Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
588/08.8TBFND-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: INSOLVÊNCIA
LEI GERAL DO ORÇAMENTO
CRÉDITO DA SEGURANÇA SOCIAL
REFORMA DO ACÓRDÃO
Data do Acordão: 11/29/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DO FUNDÃO – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 30º, Nº 3 DA L. G. TRIBUTÁRIA (LEI 55-A/2010). 669º, Nº 2, AL. B) DO CPC.
Sumário: Face ao aditamento, pela Lei nº 55-A/2010, de 31/12 (Lei Geral do Orçamento para 2011), do nº 3 ao artº 30º da LGT, deixaram de poder ser, a partir de 01/01/2011, homologados planos de insolvência que afectem os créditos da Segurança Social e os créditos fiscais.
Decisão Texto Integral:             APELAÇÃO nº 588/08.8TBFND-D.C1

            Acordam em conferência na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            O Instituto de Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de Castelo Branco, veio, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 2 do artº 669º do Cód. Proc. Civil, aplicável por força do nº 1 do artº 716º do mesmo diploma legal, requerer a reforma do acórdão de fls. 171 e seguintes porquanto consta dos autos documento do qual resulta que o plano de insolvência foi homologado por sentença proferida no dia 16/06/2011, e não 16/06/2010, o que, por lapso manifesto, não foi tomado em consideração e, só por si, implica necessariamente decisão diversa da proferida.

            Cumpre decidir (artº 670º, nº 1).

            De acordo com o nº 2, al. b), do artº 669º do CPC, não cabendo recurso da decisão, é lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz, constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.

            Do acórdão de fls. 171 e seguintes não cabe recurso (artº 14º, nº 1 do CIRE).

            Do processo consta (fls. 124) certidão da sentença homologatória do plano de insolvência datada de 16/06/2011 e não de 16/06/2010 como, por lapso manifesto de que nos penitenciamos, foi referido no acórdão reformando.

            A data da sentença homologatória é, como do próprio acórdão ressalta claramente, essencial para o provimento ou não provimento do recurso, já que em 01/01/2011 entrou em vigor a Lei nº 55-A/2010, de 31/12/2010 (Orçamento Geral do Estado para 2011), que aditou ao artº 30º da Lei Geral Tributária o seu actual nº 3.

            Com efeito, se a sentença homologatória do plano de insolvência tivesse a data de 16/06/2010, aquele nº 3 não seria aplicável, a apelação improcederia e aquela sentença manter-se-ia. Mas sendo a sentença homologatória datada de 16/06/2011, como se reconhece que é, o referido nº 3 já tem aplicação, a apelação procederá e a dita sentença não poderá deixar de ser revogada na parte afectada.

            Assim, atendendo a justificada reclamação do Instituto de Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de Castelo Branco, procede-se à reforma do acórdão reclamado, o qual passará a ter a redacção seguinte:

            “1. RELATÓRIO

            E…, Lda, sociedade comercial por quotas com sede no …, foi, a seu pedido, declarada insolvente por sentença de 17/10/2008 (fls. 15 a 26).

            Pelo Administrador da insolvência foi apresentado Plano de Insolvência (doravante, por facilidade, PI) que, com as correcções e alterações constantes da acta de fls. 119 a 123, foi aprovado – com voto contra do credor Instituto da Segurança Social, I. P. (doravante, por facilidade, ISS) – pela Assembleia de Credores reunida a 15/06/2010.

            O PI foi homologado por sentença de 16/06/2011 (fls. 124), ao que o ISS, inconformado, reagiu interpondo recurso e concluindo a alegação, logo apresentada, com as seguintes conclusões:

            Não houve resposta.

            O recurso foi oportunamente admitido.

            Nada obstando ao conhecimento do seu objecto, cumpre apreciar e decidir.

            Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foram colocadas as questões seguintes:

            a) (I)legalidade da homologação do PI por implicar modificação dos créditos do ISS sem que este tenha dado o seu consentimento;

            b) (Des)conformidade do conteúdo do PI com o disposto no artº 195º, nº 2, als. d) e e) do CIRE[1].

            2. FUNDAMENTAÇÃO

            2.1. De facto

            A factualidade relevante para a decisão do recurso é a que resulta do antecedente relatório, aqui dado como reproduzido, e ainda a seguinte:

            a) No anexo I do PI o Administrador da insolvência reconheceu deter o ISS sobre a insolvente um crédito de € 164.628,40, relativo a contribuições e juros de mora, tendo o montante de € 52.849,31 natureza privilegiada e o montante de € 111.779,09 natureza comum;

            b) O PI prevê, relativamente a tal crédito, o reembolso em 150 prestações mensais sucessivas e constantes de capital à taxa de juro de 4%, contra hipoteca voluntária das instalações e inexigibilidade de 80% dos juros vencidos;

            c) Refere ainda o mesmo PI que “embora no Plano de Tesouraria esteja previsto o pagamento das dívidas incorridas após a declaração de insolvência, seria aconselhável que as mesmas pudessem ser consolidadas no valor reconhecido àquela data e fossem reembolsadas nas mesmas condições, com início no mês seguinte ao da homologação do presente PI”;

            d) O ISS votou contra a aprovação do PI;

            e) No ponto 5.2. do PI, sob a epígrafe «Medidas propostas», consta, a dada altura, o seguinte:

            “O Anexo III evidencia os pressupostos que se tiveram em atenção para a elaboração do estudo de viabilidade económica/PI, o qual reflecte, entre outros, a Demonstração de Resultados Previsionais, Balanços e Orçamentos Anuais de Tesouraria e Financeiros.

            As medidas propostas, conforme se constata da análise dos orçamentos de tesouraria e financeiros, são de molde a obviarem-se rupturas de tesouraria e financeiras e o volume de negócios previsto, apesar de cauteloso, leva a que se consigam resultados líquidos positivos a partir do ano de 2015, com excepção do seu ano de arranque (ano de 2010), este devido ao impacto dos proveitos extraordinários que reflectem o perdão da dívida, no âmbito do seu saneamento financeiro.

            A empresa, com base nas medidas propostas, conseguirá a libertação de meios financeiros que lhe garantem uma capacidade de auto-financiamento ou capitalização anual tendencialmente crescente, conforme se consta(ta) pela análise da sua situação líquida ou capitais próprios”.

           

            2.2. De direito

            2.2.1. (Des)conformidade do conteúdo do PI com o disposto no artº 195º, nº 2, als. d) e e)

            Embora nas conclusões da alegação de recurso venha colocada em segundo lugar, começaremos, dada a sua natureza adjectiva ou formal, pela análise da questão do invocado desrespeito do PI pelo preceituado no artº 195º, nº 2, als. d) e e).

            De acordo com tais normas, o PI deve indicar a sua finalidade, descreve as medidas necessárias à sua execução, já realizadas ou ainda a executar, e contém todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz, nomeadamente: (…) d) o impacte expectável das alterações propostas, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano de insolvência; e) a indicação dos preceitos legais derrogados e do âmbito dessa derrogação.

            O não acatamento daquelas injunções é sancionado pelo artº 215º, disposição segundo a qual “o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza (…)”[2].

            O recorrente entende que o conteúdo do PI viola, de forma não negligenciável, as aludidas als. d) e e) do nº 2 do artº 195º e que, por isso, o tribunal “a quo” deveria ter recusado a homologação.

            Terá razão?

            Começaremos por averiguar se ocorreram ou não as violações denunciadas pelo recorrente e, no caso afirmativo, se as mesmas devem ser consideradas não negligenciáveis.     

           

Quanto à alegada omissão de referência ao impacte expectável das alterações propostas, por comparação com a situação que se verificaria na ausência de qualquer plano de insolvência [artº 195º, nº 2, al. d)], afigura-se-nos que carece o recorrente de razão.

Com efeito, como se deixou consignado na al. e) do item 2.1.1., supra, no ponto 5.2. do PI, sob a epígrafe «Medidas propostas», consta, a dada altura, o seguinte:

            “O Anexo III evidencia os pressupostos que se tiveram em atenção para a elaboração do estudo de viabilidade económica/PI, o qual reflecte, entre outros, a Demonstração de Resultados Previsionais, Balanços e Orçamentos Anuais de Tesouraria e Financeiros.

            As medidas propostas, conforme se constata da análise dos orçamentos de tesouraria e financeiros, são de molde a obviarem-se rupturas de tesouraria e financeiras e o volume de negócios previsto, apesar de cauteloso, leva a que se consigam resultados líquidos positivos a partir do ano de 2015, com excepção do seu ano de arranque (ano de 2010), este devido ao impacto dos proveitos extraordinários que reflectem o perdão da dívida, no âmbito do seu saneamento financeiro.

            A empresa, com base nas medidas propostas, conseguirá a libertação de meios financeiros que lhe garantem uma capacidade de auto-financiamento ou capitalização anual tendencialmente crescente, conforme se consta(ta) pela análise da sua situação líquida ou capitais próprios”.

            O trecho transcrito enuncia, ainda que resumidamente, o impacte que com as medidas propostas se espera alcançar, ou seja, a fuga às rupturas de tesouraria e financeiras que ameaçavam a insolvente a curto prazo e o alcance, a médio prazo, da sua estabilidade e saúde económica e financeira.

            Não detectamos, portanto, violação, negligenciável ou não, do preceituado na al. d) do nº 2 do artº 195º.

            Quanto à invocada falta de indicação dos preceitos legais derrogados e do âmbito dessa derrogação [artº 195º, nº 2, al. e)], importa ter presente o artº 192º, cujo nº 1 prevê que “o pagamento dos créditos sobre a insolvência, a liquidação da massa insolvente e a sua repartição pelos titulares daqueles créditos e pelo devedor, bem como a responsabilidade do devedor depois de findo o processo de insolvência, podem ser regulados num plano de insolvência em derrogação das normas do presente Código”.

            Como escrevem Carvalho Fernandes e João Labareda[3], é manifesta a impropriedade da utilização do conceito de derrogação que consta da parte final do nº 1 do artº 192º. E continuam: “Ao lançar mão de um plano de insolvência como meio de auto-regulação de interesses, nos termos permitidos pela própria lei, os credores exercem, simplesmente, a faculdade que lhes é concedida de afastar, no caso concreto, o desencadeamento da solução supletiva legal, mas não abolem nem eliminam, ainda que parcialmente, nenhuma norma do Código, mantendo-se elas plenamente vigentes e aplicáveis em todas as demais situações em que não haja intervenção dos credores, diferentemente do que sucederia se se tratasse de um verdadeiro caso de derrogação”.

            A norma do artº 195º, nº 2, al. e) tem, pois, de ser vista à luz da indicada interpretação do disposto no nº 1 do artº 192º, devendo a indicação incidir sobre os preceitos do CIRE cuja aplicação o PI, face à auto-regulação de interesses que contém, concretamente afasta[4].

            No caso que nos ocupa não encontramos no PI qualquer indicação que sequer aparente pretender satisfazer a exigência da al. e) do nº 2 do artº 195º. Mas tal não implica necessariamente que a homologação do PI devesse ter sido recusada, já que, como se disse, o artº 215º alude a violação «não negligenciável».

            Mesmo não as apontando concretamente, o PI aprovado afasta a aplicação das normas do CIRE que sejam incompatíveis com o seu conteúdo. Por isso, partilhando o entendimento de Carvalho Fernandes e João Labareda[5], afigura-se-nos “que a circunstância de, por qualquer motivo, se omitir a indicação do que, em concreto, é afastado, preterindo embora a determinação da al. e) do nº 2 do artº 195º, não constitui vício susceptível de inquinar a validade da deliberação dos credores e, bem assim, de fundamentar a não homologação oficiosa por parte do tribunal”.

            O incumprimento do preceituado na al. e) do nº 2 do artº 192º, traduzindo embora uma irregularidade consistente na omissão de um acto previsto na lei, não é susceptível de interferir com a boa decisão da causa, pois não contende com a justa salvaguarda dos interesses protegidos ou a proteger, nomeadamente com os dos credores que tenham votado contra o PI.

            Ou seja, entendemos, com todo o respeito por opinião diferente, que a omissão no PI das indicações previstas na al. e) do nº 2 do artº 195º, integra violação negligenciável – ou, noutra formulação, não integra violação não negligenciável – das normas aplicáveis ao conteúdo do PI e, consequentemente, não justifica a recusa oficiosa da respectiva homologação (artº 215º)[6].

            Nega-se, portanto, razão ao recorrente no que à questão acabada de apreciar tange.

            2.2.2. (I)legalidade da homologação do PI

            O PI prevê, relativamente ao crédito do ISS, o reembolso em 150 prestações mensais sucessivas e constantes de capital à taxa de juro de 4%, contra hipoteca voluntária das instalações e inexigibilidade de 80% dos juros vencidos.

            Essa forma de reembolso do crédito do ISS contraria expressamente o regime jurídico das dívidas à Segurança Social, estabelecido pelo Decreto-Lei nº 411/91, de 17/10, nomeadamente o preceituado nos artigos 1º, 2º e 3º[7].

            E contraria também o preceituado nos artigos 85º, nºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (Decreto-Lei nº 433/99, de 26/10)[8] e 30º, nºs 2 e 3 e 36º, nº 3 da Lei Geral Tributária (Decreto-Lei nº 398/98, de 17/12)[9], aplicáveis por força do artº 6º do Decreto-Lei nº 42/2001, de 09/02[10].

            As normas indicadas são de interesse e ordem pública e têm carácter imperativo ou injuntivo, em princípio inderrogáveis a não ser nos casos previstos na lei.

            A pergunta que se coloca é a de saber se tal inderrogabilidade abrange a vontade colectiva regularmente assumida através da aprovação em assembleia de credores constituída com o quórum legal (artº 212º) no âmbito do processo de insolvência.

            Para responder a esta questão há que ter presente o estatuído nos artºs 192º, 194º e 196º.

            Salienta-se, pelo seu interesse para a questão que nos ocupa, o disposto no nº 1 do artº 196, norma segundo a qual o plano de insolvência pode, nomeadamente, conter as seguintes providências com incidência no passivo do devedor:

            a) O perdão ou redução do valor dos créditos sobre a insolvência, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros, com ou sem cláusula «salvo regresso de melhor fortuna»;

            b) O condicionamento do reembolso de todos os créditos ou parte deles às disponibilidades do devedor;

            c) A modificação dos prazos de vencimento ou das taxas de juro dos créditos;

            d) A constituição de garantias;

            e) A cessão de bens aos credores.

            Pondo o acento tónico nas normas do CIRE acabadas de referir, a maioria da jurisprudência vinha entendendo que a indisponibilidade dos créditos tributários, aqui se incluindo os créditos da Segurança Social, se impunha tão só no âmbito da relação tributária, constituída entre a entidade credora do tributo e o contribuinte devedor, não se estendendo à relação vigente no processo de insolvência, em que as entidades titulares dos créditos fiscais ou parafiscais se apresentam em posição de perfeita paridade com os demais credores. E acrescentava que o CIRE é, na circunstância, lei especial relativamente aos regimes das dívidas fiscais e parafiscais, dando lugar à aplicação do princípio de que lex specialis derogat legi generali. Consequentemente, sustentava que o PI regularmente aprovado em assembleia de credores reunida no âmbito de processo de insolvência vinculava as entidades detentoras de créditos fiscais e parafiscais, mesmo que tais entidades se lhe tivessem oposto, nada obstando à sua homologação[11].

Usou-se o pretérito imperfeito porque, entretanto foi aditado pelo artº 123º da Lei nº 55-A/2010, de 31/12/2010 (Orçamento do Estado para 2011), em vigor desde 01/01/2011, o actual nº 3 ao artº 30º da LGT.
            Com efeito, antes de tal aditamento o artº 30º da LGT ficava-se pelo nº 2, onde se dispõe que “o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”, permitindo o entendimento já atrás referido de que se trata de uma lei geral, susceptível de ser afastada por lei especial, nomeadamente pelo CIRE.
            O aditado nº 3 do mencionado artº 30º, segundo o qual “o disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial”, afasta explicitamente o aludido entendimento, inculcando com segurança que a indisponibilidade dos créditos tributários não pode ser arredada, sem consentimento da entidade credora, pelo PI aprovado em assembleia de credores constituída no âmbito de processo de insolvência.

            E será esta nova norma aplicável ao caso dos autos?

            O artº 125º da referida Lei nº 55-A/2010 preceitua que “o disposto no n.º 3 do artigo 30.º da LGT é aplicável, designadamente aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, sem prejuízo da prevalência dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho sobre quaisquer outros créditos”[12].

            Neste processo a decisão que homologou o PI foi proferida em 16/06/2011, depois, portanto, da entrada em vigor do novo nº 3 do artº 30º da LGT, ocorrida em 01/01/2011.

            Afigura-se-nos, pois, que quando a dita norma iniciou a sua vigência ainda o PI não tinha sido objecto de homologação, motivo pelo qual, atento o preceituado no transcrito artº 125º, a mesma é, “in casu”, aplicável.

            O que implica que a indisponibilidade do crédito tributário, consagrada no nº 2 do artº 30º da LGT, prevaleça sobre qualquer legislação especial, nomeadamente o CIRE, e o PI aprovado na assembleia de credores – que, sem acordo do credor, prevê, relativamente ao crédito do ISS, o reembolso em 150 prestações mensais sucessivas e constantes de capital à taxa de juro de 4%, contra hipoteca voluntária das instalações e inexigibilidade de 80% dos juros vencidos – não possa ser homologado.

            Ainda que com fundamento diferente do invocado pelo recorrente, impõe-se a procedência da apelação e a revogação, no que à inclusão do crédito do ISS no PI respeita, da sentença homologatória recorrida.

            Nos termos do artº 713º, nº 7 do Cód. Proc. Civil, elabora-se o seguinte sumário:

            Face ao aditamento, pela Lei nº 55-A/2010, de 31/12 (Lei Geral do Orçamento para 2011), do nº 3 ao artº 30º da LGT, deixaram de poder ser, a partir de 01/01/2011, homologados planos de insolvência que afectem os créditos da Segurança Social e os créditos fiscais.

            3. DECISÃO

            Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, em revogar, no que à inclusão do crédito do ISS no PI respeita, a sentença homologatória recorrida.

            As custas são a cargo da massa insolvente.


Artur Dias (Relator)
Jaime Ferreira
Jorge Arcanjo


[1] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18/03 e alterado pelos Decretos-Lei nºs 200/2004, de 18/08 e 282/2007, de 07/08. São sete diploma todas as disposições legais adiante citadas sem menção da origem.
[2] Como opinam Carvalho Fernandes e João Labareda em CIRE Anotado, Quid Juris, 2008, pág. 712, e inculca a utilização da conjunção «ou», a irrelevância da violação negligenciável abrange tanto as regras procedimentais como as normas aplicáveis ao conteúdo do PI.
[3] Obra citada, pág. 635.
[4] Ac. Rel. Lx. de 30/10/2008 (Proc. 8662/2008-2, relatado pela Des. Maria José Mouro), in www.dgsi.pt.
[5] Obra citada, pág. 646.
[6] O argumento utilizado pelo recorrente na conclusão q) da sua alegação – de que tem maiores perspectivas de ressarcimento do valor global da dívida em sede executiva – teria cabimento em eventual pedido formulado ao abrigo do artº 216º, nº 1, al. a). Não pode ser relevado em sede de não homologação oficiosa (artº 215º), que é aquela em que laboramos.

[7] No artº 1º estatui-se: “Não é permitido autorizar ou acordar extrajudicialmente o pagamento prestacional de contribuições em dívida à segurança social, nem isentar ou reduzir, extrajudicialmente, os respectivos juros vencidos ou a vencer, salvo o disposto no artigo seguinte”.

  O artigo 2º começa por enumerar, no nº 1, as situações excepcionais em que pode ser autorizada a regularização da dívida, preceituando o nº 2 que a autorização é feita por despacho do membro do governo que tiver a seu cargo a área da segurança social.

  O artigo 3º nº 1 estabelece que “o acordo para a regularização da dívida pressupõe o seu pagamento em prestações e fica sempre sujeito à condição resolutiva do seu cumprimento”.
  O artigo 5º, também referido pelo recorrente, prevê a possibilidade de o pagamento da dívida ser assegurado por garantia adequada, geral ou especial, nos termos do artº 601º e seguintes do Código Civil, e não é seguro que tenha sido desrespeitado, já que o PI alude a hipoteca voluntária das instalações.
[8] Que assim dispõe:
  “1. Os prazos de pagamento voluntário dos tributos são regulados nas leis tributárias.
   2. Nos caos em que as leis tributárias não estabeleçam prazo de pagamento, este será de 30 dias após a notificação para pagamento efectuada pelos serviços competentes.”
[9] Prescrevem essas disposições legais:
  Artº 30º
  “2. O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária.
   3. O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial.”
  Artº 36º
  “3. A administração tributária não pode conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias, salvo nos casos expressamente previstos na lei.”
[10] Ac. Trib. Conflitos de 29/06/2005 (Proc. 01/05, relatado pela Cons. Angelina Domingues), in www.dgsi.pt.
[11] Cfr., entre muitos outros, Acórdãos do STJ de 13/01/2009 (Proc. 08A3763, relatado pelo Cons. Fonseca Ramos) e de 04/06/2009 (Proc. 464/07.1TBSJM-L.S1, relatado pelo Cons. Álvaro Rodrigues); Acórdãos da Rel. do Porto de 10/09/2009 (Proc. 485/08.7TBVNG.P1), 02/02/2010 (Proc. 1671/08.TJVNF-D.P1), 09/02/2010 (Proc. 1589/06.6TBMCN-F.P1), 16/03/2010 (Proc. 112/09.5TYVNG.P1), 11/05/2010 (Proc. 552/09.0TMSMJ.P1), 28/10/2010 (Proc. 833/08.0TYVNG.P1), 23/11/2010 (Proc. 4216/08.3TJVNF-A.P1) e de 07/04/2011 (Proc. 2525/09.3TBSTS-G.P1); Acórdãos da Rel. de Lisboa de 30/10/2008 (Proc. 8662/2008-2) e de 10/03/2011 (Proc. 28738/09.0T2SNT.L1-2); e Acórdão da Rel. Coimbra de 01/02/2011 (Proc. 788/09.3TBMGR-C.C1), todos in www.dgsi.pt.
  Contra: Acórdãos da Rel. Porto de 08/10/2007 (Proc. 4484/2007) e de 30/06/2008 (Proc. 3595/2008).
[12] Ac. Rel. Porto de 07/07/2011 (Proc. 393/10.1TYVNG.P1), in www.dgsi.pt.