Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
308/16. 3 T9STB.E1
Relator: MARIA LEONOR BOTELHO
Descritores: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
RECUSA DE LIVRO DE RECLAMAÇÕES
NOTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 10/11/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I – O facto dos gerentes da arguida se recusarem a assinar as notificações que lhes foram feitas pessoalmente, enquanto representantes daquela, não pode impedir que a mesma se considere regularmente notificada, nos termos considerados na sentença recorrida, já que o alegado desconhecimento do teor integral das notificações pessoais em causa apenas àqueles é imputável.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
*
*
I – RELATÓRIO
1. 1. – Decisão Recorrida
“P---, Lda.,” impugnou judicialmente a decisão da ASAE -Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, proferida no processo de contra-ordenação n.º 495/12.0EAEVR, que a condenou no pagamento de uma coima no valor de 15.000,00 € (quinze mil euros), pugnando pela sua absolvição.

A infracção em causa consistia no facto de, em 01.01.2012, a arguida/recorrente se ter recusado a apresentar o livro de reclamações quando tal lhe foi solicitado por um cliente, apenas vindo a fazê-lo depois de ter sido chamada ao local e ali comparecido a GNR (artºs 3º, nºs 1, alínea b), e 4, e 9º, nºs 1, alínea a), e 3, do Dec.-Lei nº 156/2005, de 15 de Setembro).

Apreciada a impugnação e realizado o julgamento na Secção de Competência Genérica – J1 da Instância Local de Santiago do Cacém do Tribunal da Comarca de Setúbal, foi, em 14.06.2016, proferida sentença que negou provimento ao recurso, mantendo integralmente a decisão administrativa recorrida.

No seguimento do requerido pelo Ministério Público, por despacho de 27.07.2016, já transitado em julgado, foi atribuída natureza urgente aos presentes autos, ao abrigo do disposto no artº 103º, nº 2, alínea f), do C.P.P., atenta a proximidade do termo do prazo prescricional do procedimento contra-ordenacional (cfr. fls 198).
*
1. 2. – Recurso
1.2.1. – Inconformada com a decisão do Tribunal de 1ª instância, vem a arguida interpor o presente recurso para este Tribunal da Relação de Évora, tendo apresentado as seguintes conclusões:

« CONCLUSÕES:
I - O presente recurso é interposto da decisão do Tribunal de 1ª Instância que julgou totalmente improcedente o recurso interposto pela recorrente da decisão administrativa, mantendo-a, sendo que tal decisão administrativa, proferida pela ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, condenou a arguida no pagamento da quantia de € 15.000,00 a título de coima pela alegada prática de contra-ordenação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei 156/2005, de 15 de Setembro, conjugado com o n.º 4 do mesmo artigo – não entrega imediata do livro de reclamações – não se conformando a recorrente com a decisão, quer de facto, por erro notório na apreciação da prova, quer de Direito;

II - O Tribunal a quo deu como provados factos que de forma alguma o foram, pois a alegada prova dos mesmos efectivamente não existiu;

III – Foram também alegados factos pela arguida cuja ponderação é essencial para a medida da coima e/ou sua substituição por admoestação, matéria essa que o Tribunal sequer conheceu como tinha a obrigação de fazer, o que importa a nulidade da sentença, que se invoca;

IV – Em 45º (conclusão XXII) da impugnação judicial a arguida alegou que não tem já actividade, prova que foi feita, sendo tal facto essencial atendendo aos critérios de determinação da medida da coima estabelecidos no artigo 18.º, n.º 1 do RGCO;

V - Sobre a situação económica da arguida o Tribunal não se pronunciou na matéria de facto, já que não considerou tal facto como provado ou como não provado; o Tribunal tinha a obrigação de pronunciar-se, pelo que, não o tendo feito, infirmou a sentença do vício de nulidade, que ora se invoca;

VI - Foi alegado em 25º (conclusão X) da impugnação judicial que o bar tinha autorização para estar em funcionamento até às 4 horas da madrugada, encontrando-se tal facto documentalmente demonstrado e sendo essencial, pois ainda que fossem verdadeiras, sempre as condutas imputadas à arguida se teriam passado já após a autorização de funcionamento do bar;

VII – Tal matéria é fundamental para efeitos de determinação da culpa, da gravidade e do benefício económico retirado pela infracção, elementos que igualmente são essenciais na ponderação de aplicação da admoestação prevista no artigo 51.º do RGCO; o Tribunal não se pronunciou sobre tais factos, tendo a obrigação de incluir tal matéria na decisão de facto ou, pelo menos, pronunciar-se sobre a mesma, omissão que igualmente importa a nulidade da sentença, que se invoca;

VIII - Não foi feita nos autos qualquer prova de que pelas 04:30 horas um cliente solicitou a entrega do livro de reclamações aos funcionários presentes e que tal não lhe foi facultado, sendo que os elementos em que o Tribunal funda o seu Juízo não são suficientes para demonstrá-lo;

IX – O Tribunal deu tais factos como provados sustentando a sua decisão no testemunho de PC, quando os factos por este reportados se referiam a uma reclamação apresentada por “rapaz alto e magrinho”, sendo por isso evidente que as declarações da testemunha não se reportaram à reclamação apresentada na folha n.º 5604829, já que esta foi assinada por uma mulher, de nacionalidade brasileira;

X - A consideração de que os mencionados documentos se auto-comprovam, a desconsideração das declarações das testemunhas AF e Inês e a utilização do depoimento da testemunha PC como prova fundamental dos factos constantes nos demais elementos, constitui um erro notório na apreciação da prova;

XI - Cometendo um erro notório na apreciação da prova, o Tribunal deu como provado em 2 e 4 de factos provados que foi solicitado a entrega do livro de reclamações aos funcionários presentes e que tal livro não foi facultado, de forma livre e deliberada; tais factos não resultaram provados, devendo por isso a decisão sobre a matéria de facto ser revogada quanto aos mesmos;

XII – Não existe qualquer prova, produzida em audiência de julgamento, do facto vertido em 6 dos factos provados, o qual não consta da decisão administrativa impugnada e é falso; a sua inclusão no rol de factos provados se tratou de um erro notório, que igualmente se invoca, devendo o julgamento de tal facto ser revogado também quanto a tal matéria;

XIII – A reapreciação do julgamento da matéria de facto, nos termos supra expostos, importa a absolvição da arguida;

XIV – Ao contrário do que consta da decisão recorrida, o procedimento contra-ordenacional objecto dos autos há muito que se encontra prescrito, prescrevendo decorridos três anos sobre a alegada prática dos factos em causa;

XV - Para que os factos referidos em 6 e 7 de factos provados relevassem para efeitos de interrupção da prescrição, como o pretende o Tribunal recorrido, necessário seria que se encontrasse provado ter sido dado conhecimento à arguida do conteúdo da notificação ou, pelo menos, ter sido dado conhecimento de a que se referia tal carta, o que não se encontra provado;

XVI - Desconhecendo a que se refere a notificação, não pode considerar-se que, recusando-se a recebê-la, a arguida tenha renunciado ao exercício do direito de defesa, como não pode concluir-se que o acto de recusa constitui qualquer expediente “dilatório” ou “reprovável”, com vista a alcançar a prescrição, conforme consta da decisão recorrida;

XVII - Tal alegada recusa constante no facto 7 já constava da decisão administrativa mas em sede de sentença o Tribunal aditou em 7 dos factos provados que a recusa ocorreu “quando informado da entidade que remetia o ofício”; tal não é verdade e não resulta de qualquer prova produzida em sede de audiência;

XVIII - Ainda assim, o mero conhecimento da entidade que remete o ofício não é suficiente para considerar-se que uma notificação é susceptível de interromper a prescrição;

XIX - Não existiu qualquer notificação para o exercício do direito de defesa, pelo que a alegada notificação é inválida, com a consequente nulidade de todo o processado posteriormente, conforme se invocou e novamente se invoca;

XX – Foi, pois, incorrecta a decisão de considerar improcedente a excepção de prescrição invocada, pelo que tal decisão deve ser revogada, julgando-se procedente a referida excepção;

XXI - Estão cumpridos todos os requisitos para a aplicação à arguida da sanção de admoestação a que se refere o artigo 51.º do RGCO;

XXII – Nos presentes autos está em causa o exercício irresponsável do direito de reclamação, o que é manifestamente contrário à boa-fé e constitui por si só abuso de direito;

XXIII - Os factos em causa nos autos referem-se a uma hora posterior à hora de encerramento do estabelecimento comercial, o que reduz significativamente a gravidade da infracção e a culpa da arguida porquanto, mesmo que os factos se tivessem verificado, seria legítima a dúvida sobre se o cliente tem o direito de solicitar o livro de reclamações mesmo após o encerramento do estabelecimento;

XXIV - A arguida já não tem qualquer actividade, pelo que não existe qualquer necessidade de prevenção especial a acautelar;

XXV – Está ainda provado que o livro de reclamações foi disponibilizado;

XXVI – A conduta da arguida, ainda que se tivesse verificado, sempre deveria qualificar-se, pois, como de reduzida gravidade, o mesmo acontecendo com a culpa do agente, em especial considerando ainda que a arguida não tem quaisquer antecedentes contra-ordenacionais;

XXVII - Mal esteve o Tribunal a quo ao decidir pela não aplicação da sanção de admoestação, decisão que estamos seguros será revogada por esse superior Tribunal, que a aplicará.

XXVIII - Da leitura da decisão administrativa, como da sentença, resulta que a condenação da arguida foi, por manifesta falta de prova concreta, assente em factos genéricos e vagos;

XXIX - O artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do RGCO impõe que da decisão administrativa conste a descrição dos factos imputados, norma que claramente se reporta à descrição concreta dos factos, não a factos vagos e genéricos, imposição que igualmente acontece no artigo 283.º, n.º 3, alínea b) do Código de Processo Penal;

XXX - A falta de narração dos factos concretos na decisão administrativa impugnada constitui nulidade que se invoca; o não apuramento dos factos concretos imputados à arguida tem que importar a sua absolvição em sede de decisão judicial;

XXXI - É inconstitucional, por violação do princípio constitucional da proporcionalidade, a norma extraída da conjugação dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 e 9.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, todos do DL 156/2005, de 15 de Setembro, quando interpretada no sentido de sancionar com coima mínima de € 15.000,00 as pessoas colectivas fornecedoras de bens e prestadoras de serviços que recusam facultar imediata e gratuitamente, o livro de reclamações aos utentes sempre que por estes tal lhes seja solicitado, quando tal recusa cesse após intervenção da autoridade policial;

XXXII - Ao decidir como decidiu, o Tribunal de 1.ª Instância violou o princípio da proporcionalidade estabelecido no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa;

XXXIII - Em face do exposto, devem julgar-se procedentes as invocadas nulidades da sentença, com todas as consequências legais; deve julgar-se procedente a excepção de prescrição do procedimento contra-ordenacional, com todos os efeitos legais; caso assim não se entenda, deve, por ter existido erro notório na apreciação da prova, revogar-se a decisão quanto ao julgamento da matéria de facto dos pontos 2 e 4 da matéria de facto dada como provada, bem como do ponto 6, substituindo-se por outra que julgue tais factos não provados nos termos supra expostos, absolvendo-se a arguida; ainda que assim não se entenda, deve ser aplicada à arguida a sanção de admoestação, com todos os efeitos legais, revogando-se a decisão de aplicação da coima no valor de € 15.000,00; em qualquer dos casos, deve declarar-se a inconstitucionalidade, recusando-se a sua aplicação, por violação do princípio constitucional da proporcionalidade, da norma extraída da conjugação dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 e 9.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, todos do DL 156/2005, de 15 de Setembro, quando interpretada no sentido de sancionar com coima mínima de € 15.000,00 as pessoas colectivas fornecedoras de bens e prestadoras de serviços que recusam facultar imediata e gratuitamente, o livro de reclamações aos utentes sempre que por estes tal lhes seja solicitado, quando tal recusa cesse após intervenção da autoridade policial;

XXXIV - Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, 18.º, n.º 1, 27.º, 28.º e 51.º do RGCO e 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal.

Nestes termos e nos mais de Direito, que V.ªs Ex.ªs doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em conformidade, revogar-se a decisão recorrida e:

a)Julgar-se procedentes as invocadas nulidades da sentença, com todas as consequências legais;

b)Julgar-se procedente a excepção de prescrição do procedimento contra-ordenacional, com todos os efeitos legais;

c)Revogar-se a decisão quanto ao julgamento da matéria de facto dos pontos 2 e 4 da matéria de facto dada como provada, bem como do ponto 6, substituindo-se por outra que julgue tais factos não provados nos termos supra expostos, absolvendo-se a Arguida.

d)Declarar-se a inconstitucionalidade, recusando-se a sua aplicação, por violação do princípio constitucional da proporcionalidade, da norma extraída da conjugação dos artigos 2.º, n.º 1, 3.º, n.º 1, alínea b) e n.º 4 e 9.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3, todos do DL 156/2005, de 15 de Setembro, quando interpretada no sentido de sancionar com coima mínima de € 15.000,00 as pessoas colectivas fornecedoras de bens e prestadoras de serviços que recusam facultar imediata e gratuitamente, o livro de reclamações aos utentes sempre que por estes tal lhes seja solicitado, quando tal recusa cesse após intervenção da autoridade policial.

Assim farão V.ªs Ex.ªs a costumada JUSTIÇA!»
*
1.2.2. - O Ministério Público respondeu, sustentando que deverá ser negado provimento ao recurso e, em consequência, mantida a decisão recorrida, lavrando as seguintes conclusões:

«Concluindo,

- não ocorreu a prescrição do procedimento criminal,
- a sentença recorrida, não enferma de qualquer vício ou nulidade, apreciou correctamente todas as questões que se impunham decidir,

- as normas sancionatórias aplicáveis não são inconstitucionais;

Pelo que se pugna pelo julgamento de improcedência do recurso interposto.

Por tudo o exposto, deve improceder o recurso interposto pela infractora e, em consequência, manter-se a douta sentença ora recorrida.»
*
1.2.3. - Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o artigo 416.° do Código de Processo Penal, apôs o seu visto.
*
1.2.4. - Procedeu-se a exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, foram os autos a conferência, de harmonia com o preceituado no artigo 419.°, n.° 3, do C.P.P..
*
II – FUNDAMENTAÇÃO

2. 1. – Objecto do Recurso
Determina-se no nº 4 do artº 74º do Dec.-Lei 433/82, de 27 de Outubro, (Regime Geral das Contra-Ordenações – RGCO) que o recurso seguirá a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam deste diploma.

Por sua vez, dispõe o artigo 412º, nº 1, do C.P.P, que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

E no nº 2 do mesmo dispositivo legal determina-se também que versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda:

a) As normas jurídicas violadas;

b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e

c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.

Constitui entendimento pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o Tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, in www.stj.pt).

Quanto ao âmbito e efeitos do recurso em processos de contra-ordenação, determina-se no artº 75º, nº 1, do Dec.-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, (RGCO), que a 2.ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.

Assim, nos termos da disposição legal citada, este Tribunal da Relação não pode reapreciar a matéria de facto julgada pelo Tribunal recorrido, sem prejuízo de poder tomar conhecimento das nulidades previstas no artº 410º, nº 2, do C.P.P..

Não obstante, como sabemos, os vícios previstos no citado artº 410º, nº 2, do C.P.P. têm que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

Na verdade, determina-se naquele normativo legal (artº 410, nº 2, do C.P.P.):

«2 - Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.» (sublinhado nosso)

Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência com a decisão impugnada, são as seguintes as questões a examinar e decidir:

- nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, nos termos previstos no artº 379º, nº 1, alínea c), do C.P.P., em virtude de o Tribunal não se ter pronunciado sobre os factos alegados nos pontos 25 e 45 da impugnação judicial, factos essenciais para a determinação da sanção a aplicar e designadamente para aplicação de uma admoestação;

- impugnação da decisão de facto quanto aos factos julgados provados sob os nºs 2, 4, 6 e 7, que deveriam ter sido julgados não provados, e consequente existência de erro notório na apreciação da prova;

- prescrição do procedimento contra-ordenacional, já que não ocorreu causa de interrupção do prazo da prescrição por falta de regular notificação da arguida para o exercício do direito de defesa;

- nulidade da sentença em virtude de a condenação da arguida/recorrente assentar em factos genéricos e vagos, com violação do disposto nos artºs 58º, nº 1, alínea b), do RGCO e 283º, nº 3, alínea b), do C.P.P.;

- inconstitucionalidade da norma extraída da conjugação dos artºs 2º, nº 1, 3º, nº 1, b), e nº 4, e 9º, nº 1, a), e nº 3, do Dec.-Lei nº 156/2005, de 15 de Setembro, por violação do princípio da proporcionalidade estabelecido no artº 18º, nº 2, da C.R.P., quando interpretada no sentido de sancionar a infracção com coima mínima de 15.000,00 €, coima de valor desproporcional à gravidade do ilícito.
*
2. 2. – Da Decisão Recorrida
Na sentença proferida pela 1ª Instância foram dados como provados os seguintes factos:

«2.1.1. Factos provados
Com interesse para a apreciação do presente recurso de contra-ordenação é a seguinte a matéria de facto provada:

1. O estabelecimento de restauração e bebidas/discoteca Espaço XL, sito no Largo de Nossa Senhora das Salvas, n.º 5, 7520-147, Sines, era explorado na data referida em 2. por P…, Lda., sendo gerentes TP e MP

2. No dia 01 de Janeiro de 2012, pelas 4 horas e 30 minutos, no estabelecimento Espaço XL, um cliente solicitou a entrega do livro de reclamações aos funcionários presentes, para nele corporizar uma reclamação escrita, o que não lhe foi facultado.

3. No seguimento, foi solicitada a presença da GNR, com vista a remover essa recusa, sendo que apenas após a intervenção dos militares o livro foi disponibilizado.

4. A Arguida por intermédio dos seus funcionários, agiu de forma livre e deliberadamente, sabendo que tinha de apresentar o livro de reclamações quando solicitado e, apesar disso, decidiu não o fazer nos termos supra descritos, sabendo que tal conduta a fazia incorrer em responsabilidade contra-ordenacional.

5. A recorrente tem o capital social de € 5.000,00, tem como objecto social exploração de estabelecimento de restauração e bebidas.

Da prescrição
6. No dia 13 de Janeiro de 2012 foi tentada pela Guarda Nacional Republicana a notificação pessoal do auto de notícia a MP, na qualidade de gerente e proprietária do aludido estabelecimento, tendo a mesma recusado a assinatura da notificação.

7. No dia 17 de Dezembro de 2014 foi tentada pela Guarda Nacional Republicana a notificação pessoal do auto de notícia a TP, na qualidade de gerente e representante legal do aludido estabelecimento, tendo o mesmo recusado receber a assinar a notificação quando informado da entidade que remetia o ofício.

8. A decisão administrativa proferida nos autos é datada de 12 de Outubro de 2015.
*
9. Não são conhecidos antecedentes contra-ordenacionais à Arguida.»
*
E, no que respeita à motivação da decisão de facto, diz-se na sentença recorrida:

«2.1.3. MOTIVAÇÃO
A convicção do Tribunal baseou-se na ponderação da prova produzida, analisada à luz das regras da experiência comum, vista no seu conjunto, nomeadamente

Na folha de reclamação n.º 5604829, assinada por RS, cuja junção foi ordenada em audiência, a qual relata os factos referidos nos pontos 2. e 3. da matéria de facto dada como provada.

De igual modo, foi também considerado o auto de notícia de fls. 3, onde se encontra relatada a intervenção dos militares da GNR.

A narração de toda a factualidade subjacente nos aludidos documentos, conjugada com a presença de dois agentes da Guarda Nacional Republicana (AF e Inês), chamados ao local pelas 04h30m para fazer face a uma situação de recusa de entrega do livro de reclamações, que testemunharam a presença dos clientes à sua espera e a entrega do livro apenas após a sua intervenção (nos termos das suas declarações), afigura-se suficiente para se considerar provada a recusa de entrega do livro e com isto os factos 2. e 3..

Note-se que o militar AF se recorda inclusive de alguém que responsável pelo bar ter perguntado “tinha mesmo de entregar o livro?”, ao que a resposta prestada pelo militar foi afirmativa. Apenas neste momento, após a intervenção dos militares, foi entregue o livro de reclamações

O aludido militar recorda-se ainda que, após a entrega, o livro foi escrito por um cliente.

Por fim, a corroboração de tal factualidade por PC (segurança que se encontrava a trabalhar no espaço no dia em questão), terminou com quaisquer dúvidas que pudessem subsistir. Com efeito, a testemunha recorda-se, distintamente, de ter sido pedido o livro de reclamações, antes de a GNR chegar, sendo que a GNR foi chamada precisamente por isso, sendo uma testemunha completamente imparcial e por isso de especial credibilidade.

Deste modo, o depoimento de BV (companheira do gerente), a qual refere que o livro de reclamações nunca foi solicitado, não merece credibilidade.

De igual modo, as restantes testemunhas, AM (cliente que se encontrava no espaço), AC (prima do gerente e cliente que se encontrava no espaço), NC (frequentador do espaço e amigo do gerente), LA (amiga dos proprietários, que se encontrava no espaço, como cliente), CM (amiga de BV e cliente) e VF (cliente que se encontrava no aludido estabelecimento), apenas afirmaram coincidentemente que se aperceberam de uma confusão, um “burburinho” nas palavras de algumas, referindo não se terem apercebido de ter sido pedido o livro de reclamações. Diga-se que o facto de as testemunhas não se terem apercebido não impede que tal tenha acontecido, o que, face à restante prova produzida se afigura insofismável.

Face à reconhecida ilicitude da conduta, com ampla divulgação nos meios de comunicação social, atendendo à inserção sócio-profissional do agente e as exigências próprias do circuito económico e social em que os factos ocorrem, explorando a Arguida um estabelecimento aberto ao público, onde fornece bens ao consumidor, tinha inapelavelmente de ter conhecimento das obrigações legais a que se encontrava adstrito. Com efeito, a legislação aplicada não é recente e, atento o seu ramo de actividade, não se concebe como poderia a Arguida não estar alertada que qualquer estabelecimento aberto ao público tem de possuir livro de reclamações, e fornecê-lo, quando solicitado, conhecimento que de resto não é negado pela Arguida.

Deste modo, impõe-se concluir, face à factualidade julgada provada, que a Arguida quis actuar do modo descrito, apesar de ter conhecimento da proibição, nos termos julgados em 4..

O facto 5. foi julgado provado com base na certidão de fls. 23 e 24.

No que respeita aos factos relevantes para efeitos de prescrição, o facto 6. foi julgado provado com base no documento de fls. 4, devidamente certificado e o facto 8. foi julgado provado com base na análise da decisão administrativa de fls. 27. a 29.

O facto 7. foi negado por BV, a qual referiu que acompanhou TP ao posto da GNR e que este lhe comunicou que os militares apenas lhe tinham dito que tinha sido solicitada uma notificação e que se não a recebesse naquele momento seria enviada para o seu domicílio através de carta, afirmando desconhecer o conteúdo.

Esta versão é completamente inverosímil face à certidão negativa de fls. 29. Com efeito, na referida certidão não consta apenas uma informação de recusa, mas igualmente uma explicitação dos motivos. O gerente da sociedade recusou a assinatura “quando informado da entidade que remetia o (…) ofício”, acrescentando que nada tinha “a ver com a mesma”

Deste modo, não se atribuiu, mais uma vez, credibilidade à versão de BV.

Fica, deste modo, explanado o raciocínio que justificou a resposta à matéria de facto. »
*
2. 3. – Apreciando e decidindo

2.3.1 – Da alegada nulidade da sentença por violação do disposto no artº 379º, nº 1, alínea c), do C.P.P.

Alega a recorrente que a sentença é nula, por violação do disposto no artº 379º, nº 1, alínea c), do C.P.P., já que o Tribunal a quo não conheceu de matéria que tinha obrigação de conhecer, não se tendo pronunciado sobre factos alegados pela arguida cuja ponderação era essencial para a medida da coima e/ou sua substituição por admoestação.

Concretamente, afirma que, na impugnação judicial, concretamente no seu artigo 45º (conclusão XXII), foi alegado que a arguida não tem já actividade, facto comprovado por prova testemunhal e essencial para a determinação da sanção, uma vez que na fixação desta deverá ponderar-se a situação económica do agente, não se tendo, porém, o Tribunal pronunciado sobre o mesmo.

Diz também a recorrente que foi igualmente alegado, no artigo 25º (conclusão X) da impugnação judicial, que o bar tinha autorização para estar em funcionamento até às 4 horas da madrugada, facto demonstrado documentalmente, mas que o Tribunal ignorou, não o apreciando, o que era determinante para se concluir que os factos em causa nos autos, a existirem, se teriam passado já após a autorização de funcionamento de bar, o que era relevante para determinação da culpa, da gravidade do ilícito e do benefício económico retirado da infracção, elementos igualmente essenciais na ponderação da aplicação da admoestação prevista no artº 51º do RGCO, pena que deveria ter sido aplicada à recorrente.

Na resposta, o Ministério Público sustentou que o Tribunal a quo pronunciou-se sobre todas as questões relevantes para a boa decisão da causa, que, na situação dos autos, à infractora já tinha sido aplicada a coima mínima possível (15.000€), pelo que se mostrava desnecessário decidir sobre se à hora da prática dos factos o estabelecimento comercial já se encontrava ou não encerrado, se a infractora ainda exerce ou não a sua actividade, bem como a sua situação económica, já que não é possível a aplicação de coima de valor inferior à que foi efectivamente aplicada, situada no limite mínimo de 15.000€, e que, no caso dos autos, não há lugar a atenuação especial nem a admoestação, pois que não se está perante uma situação de tentativa, nem de negligência, nem de culpa leve, nem de reduzida gravidade da infracção.

Vejamos.
Estabelece o artº 379º, nº 1, alínea c), do C.P.P que é nula a sentença quando o Tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Estão em causa neste normativo legal questões de que o Tribunal devesse conhecer e relativamente às quais não se pronunciou e não a inclusão ou não, na factualidade julgada provada ou não provada, de factos alegados nos autos.

Com efeito, a impugnação da omissão, em sentença, de factos necessários à decisão, faz-se através da alegação do vício previsto do artº 410º, nº 2, alínea a), do C.P.P. e não do disposto no citado artº 379º, nº 1, alínea c), do C.P.P..

Nesse sentido, veja-se o Ac. TRL de 29-03-2011, in www.dgsi.pt, no qual podemos ler: «V. O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art.410, nº2, al.a, CPP), verifica-se quando o tribunal não tiver considerado provado ou não provado um facto alegado pela acusação ou pela defesa ou de que possa e deva conhecer, nos termos do art.358, nº1, CPP, se esse facto for relevante para a decisão da questão da culpabilidade, ou quando, podendo fazê-lo, não tiver apurado factos que permitam uma fundada determinação da sanção;

VI. Aquele vício distingue-se da nulidade da sentença, prevista na al.c, do nº1, do art.379, CPP, uma vez que esta só existe quando o tribunal não se tiver pronunciado sobre «questões que devesse apreciar» ou quando se tiver debruçado sobre «questões de que não podia tomar conhecimento», sendo que os conceitos de facto e questão não são sobreponíveis.»

No vício relativo à insuficiência para decisão da matéria de facto provada, previsto no artº 410º, nº 2, alínea a), do C. P. P., critica-se o Tribunal por não ter indagado e conhecido os factos que podia e devia, tendo em vista a decisão justa a proferir de harmonia com o objecto do processo, consistindo tal vício numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma. No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito, seja a proferida efetivamente, seja outra, em sentido diferente, que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa. (cfr. Ac. TRL de 18.07.2013, in www.dgsi.pt).

Não obstante, importa analisar se se verifica qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, já que os vícios previstos no art° 410°, nº 2, do C.P.P. são de conhecimento oficioso, tendo, porém, que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

Para que exista o referido vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é necessário que a matéria de facto fixada se apresente insuficiente para a decisão sobre o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de crime verificáveis e dos demais requisitos necessários à decisão de direito e seja de concluir que o Tribunal a quo podia ter alargado a sua investigação a outro circunstancialismo fáctico suporte bastante dessa decisão (Ac. STJ de 03.11.1999, Procº 1001/98, in Sumários do STJ, www.stj.pt).

Não ocorre esse vício quando o Tribunal investigou tudo o que podia e devia investigar e os factos dados como provados são suficientes para preencher os elementos do tipo pelo qual o arguido foi condenado.

Não tendo este Tribunal da Relação poderes de cognição em matéria de facto, não pode sindicar a decisão sobre a matéria de facto, apenas podendo verificar se o que foi dado como provado é suficiente ou não para a decisão que o Tribunal proferiu.

Ora, vendo a decisão recorrida, verifica-se que os factos nela considerados provados sustentam a decisão de direito que veio a ser proferida, não se apresentando a matéria de facto julgada provada insuficiente para a decisão sobre o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos da contra-ordenação imputada à arguida.

Acresce que os factos que a recorrente diz não terem sido tomados em consideração, a serem considerados provados, em nada alterariam a decisão proferida pelo Tribunal a quo.

Com efeito, considerar-se provado que o bar tinha autorização para estar em funcionamento até às 04,00 horas, nenhuma consequência teria na demais factualidade, designadamente quanto aos factos julgados provados relativos à recusa de apresentação imediata do livro de reclamação solicitado por um cliente do estabelecimento, recusa que apenas foi removida após presença da GNR no local.

Tendo sido solicitada a apresentação do livro de reclamações por um cliente, a sua recusa, ocorresse a que horas ocorresse, seria sempre violadora do direito do consumidor e a hora da mesma não seria relevante para se concluir, ou não, pela diminuição da ilicitude da conduta ou da culpa da arguida.

E o mesmo se diga quanto à situação económica da recorrente. Com efeito, no caso concreto, o conhecimento da mesma, desafogada ou não, em nada mexeria com a ilicitude da conduta, nem com a culpa da arguida.

Alegava a recorrente no artigo 45º da sua impugnação judicial (conclusão XXII) que:

«Pelo contrário, a arguida sequer tem já actividade e nunca teve uma situação económica desafogada, como se demonstrará na sede própria, pelo que não conseguiria sequer suportar o pagamento de uma coima do valor que pretende a autoridade administrativa imputar-lhe.»

Na sentença recorrida apenas se considerou provado, quanto à recorrente, que a mesma «tem o capital social de 5.000,00€, tem como objecto social a exploração de estabelecimento de restauração e bebidas», vindo ainda a considerar-se, já a propósito da determinação da medida da pena, que “nos autos não se apurou o benefício económico retirado com a prática das infracções, nem tão pouco há elementos que permitam conhecer a situação económica da arguida.”

Assim, contrariamente ao alegado pela recorrente, o que resulta da leitura da decisão recorrida é que não se apuraram elementos que permitissem conhecer a sua situação económica.

Apesar disso, sempre se dirá, que mesmo que o Tribunal tivesse logrado apurar a situação económica da recorrente - o que, como vimos, não conseguiu fazer - também neste caso tal apuramento se mostraria irrelevante para a determinação da medida da coima, já que o montante desta foi fixado no mínimo legal.

Sustenta a recorrente que deveria ter-lhe sido aplicada uma admoestação, alegando para tanto que a conduta em causa nos autos é de reduzida gravidade, o mesmo acontecendo com a culpa do agente, que não tem antecedentes contra-ordenacionais e que, não tendo a arguida já qualquer actividade, não existe qualquer necessidade de prevenção especial a acautelar.

Determina-se no nº 1 do artº 51º do RGCO que «quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.»

Ora, tendo em conta a contra-ordenação efectivamente em causa nestes autos, a situação económica da recorrente, se apurada, em nada relevaria para efeito de determinação da gravidade da infracção ou da culpa da arguida.

Mas vejamos em que termos se analisou, na sentença recorrida, a possibilidade de substituição da coima por admoestação.

Diz-se na decisão recorrida:

«2.2.4. DA SUBSTITUIÇÃO DA COIMA POR ADMOESTAÇÃO
A Arguida requer a substituição da coima por admoestação, alegando, em suma que a infracção não pode ser qualificada como grave, encontrando-se verificados os pressupostos da sua aplicação.

Embora o Decreto-Lei n.º 156/2005 supra citado, no leque de sanções que estabelece para o não cumprimento das normas relativas à exigência de livro de reclamações, nada preveja quanto à possibilidade de ser aplicada a sanção de admoestação, o quadro geral do RGCO estabelece no artigo 51.º que, quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.

Pese embora, as divergências que surgiram na doutrina acerca da natureza da «admoestação» no domínio do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, divergências ampliadas pela inserção do normativo no capítulo referente à aplicação da coima pela autoridade administrativa, entendemos que o modo como o legislador estabeleceu o regime da admoestação não pode deixar de ser visto ainda como uma medida sancionatória de substituição da coima, admissível em qualquer fase do processo (administrativa e judicial) – neste sentido, e com súmula das posições divergentes, cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10 de Março de 2010, relatado por MOURAZ LOPES, proc. 918/09.5TBCR.C1, disponível para consulta in dgsi.pt.

Nos termos do citado normativo, a admoestação está limitada aos casos de reduzida gravidade, de pequeno grau de ilicitude da contra-ordenação, ou por outras palavras, contra-ordenações leves ou simples e se a culpa do agente o justificar – neste sentido PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, op. cit. p. 232 e 233.

A admoestação é uma censura solene aplicável a factos de escassa gravidade, relativamente aos quais o arguido actuou com culpa reduzida e para os quais são reduzidas as exigências preventivas.

No caso em apreço, não se pode, numa perspectiva objectiva, qualificar a infracção como de reduzida gravidade.

A Arguida violou uma importante e elementar regra legal de protecção do consumidor que existe para defesa dos clientes e consumidores dos abusos dos fornecedores de bens e serviços. Não estamos perante factos de escassa gravidade, ao contrário do que afirma o Recorrente.

De igual modo entendemos que o desrespeito pela norma em causa merece uma censura que não se compadece com a mera advertência, isto apesar do Arguido não ter antecedentes contra-ordenacionais.

Como se escreveu no recente Acórdão da Relação de Guimarães de 11 de Janeiro de 20016, as intensas exigências de prevenção e de protecção dos interesses dos consumidores afastam liminarmente a viabilidade de aplicação de uma simples admoestação – relatado por JOÃO LEE FERREIRA, proc. 1812/12.8EAPRT.G2, disponível para consulta in dgsi.pt.

Pelo exposto, resta decidir em conformidade.»

Nenhuma censura nos merece a não aplicação da admoestação.

Com efeito, e conforme é referido neste excerto da decisão recorrida, numa perspectiva objectiva, não se pode qualificar a infracção como de escassa ou reduzida gravidade, tendo a arguida violado uma importante e elementar regra legal de protecção do consumidor que existe para defesa dos clientes e consumidores dos abusos dos fornecedores de bens e serviços, merecendo tal desrespeito pela norma em causa uma censura que não se compadece com a mera advertência, isto apesar de a arguida não ter antecedentes contra-ordenacionais.

A decisão recorrida não deixou de considerar a ausência de antecedentes contra-ordenacionais da arguida/recorrente, portanto as reduzidas exigências preventivas, mas considerou, e bem, que a infracção em causa não era de escassa ou reduzida gravidade e que a arguida tinha violado uma importante regra legal de protecção do consumidor, merecendo censura superior à mera advertência.

Nestes termos, estando a aplicação da admoestação limitada aos casos de reduzida gravidade, de pequeno grau de ilicitude da contra-ordenação, ou, por outras palavras, a contra-ordenações leves ou simples, e se a culpa do agente o justificar, não sendo manifestamente o caso dos autos, não padece a decisão recorrida da apontada insuficiência.

Improcede, consequentemente, nesta parte, o recurso interposto.
*
2.3.2 – Do alegado erro notório na apreciação da prova
Sustenta também a recorrente que a decisão recorrida padece de erro notório na apreciação da prova, já que se deram como provados factos que efectivamente o não foram.

Quanto ao erro notório na apreciação da prova, diz-se no Ac. STJ de 02.02.2011: I. O erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Porém, o vício, terá de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito.

E como dizem Simas Santos e Leal-Henriques, in "Recursos em Processo Penal", 7ª edição, 2008, pág. 77, erro notório na apreciação da prova é a "... falha grosseira e ostensiva da análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram como provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.”

Assim, para que se verifique o alegado erro notório na apreciação da prova, terá o mesmo que constar da própria decisão, sendo facilmente detectável pela análise do homem médio.

Não se trata de qualquer desconformidade entre a decisão de facto e aquela que o recorrente considere ser a correcta, face à prova que foi produzida, mas antes de um erro grosseiro, de uma falha grave e gritante, patenteada pelo texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, que, pela sua manifesta desconformidade com as regras da lógica e da realidade da vida, não escaparia à análise do homem médio, sendo fácil e liminarmente perceptível pelo mesmo.

Ora, vendo o texto da decisão recorrida, nela não se descortina qualquer falha grosseira que, ferindo a mais elementar lógica, fosse detectável pelo homem médio, pelo cidadão comum, não se vislumbrando igualmente que tenham sido considerados provados factos incoerentes e inconciliáveis entre si, nem ainda que o Tribunal se tenha baseado em juízos ilógicos, arbitrários, absurdos ou contraditórios, desrespeitando as regras da experiência comum e da normalidade da vida.

Na fundamentação da matéria de facto, o Tribunal explicou, com clareza e detalhadamente, o caminho lógico que percorreu para dar como provada aquela matéria e esse caminho mostra-se razoável e corresponde a uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, pelo que é inatacável.

O que a recorrente efectivamente discute é a apreciação que o Tribunal fez da prova produzida e as conclusões fácticas que da mesma retirou, procurando abalar a convicção assumida pelo Tribunal, contrapondo as suas convicções à do Tribunal recorrido para concluir que a prova foi mal apreciada.

Porém, tal situação apenas poderia ser sindicada por este Tribunal se estivesse em causa a impugnação da decisão sobre a matéria de facto nos termos previstos no art.º 412.º, n.º 3, do C. P. P., o que não é o caso, sendo certo que, no presente recurso e de harmonia com o disposto no já citado artº 75º, nº 1, do RGCO, a 2.ª instância apenas conhecerá da matéria de direito.

Não pode, pois, este Tribunal da Relação reapreciar a matéria de facto julgada pelo Tribunal recorrido.

Assim, não resultando objectivamente do texto da decisão recorrida qualquer erro notório na apreciação da prova, sem necessidade de outras considerações, improcede, nesta parte, o recurso interposto.
*
2.3.3. – Da alegada prescrição do procedimento contra-ordenacional, dada a não verificação de qualquer facto interruptivo

Invoca a recorrente a prescrição do procedimento contra-ordenacional, afirmando que, atenta a moldura da coima aplicável, o prazo prescricional é de 3 anos a contar da data da prática da infracção, nos termos previstos nos artºs 27º, alínea b), do RGCO e 9º, nº 1, alínea a), do Dec.-Lei nº 156/2005, de 15 de Setembro, mostrando-se assim prescrito desde 01.01.2015.

Para tanto, sustenta que, para que o prazo prescricional tivesse sido interrompido pela recusa da arguida/recorrente em receber as notificações, necessário seria que se encontrasse provado ter sido dado conhecimento à arguida do conteúdo da notificação ou, pelo menos, ter-lhe sido dado conhecimento de a que é que se referia tal carta.

Assim, desconhecendo a arguida a que se referia a notificação, não pode considerar-se que, recusando-se a recebê-la, tenha a mesma renunciado a qualquer direito de defesa.

Vejamos.
Sobre a questão, é o seguinte o teor da decisão recorrida:

«2.2.1. DA PRESCRIÇÃO
Cumpre neste momento apreciar a suscitada questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional, porquanto, apesar de constituir uma excepção que se pode objectar ao conhecimento do mérito da causa, a verdade é que, nos termos em que se encontrava suscitada, dependia da produção de prova, designadamente, da prova da recusa em receber as notificações referidas no facto 7..

De harmonia com o disposto na al. b) do artigo 27.º do RGCO, o procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido[s] três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2493,99 e inferior a (euro) 49879,79, como sucede no caso vertente (cfr. a moldura da coima prevista no artigo 9.º, n.º 1, al. a) e 3.º, do Decreto-Lei n.º 156/2005, de 15 de Setembro.)

No presente âmbito de análise deve ainda ter-se em consideração as causas de suspensão e interrupção da prescrição da coima.

No que respeita às primeiras, previstas nas três alíneas do artigo 27.º-A do RGCO, a prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:

a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;

b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;

c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.

No que concerne às causas de interrupção o artigo 28.º, do mesmo diploma legal, consagrou que a prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:

a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;

b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;

c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;

d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.

A infracção foi praticada no dia 01 de Janeiro de 2012, sendo a decisão da autoridade administrativa datada de 12 de Outubro de 2015.

A 13 de Janeiro de 2012 o gerente recusa a assinatura do auto de notícia.

A 26 de Dezembro de 2014 o outro gerente recusa novamente a notificação, desta vez para exercício do direito de audição e defesa.

O punctum saliens da questão a resolver consiste em saber se a recusa de notificação interrompe o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional.

Entendemos que a recusa do Arguido em assinar as notificações que lhe são dirigidas, especialmente notificações pessoais, não pode permitir que o Arguido não se considere regularmente notificado, porquanto apenas a si é imputável tal acto.

Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04 de Maio de 2004, está, assim, demonstrado nos autos (…) que, antes da decisão administrativa que aplicou uma coima ao Arguido, foram-lhe assegurados os direitos de audição e de defesa, no prazo previsto na lei, e que o mesmo prescindiu de os utilizar, mostrando-se, pois (…) observados o disposto no artigo 32.º, n.º 2, da CRP e no artigo 50.º da LGCC – relatado por PEREIRA DA ROCHA, 1925/2004-5, disponível para consulta in dgsi.pt. O aludido acórdão é também citado, ao que julgamos de forma concordante, por ANTÓNIO DE OLIVEIRA MENDES e JOSÉ SANTOS CABRAL, Notas ao Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas, Almedina, 2009. p. 157.

Interpretação contrária premiaria aqueles que não adoptam uma atitude processual correcta, fazendo uso de expedientes dilatórios e reprováveis para dilatar no tempo um procedimento, com vista a alcançar, em último caso, a sua prescrição, em suma, beneficiaria o infractor (no sentido do exposto cfr. PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Regime Geral das Contra-ordenações, Universidade Católica Portuguesa, 2011, p. 190).

Nestes termos, o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional interrompeu-se em 13 de Janeiro de 2012, 26 de Dezembro de 2014 e novamente em 12 de Outubro de 2015 com a prolação da decisão administrativa.

Até à presente data, contando com as aludidas interrupções, o prazo prescricional não decorreu integralmente, não tendo igualmente decorrido integralmente o prazo de prescrição acrescido de metade, contado desde a data da prática da infracção.

Pelo exposto, deve invocada excepção de prescrição do procedimento contra-ordenacional ser indeferida.»

Concordamos inteiramente com a decisão recorrida.

Na verdade, tendo em consideração a infracção em causa nos autos, o prazo normal da prescrição do procedimento contra-ordenacional é de 3 anos, contado da data prática da infracção, sendo que, em caso de interrupção, o prazo máximo da prescrição passa a ser de 4 anos e meio, acrescido ainda do período de 6 meses referente às suspensões que eventualmente ocorram.

Assim, no seu conjunto, o prazo total poderá ascender a 5 anos, atingindo o seu termo em 01.01.2017.

Para tanto, necessário é que se tenha verificado qualquer facto interruptivo.

Com efeito, determina-se no artº 27º, alínea b), do RGCO que o procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2493,99 e inferior a (euro) 49879,79.

No caso, sendo aplicável à infracção coima entre 15.000 e 30.000€ é manifesto que o prazo normal da prescrição é de 3 anos.

Quanto à interrupção da prescrição, diz-se no artº 28.º do mesmo RGCO que:

«1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;

b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;

c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;

d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.

2 - Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação.

3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.» (sublinhados nossos)

Por fim, agora no que respeita à suspensão da prescrição, determina-se no artº 27º A do RGCO:

«1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:

a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;

b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;

c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.

2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses(sublinhados nossos)

De harmonia com o disposto nos artºs 121º do C. Penal e 32º do RGCO, depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.

Tendo a infracção ocorrido em 01.01.2012 e datando a decisão da autoridade administrativa que procedeu à aplicação da coima de 12.10.2015, isto é, mais de 3 anos depois, importa analisar se, entre tais datas, se verificou qualquer facto interruptivo da prescrição.

Sustentou a decisão recorrida que o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional se interrompeu em 13 de Janeiro de 2012 e 26 de Dezembro de 2014, com as recusas dos gerentes da arguida em assinarem as notificações que lhe eram dirigidas, e novamente em 12 de Outubro de 2015 com a prolação da decisão administrativa.

Tem efectivamente razão o Tribunal a quo.

Com efeito, do auto de notificação datado de 13.01.2012, certificado a fls 4, consta que a gerente da sociedade arguida, MP, se recusou a assinar a notificação em que lhe era dado conhecimento, na qualidade de proprietário do Bar “Espaço XL”, de que, em 01.01.2012, lhe fora levantado um auto de contra-ordenação, indicando-se ainda as disposições legais violadas, bem como as coimas aplicáveis.

Por outro lado, no auto de notificação para exercício do direito de audição e defesa do arguido, constante de fls 20/21, datado de 26.12.2014, no qual se faz a descrição da infracção (“recusa de disponibilização de livro de reclamações com presença de autoridade policial para remoção da recusa”), se indicam a previsão legal e respectiva punição (“Artigo 3º, nº 1, alínea b), e nº 4, do Decreto-Lei nº 156/2005, de 15 de setembro” e “Artigo 9º, nº 1, al. a), e nº 3, do mesmo diploma, na redacção que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei nº 71/2007, de 06 de novembro”), bem como a coima aplicável (Mínimo de €15.000,00 e Máximo de € 30.000,00), diz-se também que TP «recusou-se a receber a notificação quando informado da entidade que remetia o presente ofício. Disse ainda que a empresa já não existe e que nada tem a ver com a mesma».

Junta a fls 23/24, nova certidão de registo comercial, verificou-se que ainda em 07.01.2015 se mantinham como gerentes MP e TP.

Estando em causa notificações pessoais, atento o teor dos dois documentos referidos, constantes de fls 4 e 20/21, é manifesto que os gerentes da sociedade arguida, que se recusaram a assiná-los, tomaram conhecimento do respectivo teor, pelo menos nos seus termos mais gerais. A não ser assim, porque recusariam os dois gerentes o recebimento de tais notificações?

Não se trata da devolução de uma notificação por via postal que não tenha sido entregue ao destinatário, nem levantada por este nos CTT, e em que, portanto, o conteúdo da carta não chegou efectivamente ao conhecimento do destinatário.

No caso dos autos, estão em causa duas notificações pessoais que as autoridades tentaram entregar aos gerentes da arguida e que estes recusaram receber, sendo, pois, manifesto que tomaram conhecimento do teor das mesmas, pelo menos nos seus termos mais gerais, pelo que o eventual desconhecimento de todos os seus precisos termos apenas a si próprios é devido.

Deste modo, sendo ambos gerentes da arguida, é manifesto que o facto de se recusarem a assinar as referidas notificações - notificações pessoais - não pode impedir que a arguida se considere regularmente notificada, nos termos considerados na sentença recorrida, já que o alegado desconhecimento do teor integral das notificações pessoais em causa apenas àqueles é imputável.

As notificações pessoais em causa continham todos os elementos necessários para que a arguida ficasse a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, quer na matéria de facto, quer de direito, e a última daquelas notificações, datada de 26.12.202014, visou dar cumprimento ao disposto no artº 50º do RGCO, assegurando o direito de audição e defesa da arguida.

Tendo sido respeitado tal direito, caberia depois tão só à arguida prescindir ou não do uso do mesmo.

E, assim sendo, ocorreu efectivamente a interrupção do prazo prescricional, quer em 13.01.2012, quer em 26.12.2014, datas a partir das quais começou a correr novo prazo prescricional, pelo que, em 12.10.2015, data da prolação da decisão administrativa, não havia decorrido integralmente nem prazo normal da prescrição (3 anos a contar da última interrupção), nem o prazo de 4 anos e meio a contar da data da infracção.

No que respeita à suspensão da prescrição, tendo em conta o disposto no já citado artº 27º A, nº 1, alínea c), e nº 2, do RGCO, há que considerar, no máximo, o período de 6 meses, período que acrescerá ao prazo máximo de 4 anos e 6 meses, isto é, ao prazo da prescrição acrescido de metade, por força das interrupções verificadas (artº 28º do RGCO).

Ora, como bem refere a decisão recorrida, na data da prolação da mesma (14.06.2016), contando com as aludidas interrupções, o prazo prescricional não decorrera integralmente, não tendo igualmente decorrido integralmente o prazo da prescrição acrescido de metade, contado desde a data da infracção.

E, apesar do lapso de tempo entretanto decorrido, verifica-se que, também neste momento, ainda não decorreu o prazo total de 5 anos (3 anos + 1 ano e 6 meses + 6 meses), após a prática da infracção, prazo que atingirá o seu termo em 01.01.2017.

Assim, improcedendo a invocada excepção de prescrição, também nesta parte o presente recurso não merece provimento.
*
2.3.4. – Da alegada nulidade da sentença em virtude de a condenação da arguida/recorrente assentar em factos genéricos e vagos

Sustenta a recorrente que a sentença enferma de nulidade, por violação do disposto nos artºs 58º, nº 1, alínea b), do RGCO e 283º, nº 3, alínea b), do C.P.P., em virtude de assentar em factos genéricos e vagos, já que não se identifica o cliente que solicitou o livro de reclamações, nem se identificam os funcionários a quem o mesmo foi pedido.

Sobre a questão, diz o Ministério Público na resposta ao recurso:

«O art. 58º do RGCO exige a descrição dos factos imputados. Tal exigência radica nos princípios do acusatório e do contraditório, pois que o arguido só pode exercer cabalmente a sua defesa se conhecer exactamente os factos que lhe são imputados.

No caso dos autos, é indicado o dia, a hora, o local e descrita a conduta do agente, sendo que é referido expressamente que foi recusada a apresentação imediata do livro de reclamações do estabelecimento comercial e que foi necessária a comparência da GNR no local. Nessa descrição factual não é mencionada a identificação do cliente a quem foi recusada a apresentação do livro de reclamações, mas todas as pessoas inquiridas sabiam quem era a pessoa em causa, tanto que a mesma acabou por preencher o livro de reclamações e a sua exposição foi remetida à ASAE pela própria infractora (a qual veio a ser junta aos autos no decurso do julgamento, por tal ter sido solicitado à ASAE).

Assim, o direito de defesa da infractora não foi minimamente beliscado com a omissão da identificação do concreto cliente afectado pela sua conduta.

Deste modo, conclui-se que os factos descritos e dados como provados são suficientes para integrar a prática da aludida contra-ordenação.»

Tem efectivamente razão o Ministério Público, sendo manifesto que os factos descritos na decisão administrativa e dados como provados na sentença recorrida são suficientes para integrar a prática da infracção, não se mostrando beliscado o direito de defesa da arguida pela omissão do nome do cliente afectado com a sua conduta, mostrando-se o mesmo identificado na reclamação que acabou por ser por ele apresentada.

Com efeito, quer na decisão administrativa, quer na sentença recorrida, consta a narração dos factos julgados provados imputados à arguida integradores da infracção que lhe foi assacada, descrevendo-se a conduta imputada (recusa de apresentação imediata do livro de reclamações, tendo sido necessária a presença da GNR no local para remoção de tal recusa) com clara indicação do lugar, tempo e motivação da sua prática.

A indicação concreta, nos factos imputados, do nome do cliente que veio a assinar a reclamação não se revela essencial para que a arguida exercesse o seu direito de defesa, como efectivamente exerceu, o mesmo acontecendo com a indicação do nome dos funcionários a quem foi solicitada a apresentação do livro de reclamações, sendo certo que foi claramente alegado que se tratava de um cliente do estabelecimento comercial pertencente à arguida que na altura se encontrava no local e que o pedido de apresentação do livro por aquele formulado foi dirigido aos empregados da arguida que se encontravam presentes.

Acresce que nenhuma dúvida teve a arguida quanto aos factos que lhe eram imputados e sequer quanto ao cliente referido na decisão administrativa como tendo sido afectado pela sua conduta, já que deles se defendeu efectivamente a arguida, conforme claramente consta da impugnação judicial que intentou contra a decisão administrativa.

Improcede, pois, também aqui, o recurso interposto.
*
2.3.5. – Da alegada inconstitucionalidade do artº 9º, nº 3, do Dec.-Lei nº 156/2005, de 15 de Setembro.

Por fim, pugna ainda a recorrente pela declaração de inconstitucionalidade da norma extraída da conjugação dos artºs 2º, nº 1, 3º, nº 1, b), e nº 4, e 9º, nº 1, a), e nº 3, do Dec.-Lei nº 156/2005, de 15 de Setembro, por violação do princípio da proporcionalidade estabelecido no artº 18º, nº 2, da C.R.P., quando interpretada no sentido de sancionar com coima mínima de € 15.000,00 as pessoas colectivas fornecedoras de bens e prestadoras de serviços que recusam facultar imediata e gratuitamente, o livro de reclamações aos utentes sempre que por estes tal lhes seja solicitado, quando tal recusa cesse após intervenção da autoridade policial.

Conforme bem refere o Ministério Público na sua resposta, o Tribunal Constitucional já se pronunciou várias vezes sobre a questão, concluindo pela constitucionalidade das referidas normas.

Tal aconteceu designadamente no Ac. n.º 67/2011, de 02.02.2011, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, que decidiu não julgar inconstitucional, à luz do princípio da proporcionalidade (artº 18º, nº 2, da CRP), a norma constante do n.º 3 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 156/2005 de 15 de Setembro, em conjugação com o artº 3º, nº 1, alínea b), do mesmo diploma legal, que sanciona com coima entre € 15.000,00 e € 30.000,00 a pessoa colectiva, fornecedora de bens ou prestadora de serviços, que não faculta imediatamente o livro de reclamações, nos casos em que, requerida a presença da autoridade para remover a referida recusa, essa recusa é removida sendo o livro de reclamações facultado ao utente.

Nesse acórdão, considerava-se a dado passo:

«Neste sentido, o Tribunal Constitucional tem reconhecido ao legislador ordinário uma livre margem de decisão quanto à fixação legal dos montantes das coimas a aplicar (ver Acórdãos n.º304/94, n.º574/95 e n.º547/00, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), ainda que ressalvando que tal liberdade de definição de limites cessa em casos de manifesta e flagrante desproporcionalidade ou de excessiva amplitude entre os limites mínimo e máximo.

A título de exemplo, através do Acórdão n.º 574/95 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/) – e ainda que tenha, naquela situação, afastado a inconstitucionalidade da norma extraída do n.º 16 do artigo 670º do Código dos Valores Mobiliários) – o Tribunal Constitucional expressou o seguinte entendimento:

“Quanto ao princípio da proporcionalidade das sanções, tem, antes de mais, que advertir-se que o tribunal só deve censurar as soluções legislativas que cominem sanções que sejam desnecessárias, inadequadas ou manifesta e claramente excessivas, pois tal o proíbe o artigo 18º, nº 2, da Constituição. Se o tribunal fosse além disso, estaria a julgar a bondade da própria solução legislativa, invadindo indevidamente a esfera do legislador que, aí, há-de gozar de uma razoável liberdade de conformação [cf., identicamente, os acórdãos nºs 13/95 (Diário da República, II série, de 9 de Fevereiro de 1995) e 83/95 (Diário da República, II série, de 16 de Junho de 1995)], até porque a necessidade que, no tocante às penas criminais é - no dizer de FIGUEIREDO DIAS (Direito Penal II, 1988, policopiado, página 271) - "uma conditio iuris sine qua non de legitimação da pena nos quadros de um Estado de Direito democrático e social", aqui, não faz exigências tão fortes.

De facto, no ilícito de mera ordenação social, as sanções não têm a mesma carga de desvalor ético que as penas criminais - para além de que, para a punição, assumem particular relevo razões de pura utilidade e estratégia social.”

Na linha da jurisprudência consolidada neste Tribunal, a propósito da fixação dos montantes das coimas a aplicar (a título de exemplo, ver Acórdãos n.º 304/94, n.º 574/95 e n.º 547/2000, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/), o Tribunal Constitucional deve coibir-se de interferir directamente nesse espaço de livre conformação legislativa, apenas lhe cabendo – sempre que necessário – acautelar que tais opções legislativas não ferem, de modo flagrante e manifesto, o princípio da proporcionalidade. A este propósito, deve sempre ter-se presente que “Só um método interpretativo rigoroso e controlado limita a invasão pelos tribunais constitucionais da esfera legislativa e impede a actividade judicativa de se tornar um «contra-poder legislativo»” (Fernanda Palma, O legislador negativo e o intérprete da Constituição, in «O Direito», 140º (2008), III, 523).

Ora, a agravação do montante mínimo da coima a suportar pelas pessoas colectivas, em 11.500 €, não pode considerar-se manifestamente desproporcionada, visto que tem por finalidade promover o cumprimento voluntário de um dever legalmente imposto que, por sua vez, visa acautelar os direitos dos consumidores constitucionalmente consagrados (artigo 60º, nº 1, da CRP. Conforme já supra notado, tal cumprimento voluntário apenas é promovido mediante a aplicação de sanções “efectivas” e “dissuasoras”.»

Apreciando a oposição de julgados, veio também a ser proferido o Acórdão do Pleno do TC nº 97/2014, de 06.02.2014, disponível in www.tribunalconstitucional.pt, no qual se decidiu «não julgar inconstitucional a norma extraída do n.º 3 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 156/2005, quando interpretada no sentido de que, requerida a presença da autoridade para remover a recusa referida no número anterior, essa recusa é removida sendo o livro de reclamações facultado ao utente».

Assim, não se verificando a alegada inconstitucionalidade, sem necessidade de outras considerações, improcede, também nesta parte, o presente recurso.
*
2. 4. – Das Custas
De harmonia com o disposto no artº 92º, nº 1, do RGCO, as custas em processo de contra-ordenação regular-se-ão pelos preceitos reguladores das custas em processo criminal, estipulando-se no nº 3 do mesmo dispositivo legal que as custas abrangem, nos termos gerais, a taxa de justiça, os honorários dos defensores oficiosos, os emolumentos a pagar aos peritos e os demais encargos resultantes do processo.

Nos termos previstos no artº 93º, nº 3, do RGCO, todas as decisões judiciais desfavoráveis ao arguido dão lugar ao pagamento de taxa de justiça, determinando-se também no seu nº 4 que a taxa de justiça não será inferior a (euro) 0,75 nem superior a (euro) 374,10, devendo o seu montante ser fixado em razão da situação económica do infractor, bem como da complexidade do processo.

Determina-se também no nº 3 do artº 513º do C.P.P. que a condenação em taxa de justiça é sempre individual e o respectivo quantitativo é fixado pelo juiz, a final, nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais.

Assim, tendo decaído integralmente no presente recurso, é a recorrente responsável pelo pagamento das respectivas custas, impondo-se por isso a sua condenação no pagamento daquelas, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs (artº 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais e tabela III ao mesmo anexa).
*
III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela arguida, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 UC (três unidades de conta) - (artºs 92 e 93º do RGCO, 513º do C.P.P. e 8º, nº 9, do R.C.P. e tabela III ao mesmo anexa).
Notifique.
*
Elaborado em computador e integralmente revisto pela relatora (artº 94º, nº 2, do C.P.P.)
*
*
Évora, 11 de Outubro de 2016

(Maria Leonor Botelho)

(Gilberto da Cunha)