Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
63/09-3PECBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GOMES DE SOUSA
Descritores: REVISTA
PROVA
DEPOIMENTO INDIRECTO
Data do Acordão: 10/14/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 129º, C).174º,249º E 250º CPP
Sumário: 1. A partir do momento em que o arguido, abordado pelos agentes de autoridade, exibe o objecto furtado estão verificados os pressupostos da revista.
2. Quando se afirma no art.º 129º, c)do CPP que “se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor” está a exigir-se ao juiz que preside ao julgamento um primeiro juízo sobre a credibilidade do depoimento indirecto, justificativo, ou não, de uma possível futura valoração desse mesmo depoimento. Se conclui que o depoimento indirecto não tem objecto ou credibilidade para fundar a sua convicção futura não terá que chamar a depor o “meio de prova” directo.
3. Não se trata de um simples “poder”, sim de um “poder dever”. Se o Juiz entende que o depoimento indirecto tem suficiente credibilidade, não lhe é lícito desprezá-lo. Em obediência ao princípio de investigação que enforma a audiência, deve chamar a depor aquelas pessoas determinadas.
Decisão Texto Integral: A - Relatório:

Na Vara de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra – 1º Juízo Criminal - correu termos o processo sumário supra numerado, no qual é arguido D..., solteiro, desempregado, residente no Bairro …, Carregal do Sal, sendo a final lavrada sentença que condenou o arguido pela prática, como autor, de um crime de furto qualificado p. e p. pelo art. 204°, nº 2 al.. e) do Código Penal, na pena de dois anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período, com regime de prova.


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O arguido apresentou contestação escrita, invocando a nulidade da revista efectuada ao arguido, porquanto, diz, nos autos não havia qualquer indício de que o revistado ocultava na sua posse quaisquer objectos relacionados com o crime ou que pudessem servir de meio de prova nem se verificavam os demais requisitos de que o arts. 174° nº 1 e o art. 251º do CPP fazem depender a revista de pessoas.

E, uma vez que a detenção do arguido foi feita com base na revista nula, é também nula a detenção, assim como as apreensões feitas.

Relegou-se para o momento da sentença o conhecimento das nulidades invocadas, por se ter entendido que a decisão das mesmas não tinha de ser prévia ao julgamento.


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Lavrada sentença, inconformado, interpôs o arguido o presente recurso, com as seguintes conclusões:


1. Foram dados como provados na douta sentença os factos constantes das alíneas a), b), c), d) e), e f) quando não o deveriam ter sido, pelo que vão expressamente impugnados,
2. A Mmª juiz a quo concatena o testemunho do agente policial quanto a declarações do arguido, com o depoimento da ofendida e com o auto de apreensão constante dos autos como elementos probatórios para fundamentar a decisão objecto de recurso,

3. É método proibido de prova, não podendo ser levado em consideração, como foi feito na sentença em análise, o depoimento do agente de polícia criminal M... quanto a declarações informais do arguido posteriores á sua constituição como tal, por violadoras do seu direito ao silêncio, que de contrário se frustra

4. De facto, este e só este refere, não estando de qualquer outra forma documentado (a momentos 7:34 a 7:48 da gravação do seu depoimento registado em suporte fonográfico sob a referência 25-03-2009 14:5007), que "o mesmo (D...) confirmou, ou disse-nos, que tinha sido o autor do ilícito numa residência e que aqueles produtos eram fruto da prática do ilícito", e que (ao momento 8:19 de tal depoimento) "ele confessou ser o autor do crime".

5. Sendo que o mesmo refere que a deslocação ao local e "reconstituição" do sucedido (que não foi sequer precedida de despacho) foi feito por uma brigada junto da residência, dizendo (ao minuto 8:26) "não fomos nós os dois que estávamos junto com ele, foi uma brigada confirmar junto de residência" e "foram outros colegas, uma vez que estávamos a tratar de (. . .) que confirmaram que tinha havido o furto", à revelia aliás do que consta no auto de detenção, em que o agente autuante, não presente em audiência, e a testemunha dizem ter-se deslocado ao local .....

6. Sendo, nomeadamente nesta parte, depoimento de ouvir dizer, assim inutillzàvel.

De todo o modo,

7. Os órgãos de polícia criminal apenas podem efectuar apreensões no decurso de revistas ou de buscas (. . .) sendo que a apreensão operada nos autos foi feita com base em revista já declarada nula, nomeadamente por não ter sido autorizada por autoridade competente.

8. Assim, o termo de apreensão do computador nos presentes autos, feito com base em tal revista nula, é também ele nulo e de nenhum efeito, não podendo servir como meio de prova o objecto dele constante.

9. O arguido não entregou tal computador voluntariamente nem acompanhou voluntariamente os agentes. A ilegal abordagem e força persuasiva da polícia foi e é suficientemente perturbadora da sua livre actuação, que de outra forma não teria tido.

10. Toda a actuação do opc, ilegal desde a abordagem feita ao arguido, na altura insuspeito, faz de toda a prova obtida prova proibida, (art. 126°, nº 1, alínea a), in fine, alínea c) e 3 do cpc)

11. No demais, nenhuma prova, senão de depoimento de ouvir dizer não suprido pelo declarantes, se produziu em audiência que identifique o arguido como autor do furto ou sequer como suspeito.

Caso assim não se entenda,

12. A factualidade dada como provada na sentença não refere factos típicos ilícitos bastantes da qualificação do crime de furto (mormente arrombamento, escalamento ou chaves falsas), que permitam sancionar tal conduta como tal, não sendo bastante a mera referência ao facto provado “através de um meio não apurado, abriu a porta do 1 ° andar do n°110".

13. Subsidiária e finalmente, pelo despacho não fundamentado - de que ora se recorre -, que relegou para a sentença final o conhecimento das nulidades arguidas em sede de contestação (o que determinaria a ausência de alguns dos factos e prova constantes da acusação) privou-se o arguido, durante a fase de julgamento, do cabal conhecimento dos factos que lhe eram definitivamente imputados.

14. De facto, pelo desconhecimento de todos os factos conformadores da acusação e do art. 61°, nº 1 al c) do cpp, perturba-se o arguido das correlativas garantias de defesa, uma vez que não pode este defender-se na sua plenitude, quando o tribunal reserva para si e para final a definição do objecto do processo.

15. Dentro de tais garantias de defesa inclui-se o direito a uma confissão integral e sem reservas. Tais reservas subsistem enquanto tal objecto não estiver definitivamente fixado, o que força o arguido ao silêncio em detrimento de uma confissão de factos abstractos que ainda estão em concreto dependentes de apreciação do Mmº juiz, assim contendendo com a validade do julgamento.

16. Foram violados os artigos 61°, nº 1 al c, 126°, n°3, 129°, 174, n°3, 178, n°4, 343, n°1, 355°, e 374, n°2, todos do cpp, bem como os artigos 1°, n°1 e 10° do cpenal e o artigo 32, nº 1 da crportuguesa.

Nestes termos deverá o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência:

a) Revogar-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra que absolva arguido do crime de que vem acusado por total ausência de prova;

b) Quando assim não entenda, revogar-se a sentença na medida em que condena o arguido pelo crime de furto qualificado (mormente por falta de factos típicos ilícitos consubstanciadores de tal crime).

Assim se fazendo justiça.


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Respondeu a Digna Magistrada do Ministério Público junto Vara de Competência Mista e Juízos Criminais de Coimbra concluindo que deve ser negado provimento ao recurso e manter-se na íntegra a douta sentença recorrida:

O Exmº. Procurador-geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Foi cumprido o disposto no artigo 417º n.º 2 do Código de Processo Penal e o arguido apresentou resposta.


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É o seguinte o teor do despacho sobre a nulidade da revista:

«De acordo com o disposto no art. 174° nº 1 do CPP, "quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista".

Em regra, as revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas pela autoridade judiciária competente (art. 174°, nº 3, do C. Processo Penal).

Porém, os órgãos de polícia criminal podem efectuar revistas e buscas sem aquela autorização ou ordem, nos casos, a) de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade física de qualquer pessoas, b) em que o visado consinta desde que o consentimento fique, por qualquer forma, documentado, c) e aquando de detenção em flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão (nº 5 do art. 174°, do C. Processo Penal). Nos casos previstos em a), a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada a fim de a validar, ou não (n° 6 do art. 174°, do C. Processo Penal).

No âmbito das medidas cautelares e de polícia - que não são actos processuais mas de polícia, embora possam ser anteriores ou contemporâneos do processo (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª Ed., 63 e ss.) aos órgãos de polícia criminal compete, mesmo antes de qualquer ordem da autoridade judiciária para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova designadamente, compete-lhes proceder a exames dos vestígios do crime e assegurar a sua manutenção, colher as informações que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição, e proceder a apreensões no decurso de revistas ou buscas (art. 249°, nºs 1 e 2, do C. Processo Penal).

O art. 251°, do C. Processo Penal disciplina as revistas no âmbito das medidas cautelares e de polícia. Assim, também aqui os órgãos de polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária, à revista de suspeitos em caso de fuga iminente ou de detenção, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem de prova e que de outra forma poderiam perder-se (alínea a), do nº 1, do art. 251°, do C. Processo Penal) e ainda nos casos em que as pessoas na qualidade de suspeitos, devam ser conduzidos a posto policial, sempre que houver razões para crer que ocultam armas ou outros objectos com os quais possam praticar actos de violência, sendo nestes casos, correspondentemente aplicável o disposto no nº 6 do art. 174°, do C. Processo Penal.

Ora, no presente caso, o arguido foi revistado quando se encontrava na Esquadra da PSP e tal revista não foi autorizada por despacho da autoridade competente.

Por outro lado, não está documentado nos autos o consentimento do arguido para a mesma.

Tampouco foi o arguido detido, no momento em que foi revistado, dado que esta detenção ocorreu às 18:08 e a revista e subsequente apreensão dos bens que se encontravam na posse do arguido ocorreu às 17:40 h.

Por outro lado, a revista não foi comunicada ao juiz de instrução competente com vista à sua validação - art. 174° nº 6 do CPP.

Daí que se tenha de concluir que a revista efectuada é efectivamente nula, porquanto se traduz numa intromissão na privacidade do visado - art. 126° nº 3 do CPP.

Tal nulidade acarreta, necessariamente, a nulidade da apreensão dos objectos que foram encontrados ao arguido durante a revista, concretamente do telemóvel, da placa Vodafone, do baralho de cartas e do carregador de telemóvel - art. 122º nº 1 do CPP.

Já quanto à apreensão do computador, esta não padece, ao que se julga, de nenhuma nulidade.

Efectivamente, o arguido voluntariamente mostrou o computador aos agentes da PSP e a apreensão do mesmo foi feita apenas depois de ter sido apurado que tinha sido objecto de furto.

Termos em que declaro a nulidade da revista do arguido e da apreensão efectuadas na sequência da revista, concretamente do telemóvel, da placa Vodafone, do baralho de cartas e do carregador de telemóvel.»


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B - Fundamentação:

B.1 - O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:

a) No dia 15/3/2009, entre as 12 horas e 15 minutos e as 15 horas e 30 minutos, o arguido dirigiu-se à Rua António José de Almeida, em Coimbra, e, através de um meio não apurado, abriu a porta do 1° andar do nº …, daquela artéria, a residência de F… .

b) No interior dessa casa retirou e levou consigo um computador, marca HP, modelo Pavilion dv 6000, no valor de novecentos euros.

c) Dessa forma, fez seu esse bem.

d) Ao agir da forma descrita o arguido fê-lo voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

e)O arguido sabia que o objecto supra mencionado não lhe pertencia e que actuava contra a vontade e sem o consentimento do respectivo dono, a referida F… .

 f)Quis integrar na sua esfera patrimonial aquele bem, propósito que alcançou.

g) O arguido trabalha como serralheiro soldador na Fucoli.

Vive na Instituição Farol-

Tem o 5°ano de escolaridade

h) O arguido foi condenado:

- por sentença datada de 31/10/2000 e transitada em julgado em 9/2/2001, pela prática, em 30/10/2000,de um crime de condução sem carta, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 600$00, pena esta extinta pelo pagamento.

- por sentença datada de 24/01/2002 e transitada em julgado em 24/1/2002, pela prática, em 25/08/2000,de um crime de condução sem carta, na pena de 110 dias de multa à taxa diária de 500$00, pena esta extinta pelo pagamento.

- por sentença datada de 14/05/2003 e transitada em julgado em 30/5/2003, pela prática, em 31/08/2002,de um crime de condução sem carta, na pena de 130 dias de multa à taxa diária de € 5,00, pena esta extinta pelo pagamento.

- por sentença datada de 10/07/2007 e transitada em julgado em 17/9/2007, pela prática, em 19/05/2007, de um crime de condução sem carta e de um crime de furto de uso de veículo, na pena única de 1 ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos.


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E como não provados os seguintes factos:

1- que o arguido abriu a porta com um ferro.

2 - que o arguido, no interior dessa casa retirou e levou consigo os seguintes bens:

- um telemóvel, marca LG, no valor de trinta e cinco euros,

- uma placa Vodafone no valor de cinquenta euros,

- um baralho de cartas, e

um carregador de telemóvel, marca SAMSUNG, no valor de dez euros

3 - Com a quebra da fechadura da residência onde entrou o arguido causou um prejuízo no montante de cinquenta euros.


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E apresentou as seguintes razões para fundamentar a matéria de facto, após uma extensa e inútil dissertação de direito sobre a motivação de facto:

«O Tribunal deu como provados os factos que nessa qualidade se descreveram com fundamento no depoimento da testemunha M..., agente da PSP, que declarou que no dia em causa nos autos estava de serviço na rua com o agente L... e viram o arguido a passar com um saco térmico na mão, tendo o colega dito que o arguido era referenciado e conhecido da polícia como dedicando-se à prática de factos ilícitos. Decidiram então abordá-lo, o que fizeram quando o arguido se encontrava num café e pediram-lhe para ele mostrar o que tinha no saco. O arguido espontaneamente abriu o saco e mostrou-lhes um computador portátil. Estranharam tal facto e pediram ao arguido para os acompanhar à Esquadra, ao que o arguido acedeu.

Na esquadra, telefonaram à mãe do arguido para indagar se o computador era lá de casa e esta negou.

O arguido indicou então uma casa como sendo a dos donos do computador e acompanhou uma brigada da PSP a uma casa, onde reside a ofendida F…, e constataram que esta havia sido alvo de um assalto.

A questão que aqui se levanta, e a respeito da qual há que tomar posição, é desde logo a de saber se as declarações prestadas por esta testemunha podem ser valoradas.

Ora, aderindo à doutrina plasmada no douto Acórdão do STJ de 5/1/2005, in WWW.dgsi.pt, entendemos que nada obsta a tal valoração. Efectivamente, como se salienta neste aresto, "As declarações (rectius, as informações) prévias ou contemporâneas que tenham possibilitado ou contribuído para recriar as condições em que se supõe ter ocorrido o facto, diluem-se nos próprios termos da reconstituição, confundindo-se nos seus resultados e no modo como o meio de prova for processualmente adquirido".

Há que notar, de resto, que o arguido em nenhum momento disse o que só mostrou o conteúdo do saco e acompanhou a PSP a casa da ofendida por os agentes policiais terem utilizado um qualquer meio (tortura, coacção, ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral) que afectou a sua liberdade de determinação.

E, aqui, há que referir que o depoimento da testemunha F... (que é a ofendida e que depôs credivelmente), corroborou este depoimento, já que relatou que efectivamente, no dia em causa nos autos, saiu de casa para ir almoçar, juntamente com o companheiro e que quando regressou não encontrou o computador portátil que tinha deixado em casa, tendo concluído então que esta tinha sido objecto de um assalto durante a sua ausência. Disse que não telefonou de imediato à Polícia porque tinha sido já vítima de furtos por duas vezes e, apesar de ter apresentado queixa, não foram encontrados os autores dos mesmos, razão pela qual julgou ser inútil apresentar queixa. Mais relatou que quando a PSP lhe apareceu em casa constatou que o autor do furto do computador tinha entrado por uma porta que apenas se encontra fechada por um arame, porta essa que foi forçada. Para além do computador, deu pela falta de um telemóvel, um telemóvel, um carregador, uma pena da Vodafone, um baralho de carta e uma carteira de documentos.

Valorado foi ainda o auto de apreensão junto aos autos, a fls. 5, relativamente ao computador em causa nos autos e o teor das fotografias de fls. 14, 15, 17 e 18.

Ora, conjugando todos estes elementos probatórios, num raciocínio lógico-dedutivo, subordinado às máximas da experiência e do normal acontecer, concluiu o Tribunal, como não o poderia deixar de fazer, que foi o arguido o autor dos factos descritos nos factos provados.

Há que salientar que determinante para esta conclusão foi o facto do arguido ter sido encontrado na posse do computador portátil escasso tempo após a ocorrência do furto.

No que respeita ao valor dos objectos, o Tribunal deu o mesmo como provado considerando o depoimento da testemunha F... e as regras da experiência e do normal acontecer.

Quanto às circunstâncias pessoais e económicas do arguido, valoraram-se as declarações por este prestadas e, quanto aos antecedentes criminais, o teor do CRC junto aos autos.

No que respeita aos factos não provados, nenhuma prova foi feita dos mesmos.

Efectivamente, pese embora a testemunha F... tenha referido que os mesmos lhe foram furtados no mesmo dia, nada permite relacionar o arguido com o furto de tais objectos


***

Cumpre decidir.

B.2 - Este tribunal da Relação tem competência para conhecer de facto e de direito (artigo 428.º do Código de Processo Penal) e, exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso da decisão proferida por tribunal de 1ª instância interpõe-se para a relação (artigo 427.º do mesmo diploma).

É um dado assente que o recorrente não recorre de facto.

Haverá que apreciar a seguinte matéria suscitada pelo recorrente nas suas conclusões:

A – A abordagem ilegal do arguido e apreensão do computador na sequência de revista ilegal;

B – Da legalidade do despacho a relegar para final o conhecimento das nulidades invocadas e garantias de defesa do arguido;

C – Do depoimento indirecto;

D – Do furto qualificado.


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B.3 – Quanto ao primeiro ponto o que os autos revelam é o contrário do alegado pelo arguido.  

Dos autos resulta que um dos agentes policiais em patrulha, conhecendo o arguido e os seus antecedentes policiais e vendo-o com um saco isotérmico que parecia conter um objecto pesado, abordou-o num café perguntando-lhe o que levava consigo e o arguido, voluntariamente, mostrou-lhe um computador portátil no interior daquele saco.

Até esse momento não ocorreu qualquer revista ao arguido. A revista é posterior e teve como resultado a apreensão de objectos diferentes.

Não há, pois, qualquer nexo naturalístico ou jurídico entre a revista e o computador. Este surge antes daquela.

Naturalmente que o arguido poderia ter recusado exibir o que continha no saco e acompanhar os agentes à esquadra policial, em função da previsão do nº 2 do art. 250º do CPP.

A partir do momento em que o arguido exibe o computador estão verificados os pressupostos previstos nos artigos 174º, nº 1 e 249º do CPP: há indícios de que o arguido ocultava objecto relacionado com um crime (um computador portátil no interior de um saco isotérmico (!!!) com os antecedentes conhecidos).

Assim, os dados de facto existentes no processo são contrários aos alegados pelo recorrente e não foi praticada qualquer nulidade na apreensão do computador ao arguido.


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B.4 – Quanto à segunda questão – o recurso do despacho que relegou para a sentença o conhecimento das nulidades invocadas pelo recorrente – convém relembrar que em processo sumário só é admissível recurso da sentença ou do despacho que ponha termo ao processo – art. 391º do CPP. Tal despacho não é, portanto, passível de recurso por não pôr termo ao processo.

 Acresce que o arguido invocou a existência de nulidades em requerimento autónomo interposto entre a primeira audiência (adiamento a pedido da defesa) e a segunda audiência (julgamento) e nesta, no momento em que o despacho foi lavrado, o arguido nada disse. 

E a ser uma invalidade processual, como alegado, tratar-se-ia sempre de mera irregularidade processual e deveria a mesma ter sido arguida no próprio acto – artigo 123º, nº 1 do Código de Processo Penal. Não tendo sido, mesmo a ocorrer – o que se não concede – estaria sanada.

Por outro lado, tal despacho em nada alterou o objecto do processo e limitou-se a restringir os meios de prova de que o tribunal se poderia servir para formar a sua convicção.

Mas, repete-se, o despacho lavrado em audiência não pôs fim ao processo e não é recorrível.

Entre este despacho – irrecorrível – e o despacho dado em audiência – despacho que declarou a nulidade praticada – não existe um nexo estabelecido pelo recurso. Dito de outra forma, o arguido não recorre do despacho integrado na sentença (que lhe é favorável) mas sim, e unicamente, do despacho prévio e irrecorrível.

Está respondida a questão colocada pelo recorrente no ponto B das suas conclusões como exposto por este tribunal.


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B.5.a) – O que nos reconduz à análise do disposto no artigo 129º do Código de Processo Penal, o depoimento indirecto.

É princípio geral relativo à prova por depoimento que a testemunha deva ser inquirida sobre factos de que tenha conhecimento directo – artigo 128º do Código de Processo Penal.

O depoimento por ouvir dizer (por outiva, per auditur), uma das formas de depoimento indirecto, reconduz-se à não percepção directa (sensorial) do facto objecto de prova, sim à recepção do que resulta percepcionado por outro meio de prova.

E são as exigências resultantes dos princípios da imediação, oralidade e, maxime, do acusatório, a aconselharem que o iter cognoscitivo do tribunal quanto ao facto a apurar e subsequente formação da convicção do tribunal e sua motivação, se centrem no facto directamente percepcionado e não no indirectamente ouvido.

Estas regras não obstarão, necessariamente, a que o tribunal faça uso do princípio da livre apreciação da prova – designadamente por apelo à credibilidade de ambas as testemunhas e às circunstâncias que rodeiam o facto – para fixar o facto a provar, no caso de não estar impedido de se socorrer do depoimento indirecto. Ponto é que se cumpra a imediação e o contraditório e, além disso, que a motivação factual seja convincente.

E a razão de ser de tal regime é clara e, pode dizer-se de forma genérica, universal nos países de raiz política democrática.

Aliás, é claro o Prof. Costa Andrade na afirmação da existência de tal princípio nos países democráticos com processo de estrutura acusatória.

A regra da hearsay evidence "é uma característica de todos os processos de estrutura fundamentalmente acusatória, enquanto a sua admissibilidade é característica dos processos de fundo inquisitório. Pode, inversamente, concluir-se, sem perigo, da admissibilidade desta prova ou da sua exclusão pela natureza inquisitória ou democrática-acusatória de um ordenamento jurídico-processual” - Colectânea de Jurisprudência, ano VI, 1981, tomo 1º, pág. 6).

Naturalmente que, hoje, este dualismo jurídico não é tão claro, afastando-se claramente do “hearsay is no evidence” depois de os britânicos “Civil Evidence Act 1995” [secção 1. (1) e (2)] ter abolido a regra para o processo civil (sem prejuízo das salvaguardas da secção 2.) e de o “Criminal Justice Act 2003” ter consagrado um grande campo de excepções à regra no campo penal (secções 114, 116 e 118).
O mesmo se passa com as Federal Rules of Evidence, onde a Rule 602 - Lack of Personal Knowledge – impõe que “A witness may not testify to a matter unless evidence is introduced sufficient to support a finding that the witness has personal knowledge of the matter. Evidence to prove personal knowledge may, but need not, consist of the witness' own testimony” e, subsequentemente a Rule 802 – Hearsay Rule - determina que “Hearsay is not admissible except as provided by these rules or by other rules prescribed by the Supreme Court pursuant to statutory authority or by Act of Congress”.
Não obstante, a Rule 803 - Hearsay Exceptions – contém um tal campo de excepções à regra geral que esta se torna uma excepção, cumpridas que estejam as duas condições da sua admissibilidade, o dar conhecimento à outra parte da intenção de produzir tal prova e a audição da testemunha fonte, quando disponível.

Constatamos, pois, que o direito de raiz anglo-saxónico é hoje menos rígido - pela abertura de um grande campo de excepções à regra - do que os direitos europeus continentais mais próximos do direito processual penal português, designadamente o italiano e o espanhol.

A simples leitura do artigo 195º do Códice de Procedura Penale o demonstra:
(Testimonianza indiretta) - 1. Quando il testimone si riferisce, per la conoscenza dei fatti, ad altre persone, il giudice, a richiesta di parte, dispone che queste siano chiamate a deporre.
2. Il giudice può disporre anche di ufficio l’esame delle persone indicate nel comma 1.
3. L’inosservanza della disposizione del comma 1 rende inutilizzabili le dichiarazioni relative a fatti di cui il testimone abbia avuto conoscenza da altre persone, salvo che l’esame di queste risulti impossibile per morte, infermità o irreperibilità.

E a doutrina espanhola, não obstante a previsão do artigo 710º da Ley de Enjuiciamiento Judicial, de onde se infere claramente a proibição do “testimonio de referencia”, aponta para a necessidade de alteração legislativa – fazendo-se referência expressa aos códigos de processo penais italiano e português – que consagre expressamente regra de proibição de utilização de tais “testimonios”. [1]

Isto não obstante ser clara a posição do Tribunal Constitucional espanhol na afirmação do carácter excepcional do depoimento indirecto e de a sua admissibilidade estar já limitada aos casos de impossibilidade real e efectiva de obtenção do depoimento directo e de não haver duvidas na asserção de que a aceitação dos depoimentos “de referencia”, sem aquelas características, viola o disposto no artigo 6º, nº 3, al. d) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

São, pois, essencialmente comuns as preocupações e os fundamentos do estabelecimento de uma regra de proibição de valoração dos depoimentos indirectos, quer se trate do direito processual penal continental, quer do direito anglo-saxónico.


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B.5.b) – Isto em tese geral. No concreto conformador do caso sub-judicio e para o ordenamento jurídico português, as regras não surgem com tanta clareza.

Do estatuído no artigo 129º, nº 1 do Código de Processo Penal claramente decorre que o depoimento per auditur não é “absolutamente proibido” na ordem jurídica portuguesa.

Para além dos casos claros de (a) “inadmissibilidade” de depoimento indirecto previstos no nº 3 do artigo 129º do Código de Processo Penal (casos em que a testemunha não pode ou recusa identificar a testemunha ou fonte de conhecimento), os restantes casos caem nas categorias: de uma (b) “admissibilidade condicionada” (validade do depoimento indirecto dependente do chamar a “testemunha fonte” a depor; de (c) “admissibilidade automática” que serão os casos de impossibilidade do depoimento previstos na parte final do nº 1 do artigo 129ª; e, finalmente, os casos atípicos de (d) “impossibilidade” naturalística ou jurídica de depor, bem como os casos de “indisponibilidade” para o depoimento. [2]

Se nesta última categoria se abre um grande campo de debate sobre a possibilidade de valoração do depoimento indirecto face à natureza naturalmente casuística da abordagem a apreender, certo é que a equiparação entre as impossibilidades previstas no nº 1 do preceito e a legítima recusa a prestar declarações no exercício do seu direito ao silêncio conduzirão à livre apreciação do depoimento indirecto.

Esta matéria já foi objecto de pronúncia pelo Tribunal Constitucional pelo menos nos seus acórdãos 213/99 e 440/99, neste em termos claros de “concluir que o artigo 129º, nº 1 (conjugado com o artigo 128º, nº 1) do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indirectos de testemunhas, que relatem conversas tidas com um co-arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no exercício do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido”, conclusão permitida, precisamente, pela equiparação do exercício do direito ao silêncio a uma “impossibilidade absoluta, decorrente da própria lei, de interrogar o co-arguido, pois que este, no exercício do seu direito ao silêncio, se escusou a prestar declarações”.

Questão diversa, porque especificamente prevista pelo legislador e por fundamentos precisos e diversos, diz respeito às chamadas “conversas informais” levadas a cabo pelos OPC na pendência do processo.

Aqui, em função da qualidade da testemunha e dos deveres que lhe incumbem de formalização em actos processuais das declarações do arguido, o legislador estabelece uma barreira de proibição de valoração, a resultante do regime decorrente dos artigos 356º, nº 7 e 357º, nº 2 do Código de Processo Penal. Vai neste sentido, o da proibição de valoração das “conversas informais”, o acórdão do STJ de 29-01-1992, CJ, I, pag. 20-24. [3]

Não obstante jurisprudência de sentido divergente, pensamos ser esta a melhor orientação, recentemente sufragada pelo STJ no acórdão de 15-02-2007 (Proc. 06P4593, relator o Cons. Maia Costa) em termos de abarcar um conjunto de princípios jurisprudenciais coesos e de correcta interpretação legal. [4]

Assim, e porque o teor do depoimento se referiria às declarações do arguido havendo já processo, quer a produção do depoimento, quer a sua posterior valoração estariam proibidas.

Esta última (proibição de valoração) a questão tal como o arguido a apresenta nas suas conclusões de recurso. Mas será esta a questão central a dirimir no que ao depoimento indirecto prestado nos autos diz respeito? Não nos parece.

De facto, o arguido alega que o agente policial prestou depoimento indirecto na medida em que, na audiência de julgamento, se referiu expressamente às suas declarações “informais”, inclusive à sua confissão dos factos.

De outra banda, em lado algum o tribunal recorrido faz referência a essas declarações que o arguido terá feito perante o agente policial.

Não se pondo em causa que o depoimento indirecto tenha sido prestado, certo é que ele não consta da motivação do tribunal recorrido.

Esta é que nos parece ser a questão central colocada nos autos no que diz respeito ao depoimento indirecto: em suma, ele terá sido prestado, mas não valorado.

E, aqui, haverá que destrinçar entre regras de produção de prova e regras de proibição de valoração de provas.


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B.5.c) – O artigo 129º, nº 1 do Código de Processo Penal contém um comando que opera, desde logo, no momento da produção da prova em audiência de julgamento. Quando ali se afirma que “se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar estas a depor” está a exigir-se ao juiz que preside ao julgamento um primeiro juízo sobre a credibilidade do depoimento indirecto, justificativo, ou não, de uma possível futura valoração desse mesmo depoimento. Se conclui que o depoimento indirecto não tem objecto ou credibilidade para fundar a sua convicção futura não terá que chamar a depor o “meio de prova” directo. É matéria factualmente irrelevante que não lhe exige outra acção. Em contra-partida, nunca o teor de tal depoimento indirecto poderá vir a fundar a convicção do tribunal.

Daí que se possa afirmar, em tese geral, que nada obstaria à produção desse meio de prova em audiência. Aliás, o juiz, para apurar da credibilidade do depoimento indirecto e antes de decidir se deve ou não chamar outras pessoas a depor, tem que ouvir o depoimento indirecto.

Mas se conclui que aquele depoimento indirecto poderá vir a ter importância suficiente para que nele possa assentar parte ou a totalidade da sua convicção futura e consequente fundamentação factual, então é-lhe exigido que chame a depor as “pessoas determinadas” que tiveram percepção directa dos factos se tal for física e legalmente possível.

Aqui não se trata de um simples “poder”, sim de um “poder dever”. Se o Juiz entende que o depoimento indirecto tem suficiente credibilidade, não lhe é lícito desprezá-lo. Em obediência ao princípio de investigação que enforma a audiência, deve chamar a depor aquelas pessoas determinadas.

Não o fazendo e fundando a sua convicção futura nesse depoimento, está a omitir a prática de um acto essencial no apuramento da verdade material, omissão com origem nas regras de produção de prova em audiência, mas cujos efeitos ficam “suspensos” até se apurar se veio, ou não a fundar a sua convicção nesse meio de prova proibido.

Na prática, a violação positiva desse “poder-dever”, constitui a violação de uma regra de proibição de prova com origem em acto praticado na audiência, mas cujos efeitos o legislador faz depender da futura constatação de que foi considerada em sede de fundamentação factual da decisão. Vindo a ser considerado em sede de decisão, a origem da invalidade do acto encontra-se na audiência de julgamento, vindo a ter continuidade no momento da formação da convicção do julgador e consequente motivação.

Se, por outro lado, as regras legais e jurisprudenciais aplicáveis ao caso concreto indiciam já – antes da produção do depoimento – que o depoimento indirecto nunca poderá vir a ser atendido, impõe-se a proibição da sua simples produção, pela simples circunstância se ser proibida a prática de actos inúteis no processo.

Esta a regra geral. No caso, como vimos, e por se tratar de “conversas informais” perante OPC impunha-se, desde logo, a proibição da sua produção. A sua ponderação a posteriori na sentença recorrida seria uma clara violação da regra de proibição de valoração de prova.

Tal não ocorreu. O depoimento não foi valorado na sentença final, pelo que não houve uso indevido (proibido) de meio de prova.

Mas nem deveria, nessa parte, ter sido admitido. Se é patente que tal depoimento indirecto – o das “conversas informais” – nunca poderá vir a ser considerado na convicção e motivação a sua produção (autorização para..) é uma clara inutilidade.

Caso se entenda – como se entende - que houve uma violação de regra de produção de prova, esta constitui mera irregularidade a que não é reconhecido o “efeito à distância” enquanto acto gerador de nulidade de actos probatórios subsequentes. Não é reconhecido qualquer “efeito à distância” no âmbito do depoimento per auditur (muito menos numa simples regra de produção de prova), pelo que se mostram não aplicáveis ao caso dos autos quaisquer considerandos sobre a “fruit of the poisonous tree” ou “Fernwirkung des Beweisverbots”, cópia germânica daquela.

Assim, a produção desse depoimento indirecto não teve repercussão na convicção e motivação factual do tribunal recorrido, pelo que não houve uso de meio proibido de prova. O que ocorreu foi, ao invés, a violação de uma regra de produção de prova, simples irregularidade quanto à sua admissão, sem consequências processuais porque irrelevante e não contaminadora da convicção e valoração da decisão.


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B.6 – Já terá o arguido razão quanto à qualificação jurídica dos factos provados.

Diz-se na sentença recorrida, em sede de fundamentação jurídica – designadamente quanto ao preenchimento do tipo – que ocorreu arrombamento da porta por meios não apurados.

Ora, não é isso que resulta provado. Aliás, tais factos resultaram claramente não provados, como se vê:

Provado: a) No dia 15/3/2009, entre as 12 horas e 15 minutos e as 15 horas e 30 minutos, o arguido dirigiu-se à Rua António José de Almeida, em Coimbra, e, através de um meio não apurado, abriu a porta do 1° andar do nº …, daquela artéria, a residência de F...  .

Não provado: 1- que o arguido abriu a porta com um ferro; 3 - Com a quebra da fechadura da residência onde entrou o arguido causou um prejuízo no montante de cinquenta euros.

Há, assim, um non liquet factual que não pode funcionar contra o arguido, presumindo-se o arrombamento da simples entrada – por forma não apurada – numa habitação. Com a agravante de terem resultado como não provados os factos que poderiam demonstrar o arrombamento.

Assim, haverá que reconduzir a conduta do arguido à previsão da al. f) do nº 1 do artigo 204º do Código Penal, conduta essa punível com pena de prisão até cinco anos ou multa até 600 dias.

Considerando o já fundamentado pelo tribunal recorrido em sede de enquadramento da medida da pena, haverá que considerar parcialmente procedente o recurso interposto, indo o arguido condenado pela prática de um crime de furto p. e p. pela al. f) do nº 1 do artigo 204º do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.


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C - Dispositivo:

Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste tribunal em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, condenam o arguido pela prática de um crime de furto p. e p. pela al. f) do nº 1 do artigo 204º do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na execução por igual período de tempo.

Custas a cargo do recorrente, com 2 (duas) UCs. de taxa de justiça.

(elaborado e revisto pelo relator antes de assinado).

Coimbra, 14 de Outubro de 2009

João Gomes de Sousa

Calvário Antunes


[1] - Estrampes, Manuel Miranda, in “El concepto de prueba ilícita y su tratamento en el processo penal” – pags. 46-49, Bosch, 2ª ed. 2004.

[2]  - V. g. Carlos Adérito Teixeira, in “Depoimento indirecto e arguido – Admissibilidade e livre valoração versus proibição de valoração”. Pags. 138-139. Revista do CEJ – nº 2, 1º Semestre de 2005. 
[3] - V. g. José Damião da Cunha, in “O regime processual de leitura de declarações na audiência de julgamento” in RPCC, ano7, fasc. 3, pag. 422 e segs.

[4]  - “I - Relativamente ao alcance da proibição do testemunho de “ouvir dizer”, pode considerar-se adquirido, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe.

II - Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatada pelas testemunhas.

III - Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.

IV - De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art. 249.º do CPP).

V - Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo.

VI - Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito.

VII - O que o art. 129.º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249.º do CPP.”