Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
272/09.5TBGVA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: CONTRATO ATÍPICO
CESSÃO DE EXPLORAÇÃO
Data do Acordão: 10/02/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE GOUVEIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: DEC. LEI Nº 167/97, DE 04/06; DEC. REGULAMENTAR Nº 14/78, DE 12/05.
Sumário: I – O Contrato de Cessão de Apartamento para Exploração Turística é um contrato atípico, regulado segundo os termos contratualmente definidos pelos respectivos contraentes.
II – Porém, nessa regulamentação não nos podemos alhear do que preceitua o Dec. Lei nº 167/97, de 04/06, pelo menos no que respeita às regras imperativas deste diploma e na regulação das situações que não encontrem solução plasmada no texto do contrato.
III – Através deste tipo de contrato dá-se, para exploração para fins turísticos no regime hoteleiro, por determinado prazo e mediante remuneração mensal, um imóvel mobilado e devidamente apetrechado para o dito fim.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A)M…, residente em …, instaurou no Tribunal Judicial da Comarca de Gouveia, em 29/10/2009, acção declarativa, de condenação, contra “I…, S.A.”, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 20 077,44, acrescida de juros, à taxa legal, a contar da citação até efectivo e total pagamento.

Alegou, em síntese, que:

- Em 7 de Novembro de 1998, com início de vigência a 1 de Janeiro de 1999 e termo a 31 de Dezembro de 2008, as fracções “AHD” e “AFD” do prédio urbano sito na Praia da Rocha - Portimão, inscritas a seu favor, foram cedidas à ré mediante o pagamento por esta da retribuição anual inicial de PTE 776 000$00, que, por força das sucessivas actualizações, era, em 2006, 2007 e 2008, respectivamente, de € 2 765,23, € 2 850,95 e € 2 922,22.

- A ré não pagou à autora as retribuições vencidas de 2006 a 2008, no montante de € 17 077,44.

- Autora e ré comunicaram a intenção de não renovarem o contrato no seu termo, pelo que as fracções deveriam ter sido entregues à autora em 31 de Dezembro de 2008, o que, todavia, só veio a ser feito em Junho de 2009, pelo que a autora sofreu prejuízos correspondentes às retribuições que deixou de auferir naquele período de tempo, no montante de € 3 000,00, por ser esse o valor que vigoraria no ano de 2009.

B) - 1) - A ré ofereceu contestação, onde, para além de ter defendido, deduziu reconvenção, alegando nesta última sede que, tendo realizado obras nos fogos da autora e reparado e adquirido equipamento necessário ao objecto do contrato, cabe à autora a responsabilidade das despesas por todas as obras realizadas nas fracções, que não as de simples conservação, e pela substituição ou reparação do recheio das unidades de alojamento motivadas pelo uso.

Alegou, ainda, em síntese, que:

- Tendo ela, Ré, como objecto social o exercício da indústria hoteleira, incluindo o empreendimento turístico denominado “Clube Praia da Rocha”, em cujo Bloco III se situam as fracções autónomas da autora, aquando da construção deste Bloco, os projectos de arquitectura e das especialidades, bem como a construção e o início da actividade hoteleira, respeitaram integralmente a legislação que, para cada uma destas matérias, se encontrava em vigor;

- Todavia, ulterior alteração da legislação fez com que o edifício deixasse de reunir as condições legais relativas à segurança, nomeadamente as relativas ao uso de aparelhos a gás nas unidades de alojamento, e as condições legais que respeitam à protecção das pessoas contra incêndios, pelo que, por decisão de 4 de Março de 2004, a Direcção-Geral do Turismo ordenou o encerramento do empreendimento, apesar do que o este se manteve a funcionar até finais de Outubro de 2004, altura em que a ré foi notificada da decisão que indeferiu o recurso por si interposto;

- Logo após a ordem de encerramento, deu conhecimento à autora da situação e medidas a adoptar e executou obras nas partes comuns e nas fracções do empreendimento;

- Não é responsável pelo encerramento do estabelecimento, sendo as obras necessárias à reabertura imputáveis aos proprietários, por serem eles que, nessa qualidade, têm a obrigação de manter as partes comuns do edifício e as suas fracções autónomas constantemente aptas ao exercício da indústria hoteleira;

- Por outro lado, não tem a obrigação de pagar a retribuição das fracções pelo período em que, por facto da responsabilidade dos proprietários, não as podia usar na sua indústria;

- Após a conclusão dos trabalhos, em Novembro de 2005, em Janeiro de 2006, requereu a autorização de abertura à Direcção-Geral do Turismo, a qual não foi concedida até ao final do ano de 2008, facto que impediu a reabertura do estabelecimento;

- As fracções autónomas da autora sempre estiveram à sua disposição desde, pelo menos, o dia 1 de Janeiro de 2009, pois, logo no início desse ano, foi alertada por escrito para comparecer no imóvel e levantar as chaves dos apartamentos;

- Realizou obras nos fogos da autora e reparou e adquiriu equipamento necessário ao objecto do contrato por duas vezes: uma no ano 2000 e a outra entre Novembro de 2004 e Novembro de 2005;

- No início de Janeiro de 1999 foi iniciada uma campanha negativa e muito violenta contra o supra indicado empreendimento turístico, que durou vários meses e levou ao imediato cancelamento, pelos operadores turísticos ingleses e irlandeses, de todas as estadias que tinham contratado para os anos de 1999 a 2001, em termos que implicavam o encerramento definitivo do “Clube Praia da Rocha”;

- Em face disso, a ré decidiu de imediato encerrar o empreendimento e marcar reuniões com os operadores turísticos, ficando ciente que teria de prometer a realização imediata de obras nas unidades de alojamento e a substituição de grande parte do respectivo recheio, do que foi dado conhecimento aos proprietários, incluindo a autora;

- No Bloco III, as obras decorreram de Janeiro a Abril e de Outubro a Dezembro de 2000, e não sendo de simples conservação, sendo ainda absolutamente necessárias para que os apartamentos pudessem continuar ser usados na indústria hoteleira, eram da responsabilidade da autora, tendo sido então assumidas pela ré por não ser viável qualquer outro procedimento, agindo enquanto gestora de negócios;

- A ré realizou então despesas no valor de PTE 1 150 000$00 em cada uma das fracções autónomas, valor a que haverá que acrescer o IVA, à taxa de 20%, tudo no valor de € 6 883,42 por fracção, o que perfaz o valor total de € 13 766,84;

- Também as obras realizadas em 2004/2005, pela sua natureza, eram absolutamente necessárias e tinham carácter de urgência.

- A parte que a autora tem de pagar pela execução do projecto de segurança nas zonas comuns do imóvel ascende a € 1 118,00 por cada fracção, e a reposição de cada uma destas em condições de poderem ser usadas no exercício da actividade turística custou à ré a quantia de € 2 940,00, valores a que haverá de acrescer o IVA, à taxa de 20%, tudo perfazendo € 4 869,60 para cada fracção, o que perfaz a quantia de € 9 739,20 para os dois fogos.

Concluiu pedindo a improcedência da acção e pela procedência da reconvenção, com a condenação da autora a pagar-lhe € 23 506,04.

2) - A autora replicou alegando, além do mais e em síntese:

- Que as rendas do ano de 2004 foram pagas pela ré, sendo apenas descontada uma importância para pagamento do fundo de reserva;

- Numa reunião, no dia 13 de Fevereiro de 2005, a ré deu conhecimento à autora da decisão da Direcção-Geral do Turismo e que iria executar de imediato o projecto de segurança, execução que foi confirmada por carta, de 18 de Março, na qual a ré referia que encontraria meios de financiar sem pedir dinheiro aos proprietários, tendo como contrapartida o não pagamento da renda de 2005 e desde que a autora colaborasse na resolução dos problemas. Condições que foram reafirmadas por carta de 2 de Novembro de 2005;

- Não propôs qualquer acção contra a ré e, por outro, esta explorou as fracções da autora nos três meses de Verão sem pagar qualquer compensação;

- A ré explorou normalmente as fracções da autora durante o ano de 2006, chegando a marcar uma reunião para pagamento do rendimento de 2006;

Invocando, ainda, a prescrição do direito da ré quanto às obras de 2000, concluiu pela procedência desta excepção e improcedência do pedido reconvencional.

C) - Foi proferido despacho saneador, consignaram-se os factos que se consideraram já assentes e organizou-se a Base Instrutória.

D) - Após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, em 06/2/2012, onde, após se haver considerado prejudicada a apreciação da excepção da prescrição, no respectivo dispositivo, se decidiu como ora se transcreve: «… decide o Tribunal:

I. Na parcial procedência da acção, condenar a ré “I…, S.A.” a pagar à autora M… a quantia de € 17 076,80 (dezassete mil setenta e seis euros oitenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, actualmente de 4% (quatro por cento), a contar da citação até efectivo e total pagamento.

II. Na parcial procedência da reconvenção, condenar a autora M… a pagar à ré “I…, S.A.” a quantia que se vier a apurar em sede de incidente de liquidação, relativa ao preço das obras identificadas em C.37 a C.40, incluindo o IVA devido à taxa legal então em vigor, tendo como limite máximo o montante de € 2 940,00 (dois mil novecentos e quarenta euros).

(…).».

II - Inconformada com o decidido em tal sentença, dela recorreu a Ré - recurso esse que veio a ser recebido como apelação, com subida imediata e efeito devolutivo - que, a findar a respectiva alegação, ofereceu as seguintes conclusões:

...

III - Em face do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3 e 685-Aº, n.º 1, ambos do CPC[1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660º, n.º 2, “ex vi” do art.º 713º, n.º 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que o Tribunal pode ou não abordar, consoante a utilidade que veja nisso (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586 [2]).

Assim, a questão a solucionar consiste em saber se o Tribunal “a quo” procedeu correctamente ao julgar a acção e a reconvenção parcialmente procedentes, nos termos em que o fez.

IV - Na sentença da 1.ª Instância foi considerada como factualidade provada, a seguinte matéria:

V - Na sentença recorrida, não se discordando da qualificação do contrato em causa, que as partes fizeram no documento escrito em que corporizaram os respectivos termos - contrato de cessão de apartamento para exploração turística - entendeu-se tratar-se de um contrato atípico, regulado segundo os termos contratualmente definidos pelos respectivos contraentes.

Em abono deste entendimento o Tribunal “a quo” invocou a jurisprudência dos Acórdãos da Relação de Lisboa, de 16/07/2009 (apelação nº 572/03.8TCFUN.L1-7)[3] e do STJ, de 09/02/2011 (Revista nº 572/03.8TCFUN.L1.S1), sendo que, como bem ressalta da identificação processual, trata-se do mesmo caso sobre o qual estes dois tribunais superiores foram, sucessivamente, chamados a apreciar.

Nada temos a discordar quanto à consideração da atipicidade do contrato em causa, apenas havendo que precisar que, sendo certo que o mesmo se regula, em primeira linha, pelos termos acordados pelos respectivos contraentes, não poderá alhear-se do que preceitua no DL nº 167/97, de 04/06, pelo menos no que respeita às regras imperativas deste diploma e na regulação das situações que não encontrem solução plasmada no texto do contrato.

E o que acaba de se dizer não deixa também de se concluir no citado Acórdão de 16/7/2009.

Na verdade, tendo-se concluído nesse aresto que os contratos aí em análise - idênticos ao que aqui está em causa - pelos quais se dá, para exploração para fins turísticos no regime hoteleiro, por determinado prazo e mediante remuneração mensal, um imóvel mobilado e devidamente apetrechado”, “é uma figura contratual cujo regime se define e regula pelas cláusulas convencionadas pelas partes…”, escreveu-se mais à frente que tal “…realidade contratual contemplada assume total cabimento no que se encontra regulado enquanto cessão de unidades habitacionais para fins turísticos, que possui regime jurídico próprio”.[4]

De forma idêntica se concluiu no Acórdão da Relação de Lisboa, de 23/3/2009 (apelação nº 111/06.9TCFUN.L1-1).

Não há dúvida de que, a retribuição devida pela Ré à Autora pela cedência de cada uma das fracções seria, a partir de 2002, a quantia que resultasse da soma da importância de PTE 450 000$00 (€ 2 244,59) com o valor relativo ao coeficiente de actualização dos arrendamentos comerciais [C.4].

Resulta, assim, conforme se diz na sentença, que “por força das actualizações previstas nos contratos, nos anos de 2006, 2007 e 2008, a retribuição a que se refere a cláusula 5ª era, para cada uma das fracções, de € 2 765,23, € 2 850,95 e € 2 922,22, respectivamente [C.12], montantes que a ré não pagou [C.13]”.

Mas será que à Ré assistiam motivos que legitimavam o não pagamento de tais importâncias à Autora?

Em nosso entender a resposta a esta questão é negativa e está bem explicitada na sentença por forma a concluir-se que, por força do clausulado contratualmente, para que fosse legítimo à Ré deixar de pagar as contraprestações a que esta obrigada não bastava que a mesma não pudesse usar as fracções em causa, sendo mister que essa impossibilidade de utilização resultasse de causa ou facto imputável à autora, ou da responsabilidade desta. É o que, de facto, se retira da cláusula 10ª, que consigna: “A ré, caso não possa dispor das fracções autónomas objecto do contrato por causa ou facto imputável à autora, ou da responsabilidade desta, cessará o pagamento da retribuição, na proporção do tempo em que não puder dispor da fracção autónoma para o exercício da sua indústria, retomando o pagamento logo que cesse o facto ou causa de impedimento do uso da fracção”.

Ora, sendo que, como é indiscutido, o empreendimento teve de fechar em virtude de, em dada ocasião (2004) supervenientemente à cedência das fracções em causa, ter deixado de reunir as condições de segurança legalmente exigidas, não há, na matéria provada, factualidade que permita afirmar que tal encerramento se deveu a causa ou facto imputável à autora, ou da responsabilidade desta.

Sendo certo que a Ré encerrou o empreendimento em Março de 2004 em virtude de esse encerramento ter sido ordenado pela Direcção-Geral do Turismo, por o edifício onde de que faziam parte as fracções da Autora “ter deixado de reunir as condições legais relativas à segurança, nomeadamente as que respeitam o uso de aparelhos a gás (fogão e esquentador) nas unidades de alojamento e as condições legais que respeitam à protecção das pessoas contra incêndios”, é sofisma concluir pela responsabilidade da Autora nesse encerramento, dizendo, como o fez a ora Apelante, que no contrato “ficou expressamente estabelecido” “ser a recorrida quem tem a obrigação de manter as suas fracções autónomas constantemente aptas para o exercício da indústria hoteleira e que, se as fracções não puderem ser usadas turisticamente pela recorrente na sua indústria por facto da responsabilidade do proprietário, não haverá lugar ao pagamento das rendas relativas ao período que dure o impedimento.”.

Efectivamente não é isso que está textualmente no contrato - basta ler as respectivas cláusulas e, em particular, a 9ª e a 10ª - nem sequer é esse o sentido que deve ser tomado o que neste está escrito.

A esse propósito temos por correcto o entendimento que expressou na sentença cuja essência pode ser captada nas passagens que ora se transcrevem: «(…) Impõe-se, contudo, que a indisponibilidade das fracções se deva a causa ou facto imputável à autora, sendo de notar que o contrato impõe aquela responsabilidade, não sendo suficiente que a causa ou facto não sejam imputáveis à ré.

A decisão de encerramento do empreendimento fundou-se na circunstância de o edifício mencionado em C.1 ter deixado de reunir as condições legais relativas à segurança, nomeadamente as que respeitam o uso de aparelhos a gás (fogão e esquentador) nas unidades de alojamento e as condições legais que respeitam à protecção das pessoas contra incêndios [C33].

(…)

Do indicado clausulado resultava que as obrigações da ré se situavam no âmbito da execução do contrato, enquanto as obrigações da autora se situavam num plano mais abrangente, cabendo-lhe assegurar a manutenção das condições necessárias à integral realização do contrato.

Importa, todavia, limitar e delimitar o âmbito dessa obrigação.

Estando em causa um contrato atípico, como já se notou, os direitos e obrigações das partes são regulados pelo contrato. Só assim não será, isto é, na interpretação do contrato, o Tribunal só deverá recorrer a outras fontes caso o contrato seja omisso ou se houver violação de normas gerais imperativas.

Ora, no presente caso, o teor do contrato é bastante claro: na vigência do contrato, a autora tinha o dever de manter constantemente aptas, e à disposição da ré, as fracções autónomas que cedia de exploração [C.5].

Isto significa que, embora o prédio estivesse constituído em regime de propriedade horizontal, a obrigação contratual da autora para com a ré, no âmbito do contrato outorgado entre as partes, se reportava à manutenção das fracções, isto é, da parte própria do condómino, em condições de serem utilizadas pela ré na exploração da actividade turística.

Esta afirmação não implica qualquer desvinculação da autora, enquanto condómina do prédio constituído em propriedade horizontal, relativamente aos encargos com as partes comuns do edifício (artigo 1424º do Código Civil).

Impõe-se, todavia, sublinhar que a ré não é parte na relação existente entre os condóminos - intervindo apenas em substituição da autora no cumprimento da obrigação de pagamento do condomínio - e, por isso, a ré não poderá pretender valer-se do regime legal da propriedade horizontal para concretizar as obrigações contratuais da autora.

Em face do que se referiu, haverá que concluir que, no que ora interessa, não se pode afirmar que a causa de encerramento do empreendimento seja imputável à autora.

Não houve qualquer violação contratual por parte da autora, que só se vinculou a manter aptas as fracções autónomas, não tendo assumido qualquer obrigação ao nível das estruturas comuns.

Acresce que a situação derivou de uma alteração legal e regulamentar ao nível da concreta actividade desenvolvida pela ré, pois não consta que o edifício não fosse próprio para outras actividades, designadamente a habitação ainda que temporária, sucedendo que deixou de ser apto para a exploração da actividade turística.

Ora, pretender que sejam os proprietários a arcar com a responsabilidade derivada de exigências situadas num plano ao qual são alheios constituiria manifesta injustiça.

Não se deixa ainda de notar que, uma alteração legal e regulamentar ao nível das condições de exploração da actividade turística - não do edifício em si -, não pode, de modo algum, ser considerada imputável à autora.

É assim irrelevante que algumas das intervenções tenham incidido sobre as fracções e não apenas sobre as partes comuns.

Desde logo porque a causa de encerramento é incidível, não constando que o empreendimento pudesse funcionar apenas com a intervenção efectuada ao nível das partes comuns.

Em segundo porque, mesmo a intervenção nas fracções (substituição dos aparelhos a gás por aparelhos eléctricos, com a alteração das respectivas instalações eléctricas, de modo a que pudessem suportar a carga de consumo dos novos electrodomésticos), se deveu exclusivamente a necessidades/exigências da actividade turística, pois nada obstava à manutenção daqueles aparelhos se as fracções tivessem outros fins.

Uma vez que a causa do encerramento do empreendimento, e não utilização das fracções por parte da ré, não é imputável à autora, estava aquela impedida de accionar a cláusula 10ª.

A ré antes deveria ter promovido o diálogo com a autora, no sentido de acordarem em formas de compensação daquela pelo facto de não estar a explorar as fracções.

Não o tendo feito, mantinha-se a obrigação de pagar a devida retribuição, pelo que deverá ser condenada a pagar à autora as rendas devidas nos anos de 2006 a 2008, perfazendo € 17 076,80 (€ 8 538,40 × 2) e juros.

Não deixaremos de notar que, tendo as obras sido concluídas em Novembro de 2005 [C.43], em caso algum se poderia considerar que o encerramento do empreendimento para além dessa data ou, pelo menos, para além da data em que foi requerida a vistoria à Direcção-Geral do Turismo [13 de Janeiro de 2006, conforme C.46], era imputável à autora.

A não reabertura do empreendimento só poderia dever-se ao deficiente cumprimento das exigências legais, no que a autora não era certamente responsável, pois quem executou as obras foi a ré, ou à inacção dos organismos oficiais, a qual não era também imputável à autora.

Daí que, também à luz dos restantes requisitos, a ré não poderia socorrer-se da cláusula 10ª com vista a eximir-se ao pagamento das rendas.».

Concordando-se, como se disse, com este entendimento seguido na sentença cabe-nos salientar que, como do mesmo resulta e não poderia ser de outro modo em face da matéria de facto provada no sentido de o encerramento ter também sido ditado também por questões de segurança que nada tinham a ver com as fracções em si, ser inexacto dizer, singelamente, para assacar a responsabilidade de tal encerramento à Autora, que tais fracções e as dos demais proprietários “foram declaradas inaptas para o exercício da actividade turística por terem deixado de respeitar as normas de segurança contra incêndios” e ter sido com este fundamento - inaptidão das ditas fracções - que a Direcção Geral do Turismo ordenou o encerramento do empreendimento turístico.

Salienta-se, também, que, à parte do mandato que na cláusula 15ª do contrato se diz ser conferido à Ré (cfr. ponto nº 5 dos factos provados), não se vislumbra que factualidade provada permita afirmar, como o faz a Apelante, que a Autora “participou activamente na constituição do Título Constitutivo do Empreendimento Turístico denominado Clube Praia da Rocha 3, na elaboração do Regulamento do Empreendimento Turístico do mesmo empreendimento, e no depósito estes instrumentos na Direcção Geral do Turismo”.

Salvo o devido respeito, a exemplo do que diria “ La Palisse”, dir-se-á que a cedência, neste caso de apartamento para exploração turística, implica que esta actividade fique a ser levada a cabo pelo cessionário e não pelo cedente.

O benefício que o cedente tem com a manutenção da exploração do empreendimento, resume-se, essencialmente, ao recebimento da retribuição contratualmente acordada.

Por isso, em face da factualidade provada e do contrato firmado entre Autora e Ré, não temos por abusiva a afirmação que se faz na sentença de que “a autora é alheia à exploração turística, esgotando-se o seu papel na cedência do gozo das fracções e manutenção destas em condições de serem utilizadas pela ré”.

Traz-nos isto à matéria das despesas cujo pagamento a Ré veio exigir à autora por via reconvencional.

De todo o modo deixa-se consignado que foi nas obrigações e direitos decorrentes do contrato e não nas obrigações que para a Autora decorreriam do Título Constitutivo do Empreendimento Turístico ou do seu Regulamento, que a Ré assentou a sua defesa e o pedido reconvencional, acrescendo, ainda, para fundar este último, a gestão de negócios que erigiu como justificadora da realização das obras no edifício e nas respectivas fracções, sem prévia aquiescência dos proprietários destas.

Uma vez que não se provou a matéria de facto atinente aos artºs 15º e 25º a 42º da BI e já que não houve impugnação do assim decidido pelo Tribunal “a quo”, é evidente que não poderia nunca proceder o pedido reconvencional atinente às despesas que a Ré afirmou ter tido com as obras que alegou ter efectuado nas fracções da Autora em 2000.

Nada a dizer, também, quanto às obras realizadas nas fracções da Autora em 2004, pois a condenação desta no respectivo pagamento à Ré, transitou em julgado.

Resta indagar do acerto da decisão impugnada na parte em que julgou improcedente o pedido reconvencional atinente às despesas que a Ré alegou ter tido com as obras de 2004/05 nas partes comuns do edifício e que derivaram da necessidade de adequar este à nova legislação relativa à segurança e à protecção das pessoas contra incêndios.

Sobre esta matéria escreveu-se na sentença impugnada: «Das indicadas cláusulas contratuais não ressalta a definição da responsabilidade pela realização de obras nas partes comuns, pois o contrato reporta-se unicamente a obrigações incidentes sobre as fracções.

De acordo com o artigo 239º do Código Civil:

“Na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta”.

Encontra-se assim afastado o recurso, por analogia, às normas do contrato de locação, como pretende a ré.

Não sendo possível determinar a vontade das partes perante a lacuna, deverá o intérprete procurar as soluções mais conformes aos ditames da boa-fé.

Ora, a nosso ver, a solução mais justa passa pela análise das razões que justificam ou impõem a realização das obras e pela determinação do principal beneficiado com essas obras ou pela determinação da proporção de benefício para as partes.

A causa justificativa das obras residiu na necessidade de adequar o edifício às exigências da actividade turística, não tendo sido colocadas quaisquer exigências ao nível da mera habitabilidade das fracções.

Ora, a autora é alheia à exploração turística, esgotando-se o seu papel na cedência do gozo das fracções e manutenção destas em condições de serem utilizadas pela ré.

Assim, ao nível da causa, os referidos dados apontam para a responsabilidade da ré.

E, em termos de benefícios, estamos em crer que essa solução é reforçada.

É certo que a manutenção da exploração do empreendimento tem para a autora o benefício, em abstracto, de receber a retribuição contratualmente acordada.

Todavia, também é certo que, não podendo manter-se essa exploração, designadamente, operada a resolução do contrato, a autora ficaria com a integral disponibilidade das fracções, podendo arrendá-las ou habitá-las nas condições que entendesse.

Pelo contrário, o exercício da actividade turística por parte da ré naquele edifício não prescinde da disponibilidade, não só das fracções, mas também das partes comuns do edifício em termos adequados àquela actividade.

A principal beneficiada pelo exercício daquela actividade lucrativa é certamente a ré.

Ambos os factores apontam pois para a responsabilidade da ré pela realização das concretas obras que, no caso concreto, executou nas partes comuns do edifício, razão pela qual improcede, nesta parte, o pedido reconvencional.».

Afigura-se-nos correcto, à luz do contrato e, em particular, da interpretação do respectivo clausulado, este entendimento do Tribunal “a quo” quanto à responsabilidade das despesas em causa, salientando-se, não obstante na contestação, não ser arrimada, a pretensa obrigação da Autora, nas obrigações decorrentes do regime de propriedade horizontal, aplicado, com adaptações, “ex vi” do artº 46º do DL 167/97, que também deste diploma (cfr., vg, art. 47º) não resulta que a responsabilidade pelo pagamento de tais despesas - cuja aprovação, ainda que “a posteriori”, por assembleia de proprietários, note-se, não foi alegada - se possa assacar à Autora.

Acrescente-se, finalmente, que os factos vertidos nos artºs 19º, 20º, 21º e 22º, da BI, atinentes à demonstração da urgência em que a Ré escorou a gestão de negócios que invocou, mereceram todos a reposta de “não provado”.

Importa, por último, abordar a questão atinente à oposição que a Apelante afirma existir entre a decisão - tanto na parte em que julga a acção parcialmente procedente, como na parte em que julga parcialmente improcedente o pedido reconvencional relativo às obras realizadas nas zonas comuns do imóvel em 2004/2005 - e os respectivos fundamentos.

De acordo com a alínea c) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC, a sentença é nula quando existir oposição entre a decisão e os respectivos fundamentos.

A nulidade em causa, como se escreve no Acórdão do STJ de 26/4/95, (Cfr., Col. Jur., Acórdãos do STJ, Ano III, 1995, Vol. II, pág. 57 e ss.), “...pressupõe um erro lógico na ponta final da argumentação jurídica: os fundamentos invocados apontam num sentido, e, inesperadamente, contra a conclusão decisória que dos mesmos, e dentro da linha de raciocínio adoptada, se esperava, veio-se a optar afinal pela solução adversa”.

Para que ocorra a oposição considerada na aludida alínea c) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC, é essencial, pois, que se verifique uma real contradição entre a parte dispositiva da sentença ou do acórdão e os respectivos fundamentos. O raciocínio do julgador terá de enfermar deste vício real: “a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”[5].

A circunstância de se darem como provados factos que criem, ainda que legitimamente, face ao que se entende que seria o normal enquadramento jurídico daqueles, a expectativa de a causa ser julgada de determinada forma, vindo, depois, a ser proferida decisão em sentido contrário, não consubstancia a oposição de que trata a alínea c) do n.º 1 do art.º 668.º do CPC. O que haverá, nesse caso, será erro na subsunção dos factos ao direito. Ou seja, se a solução jurídica encontrada na sentença não se adequa à expectável correcta aplicação do direito aos factos, a hipótese é enquadrável no erro de julgamento e não em nulidade de sentença.

Ora, não se detecta que, no caso “sub judice”, se verifique a oposição que, nos termos acima explanados, releva para efeitos de se considerar verificada a nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC.

Efectivamente, percorrendo a sentença, vê-se que, quer a decisão de julgar a acção parcialmente procedente, quer a decisão de não julgar procedente o pedido reconvencional na parte atinente às obras realizadas nas zonas comuns do imóvel em 2004/2005, estão alicerçadas em fundamentação consentânea com elas, fundada no funcionamento das regras do ónus da prova e na factualidade assente.

É certo que se afirmou que a Autora se obrigou a manter constantemente apta e à disposição da ré, para o exercício da indústria hoteleira, as fracções autónomas em causa e que a Ré, caso não pudesse dispor destas poderia cessar o pagamento da retribuição.

Mas a sentença não se ficou por aí e, não só, por um lado, evidenciou, nos termos já expostos, que a Autora não assumira qualquer obrigação ao nível das estruturas comuns, como esclareceu, por outro lado, que o encerramento do empreendimento não tinha ocorrido por causa ou facto imputável à autora, ou da responsabilidade desta, pelo que não se verificava uma das condições exigidas contratualmente para que à Ré fosse possível cessar a sua contraprestação.

Não existe, assim, qualquer antinomia na sentença, entre a sua parte decisória e os respectivos fundamentos.
Concluindo:

É de manter o decidido na sentença e, consequentemente, de julgar improcedente a apelação.

VI - Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em, na improcedência da apelação, manter o decidido na sentença recorrida.

Custas a cargo da Apelante.

Coimbra,


 (Luís José Falcão de Magalhães)

(Sílvia Maria Pereira Pires)

(Henrique Ataíde Rosa Antunes)



[1] Código de Processo Civil.
[2] Consultáveis na Internet, através do endereço http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase.
[3] Consultável, tal como os restantes acórdãos da Relação de Lisboa que vierem a ser citados sem referência de publicação, em “http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase”.
[4] Esse regime, como aí se disse, no caso versado pelo Acórdão de 16/7, era o do Decreto Regulamentar n.º 14/78, de 12 de Maio (que previu e disciplinou os meios complementares de alojamento turístico, dividindo-os em aldeamentos turísticos, apartamentos turísticos e alojamentos particulares).
[5] Cfr. Antunes Varela, obra citada, pág. 590; Rodrigues Bastos, “in” Notas ao Código de Processo Civil - 1992 - nota 4 ao artigo 668º; Alberto dos Reis, obra citada, págs. 140 e 141.