Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
170/16.6T8MMN.E1
Relator: FLORBELA MOREIRA LANÇA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
ACIDENTE DE VIAÇÃO
Data do Acordão: 06/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I. No âmbito da vigência do actual CPC, a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.
II. Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado.
III. A supressão das expressões de cariz jurídico-conclusivo, não tem a virtualidade de afastar a valoração dos concretos factos que constem da matéria de facto provada, pois é com base em factos concretos que pode sustentar-se o juízo e não a partir de expressões conclusivas que representam conceitos/conclusões que não podem ser objecto de prova.
IV. Assim, a intervenção desta Relação não se dá ao nível da (re)apreciação da prova, mas antes “na despistagem (identificação/qualificação/expurgação), nos pontos da matéria de facto em causa, das afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito”, ao abrigo da previsão constante do n.º 4 do art.º 607.º do CPC, que não no âmbito do disposto nos art.ºs. 640.º (impugnação da decisão relativa à matéria de facto feita pela parte/recorrente) ou 662.º (modificabilidade da decisão de facto) do CPC.
V. A alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, não só apontam em direcção diversa, como impõem decisão diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório
BB e mulher CC intentaram a presente acção declarativa de condenação contra DD – Companhia de Seguros, SA, pedindo que a R. seja condenada “no pagamento, em favor dos AA., da quantia de 7.387,72 €, sendo:
a) - A quantia de 3.842,72, a título dos danos causados no veículo 22-84.CP, propriedade dos AA.
b) – A quantia de 2.000,00 € a título de danos corporais sofridos pela A. mulher.
c) – A quantia de 1.500,00 €, na vertente de danos morais sofridos pela A. mulher.
d) - A quantia de 45,00 € em despesas médicas já efectuadas pela A. mulher. Deve ainda a Ré ser condenada no pagamento de todas as despesas médicas e medicamentosas futuras que a A., mulher vier a suportar em consequência do relatado acidente. Mais deve a Ré ser condenada em juros de mora contados desde a data da citação à do efectivo e integral pagamento e bem assim, como em custas e procuradoria condigna.”.
Em sede de ampliação do pedido e da causa de pedir, que foi deferida, os autores peticionaram “… a título de danos corporais o valor do pedido é fixado no valor de 3.500,00 €. - A título de danos morais, o valor do pedido é fixado em 23.000,00 €.”
Alegaram para tanto, em síntese, que foram intervenientes num acidente de viação em que o outro veículo era segurado da ré e que a responsabilidade pelo acidente é do segurado, peticionando os danos alegadamente sofridos nos termos já supra referidos.
Em contestação, admitindo a celebração e validade do contrato de seguro em causa, alegou a ré, em síntese, que é o autor o único responsável pelo acidente de viação pelo que nada tem a pagar, propugnando pela improcedência do pedido.

Realizada audiência final foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente.
Os AA. não se conformando com a sentença prolatada dela interpuseram recurso apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
“1ª A matéria dada com provada sob o ponto 5 dos factos provados vai impugnada porquanto a decisão é contrária àquilo que ficou provado, ou seja, que o indicador de mudança de sinal estava accionado à esquerda (ponto 5), diante do testemunho de Júlio … que referiu ter visto o indicador de mudança accionado à direita,
2ª Assim, e uma vez que os autos fornecem prova bastante à modificação da decisão impugnada, esta deve ser alterada no sentido de não provado. È o que resulta da prova que consta dos autos e aqui se defende.
3ª E a demais matéria (pontos 6 a 11 dos factos considerados provados) é igualmente impugnada porque sobre a mesma não foi produzida qualquer prova.
Neste enquadramento, os Apelantes apenas impetram a alteração da decisão respectiva no sentido de não provado, não indicando, por ausência de prova, o sentido da decisão que, no seu entendimento, no caso caberia.
4ª A matéria constante das alíneas a), a d), dos factos considerados não provados, nos exactos termos em que é referida na sentença, deve ser dada como inteiramente provada já que incorrectamente apreciada pelo Tribunal a quo, ou seja, a decisão que a incorpora deve ser alterada no sentido de provada porque os autos contêm prova suficiente para tal designadamente as declarações da Autora, e os depoimentos das testemunhas presencias João … e Domingos ….
Assim,
5ª Deve pois proceder a versão apresentada pelos AA sobre a dinâmica do acidente.
6ª E isto porque os depoimentos que a ancoram, que permanecem inabalados, foram produzidos de modo sério, objectivo e coerente, e, portanto, merecedores de inteira credibilidade
7ª Ao invés, as razões invocadas pelo Tribunal a quo para as desmerecer designadamente pelo facto de terem sido produzidos por amigos e vizinhos dos AA, e, por outro lado, por serem demasiado coerentes e desprovidos de espontaneidade, não são aceitáveis de todo.
8ª Com efeito, a relação de proximidade limítrofe ou de amizade não constitui entorse ou obstáculo à verdade, i e., não constitui critério de valoração e/ou exclusão de prova cuja deve ser aferida sobretudo por força da razão de ciência que lhe estiver associada.
9ª Dito por outras palavras: a amizade e/ou a vizinhança por si só não retiram falibilidade ao testemunho e, caso assim aconteça, – o que não se verificou de todo no caso em apreço – devia o Tribunal a quo, na sentença, de modo expresso afirmá-lo em lugar de disseminar a dúvida ou a suspeição. Isto é: ao Tribunal recorrido competia invocar as razões concretas por que lhe pareceu não merecer fiabilidade os testemunhos de João … e Domingos ….

10ª E isto por duas razões muito simples: a primeira, porque permitiria aos Recorrentes aferir da bondade da decisão, e a segunda, porque a fundamentação consistente é a garantia de ataque ao julgado.
11ª E o mesmo se diga, mutatis mutandis, no que concerne à apontada pouca espontaneidade e à coerência em demasia. Quando não, pergunta-se: como, e em que se materializou o excesso de coerência ou a falta de espontaneidade?
12ª A sentença devia – e não o fez – concretizar como se materializou a dita falta de espontaneidade, e bem assim como o excesso de coerência. De modo que a vacuidade utilizada é claramente anódina.
13ª É certo que a sentença, ao desdenhar a versão dos AA quanto à dinâmica do acidente, também procurou apoio no croqui. Só que deste fez interpretação distorcida. Desde logo, porque,
14ª Ao invés do que refere a douta sentença, foi o …-…-LS a embater no …-…- CP e não o contrário. Logo, pelas leis da física e como é também comummente reconhecido e aceite pelo senso comum, o veículo que embate tende a permanecer no local enquanto que o veículo embatido é projectado por efeito do impacto nele produzido
Por conseguinte, a interpretação do croqui levada a cabo pelo Tribunal a quo afigura-se, salvo o devido respeito, completamente torticeira.
15ª Em resumo: a razão invocada pelo Tribunal a quo para negar fiabilidade à versão dos AA no que concerne à dinâmica do acidente não procede. A isto acresce que à matéria que se poderia extrair do croqui correspondem os factos veiculados sob os pontos 10 e11 da decisão de facto a qual foi impugnada.
Portanto, nenhuma valia oferece o croqui.
16ª Vejamos, agora, a fundamentação ou a falta dela. Desde logo, o ponto 5 dos factos dados como provados (o indicador de mudança de direcção estava accionado para a esquerda) é contrário a prova efectivamente lograda em julgamento designadamente por via do depoimento da testemunha Júlio … que referiu ter visto o indicador de mudança de direcção accionado para a direita, à semelhança do que declararam a Autora e a testemunha presencial João … consoante é referido expressamente na sentença.
17ª Por outro lado, o depoimento do outro interveniente no acidente, ao referir que “o Autor fez pisca à esquerda, que entrou em sentido contrário ao do trânsito na faixa de rodagem contrária, que encostou praticamente no passeio na frente de uma carrinha aí estacionada, e que após é que virou à esquerda para voltar à sua faixa de rodagem e então entrar em casa”, não só não faz sentido assim como corresponde a um autêntico absurdo. Quando não pergunta-se: se o A, “encostado praticamente ao passeio” tivesse virado à esquerda, por onde circularia a partir de um tal momento? Fora da via? Mais: se a casa do A é à direita, atento ao seu sentido de marcha, por que razão voltaria ele à esquerda para na dita entrar? E mais ainda: se o A virou à esquerda, então por que se deu o embate?
18ª O depoimento do outro interveniente no acidente não merece qualquer fiabilidade uma vez que não passa de um chorrilho de imbecilidades como, aliás, é bem de ver. De resto, se o Tribunal a quo o acolheu, então devia ter explicitado a razão por que o privilegiou em detrimento do de Júlio …. Assim,
19ª Por encerar ambiguidade que a torna ininteligível, a sentença padece de nulidade – V artº 615º, nº1, c), do Cód de Processo Civil.
20ª Á demais matéria dada como provada (pontos 6, a 11) escapa em absoluto fundamentação. De facto, percorrendo a sentença, nesta não se encontra suporte probatório que a sustente nem, muito menos, o exame crítico que se lhe fez.
Donde resulta que a ausência de fundamentação brota óbvia. A falta de fundamentação acarreta a nulidade da sentença – V artº 615º, nº1,b), do Cód. De Processo Civil.
21ª A douta sentença fez, pois, violação dos artigos 341º e 342º, ambos do Cód Civil e, ainda, do artº 615º, nº 1, c), e b), do Cód de Processo Civil.
Termos em que,
Deve o presente recurso, e com o sempre mui douto suprimento de Vexas., merecer provimento e, consequentemente, ser revogada a decisão recorrida e, em seu ligar, outra produzida no sentido de.
1.Ser alterada a decisão de facto dada com p provada a coberto dos pontos 5 a 11 no sentido de não provada
Por outro lado, os factos alinhados sob as alíneas a), a i), dos factos considerados não provados devem ser alterados no sentido de ser havidos por provados
2.E subsumindo os factos agora dados como provados ao pertinente comando normativo, logo se segue que a acção deve ser julgada procedente, porque provada, e tudo com as legais consequências,
3.Quando assim se não entenda, deve a sentença ser considerada inquinada de nulidade por violação do disposto no art.º 615º, nº 1, c), e b), do Cód de Processo Civil,
A apelada respondeu às alegações.
Providenciados os vistos e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir
II. Objecto do Recurso
Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (art.º 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC),

Questões a decidir:
- da nulidade da sentença por falta de fundamentação e ininteligibilidade da decisão;
- da alteração da matéria de facto;
- se é ou não de confirmar a sentença recorrida, atendendo a que os Recorrentes sustentaram a sua pretensão apenas na pretendida alteração da matéria de facto.
III. Fundamentação
1.De Facto
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1.Os AA. são donos e legítimos possuidores do veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca SEAT – Modelo Toledo, Matricula …-…-CP.
2. No dia 24.11.2015, pelas 11,20 horas, o veículo matricula …-…-CP, propriedade dos AA., e conduzido pelo A. marido acompanhado pela sua esposa, circulavam na Av. 25 de Abril em Vendas Novas, no sentido Norte/ Sul.
3. Os AA. dirigiam-se para a sua residência, esta sita na referida Av. … nº … em Vendas Novas, situada do lado direito atento o seu sentido de marcha.
4. À sua retaguarda e a pouca distância do veículo dos AA., e no mesmo sentido de marcha, seguia o veículo automóvel ligeiro de passageiros da Marca Volkswagen, Modelo Golf, Matricula …-…-LS, conduzido pelo seu proprietário EE.
5. Um pouco antes de chegar junto ao prédio que tem o n.º 210-A de polícia, o autor accionou o indicador de mudança de direcção para a esquerda e tomou a faixa esquerda da via, diminuindo a velocidade da viatura que conduzia.
6. Deixando disponível toda a faixa direita da referida artéria.
7. O condutor do veículo …-…-LS, pensando que o autor ia estacionar do lado esquerdo da via, manteve a sua marcha pela meia faixa por onde seguia, a qual se encontrava completamente livre.
8. Quando o veículo …-…-LS se encontrava com a parte da frente ao nível da parte da frente da porta dianteira do veículo do autor, este virou, de forma súbita e inesperada, para a direita, para entrar na sua residência, cortando a linha de marcha do primeiro.
9. Indo embater com a parte lateral direita, ao nível da parte do guarda-lamas e da frente da porta dianteira, na parte da frente do lado esquerdo do …-…-LS.
10. O embate fez com que este último veículo se imobilizasse cerca de quatro metros após o embate, junto de uma árvore que se encontra na berma direita da via, tendo o veículo do autor ficado imobilizado junto ao local do embate.
11. O embate ocorreu sensivelmente a dois metros do passeio do lado direito da Avenida 25 de Abril, considerando o sentido de marcha dos dois automóveis.
12. Em resultado do embate entre os dois veículos, registaram-se no veículo matricula …-…-CP, propriedade dos AA., vários danos.
13. No veículo propriedade dos AA., conduzido pelo A., marido, ao lado deste, no banco da frente do lado direito seguia a sua esposa CC.
14. O embate no veículo dos AA., centrou-se na frente do lado direito, mais concretamente, na porta e guarda/lama.
15. Em consequência directa e necessária do relatado acidente, nos dias seguintes à sua ocorrência, a A. mulher começou a manifestar uma forte depressão reactiva.
16. Embora a A. mulher, em 2009, tenha sido operada com abertura do tórax para colocação de by pass, a verdade é que, não obstante isso, a mesma fazia a sua vida normal sem perturbações assinaláveis.
17. Porém, em consequência do acidente referido, a A., mulher passou a descontrolar-se, a irritar-se frequentemente, a chorar facilmente e não obstante a dificuldade em deslocar-se a pé para longas distâncias, a partir da data do acidente referido, a mesma, passou a recusar-se em deslocar-se de automóvel.
18. Em consequência do que a mesma teve necessidade de recorrer a consulta médica, encontrando-se actualmente medicada e em sofrimento permanente.
19. Desde o acidente, a A. tem recordações intrusivas indesejadas e pesadelos sobre o acidente, reactividade emocional quando anda de carro, chegando mesmo a recusar-se em viajar de automóvel, estado de ansiedade e dificuldade em fazer as actividades da vida diária em comparação com período anterior ao acidente, e dificuldade em dormir e de concentração.
20. Em 14/01/2016 a A. foi a uma consulta médica e pagou € 45,00.
21. A direcção efectiva e o interesse na utilização do dito …-…-LS, impendia sobre o seu condutor EE, que transferira a responsabilidade decorrente da respectiva circulação para a aqui Ré.
22. É a Seguradora aqui Ré que acautela a responsabilidade civil emergente da circulação do ligeiro de passageiros …-…-LS, através da apólice nº 75382347.
E não provada a seguinte factualidade:
a) Quando os AA. se encontravam a cerca de 200 metros da sua residência, o A., marido accionou o sinal de mudança de direcção “pisca/pisca” do veículo que conduzia, indicando que ia voltar à direita para entrar no portão que dá acesso logradouro da sua residência.

b) Quando se encontrava a poucos metros do portão de entrada, o A., marido aproximou o veículo do eixo da via, isto, de modo a poder entrar directamente no referido portão, sem ter que fazer outras manobras.
c) Ocorre que, quando o veículo dos AA., mudou de direcção para a direita e quando já se encontrava com a frente direccionada para o dito portão e a pouca distância deste, eis que surge o veículo matrícula …-…-LS, cujo condutor pretendendo ultrapassar o veículo dos AA., pela direita, embateu com a frente do …-…-LS, no lado direito frente do veículo matrícula …-…-CP propriedade dos AA.
d) O embate no veículo dos AA., foi muito violento, de tal modo que, estando o veículo dos AA., já direccionado e prestes a entrar no portão da sua residência, com a violência do embate o mesmo foi projectado para uma distância de 5,10 metros do local do embate, indo embater numa árvore que ali se encontra.
e) Com a força do embate, a A., mulher foi projectada contra o marido que circulava ao volante do veículo.
f) No momento do acidente a A., mulher, para além do enorme susto que o embate no veículo lhe provocou, não apresentava outras queixas dignas de registo.
g) Por referência a 10, que a A. não se desloque de carro mesmo para ir ao médico ou outros locais de que necessita.
h) Por referência a 12, não se provaram quais os concretos danos sofridos nem o valor da respectiva reparação - Porta frente direita no valor de 335,00 €. Espelho retrovisor da porta da frente direita no valor de 91,71 €. Guarda/lama do lado direito frente no valor de 77,00 €. Friso do guarda/lama frente direito no valor de 24,90 €. Jante liga leve da frente direita, no valor de 260,00 €. Pisca do guarda/lama da frente direita, no valor de 18,20 €. Manga do eixo da frente direita, no valor de 295,00 €. Cubo da roda da frente direita no valor de 224,80 €. Rolamentos do cubo da roda da frente direita, no valor de 105,60 €. Amortecedor da frente do lado direito, no valor de 146,50 €. Resguardo da roda da frente direita, no valor de 48,50 €. Alinhamento da direcção, no valor de 25,00 €. Serviço de chapa: banco de ensaio; pilar direito; embaladeira direita; porta da frente direita; Guarda/lama da frente direita; resguardo da roda da frente direita; desmontar e montar banco da frente direita; montagem de espelho retrovisor; montagem de porta da frente direita e peças; dobradiças da porta da frente direita, no valor de 700,00 €. Mecânica: montar amortecedor da frente direita; manga de eixo; rolamentos e jante, no valor de 280,00 €. Pintura: Guarda/lamas direito; porta da frente direita; embaladeira; pilar do lado direito e espelho retrovisor do lado direito, no valor de 370,00 €. Existem ainda outras peças danificadas em consequência do acidente e que não existem no mercado de peças novas, nomeadamente, a Embaladeira direita c/pilar frente direita e as dobradiças da porta da frente direita, peças estas, que terão que ser adquiridas no mercado de peças usadas cujo valor é de 150,00 €.
i) O acidente aconteceu, exclusivamente, por virtude da condução desatenta do condutor do veículo matricula …-…-LS, o qual, encetou uma ultrapassar ao veículo dos AA. pela direita em clara violação com as regras estradais, não obstante o veículo dos AA., que seguia à sua frente ter o sinal accionado para mudança de direcção para a direita atento o seu sentido de marcha.
Os demais factos não foram considerados por não terem relevância para a discussão da causa, consubstanciarem mera impugnação, serem repetidos, conclusivos ou conterem exclusivamente matéria de Direito.
2. O Direito
1.ª Questão
Por uma questão de precedência lógica, impõe-se, em primeiro lugar e não obstante o cariz subsidiário conferido à arguição, conhecer das nulidades imputadas à sentença.
Deste modo, importa primeiramente ajuizar se a mesma padece de falta de fundamentação e que, portanto, incorreu na nulidade da decisão prevenida na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.
Como se sabe, as decisões judiciais devem ser factual e juridicamente fundamentadas (n.º 1 do art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa e n.º 1 do art.º 154.º do Código de Processo Civil), exigência que tem como propósito permitir ao julgador apreciar criticamente a lógica da decisão que está tomar, facultar às partes o recurso com perfeito conhecimento do percurso seguido pelo decisor e viabilizar o efectivo controle daquela pela instância de recurso.
Justifica-se, por isso, que a lei comine a nulidade arguida para a decisão que careça de fundamentação.
Porém, como já ensinava Alberto dos Reis[1] “(…) há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto” (…).
É nestes termos que a arguição em análise tem sido uniformemente decidida pela jurisprudência e dela não se enxergam motivos para fundamentadamente dissentir.
No caso vertente, os recorrentes defendem que a decisão quanto aos factos inscritos nos pontos n.º 6 a 11 do elenco factual provada não está fundamentada.
Não é assim.
No capítulo dedicado à dinâmica do acidente (cfr. pp. 7 a 9 da sentença) a sentença discorre exuberantemente sobre as razões que fundaram a decisão sobre aquele aspecto da causa, o qual se reconduz essencialmente aos pontos factuais sobre censura.
A crítica a essa fundamentação constitui, aliás, o cerne do presente recurso, sendo que, apreciando o teor das conclusões, se pode, sem qualquer dúvida, considerar que os recorrentes entenderam os motivos pelos quais se decidiu em seu desfavor.
Essa fundamentação permite à Relação discernir o percurso lógico-dedutivo encetado pela 1.ª instância na sentença apelada.
Mostram-se, pois, cumpridos os propósitos que presidem à exigência legal a que antes aludimos.
A eventual incompletude ou deficiência da fundamentação empregue (o que, no entender dos recorrentes se verificará a respeito da valoração de determinados testemunhos) afectará o valor intrínseco da decisão mas não é reconduzível à nulidade em causa, cuja arguição, por esse motivo, se desatende.
Sustentam ainda os recorrentes que a decisão padece de ambiguidade que a torna ininteligível.
Da interpretação da segunda parte da al. c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC resulta que a obscuridade ou ambiguidade do julgado deixou de constituir fundamento de reforma daquele (cfr. al. a) do n.º 1 do art.º 669.º do CPC pré-vigente e al. a) do n.º 1 do art.º 616.º da actual redacção do mesmo Código), passando a sua ocorrência a constituir, quando torne imperceptível a decisão, fundamento para a invocação da nulidade desta.
Pretendeu-se, com esta alteração, eliminar os pedidos de esclarecimento com propósitos meramente dilatórios, pois só a verificação de obscuridades e/ou ambiguidades na sentença que atinjam aquele grau de gravidade justificará a intervenção judicial no sentido da sua supressão mediante o reconhecimento da consequente nulidade.
Por ambígua, crê-se que se deva continuar a ter a decisão à qual é razoavelmente possível atribuírem-se, pelo menos, dois sentidos díspares ao passo que será obscura a resolução cujo sentido seja impossível de ser apreendido por um destinatário medianamente esclarecido.
Ora, como se convirá, não é possível atribuir à sentença apelada mais do que um sentido, sendo a mesma clara e explícita na conclusão de que a versão dos factos trazida pelos apelantes na petição inicial não se mostrou comprovada pela prova produzida em julgamento.
Por isso, a decisão recorrida não pode ser apelidada de ambígua, sendo certo, de resto, que os recorrentes nem sequer se afadigaram em concretizar em que consistiria essa ambiguidade.
Destarte, não padecendo a decisão desse vício, nem sequer há que apurar se o mesmo conduz à ininteligibilidade do decidido.
Improcedem, pois, as nulidades arguidas.
2.ª questão
Como se colhe da concatenação das conclusões 1), 2), 4), 6) a 9), 16) e 18) o recorrente manifesta a sua discordância relativamente à decisão da matéria de facto (mormente no que toca aos danos por ele invocados) e impetra a modificação do decidido quanto a esse aspecto, louvando-se, para tanto, na crítica que faz à valoração efectuada pelo tribunal a respeito de diversos depoimentos e das declarações de parte da A..
Com efeito, o recurso interposto pelas AA. tem por objecto, para além do mais, a reapreciação da matéria de facto relativamente à factualidade vertida sob os pontos 5 a 11 do quadro fáctico provado, entendendo as recorrentes que tal factualidade deverá ser julgada não provada e os as alíneas a) a i) do elenco factual não provado provadas.
Ora, quando impugna a matéria de facto, o recorrente tem de cumprir os ónus que sobre si impendem, sob pena de rejeição do recuro (art.º 640.º, n.º 1, als. a) a c), e n.º 2, al. a), do CPC), ou seja, cabe ao recorrente especificar:
a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas quanto aos indicados pontos da matéria de facto;
d) com exactidão, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
O cumprimento do ónus a cargo do recorrente previsto no n.º 2, al. d) do art.º 640.º do CPC tem sido objecto de inúmeros arestos do STJ, que tem entendido ser tal ónus “um ónus secundário”, que deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável.
Assim, quanto às alegações dos Recorrentes, estes não forneceram a localização de cada um dos depoimentos que pretendem ver reapreciados, ou seja não cumpriram o ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes.
Contudo, atendendo à jurisprudência do STJ, acima referida, verifica-se que tal omissão não dificulta/ou, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, pelo que entendemos não ser de rejeitar o recurso interposto quanto à impugnação da decisão da matéria de facto.
Ora, entendem os apelantes que os pontos sob 5) [Um pouco antes de chegar junto ao prédio que tem o n.º 210-A de polícia, o autor accionou o indicador de mudança de direcção para a esquerda e tomou a faixa esquerda da via, diminuindo a velocidade da viatura que conduzia], 6) [Deixando disponível toda a faixa direita da referida artéria], 7) [O condutor do veículo …-…-LS, pensando que o autor ia estacionar do lado esquerdo da via, manteve a sua marcha pela meia faixa por onde seguia, a qual se encontrava completamente livre], 8) [Quando o veículo …-…-LS se encontrava com a parte da frente ao nível da parte da frente da porta dianteira do veículo do autor, este virou, de forma súbita e inesperada, para a direita, para entrar na sua residência, cortando a linha de marcha do primeiro], 9) [Indo embater com a parte lateral direita, ao nível da parte do guarda-lamas e da frente da porta dianteira, na parte da frente do lado esquerdo do …-…-LS], 10) [O embate fez com que este último veículo se imobilizasse cerca de quatro metros após o embate, junto de uma árvore que se encontra na berma direita da via, tendo o veículo do autor ficado imobilizado junto ao local do embate] e 11) [O embate ocorreu sensivelmente a dois metros do passeio do lado direito da Avenida 25 de Abril, considerando o sentido de marcha dos dois automóveis] do elenco factual provado sejam julgados não provados e que as alíneas a) [Quando os AA. se encontravam a cerca de 200 metros da sua residência, o A., marido accionou o sinal de mudança de direcção “pisca/pisca” do veículo que conduzia, indicando que ia voltar à direita para entrar no portão que dá acesso logradouro da sua residência], b) [Quando se encontrava a poucos metros do portão de entrada, o A., marido aproximou o veículo do eixo da via, isto, de modo a poder entrar directamente no referido portão, sem ter que fazer outras manobras], c) [Ocorre que, quando o veículo dos AA., mudou de direcção para a direita e quando já se encontrava com a frente direccionada para o dito portão e a pouca distância deste, eis que surge o veículo matrícula …-…-LS, cujo condutor pretendendo ultrapassar o veículo dos AA., pela direita, embateu com a frente do …-…-LS, no lado direito frente do veículo matrícula …-…-CP propriedade dos AA], d) [O embate no veículo dos AA., foi muito violento, de tal modo que, estando o veículo dos AA., já direccionado e prestes a entrar no portão da sua residência, com a violência do embate o mesmo foi projectado para uma distancia de 5,10 metros do local do embate, indo embater numa árvore que ali se encontra], e) [Com a força do embate, a A., mulher foi projectada contra o marido que circulava ao volante do veículo], f) [No momento do acidente a A., mulher, para além do enorme susto que o embate no veículo lhe provocou, não apresentava outras queixas dignas de registo], g) [Por referência a 10, que a A. não se desloque de carro mesmo para ir ao médico ou outros locais de que necessita], h) [Por referência a 12, não se provaram quais os concretos danos sofridos nem o valor da respectiva reparação - Porta frente direita no valor de 335,00 €. Espelho retrovisor da porta da frente direita no valor de 91,71 €. Guarda/lama do lado direito frente no valor de 77,00 €. Friso do guarda/lama frente direito no valor de 24,90 €. Jante liga leve da frente direita, no valor de 260,00 €. Pisca do guarda/lama da frente direita, no valor de 18,20 €. Manga do eixo da frente direita, no valor de 295,00 €. Cubo da roda da frente direita no valor de 224,80 €. Rolamentos do cubo da roda da frente direita, no valor de 105,60 €. Amortecedor da frente do lado direito, no valor de 146,50 €. Resguardo da roda da frente direita, no valor de 48,50 €. Alinhamento da direcção, no valor de 25,00 €. Serviço de chapa: banco de ensaio; pilar direito; embaladeira direita; porta da frente direita; Guarda/lama da frente direita; resguardo da roda da frente direita; desmontar e montar banco da frente direita; montagem de espelho retrovisor; montagem de porta da frente direita e peças; dobradiças da porta da frente direita, no valor de 700,00 €. Mecânica: montar amortecedor da frente direita; manga de eixo; rolamentos e jante, no valor de 280,00 €. Pintura: Guarda/lamas direito; porta da frente direita; embaladeira; pilar do lado direito e espelho retrovisor do lado direito, no valor de 370,00 €. Existem ainda outras peças danificadas em consequência do acidente e que não existem no mercado de peças novas, nomeadamente, a Embaladeira direita c/pilar frente direita e as dobradiças da porta da frente direita, peças estas, que terão que ser adquiridas no mercado de peças usadas cujo valor é de 150,00 € ] e i) [o acidente aconteceu, exclusivamente, por virtude da condução desatenta do condutor do veículo matricula …-…-LS, o qual, encetou uma ultrapassagem ao veículo dos AA. pela direita em clara violação com as regras estradais, não obstante o veículo dos AA., que seguia à sua frente ter o sinal accionado para mudança de direcção para a direita atento o seu sentido de marcha] do elenco factual não provado deverão ser julgados provados.
Apreciemos, tendo presente o que impressivamente se escreveu no Ac. do STJ de 07.09.2017[2].

“(…) a análise crítica da prova a que se refere o n.º 4 do artigo 607.º do CPC, mormente por parte do Tribunal da Relação, não significa que tenham de ser versados ou rebatidos, ponto por ponto, todos os argumentos do impugnante nem que tenha de ser efetuada uma argumentação exaustiva ou de pormenor de todo o material probatório. Afigura-se bastar que dessa análise se destaquem ou especifiquem os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção do tribunal.
Também nada obsta a que o tribunal de recurso secunde ou corrobore a fundamentação dada pela 1.ª instância, desde que esta se revele sólida ou convincente à luz da prova auditada e não se mostre fragilizada pela argumentação probatória do impugnante, sustentada em elementos concretos que defluam da prova produzida, em termos de caracterizar minimamente o erro de julgamento invocado ou que, como se refere no artigo 640.º, n.º 1, aliena b), do CPC, imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida.
O nosso regime de sindicância da decisão de facto pela 2.ª instância tem em vista não um segundo julgamento latitudinário da causa, mas sim a reapreciação dos juízos de facto parcelares impugnados, na perspetiva de erros de julgamento específicos, o que requer, por banda do impugnante, uma argumentação probatória que, no limite, os configure.
(…)”.
Tenha-se primeiramente em conta que, apesar de caber à Relação proceder à efectiva reponderação das provas indicadas pelos recorrentes e proceder à sua análise crítica e, nessa sequência, formular a sua própria convicção a qual terá de passar pela análise crítica desses meios probatórios, há que não esquecer que não tem o beneplácito da imediação com a prova testemunhal.
A Mm.ª Juíza a quo fundamentou a decisão da matéria de facto, nos seguintes termos:
“A factualidade dada como provada resulta da análise crítica do teor dos documentos juntos autos, nomeadamente:
- Registo de propriedade de fls. 13
- Orçamento de fls. 14/15
- Informação clinica de fls. 16
- Factura de fls. 17
- Participação de acidente de viação

- Croqui de fls. 35
- Apólice e condições particulares
- Fotografias
- Informação clinica de fls. 111 e de fls. 126 verso a 128
Prova esta completada com as declarações de parte de parte da autora e com o depoimento das seis testemunhas ouvidas, elementos estes globalmente apreciados e conjugados entre si, incluindo com recurso às regras da experiência comum e ao disposto nos artigos 414º do Cód. Proc. Civil e 342º do Cód. Civil.
Assim,
O facto provado em 1 resulta do registo de propriedade.
Os factos provados em 2, 4, 12, 13, e 14, foram confirmados de forma unânime por toda a prova produzida e portanto não se nos suscitaram dúvidas relativamente aos mesmos.
O facto provado em 3, é o resultado das declarações de parte da autora, nesta parte não contrariadas, sendo que as testemunhas dos autores também o confirmaram de forma verosímil.
20 resulta de documento junto não impugnado.
Os factos provados em 21 e 22 igualmente não foram desditos por nenhuma prova e resultam da apólice e condições particulares juntos.
No que concerne à dinâmica do acidente – factos 5 a 11,
De notar em primeiro lugar que a testemunha Leonel …, não presenciou o acidente pois que quando se apercebeu dos factos já os veículos estavam imobilizados pós embate. O mesmo se diga quanto ao militar da GNR Luís …, o qual, não obstante, confirmou integralmente o teor do croqui anexo à participação por acidente por si elaborado.
A apresentada pela autora, em declarações de parte, confirmada no essencial pelas testemunhas presenciais João … e Domingos …; e a apresentada pelo condutor do outro veículo interveniente EE, e por Júlio …, pessoa que desconhece todos os envolvidos e que apenas se encontrava a circular no mesmo local onde ocorreram os factos.
Em suma, a versão da autora, de João e de Domingos, é no sentido de que o autor, pretendendo entrar em sua casa e, para o efeito, virar à direita, previamente fez o pisca à direita, encostou-se ao meio da faixa de rodagem, eventualmente invadindo ligeiramente com a traseira a faixa de rodagem contrária, que o fez para preparar a manobra (viragem à direita) de entrada em casa, e que, quando estava já a iniciar a manobra de subida do passeio para entrar no portão de sua casa, o segurado da ré aparece subitamente e provoca o embate.
Por outro lado, o condutor do outro veículo explicou que o autor fez pisca à esquerda, que entrou em sentido contrário ao do trânsito na faixa de rodagem contrária, que encostou praticamente ao passeio na frente de uma “camioneta” aí estacionada, e que após é que virou à esquerda para voltar à sua faixa de rodagem e então entrar em casa.

Ora, tendo em conta ainda o croqui, o local do embate, o local de imobilização dos veículos e os danos causados em ambos, entendemos que a versão apresentada pelos autores não pode colher.
Desde logo porque as testemunhas dos autores são amigos e vizinhos de ambos e pareceu-nos que os seus depoimentos foram demasiado coerentes e pouco espontâneos, o que lhes retirou fiabilidade.
Por outro lado, a testemunha Júlio … foi clara, precisa e totalmente desinteressada, e contrariou a versão apresentada por aqueles.
Esta testemunha seguia no sentido oposto ao dos autores e ao vê-los, com pisca para a direita, invadir a sua faixa de rodagem, viu-se obrigado a encostar atrás de uma carrinha estacionada no seu sentido de marcha para permitir que o autor fizesse a sua manobra, que primeiro julgou ser de seguir em frente, mas que foi de encostar ao passeio.
Se é certo que não recordava horas e datas, é igualmente certo que o lapso de tempo decorrido o justifica, e é igualmente certo que o que fica na memória é o acidente e não pormenores como datas e horas.
Atribuiu-lhe especial credibilidade o facto de não conhecer nenhum dos intervenientes, e ainda a circunstância de ter referido que na altura dos factos disse à companheira que com ele seguia: se não viesse o outro carro (o Golf) seria eu a bater porque como deixei de ver o carro (dos autores, parado na frente da dita carrinha estacionada) julgaria que poderia ultrapassar a carrinha estacionada.
Na verdade, se o veículo segurado seguia atrás do veículo dos autores, não se compreende em absoluto porque haveria de o ultrapassar pela direita se os mesmos apenas estivessem a fazer a manobra de viragem à direita. Ao contrário, compreende-se que o fizesse quando na sua versão os autores fizeram pisca à esquerda, mudaram de faixa de rodagem, deixaram, por isso, a sua faixa de circulação livre, e o segurado seguiu por essa razão. O embate deu-se, pois, porque o veículo dos autores, estando do lado esquerdo da faixa de rodagem, virou subitamente para a direita para então entrar em casa. Repare-se que a própria testemunha João …, que viu e esteve no local imediatamente a seguir ao embate, referiu que o segurado da ré “vinha a reclamar”. No caso, entendemos a “reclamação” como uma reacção à ausência de culpa.
Acresce como se disse que o local do embate não é exactamente no passeio de aproximação ao portão da casa dos autores mas ainda na faixa de rodagem o que indicia que viesse em manobra pelo menos do lado esquerdo da via.
Os danos no veículo dos autores foram no lado direito da porta do pendura, e na parte frontal e farol esquerdo do veículo conduzido pelo Sr. EE. Ora, também por aqui se vê que o veículo segurado seguia em frente (porque o podia fazer como concluímos supra), e o veículo dos autores ficou danificado do lado direito porque estava atravessado na faixa de rodagem.

Não nos parece de todo verosímil que o veículo segurado tivesse visto simplesmente os autores a virar à direita e tivesse sem mais seguido em frente.
E nem a velocidade excessiva o justificaria, porque como foi referido por todos, os veículos seguiam atrás um do outro e para que o veículo segurado seguisse em excesso de velocidade também o dos autores teria que estar nas mesmas circunstâncias.
Na verdade, o tipo de impacto e os danos verificados não sugerem velocidade excessiva.
Ao invés, parece-nos aceitável que o veículo do Sr. EE tivesse seguido em frente porque na realidade a faixa de rodagem estava livre na sequência do facto do veículo dos autores ter encostado ao passeio contrário, de tal modo que Júlio … deixou de o ver por breves segundos pois que estava parado atrás da carrinha estacionada.
Quanto aos danos não patrimoniais – factos 15 a 19,
Sendo certo que não existiriam danos físicos, não podemos deixar de referir desde já que nos causou alguma estranheza a intensidade das sequelas relatadas pela autora e ainda o facto das mesmas serem (ou não) causa directa, necessária e exclusiva do acidente.
Mas a verdade é que a autora relatou o seu sofrimento tal como provado e não foi feita prova que infirmasse, nesta parte, as suas declarações. Se é certo que é parte na acção e tem óbvio interesse no seu desfecho, também não conseguimos, nesta matéria, retirar-lhe credibilidade porque nada foi demonstrado em contrário.
Os factos não provados quanto à dinâmica do acidente foram-no naturalmente por oposição à versão que considerámos demonstrada.
E o facto não provado relativamente aos danos sofridos e ao valor da respectiva reparação prende-se com a circunstância do “orçamento” junto ser um documento particular que foi impugnado pela ré, e que portanto não faz prova do seu conteúdo, e não foi produzida prova testemunhal sobre os danos concretamente sofridos e o valor para os reparar. Algumas testemunhas limitaram-se a referir que tinham ideia do autor lhes ter mostrado o orçamento que rondava os € 4.000,00 mas tal não é suficiente para dar o facto como provado.
Os fundamentos supra aduzidos são, pois, a demonstração da nossa convicção de que o autor é que foi o responsável pela produção do acidente.”.
Procedeu-se à audição da prova gravada e analisaram-se os documentos juntos aos autos
Pretendem os apelantes que seja julgado não provado o ponto factual sob 5, estribando a sua pretensão no depoimento de Júlio …, que “referiu ter visto o pisca do veículo dos autores accionados para a direita”, tal como a A. e as testemunhas João … e Domingos ….
Ora testemunha Júlio … depôs que o veículo conduzido pelo A. fez pisca para a esquerda e entrou na faixa de rodagem contrária e, a determinada a altura, depois de ter encostado durante uns segundos, voltou a entrar na sua faixa de rodagem.
Ora mal se compreende que se venha impugnar tal factualidade, com tal fundamento. Ora se por um lado os AA. e o seu I. mandatário estiveram presentes na audiência final tendo, por isso, ouvido o depoimento da testemunha, dúvidas não existem ao ouvir a gravação deste depoimento, que de forma clara, audível e reiterada a testemunha refere que o A. fez pisca para a esquerda. É certo que da motivação da decisão de facto consta “(…) e ao vê-los, com pisca para a direita, invadir a sua faixa de rodagem (…)”, mas é manifesto que tal se trata de um lapso de escrita, o que, pelas razões expostas, não poderia deixar de ser perceptível para os AA. não se entendendo a afirmação na minuta recursória que a testemunha Júlio … “referiu ter visto o pisca do veículo dos autores accionado para a direita”. Aliás, a redacção proposta pelos apelantes para o referido ponto factual seria contrária aos depoimentos de EE e de Júlio … (que não conhece os AA. nem o condutor do LS e que circulava em sentido contrário aos veículos LS e CP, tendo parado atrás de uma carrinha que se encontrava parada para dar passagem a um veículo, presenciando o acidente a que sos autos se reportam) que mereceram a credibilidade do tribunal a quo, tal como merecem deste tribunal ad quem, infirmando as declarações de parte da A. e os depoimentos das testemunhas João … e Domingos ….
Nenhuma censura merece, pois, o julgamento do ponto factual 5, que está conforme com a prova produzida.
Quanto aos factos sob 6 e 7, adianta-se desde já que não existe qualquer contradição entre eles, como pretendem os AA. fazer crer.
Com efeito, o local trata-se de uma recta onde circulam veículos nos dois sentidos, não existindo qualquer tracejado ou risco entre as “faixas”, havendo espaço para circular, em cada um dos sentidos, apenas um veículo. Assim, a “faixa” da direita ou a “meia faixa” da direita (se considerarmos a recta como uma única faixa) “estava livre”.
Também não assiste razão aos AA. quando referem, quanto ao ponto 7., que “escapa de todo suporte probatório pelo que existe erro de julgamento”, quando, ouvido o depoimento do condutor do LS, este declarou que pensou que o A. ia estacionar do lado esquerdo da via.
Quanto aos factos sob 8. e 9., resulta dos depoimentos das testemunhas EE e Júlio … que o A. fez pisca à esquerda, entrou em sentido contrário ao do trânsito na faixa de rodagem contrária, encostou, em sentido contrário, durante alguns segundos de frente a uma carrinha aí estacionada, em sentido contrário, virando à direita para voltar à sua faixa de rodagem e então entrar em casa que se situava à direita considerando o sentido de marcha em que circulava o LS, sendo que em ambos os sentidos apenas existe uma faixa.
Mais depuseram que, quando o veículo LS se encontrava com a parte da frente ao nível da parte da frente da porta dianteira do CP, este virou, de forma súbita e inesperada, para a direita, para entrar na sua residência, cortando a linha de marcha do primeiro, tendo ocorrido o embate entre a parte lateral direita, ao nível da parte do guarda-lamas e da frente da parte dianteira deste e a parte da frente do lado esquerdo do LS.
As testemunhas João …, Domingos …, EE foram unânimes em afirmar que o LS embateu no CP, como aliás decorre das regras da física, pelo que o facto sob 9. Passará a ater a seguinte redacção “Tendo sido embatido na parte lateral direita, ao nível da parte do guarda-lamas e da frente da porta dianteira, pela parte da frente do lado esquerdo do …-…-LS”.
.No que concerne aos pontos factuais 10. e 11. tal factualidade resulta dos depoimentos das testemunhas Júlio … e EE, conjugados com o croquis de fls. 22 (e também de fls. 35), dizendo-se que a valoração do croquis efectuada pelo tribunal recorrido não se mostra errónea e está em coerência com os dados da experiência comum, motivo pelo qual não há que reconhecer razão às críticas tecidas pelos recorrentes.
Ora o depoimento da testemunha Júlio … foi indubitavelemente convincente, infirmando os depoimentos das testemunhas João … e Domingos … e as declarações de parte da A., nos termos acima expostos.
Aliás, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”[3].
No que concerne às alíneas a), b) e d) a h) e ouvidos os depoimentos das testemunhas José … e Domingos … e as declarações de parte da A. não poderemos deixar de concluir que a valoração efectuada pelo tribunal recorrido não se revela arbitrária ou falaciosa, pelo que, prima facie, não se verifica que se justifique a intervenção correctiva desta Relação. A valoração efectuada mostra-se em consonância com as regras da experiência corrente e assenta em percepções eivadas de objectividade e clarividência, razão pela qual seria desprovido de bom senso que este tribunal – que, ao contrário do que muitas vezes se olvida, não tem o beneplácito da imediação -, a modificasse no sentido proposto pelos recorrentes, a que acresce o facto que corroborámos a decisão de facto quanto à factualidade provada, nos termos acima expostos.
Aliás, a A., nas declarações de parte, refere que aquando do embate foi projectada para a frente e depois para trás e não contra o marido que se encontrava ao volante do veículo CP, pelo que não se vislumbra como poderia ser julgada provada a factualidade sob a al. e). Também a A., em declarações de parte, bem como a testemunha João Batista fizeram saber ao tribunal que a A. anda de carro para ir aos médicos, farmácia, pelo que não se vislumbra como poderia ser julgada a factualidade sob a alínea g).
Esclareça-se, ainda, que relativamente à factualidade sob às alineas f) e h) as testemunha João … (a testemunha Domingos … terá presenciado o acidente, não se deslocou ao local para ver, nomeadamente, como os AA. se encontravam) apenas referiu a primeira que a A. estava muito assustada e nervosa, não tinha danos físicos, ou seja, sem outras queixas, e que viu o orçamento que o A. lhe mostrou e que o CP tem muitos danos e a segunda que o CP estava muito amachucado, na zona da porta para a frente, e que o A. lhe disse que a reparação era de cerca de € 4.000,00, tendo visto o orçamento que lhe foi exibido pelo A.
É, pois, manifesto que bem andou o tribunal a quo no julgamento da referida factualidade.
No que concerne à al. c) a sua redacção deverá ser alterada, em consonância com a factualidade provada sob 9., passando a ter a seguinte redacção: “Ocorre que, quando o veículo dos AA., mudou de direcção para a direita e quando já se encontrava com a frente direccionada para o dito portão e a pouca distância deste, eis que surge o veículo matrícula …-…-LS, cujo condutor pretendia ultrapassar o veículo dos AA., pela direita”.
Por fim, quanto à al. i) do elenco factual não provado, vejamos:
Ora, no que concerne à decisão da matéria de facto, a mesma não deverá conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas, ali se exigindo que o juiz se pronuncie sobre os factos essenciais e ainda os instrumentais que assumam pertinência para a questão a decidir, sendo que é sobre os factos constantes dos articulados que a produção de prova e respectivos meios incidirão (cfr. art.ºs 452.º, n.º 1 e 2, 454.º, 460.º, 466.º, n.º 1, 475.º, 490.º, 495.º, n.º 1 do NCPC), tanto mais que são os factos que o n.º 4 do art.º 607.º do CPC impõe que sejam discriminados e declarados provados e/ou não provados pelo juiz, na sentença.
Como refere Paulo Faria[4], se “o tema da instrução pode aqui ser identificado por referência a conceitos de direito ou conclusivos – v.g. a instrução da causa terá por objecto a residência permanente do locatário”, “terá por objecto o pagamento das quantias facturadas” ou “os danos não patrimoniais invocados”, “já a decisão sobre a matéria de facto nunca se poderá bastar com tais formulações genéricas, de direito ou conclusivas, exigindo-se que o tribunal se pronuncie sobre os factos essenciais e instrumentais (que devem transitar para a sentença) pertinentes à questão enunciada”. Concretizando depois, em nota de rodapé, que o tribunal, no “exemplo dado, não poderá dar por provado “habita no locado” – mas que lá dorme, confecciona e toma refeições, etc. -, “sofreu danos patrimoniais” – mas que ficou angustiado, etc. – ou “pagou as facturas” – mas que entregou um cheque que obteve pagamento, etc.”
O CPC vigente atribui ao juiz um poder mais interventivo, mas tal não se traduz no fim do princípio dispositivo e na sua substituição pelo princípio inquisitório, continuando a caber às partes a dedução das suas pretensões e a alegação dos factos que integram a causa de pedir ou suportam a defesa, funcionando o princípio da auto-responsabilidade das partes, quanto aos factos essenciais (art.º 5.º do CPC), sendo certo que a selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos (n.º 4 do art.º 607.º do CPC). Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante.
Assim, na selecção dos factos em sede decisão da matéria de facto (art.º 607.º, n.º 4 do CPC) deve o Juiz atender à distinção entre factos, direito e conclusão, e acolher apenas o facto simples e afastar de tal decisão os conceitos de direito e as conclusões que mais não são que a lógica ilacção de premissas, atendendo a todos os factos relevantes, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
E tanto assim é que as questões a que se reporta a al. d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC “são os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções”[5]

“Dispunha o n.º 4 do art.º 646.º do anterior CPC (disposição que não foi mantida, ao menos em termos de directa correspondência, na disciplina homóloga da nova Codificação) que se têm por não escritas as respostas do Tribunal sobre questões de direito … assim como as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.
Contudo, “ante a sua eliminação, vem-se entendendo poder manter-se o mesmo entendimento das coisas interpretando, a contrario sensu, o actual n.º 4 do art. 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença, o Juiz declara quais os factos que julga provados (….)”[6].
Destarte, embora tal normativo não tenha sido mantido no NCPC, a verdade é que se mantém erecta a orientação jurisprudencial no sentido de que a matéria de facto “(…) não pode conter qualquer apreciação de direito, seja, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica”[7], devendo as questões de direito que constarem da selecção da matéria de facto considerar-se não escritas.
Não se suscita, pois, dúvidas, que no actual regime processual, tal como no pretérito, “(…) na decisão sobre a matéria de facto apenas devem constar os factos provados e os factos não provados, com exclusão de afirmações genéricas, conclusivas e que comportem matéria de direito.
Na verdade, dispõe o art. 607.º, n.º 4, do NCPC, “Na fundamentação (da sentença) o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (…)” – os factos, repete-se, que não conclusões, generalidades ou matéria de direito”[8].
Como assim, mesmo no âmbito da vigência do actual CPC, a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.
Destarte, sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado.

Impõe-se, deste modo, uma apreciação da matéria de facto fixada sob esta perspectiva, não se podendo incluir na mesma a valoração jurídica de factos, mas apenas as circunstâncias de vida subjacentes a essas valorações que as possam vir a sustentar, na apreciação jurídica que sobre as mesmas venha a ser realizada, integrando, já estas, matéria de direito.
Na espécie o ponto i) dos “factos provados” deve ser perspectivado como matéria integrada no thema decidendum do presente pleito, pois está ali contida a resposta à solução plausível de direito. Tem-se, assim, por conclusiva a matéria ali retratada.
É, assim, de meridiana clareza, que a matéria enunciada sob a al. i) do quadro fáctico não provado tem um carácter manifestamente conclusivo.
Com efeito, o conteúdo de tal ponto encerra, mais do que afirmações factuais, factos ou juízos de facto, asserções conclusivas/valorativas incidentes sobre questões do litígio, estando em causa expressões que não configurando, em si mesmas, factos materiais, se reconduzem à formulação de juízos conclusivos que antes se deveriam extrair dos factos materiais que os suportam e que se integram no thema decidendum.
Assim, a alínea i) dos “factos não provados” deverá ser expurgada, já que “em rectas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum[9].
Impõe-se, pois, expurgar da matéria de facto a alínea i), uma vez que a mesma encerra exclusivamente matéria de natureza conclusiva (cfr. o art.º 607.º, n.º 4 do CPC).
Esta tem sido, aliás, a orientação já consistentemente firmada pelo STJ, relativamente à eliminação do elenco da matéria de facto das expressões e asserções na mesma incluídas que não revistam tal natureza fáctica, já que as asserções de natureza conclusiva reconduzem-se à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum, devendo, por isso, as afirmações de natureza conclusiva ser excluídas do acervo factual a considerar.
Cabe notar que a supressão das expressões de cariz jurídico-conclusivo, não tem a virtualidade de afastar a valoração dos concretos factos que constem da matéria de facto provada, pois é com base em factos concretos que pode sustentar-se o juízo e não a partir de expressões conclusivas que representam conceitos/conclusões que não podem ser objecto de prova[10].
Assim, a intervenção desta Relação não se dá ao nível da (re)apreciação da prova, mas antes “na despistagem (identificação/qualificação/expurgação), nos pontos da matéria de facto em causa, das afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito”[11], ao abrigo da previsão constante do n.º 4 do art.º 607.º do CPC, que não no âmbito do disposto nos art.ºs. 640.º (impugnação da decisão relativa à matéria de facto feita pela parte/recorrente) ou 662.º (modificabilidade da decisão de facto) do CPC.
Pelo exposto, elimina-se do elenco dos Factos Não Provados a alínea i) e, consequentemente, não se conhece da impugnação da decisão da matéria de facto sobre esta alínea.
Aqui chegados, sempre se dirá que “se o dever - constitucional e processual civil - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, in www.dgsi.pt, como todos os demais sem indicação de origem).
(…)
«Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respectiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 591, com bold apócrifo).

(…)
Importa, porém, não esquecer - porque (como se referiu supra) se mantêm em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e o julgamento humano se guia por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.
(…)”[12]
Ora, a impugnação da decisão de facto procederá apenas, quando a convicção formulada pelo Tribunal a quo não tiver qualquer razoabilidade em face dos meios de prova que suportam a sua decisão, verificando-se nesse caso erro de julgamento.
Destarte e com a ressalva dos ponto factual 9. al. c), mantém-se inalterado o elenco factual.
Ouvida a prova gravada, nomeadamente os depoimentos das testemunhas e com a ressalva acima referida, nenhuma censura merece a decisão de facto, secundando-se a motivação do tribunal a quo, que, a propósito, despendeu, que se mostra correcta, concordante com a prova produzida.
Por isso, não podemos deixar de anuir à motivação do tribunal a quo.
Assim, face à audição da prova e à análise dos documentos juntos autos somos a concluir que a motivação avançada pela apelante, quanto aos factos impugnados, ressalva feita ao ponto 9 e alínea c), com vista à pretendida alteração não tinha suficiente sustento na prova produzida
Pelo exposto a impugnação da decisão da matéria de facto requerida pelos recorrentes é parcialmente improcedente
Deve-se, pois, ter como consolidado o quadro fáctico fixado pelo tribunal a quo, com as excepções acima referidas, tanto mais que não se divisam razões para fazer actuar os poderes legalmente conferidos a esta Relação em matéria de facto, sendo certo que aquelas alterações na decisão do tribunal a quo relativamente à matéria de facto não importam subsunção jurídica diversa e diferente dispositivo, não havendo censura a fazer à decisão recorrida na qual, em face da sobredita matéria de facto apurada, se concluiu acertadamente pela improcedência da acção, fazendo-se correcto apelo, interpretação e aplicação das normas legais, para concluir que, no caso em apreço, a R., ora apelada, é absolvida dos pedidos contra si formulados.
Com efeito, a procedência do recurso dependia, de sobremaneira, da alteração da decisão da matéria de facto, nomeadamente quanto à dinâmica do acidente e à culpa, que, como se viu, os factos consubstanciadores de tal matéria permaneceram inalterados.
Ora, sendo certo que não vem invocado – nem se detecta – qualquer erro de julgamento em matéria de direito que afecte o valor da sentença apelada, a mesma deve ser integralmente mantida.
Sumário
I. No âmbito da vigência do actual CPC, a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.
II. Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado.
III. A supressão das expressões de cariz jurídico-conclusivo, não tem a virtualidade de afastar a valoração dos concretos factos que constem da matéria de facto provada, pois é com base em factos concretos que pode sustentar-se o juízo e não a partir de expressões conclusivas que representam conceitos/conclusões que não podem ser objecto de prova.
IV. Assim, a intervenção desta Relação não se dá ao nível da (re)apreciação da prova, mas antes “na despistagem (identificação/qualificação/expurgação), nos pontos da matéria de facto em causa, das afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito”, ao abrigo da previsão constante do n.º 4 do art.º 607.º do CPC, que não no âmbito do disposto nos art.ºs. 640.º (impugnação da decisão relativa à matéria de facto feita pela parte/recorrente) ou 662.º (modificabilidade da decisão de facto) do CPC.
V. A alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, não só apontam em direcção diversa, como impõem decisão diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância.
IV. Dispositivo
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação de Évora negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença apelada.
Custas pelos apelantes.
Registe.
Notifique.

Évora, 28 de Junho de 2018
Florbela Moreira Lança (Relatora)
Elisabete Valente (1.ª Adjunta)
Ana Margarida Leite (2.ª Adjunta)

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[1] Código de Processo Civil Anotado”, V, Reimpressão, Coimbra Editora, pp. 140
[2] Proferido no processo n.º 959/09.2TVLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt
[3] Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto”, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, I, pp. 609.
[4] A reforma da base instrutória: uma regressão, A Reforma do Processo Civil-Contributos, Revista do Ministério Público, Cadernos II, 2012, pp 37-48.
[5] Ac. STJ de 22.10.2015, Revista n.º 2844/09.9T2SNT.L2.S1 - 7.ª Secção, acessível em www.dgsi.pt.
[6] Ac. STJ de 29.04.2015, em nota de rodapé (7), Proc. n.º 306/12.6TTCVL.C1.S1, 4.ª secção, acessível em www.dgsi.pt.
[7] Miguel Teixeira de Sousa, ‘Estudos sobre o Novo Processo Civil’, Lex, 1997, pg. 312.
[8] Ac. RC de 20.11.2014, Apelação nº 306/12.6TTCVL.C1, acessível em www.dgsi.pt.
[9] Ac. do STJ de 23.09. 2009, Processo n.º 238/06.7TTBGR.S1,acessível em www.dgsi.pt
[10] Neste sentido, vide Ac. STJ de 14.05.2014, Proc. n.º260/07.6TTVRL.P1.S1, 4.ª secção, acessível em ww.dgsi.pt.
[11] Ac. do STJ de 29.04.2015, Proc. n.º 360/12.6TTCVL.C1.S1 , 4.ª secção, acessível em www.dgsi-pt
[12] Ac. da RG de 18.12.2018, proferido no processo n.º 501/12.8TBCBC.G1, acessível em www.dgsi.pt.