigiu, incomodá-las e perturbá-las, constrangendo-as; inclusive, oferecendo-lhes uma falsa noção do normal; tudo com a intenção (concretizada) de satisfazer os seus instintos sexuais e de obter prazer sexual, bem sabendo a idade dos ofendidos, e que ofendia a sua intimidade e pudor, além de saber que os mesmos ainda se encontravam em desenvolvimento, pelo que não disponham das necessárias competências para saber lidar e evitar os contactos e investidas do arguido (factos provados 41. e 42.).

Analisou-se ainda de forma critica e ponderada os documentos juntos aos autos (informação … de fls. 17 a 21, 77 a 147, 216 a 224, 307 a 345. 369 a 421, 426,433 a 438, 475 a 505, 546 a 548, 834; Autos de busca e apreensão de fls. 49 a 54; Auto de pesquisa e análise ao telemóvel de fls. 59 a 68, 177 a 180; Termo de consentimento de fls. 290 vs. e 291; Impressão de mensagens trocadas e de página de rede social de BB – fls. 258 a 271; Impressão de mensagens trocadas e páginas de rede social de CC – fls. 275 a 278; Assentos de nacimento de fls. 577 a 586, 1183; Auto de apreensão de fls. 602; visualização dos DVD´s com mensagens de Instagram e Messenger de fls. 668 e 669; Termo de consentimento de fls. 801; visualização dos CD’s com mensagens de Instagram e Messenger – contracapa 1 Volume e dos CD’s de inquirições com registo de voz e imagem; Apenso de impressões de mensagens), de onde se extrai igualmente parte da referida factualidade.

Confirmou ainda o arguido estar ciente da idade de todos os ofendidos e de que a sua conduta, no que toca aos factos referentes a BB e CC constituem crime.

Ouviram-se ainda as testemunhas MM (treinador adjunto do arguido no futsal – refere somente que o comportamento do arguido era respeitoso, que havia um contacto normal com os atletas, com quem o arguido tinha um “acesso” diferente da testemunha, pois esta não trabalhava na escola e só estava com os atletas no período de treino, refere que iam ao balneário com os atletas no início, meio e fim do jogo somente para o momento das palestras); NN (professor do 1.º ciclo … de … e coordenador da parte desportiva … – refere que o arguido era muito disponível e afectuoso / simpático com toda a gente, que nunca assistiu a toques deste aos atletas, designadamente abraços, que o arguido chegou a deslocar-se para fora de … com equipas, incluindo com pernoita, e nunca ouviu queixas ou houve indícios da natureza do que se discute nos autos); OO (sacerdote e director técnico …, refere nunca ter presenciado nada do que vem referido nos autos, tendo, num primeiro momento sido contactado pela Polícia Judiciária e, posteriormente, recebido uma denúncia anónima de que deu conhecimento àquele órgão de polícia criminal; refere que internamente não foram tomadas quaisquer diligências, uma vez que o conteúdo da referida carta dizia respeito à vida pessoal do arguido, fora …, que nunca teve queixas relacionadas com abusos, antes tendo recebido queixas de o arguido não fazer o seu trabalho, o que, refere, redundou no despedimento do mesmo); PP (auxiliar de acção educativa e co-responsável pelo pavilhão …, refere que arguido era o responsável masculino ela do feminino, que o comportamento do arguido no exercício das suas funções era normal, “e que o que se passava lá fora não interessava lá dentro”; que sempre viu o arguido tratar os alunos como se fossem seus filhos, que lhes dava abraços como a testemunha também dava; afirma que só entrava nos balneários femininos quando havia alguma confusão – barulho, portas a bater, gritos – e que fora isso não entrava nos balneários); QQ (auxiliar de acção educativa … e treinador de futsal, refere que o arguido tinha um comportamento normal para com os atletas, não obstante não coincidirem na hora de utilização do pavilhão, que era simpático, bem disposto, alegre e comunicativa, acrescentando que não troca mensagens com os atletas, antes possui um grupo de WhatsApp em conjunto com os pais dos atletas e as informações da equipa são partilhadas por este meio; refere ainda que não é normal no contexto desportivo ou de treinador – atleta, perguntar se se masturbam ou se têm namorada, ou enviar-lhes emojis com corações, afirmar “gosto muito de ti” aos atletas e que se tem saudades dos mesmos; que quem anda no desporto é normal dar abraços, palmadas nas costas ou nos ombros, mas que não é normal dar toques nas pernas); RR (professor de educação física … de …, afirma que o arguido, no contexto de aula, dá apoio a ir buscar material, vai buscar gelo para os alunos se for necessário, que sempre observou uma boa relação, normal, entre o arguido e os alunos, que o filho da testemunha foi atleta do arguido e a própria frequentou … como aluno, nada tendo a apontar, numa noutra situação, ao arguido); SS (professor de educação física, afirma nunca ter visto qualquer comportamento anormal ao arguido, que a este incumbiam funções como montagem e desmontagem de materiais, controlar os corredores e que entrava nos balneários quando era necessário, designadamente, quando havia no interior dos mesmos alguma algazarra fora do normal, como bolas nos balneários ou música alta e que fora estas situações não há necessidade nenhuma de um adulto entrar no balneário, pois trata-se de um espaço do aluno) e TT (empregado de mesa e amigo do arguido e da família deste, refere que chegou a trabalhar para o arguido numa pastelaria que este explorou, que posteriormente trabalhou com aquele num …, tendo também frequentado o futsal em 2013/2014, referindo a este propósito que nos jogos os atletas iam para o balneário, equipavam-se, saíam e as palestras eram depois e que no futsal era normal, muito normal os toques e abraços entre todos, que não havia questão de apalpanços e que estavam todos ali sem problemas). Testemunhas que, em suma, que não possuíam conhecimento directo dos factos em apreciação, antes aludindo ao comportamento do arguido para com os menores, na presença das testemunhas, revelando as dinâmicas de ida aos balneários em contexto de futsal e de aulas de educação física, afastando-se aqui as testemunhas de tal necessidade, respectivamente, fora dos momentos das palestras e fora das situações em que um comportamento desadequado do aluno o exija. Afastando-se, porque tendencioso, afastado do padrão de normalidade e das demais declarações tomadas, o que foi dito pela testemunha TT, cuja juventude e amizade ao arguido, obstaram a que depusesse de modo que o Tribunal considerasse credível. O aqui referido sustenta o facto provado 45.

De referir, neste particular que a circunstância de estas testemunhas terem o arguido por simpático, afectuoso, disponível e não terem assistido a qualquer comportamento desadequado por parte do mesmo, nada invalida o juízo probatório que se alcançou, na medida em que os ofendidos também não referiram a presença de adultos quando o arguido praticava os actos que lhe são imputados ou proferia as expressões já indicadas, sendo certo que resultou transversalmente do depoimento destas testemunhas, que não se encontravam sempre com o arguido, não se olvidando que parte dos factos ocorreram no interior de um pavilhão / balneário que atentas as suas normais dimensões e dinâmica de saída / chegada, rotatividade de alunos e / ou de atletas, montar / desmontar material, arrumá-lo, facilmente permite ao arguido entabular uma conversa ou tocar num aluno / atleta sem que os demais se apercebam de tais factos, não se olvidando que os jovens tenderam a normalizar o comportamento do arguido, porque “ele era mesmo assim” e “fazia o mesmo aos outros”.

Relativamente ao dolo e consciência da ilicitude, que já se aflorou acima, o Tribunal conjugou os meios de prova valorados positivamente nos termos supra expostos, com as regras da experiência comum e ainda com as declarações dos ofendidos. Pois que, sendo o dolo um elemento de índole subjectiva que pertence ao foro íntimo do sujeito, o seu apuramento (com exclusão de uma situação em que o agente admite a intenção directa) ter-se-á de apreender do contexto da acção desenvolvida, cabendo ao julgador – socorrendo-se, nomeadamente, de indícios objectivos, das regras de experiência comum e daquilo que constitui o princípio da normalidade – retirar desse contexto a intenção por ele revelada (factos 49. a 42.). Além do mais, a consciência da ilicitude e vontade de acção extraem-se quer das declarações do arguido, quer do próprio desenrolar dos eventos, não sendo credível outra actuação que não a deliberada ou sequer que o arguido desconhecesse a ilicitude do seu comportamento e a punibilidade do mesmo, do geral conhecimento dos cidadãos.

No que respeita às condições socioeconómicas do arguido, o Tribunal considerou-as provadas atenta a verosimilhança das declarações do mesmo quanto a esta parte, e, bem assim, tendo em conta o relatório social junto aos autos (facto provado 43.).

Quanto à existência de antecedentes criminais, teve o Tribunal em consideração o conteúdo do Certificado de Registo Criminal junto aos autos – facto provado 44.

Os factos não provados resultaram da ausência de produção de prova acerca dos mesmos.

Assim, em face do que supra se elenca, considerou o Tribunal que o arguido AA praticou os factos nos exactos termos em que estes foram considerados provados.

III. DO DIREITO

3.1. ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL

Assente a matéria de facto, cumpre proceder ao seu enquadramento jurídico-penal.

Ao arguido é imputada a prática, como se referiu, de três crimes de pornografia de menores, previstos e punidos pelo artigo 176.º, n.º 1, alíneas a) (um crime) e b) (dois crimes) e n.º 8 do Código Penal, sendo ofendido BB; dois crimes de pornografia de menores agravados sob a forma tentada, previstos e punidos pelos artigos 176.º, n.º 1, alínea b), n.º 8 e n.º 9, 177.º, n.º 6, 22.º e 23.º do Código Penal, sendo ofendido o indivíduo identificado na rede social “Instagram” como sendo CC; um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 3, alíneas a) e b) do Código Penal, sendo ofendido DD e cinco crimes de importunação sexual, previstos e punidos pelos artigos 170.º e 178.º, n.º 1 do Código Penal, sendo ofendidos EE, FF, GG e HH (dois crimes quanto a este último).

Vejamos os tipos legais em causa:

-DOS CRIMES DE PORNOGRAFIA DE MENORES

Estabelece o artigo 176.º do Código Penal que: “1 - Quem:

a) Utilizar menor em espectáculo pornográfico ou o aliciar para esse fim;

b) Utilizar menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim; […] é punido com pena de prisão de um a cinco anos.”

8 - Para efeitos do presente artigo, considera-se pornográfico todo o material que, com fins sexuais, represente menores envolvidos em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou contenha qualquer representação dos seus órgãos sexuais ou de outra parte do seu corpo.

9 - A tentativa é punível.

Por seu turno, do disposto no artigo 177.º, n.º 6 resulta que: “As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º, 168.º, 174.º, 175.º e no n.º 1 do artigo 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, quando os crimes forem praticados na presença ou contra vítima menor de 16 anos;”

Movemo-nos no âmbito de uma matéria que o legislador entendeu ser de protecção absoluta e, como tal, considerou irrelevante o consentimento do menor, por contraposição à ideia de “adequação” das acções.

Este tipo de crime, atenta a sua natureza, pode ser qualificado como crime de perigo abstracto de índole especial, isto é, o perigo é não só em concreto presumido, como nem sequer é susceptível de ser exactamente avaliado, atenta a especial vulnerabilidade da vítima (menor) e a possibilidade de afectação do desenvolvimento livre, físico ou psíquico desta, ou o potencial dano correspondente impor (por si) a condenação, ainda que, em concreto, o dano não venha a ter lugar – pune-se uma dada actividade pela sua potencialidade lesiva do bem jurídico protegido, independentemente da produção de qualquer dano ou perigo de dano. Sendo certo que o impacto dessa actividade no aludido desenvolvimento não tem efeito imediato, nem é possível percepcionar a sua dimensão e expressão.

Em rigor, a preocupação do legislador deve ser conjugada com as conclusões da psicologia no sentido de que até atingir um certo grau de desenvolvimento, indiciado por determinados limites etários, o menor deve ser preservado dos perigos relacionados com o desenvolvimento prematuro em actividades sexuais. Nessa conformidade, o limite etário dos 14 anos é entendido como a fronteira entre a infância e a adolescência.

Não está em causa somente a autodeterminação sexual, mas, igual e essencialmente, o direito do menor a um desenvolvimento físico e psíquico harmonioso, presumindo-se que este estará sempre em perigo quando a idade se situe dentro dos limites definidos pela lei.

De modo tendencialmente rigoroso e compatível com a intervenção do direito penal, o bem jurídico reside mais directamente na protecção da personalidade em desenvolvimento dos menores, entendida tanto numa dimensão interior (psico-física ou moral) como noutra exterior (social ou relacional), embora não deixando de atentar, ainda que remotamente, na sua autodeterminação sexual, opção neocriminalizadora justificada no reforço da tutela das pessoas particularmente indefesas (sobre o assunto, Albergaria, Pedro Soares de / Lima, Pedro Mendes -O crime de detenção de pseudopornografia infantil – evolução ou involução? (disponível em https://julgar.pt/o-crime-de-detencao-de-pseudopornografia-infantil-evolucao-ou-involucao/ ) e Antunes, Maria João - Crimes contra a Liberdade e a Autodeterminação Sexual dos Menores, na Revista Julgar, Especial, n.º 12, Set./Dez.2010, disponível em https://julgar.pt/crimes-contra-a-liberdade-e-a-autodeterminacao-sexual-dos-menores/ ), assim se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.03.2019, em que foi Relator, o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Dr. Vinício Ribeiro (Processo n.º 3910/16.0T9PRT.P1.S1)

Em rigor, dir-se-á que o legislador reconheceu o papel da sexualidade no desenvolvimento da personalidade humana e pretende proteger aqueles que, devido à sua imaturidade, ainda não têm capacidade para se autodeterminarem nesta vertente.

Temos que os elementos objectivos deste tipo de crime, e no que releva para os autos, são:

(i) Que o agente pratique o acto sobre criança ou jovem (menor de 18 anos), sendo indiferente que o mesmo seja ou não sexualmente iniciado, que possua ou não capacidade para entender o acto sexual e mesmo que lhe caiba qualquer intervenção ou mesmo iniciativa quanto ao mesmo;

(ii) Que o agente utilize o menor em espectáculo pornográfico, ou o alicie para esse fim [alínea a) do n.º 1 do artigo 176.º]; ou

(iii) Que o agente utilize o menor em fotografia, filme ou gravação pornográficos, independentemente do seu suporte, ou o aliciar para esse fim [alínea b) do n.º 1 do artigo 176.º].

Nas alíneas a) e b) do n.º 1 do referido artigo 176.º, criminaliza-se a utilização directa de menores de 18 anos, ou o seu aliciamento, para espectáculos, fotografias, filmes ou gravações pornográficas. Neste caso é a liberdade e autodeterminação sexual dos menores envolvidos que é posta em causa, através da actividade do agente, seja na intervenção directa nos factos seja no seu aliciamento pessoal para participarem nos mesmos.

Dir-se-á, ainda que “A concreta identificação das vítimas não constitui elemento do tipo de pornografia de menores, já que, na situação, o que se discutiu em audiência foi a detenção e a divulgação de materiais pornográficos envolvendo menores, inerente à tutela antecipada do perigo associado a essa vertente, em razão do interesse, além do mais, de proteção da autodeterminação sexual de menores de dezoito anos, sejam eles quem forem – assim se entendeu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 17.03.2015, em que foi Relator o Exmo. Sr. Juiz Desembargador Dr. Carlos Jorge Berguete (processo n.º 524/13.0JDLSB.E1, disponível no referido sítio).

Evidentemente, coloca-se, desde logo, a questão do que deva ser considerado pornográfico, sendo certo que a lei não apresenta qualquer definição do conceito, o que é susceptível de suscitar alguma dificuldade interpretativa.

No mencionado Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, entendeu-se que que “A natureza «pornográfica» dos atos referidos abrange menores em atividade sexuais, exibindo órgãos sexuais, ou em pose, posturas ou comportamentos suscetíveis de causar estímulo, excitação ou impulso sexual. (…)”

GARCIA, M. Miguez; CASTELA RIO, J. M. – CÓDIGO PENAL. PARTE GERAL E ESPECIAL – com notas e comentários. 2.ª Edição. Coimbra: Edições Almedina, SA, 2015. Depósito Legal 398712/15, pg. 774, anotação 5. ao citado artigo, referem que “Será pornográfica a representação grosseira da sexualidade que faz das pessoas um qualquer objecto despersonalizado para fins predominantemente sexuais. Trata-se do desempenho da actividade sexual reduzida aos seus elementos externos, por forma explícita, real ou simulada.”

Aqui se concretizando que “releva para a caracterização da pornografia infantil o material pornográfico que retrata ou representa visivelmente uma pessoa real que aparente ser um menor (todo o menor de 18 anos) implicada ou coenvolvida numa conduta sexualmente explícita. Tem-se também em vista as representações realistas de menores existentes” (obra e autores citados, pg. 773, alínea b) da anotação 1.)

Prosseguindo, no que toca ao “elemento típico “espectáculo pornográfico” […]” este “pode envolver o menor na prática de actos sexuais de relevo, ou, tão só, na prática pelo menor de actos de exibicionismo ou de contacto de natureza sexual.”

De forma mais retumbante, e retornando ao conceito do que deve ser considerado pornográfico, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 12.10.2011, em que foi Relator o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Dr. Armindo Monteiro (processo n.º4/10.5GBFAR.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt): “a pornografia, em sentido clássico, tem o significado de acto sexual chocante, aberrante, praticado em condições profundamente dissociadas do que é usual e conhecido, sem que se confunda como o mero erotismo.”

Eliane Rober Moraes, docente de ética na PUC –S. Paulo, intentando traçar a distinção e sobrelevar na controvérsia, pondera que o erotismo só sugere; a pornografia tudo mostra; do âmbito da pornografia está excluída uma nudez não apelativa presente por ex.º nas obras de arte pictóricas, de escultura ou gravuras”.

Por seu turno, LOPES, José Mouraz; MILHEIRO, Tiago Caiado – CRIMES SEXUAIS – Análise Substantiva e Processual. 1.ª Edição. Coimbra: Coimbra Editora, SA. Dezembro 2015. Depósito Legal 402299/15. ISBN: 978-972-32-2359-0, pg. 191, traduzem “a natureza «pornográfica» dos actos […]” naquela que “abrange menores em actividades sexuais, exibindo órgãos sexuais, ou em pose, posturas ou comportamentos susceptíveis de causar estímulo, excitação ou impulso sexual”

ALBUQUERQUE, Paulo Sérgio Pinto de - Comentário do Código Penal: à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. – 3.ª Edição. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2015. DL 401487/15. ISBN: 9789725404898, pgs. 685 e 701, em anotação respectivamente aos artigos 171.º e 176.º, ambos do Código Penal admite ainda que o espectáculo pornográfico é o acto de representação de uma ou mais pessoas em comportamento sexualmente explícito, real ou simulado ou os órgãos sexuais de uma pessoa, para fins predominantemente sexuais.

Veja-se sobre esta temática, como referido no citado aresto, que as Nações Unidas definem pornografia infantil como sendo qualquer representação por qualquer meio de uma criança em actividades sexuais explícitas, reais ou simuladas ou qualquer representação das partes sexuais, de onde resulta que o conceito de pornografia infantil é amplo (cfr. art.º 2 .º, c) do Protocolo Adicional à Convenção dos Direitos da Criança sobre o Tráfico de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia, de 2002), inexistindo pois qualquer distinção entre objecto pornográfico e erótico-sensual.

Como se prossegue no citado aresto, não há, atenta esta definição, qualquer distinção entre objecto pornográfico e erótico-sensual, não se podendo, todavia, fazer apelo à moral ou pudor públicos. Nas palavras de Figueiredo Dias (obra citada, pg. 545) a “qualificação de um instrumento como pornográfico deve exprimir, segundo o seu conteúdo objectivo, que ele é idóneo, segundo as circunstâncias concretas da sua utilização, a excitar sexualmente a vítima, ultrapassando por isso notoriamente, em abstracto, os limites permitidos por um desenvolvimento sem entraves da personalidade do menor na esfera sexual. É deste modo (…) uma interpretação de acordo com o bem jurídico, não um apelo directo às representações axiológicas dominantes da comunidade em um momento dado (…)”.

Por sua vez, a utilização do menor implica, conforme decorre da enunciação normativa, utilizar a sua participação a qualquer tipo: como modelo, actor, interveniente na feitura ou edição, entre outros. O menor será utilizado quando é fotografado, filmado, gravado ou objecto de registo, independentemente do suporte em que fique registado em situações configuradas como pornográficas ou participa no espectáculo pornográfico.

Aliciar será todo o comportamento de que se socorre o agente do crime para motivar o menor a participar nos espectáculos, fotografias, filmes ou gravações pornográficas (dinheiro, prendas, promessas de trabalho ou outras promessas, ainda que falsas, entrega de bens em espécie, toda a conversa que convença o menor, mesmo que sem qualquer entrega ou promessa se bens monetários ou não monetários, incitamento, seduzir o menor, entre outros comportamentos que se subsumam a esta ideia de seduzir ou atrair o menor à prática dos factos elencados no normativo em análise).

LOPES, José Mouraz; MILHEIRO, Tiago Caiado, na citada obra e no que toca ao aliciamento, descrevem-no como qualquer conduta com aptidão para convencer um menor a assistir ou a praticar actividades sexuais, podendo ser levado a cabo por qualquer meio de comunicação, não se exigindo que seja presencial – pode ser verbal, por escrito, gestual, por telemóvel ou através de outros meios de comunicação, como sms, Facebook, redes sociais.

Defendendo-se que o uso do menor em espectáculo pornográfico pode envolver a prática pelo mesmo de actos sexuais de relevo (a acção, além da sua conotação sexual (acto sexual) deverá ser suficientemente relevante (de relevo) para ofender o livre desenvolvimento sexual da criança), actos de contacto de natureza sexual, actos exibicionistas ou apenas a sua presença física no meio dos outros intervenientes no espectáculo.

Ao nível do tipo subjectivo, exige-se que o agente actue, em relação aos sobreditos elementos, dolosamente, ainda que em qualquer das modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal.

A lei penal prevê ainda a punição de certas condutas na forma tentada, na medida em que representam já um perigo de lesão dos bens jurídicos tutelados pelas normas penais.

Não há uma violação efectiva da ordem jurídica, mas a mesma já é expectável.

Nestes termos, dispõe o artigo 23.º, n.° 1 do Código Penal que “salvo disposição em contrário, a tentativa só é punível se ao crime consumado respectivo corresponder pena superior a 3 anos de prisão”.

O crime em causa nos autos é punido com pena de prisão até 5 anos pelo que, em abstracto, a tentativa é punível.

No n.° 1 do artigo 22.º do Código Penal afirma-se que: “Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se”.

A tentativa é, pois, uma figura que implica o dolo.

Por sua vez o n.º 2 do artigo 22.º do Código Penal, diz-nos que são actos de execução: a) os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime; b) os que forem idóneos a produzir o resultado típico (pressuposto de causalidade adequada); c) os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores.

Serão actos de execução, os que preenchem elementos de um tipo de crime, uma vez que este já contém em si uma valoração de ilicitude, bem como aqueles que revelem um perigo de lesão de bens jurídicos e ainda aqueles, que segundo a experiência comum, tornam previsível que se lhes sigam os actos anteriores.

Para haver tentativa o agente tem que actuar com dolo, como se referiu.

Constitui, assim, tarefa essencial, na definição da tentativa, no confronto do artigo 21.º e do n.º 1 do artigo 22.º, a destrinça entre actos preparatórios e actos de execução, uma vez que só estes últimos relevam, para efeito da tentativa.

O critério legal para a distinção entre actos preparatórios e actos de execução é um critério objectivo: estes hão de conter já, eles próprios, um momento de ilicitude, pois ainda que não produzam a lesão do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora do crime consumado, produzem já uma situação de perigo para esse bem; enquanto o acto de execução afigura-se dotado de capacidade potencial para a produção do evento criminoso, o acto preparatório é um acto sem essa capacidade, é ainda um acto equívoco, ambíguo, ainda demasiado longe da consumação e que, por isso, também não afecta geralmente o sentido jurídico da comunidade, não constitui ainda, pelo menos em regra, um perigo objectivo para o bem jurídico, e que tanto poderá servir para preparar o crime como para quaisquer outras finalidades.

No entanto, no que toca ao crime de pornografia, cumpre trazer à colação, na senda do defendido por Paulo Pinto de Albuquerque, que a tentativa é punível, salvo se o facto tentado disser respeito ao aliciamento, uma vez que, como escreve, a tentativa de aliciamento é materialmente uma tentativa da tentativa, cuja punição seria desproporcional e excessiva. Impondo-se, defende o autor, pois, uma interpretação restritiva conforme à Constituição do artigo 176. °, n.° 5, no sentido da exclusão da tentativa de aliciamento.

Neste sentido e considerando o legislador que o aliciamento constitui elemento do tipo, não sendo exigido que o aliciamento produza o efeito pretendido, decidindo expressamente que o mesmo configura a prática de um crime autónomo, em que o agente executa todos os elementos de um crime completo logo que entra no estádio da tentativa, não estaremos perante uma tentativa (da tentativa), mas antes perante um crime consumado, consubstanciado no aliciamento. Em rigor, existindo aliciamento através de uma proposta ou convite, afasta-se ainda a hipótese de tentativa deste crime, por se traduzir na antecipação da antecipação.

Reportando-nos ao caso em apreço constata-se que o arguido inicia e mantém com BB e com CC, conversas de cariz manifestamente sexual, ainda que apenas com contacto virtual, num padrão de conduta homogéneo, com o único fim de satisfazer os seus instintos libidinosos e fá-lo plenamente consciente de que estes eram menores de idade (de 15 / 16 anos) e ainda assim manteve com os mesmos as conversas de cariz marcadamente sexual que supra se consideravam provadas e que o mesmo confirmou, trocou fotografias reveladoras de partes do corpo (enviou fotografias do respectivo pénis e recebeu fotografias dos pénis dos menores e do rabo despido de BB, como, aliás, lhes solicitou), prosseguindo na insistência para que estes lhe remetessem mais imagens (fotografias ou vídeos) em que estes estivessem nus e / ou a masturbar-se.

Além de ter logrado estabelecer videochamadas com BB, no decurso das quais ambos se masturbavam, aferindo-se, neste particular e em face do exposto quanto ao crime em apreço que este acto do menor consubstancia a prática de um acto sexual de relevo, incitado pelo arguido, pois que prejudica o direito ao desenvolvimento são e sem constrangimentos da sua personalidade, aqui na vertente da sexualidade.

O mesmo se dizendo em relação a CC, de onde resulta que, com a sua conversa, o arguido visa obter fotografia e vídeos daquele despido ou a masturbar-se, incitando-o a tal, seduzindo-o, através das conversas mantidas, ao envio de tais fotografias e vídeos ou que efectue videochamadas, não se olvidando que logrou estabelecer uma videochamada onde o menor exibiu o pénis. Pelo contexto concreto, dado como provado, pela objectividade, pelo sentido comum, pela ausência de uma justificação plausivelmente aceitável por parte do arguido, pelas suas condutas criminosas, mas sobretudo e decisivamente em razão do bem jurídico protegido, as fotografias e vídeos que o arguido pretendia obter e, bem assim, as videochamadas que conseguiu efectuar, utilizando os menores, têm, sem dúvida, expressão e conteúdo pornográfico, integrando o conceito de pornografia de menores.

Na verdade, as condutas supra elencadas consubstanciam actos que atentam contra os normais sentimentos de pudor, de timidez e vergonha comuns à generalidade das pessoas, intoleráveis numa sociedade civilizada e, por isso, actos sexuais de relevo, que comportam em si mesmo uma conotação sexual - envolvem a abordagem de zonas erógenas dos menores, objectivamente conotadas com a sexualidade das pessoas, o que representa um perigo óbvio e claro para a autodeterminação sexual dos menores acima identificados -, suficientemente ofensiva e condicionante da liberdade e da autonomia sexual a que qualquer menor tem pleno direito.

De realçar, neste particular, que ficou demonstrado que CC teria 15 ou 16 anos, o que resulta das declarações do arguido, não se tendo lograr a identidade da pessoa que se apresentava com tal perfil de instagram (nem a mesma é necessária, como se referiu supra), afigura-se, no entanto, e atendendo à diferença de tratamento jurídico quanto a menores com uma e outra idade (também já abordado acima), que a questão deverá ser resolvida em benefício do arguido.

Assim sendo, e dado o teor das conversas mantidas pelo arguido, a par dos conteúdos por estes remetidos (e por este também remetidos aos menores), de natureza claramente sexual, além de, efectivamente, ainda aliciar os menores a exporem a sua nudez, na zona genital e o rabo, através de mais fotografias e/ ou vídeos, a conduta o arguido, no que se reporta às situações referentes a BB e a CC, integram os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal da pornografia de menores, consignando-se que o ilícito típico (referente à alínea b) do n.º 1 do artigo 176.º) é preenchido com o mero aliciamento, entendido como sedução e, por isso, não sendo exigido que o aliciamento produza o efeito pretendido e que o arguido agiu em todas as situações com a intenção de utilizar os ofendidos para satisfação dos seus instintos libidinosos e de obter sexual, sabendo que os mesmos eram menores de idade e de que ofendia os respectivos sentimentos de pudor, intimidade e liberdade sexual, não possuindo competências cognitivas, sociais e emocionais que lhes permitisse evitar tais contactos sexuais.

Deste modo, entende-se quanto a BB, que o arguido praticou um crime de pornografia previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 176.º e dois crimes da alínea b) do citado normativo (operada a necessária alteração da qualificação jurídica, nos termos do disposto no artigo 358.º n.º 3 do Código de Processo Penal), e, no tocante, à pessoa identificada como CC praticou o arguido dois crimes de pornografia, previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 176.º (operada a necessária alteração da qualificação jurídica, nos termos do disposto no artigo 358.º n.º 3 do Código de Processo Penal).

Por outro lado, é de salientar que o arguido actuou, em todas as situações, a título de dolo directo, conforme surge conceptualizado no artigo 14.º, n.º 1 do Código Penal.

Não se mostram verificadas causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, o que significa que a acusação é, neste particular, procedente.

-DO CRIME DE ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS

Dispõe o n.º 1 do citado artigo 171.º que pratica um crime de abuso sexual de criança quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa.

Já nos termos do n.º 2 a pena a aplicar é agravada se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos.

Também é punido, mas agora nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 171.º, quem importunar menor de 14 anos, praticando acto previsto no artigo 170.º e, nos termos da alínea b), quem actuar sobre menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos, sendo punido com pena de prisão até três anos.

Deste modo, no domínio dos crimes sexuais relativamente a menores, o legislador optou por uma protecção escalonada em razão da idade, reconhecendo que tal circunstância confere especificidades ao bem jurídico protegido que justificam a autonomia da densificação normativa típica.

Assim, no abuso sexual de crianças – artigo 171.º do Código Penal – é punido quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o importunar com acto de carácter exibicionista ou ainda sobre ele actuar por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos.

Estamos perante um crime de perigo abstracto uma vez que não se exige um efectivo dano para o desenvolvimento livre, físico ou psíquico, bastando-se o legislador com a mera potencialidade de tal ocorrência e o bem protegido pela incriminação é o livre desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual – reiterando-se aqui tudo quanto supra se explanou a este respeito.

O agente pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher. A vítima, por outro lado, terá necessariamente uma criança ou um jovem menor de 14 anos, sendo, contudo, irrelevante o seu sexo. Tipicamente indiferente é também que a vítima seja ou não sexualmente iniciada; que possua ou não capacidade para entender o acto sexual que nela, com ela ou perante ela se pratica ou se leva a praticar e, ainda, que lhe caiba uma intervenção activa ou puramente passiva no processo.

Relativamente ao elemento objectivo do tipo de crime, o mesmo exclui, portanto, os actos sexuais de relevo a que se reportam os n.ºs 1 e 2 do artigo 171.º do Código Penal, antes abrangendo os actos de importunação a que se reportam o artigo 170.º do referido diploma e que actue sobre o menor de 14 anos, por meio de conversa, escrito, espectáculo ou objecto pornográficos. Realçando que a locução “actuar sobre o menor”, como esclarece Jorge de FIGUEIREDO DIAS [obra citada pg. 547], significa tentar satisfazer com ele ou através dele, por meio de processos de características sexuais, interesses ou impulsos de relevo, que, todavia, não têm, estes, de possuir natureza sexual, mas podem ser de natureza diferente. A utilização da palavra “sobre” não pressupõe por outro lado a necessidade de contacto corporal entre o agente e a vítima. Basta que o menor participe a qualquer título – ainda o mais radicalmente passivo – da conversa, da leitura, do espectáculo (visual ou sonoro, v.g. certas hot lines ou certos discos) ou da observação do instrumento pornográfico.

Por conversa pornográfica deve entender-se toda a troca de palavras mantidas pelo agente com a criança ou com terceiro diante da criança de modo adequado a excitar sexualmente a vítima. Não está incluído o monólogo.

Assim, as modalidades de realização da conduta típica atêm-se à prática de actos de exibicionismo, à formulação de proposta sexual, ou manutenção de conversas de teor sexual, e à imposição de contacto sexual indesejado. Concretizando, o acto de exibicionismo corresponde à exibição por banda do agente do seu órgão sexual com a finalidade de obter prazer sexual ou realizar fantasia dessa índole, sendo que o contacto de natureza sexual tem de ser objectivamente entendido enquanto tal, não sendo necessária a prática de acto sexual de relevo, até porque a este se refere previsão legal contemplando punição mais gravosa, mas estando incluída na modalidade típica o roçar do corpo ou o chamado ‘apalpão’.

Por seu turno, a formulação de proposta sexual «pode assumir a forma verbal, gestual, escrita ou qualquer outra forma de comunicação que não implique contacto físico» (Mouraz Lopes, Caiado Milheiro, obra citada, pg. 158), sendo que essa comunicação deve conter a formulação de um convite, uma sugestão de prática de acto sexual.

Não obstante, como advertem Mouraz Lopes e Caiado Milheiro, “para se retirar algum conteúdo útil à alusão de importunação de menor de 14 anos (emergindo uma conexão entre importunar e a idade da vítima), deverá atribuir-se uma maior amplitude à noção de importunação, usando como “bússola” o bem jurídico: tutelar o desenvolvimento livre da personalidade da criança do ponto de vista sexual” (obra citada, pg. 169).

No que respeita ao tipo subjectivo, trata-se de um crime doloso, podendo ser cometido em qualquer uma das suas modalidades previstas na lei penal.

Ora, compulsada a factualidade apurada, conclui-se pelo preenchimento do tipo legal de crime em análise.

Na verdade, ficou apurado que DD era aluno do … onde o arguido trabalhava e que, bem assim, este era seu treinador de futsal e que, em data não concretamente apurada, mas em que o menor teria 13 anos de idade, no interior do estabelecimento de ensino, o arguido se terá aproximado deste que se encontrava de frente ou de costas para ele, encostou o corpo dele ao do mesmo e apertou-o, abraçando-o durante algum tempo, tendo igualmente ficado demonstrado que no mesmo período e local, o arguido passou as mãos pelos peitos de DD e lhe acariciou os braços, além de lhe dirigir as expressões “que lindo corpo”, “gosto muito de ti”, “posso namorar contigo?”, que os rapazes que têm medo que outro homem lhes toque é que são “gays” e se tinha namorada ou namorado, de lhe perguntar (bem como a outros jogadores do futsal) se se masturbavam, a que se soma o facto de beijar uma das mãos, a levantar e soprar o beijo na direcção de DD, incomodando-o e deixando-o desconfortável em todas as situações.

Ao agir do modo descrito, o arguido sabia que mantinha conversas de teor sexual com menor de idade, sendo descabido que um homem da idade do arguido pergunte a um jovem de 13 anos se quer namorar consigo ou se este se masturbava, além de procurar imprimir falsas percepções da realidade ao menor, dizendo-lhe que os que rapazes que têm medo que outro homem lhes toque é que são gays, procurando, assim, mais uma vez, normalizar os seus comportamentos, que no caso concreto consistiram em toques nos braços, peitos e os abraços mais prolongados, que demonstradamente realizou no menor.

O arguido agiu do aludido modo, indiferente ao constrangimento que causava ao menor e à falta de preparação desta para lhe responder, o que quis e logrou conseguir, tendo agido sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei.

Não opera qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, pelo que deve o arguido ser condenado, pela prática de um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º n.º 3 alíneas a) e b) do Código Penal relativamente ao menor DD.

-DO CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL

Dispõe o artigo 170.º do Código Penal que “quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”

Conforme resulta da correspondente inserção sistemática, o crime de importunação sexual visa tutelar o bem jurídico liberdade sexual, fazendo-o não apenas por referência a actos de exibicionismo, mas também, desde as alterações introduzidas no Código Penal em 2007, no tocante a actos de constrangimento sexual por contacto, sendo que a Lei n.º 83/2015, de 05.08, criminaliza, ainda, a formulação de propostas de teor sexual.

A realização da acção típica exige, pois, que a pessoa visada pelo actor criminis seja importunada na sua liberdade sexual, tendo de subsistir adequação entre a conduta e a moléstia da vítima, até porque o crime em alusão é de resultado, exigindo-se a efectiva importunação da pessoa visada pelo acto do agente. Com efeito, “a importunação supõe que a outra pessoa tenha de facto reconhecido o comportamento exibicionista do sujeito, inclusivamente quanto à sua tendência sexual” (Miguez Garcia, Castela Rio, obra cita, pg. 813).

Conforme referem Mouraz Lopes e Caiado Milheiro, “a importunação não se centra apenas numa perspectiva subjetivista da vítima, pois que para além de se ter importunado em concreto aquela pessoa terá que avaliar-se o contexto e circunstâncias de modo a não punir situação sem relevo em termos de tutela penal, pelo facto da conduta não ter ressonância ético-social censurável, ou pelo menos ao ponto de exigir o exercício do ius puniendi estadual” (obra citada, pg. 153).

As modalidades de realização da conduta típica atêm-se à prática de actos de exibicionismo, à formulação de proposta sexual e à imposição de contacto sexual indesejado. Concretizando, o acto de exibicionismo corresponde à exibição por banda do agente do seu órgão sexual com a finalidade de obter prazer sexual ou realizar fantasia dessa índole, sendo que o contacto de natureza sexual tem de ser objectivamente entendido enquanto tal, não sendo necessária a prática de acto sexual de relevo, até porque a este se refere previsão legal contemplando punição mais gravosa, mas estando incluída na modalidade típica o roçar do corpo ou o chamado ‘apalpão’. Por seu turno, a formulação de proposta sexual “pode assumir a forma verbal, gestual, escrita ou qualquer outra forma de comunicação que não implique contacto físico” (Mouraz Lopes, Caiado Milheiro, obra citada, pg. 158), sendo que essa comunicação deve conter a formulação de um convite, uma sugestão de prática de acto sexual.

Defendendo os referidos Autores que “A configuração típica do acto deve, por isso sustentar-se na utilização de um tipo de linguagem (ou outra forma de expressão) baixa, ostensivamente sexual, rude, com aptidão para ferir a liberdade da vítima em termos sexuais, no sentido de que se sente invadida na sua privacidade sexual sem ter possibilidade ou capacidade de rejeitar um comportamento que lhe é imposto por terceiro. Terá que ser assim uma linguagem ou expressão gráfica com aptidão para a importunar, e que conduza a essa efectiva importunação sexual (crime de resultado).

No crime de importunação sexual, o bem jurídico protegido é a liberdade sexual de outra pessoa, visa-se a protecção da liberdade das pessoas a relacionarem-se, ou não, sexualmente com outrem e a escolherem com quem manterão esse tipo de relacionamento. É uma forma de expressão da liberdade sexual, representando, como se disse supra, um crime de resultado, já que a própria importunação representa o resultado da acção.

A lei exige, sendo elemento do tipo de crime, a formulação de uma proposta (um convite) a um acto de natureza sexual, o constrangimento a contacto de natureza sexual e que a conduta do agente efectivamente importune a vítima (“quem importunar outra pessoa…”) - cause uma perturbação do estado psíquico da vítima por ela sentida como negativa e / ou indesejada.

Não se exige o envolvimento da vítima na execução corporal de um acto sexual, ao contrário do que se passa com outros crimes de natureza sexual, bastando-se com a recepção, por parte desta, de actos comunicativos de teor sexual.

Trata-se também de um crime de dano (a lesão da autodeterminação sexual) e de execução vinculada, pois a importunação só tem relevância típica se for causada por uma das três acções enunciadas no artigo 170.º do Código Penal: a prática de actos de carácter exibicionista, a formulação de propostas de teor sexual ou o constrangimento a contacto de natureza sexual.

No caso vertente surge inequívoca a prática dos cinco crimes de importunação sexual que se mostram imputados ao arguido na acusação pública.

Concretizando, é de reter que o arguido actuou por referência a EE, GG, HH e FF, então com 16 anos de idade, idades que eram do conhecimento do arguido, por se tratarem de alunos do … onde o arguido trabalhava e GG jogador de futsal da equipa orientada pelo arguido.

É de registar que se sedimentou que o arguido a propósito de GG, acariciou uma das coxas do mesmo, o que o deixou desconfortável, ao ponto de afirmar “deve ser gay”, ripostando o arguido com a frase também usada com DD, tendente a confundir os menores e a imprimir-lhes falsas percepções da realidade, de que os gays é que têm medo que lhes toquem (procurando assim, normalizar o seu comportamento).

Também quanto a EE se demonstrou que o arguido tocou e acariciou o peito e o mamilo, enquanto afirmava “ai que maminha tão boa”, além de lhe afirmar que fazia “broches”, o que não deixa de imprimir a ideia de sugestionar o jovem para essa possibilidade, o que o deixou constrangido e desconfortável, além de ter considerado que não eram conversas adequadas para serem mantidas entre um aluno menor e o responsável do pavilhão.

Tendo adoptado idêntica conduta, de tocar e acariciar os mamilos, quanto a FF, deixando-o igualmente desconfortável e incomodado, situações que configuram um contacto de natureza sexual, porque em zonas erógenas dos menores e pertencentes à sua esfera de intimidade.

Por último, quanto a HH, demonstrou-se que o arguido acariciou o peito e o abdómen deste, enquanto afirmava “lindo corpo”, além de, noutras ocasiões lhe ter perguntado “eu posso namorar contigo?” e “então deixa-me apaixonar por ti” e de ter igualmente beijado uma das mãos e soprado o beijo na direcção deste jovem, tendo logrado deixado desconfortável e incomodado com tais comportamentos que se subsumem, a propostas de teor sexual, no que toca às expressões proferidas, afigurando-se uma linguagem inadmissível entre um adulto da idade do arguido (52 / 53 anos à data) e um jovem da idade de FF, além de constranger este a suportar toques e observações quanto a uma parte do seu corpo (peito e abdómen) que pertencem, como já se referiu, à esfera privada do mesmo.

Não se deixando de enfatizar que aqueles actos (de tocar nos menores na coxa, nos peitos, abdómen, mamilos) correspondem, mais concretamente, a contacto indesejado de natureza sexual e as expressões proferidas como deixa-me apaixonar por ti ou queres ser meu namorado e ainda a alusão a que faria broches, assumem o relevo de propostas de cariz sexual, pois que outro significado não se pode retirar das condutas realizadas pelo arguido, o que significa que resulta verificado o elemento objectivo a que se reporta o artigo 170.º do Código Penal.

Por outro lado, é de salientar que o arguido actuou a título de dolo directo, conforme surge conceptualizado no artigo 14.º, n.º 1 do Código Penal.

Não se mostram verificadas causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, o que significa que a acusação é, também neste particular, procedente.

*

IV -DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICO-PENAIS DO CRIME

DA ESCOLHA DA PENA

Verificada a prática por parte do arguido de três crimes de pornografia de menores, previstos e punidos pelo artigo 176.º, n.º 1, alíneas a) (um crime) e b) (dois crimes) e n.º 8 do Código Penal, sendo ofendido BB; dois crimes de pornografia de menores, previstos e punidos pelos artigos 176.º, n.º 1, alínea b) e n.º 8, sendo ofendido o indivíduo identificado na rede social “Instagram” como sendo CC; um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 3, alíneas a) e b) do Código Penal, sendo ofendido DD e cinco crimes de importunação sexual, previstos e punidos pelos artigos 170.º e 178.º, n.º 1 do Código Penal, sendo ofendidos EE, FF, GG e HH (dois crimes quanto a este último), cabe agora extrair as respectivas consequências, ou seja, cabe aplicar a estatuição subsequente ao preenchimento do tipo incriminador em questão – uma pena.

Havendo assim lugar à aplicação de uma pena, deve-se ter em mente na operação de determinação da sua medida concreta três passos lógicos e sequenciais: em primeiro lugar determina-se a pena abstracta e respectiva moldura; em segundo lugar, albergando o tipo incriminador uma pena compósita alternativa, deve ser escolhida a natureza da pena a aplicar e, por fim, num último e derradeiro passo, o julgador determina a medida concreta da pena, isto é, o seu quantum.

- determinação da moldura penal aplicável

- O crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 8 do Código Penal, é punido com uma pena de prisão de 1 a 5 anos.

- O crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 3, alíneas a) e b) do Código Penal, é punível com pena de prisão até 3 anos.

- O crime de importunação sexual, previsto e punido pelo artigo 170.º do Código Penal, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

- escolha da espécie de pena

Considerando que os crimes de importunação praticados pelo arguido são puníveis com uma pena compósita alternativa, ou seja, com uma pena de prisão, ou, em alternativa, com uma pena de multa, cabe escolher qual a natureza da pena a aplicar. Esta operação, não é, todavia, extensível aos demais crimes, na medida em que aos mesmos apenas é aplicável pena de prisão, o que significa que a natureza da pena a aplicar mostra-se pré-determinada.

A este ponto não é de olvidar o disposto no artigo 70.º do Código Penal, aí positivando o legislador uma clara e expressa preferência pela aplicação de penas não privativas da liberdade, o que é compreensível atendendo à natureza ínsita às penas carcerárias, manifestamente estigmatizantes, constituindo o instrumento punitivo de aplicação última ao dispor do Estado, aqui no âmbito da função jurisdicional.

Por outro lado, há que atender aos fins das penas referidos no artigo 40.º do Código Penal, ou seja, há que considerar a suficiência, adequação e proporcionalidade da pena para o efeito da reintegração do agente e, simultaneamente, para o efeito de restabelecimento da confiança da comunidade na protecção de bens jurídicos, implicando, pois, considerar as necessidades de prevenção especial, mas também as necessidades de prevenção geral.

Ora, os crimes de importunação sexual configuram um crime cuja prática é de verificação algo frequente, tratando-se de um tipo de crime que tem particular incidência em contextos escolares e desportivos, o qual é particularmente pernicioso para as vítimas porque o tipo de ambiente em que é perpetrado tende a perpetuar a conduta do agente do crime. Assim, é necessário reafirmar a validade da norma violada perante a comunidade, em particular quanto a este tipo de crime cometido no seio de uma comunidade educativa e de uma comunidade desportiva, daí que as necessidades de prevenção geral são acentuadas.

No tocante às necessidades de prevenção especial, importará considerar que o arguido perpetrou os factos abusando de uma relação de confiança gerada por virtude de assumir funções de auxiliar educativo na escola que as vítimas frequentavam e / ou de treinador de futsal de equipas que estas integravam e que o fez num hiato temporal alargado, de pelo menos um ano lectivo, em período de pandemia e a um número já significativo de jovens - quatro.

Considerando tudo quanto se acabou de expor, o Tribunal considera adequada às necessidades de prevenção especial e geral que o caso concreto demanda, a aplicação de uma pena de prisão ao arguido AA em face do cometimento dos cinco crimes de importunação.

- determinação da medida concreta da pena

Avançando, então, na operação de determinação das penas, fixando, para tanto, o respectivo quantum, atendendo para tal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente as previstas nas diversas alíneas do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, sendo que há-de o julgador considerar como limite intransponível, na determinação da medida concreta da pena, a culpa do agente manifestada no cometimento dos factos típicos (cfr. artigos 40.º, n.º 2, e 70.º, n.º 1, do Código Penal).

Assim, devem ser atendidas as seguintes circunstâncias no que se refere à determinação da medida concreta da pena, quanto ao arguido AA:

Contra o arguido, cumpre referir:

- O dolo intenso, porque directo em qualquer dos crimes;

- A ilicitude, a qual se afere – dentro da ilicitude dos tipos incriminadores em apreço – como sendo mais elevada nos crimes de pornografia (atento que no curto período de duração, o arguido ultrapassou rapidamente os comandos que ditavam que não assumisse aqueles comportamentos, solicitando aos ofendidos, com pouca troca de mensagens ou de contactos, o envio de vídeos a se masturbaram, de fotografias despidos, essencialmente dos órgãos genitais e do rabo) e, bem assim, os pedidos da realização de videochamadas com aqueles, concretizada com BB em actos de masturbação simultânea ou de visualização do pénis (CC); e média quanto aos crimes de abuso sexual de criança e de importunação sexual (tendo os actos praticados um conteúdo sexual com alguma intensidade – pela zona do corpo escolhida pelo arguido – mamilos, coxa, abdómen – , o mesmo se afirmando quanto às expressões por si utilizadas e que têm uma carga sexual mediana.

A considerar a este mesmo propósito, temos que o valor dos bens visados com a prática dos aludidos crimes são de valor elevado, atendendo ainda ao número de menores abordados pelo arguido (5), as suas idades e, bem assim, o período de tempo durante o qual se prolongou a actuação do arguido, pelo menos no decurso de um ano lectivo.

- O modo de execução dos crimes revela que o arguido, quanto aos crimes de importunação e de abuso sexual de criança, perpetrou os factos abusando de uma relação de confiança gerada por virtude de este ser assistente educativo numa escola, responsável pelo pavilhão e ainda ser treinador de futsal. Dito de outro modo, este aproveitou o baixar de guarda gerado pela confiança das funções que exercia, de ascendente sobre as vítimas, para efectivar os actos em questão, o que é merecedor de assertiva censura, usando da posição de confiança de que gozava perante os menores, mas também perante os familiares deste; no tocante aos crimes de pornografia, também se revelou particularmente desvaliosa a conduta do arguido, na medida em que aproveita a exposição dos mesmos no meio digital – nas redes sociais – e entabula, de imediato, conversas de teor sexual com os mesmos, escalando, de imediato, para o pedido e concretização de fotografias, vídeos e videochamadas dos mesmos;

- A conduta posterior aos factos, consignando-se que o arguido não revelou ter interiorizado o desvalor das suas condutas, desde logo pela ambivalência com que depôs quanto aos crimes de pornografia e à desvalorização do relatado pelos demais ofendidos nos crimes de importunação sexual e de abuso sexual de menores;

- As necessidades de prevenção geral, são elevadas, não apenas negativa, de intimidação, mas sobretudo positiva ou de integração, isto é de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação das normas ocorrida, fazem-se sentir, no que toca ao crime de pornografia, principalmente no quadro actual da sociedade, com intensíssima intensidade, uma vez que tal tipo de crime tem vindo a causar grande perplexidade quanto à sua difusão, nomeadamente através da utilização dos meios tecnológicos actuais, os quais facilitadores do acesso a vias de comunicação que fogem ao controlo parental. Não se ignorando que maior é o grau de alarme quanto menor a faixa etária atingida, pois que maior a fragilidade das vítimas e maior o grau do efeito nefasto do crime no desenvolvimento normal da criança, nomeadamente no quadro do desenvolvimento equilibrado da sua autodeterminação sexual, aqui se reiterando que se trata de um tipo de crime que tem particular incidência (além do contexto familiar) em contextos escolares e desportivos, o qual é particularmente pernicioso para as vítimas porque o tipo de ambiente em que é perpetrado tende a perpetuar a conduta do agente do crime;

- As necessidades de prevenção especial, são elevadas e neste sentido temos que, apesar de o arguido não ter antecedentes criminais registados, e se mostrar inserido familiar e socialmente, não demonstrou estar ciente da gravidade das suas condutas, tendo praticado os factos subsumíveis aos crimes de pornografia, de modo bastante temerário, já que usava o seu perfil de Facebook, onde inclusivamente se podia identificar a respectiva família, além de avançar com uma justificação baseada “na curiosidade”, não explicada ou justificada e que faz antever a possibilidade de voltar a repetir os comportamentos em questão.

Igualmente, no crime de abuso sexual de criança e de importunação sexual, se afere que as necessidades de prevenção especial são igualmente elevadas, já que o arguido agiu a coberto de uma relação de confiança em si depositada pela comunidade escolar e desportiva, pelas famílias dos ofendidos e, bem assim, por estes – a quem procurou incutir sempre um padrão de normalidade para as suas condutas;

- No atinente à gravidade das consequências geradas pelos crimes (todos eles), não ficaram as mesmas demonstradas nos autos, embora cumpra salientar que em crimes de natureza sexual, as consequências para o desenvolvimento sexual pleno da vítima, tratando-se de uma criança / jovem, poderão vir a manifestar-se mais tarde.

Depõem a favor do arguido, como atenuantes:

- A confissão parcial que o mesmo fez dos factos.

- A sua inserção profissional e familiar.

- A inexistência de antecedentes criminais.

Ponderadas todas as circunstâncias acabadas de referir, o Tribunal decide aplicar ao arguido AA, pela prática:

- De um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, alínea a) e n.º 8 do Código Penal, sendo ofendido BB, na pena de 2 anos e 5 meses de prisão;

- De um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, alínea b) e n.º 8 do Código Penal, sendo ofendido BB, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão;

- De um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, alínea b), e n.º 8 do Código Penal, sendo ofendido BB, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão;

- De um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, alínea b) e n.º 8 do Código Penal, sendo ofendido o indivíduo identificado na rede social “Instagram” como sendo CC, na pena de 1 ano e 7 meses de prisão;

- De um crime de pornografia de menores, previsto e punido pelo artigo 176.º, n.º 1, alínea b) e n.º 8 do Código Penal, sendo ofendido o indivíduo identificado na rede social “Instagram” como sendo CC, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão;

- De um crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 3, alíneas a) e b), do Código Penal, sendo ofendido DD, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;

- De um crime de importunação sexual, previsto e punido pelos artigos 170.º e 178.º, n.º 1, do Código Penal, sendo ofendido EE, na pena de 6 meses de prisão;

- De um crime de importunação sexual, previsto e punido pelos artigos 170.º e 178.º, n.º 1, do Código Penal, sendo ofendido FF, na pena de 6 meses de prisão;

- De um crime de importunação sexual, previsto e punido pelos artigos 170.º e 178.º, n.º 1, do Código Penal, sendo ofendido GG, na pena de 6 meses de prisão

- De um crime de importunação sexual, previsto e punido pelos artigos 170.º e 178.º, n.º 1, do Código Penal, sendo ofendido HH, na pena de 6 meses de prisão;

- De um crime de importunação sexual, previsto e punido pelos artigos 170.º e 178.º, n.º 1, do Código Penal, sendo ofendido HH, na pena de 6 meses de prisão.

Do cúmulo jurídico quanto às penas aplicadas ao arguido:

Determinada a medida concreta da pena dos vários crimes, cumpre averiguar da aplicabilidade do regime atinente à punição do concurso de crimes.

Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal há lugar à punição da conduta da arguida de acordo com o regime do concurso de crimes “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles”, determinando-se uma pena única que corresponderá aos vários crimes integrantes do concurso.

Assim, de acordo com a norma enunciada, exige-se que o agente tenha, através da sua conduta, tenha cometido vários crimes, determinando-se o número de crimes “pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente” (artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal).

Porque o arguido cometeu vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, deve ser condenado numa única pena, aferindo-se que a pena única a aplicar àquele tem como limite mínimo 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses e como limite máximo 12 (doze) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Ora, considerando todos os factos supra enunciados no que se refere à medida das penas parcelares aplicadas e que aqui damos por reproduzidos, considera-se ser de aplicar ao arguido, AA pena única de 7 (sete) anos de prisão.

*

V –DA PENA ACESSÓRIA PREVISTA NO ARTIGO 69.º-B DO CÓDIGO PENAL

Dispõe o artigo 69.º-B, n.º 2 do Código Penal que “é condenado na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima seja menor”.

Note-se que a referida pena acessória, não obstante a forma como se mostra redigida a normas agora transcrita, não são de aplicação automática, não se descurando, aliás, o teor do preceituado no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição – neste sentido, José Mouraz Lopes e Tiago Caiado Milheiro, Crimes Sexuais – Análise Substantiva e Processual, Almedina, pg. 265, aí se referindo que “nos casos dos artigos 69.º-B e 69.º-C, estabelece-se um efeito automático da condenação em relação a crimes, cujos contornos concretos podem demonstrar a desnecessidade de aplicação da pena acessória e, inclusive, a sua flagrante desproporcionalidade e excesso na reação sancionatória, face à diversidade de crimes (v.g. namorado com 17 anos condenado em virtude de um apalpão à namorada também menor de idade, que passa a estar obrigatoriamente impossibilitado de assumir responsabilidades parentais). Ou seja, a impossibilidade de o juiz ponderar a necessidade da aplicação da pena acessória atenta a gravidade dos factos, ademais considerando os limites mínimos das mesmas – 5 anos -, colide com os princípios da proporcionalidade e da culpa. Ressalte-se igualmente, que essa impossibilidade de ponderação determina que a condenação penal tenha como efeito automático, ope legis, a perda de direitos civis e profissionais em violação do artigo 30.º, n.º 4, da CRP.

Entende-se assim, que existirão situações em que, nomeadamente considerando o crime em causa e as circunstâncias em que o mesmo ocorreu, se impõe recusar a aplicação do normativo por inconstitucionalidade”, daí que se entenda que os referidos Autores acabam por defender o carácter não automático das referidas penas acessórias, sendo essa a única interpretação conforme à Constituição.

Regressando à solução a conferir ao caso vertente, pese embora também neguemos a aplicação automática da pena acessória em questão, afigura-se-nos que a sua imposição ao arguido se afigura legítima, não devido a essa aplicação automática, mas porque a referida aplicação se afere por necessária e proporcionada.

Com efeito, o arguido praticou os crimes previstos nos artigos 170.º e 171.º, n.º 3, alíneas a) e b), ambos do Código Penal, sendo que as condutas por si prosseguidas são gravosas, tanto que no primeiro daqueles se optou pela aplicação da pena de prisão, não se deixando de assinalar a ilicitude subjacente à prática daqueles crimes e ainda tendo-se presente a ausência de qualquer comportamento daquele do qual fosse viável extrair contrição (consignando-se a ambiguidade das suas declarações), tendo ainda em mente que o seu espaço laboral (seja como assistente educativo, seja como treinador de futsal) serviu de campo para a sua actuação, naturalmente propiciando-a e, assim sendo, justifica-se a aplicação da supramencionada pena acessória, que visa, aliás, conferir complementaridade à pena principal e assenta ainda na perigosidade revelada pelo arguido.

Graduando a referida pena acessória o Tribunal não pode deixar de ter em atenção que a mesma deve ser concretizada na sua duração tendo-se em mente as próprias circunstâncias que determinaram a pena principal, as quais ora se reiteram nos termos em que se supra se elencaram, fixam-se a pena acessória prevista no artigo 69.º-B, n.º 2 do Código Penal, cujo período de fixação oscila entre os 5 e os 20 anos, pelo período de 13 (treze) anos e 6 (seis) meses.

*

VI - DA REPARAÇÃO DAS VÍTIMAS PREVISTAS NO ARTIGO 82.º-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Dispõe concretamente o artigo 16.º, n.º 1 da Lei n.º 130/2015, de 04.12., que à vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão relativa a indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável. Por sua vez, preceitua o n.º 2, do mesmo artigo que há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal em relação a vítimas especialmente vulneráveis, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.

De acordo com o artigo 67.º-A, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei 130/2015, de 04.12, considera-se “vítima especialmente vulnerável”, a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social.

Decorre do artigo 82.º-A, n.º 1 do Código de Processo Penal, que “não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham”.

Conforme surge assinalado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.05.2018, em que foi Relator o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Dr. Lopes da Mota (processo n.º 156/16.0PALSB.L1.S1, disponível no já identificada sítio) “a “reparação” a que se refere o artigo 82.º-A do CPP situa-se, assim, numa zona de intercepção de fronteiras do direito civil e do direito penal, visando efeitos de natureza penal – contribuindo para a realização dos fins das penas, em particular pelo seu efeito ressocializador, que obriga o autor a enfrentar as consequências do crime e a reconhecer os interesses da vítima (…) – através da compensação da vítima pelos danos causados. Daí que (…)se deva considerar que a “reparação não constitui uma verdadeira indemnização, mas uma compensação destinada principalmente ao reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena e dar satisfação suficiente às finalidades da punição, respondendo nomeadamente à necessidade de tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias”, o que justifica “que o montante arbitrado não tenha de corresponder ao que resultaria da fixação da indemnização segundo os critérios estabelecidos na lei para a responsabilidade civil e para a obrigação de indemnizar”.

Debruçando-nos novamente sobre o caso concreto, importa salientar que estamos perante ofendidos no patamar da adolescência, entre os 14 e os 17 anos de idade, vítimas de diferentes tipos de crime, sendo, assim e face às suas idades, vítimas especialmente vulneráveis nos termos das normas legais supra enunciadas, não se descurando ainda a circunstância de figurarem como ofendidos, no tocante aos crimes de pornografia, a respeito de um crime violento em consonância com o preceituado no artigo 1.º, j) do Código de Processo Penal, o que impõe, por conseguinte e não tendo sido deduzido pedido de indemnização cível, que se lhe arbitre oficiosamente uma indemnização, de montantes, naturalmente distintos.

Concretizando o montante da indemnização a arbitrar, é de ter em atenção as necessárias sequelas psicológicas causadas aos ofendidos mercê de um adulto ter atentado, contra o seu são desenvolvimento, com especial enfoque na sua autodeterminação sexual, sendo de graduar o potencial efeito das condutas do arguido do mais grave para o menos grave: os crimes de pornografia na pessoa de BB, o abuso sexual de criança na pessoa de DD e os crimes de importunação sexual, nas pessoas de EE, FF, GG e HH (este último com a nota de que é ofendido em dois crimes).

Por outro lado, não se pode deixar de reter a fraca capacidade económica do arguido. Assim sendo, tudo sopesado, afigura-se ajustado arbitrar a favor dos ofendidos as seguintes quantias:

- BB - € 3500.00 (três mil e quinhentos euros); - DD - € 1 500.00 (mil e quinhentos euros);

- EE - € 1 000.00 (mil euros); - FF - € 1 000.00 (mil euros);

- GG - € 1 000.00 (mil euros); e

- HH - € 1 500.00 (mil e quinhentos euros).”.

(…)”.

IV – FUNDAMENTAÇÃO.

IV.1. DO RECURSO EM MATÉRIA DE FACTO – DA REVISTA ALARGADA - DOS INVOCADOS VÍCIOS DE INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA E DE ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA.

O recurso é um mecanismo jurídico de reapreciação de uma decisão.

As questões relativas à matéria de facto podem ser sindicadas essencialmente por duas vias:

i. Por recurso à chamada revista alargada, que se reconduz à invocação de ocorrência de qualquer um dos vícios consignados no artigo 410º nº2 do Código de Processo Penal;

ii. Ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412º, nrs 3, 4 e 6, do mesmo código.

No caso do presente recurso, o arguido enveredou expressamente por aquela primeira via de impugnação, suscitando vícios compreendidos no nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, mas, simultaneamente, desenvolveu argumentação que gira em torno do conteúdo da prova produzida e que apela para a ocorrência de erro de julgamento em matéria de facto.

*

Cumpre começar por apreciar a ocorrência daqueles vícios.

No caso da revista alargada, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do nº 2 do referido artigo 410º do Código de Processo Penal, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para a fundamentar, nomeadamente excertos de prova testemunhal produzida em julgamento.

Tais vícios terão de resultar da mera leitura do texto decisório, à luz das regras de experiência comum, tendo os mesmos de ser de tal forma evidentes, que serão detetáveis por um homem médio.

Consubstanciam-se, grosso modo, na invocação de segmentos decisórios que demonstrem que se retirou de um facto provado uma conclusão logicamente inaceitável, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, que se tenha dado como assente algo notoriamente errado ou se tenham violado as regras da prova vinculada (caso do erro notório) ou quando se verifica que os factos dados como assentes são insuficientes para se poder formular um juízo seguro de condenação ou absolvição (no caso da insuficiência) face, única e exclusivamente, ao que consta no texto decisório.

Para verificação da ocorrência de tais vícios, o tribunal de recurso deverá apreciar se do texto da decisão recorrida (ou seja, sem recurso a qualquer outro elemento externo – declarações, depoimentos, etc.), por si só ou conjugado com as regras de experiência comum e de uma forma tão patente que não escape à observação do homem médio, emerge alguma das situações previstas nessa disposição legal, nomeadamente:

a) Insuficiência da matéria de facto para a decisão;

b) Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.

Em termos de consequências jurídicas, a verificação da ocorrência de algum vício determina a necessidade do seu suprimento podendo, em ultima ratio, ter como consequência o reenvio dos autos à 1ª instância.

*

O Recorrente AA veio suscitar a ocorrência do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

Fê-lo depois de na motivação expressamente mencionar a intenção de arguir tal vício e referindo, posteriormente, os seus argumentos, que sintetizou nas conclusões do seguinte modo:

“III- No que respeita ao Crime de pornografia de menores , p.e.p. no artº 176º nº1 al. a) , o Tribunal “ a quo “ formulou a sua convicção , com base , quase exclusiva , das declarações do arguido e na errada apreciação da prova constante a fls. 257 a 271 ;

IV- Ignorando as declarações para memória futura prestadas pelo menor, onde este refere que não foram realizadas videochamadas ( min…)

V- Considera a defesa, , com o devido respeito, que o Tribunal “ aquo “ não dispunha de matéria fáctica suficiente para condenar o arguido pela prática do crime de pornografia de menores , p. e.p. pela al. a , do nº 1 do artº 176º do CP.

VI-Ou melhor, dizendo, dispunha de prova suficiente para não dar como provado o crime de pornografia da al. a) do artº 176º do CP.”

(…)

Quanto ao crime de abuso sexual de menores:

XXI- O menor DD nasceu em … de 2006;

XXII- Os factos descritos na acusação e no douto Acórdão, repostar-se-ão, a uma data anterior a 18 de Março de 2020, data em que o menor estaria a menos de um mês de fazer os 14 anos!

XXIII- Realidade que o tribunal “quo” desconsiderou, pois, em momento algum, quer no 1º interrogatório judicial, quer em sede de audiência de discussão e julgamento, foi o arguido questionado se sabia a idade do menor, que representação fazia da sua idade!

XXIV- Ora, o arguido foi condenado pelo tribunal “a quo” por dolo directo!

Conclusão que o tribunal não poderia ter extraído da prova produzida , por ausência da mesma!

XXV- O que, não se fazendo prova de que o arguido conhecia a idade da vítima, o arguido não pode ser condenado por um crime de abuso sexual de menores, nos termos do nº 3 do artigo171º do CP , porque os factos em apreço, aí se integram, atendendo precisamente à idade do menor!”.

Cumpre apreciar.

Como supra referimos, para se concluir pela verificação de qualquer um dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, exige-se, antes de mais, que o mesmo resulte de forma ostensiva do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugado com as regras de experiência comum, e seja percetível por uma pessoa média, o que significa, além do mais, inadmissibilidade de apelo a elementos exteriores à mesma decisão.

Como resulta expressis verbis do corpo do nº 2 do art.º 410º do CPP, os mencionados vícios “têm de resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem o recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento” (1).

Não podendo a apreciação da ocorrência do vício previsto no artigo 410º, nº 2, al. a), do CPP, resultar da aferição de elementos externos à decisão, importa sublinhar que, nesta sede, não nos deteremos na apreciação dos documentos e declarações do arguido e das vítimas a que o recorrente faz alusão na sua motivação. A apreciação do suscitado vício de insuficiência será efetuada tendo por base o teor da própria decisão.

O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada verifica-se quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição – cf. Acórdão do STJ de 06.04.2000, in BMJ nº 496, p.169.

Este vício, na esteira do entendimento já há muito exposto no Acórdão da Relação do Porto de 26.05.1993 (Proc. 9350062, sumário disponível in www.dgsi.pt), tributário do princípio do acusatório, tem de ser aferido em função do objeto do processo, traçado naturalmente pela acusação, ou pronúncia, pelo que só quando os factos recolhidos pela investigação do tribunal se ficam aquém do necessário para concluir pela procedência ou improcedência da acusação se concretizará tal vício.

A insuficiência a que se refere a alínea a) do nº 2 do art. 410º do CPP é, no fundo, a que decorre da omissão de pronúncia, pelo Tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados, ou como não provados, todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa, ou resultado da discussão.

Este vício não tem a ver com a insuficiência da prova (mal em que se sustenta o recorrente, ao afirmar que o Tribunal “dispunha de prova suficiente para não dar como provado o crime de pornografia” e que “não se fazendo prova de que o arguido conhecia a idade da vítima, o arguido não pode ser condenado por um crime de abuso sexual de menores, nos termos do nº 3 do artigo 171º”), mas com a falta de averiguação de factos necessários à decisão.

Daí que a alínea a) do nº 2 do art. 410º do CPP se refira à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito, e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada.

No caso, o que verdadeiramente o recorrente AA parece não aceitar é a apreciação da prova levada a cabo pelo Tribunal recorrido, o que nada tem a ver com o vício do art. 410º, nº 1, al. a), do C.P.P.

A arguição do vício de insuficiência efetuada pelo recorrente, no caso, assenta num equívoco – o arguido considera que a prova produzida é insuficiente para a demonstração dos factos. Ora a via de impugnação que nesta parte do recurso foi escolhida pelo recorrente só contempla a possibilidade de se discutir se os factos constantes da decisão são suficientes para se concluir pela reunião dos elementos necessários para sustentar a condenação. Por isso, a argumentação gizada pelo recorrente, que recai sobre a prova produzida e sua insuficiência, é insuscetível de conduzir à procedência da arguição do vício suscitado.

Perante o completo acervo de factos provados, e sem que o recorrente, em sede de alegações de recurso, tivesse indicado qualquer facto relevante que o Tribunal a quo tenha deixado de apreciar [limitando-se a afirmar apenas que a prova produzida não é suficiente para a demonstração dos factos], considera este Tribunal de recurso que não se verifica qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - os factos provados definem todos os elementos dos tipos em questão (deles fazendo parte, designadamente, no que toca aos crimes de pornografia de menores, os que se reportam à circunstância de terem ocorrido videochamadas em que AA e o ofendido menor BB reciprocamente exibiram os órgãos genitais e atos de manipulação dos mesmos, bem como situações em que o arguido, perante indivíduo menor, identificado na rede social “Instagram” como sendo CC, o instigou e persuadiu a remeter-lhe fotografias ou vídeos em que este estivesse nu e/ou a masturbar-se, e, por outro lado, quanto ao crime de abuso sexual de menor, os que se reportam à circunstância de o menor DD ter apenas 13 anos à data da prática dos factos e de o arguido ter atuado consciente dessa circunstância), permitem graduar o dolo, a ilicitude e a culpa e todas as circunstâncias pertinentes para a determinação da medida da pena, termos em que não se verifica o invocado vício.

Deverá sublinhar-se que perante a circunstância de resultar da decisão recorrida, como factualidade provada, não só a idade que à data dos factos tinha o menor DD, como também o conhecimento do arguido sobre todas as circunstâncias dadas como provadas e a sua vontade livremente determinada de praticar os factos, afasta a possibilidade de se enquadrar na alínea a) do nº 2 do artigo 410º a argumentação da defesa baseada em, alegadamente, quer no 1º interrogatório judicial, quer em sede de audiência de discussão e julgamento, não ter sido o arguido questionado sobre se sabia a idade do menor e que representação fazia da sua idade.

Vistos os termos da decisão recorrida, em face do que nela se enumerou como factualidade provada e ponderando aquilo que o Tribunal a quo consignou na motivação da decisão de facto (ali se referindo que a demonstração da “idade dos ofendidos à data dos factos, seja pela declaração dos mesmos, seja pelos assentos de nascimento juntos aos autos e que eram do conhecimento do arguido, como resulta das suas declarações”), nenhuma insuficiência se vislumbra, mostrando-se excluída a possibilidade de afirmar que o Tribunal deixou de averiguar factualidade que se impunha apurar.

Conclui-se, pois, pela improcedência da arguição do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

*

Avancemos.

* Se quanto ao vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada nos deparámos com uma linha argumentativa manifestamente improcedente, no que se refere ao vício previsto no artigo 410º, nº 2, al. c), do Código de Processo Penal, deparamo-nos novamente com a invocação de fundamentos manifestamente improcedentes que, uma vez mais, se traduzem na discordância do recorrente com o juízo probatório emitido. Invocando que ocorre o vício decisório de erro notório no que se reporta aos crimes de abuso sexual de menores e de importunação de menores, argumenta o recorrente que “não se revê nesses comportamentos, como tendo um propósito sexual” afirmando que se tratou de “comportamentos que se foram normalizando”, mas nos quais “o arguido não encontrava, nem tinha qualquer propósito de cariz sexual”. Argumenta que os comportamentos em questão foram, em último caso, praticados por negligencia, concluindo que os crimes em questão só podem ser cometidos a título de dolo. Conclui que a “interpretação feita pelo tribunal «a quo» incorre no erro notório da apreciação da prova”. Vejamos. O vício do erro notório na apreciação da prova ocorre quando se dá como assente algo patentemente errado, quando se retira de um facto provado uma conclusão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras de experiência comum, quando se violam as regras da prova vinculada, as regras da experiência, as legis artis ou quando o tribunal se afasta, sem fundamento, dos juízos dos peritos.

Sucede que este vício, previsto na al. c) do nº 2 do art. 410º do CPP, tem, como todas as situações no âmbito da denominada revista alargada, de resultar do próprio texto da decisão, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, mas sem recurso a elementos estranhos a ela, ainda que constantes do processo, e verifica-se quando existir irrazoabilidade da matéria de facto passível de ser patente a qualquer observador comum, por se opor à normalidade dos comportamentos e às regras da experiência comum [neste sentido, cf. o Prof. Germano Marques da Siva, in “Curso de Processo Penal”, III, 367, e os Acs. STJ de 06.04.00., in BMJ nº 496, p. 169 e de 04.12.2003, in verbojuridico.com/jurisprudência/stj]]. A mera alusão a estas exigências, postas pela lei na conformação do vício decisório de erro notório na apreciação da prova, torna absolutamente evidente o naufrágio da sua invocação pelo recorrente. Não só não resulta dos termos da própria decisão, por si ou conjugados com as regras da experiência comum, a ocorrência de qualquer erro na apreciação da prova, como menos ainda resulta um erro notório e que salte à vista de qualquer leitor, minimamente sagaz, algo de irrazoável e/ou incompatível com a normalidade. Nem mesmo o recorrente afirma que os factos dados como provados são incompatíveis com a normalidade, traduzindo uma irrazoável versão dos acontecimentos. O que o recorrente afirma é que o Tribunal a quo andou mal ao dar como provado que agiu com intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos e de obter prazer sexual e que agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, para sua satisfação sexual, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal. Na sua perspetiva e de acordo com a sua própria apreciação probatória, não foi isso que se demonstrou. Sucede que esta linha argumentativa não releva na apreciação da ocorrência do vício. Dos termos da decisão resulta, sem qualquer incongruência, o caminho lógico que levou o Coletivo julgador à demonstração dos factos, sem que se surpreenda na enumeração desses factos e na motivação algo de irracional ou de notoriamente errado. E, na verdade, o recorrente AA não logrou evidenciar qualquer falha na lógica do raciocínio do julgador que resulte dos próprios termos da decisão, por si ou conjugados com os dados da experiência comum. Na parte em que invoca a interpretação errada que o Tribunal a quo terá feito da prova, o recorrente ensaia a invocação da ocorrência de erro de julgamento (pretende assinalar erros decorrentes de uma suposta má apreciação da prova), mas nessa parte já não estamos no domínio dos vícios do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal. Do teor da decisão recorrida resulta claramente explicitado o fundamento do juízo probatório e, podemos desde já afirmar, não se deteta nesse juízo consignado na decisão qualquer irrazoabilidade da matéria de facto - e muito menos uma irrazoabilidade patente a qualquer observador comum – não se podendo afirmar que o raciocínio do julgador se opõe à normalidade dos comportamentos e às regras da experiência comum. Não concorda o recorrente AA com o juízo probatório do Tribunal a quo, designadamente quanto à verificação de propósitos libidinosos da sua parte e quanto ao dolo no cometimento dos factos. Mas isso constitui apenas uma discordância do recorrente face ao resultado da apreciação da prova. Aqui, já não estamos no âmbito do erro notório na apreciação da prova, que tem de resultar do próprio texto da decisão recorrida, o que no caso não se verifica, mas antes em contexto de impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, com base em erro de julgamento, nos termos do preceituado no art. 412º nº 3 e 4, do C.P.P. Observada a decisão recorrida, verifica-se que o texto se apresenta lógico e conforme às regras da experiência comum, não decorrendo qualquer erro, muito menos notório, suscetível de integrar o invocado vício. Designadamente, assim acontece no que se refere à efetiva realização de videochamadas com menores (o Tribunal motivou de forma clara e coerente a razão pela qual deu como demonstrada tal factualidade, aliás confessada pelo arguido, sem que se note qualquer irrazoabilidade na apreciação da prova efetuada). Resta, assim, concluir que a decisão recorrida não padece do vício tipificado no art. 410º, nº 2, al. c), do C.P.P. - erro notório na apreciação da prova – improcedendo nessa parte o recurso interposto pelo arguido. *

IV.2. DO RECURSO EM MATÉRIA DE FACTO – DA IMPUGNAÇÃO AMPLA DA DECISÃO EM MATÉRIA DE FACTO - DO ERRO DE JULGAMENTO.

Se, como dissemos, a argumentação do recorrente nos remete para o domínio da impugnação da decisão em matéria de facto, com base em erro de julgamento, torna-se imperioso aferir da possibilidade de se apreciar o recurso sob o prisma dessa via de impugnação, não obstante o arguido jamais ter expressamente invocado o preceituado no artigo 412º do Código de Processo Penal e, designadamente, dos respetivos números 3 e 4.

No caso da impugnação ampla da matéria de facto, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do C.P. Penal.

Quer isto dizer que enquanto os vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, são vícios da decisão, evidenciados pelo próprio texto, por si ou em conjugação com as regras da experiência comum, na impugnação ampla temos a alegação de erros de julgamento por invocação de provas produzidas e erroneamente apreciadas pelo tribunal recorrido, que imponham diversa apreciação. Neste caso, o recorrente pretende que o tribunal de recurso se debruce não apenas sobre o texto da decisão recorrida, mas sobre a prova produzida em 1.ª instância, alegadamente mal apreciada.

Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, não pressupondo, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «concretos pontos de facto» que o recorrente especifique como incorretamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os concretos pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Março de 2007 [Processo 07P21], de 23 de Maio de 2007 [Processo 07P1498], de 3 de Julho de 2008 [Processo 08P1312], de 29 de Outubro de 2008 [Processo 07P1016] e de 20 de Novembro de 2008 [Processo 08P3269], in www.dgsi.pt.).

Estabelece o artigo 412.º, n.º3, do C.P.Penal:

«3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas.»

A especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados.

A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.

Finalmente, a especificação das provas que devem ser renovadas implica a indicação dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento em 1.ª instância cuja renovação se pretenda, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P. e das razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo (cfr. artigo 430.º do C.P.P.).

Relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na ata, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação (não basta a simples remissão para a totalidade de um ou vários depoimentos), pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412.º do C.P.P.), salientando-se que o S.T.J, no seu acórdão n.º 3/2012, publicado no Diário da República, 1.ª série, N.º 77, de 18 de abril de 2012, fixou jurisprudência no seguinte sentido:

«Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».

Em síntese: para dar cumprimento às exigências legais da impugnação ampla tem o recorrente nas suas conclusões de especificar quais os pontos de facto que considera terem sido incorretamente julgados, quais as provas (específicas) que impõem decisão diversa da recorrida, bem como referir as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as (se na ata da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados) ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos (quando na ata da audiência de julgamento se faz essa referência - o que não obsta a que, também nesta eventualidade, o recorrente, querendo, proceda à transcrição dessas passagens).

Como realçou o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 12-6-2008 (Proc. nº 07P4375, em www.dgsi.pt): “a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla, ainda que debruçando-se sobre a prova produzida em audiência de julgamento, sofre quatro tipos de limitações:

- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;

- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;

- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso;

- a que tem a ver com o facto de ao tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, só ser possível alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º)” – também, neste sentido, o Ac. RL, de 10.10.2007, proc. nº 8428/2007-3, in www.dgsi.pt.

No recurso ora em apreço não se regista o cumprimento dos ónus de especificação impostos no artigo 412º do Código de Processo Penal.

Desde logo, o recorrente não especifica quais os concretos pontos dos factos provados que pretende impugnar.

Depois de, na motivação do recurso, o arguido ter reproduzido a totalidade dos factos que o Tribunal a quo deu como provados, não curou de especificar de entre todos eles quais os que pretendia impugnar – não o fez quer ao longo da motivação, quer nas conclusões que dela extraiu. Essa tarefa deveria simplesmente ser realizada por referência aos pontos de facto enumerados no Acórdão condenatório, de 1 a 45, se considerados os factos provados, de a) a c), se por reporte aos factos não provados.

Longe de proceder a tal especificação de factos, limitou-se o recorrente a fazer referências genéricas, tais como “da prova (…) não consta que tenham sido concretizadas videochamadas”, “não ficou (…) provado qualquer tipo de aliciamento para a realização das videochamadas”, “Não conseguiu o tribunal “a quo” provar, ou tão pouco tentou fazer prova de que o arguido saberia que o menor, à data dos factos teria menos de 14 anos ou que representava que teria menos de 14 anos”, “não pode dar-se como provado , que os menores, se sentiram sexualmente constrangidos”.

Mas mais – o recorrente limitou-se a tecer considerações genéricas sobre a prova produzida, sem indicar as específicas passagens da gravação das declarações e dos depoimentos prestados em audiência em que pretenderia basear a afirmação de que ocorreu erro de julgamento.

Limitou-se à afirmação de que “para uma melhor compreensão, considera-se que deve ser ouvida todas as declarações para memória futura prestadas pelos menores, EE, GG, HH e FF”.

Desse mesmo modo, não colocou em evidência os concretos segmentos da prova produzida que se mostram mal apreciados – não basta para isso tecer considerações genéricas – sendo que se lhe impunha que discutisse os diversos segmentos probatórios que, no seu entender, deveriam fundar uma diversa apreciação relativamente a cada um dos específicos pontos de facto que visava impugnar.

Como dissemos supra, não basta afirmar sumariamente que A. ou B. disse isto ou aquilo, que não corresponde ao que foi dado como assente; necessário se mostra que o recorrente, com base nesses elementos probatórios, os discuta face aos restantes e demonstre que o raciocínio lógico e conviccional do tribunal a quo se mostra sem suporte, na análise global a realizar da prova, enunciando concretamente as razões para tal.

Isto é assim porque se exige que o recorrente – à semelhança do que a lei impõe ao juiz – fundamente a imperiosa existência de erro de julgamento, desmontando e refutando a argumentação expendida pelo julgador, devendo fazê-lo de forma especificada, quer quanto aos pontos de facto, quer quanto aos segmentos da prova produzida.

Uma vez mais deixamos claro que é exigido ao recorrente que pretende invocar a existência de erro de julgamento o cumprimento do ónus de especificação dos segmentos de facto que impugna, mas mais, que os coloque em relação com as provas, concretizando as partes da prova gravada que pretende que sejam ouvidas (se tal for o caso), quais os documentos que pretende que sejam reexaminados, bem como quaisquer outros concretos e especificados elementos probatórios, demonstrando com argumentos a verificação do erro judiciário a que alude.

No caso concreto, o recorrente não cumpriu minimamente tais ónus de especificação – não só não especificou os pontos de facto, como não indicou quais as provas que, quanto a cada um dos concretos factos, na ótica do recorrente, impunham decisão diversa da proferida, com a menção obrigatória das passagens dos concretos depoimentos/declarações que eram, para esse efeito, relevantes.

O recorrente limitou-se, de uma forma geral e global, a afirmar que o Tribunal a quo não valorizou com acerto, a prova produzida.

O recorrente manifesta ter uma diferente convicção da valoração/apreciação da prova, olvidando que não lhe cabe substituir-se ao julgador.

Cabia-lhe, isso sim, individualizar os concretos factos que, em seu entender, não deviam ter sido considerados provados e aqueles que, pelo contrário, o deveriam ter sido e explicar as razões para cada uma das apontadas divergências, como decorre das alíneas a) e b) do citado n.º 3 do art.° 412.° do C.P.P.

Exigência que não se mostra cumprida, nem nas conclusões, nem ao longo de toda a motivação, termos em que, por falta de cumprimento do ónus de especificação previsto no referido n°3 do art.° 412.° do C.P.P., está este tribunal de recurso impossibilitado de reapreciar a matéria de facto.

É verdade que o art 417º nº 3 do C.P.P. estipula que se a motivação do recurso não contiver conclusões, ou destas não for possível deduzir total, ou parcialmente, as indicações previstas nos nºs 2 a 5 do art 412º, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado, ou não ser conhecido na parte afetada.

No entanto, o aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação (art. 417º nº 4 do CPP).

Ou seja, só é possível o convite para a correção quando essa correção se processa dentro dos termos da própria motivação e não constitua uma substituição, mesmo que parcial da motivação.

Como vem referido no Acórdão da Relação de Coimbra de 2 de Abril de 2008, proferido no processo 604/05.5PBVIS.C1 (2), quando o recorrente expõe consistentemente as razões concretas da sua discordância, mas depois, por lapso, não as assinala devidamente nas conclusões, existem razões que se fundamentam na proibição de excesso, no princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrado no art 18º nº 2 da CRP, que justificam o convite e a consequente possibilidade de correção.

Porém, quando o recorrente no corpo da motivação do recurso, como é o caso, não enunciou as especificações, o convite à correção não se justifica, porque, para se obter a harmonização entre as conclusões, o corpo da motivação e a obrigação legal de especificação, seria necessária uma reformulação substancial das motivações e das conclusões, o que significaria a concessão da possibilidade de um novo recurso, com novas conclusões e inovação da motivação, precludindo a perentoriedade de prazo de apresentação do recurso - neste sentido decidiram, entre outros, o Acórdão da Relação de Lisboa de 20/10/99, in CJ, XXIV, 4, 153; e os Acórdãos da Relação de Coimbra 10/3/2004 (DR II série, nº 91 de 17/4/2004), de 30/1/02, in CJ XXVII, 1, 44 e 45; de 07.07.2010 (proc.520/08.9GAACB.C1) e de 13.12.2017 (proc. 177/15.0GAANS.C1), estes dois últimos disponíveis in www.dgsi.pt.

No caso vertente, e na medida em que, nem na motivação, nem nas conclusões, o recorrente cumpriu o ónus de especificação, imposto pelo nº 3 e 4 do art. 412º do CPP, apresentando, neste segmento, apenas um ataque genérico à forma como o Tribunal a quo valorou a prova produzida, numa crítica global à produção e valoração/apreciação da mesma, não se justifica o convite ao aperfeiçoamento, impondo-se a rejeição do recurso do arguido na vertente da impugnação alargada da matéria de facto, o que se decide.

*

IV.3. DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO.

O recorrente invocou, ainda, a violação do princípio do in dubio pro reo.

Fê-lo, uma vez mais, revelando a sua pessoal interpretação da prova, escrevendo, designadamente:

“Já quanto às declarações prestadas, pelo menor , em sede declarações para memória futura, devem ser consideradas como não credíveis, perante tamanhas discrepâncias, contradições e falta de clareza!

O que só poderá ter como desfecho a absolvição do arguido, aplicando-se o principio do “in dúbio pro reo ”, porque , na dúvida, deve decidir-se a favor do arguido”.

O que realmente resulta evidenciado no recurso é a divergência entre a convicção pessoal do arguido /recorrente sobre a prova produzida em audiência e aquela que o tribunal firmou sobre os factos, o que se prende com a livre apreciação da prova, cumprindo não olvidar constituir jurisprudência corrente dos nossos Tribunais Superiores que o tribunal de recurso só poderá censurar a decisão do julgador, fundamentada na sua livre convicção e assente na imediação e na oralidade, caso se evidencie que a solução por que optou, de entre as várias possíveis, é ilógica e inadmissível face às regras da experiência comum. Se a decisão sobre a matéria de facto do julgador, devidamente fundamentada, for plausível segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.

Não concorda o recorrente com o juízo probatório do Tribunal a quo e insurge-se afirmando que a dúvida deveria ter conduzido à sua absolvição.

Sucede que não resulta dos autos que o Tribunal a quo, após a produção da prova, se tenha confrontado com um estado de dúvida e que o tivesse resolvido contra o arguido (em desfavor dele).

Não equivale a isso a circunstância de o Tribunal, para chegar à certeza jurídica quanto à ocorrência de um determinado facto, se servir de prova indireta, a qual não constitui método proibido por lei (leia-se atentamente o disposto no artigo 126º do Código de Processo Penal).

Efetivamente, lançar mão deste tipo de prova mais não é do que exercitar o raciocínio lógico imposto ao julgador na conjugação dos diversos elementos probatórios, tratando de, a partir de determinados factos assentes, retirar a ilação da verificação de outros, com base nas regras da experiência e nas presunções judiciais. Na verdade, constitui uma mera decorrência do princípio da livre apreciação da prova (consignado no artº 127 do Código de Processo Penal) e uma ferramenta essencial na busca da verdade material.

Em muitas situações, a prova de um facto tem de resultar de outros factos, através de ilações retiradas em face desses factos e das circunstâncias concretas do seu cometimento. (3)

E para isso, utiliza o julgador normas da experiência, que são definições ou juízos hipotéticos, de conteúdo genérico, independentes do caso concreto, assentes na experiência comum e, por isso, independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade. (4)

Praticamente toda a atividade probatória nos coloca perante a necessidade de recorrer a elementos de prova adjuvantes e de lançar mão a normas de experiência - mesmo nos casos de confissão integral, de depoimento testemunhal ou de registo fotográfico, videográfico, sonoro ou digital de um determinado ato praticado por “um agente em ação” (para utilizar a expressão do Prof. Cavaleiro de Ferreira), mostra-se sempre necessário desenvolver um raciocínio lógico (fundado em qualquer outro elemento probatório ou em regras da experiência comum) que permita determinar a verosimilhança dessa atuação.

A ausência de prova direta de um facto não significa que fiquemos sem possibilidade de demonstração positiva desse facto. Significa apenas que o julgador, nessas circunstâncias, colocado perante a totalidade do acervo probatório obtido, tudo deverá tomar em consideração, ponderando cuidadosamente e com muito bom senso.

Do que se afirma decorre a quase forçosa circunstancialidade de cada elemento probatório que, não obstante, apreciado no conjunto e em correlação com os outros meios de prova, nos permitirá alcançar a dimensão daquilo que efetivamente ocorreu, com recurso ao raciocínio lógico e à formulação de ilações, decorrentes das regras de experiência comum.

Como sintetiza Sérgio Poças: “Se as provas credíveis se ajudam umas às outras – mutuamente se fortalecendo nesta comunicação – a prova resultado, por força deste factor de comunicação, é necessariamente maior de que a mera junção daquelas provas”. (5)

A apreciação da prova não é feita por segmentos isolados, estanques, opacos e incomunicáveis entre si, mas antes através da análise de todo o acervo produzido e da sua ponderação à luz dos critérios estabelecidos no artigo 127º do Código de Processo Penal.

Sobre a validade e a força probatória da chamada prova indireta pode ver-se o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 521/2018 (6), onde se refere o seguinte:

“(…) não se vislumbra de que modo a admissibilidade do recurso a prova indiciária e presunções judiciais, em fase julgamento e como fundamento probatório de uma decisão condenatória, contende com a estrutura acusatória do processo penal.

Por um lado, os factos probandos que possam ser provados através de prova indiciária são exclusivamente os enunciados na peça acusatória previamente deduzida, quer se trate de acusação pública, de acusação particular ou de decisão instrutória de pronúncia. Em suma, a não taxatividade dos meios de prova não implica a elasticidade do objecto do processo, tal como delimitado pelo titular da acção penal.

Por outro lado, não se verifica qualquer diluição da distinção entre instrução, acusação e julgamento, na medida em o estalão probatório a que a condenação penal está sujeita – o mais exigente que se pode conceber − não é modificado em função do tipo de prova admissível.”.

Note-se que, para além do que já dissemos acerca das cautelas necessárias, o próprio sistema fornece um mecanismo de salvaguarda: a aplicação do princípio in dubio pro reo. Esse princípio não funciona perante uma qualquer mera dúvida. Estranho aliás seria que assim fosse, uma vez que o estado de dúvida é aquele do qual deve partir o julgador (em conformidade com o princípio constitucional ínsito no artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa: Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação). Através da produção da prova e sua posterior apreciação, caberá ao julgador concluir se, por virtude da mesma, essa sua dúvida inicial se mostra esclarecida, se ficou convencido, perante todos os elementos probatórios de que dispõe, se conseguiu alcançar a certeza jurídica de que os factos imputados efetivamente se verificaram nos termos descritos E essa certeza obtém-se quando, sopesados os diversos elementos probatórios se constata que, por muito contraditórios que prima facie até se possam apresentar (é o caso habitual de duas versões factuais totalmente opostas entre si), a análise realizada permite ultrapassar, facto a facto, tal dúvida.

Assim, a aplicabilidade do princípio in dubio pro reo impõe-se, não nos casos em que ocorre mera dúvida, mas isso sim nos casos de dúvida irresolúvel, insuperável, inultrapassável, isto é, quando apreciada a prova, o julgador se mostra incapaz de se convencer, face à mesma, se um determinado facto ocorreu ou não. Nessas situações e por imposição de tal princípio, a dúvida deve ser resolvida em benefício do arguido.

Ao contrário do que invoca o recorrente, no caso concreto não nos deparamos com qualquer dúvida irresolúvel, insuperável, inultrapassável que o Coletivo tivesse resolvido contra o arguido – como se escreveu no Acórdão recorrido:

“Não se ignora, até porque referido em sede de alegações da defesa do arguido, que a testemunha, nas suas declarações para memória futura, começa por desvalorizar e negar alguns dos comportamentos e expressões do arguido, no entanto, quando confrontada com as declarações prestadas anteriormente, acaba por asseverar que comportamentos ocorreram e que expressões foram proferidas, o que não obstou a que mantivesse um discurso de normalização, procurando racionalizar os comportamentos de que foi alvo e as expressões que lhe foram dirigidas num padrão de normalidade.

O que, em rigor, com mais ou menos evidência, ocorreu com todos os ofendidos e não retira seriedade e credibilidade aos seus depoimentos. Na verdade, estamos perante jovens ainda em desenvolvimento, designadamente sexual, e em que, não raras vezes, tendem a normalizar o sucedido, desde logo por não saberem lidar com o mesmo, ou por acharem que contribuíram para que determinados comportamentos tivessem lugar.

Não se ignorando que a normalização advém, igualmente, do contexto em que tais actos foram praticados, em contexto escolar, por alguém bem integrado nessa comunidade e que se mostrava titular de uma posição de poder sobre os alunos (seja como funcionário, seja como treinador).”.

É claro e lógico o raciocínio que com base nos meios de prova indicados na motivação da decisão de facto, conduziu à demonstração positiva dos factos, resultando válidas as inferências extraídas dos factos objetivados através de prova documental conciliada com os depoimentos prestados pelas testemunhas. Resulta evidente da exposição efetuada pelo Tribunal a quo o percurso racional que levou ao convencimento acerca das circunstâncias dadas como provadas, sendo certo que, no caso concreto, houve lugar à utilização de presunções com a necessária credibilidade e consistência (veja-se, por exemplo, a passagem da motivação em que se escreveu: “Relativamente ao dolo e consciência da ilicitude, que já se aflorou acima, o Tribunal conjugou os meios de prova valorados positivamente nos termos supra expostos, com as regras da experiência comum e ainda com as declarações dos ofendidos. Pois que, sendo o dolo um elemento de índole subjetiva que pertence ao foro íntimo do sujeito, o seu apuramento (com exclusão de uma situação em que o agente admite a intenção direta) ter-se-á de apreender do contexto da ação desenvolvida, cabendo ao julgador – socorrendo-se, nomeadamente, de indícios objetivos, das regras de experiência comum e daquilo que constitui o princípio da normalidade – retirar desse contexto a intenção por ele revelada (factos 49. a 42.). Além do mais, a consciência da ilicitude e vontade de ação extraem-se quer das declarações do arguido, quer do próprio desenrolar dos eventos, não sendo credível outra atuação que não a deliberada ou sequer que o arguido desconhecesse a ilicitude do seu comportamento e a punibilidade do mesmo, do geral conhecimento dos cidadãos”).

O Tribunal a quo não ficou colocado perante qualquer dúvida acerca dos factos dados como assentes, não se estando, por isso, no domínio de aplicação do invocado princípio do in dubio pro reo.

Improcederá nesta parte o recurso.

*

IV.4. DO RECURSO EM MATÉRIA DE DIREITO.

Fixados que estão os factos provados, sem que por via recursiva se registe a necessidade de alterar a enumeração que dos mesmos fez o Tribunal a quo, importa enfrentar as questões de Direito.

*

IV.4.1. DO ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FACTOS PROVADOS.

IV.4.1.1. DO CRIME DE PORNOGRAFIA DE MENORES, P. E P. PELA AL. A) DO Nº 1 DO ARTIGO 176º DO CÓDIGO PENAL E DO CONCEITO DE ESPETÁCULO PORNOGRÁFICO.

O recorrente pugna pela revogação da parte da decisão que o condenou pela prática do crime de pornografia de menores, p. e p. pelo artigo 176º, nº 1, al. a), do Código Penal, norma cuja previsão entende não estar preenchida pelos factos.

Argumenta o recorrente que:

“Espectáculo pornográfico é um conceito que não se encontra definido na lei, deixando, ao livre arbítrio do julgador a sua utilização aos casos concretos.

O Estado português não definiu o conceito de espectáculo pornográfico ;

Já a Convecção de Lanzarote , prevê no artº 21 º nº 1 que cada parte toma as necessárias medidas legislativas ou outras para qualificar como infração penal os comportamentos dolosos de Recrutar ou coagir uma criança para que participe em espectáculos pornográficos ou favorecer a participação em tais espectáculos , tirar proveito ou, de qualquer forma tirar explorar uma criança para esse fim.

Por seu Lado, o relatório Explicativo da Convenção, expressamente , no ponto 148 e 147 se refere a “ organização de espectáculos…,

Dizendo no ponto 147 …”…… esta disposição visa essencialmente a organização de espectáculos ao vivo com a participação de crianças…”…

A existência de um espectáculo, pressupõe a organização de um evento com público ou aberto ao público, um evento ao vivo aberto a espectadores, algo que é destinado a entreter!

O comportamento do arguido , ao solicitar a realização de videochamadas, limitou-se ao contacto interpessoal de duas pessoas , com recurso à imagem, com a finalidade de manterem um contacto sexual entre si, na sua esfera de intimidade , e não a sua participação em qualquer espectáculo !

Considerando-se que não tem aplicabilidade a al. a) do artº 176 ao presente caso.”

Cumpre apreciar.

No Código Penal português não encontramos uma definição de espetáculo pornográfico. Porém, não é correta a afirmação de que no nosso ordenamento jurídico, designadamente para efeitos penais, não se encontra definido ou delimitado tal conceito. A Lei n.º 40/2020, de 18 de agosto, que entrou em vigor no dia 1 de setembro de 2020 (note-se que os fatos que basearam a condenação do arguido por crime de pornografia de menores p. e p. pelo artigo 176º, nº 1, al. a, do Cód. Penal de que foi vítima BB ocorreram a partir de outubro de 2020), veio alterar o Código Penal e reforçar o quadro sancionatório e processual em matéria de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores e estabelecer deveres de informação e de bloqueio de sítios contendo pornografia de menores, concluindo a transposição da Diretiva 2011/93/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011. (7) Com a entrada em vigor da Lei n.º 40/2020, de 18 de agosto, passou a constar expressamente do nosso Código Penal um conceito operativo de pornografia de menores – o nº 8 do artigo 176º do Código Penal passou, então, a dispor que “Para efeitos do presente artigo, considera-se pornográfico todo o material que, com fins sexuais, represente menores envolvidos em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou contenha qualquer representação dos seus órgãos sexuais ou de outra parte do seu corpo”. A Diretiva 2011/93/UE do Parlamento Europeu e do Conselho (8) a cuja transposição para o Direito interno se procedeu, contém, no seu artigo 2º, um conjunto de definições, entre as quais as de pornografia infantil (9) e de espetáculo pornográfico.

Na Convenção de Lanzarote (10) não encontramos uma definição de espetáculo pornográfico, muito embora o conceito seja utilizado nesse instrumento. A ausência de definição foi intencional, como se esclareceu no Relatório Explicativo da Convenção (11) a que o recorrente alude, embora de forma truncada, reproduzindo apenas os excertos que lhe são convenientes. No respetivo ponto 147, pode ler-se “De modo similar, os negociadores decidiram deixar às Partes a definição de “espetáculos pornográficos”, por exemplo, atendendo à natureza pública ou privada, comercial ou não comercial, do dito espetáculo. No entanto, esta disposição, visa essencialmente a organização de espetáculos ao vivo com a participação de crianças envolvidas em condutas explicitamente sexuais. Desse Relatório Explicativo resulta, pois, de forma expressa, o contrário do que o recorrente afirma – a existência de um espetáculo pornográfico não pressupõe a organização de um evento aberto a público plural. Pelo contrário, poderá ser um evento privado, não comercial, não se impondo um número mínimo de espetadores para que opere o conceito. Na Diretiva 2011/93/UE entendeu-se ser útil a formulação de uma definição de espetáculo pornográfico. Assim, estabelece-se no artigo 2º, alínea e), que “Para efeitos da presente diretiva, entende-se por: (…) «Espetáculo pornográfico», a exibição ao vivo, destinada a um público, inclusive com recurso às tecnologias da informação e da comunicação, de: i) crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou ii) órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais;”. O conceito de espetáculo utilizado corresponde ao de uma exibição, representação ou performance, em direto (ao vivo), dirigida a um público, podendo este estar presente no local onde se desenrola o evento ou a assistir à distância, com recurso às tecnologias da informação e da comunicação. Os elementos essenciais do conceito de espetáculo pornográfico com utilização de menor são: i. que o menor participe ao vivo; ii. que a performance seja dirigida a um público. (12)

O Legislador Penal português entendeu não ser necessária a introdução no Código Penal de uma definição de espetáculo pornográfico, quer para os efeitos previstos no tipo do artigo 171º, quer do artigo 176º. Fê-lo consciente da possibilidade do intérprete se servir da noção comum de espetáculo, tal como das noções comuns de fotografia, filme ou gravação, sendo evidente que se quis separar aquilo que é dado a ver “ao vivo” ou “em direto”, do que é possível ver em “registo em suporte de imagem ou som”, em reprodução “em diferido”.

Hoje, não é mais possível afirmar-se que no ordenamento jurídico vigente em Portugal não se encontra a definição de “espetáculo pornográfico” em letra de lei. O Regulamento (UE) 2021/1232 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de julho, derrogou temporariamente determinadas disposições da Diretiva 2002/58/CE no que respeita à utilização de tecnologias por prestadores de serviços de comunicações interpessoais independentes do número para o tratamento de dados pessoais e outros para efeitos de combate ao abuso sexual de crianças online (em linha).

Nesse Regulamento 2021/1232, que como os demais tem aplicação direta em cada um dos Estados Membros da UE, destacamos o teor dos seguintes artigos:

“Artigo 1.º

Objeto e âmbito de aplicação

1. O presente regulamento estabelece regras temporárias e estritamente limitadas que constituem uma derrogação de determinadas obrigações estabelecidas na Diretiva 2002/58/CE, com o objetivo único de permitir que os prestadores de determinados serviços de comunicações interpessoais independentes do número («prestadores») utilizem, sem prejuízo do Regulamento (UE) 2016/679,tecnologias específicas para o tratamento de dados pessoais e outros na medida do estritamente necessário para detetar abusos sexuais de crianças em linha nos seus serviços e denunciá-los e remover dos seus serviços material referente a abusos sexuais de crianças em linha.

Artigo 2.º

Definições

Para efeitos do presente regulamento, entende-se por:

1) «Serviço de comunicações interpessoais independentes do número», um serviço de comunicações interpessoais independentes do número na aceção do artigo 2.º, ponto 7, da Diretiva (UE) 2018/1972 [7];

2) «Material referente a abusos sexuais de crianças em linha»:

a) pornografia infantil, na aceção do artigo 2.º, alínea c), da Diretiva 2011/93/UE do Parlamento Europeu e do Conselho;

b) espetáculo pornográfico, na aceção do artigo 2.º, alínea e), da Diretiva 2011/93/UE;

(…)” (destacados nossos).

Feita esta contextualização, torna-se evidente que, para os efeitos previstos no artigo 176º, nº 1, al. a), do Código Penal, o conceito de espetáculo pornográfico não corresponde ao que defende o recorrente (“evento com público ou aberto ao público, um evento ao vivo aberto a espectadores, algo que é destinado a entreter”), sendo, antes, válida a aceção a que se reporta Paulo Pinto de Albuquerque:

“ato de representação de uma ou mais pessoas em comportamento sexualmente explícito, real ou simulado, ou os órgãos sexuais de uma pessoa, para fins predominantemente sexual (a este propósito , o parecer da PGR nº 62/95, publicado no DR, II.ª série, de 8.3.2002, sobre o espetáculo de “sexo ao vivo” como espetáculo pornográfico). O espetáculo não tem de ser público, nem remunerado. O espetáculo pode ser visual ou sonoro, como é o caso das hot lines. O agente pode intervir no espetáculo ou ser mero espetador ou ouvinte ou até nem intervir nem presenciar o mesmo, bastando que tenha levado a criança a presenciá-lo.

(…)

O agente que leva a criança a praticar contacto de natureza sexual ou ato exibicionista em espetáculo pornográfico ou mesmo a ser interveniente em espetáculo pornográfico sem praticar qq ato ou contacto sxual comete o crime punível pelo artigo 176º, nº 1, al.ª a)”. (13)

Nesta conformidade, deverá concluir-se que o ato de levar um menor, em contexto de videochamada, a exibir os órgãos genitais e a masturbar-se, enquanto o arguido assiste, com consciência de que aquele é menor de idade, preenche todos os elementos típicos do crime previsto na alínea a) do nº 1, do artigo 176º do Código Penal, estando-se perante espetáculo pornográfico com menor. Como se disse, não é o facto de o “espetáculo” não ser aberto a público mais vasto que afasta a tipicidade. O público a que o espetáculo se destinou foi, in casu, apenas o próprio agente do crime que, com recurso às tecnologias da informação e da comunicação, colocou o menor a protagonizar espetáculo privado, ao vivo, a que assistiu em direto, consistente na exibição dos órgãos genitais do menor e de comportamento sexualmente explícito de masturbação.

Nenhuma crítica merece, pois, o Acórdão recorrido quando enquadra os factos provados quanto a BB, para além do mais, na prática pelo arguido de um crime de pornografia previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 176.º do Código Penal.

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IV.4.1.2. DO CRIME DE PORNOGRAFIA DE MENORES, NA FORMA TENTADA, P. E P. PELO Nº 9 DO ARTIGO 176º DO CÓDIGO PENAL.

O recorrente insurge-se contra a sua condenação pelo crime de pornografia de menores a título consumado, admitindo, em última análise, que se possa considerar preenchido o crime na forma tentada.

Na sua perspetiva, de acordo com o juízo que considera correto e fundado sobre a prova produzida, não se demonstrou a efetiva realização de videochamadas, designadamente de teor pornográfico, sendo que “se extrai da prova existente nos autos é de que o pedido de videochamadas era realizado através de simples pergunta, sem qualquer tipo de sedução, sem nenhum aliciamento”.

Considera que não se demonstrou sequer o aliciamento para a realização das videochamadas.

Já antes excluímos a verificação do vício de erro notório na apreciação da prova neste domínio. Igualmente constatamos o naufrágio de qualquer pretensão do arguido de ver impugnados os factos provados, com base em erro de julgamento. (14)

Importa repetir que os factos provados se mostram assentes, tal como foram enumerados pelo Tribunal a quo, sendo perante eles que se deverá apreciar qualquer questão relacionada com o respetivo enquadramento jurídico-penal.

Revisitemos, então, os factos provados que relevam nesta matéria:

“2. Então, BB aceitou o pedido de amizade de AA, que já visualizara as fotografias daquele por onde era possível ver que o mesmo tinha 15 / 16 anos de idade. Decorrido algum tempo, através do “Messenger” da rede social Facebook e dos mencionados perfis, AA começou a pedir a BB que lhe enviasse fotografias e/ou vídeos em que estivesse nu ou a manipular os órgãos genitais, com consciência de que o mesmo era menor de idade.

3. Igualmente através do “Messenger” da rede social Facebook e dos mencionados perfis, AA começou a efectuar videochamadas para a BB, no decurso das quais pedia a este que lhe exibisse os órgãos genitais e se masturbasse, o que ocorreu durante cerca de duas semanas, em mais do que uma videochamada que durava cerca de 5 / 6 minutos, enquanto o arguido assistia, com consciência de que aquele era menor de idade.

4. No decurso de tais videochamadas, AA exibiu os órgãos genitais a BB, pôs as mãos no pénis erecto e fez movimentos ascendentes e descendentes, obtendo prazer sexual, o que fez com consciência de que este era menor de idade. Assim, através do “Messenger” da rede social Facebook e dos mencionados perfis, no dia 12 de Dezembro de 2021, AA disse a BB, com consciência de que o mesmo tinha 15 / 16 anos de idade, instigando-o e persuadindo-o a remeter-lhe fotografias e/ou vídeos em que este estivesse nu ou a manipular os órgãos genitais, “manda”, “primeiro tu”, “activo mas adoro mamar”, “e tu?”, “bommm”, “és de onde?”, “pena estares longe”, “mas se quiseres um dia podemos fazer uma videochamada”, “já vi que não queres”, “desculpa”, “mas tu é que pediste nudez”.

5. Ainda através do “Messenger” da rede social Facebook e dos mencionados perfis, no dia 20 de Dezembro de 2021, AA disse a BB “oi”. Após, AA efectuou uma videochamada para BB, que não atendeu.

(…)

7. Nessa ocasião, AA disse a BB, com consciência de que o mesmo tinha 15 / 16 anos de idade, instigando-o e persuadindo-o a efectuar uma videochamada ou remeter-lhe fotografias e/ou vídeos em que este estivesse nu ou a manipular os órgãos genitais, “videochamada podes”, “eu ia ao wc”, “e vias”, “já ligo”, “vou agora ao wc”, “ligas tu ou eu”, “viste a foto”, “não vi nada teu”, “diz que foi apagado”, “mas não cheguei a ver”, “podes mandar outras”, “?”.

8. Em data não apurada, mas antes de Dezembro de 2021, através da rede social “Instagram”, AA solicitou ser seguidor de um indivíduo de identidade ainda não apurada, identificado como CC nessa rede social, indivíduo que utiliza no seu perfil as fotografias de II, nascido a … de 2006.

9. Aceite o pedido para ser seguidor do mencionado indivíduo identificado como CC na rede social “Instagram”, no dia 5 de Dezembro de 2021, AA disse ao mesmo “estás a fazer o quê na cama”.

10. Então, o referido indivíduo respondeu “a mexer no cu”.

11. De imediato, AA disse ao mencionado indivíduo “ui”, “mostra”, “esporraram-te o cu”, “quando”, “quem”.

12. Depois do referido indivíduo ter respondido “sim”, “o meu tio”, AA disse ao mesmo “sério”, “mostra mais”, “videochamada sem barulho”, “podes”, “mostra mais”, “que idade tem o teu tio”, “e tu”.

13. Então, o referido indivíduo, de identidade não apurada, respondeu que o tio tinha 45 anos de idade e que ele tinha 15 anos de idade.

14. Convicto de que o indivíduo identificado na rede social “Instagram” como sendo CC tinha 15 anos de idade, AA disse ao mesmo “ele faz-te o quê”, “mamas o”, “mostra me mais vá”, “gostava de estar no lugar do teu tio”, “???”, “pq sim”, instigando-o e persuadindo-o a remeter-lhe fotografias ou vídeos em que este estivesse nu e ou a masturbar-se.

15. No dia 7 de Dezembro de 2021, convicto de que o indivíduo identificado na rede social “Instagram” como sendo CC tinha 15 ou 16 anos de idade, instigando-o e persuadindo-o a remeter-lhe fotografias ou vídeos em que este estivesse nu e ou a masturbar-se, AA disse ao mesmo “adorava ver-te”, “?”, “podes”, “hey”.

(…)

39. Ao actuar da forma descrita, entre os dias 12 e 21 de Dezembro de 2021, AA agiu com intenção de instigar e persuadir BB, nascido a … de 2004, a efectuar videochamadas e a remeter-lhe fotografias e/ou vídeos em que estivesse nu ou a praticar actos sexuais, o que conseguiu, obtendo prazer sexual e satisfazendo os seus instintos libidinosos, o que fez com consciência de que o mesmo era menor de idade, de que punha em causa o seu são desenvolvimento da consciência sexual, de que interrompia o percurso normativo do seu desenvolvimento psicossexual, erotizando-o antes de ele dispor de competências cognitivas, sociais e emocionais para regularizar a sua sexualidade e evitar o contacto sexual com o adulto.

40. Ao agir do modo descrito, nos dias 05 e 07 de Dezembro de 2021, AA agiu com intenção de instigar e persuadir o indivíduo identificado na rede social “Instagram” como sendo CC a efectuar videochamadas e a remeter-lhe fotografias e/ou vídeos em que estivesse nu ou a praticar actos sexuais, obtendo prazer sexual e satisfazendo os seus instintos libidinosos, convicto de que o mesmo tinha 15 ou 16 anos de idade e de que as fotografias constantes do perfil o representavam.

(…)”.

Perante o acervo de factos provados, não pode duvidar-se da correção da subsunção jurídico-penal dos mesmos enquanto crimes de pornografia de menores na forma consumada. Quer quanto ao menor BB (relativamente ao qual ocorreu uma videochamada em que o arguido o colocou em situação que configura espetáculo pornográfico), quer também quanto ao menor identificado na rede social “Instagram” como sendo CC, tendo persuadido ambos a efetuar videochamadas e a remeter-lhe fotografias e/ou vídeos em que estivessem nus ou a praticar atos sexuais.

Tanto basta para que se considerem consumados os ilícitos, não podendo deixar de julgar-se improcedente o recurso, também nesta parte.

*

IV.4.1.3. DO PREENCHIMENTO DOS ELEMENTOS TÍPICOS DO CRIME DE ABUSO SEXUAL DE CRIANÇA P. E P. PELAS ALÍNEAS A) E B) DO Nº 3 DO ARTIGO 171º DO CÓDIGO PENAL.

O recorrente insurge-se contra a sua condenação pelo crime de abuso sexual de criança previsto e punido pelo artigo 171.º, n.º 3, alíneas a) e b), do Código Penal.

Para tanto, argumenta que para “o preenchimento do tipo subjetivo do crime de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo artº 171º do CP é necessário o dolo, direto, necessário ou o dolo eventual, nomeadamente quanto ao conhecimento ou representação da idade da vítima”, acrescentando que não conseguiu o Tribunal a quo provar que a vítima DD tinha à data dos factos menos de 14 anos.

Também quanto a esta linha de argumentação já antes excluímos a verificação do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Por outro lado, também quanto a ela valem os considerandos que supra se fizeram e que excluem a viabilidade de sucesso da pretensão do arguido de ver impugnados os factos provados, com base em erro de julgamento.

Revisitando a factualidade assente, tal como enumerada na decisão recorrida, deparamo-nos com as seguintes circunstâncias:

“19. Durante o mencionado ano lectivo, em datas não concretamente apuradas, mas antes do dia 18 de Março de 2020, data em que foi decretado o primeiro estado de emergência, no interior do estabelecimento de ensino, AA aproximou-se de DD, à data com 13 anos de idade, que se encontrava de frente ou de costas para ele, encostou o corpo dele ao do mesmo e apertou-o, abraçando-o durante algum tempo.

20. No referido período temporal e no interior do estabelecimento de ensino, AA passou as mãos pelos peitos de DD, acariciou os braços.

21. Em todas as ocasiões, DD sentiu-se incomodado e desconfortável.

22. Ainda no referido período temporal, AA disse a DD “que lindo corpo”, “gosto muito de ti”, “posso namorar contigo?”, que os rapazes que têm medo que outro homem lhes toque é que são “gays” e se tinha namorada ou namorado.

23. Noutras ocasiões, no referido período temporal e no interior do estabelecimento de ensino, AA beijou uma das mãos, levantou-a e soprou o beijo na direcção de DD, incomodando-o.

24. Ainda no referido período temporal, no Pavilhão Desportivo …, AA perguntou a DD e a outros jogadores da equipa de futsal se se masturbavam.

(…)

41. Ao tocar e ao acariciar os corpos de DD, (…) AA quis compeli-los a suportar contactos físicos sexualizados, incomodá-los e perturbá-los, com intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos e de obter prazer sexual, o que fez com consciência de que os mesmos eram menores de idade, de que ofendia os respectivos sentimentos de pudor, intimidade e liberdade sexual, erotizando-os antes de disporem de competências cognitivas, sociais e emocionais para regularizarem a sua sexualidade e evitarem o contacto sexual com o adulto.

42. AA agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, para sua satisfação sexual, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.”.

Vistos os factos provados, torna-se evidente a falta de razão do recorrente. Como supra se deixou consignado, o próprio arguido reconheceu nas suas declarações que conhecia a idade dos ofendidos. E esse conhecimento é, aliás, perfeitamente concordante com os dados da experiência comum, sendo certo que o arguido desempenhava as funções de treinador de Futsal e, nessa medida, era sabedor da idade dos atletas, até por ser esse fator relevante para a integração dos mesmos nas categorias dessa modalidade. (15)

Certo é que dos factos provados resulta o conhecimento do arguido acerca da idade da vítima DD, ao contrário do que se afirma no recurso.

Resultam, aliás, todos os elementos do tipo objetivo e subjetivo do crime de abuso sexual de criança na modalidade de importunação de menor de 14 anos (o arguido aproximou-se de DD, que se encontrava de frente ou de costas para ele, encostou o corpo dele ao do mesmo e apertou-o, abraçando-o durante algum tempo, passou as mãos pelos peitos do menor, acariciou os braços, desse modo importunando a criança) e de atuação sobre o mesmo por meio de conversa pornográfica (que passou designadamente por perguntar se poderia namorar com o menor e por lhe perguntar se se masturbava).

O arguido AA, nos termos provados, agiu dolosamente, querendo compelir a vítima DD, com apenas 13 anos de idade, a suportar contactos físicos sexualizados, ciente de que o incomodava e perturbava, com intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos e de obter prazer sexual, o que fez com consciência da idade do menor e de que ofendia os respetivos sentimentos de pudor, intimidade e liberdade sexual, erotizando-o antes de dispor de competências cognitivas, sociais e emocionais para regularizar a sua sexualidade e evitar o contacto sexual com o adulto.

Deste modo, mostram-se preenchidos todos os elementos típicos do ilícito, impondo-se que se julgue improcedente o recurso, igualmente nesta parte.

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IV.4.1.4. DO PREENCHIMENTO DOS ELEMENTOS TÍPICOS DO CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL P. E P. PELO ARTIGO 170º DO CÓDIGO PENAL.

O recorrente discorda do enquadramento dos seus atos no crime de importunação sexual, por entender que resultou da prova que arguido “é pessoa afável, bem disposta, simpática, que gosta do contacto físico, considerado até como «meloso, simpático, de dar abracinho e de todos lhe darem abracinhos, ser gay, fora da caixa».

Argumenta o recorrente com a sua personalidade imatura, alegando que lhe faltará a “noção de limites do que é aceitável e do que extravasa o moralmente correto na sua relação com os menores” e, com base nisso, conclui que os seus comportamentos foram meramente desadequados, mas não suficientemente relevantes para integrarem o crime.

Uma vez mais, deparamo-nos com uma objeção da defesa que esbarra com os contornos dos factos dados como provados.

O Tribunal a quo apreciou o objeto da causa, sendo que dele fazia parte aferir se o comportamento do arguido fora motivado pela intenção de satisfazer os seus instintos libidinosos e de obter prazer sexual. Emitiu juízo probatório positivo a tal respeito e motivou-o de forma que não suscita qualquer reparo.

Os factos ficaram provados com os contornos dados na enumeração efetuada na decisão recorrida. O Tribunal concluiu que o arguido quis e conseguiu, através dos contactos físicos a que sujeitou os ofendidos e através das expressões que lhes dirigiu, incomodá-los e perturbá-los, constrangendo-os, oferecendo-lhes uma falsa noção do normal, tudo com a intenção (concretizada) de satisfazer os seus instintos sexuais e de obter prazer sexual, bem sabendo a idade dos ofendidos, e que ofendia a sua intimidade e pudor, além de saber que os mesmos ainda se encontravam em desenvolvimento, pelo que não dispunham das necessárias competências para saber lidar e evitar os contactos e investidas do arguido.

A ocorrência do propósito de satisfação de instintos sexuais ficou demonstrada e, por muito que o recorrente, uma vez mais, na sua visão pessoalíssima, discorde do juízo probatório emitido pelo Tribunal a quo, isso de nada serve - devemos ater-nos aos factos provados para, partindo deles, proceder à subsunção do comportamento no tipo legal em questão.

O comportamento do Arguido com os menores, que envolveu tocar e acariciar os mamilos destes, enquanto dizia “ai que maminha tão boa”, dizer que fazia “broches”, pôr uma das mãos numa das coxas do menor, enquanto este se encontrava de calções sentado ao seu lado, e acariciar essa parte do corpo, acariciar o peito e o abdómen do menor e simultaneamente, dizer-lhe “lindo corpo”, dirigir ao menor as seguintes expressões “eu posso namorar contigo?” e “então deixa-me apaixonar-me por ti”, não é apenas desajustado em ambiente escolar, entre adulto funcionário/treinador e menor aluno/atleta, sendo efetivamente perturbador em termos de livre determinação sexual das vítimas, pelo seu evidente cariz sexual, decorrente das zonas que o arguido escolheu para os contacto corporais e da forma como os estabeleceu. Os contactos corporais mostram-se perfeitamente intencionados e calculados, evidenciando esforço que revela busca de intimidade.

Assim sendo, a operação de subsunção dos factos provados no crime de importunação sexual mostra-se irrepreensível e, nessa conformidade, também nesta parte, improcede o recurso.

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IV.4.2. DA ESCOLHA E MEDIDA DAS PENAS.

O arguido recorrente insurge-se contra a escolha de pena de prisão quanto aos crimes de importunação sexual, contra a medida concreta determinada para cada pena parcelar, contra a medida concreta determinada para a pena única e, por fim, quanto à medida concreta determinada para a pena acessória.

O recorrente considera que, a ocorrer punição pelos crimes de importunação sexual, aos mesmos deveria aplicar-se pena de multa, por ser adequada e suficiente.

Considera, ainda, que as penas parcelares determinadas são excessivamente severas, não tendo o Tribunal a quo ponderado adequadamente todos os fatores a considerar.

Pugna, ainda, pela realização de cúmulo jurídico que salvaguarde a diferente natureza (prisão e multa) que propugna para as penas parcelares e que, em seu entender, no que se refere à prisão, não deverá exceder os cinco anos, devendo a pena ser suspensa na sua execução.

Defende, por fim, o encurtamento da pena acessória, por entender que a mesma é excessiva e desadequada.

Cumpre apreciar.

No que respeita à apreciação das penas fixadas pela 1ª Instância (quer na escolha da espécie, quer na determinação da respetiva medida concreta), a intervenção dos Tribunais de 2ª Instância deve ser moderada e seguir a jurisprudência enunciada, quanto à intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão daquele Tribunal Superior de 27/05/2009 (16), no qual se considerou: "... A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que "no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada". (No mesmo sentido, Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 197, § 255).

Assim, só em caso de desconformidade com os critérios legais de escolha, de desproporcionalidade na sua fixação ou necessidade de correcção dos critérios de determinação da pena concreta, atentos os parâmetros da culpa e as circunstâncias do caso, deverá intervir o Tribunal de 2ª Instância alterando a espécia ou o quantum da pena concreta.

Caso contrário, isto é, mostrando-se respeitados todos os princípios e normas legais aplicáveis e respeitado o limite da culpa, não deverá o Tribunal de 2ª Instância intervir corrigindo/alterando o que não padece de qualquer vício.

De tal resulta que, se a pena fixada na decisão recorrida, em todas as suas componentes, ainda se revelar proporcionada e se mostrar determinada no quadro dos princípios e normas legais e constitucionais aplicáveis, não deverá ser objecto de qualquer correcção por parte do Tribunal de Recurso.

Para essa apreciação, revisitemos as considerações do Tribunal a quo no que se refere aos motivos concretos que conduziram à escolha da pena referente aos crimes de importunação sexual:

“Considerando que os crimes de importunação praticados pelo arguido são puníveis com uma pena compósita alternativa, ou seja, com uma pena de prisão, ou, em alternativa, com uma pena de multa, cabe escolher qual a natureza da pena a aplicar. Esta operação, não é, todavia, extensível aos demais crimes, na medida em que aos mesmos apenas é aplicável pena de prisão, o que significa que a natureza da pena a aplicar mostra-se pré-determinada.

A este ponto não é de olvidar o disposto no artigo 70.º do Código Penal, aí positivando o legislador uma clara e expressa preferência pela aplicação de penas não privativas da liberdade, o que é compreensível atendendo à natureza ínsita às penas carcerárias, manifestamente estigmatizantes, constituindo o instrumento punitivo de aplicação última ao dispor do Estado, aqui no âmbito da função jurisdicional.

Por outro lado, há que atender aos fins das penas referidos no artigo 40.º do Código Penal, ou seja, há que considerar a suficiência, adequação e proporcionalidade da pena para o efeito da reintegração do agente e, simultaneamente, para o efeito de restabelecimento da confiança da comunidade na protecção de bens jurídicos, implicando, pois, considerar as necessidades de prevenção especial, mas também as necessidades de prevenção geral.

Ora, os crimes de importunação sexual configuram um crime cuja prática é de verificação algo frequente, tratando-se de um tipo de crime que tem particular incidência em contextos escolares e desportivos, o qual é particularmente pernicioso para as vítimas porque o tipo de ambiente em que é perpetrado tende a perpetuar a conduta do agente do crime. Assim, é necessário reafirmar a validade da norma violada perante a comunidade, em particular quanto a este tipo de crime cometido no seio de uma comunidade educativa e de uma comunidade desportiva, daí que as necessidades de prevenção geral são acentuadas.

No tocante às necessidades de prevenção especial, importará considerar que o arguido perpetrou os factos abusando de uma relação de confiança gerada por virtude de assumir funções de auxiliar educativo na escola que as vítimas frequentavam e / ou de treinador de futsal de equipas que estas integravam e que o fez num hiato temporal alargado, de pelo menos um ano lectivo, em período de pandemia e a um número já significativo de jovens - quatro.

Considerando tudo quanto se acabou de expor, o Tribunal considera adequada às necessidades de prevenção especial e geral que o caso concreto demanda, a aplicação de uma pena de prisão ao arguido AA em face do cometimento dos cinco crimes de importunação.”.

In caso, ponderando os critérios legais de escolha da espécie da pena, dentro das possibilidades conferidas pela alternatividade permitida pelo legislador, não vemos como censurar a opção do coletivo julgador. As razões de prevenção geral (associadas à tipologia de crime em questão) e as razões de prevenção especial (associadas ao modo de atuação e ao perfil de personalidade do arguido, na medida em que o mesmo é transmitido pela repetição e pelo protelamento no tempo dos comportamentos em questão) não permitem que se conclua que a pena de multa asseguraria as finalidades da punição. Note-se que nenhuma censura merece o Tribunal recorrido quando se constatou a ausência de autocrítica do arguido.

Nenhum reparo merece a escolha de pena de prisão para punição dos crimes de importunação sexual cometidos pelo arguido.

*

Resolvida a escolha, detenhamo-nos, novamente, nas considerações do Tribunal recorrido acerca da determinação da medida das penas parcelares no caso concreto, nos trechos em que, enunciou as circunstâncias relevantes:

“Assim, devem ser atendidas as seguintes circunstâncias no que se refere à determinação da medida concreta da pena, quanto ao arguido AA:

Contra o arguido, cumpre referir:

- O dolo intenso, porque directo em qualquer dos crimes;

- A ilicitude, a qual se afere – dentro da ilicitude dos tipos incriminadores em apreço – como sendo mais elevada nos crimes de pornografia (atento que no curto período de duração, o arguido ultrapassou rapidamente os comandos que ditavam que não assumisse aqueles comportamentos, solicitando aos ofendidos, com pouca troca de mensagens ou de contactos, o envio de vídeos a se masturbaram, de fotografias despidos, essencialmente dos órgãos genitais e do rabo) e, bem assim, os pedidos da realização de videochamadas com aqueles, concretizada com BB em actos de masturbação simultânea ou de visualização do pénis (CC); e média quanto aos crimes de abuso sexual de criança e de importunação sexual (tendo os actos praticados um conteúdo sexual com alguma intensidade – pela zona do corpo escolhida pelo arguido – mamilos, coxa, abdómen – , o mesmo se afirmando quanto às expressões por si utilizadas e que têm uma carga sexual mediana.

A considerar a este mesmo propósito, temos que o valor dos bens visados com a prática dos aludidos crimes são de valor elevado, atendendo ainda ao número de menores abordados pelo arguido (5), as suas idades e, bem assim, o período de tempo durante o qual se prolongou a actuação do arguido, pelo menos no decurso de um ano lectivo.

- O modo de execução dos crimes revela que o arguido, quanto aos crimes de importunação e de abuso sexual de criança, perpetrou os factos abusando de uma relação de confiança gerada por virtude de este ser assistente educativo numa escola, responsável pelo pavilhão e ainda ser treinador de futsal. Dito de outro modo, este aproveitou o baixar de guarda gerado pela confiança das funções que exercia, de ascendente sobre as vítimas, para efectivar os actos em questão, o que é merecedor de assertiva censura, usando da posição de confiança de que gozava perante os menores, mas também perante os familiares deste; no tocante aos crimes de pornografia, também se revelou particularmente desvaliosa a conduta do arguido, na medida em que aproveita a exposição dos mesmos no meio digital – nas redes sociais – e entabula, de imediato, conversas de teor sexual com os mesmos, escalando, de imediato, para o pedido e concretização de fotografias, vídeos e videochamadas dos mesmos;

- A conduta posterior aos factos, consignando-se que o arguido não revelou ter interiorizado o desvalor das suas condutas, desde logo pela ambivalência com que depôs quanto aos crimes de pornografia e à desvalorização do relatado pelos demais ofendidos nos crimes de importunação sexual e de abuso sexual de menores;

- As necessidades de prevenção geral, são elevadas, não apenas negativa, de intimidação, mas sobretudo positiva ou de integração, isto é de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação das normas ocorrida, fazem-se sentir, no que toca ao crime de pornografia, principalmente no quadro actual da sociedade, com intensíssima intensidade, uma vez que tal tipo de crime tem vindo a causar grande perplexidade quanto à sua difusão, nomeadamente através da utilização dos meios tecnológicos actuais, os quais facilitadores do acesso a vias de comunicação que fogem ao controlo parental. Não se ignorando que maior é o grau de alarme quanto menor a faixa etária atingida, pois que maior a fragilidade das vítimas e maior o grau do efeito nefasto do crime no desenvolvimento normal da criança, nomeadamente no quadro do desenvolvimento equilibrado da sua autodeterminação sexual, aqui se reiterando que se trata de um tipo de crime que tem particular incidência (além do contexto familiar) em contextos escolares e desportivos, o qual é particularmente pernicioso para as vítimas porque o tipo de ambiente em que é perpetrado tende a perpetuar a conduta do agente do crime;

- As necessidades de prevenção especial, são elevadas e neste sentido temos que, apesar de o arguido não ter antecedentes criminais registados, e se mostrar inserido familiar e socialmente, não demonstrou estar ciente da gravidade das suas condutas, tendo praticado os factos subsumíveis aos crimes de pornografia, de modo bastante temerário, já que usava o seu perfil de Facebook, onde inclusivamente se podia identificar a respectiva família, além de avançar com uma justificação baseada “na curiosidade”, não explicada ou justificada e que faz antever a possibilidade de voltar a repetir os comportamentos em questão.

Igualmente, no crime de abuso sexual de criança e de importunação sexual, se afere que as necessidades de prevenção especial são igualmente elevadas, já que o arguido agiu a coberto de uma relação de confiança em si depositada pela comunidade escolar e desportiva, pelas famílias dos ofendidos e, bem assim, por estes – a quem procurou incutir sempre um padrão de normalidade para as suas condutas;

- No atinente à gravidade das consequências geradas pelos crimes (todos eles), não ficaram as mesmas demonstradas nos autos, embora cumpra salientar que em crimes de natureza sexual, as consequências para o desenvolvimento sexual pleno da vítima, tratando-se de uma criança / jovem, poderão vir a manifestar-se mais tarde.

Depõem a favor do arguido, como atenuantes:

- A confissão parcial que o mesmo fez dos factos.

- A sua inserção profissional e familiar.

- A inexistência de antecedentes criminais.”.

Perante as considerações tecidas, não pode deixar de considerar-se que o recorrente não tem razão ao acusar o Tribunal a quo de desproporcionalidade das penas fixadas em face dos factos provados.

Quanto à determinação concreta das penas parcelares de prisão correspondentes aos crimes cometidos pelo recorrente, mostra-se contido o doseamento efetuado. Ao contrário do que sugere o recorrente, não deixou o Tribunal a quo de ponderar todas as circunstâncias relevantes, designadamente os factos referentes às condições pessoais do arguido, sendo certo que, em concreto, jamais se ajustaria ao caso uma reação mais branda.

Os contornos dos factos praticados pelo recorrente, tal como resultam da matéria provada, sem que se nos deparem circunstâncias atenuantes da sua responsabilidade que o Tribunal a quo tenha desconsiderado, não permitem a redução das penalidades aplicadas. Deverá notar-se que não se está perante situações de baixíssimo grau de ilicitude, como parece pretender o recorrente ao sugerir que os factos praticados não integram “gravidade que possa considerar-se elevada”. O modo de acção e o grau de culpa do arguido impedem que se repute de execessiva a reação penal, tendo todos os fatores relevantes sido tidos em consideração de modo irrepreensível, levando à fixação das penas parcelares sempre em ponto abaixo do meio da pena.

Ao invés da desproporcionalidade a que o arguido se refere, verificamos na determinação das penas parcelares concretas uma adequada moderação - não obstante a ausência de registo criminal do arguido, perante a multiplicidade de crimes em causa, entendeu o Tribunal dever fixar a medida das penas parcelares sempre abaixo do meio da moldura penal aplicável.

Tendo sido considerados todos os fatores relevantes, não assiste razão ao recorrente, não tendo o Tribunal a quo deixado de ponderar devidamente todas as circunstâncias provadas.

Assim, na determinação da pena parcelar de prisão a aplicar ao arguido por cada um dos crimes, nada há a alterar na decisão do Tribunal a quo.

*

Revisitemos, então, as considerações do Tribunal a quo no que se refere à determinação da pena única:

“Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal há lugar à punição da conduta da arguida de acordo com o regime do concurso de crimes “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles”, determinando-se uma pena única que corresponderá aos vários crimes integrantes do concurso.

Assim, de acordo com a norma enunciada, exige-se que o agente tenha, através da sua conduta, tenha cometido vários crimes, determinando-se o número de crimes “pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente” (artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal).

Porque o arguido cometeu vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, deve ser condenado numa única pena, aferindo-se que a pena única a aplicar àquele tem como limite mínimo 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses e como limite máximo 12 (doze) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Ora, considerando todos os factos supra enunciados no que se refere à medida das penas parcelares aplicadas e que aqui damos por reproduzidos, considera-se ser de aplicar ao arguido, AA a pena única de 7 (sete) anos de prisão.”

Como decorre do disposto no artigo 77º do Código Penal, a medida concreta da pena única (pena do concurso de crimes) deverá ser fixada dentro da moldura abstracta aplicável (a qual tem como limite mínimo a mais elevada das penas parcelares concretamente aplicadas, tendo como limite máximo a soma das penas parcelares aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão) e é determinada em função da culpa e da prevenção, mas tendo em conta o critério específico da consideração em conjunto dos factos e da personalidade do arguido.

Como explicita o Conselheiro Artur Rodrigues da Costa:

“À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detectar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente.

Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detectar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da actuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e a “culpa pelos factos em relação”, a que se refere CRISTINA LÍBANO MONTEIRO em anotação ao acórdão do STJ de 12/07/05.

Ou, como diz FIGUEIREDO DIAS: «Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique».

Na avaliação desta personalidade unitária do agente, releva, sobretudo «a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização».

Por conseguinte, a medida da pena do concurso de crimes tem de ser determinada em função desses factores específicos, que traduzem a um outro nível a culpa do agente e as necessidades de prevenção que o caso suscita.”

Tendo presente tudo isto, resulta manifesta a falta de razão do recorrente, não se vislumbrando qualquer fundamento para se considerar excessiva a pena única que o Coletivo julgador determinou para o arguido.

O Tribunal a quo fixou a pena em 7 anos de prisão.

Deverá notar-se que essa pena única foi fixada perante um conjunto de factos que se estendeu no tempo entre 2017/2018 e data indeterminada do ano letivo 2021/2022, correspondendo ao cometimento do conjunto de 11 crimes, afetando sete vítimas distintas, sendo que a pena única determinada se quedou abaixo do ponto médio da moldura abstrata do cúmulo.

Para assim decidir, ponderou o Tribunal a gravidade do ilícito, globalmente considerado. Não podemos deixar de concordar com esse juízo. Ao cidadão comum repugnam de forma muito acentuada as condutas como as do arguido, sendo hoje mais desperta a consciência dos cidadãos acerca dos perigos colocados por condutas como as dos autos para o harmonioso desenvolvimento da sexualidade dos jovens. A comunidade não compreenderia nem aceitaria que o Tribunal lançasse mão de maior benevolência, quando as vítimas dos crimes são crianças/jovens em formação.

O Tribunal a quo fixou a pena única em 7 anos, dentro da moldura de cúmulo aplicável, definindo assim uma reação penal consistente e firme, adequada em face da gravidade dos crimes cometidos, de acordo com a imagem global dos factos e apta a constituir uma advertência suficientemente séria para garantir o êxito das finalidades de prevenção.

Dadas as circunstâncias em que o arguido recorrente cometeu os onze crimes de que vai condenado, com dolo intenso e profundo desprezo pelos interesses dos menores, seria inadequada a fixação da pena única em medida mais reduzida. A determinação concreta da pena única aplicada ao recorrente não merece, assim, qualquer censura.

Não é possível deixar de considerar que o conjunto dos factos é muito gravoso.

Essa conclusão, que não pode deixar de ter efeito agravante, impede, em absoluto, que a determinação da pena única concreta se quede abaixo da que foi fixada pelo Tribunal a quo. A penalidade única evidencia adequação, espelhando a máxima benevolência possível perante os contornos das infrações que integram o concurso de crimes a punir.

A medida concreta da pena única de prisão, porque superior a cinco anos, prejudica a possibilidade de se lançar mão do regime de suspensão da execução da pena de prisão, não podendo, também nessa parte, merecer acolhimento a pretensão recursiva do arguido.

*

Que dizer da determinação da medida concreta da pena acessória?

Argumenta o recorrente que “os crimes mais gravosos cometidos pelo arguido, são os crimes de pornografia”, sendo que a prática desses “não implica qualquer tipo de contacto directo, com as vítimas e, em que é totalmente indiferente a profissão, emprego, função ou actividade, pública ou privada exercida pelo arguido”.

Mais argumenta que “pela tão elevada pena (…) o tribunal «a quo» quis (…) alcançar a idade de reforma do arguido”. Conclui que a gravidade dos crimes cometidos não justifica tão elevada pena acessória, pugnando pela redução da extensão da mesma, de forma que não ultrapasse a duração da pena única de prisão.

Cumpre apreciar.

Para isso, recordemos a fundamentação utilizada pelo Coletivo julgador:

“Dispõe o artigo 69.º-B, n.º 2 do Código Penal que “é condenado na proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, por um período fixado entre cinco e 20 anos, quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima seja menor”.

Note-se que a referida pena acessória, não obstante a forma como se mostra redigida a normas agora transcrita, não são de aplicação automática, não se descurando, aliás, o teor do preceituado no artigo 30.º, n.º 4, da Constituição – neste sentido, José Mouraz Lopes e Tiago Caiado Milheiro, Crimes Sexuais – Análise Substantiva e Processual, Almedina, pg. 265, aí se referindo que “nos casos dos artigos 69.º-B e 69.º-C, estabelece-se um efeito automático da condenação em relação a crimes, cujos contornos concretos podem demonstrar a desnecessidade de aplicação da pena acessória e, inclusive, a sua flagrante desproporcionalidade e excesso na reação sancionatória, face à diversidade de crimes (v.g. namorado com 17 anos condenado em virtude de um apalpão à namorada também menor de idade, que passa a estar obrigatoriamente impossibilitado de assumir responsabilidades parentais). Ou seja, a impossibilidade de o juiz ponderar a necessidade da aplicação da pena acessória atenta a gravidade dos factos, ademais considerando os limites mínimos das mesmas – 5 anos -, colide com os princípios da proporcionalidade e da culpa. Ressalte-se igualmente, que essa impossibilidade de ponderação determina que a condenação penal tenha como efeito automático, ope legis, a perda de direitos civis e profissionais em violação do artigo 30.º, n.º 4, da CRP. Entende-se assim, que existirão situações em que, nomeadamente considerando o crime em causa e as circunstâncias em que o mesmo ocorreu, se impõe recusar a aplicação do normativo por inconstitucionalidade”, daí que se entenda que os referidos Autores acabam por defender o carácter não automático das referidas penas acessórias, sendo essa a única interpretação conforme à Constituição.

Regressando à solução a conferir ao caso vertente, pese embora também neguemos a aplicação automática da pena acessória em questão, afigura-se-nos que a sua imposição ao arguido se afigura legítima, não devido a essa aplicação automática, mas porque a referida aplicação se afere por necessária e proporcionada.

Com efeito, o arguido praticou os crimes previstos nos artigos 170.º e 171.º, n.º 3, alíneas a) e b), ambos do Código Penal, sendo que as condutas por si prosseguidas são gravosas, tanto que no primeiro daqueles se optou pela aplicação da pena de prisão, não se deixando de assinalar a ilicitude subjacente à prática daqueles crimes e ainda tendo-se presente a ausência de qualquer comportamento daquele do qual fosse viável extrair contrição (consignando-se a ambiguidade das suas declarações), tendo ainda em mente que o seu espaço laboral (seja como assistente educativo, seja como treinador de futsal) serviu de campo para a sua actuação, naturalmente propiciando-a e, assim sendo, justifica-se a aplicação da supramencionada pena acessória, que visa, aliás, conferir complementaridade à pena principal e assenta ainda na perigosidade revelada pelo arguido.

Graduando a referida pena acessória o Tribunal não pode deixar de ter em atenção que a mesma deve ser concretizada na sua duração tendo-se em mente as próprias circunstâncias que determinaram a pena principal, as quais ora se reiteram nos termos em que se supra se elencaram, fixam-se a pena acessória prevista no artigo 69.º-B, n.º 2 do Código Penal, cujo período de fixação oscila entre os 5 e os 20 anos, pelo período de 13 (treze) anos e 6 (seis) meses.”.

Ponderada a fundamentação do Tribunal Coletivo, logo se constata, uma vez mais, a falta de razão do recorrente.

Deverá notar-se que o Tribunal a quo ao interpretar a norma recusou, e bem, o carácter automático da aplicação da pena acessória prevista no artigo 69º-B do Código Penal a quem for punido por crime previsto nos artigos 163.º a 176.º-A, quando a vítima seja menor. E, em consonância com essa interpretação conforme à Constituição, não se serviu o Coletivo julgador da comissão dos crimes de pornografia de menores para justificar a extensão temporal do período de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores. Perante o posicionamento expresso na decisão condenatória, carece de sentido a discussão sobre se o cometimento dos crimes de pornografia justifica, por si, a aplicação da pena acessória.

O Tribunal a quo considerou que tal pena se deveria impor ao arguido em face das circunstâncias reveladas pelo cometimento dos crimes praticados em ambiente escolar (crimes de importunação sexual e de abuso sexual de criança), ponderando a perigosidade do agente.

Na determinação da extensão da proibição (note-se que o recorrente não discute a verificação dos pressupostos legais da sua aplicação) não se vislumbra qualquer fundamento para se considerar excessiva a pena acessória que o Coletivo julgador determinou para o arguido.

A extensão de 13 anos e 6 meses não vai para além do tempo em que se deve reconhecer a especial perigosidade do arguido (ela surge evidenciada pelas circunstâncias dos factos, enquanto se puder verificar um contexto de proximidade e contacto regular com menores por via do exercício da atividade profissional – por isso, deixará de se verificar se ultrapassada a idade de reforma do arguido). Isso mesmo ponderou o Coletivo, referindo-se ao “espaço laboral (seja como assistente educativo, seja como treinador de futsal)” como “campo para a sua actuação, naturalmente propiciando-a” para, perante isso, concluir que se justifica a aplicação da pena acessória.

Deverá ter-se presente que a pena acessória prevista no artigo 69º-B, nº 2, do Código Penal foi desenhada pelo legislador com o propósito de servir como ferramenta de prevenção de situações relacionadas com a perigosidade do agente, em face dos traços de personalidade do mesmo. Só isso justifica que a norma preveja como limite máximo de duração da proibição o tempo de 20 anos – estamos perante o fruto da constatação de algo óbvio: os traços de personalidade tendem a permanecer inalterados ao longo do percurso de vida adulta do indivíduo. Assinale-se que o máximo da moldura da pena de prisão correspondente aos crimes que podem determinar a aplicação da pena acessória não ultrapassa, em caso algum, os dez anos.

Por isso, é flagrantemente descabida a equivalência que o recorrente quer ver estabelecida entre a duração da pena única concretamente aplicada e o período de duração da proibição imposta como pena acessória.

O Tribunal a quo, com acerto, considerou que na fixação do período de proibição se impunha ponderar “as próprias circunstâncias que determinaram a pena principal”. Mas isso não conduz ao resultado pretendido pelo recorrente. A determinação do período de proibição efetuada pelo Tribunal a quo mostra-se equilibrada e, entre o mínimo de 5 anos e o máximo de 20 anos, revela-se como resposta rigorosa e estritamente necessária em face da gravidade dos factos, do grau de culpa do agente e da perigosidade revelada.

Não deverá, por isso, proceder a pretensão de redução da duração da pena acessória.

*

Nestes termos, ponderando tudo o que supra se expôs e tendo em atenção os parâmetros de controlo da fixação da medida concreta das penas pelo Tribunal de recurso, impõe-se concluir pela improcedência do recurso interposto pelo arguido, na parte que a isso se refere.

*

IV.4.3. DO QUANTUM DA INDEMNIZAÇÃO PARA REPARAÇÃO DAS VÍTIMAS.

Entende o recorrente que a decisão impugnada peca por excesso na determinação da indemnização fixada para reparação das vítimas, pugnando pela sua redução para um valor não superior a metade do que foi fixado, argumentando que se excedeu a gravidade dos factos, que os menores evidenciaram falta de interesse na obtenção de reparação patrimonial, porque se verifica a ausência de consequências negativas para os menores.

Apreciando:

Está em causa o arbitramento oficioso da quantia que foi fixada pelo tribunal recorrido, ao abrigo do disposto nos arts. 82º A do CPP e 16º nrs. 1 e 2 do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei nº 130/2015, de 4 de setembro.

Dispõe-se no art.º 16.º, n.º 1, do Estatuto da Vítima que a esta é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável, dizendo-se no n.º 2 do preceito que, para efeito da presente

lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.

Por sua vez, o art.º 82.º A, do Cód. Proc. Penal, sob a epígrafe de reparação da vítima em casos especiais, refere no seu n.º 1, que não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de proteção da vítima o imponham.

Quanto à determinação do quantum de indemnização, referiu-se com pleno acerto na decisão recorrida o seguinte:

“Debruçando-nos novamente sobre o caso concreto, importa salientar que estamos perante ofendidos no patamar da adolescência, entre os 14 e os 17 anos de idade, vítimas de diferentes tipos de crime, sendo, assim e face às suas idades, vítimas especialmente vulneráveis nos termos das normas legais supra enunciadas, não se descurando ainda a circunstância de figurarem como ofendidos, no tocante aos crimes de pornografia, a respeito de um crime violento em consonância com o preceituado no artigo 1.º, j) do Código de Processo Penal, o que impõe, por conseguinte e não tendo sido deduzido pedido de indemnização cível, que se lhe arbitre oficiosamente uma indemnização, de montantes, naturalmente distintos.

Concretizando o montante da indemnização a arbitrar, é de ter em atenção as necessárias sequelas psicológicas causadas aos ofendidos mercê de um adulto ter atentado, contra o seu são desenvolvimento, com especial enfoque na sua autodeterminação sexual, sendo de graduar o potencial efeito das condutas do arguido do mais grave para o menos grave: os crimes de pornografia na pessoa de BB, o abuso sexual de criança na pessoa de DD e os crimes de importunação sexual, nas pessoas de EE, FF, GG e HH (este último com a nota de que é ofendido em dois crimes).

Por outro lado, não se pode deixar de reter a fraca capacidade económica do arguido. Assim sendo, tudo sopesado, afigura-se ajustado arbitrar a favor dos ofendidos as seguintes quantias:

- BB - € 3500.00 (três mil e quinhentos euros); - DD - € 1 500.00 (mil e quinhentos euros);

- EE - € 1 000.00 (mil euros); - FF - € 1 000.00 (mil euros);

- GG - € 1 000.00 (mil euros); e

- HH - € 1 500.00 (mil e quinhentos euros).”.

A lei remete a fixação do montante indemnizatório pelos danos em causa para juízos de equidade, ponderando o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

Não há que chamar à colação para a respetiva determinação as normas relativas à responsabilidade civil extracontratual, visto que a sua atribuição não é regulada pela lei civil, mas de acordo com o disposto nos artigos 16º, do Estatuto da Vítima, aprovado pela Lei nº 130/2015, de 04/09, 67º-A e 82º-A, do CPP, sendo que estes se não reportam a uma verdadeira indemnização, mas à reparação dos prejuízos – uma vez que a quantia é tida em conta em ação que venha a conhecer o pedido civil de indemnização, de acordo com o nº 3, do mesmo artigo - figuras jurídicas não exatamente coincidentes, pelo que somos levados a concluir que, também neste caso, o que o legislador pretendeu foi a fixação de reparação, ainda que tenha utilizado de forma lata o termo “indemnização”, o que conduz a que seja calculada de acordo com a equidade – cfr. Ac. do STJ de 06/10/2011, Proc. nº 88/09.9PESNT.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.”, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26.02.2019, disponível em www.dgsi.pt.

A fixação da indemnização de acordo com a equidade significa que o seu valor é determinado considerando a culpa do agente, a sua situação económica e a situação económica do lesado, as especiais circunstâncias do caso, a gravidade do dano, etc., ou seja, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida

No caso, o elevado grau de culpa do arguido, ao contrário do por si sustentado, e a gravidade dos factos e consequências dos mesmos para os ofendidos – que o Tribunal a quo, com acerto, identificou como necessárias, já que as vítimas, pela sua idade à data dos factos, se achavam em processo de formação da sua personalidade, designadamente no domínio sexual, não podendo ignorar-se, como pretende o recorrente, que os factos causaram efetiva perturbação – não se coadunam com montantes de reparação como os sugeridos pelo recorrente (que persiste em fazer apelo a circunstâncias que não ficaram provadas, rectius, que se mostram excluídas pelos factos que se provaram).

Os factos praticados pelo arguido geraram dano relevantes na esfera jurídica dos ofendidos, constituindo grave atentado à sua liberdade de autodeterminação sexual, com necessárias consequências para o seu equilíbrio psíquico/emocional.

Em suma, não obstante a modesta condição económica do recorrente, os montantes de reparação fixados têm apoio legal e não podem ser qualificados como exagerados, termos em que nenhuma censura, também, nesta parte, nos merece a decisão recorrida, que será mantida.

*

V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes Desembargadores desta Relação em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, em confirmar a douta decisão recorrida nos seus precisos termos.

*

Tributação.

Condena-se o arguido no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC.

*

D.n., comunicando-se de imediato ao Tribunal a quo, com cópia desta decisão, para os efeitos legais, em face do disposto no artigo 215º, nº 6, do Código de Processo Penal.

*

O presente acórdão foi elaborado pelo Relator e por si integralmente revisto (art. 94º, n.º 2 do C.P.P.).

Évora, 10 de outubro de 2023

Jorge Antunes (Relator)

Maria Filomena Valido Viegas de Paula Soares (1ª Adjunta)

J. F. Moreira das Neves (2º Adjunto)

………………………………………………………………………………………………………………………………………………

1 Cfr. Acórdão do STJ de 19 de Dezembro de 1990, proferido no processo nº 41.327, in Maia Gonçalves “Código de Processo Penal, Anotado e Comentado”, 11ª edição, 1999, página 743

2 Decisão cuja publicação desconhecemos, mas que vem citada no Acórdão da Relação de Coimbra de 16.12.2015, este acessível em: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/400793bbc7326b6880257f220043499d?OpenDocument

3 Cfr. M. Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Vol. I, Lisboa/S. Paulo, Ed. Verbo, 1992, págs. 297 e 298.

4 Cfr. M. Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, Vol. II, pág. 30.

5 Cfr. Sérgio Poças “Da sentença penal – fundamentação de facto”, em Revista Julgar nº 3, pág. 38.

6 Acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20180521.html

7 A transposição dessa Diretiva fora iniciada anos antes, com a Lei nº 103/2015, de 24 de agosto, que introduziu alterações ao Código Penal.

8 Acessível em https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=celex%3A32011L0093

9 Para os efeitos da diretiva «Pornografia infantil» são: i) materiais que representem visualmente crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou ii) representações dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais, ………..iii) materiais que representem visualmente uma pessoa que aparente ser uma criança envolvida num comportamento sexualmente explícito, real ou simulado, ou representações dos órgãos sexuais de uma pessoa que aparente ser uma criança, para fins predominantemente sexuais, ou iv) imagens realistas de crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos ou imagens realistas dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais.”.

10 Assinada em Lanzarote em 25 de outubro de 2007, a Convenção do Conselho da Europa para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais foi aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 75/2012, de 28 de maio.

11 O Relatório Explicativo da Convenção do Conselho da Europa para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais, na versão portuguesa, está acessível em: https://dgpj.justica.gov.pt/Portals/31/Edi%E7%F5es%20DGPJ/REL_EXP.pdf

12 O acesso às versões da Diretiva noutras línguas comunitárias permite obter um maior rigor conceptual. Assim, vejam-se as versões:

Em castelhano: “e) «espectáculo pornográfico»: la exhibición en directo dirigida a un público, incluso por medio de las tecnologías de la información y la comunicación (…)”

Em inglês: ‘pornographic performance’ means a live exhibition aimed at an audience, including by means of information and communication technology, (…)

Em francês: “e) «spectacle pornographique»: l’exhibition en direct, pour un public, y compris au moyen des technologies de l’information et de la communication:

Em italiano: e) «spettacolo pornografico»: l’esibizione dal vivo, diretta a un pubblico, anche a mezzo di tecnologie dell’informazione e della comunicazione (…)”.

13 Cfr. Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 3ª edição, novembro 2015, pp. 685-686.

14 Aliás, da motivação exarada na decisão recorrida, resulta, com evidência, a emissão de um juízo probatório lógico, coerente, claro e conforme às regras da experiência comum, não se encontrando qualquer motivo para se afirmar que ocorreu desvio às regras de apreciação da prova. Revisitando essa passagem da decisão, ali encontramos, para além do mais, o seguinte:

“(…) Para prova dos factos constantes da acusação atendeu o Tribunal, em primeiro lugar, às próprias declarações do arguido que confessou a essencialidade dos factos que lhe eram imputados quanto às situações descritas nos factos provados 1. a 17., negando todas as demais.

Ainda que refutasse procurar obter qualquer prazer ou satisfação sexual, afirmando que está muito arrependido e que o que o moveu foi a curiosidade, o arguido descreveu com aparente sinceridade e credibilidade o essencial dos seus contactos com BB e com a pessoa identificada na rede social instagram como sendo CC, sem olvidar afirmar que o conteúdo das mensagens que recebeu destes era muito aliciante.

Quanto ao primeiro referiu que o conheceu numa aplicação para encontros entre pessoas do mesmo sexo – … – na qual as conversas mantidas, segundo o próprio, se atêm a um tema: sexo. Nessa aplicação reconhece ter mantido conversas de teor sexual com BB, negando saber, nessa ocasião, a idade do mesmo, e que, na sequência daquelas, BB forneceu o seu perfil de facebook e passaram a contactar-se através do Messenger desta rede social.

Esclarece que antes de pedir amizade a BB no facebook, visualizou as fotografias que o mesmo ali possuía no seu perfil público, por onde verificou que se tratava de pessoa com cerca de 15 / 16 anos de idade e, não obstante tal circunstância, reconhecendo que as conversas que iria ter com o mesmo seriam de igual teor às mantidas no … decidiu prosseguir o intento de se relacionar com o mesmo, por aquele meio. Mais refere que confirmou a idade de BB após ver as fotografias que este lhe enviou.

Não obstante tal conhecimento e confirmação da idade de BB, questionado, esclarece que efectuou mais do que uma videochamada com este, cada uma com duração de cerca de 5 / 6 minutos, no decurso das quais visualizava o menor a se masturbar e, simultaneamente, o arguido também se masturbava; além de referir que trocavam entre si fotografias (as denominadas nudes) do pénis de ambos e ainda do rabo despido de BB. Situações que ocorriam, segundo o arguido, a pedido do próprio e a pedido do menor. Confirma igualmente o teor das mensagens trocadas com BB.

(…)

No tocante ao perfil de instagram do utilizador CC, o arguido confirma igualmente o teor do libelo acusatório (factos provados 8. a 15.), designadamente que as fotografias que aquele possuía na indicada rede social representavam uma pessoa do sexo masculino que aparentava ter 15 / 16 anos de idade, que não conhecia, afirmando que só pretendia conhecer a pessoa, para falarem e que, primeiramente, não foi com desejo sexual, mas que a conversa depois despoletou para esse sentido.

Confirma que pediu uma ou duas vezes fotos e vídeos de CC, que este não chegou a enviar e que às vezes faziam videochamadas, onde confirmou que se tratava de jovem na faixa etária já referenciada e, apesar de relatar que as mesmas não tinham teor sexual, depois assume que o indivíduo identificado como CC exibia (e o arguido queria ver) o respectivo pénis.

Nega que tivesse ocorrido, neste particular, masturbação, quer do arguido, quer do menor, só exibição dos respectivos pénis, por dois / três minutos, pois nunca deu para acontecer, ou porque o arguido não queria ou porque “CC” não quis.

(…)

Não obstante este discurso e até a menção de que terá dito a CC para ter cuidado e não fazer determinados actos com adultos por ainda ser jovem [(?) enquanto, paradoxalmente, mantinha conversas de teor sexual explícito com o mesmo, fazia videochamadas para visualizar o pénis do menor e ainda pretendia que se masturbassem no decurso das mesmas], não conseguiu deixar de afirmar que as conversas dos dois jovens, BB e CC, também eram aliciantes - o que, naturalmente, revela que o arguido não consegue refrear o seu impulso sexual no que toca a jovens adolescentes do sexo masculino.

Daí que o Tribunal considere que o arguido prestou declarações com aparente credibilidade (no tocante ao acabado de expor), reportando-se aos factos constantes da acusação e ainda referindo outros que não constavam expressamente da mesma, como a confirmação de que também BB se masturbava nas videochamadas.”.

15 Em função da idade do atleta, o futsal costuma ser dividido nas seguintes categorias:

Sub-9 para atletas de 5 a 9 anos.

Sub-11 para atletas com até 11 anos.

Sub-13 para atletas com até 13 anos.

Sub-15 para atletas com até 15 anos.

Sub-17 para atletas com até 17 anos.

Sub-20 para atletas com até 20 anos.

Adulto para atletas de 21 a 39 anos.

Sênior para atletas a partir dos 40 anos.

16 Cfr. Ac. Do STJ de 27 de maio de 2009 – Relator: Conselheiro Raúl Borges; acessível em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/e11c50996991c5df802575f20052ae77?OpenDocument