Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
752/02-3
Relator: GAITO DAS NEVES
Descritores: PROMESSA DE COMPRA E VENDA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Data do Acordão: 12/12/2002
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO CÍVEL
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário:
I - Para que a declaração unilateral de resolução dum contrato seja válida é necessário que tal declaração (que tem natureza receptícia) seja anterior à prática do acto que é invocado como fundamento da resolução.

II - Relação mora versus resolução do contrato.
Decisão Texto Integral:
PROCESSO Nº 752/02-3
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
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A... , casado, agricultor, residente na Rua ..., nº ..., em ..., instaurou na Comarca de Évora a presente acção, com processo ordinário, contra

B ..., com sede na Rua do ..., nº ..., em ..., alegando:

O Autor celebrou com a Ré, em 03 de Janeiro de 1996, um contrato-promessa de compra e venda, tendo por objecto um prédio rústico, com a área de 138,7000 ha, sito na freguesia de ..., concelho de ..., composto de terreno de cultura arvense de sequeiro e regadio, com oliveiras, sobreiros, azinho e pomar, confrontando a norte com lote B da X, sul com ..., nascente com ... e poente com ...
Tal prédio rústico, constitui o lote C e resultou da divisão do prédio rústico denominado X, inscrito na matriz cadastral, sob o artigo ..., secção ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número ..., da aludida freguesia, encontrando-se o lote ainda omisso na matriz, tendo sido já requerido a sua inscrição.

Aos 03 de Janeiro de 1996, a Ré era titular dum contrato-promessa celebrado com os anteriores proprietários da X, tendo por objecto o lote C.
Veio, todavia a adquirir o prédio por escritura de 29 de Setembro de 1997.

No contrato-promessa celebrado entre Autor e Ré foi fixado o preço de 20.000.000$00, a liquidar no acto da escritura.

O Autor fez saber à Ré que pretendia celebrar a escritura referente ao lote C, tendo-a marcado para o dia 27 de Março de 1998. Como a Ré não forneceu ao Notário a acta da assembleia geral donde constasse a deliberação da venda do lote C, teve tal acto que ser adiado para o dia 09 de Abril de 1998, do que foi a Ré notificada. Mais lhe foi referido que, caso se verificasse novamente a falta de entrega do mencionado documento, tal seria interpretado como recusa da Ré em honrar o compromisso assumido no contrato-promessa.

A Ré não só não entregou o documento, como através de notificação judicial avulsa, de meados de Abril de 1998, comunicou ao Autor a sua recusa em cumprir o contrato-promessa e exigia a restituição do prédio, pois que o Autor havia entrado, imediatamente na sua posse, na data da celebração do contrato-promessa.

No contrato-promessa havia ficado estipulado que qualquer das partes poderia requerer a execução específica do mesmo, o que agora o Autor pretende.

O Autor já liquidou o respectivo imposto de sisa.

Termina pedindo que seja proferida sentença que produza os efeitos de declaração negocial de compra e venda, declarando-se adquirido a favor do Autor o aludido lote C, pelo preço de 20.000.000$00 e que seja ordenada a passagem imediata de guias para efeito do respectivo depósito à ordem do Tribunal.

Citada, contestou a Ré, alegando que não possuindo o quantitativo necessário para cumprir o contrato-promessa que havia celebrado com os anteriores proprietários da X, negociou com o Autor o lote C.
Acontece que o Autor não cumpriu os prazos para entrega do quantitativo acordado com a Ré, já que a escritura deveria ter sido marcada até ao dia 04 de Dezembro de 1977 ou, o mais tardar, até 11 de Fevereiro de 1998, por força da cláusula sexta do contrato-promessa que haviam subscrito.
Entrou, pois, o Autor (por lapso no Acórdão referia-se Réu) em mora e foi esta situação que fundamentou a resolução do contrato-promessa, por parte da Ré. Não poderá, consequentemente, pretender lançar mão da execução específica, pois que o contrato-promessa deixou de ter existência válida.

Termina, concluindo pela improcedência da acção.
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Foi proferido despacho saneador, que relegou para a decisão final a apreciação da excepção da resolução do contrato-promessa celebrado entre o Autor e a Ré, por parte desta.
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A folhas 117, a Ré apresentou o seu rol de testemunhas.

A folhas 148, a Ré apresentou um requerimento, com o seguinte teor: “... nos termos do art. 512 - A do C.P.C. aditar ao rol de testemunhas, a seguinte: C , residente em Évora, na Rua ..., nº ..., cuja audição é possível uma vez que deixou a gerência desta sociedade no passado dia 9 de Outubro, conforme fotocópia da acta que se junta”.

Por despacho de folhas 151, o Exmº Juiz admitiu o aditamento.

Não concordou o Autor com tal despacho, tendo interposto o respectivo recurso de agravo, onde formulou as seguintes CONCLUSÕES:

A - O sócio gerente da Ré C está impedido de intervir no processo como testemunha uma vez que nele pode intervir como parte.

B - A perda da qualidade de gerente em 9 de Outubro de 2000 é irrelevante uma vez que os factos submetidos a juízo ocorreram em data anterior, em que a testemunha ora arrolada era sócio gerente e é sobre estes factos que trata a BI.

C - A deliberação da Ré de 9 de Outubro de 2000, não se encontra registada, pelo que não é oponível a terceiros, nomeadamente ao ora Autor.

D - O despacho recorrido viola o disposto no artº 617º do CP Civil.

E - A Ré litiga com má-fé processual e como tal deve ser condenada.

Deve o despacho ser revogado.

Contra-alegou a Ré, concluindo pela improcedência do recurso.
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O Exmº Juiz proferiu despacho sustentando a sua posição.
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Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento.

Na Primeira Instância foram dados como provados os seguintes factos:

1 - O Autor e a Ré celebraram em 03 de Janeiro de 1996, um contrato-promessa de compra e venda tendo como objecto o prédio rústico com a área de ..., sito na freguesia de ..., em ... composto por terreno de cultura arvorense de sequeiro e de regadio, com oliveiras, sobreiros, azinho e pomar, a confrontar a Norte com o lote “B” da X; a Sul com ...; a Nascente com a ... e a poente com a ...

2 - Esse prédio constitui o lote “C” e resultou da divisão do prédio rústico denominado X, sito na freguesia de ..., o qual se encontra inscrito na matriz cadastral, sob o nº ... da secção ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora, sob o nº ... da mesma freguesia.

3 - O prédio referido em 1 encontra-se inscrito a favor da Ré, como se constata da descrição existente na Conservatória do Registo Predial de Évora, sob a ficha nº ... da freguesia de ... encontrando-se omisso na respectiva matriz cadastral.

4 - A Ré adquiriu a propriedade do prédio indicado em 1, em 29.09.97, através de escritura pública de compra e venda celebrada no Cartório Notarial de ...

5 - Na data da celebração do contrato-promessa referido em 1, a Ré era titular de um contrato-promessa de compra e venda sobre o referido lote “C” da Herdade X, celebrado em 07.12.95, com os anteriores proprietários dessa Herdade.

6 - A Ré prometeu vender ao Autor o prédio indicado em 1 pelo preço de 20.000.000$00 a liquidar no acto da escritura notarial de compra e venda.

7 - Autor e Ré acordaram entre si que o pagamento dessa quantia seria efectuado por recurso ao crédito PAR, a que o Autor tinha direito por ser proprietário de um prédio confinante com o prédio objecto do contrato.

8 - O legal representante da Ré obrigou-se perante o Autor a fornecer toda a documentação necessária e a obter a assinatura da proposta da concessão de crédito PAR, a favor do Autor, no prazo de 90 dias a contar da data da celebração do contrato indicado em 1 (cláusula quinta).

9 - Decorridos esses 90 dias, a Ré não forneceu essa documentação.

10 - A escritura de compra e venda do lote “C” seria realizada em dia e hora a designar de acordo com o IFADAP e a instituição de crédito que iam financiar o Autor no âmbito do crédito PAR (cláusula quinta).

11 - E em caso de indeferimento do pedido de financiamento no âmbito do crédito PAR, a escritura realizar-se-ia em dia, hora e local a designar pelo Autor, no prazo máximo de 60 dias após lhe ter sido comunicado tal indeferimento (cláusula sexta).

12 - Na sequência do contrato-promessa o Autor entrou imediatamente na posse do prédio rústico prometido vender.

13 - No contrato em questão foi estipulado que qualquer das partes poderia requerer a execução específica do mesmo (cláusula 12).

14 - Por notificação judicial avulsa recebida pelo Autor em meados de Abril de 1998, a Ré vem recusar a celebração do contrato prometido e reclamar a devolução do prédio.

15 - Como fundamento para a resolução do contrato, a Ré invocava que estavam excedidos os prazos estipulados para a celebração da escritura, sem que esta se mostrasse realizada e sem que tivesse sido paga qualquer importância relativa ao preço, tendo por isso ela Ré perdido o interesse na venda do prédio.

16 - Por escritura pública datada de 11.11.97, o Autor vendeu a Herdade ..., sua propriedade confinante com o Lote “C”, por 90.000.000$00.

17 - Posteriormente à celebração do contrato-promessa, o Autor manifestou por diversas vezes, junto da Ré, o seu interesse na realização do negócio.

18 - A partir do momento referido em 16, o Autor deixou de reunir possibilidades de aceder ao crédito PAR.

19 - O Autor informou o legal representante da Ré, da impossibilidade de aceder ao crédito PAR.

20 - E comunicou a marcação da escritura de compra e venda prometida para o dia 27.03.98, no 2º Cartório Notarial de Évora.

21 - A Ré fez chegar ao Autor diversos documentos de identificação para a escritura.

22 - Nessa data a escritura de compra e venda não se realizou por a Ré se ter recusado e porque, entretanto, perdera o interesse na concretização do negócio, tal qual resulta do requerimento para notificação judicial avulsa, com data de 26.03.98, constante a fls. 37 e 38 dos autos, não obstante tal facto não ser ainda conhecido do Autor.

23 - O Autor enviou à Ré e esta recebeu a carta de fls. 36, na qual informava que a escritura de compra e venda ficava aprazada para o dia 09.04.98, pelas 10 horas, no 2º Cartório Notarial de Évora.

24 - Na nova data, a realização da escritura ficou inviabilizada pelos mesmos motivos já referidos em 22.

25 - Após a celebração do contrato indicado em 1, o Autor apresentou à Ré, formulário para formalização do pedido de crédito PAR.

26 - A Ré assinou esse formulário.

27 - O Autor comunicou à Ré que o IFADAP exigia que o formulário de candidatura ao crédito PAR fosse assinado pelos então proprietários da Herdade X.

28 - A Ré tentou obter junto dos então proprietários da referida Herdade, a assinatura do dito formulário.

29 - Os anteriores proprietários da Herdade X, recusaram-se a assinar esse formulário por o sogro do Autor ainda não ter pago as rendas devidas pelo arrendamento dos lotes “A” e “B” da referida Herdade.

30 - Após o falecimento do sogro, o Autor só veio a liquidar essas rendas em 29.09.97 no Cartório Notarial de ..., aquando da realização da escritura de compra da referida Herdade pela Ré.

31 - Os factos referidos em 29 e 30 impossibilitaram a celebração da escritura prometida dentro dos prazos estabelecidos no contrato-promessa.

32 - Para além dos factos assentes em 19 e 20, nada mais foi comunicado pelo Autor à Ré.

33 - Face à demora na concretização do negócio prometido com o Autor, a Ré viu-se obrigada a recorrer ao crédito bancário para pagar a totalidade do preço da Herdade X aos antigos donos.

34 - Situação ultrapassada em Março de 1998, quando o sócio ... lhe disponibilizou vinte mil contos por conta do pagamento da sua parte do preço na Herdade X.
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Perante a descrita factualidade, na Primeira Instância foi julgada:

A - Improcedente a excepção peremptória de resolução do contrato-promessa invocado pela Ré.

B - Julgada procedente a execução específica e, assim, substituindo a declaração negocial da Ré (B), declarou transferida por esta última para o Autor (A) o respectivo direito de propriedade relativamente ao prédio rústico lote “C” da Herdade X, com a área de ...ha, pelo preço de 20.000.000$00, que se encontram depositados nos autos.
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Com tal decisão não concordou a Ré, tendo interposto o respectivo recurso, no qual formulou as seguintes CONCLUSÕES:

1 - A invocação pela Ré, na contestação, da resolução do contrato promessa identificado nos autos, por perda do interesse na respectiva celebração, constitui defesa por excepção peremptória.

2 - Não tendo o Autor respondido à contestação, deveriam ter-se dado como assentes os factos em que a Ré fundara aquela resolução.

3 - O despacho exarado na acta de fls. 183/185 indeferiu, parcialmente, a reclamação da Ré no sentido de que se deveriam dar como assentes os factos dos art.s 3º a 30º, 32º a 48º e 50º a 73º da contestação fundamentando-se que a matéria relativa à resolução se deveria considerar impugnada antecipadamente face ao conteúdo da petição inicial.

4 - A matéria de excepção deve ser impugnada na réplica, não existindo o instituto da impugnação antecipada dos factos alegados na contestação, pelo que, e sendo evidente que os referidos factos são essenciais para a decisão da causa, não poderá manter-se a decisão que julgou improcedente a reclamação.

5 - O despacho exarado na acta de fls. 183/185, que ora se impugna, fez errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 488º, 490º, 502º, nº 1, 505º e 511º, nº 1, do CPC, os quais deverão ser interpretados e aplicados nos termos propugnados nas alegações e nestas conclusões, por forma a que sejam dados como assentes os factos referidos no supra nº 3, com as legais consequências, quais sejam as de que a acção seja julgada improcedente.

6 - O Autor não impugnou de forma alguma a resolução do contrato-promessa operada pela Ré através da notificação geral avulsa documentada nos autos.

7 - A resolução operou, pois, os seus efeitos ex tunc, não sendo possível pedir e conseguir a execução específica de um contrato resolvido, pelo que se impunha, por tal razão, se outra não houvesse, a improcedência da acção.

8 - Mesmo admitindo que se poderá apurar a legalidade da resolução operada pela Ré, o certo é que os factos dados como provados demonstram que o Autor incumpriu o contrato-promessa, justificando aquela resolução.

9 - A cláusula 6ª do contrato-promessa deve ser interpretada no sentido de que o Autor deveria ter providenciado pela marcação e efectivação da escritura no prazo de 60 dias contados a partir do momento em que, por ter vendido o prédio confinante com o lote prometido vender, deixou de poder beneficiar do crédito PAR.

10 - É essa a interpretação que qualquer declaratário normal faria do contrato e da respectiva cláusula 6ª, colocado perante a situação do que sucederia caso o Autor, por facto seu, deixasse de poder recorrer ao crédito PAR.

11 - Ultrapassado aquele prazo e porque contava com o preço da prometida compra e venda para pagar o relativo à Herdade X, a Ré teve que recorrer ao crédito bancário e perdeu interesse no contrato prometido.

12 - Foi, pois, justificada e eficaz a resolução operada antes da data que o Autor designou para a escritura.

13 - A sentença recorrida violou, assim, por erro de interpretação e de aplicação o disposto nos art.s 236º, nº 1, 237º, nº 2, 434º, nº 1, 801º, nº 2 do CC, os quais deverão ser interpretados e aplicados nos termos propugnados nas alegações e nestas conclusões.
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Contra-alegou o Apelado, concluindo pela improcedência do recurso.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Nos termos do artigo 710º, nº 1, do Código de Processo Civil: “A apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela ordem da sua interposição; mas os agravos interpostos pelo apelado que interessem à decisão da causa só são apreciados se a sentença não for confirmada”.
Assim sendo, apreciemos, em primeiro lugar, o recurso de Apelação.
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As conclusões de recurso limitam o objecto do mesmo - artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil.
São as seguintes as questões suscitadas:
A - Serem considerados como assentes os factos constantes nos números 3 a 30; 32 a 48; 50 a 73 da contestação.
B - A resolução do contrato-promessa feita através de notificação judicial avulsa e seu reflexo no pedido de execução específica do contrato-promessa.
C - Interpretação da Cláusula Sexta do contrato-promessa.
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Se atentarmos ao preâmbulo do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, lemos: “Ainda em matéria de contestação, por razões de clareza e em concretização do princípio da boa-fé processual, estabeleceu-se que o réu deverá deduzir especificada e discriminadamente a matéria relativa às excepções deduzidas e formular, a final, e em correspectividade com a exigência formal de dedução do pedido que é feita ao autor, as conclusões da sua defesa, sendo maleabilizado o ónus de impugnação especificada, de forma que a verdade processual reproduza a verdade material subjacente”.
E, no seguimento de tal posição, o artigo 488º, do Código de Processo Civil, passou a ter a seguinte redacção: “Na contestação deve o réu individualizar a acção e expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor, especificando separadamente as excepções que deduza”.

Atentando à contestação, logo constatamos que a Ré incumpriu tal disposição legal.

Por outro lado, o Juiz deve seleccionar entre os factos alegados, aqueles que já considera assentes e incluir na base instrutória aqueles que forem controvertidos e que sejam relevantes “para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito” - artigo 511º, do mesmo Diploma.

Apresentada que foi a reclamação, o Exmº Juiz acedeu em incluir na base instrutória alguns dos factos que entendeu poderem ser pertinentes. Quanto aos restantes, todavia, considerou-os irrelevantes.

Ponderada a situação, teremos que concluir como decidido foi na Primeira Instância. Os factos seleccionados são aqueles que na realidade interessam para a solução da causa. Os outros serão circunstanciais e muitos deles referindo-se a uma terceira pessoa pois que, embora sogro do Autor, nunca foi parte na causa.
Não se pretenda retirar qualquer ilação duma expressão utilizada pelo Exmº Juiz quando indeferiu a reclamação quanto ao deverem ser considerados assentes os factos constantes dos artigos 3º a 30º, 32º a 48º e 50 a 73º: “alguns deles estão antecipadamente impugnados face ao conteúdo da petição inicial” - conf. fls. 183. O Que o Exmº Juiz pretendeu, mais não foi, do que dizer que os factos alegados na contestação impugnam os que já haviam sido apresentados na petição inicial e, como tal, não teriam que voltar a ser postos em causa numa eventual réplica.

Debrucemo-nos sobre o caso em análise, atentando aos factos tidos como assentes, mas tão somente no que é de essencial.

Primeiro Ponto - Aos 07 de Dezembro de 1995, a Ré havia subscrito um contrato pelo qual prometera comprar e o outro outorgante prometido vender, o Lote C, que é objecto dos presentes autos;

Segundo Ponto - Em 03 de Janeiro de 1996, a Ré e o Autor celebraram um contrato pelo qual a primeira prometia vender ao segundo e este comprar, o Lote C, ficando assente que o respectivo preço seria liquidado no acto da escritura;

Terceiro Ponto - Em 29 de Setembro de 1997, a Ré, mediante escritura pública, formalizou a compra do Lote C;

Quarto Ponto - O Autor tinha direito de recorrer ao crédito PAR, por ser proprietário de um prédio confinante com o Lote C.

Quinto Ponto - Por força do direito mencionado no Ponto Quarto, o Autor e a Ré acordaram que o pagamento do preço do Lote C seria efectuado pelo recurso ao crédito PAR;

Sexto Ponto - No prazo de 90 dias a contar da assinatura do contrato-promessa, a Ré tinha que entregar ao Autor toda a documentação necessária e a obter a assinatura da proposta de concessão de crédito pelo “Crédito PAR”;

Sétimo Ponto - E, por isso, na cláusula quinta do contrato-promessa referido no Segundo Ponto, ficou exarado: “A escritura pública de compra e venda será realizada em dia hora e local a designar de acordo com o IFADAP e a instituição de crédito que vão financiar o Terceiro Outorgante (ora Autor) no âmbito do Crédito PAR;

Oitavo Ponto - Porém, a Ré não entregou a documentação mencionada no Sétimo Ponto.

Nono Ponto - Prevendo a hipótese de indeferimento do crédito PAR, ficou exarada, no contrato-promessa, a cláusula sexta: “Em caso de indeferimento do pedido de financiamento no âmbito do crédito PAR, a escritura realizar-se-á em dia, hora e local a designar pelo Terceiro Outorgante (ora Autor) no prazo máximo de sessenta dias após lhe te sido comunicado tal indeferimento”;

Décimo Ponto - Aos 11 de Novembro de 1997, o Autor vendeu a propriedade que confinava com o Lote C;

Décimo Primeiro Ponto - E a venda referida no Décimo Ponto impossibilitava o recurso ao crédito PAR;

Décimo Segundo Ponto - Tendo o Autor informado a Ré da impossibilidade aludida no Décimo Primeiro Ponto;

Décimo Terceiro Ponto - O Autor marcou a escritura de compra e venda do Lote C, para o dia 27 de Março de 1998 e, como não foi possível celebrá-la, foi designado o dia 09 de Abril de 1998;

Décimo Quarto Ponto - Todavia, aos 26 de Março de 1998, deu entrada em Juízo um requerimento apresentado pela Ré, onde pedia a notificação judicial do Autor dando-lhe conhecimento que por estarem ultrapassados os prazos para a realização da escritura de compra e venda e por não ter sido ainda liquidada qualquer importância do preço estipulado, a promitente vendedora dava por resolvido o contrato-promessa;

Décimo Quinto Ponto - E, na sequência do mencionado no Décimo Quarto Ponto, a Ré recusou-se a celebrar as escrituras referidas no Décimo Terceiro Ponto;

A Apelante pretende alicerçar toda a sua construção jurídica na resolução do contrato-promessa que havia celebrado com o Apelado. Porém, adiante-se desde já, nenhuma razão lhe assiste.
Para que a resolução pudesse ter alguma viabilidade, necessário seria que a mesma tivesse sido comunicada à outra parte antes desta ter praticado os actos que a resolução invocam como motivo. Ora, quando o Apelado recebe a notificação judicial avulsa, em meados de Abril, verificamos que antes já havia marcado, por duas vezes, a escritura de compra e venda a que faltou a ora Apelante. E, não pode deixar de estranhar-se que só seja pedida a Tribunal a notificação judicial do Promitente-Comprador precisamente na véspera da data inicialmente aprazada para a realização da escritura.
Mas, atentemos na posição de Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 7ª ed., pags. 460-461, referenciado pela Apelante nas suas alegações: “operando a resolução extrajudicial do contrato, em caso de litígio, o tribunal será chamado, não a decretar a resolução mas a verificar se ela juridicamente se deu, isto é, se se reuniam as condições necessárias para o credor poder romper o contrato por sua vontade unilateral”.
Desde logo e repetindo, a notificação judicial da resolução só chegou ao conhecimento do Autor, quando este já havia diligenciado, por duas vezes, em marcar a escritura e quem faltou foi a Apelante. Ora, a declaração unilateral da resolução tem que ser receptícia - artigo 436º, do Código Civil
Dois são os motivos invocados para a resolução do contrato-promessa e que determinaram a perda de todo e qualquer interesse no negócio por parte da Prometente-Vendedora:

A - Incumprimento por parte do Promitente-Comprador quanto ao prazo de marcação da escritura ou, pelo menos, incorrido em mora;

B - Não ter sido paga qualquer importância do preço estipulado;

Se atentarmos ao disposto no artigo 801º, do Código Civil, não poderemos dizer que a prestação por parte do Promitente-Comprador se tornou impossível. Bem pelo contrário, ele deseja cumpri-la;
Mas esteve durante um período em mora. Será que tal situação motiva, sem mais, a resolução do contrato? Haverá que atentar ao que dispõe o artigo 808º, do Código Civil:
Nº 1 - Se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ..., considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.
Nº 2 - A perda do interesse na prestação é apreciada objectivamente”.

Não poderá objectivamente dizer-se que, devido à mora, a Apelante perdeu interesse na realização do negócio. Desde logo, por só ter diligenciado resolver o contrato, após a demonstração inequívoca por parte do Promitente-Comprador em celebrar a escritura pública. Será impensável que a Apelante, no momento em que entregou o requerimento de notificação judicial, não soubesse que a escritura estava marcada para o dia seguinte...
Por outro lado, nunca poderia invocar como argumento ainda nada ter recebido do preço estipulado. É que no contrato-promessa constava que o preço só seria liquidado no acto da escritura.

Voltando a citar Galvão Telles nas suas Obrigações, não basta que o credor diga que a prestação já não lhe interessa. Há que ver, em face das circunstâncias se a perda de interesse corresponde à realidade das coisas.

Vendo a situação por outro prisma, com que deparamos?
Em 03 de Janeiro de 1996, foi assinado o contrato-promessa. Teria a Apelante de fornecer ao Autor a documentação necessária à concessão do crédito PAR e posterior marcação da escritura, até ao dia 05 de Abril de 1996.
Nunca o fez, até ao dia 11.11.97 (data em que o Autor perdeu a possibilidade de recorrer a tal crédito, por ter vendido a propriedade confinante). Decorreu um ano, sete meses e seis dias. E durante tal período, sempre o Autor disse que continuava interessado no negócio.

Perdendo o Autor direito de recorrer ao crédito PAR, teria que marcar a escritura no prazo de 60 dias, isto é, até ao dia 11 de Janeiro de 1998. Marcou-a para o dia 27 de Março de 1998, informou a Apelante de tal data, a Promitente-Vendedora aceitou-a, tanto assim que entregou ao Promitente-Comprador diversos documentos necessários à celebração da escritura (logo, se tal aconteceu, é porque antes ainda não lhos tinha entregue). Decorreram só dois meses e dezasseis dias. Ora perde interesse na véspera...

Mas, atentemos ainda mais profundamente no requerimento de notificação judicial avulsa de resolução do contrato-promessa. Nele se diz que a ora Apelante perdeu interesse no negócio, pois que conseguiu resolver as suas necessidades financeiras. Conjugando esta situação com o alegado na contestação, verificamos que os sócios da Apelante não dispunham da totalidade do dinheiro para pagarem a propriedade aos seus anteriores donos.

Não pretendendo, minimamente, por em causa os factos dados como assentes sobre os números 33 e 34, não poderemos é deixar de compará-los com a documentação junta aos autos. Vejamos:

Analisando o contrato-promessa celebrado entre os anteriores proprietários da Herdade X e F1..., F2... e F3, este intervindo na qualidade de legal representante da Herdade X, ora Ré-Apelante, constatamos:
Que F1 ficaria com o Lote A, pelo preço de 35.000.000$00;
Que F2 ficaria com o Lote B, pelo preço de 35.000.000$00;
Que a ora Apelante X ficaria com o Lote C, pelo preço de 20.000.000$00.

E do mesmo contrato consta que O PREÇO DOS 90.000.000$00 FICAVA, DESDE LOGO, INTEGRALMENTE PAGO, “NA PROPORÇÃO REFERIDA”.

Continuando a analisar a documentação junta, encontramos uma escritura de Fraccionamento (na propriedade nos Lotes A, B e C), Compra e Venda e Hipoteca, lavrada aos 29 de Setembro de 1997, pela qual constatamos que são concretizadas as vendas anteriormente prometidas. E mais se observa que novamente se refere estarem os preços integralmente pagos.

Embora assim, que o IFADAP concederia a F1 um crédito, pelo que esta constituiu a favor do Financiante a hipoteca voluntária do Lote A; E que o mesmo IFADAP concederia também um crédito a F2, pelo que este igualmente hipotecava voluntariamente a favor do Financiante o Lote B.

Mas já nada encontramos relacionado com qualquer crédito concedido a favor da Apelante X tendo por base o Lote C e só este nos interessa. Se F1 e F2 necessitavam de dinheiro para solver compromissos pessoais, não o poderiam fazer à custa do Lote C que pertencia a um terceiro, a ora Apelante X! (Por assim ser, até se verifica a razão que levou o Exmº Juiz a não considerar a alegação dos factos referentes a empréstimos. Eram irrelevantes para a decisão da causa... e o mesmo se poderia dizer de ter a Apelante liquidado o preço com verbas referentes ao I.V.A. e depois ter sofrido as consequências respectivas... ou de no número 4 da contestação ser alegado que o contrato promessa celebrado entre a Apelante e o Apelado ser anterior ao celebrado entre a Apelante e os anteriores proprietários, quando aquele data de 03 de Janeiro de 1996 e este de 07 de Dezembro de 1995!).

DECISÃO

Atentando em tudo quanto se procurou deixar esclarecido, acorda-se nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirma-se integralmente a decisão proferida na Primeira Instância.

Em consequência do decidido, não haverá motivo para apreciarmos o recurso de Agravo interposto pelo Autor.

Custas pela Apelante.
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Évora 12.12.2002