Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9/17.5T8PNI.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO CORREIA
Descritores: PRESTAÇÃO DE CONTAS
ADMINISTRAÇÃO DE HERANÇA
PEDIDO
CASO JULGADO
USUFRUTUÁRIO
PAGAMENTOS DE IMI
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE PENICHE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 941.º, N.º 1, 942.º, N.º 3, 580.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, 2093.º, N.º 3, E 1474.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I –  Sendo a herança detentora de uma participação social numa sociedade por quotas e tendo esta procedido à venda de imóveis integrados no seu património, face à autonomia jurídica das sociedades comerciais, o produto da venda configura um ativo seu (da sociedade), não devendo ser considerado no âmbito da prestação exigível ao cabeça-de-casal.

II – Os regimes substantivo e processual impõem que na prestação de contas relativas à administração o julgador proceda às operações de cálculo entre as receitas e despesas e, sendo possível (em regra, existindo saldo) proceda à condenação no pagamento do saldo apurado.

III – Assim, o pedido simplesmente consistente no “apuramento do saldo”, não funciona como limite de conhecimento do tribunal, não tendo o A. neste tipo de ação a possibilidade de selecionar o que pode ou não ser apreciado, limitando o objeto da ação apenas ao conhecimento do saldo.

IV – A decisão inserida no âmbito do preceituado no art. 942.º, n.º 3 do CPC tendo como objeto a questão de saber se existia ou não a obrigação de prestar contas, apenas constitui caso julgado quanto a essa matéria, não prejudicando decisão ulterior que se pronuncie no sentido de as rendas de imóveis não integrarem as receitas da administração por legalmente pertencerem à usufrutuária.

V – Sendo a cabeça-de-casal a titular (a título de legado) do usufruto relativamente a todos os imóveis, impende sobre a mesma, nos termos dos arts. 8.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis e 1474.º do Código Civil, a obrigação de suportar os pagamentos de IMI relativos a esses prédios, não podendo percutir essa despesa sobre os demais herdeiros.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 9/17.5T8PNI.C1

Juízo de Competência Genérica de Peniche

_________________________________

Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:

I-Relatório

AA, com a demais identificação que consta dos autos,

intentou contra

BB, também melhor identificada nos autos,

a presente ação especial de prestação de contas relativas à administração da herança aberta por óbito de CC, exercida pela Ré enquanto cabeça-de-casal dessa herança.

Alegou, em síntese,

- é filha da Ré e de CC;

- no dia .../.../1991, faleceu CC, no estado de casado com a Ré, deixando como únicos herdeiros a Ré, e quatro filhos – AA, aqui autora, DD, EE e FF;

- CC deixou bens, não tendo ainda sido realizada a partilha nem instaurado o respetivo processo de inventário;

- desde o óbito de CC, tem sido a Ré a exercer o cargo de cabeça-de-casal, tendo recebido o preço das vendas outorgadas pelos herdeiros e efetuado pagamentos a credores.

                                                                  *
Foi admitida a intervenção principal provocada, na parte ativa, de EE e I..., LDA. (cfr. despacho de fls. 122).
                                                                  *
A 05.07.2018 foi proferida sentença, julgando procedente a ação quanto à obrigação de prestação de contas pela Ré.

                                                                  *
Em virtude do falecimento da Ré AA, foram habilitados, na qualidade de herdeiros desta, DD e FF.

                                                                  *
Na ausência de prestação de contas pelos sujeitos passivos da ação, foram os sujeitos ativos notificados para prestarem essas contas, o que apenas fez a A. AA.
                                                                  *
A 14.06.2022 foi proferida sentença contendo o seguinte dispositivo: “julgo parcialmente válidas as contas apresentadas pela autora, fixando-se o saldo das mesmas, a favor da autora AA e da chamada EE no valor de 1.205,96€ (mil, duzentos e cinco euros e noventa e seis cêntimos) para cada uma e a favor da sociedade I..., LDA. no valor de 2.411,93€ (dois mil, quatrocentos e onze euros e noventa e três cêntimos), condenando-se a herança da primitiva ré, aqui representada pelos réus habilitados DD e FF, a pagar tais quantias àqueles”.

                                                                  *

Irresignada, a A. interpôs recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever, com exceção da contida na 17.ª (por se limitar a transcrever a factualidade dada como provada na sentença recorrida, factualidade essa que também será enunciada no presente acórdão) e retirados os acentuados a bold e sublinhados constantes do texto original:

“1ª – Em 13 de Janeiro de 2021 a ora Recorrente veio apresentar requerimento com prestação de contas, tendo indicado como receitas da herança o valor global de 469.716,68 €, correspondente à soma da venda de imóveis e rendas recebidas relativas a imóveis arrendados, ao qual devia ser deduzido o montante referente a IMI entre os anos de 1991 e 2018, no montante global de 23.495,94 €, apurando-se deste modo o saldo.

I – Quanto à questão prévia

2ª – Na douta decisão recorrida como questão prévia foi analisada e decidida a inserção como receita da herança do produto da venda dos imóveis pertencentes à Sociedade A..., Lda.”.

3ª – É referido a este propósito na douta sentença recorrida que a ora Recorrente carece de razão, porquanto o que compõe o acervo hereditário da herança é unicamente a quota de que o falecido era proprietário na Sociedade A..., Lda.. e não “a sociedade” ou o património desta.

4ª – Pese embora, seja verdade que o falecido detinha uma quota na sociedade e ser esta quota que faz parte do acervo hereditário, não é menos verdade que após a sua morte foram vendidos bens que constituíam activos, cuja receita entrou na sociedade e nada foi partilhado entre os herdeiros, tendo daí resultado a diminuição do valor da referida quota.

5ª –Porquanto o valor real de uma quota social, não corresponde exactamente ao valor nominal da mesma, mas está intrinsecamente ligado ao património da sociedade, ou seja, aos seus activos.

6ª – Na partilha que venha a ser realizada por óbito de CC, o herdeiro a quem vier a ser adjudicada a quota, recebe uma participação numa sociedade, que há data do falecimento de CC possuía bens imóveis.

7ª – Os referidos bens foram vendidos posteriormente ao óbito e por isso o herdeiro em questão receberá uma participação social com um valor inferior àquele que tinha à data do óbito, existindo igualmente prejuízo para os restantes herdeiros, cujas tornas serão inferiores.

8ª – Assim, o valor da quota do falecido na sociedade desvalorizou na directa proporção do património que a sociedade deixou de possuir com as vendas dos imóveis de que a mesma era proprietária, cuja receita gerou um valor global de 324.227,29 €, conforme melhor discriminado no requerimento de apresentação de contas, para o qual se remete. (Ref. Citius ...01)

9ª – A venda deste património, gerou uma receita, receita esta que à data, e atento o facto de o sócio ter falecido teria dado lugar à repartição entre os seus herdeiros deduzidos os encargos, o que não aconteceu.

10ª – Assim sendo, resulta daí um prejuízo para os herdeiros do falecido se apenas vier a ser partilhada a quota, no valor nominal de 1.396,63 €.

11ª – Por outro lado, possuindo a sociedade bens imóveis à data do óbito, os quais foram alienados pelo valor de 324.227,29 €, a quota pertencente ao falecido tinha um valor real muito superior ao que passou a ter após aquelas vendas.

12ª – Deste modo, não se colocando em causa que de facto o que faz parte do acervo hereditário é a quota do falecido, não deixa de ser verdade que a receita obtida, tem de ser considerada, uma vez que a venda de activos após o óbito daquele, tem influência directa no valor da quota.

13ª – Acresce que, à data do óbito de CC, os únicos sócios da Sociedade A..., Lda., eram o falecido e a Requerida BB, cabendo por este facto a esta última a gestão e administração da sociedade, com obrigação de prestar contas aos herdeiros.

14ª – Deste modo, não sendo de aceitar que o referido valor de venda dos activos deva ser objecto de prestação de contas, então a quota do falecido terá de ser avaliada tendo em conta esse valor.

15ª – Isto mesmo resulta além do mais do nº 1 do artigo 1021º do Código Civil, o qual reza assim: “Nos casos de morte, exoneração ou exclusão de um sócio, o valor da sua quota é fixado com base no estado da sociedade à data em que ocorreu ou produziu efeitos o facto determinante da liquidação; …”

16ª – Contudo, entende-se que tratando-se de acção de prestação de contas e não de partilha, o valor de alienação dos referidos imóveis deve ser considerado, para apuramento do saldo entre receita e despesas.

II – Quanto à prestação de contas

17ª – (…):

18ª – Dos factos dados como provados consta que o falecido legou à primitiva Ré, por conta da quota disponível, o usufruto de todos os bens que venham a preencher os quinhões hereditários dos seus descendentes.

19ª – Ou seja, a primitiva Ré foi instituída por testamento como usufrutuária de todos os bens que, na partilha, venham a ser adjudicados aos descendentes do falecido, pois só na partilha se passará a saber quais os bens que preencherão o quinhão de cada herdeiro.

20ª – A Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” após proceder ao apuramento de um saldo (relativo a rendas e venda de um imóvel pertencente ao falecido e à primitiva Ré) concluiu que face ao legado deixado pelo falecido, os herdeiros não têm direito ao valor apurado quanto às rendas, pois que é a legatária/usufrutuária que tem direito às mesmas.

21ª – Ou seja, a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” operou uma verdadeira partilha, quando não estamos face a um processo de inventário, mas apenas de prestação de contas, cuja finalidade é o apuramento de um saldo, que neste caso em particular, seria para levar à partilha uma vez que o direito de cada um dos herdeiros, só em sede própria será determinado.

22ª – A existência de um testamento através do qual se lega um usufruto por conta da quota disponível, que possa influir na distribuição do saldo apurado, só em sede de partilha pode ser dirimida, ainda para mais quando se trata de usufruto sobre o quinhão hereditário de todos os bens que venham a preencher os quinhões dos descendentes do testador, os quais (quinhões) só serão apurados no âmbito do inventário.

23ª – Porque também só no inventário se pode avaliar se com a deixa testamentária, o falecido fez legado que excede a quota disponível e consequentemente se há necessidade da sua redução por inoficiosidade, o que até poderá ser o caso.

24ª – Por outro lado, a cada acção corresponde uma causa de pedir e um pedido.

25ª – No presente caso a causa de pedir assentou no facto de a cabeça de casal não ter prestado contas como lhe competia e o pedido formulado pela Recorrente foi o seguinte: “Deve a Ré ser citada para apresentar as contas da sua administração ou contestar a presente acção, com a cominação de, não o fazendo, não se poder opor às contas que a Autora venha a apresentar.”

26ª – Pese embora, o artigo 941º do Código de Processo Civil preveja a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se, a essência deste tipo de acção é exactamente o apuramento do saldo e era isso precisamente que era pretendido com o pedido formulado.

27ª – Pelo que, na modesta opinião da ora Recorrente a decisão de que se recorre violou as alíneas d) e e) do nº 1 do artigo 615º do C.P.C., porquanto não se limitou a proceder ao apuramento do saldo, resultante da receita e da despesa, deixando como deveria, para o processo de inventário as questões que lhe são próprias, como é o caso dos direitos decorrentes de um legado, da eventual ofensa da legítima com redução por inoficiosidade, etc..

28ª – E nesta medida, a decisão recorrida, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, bem como condenou em quantidade superior e em objecto diverso do pedido, pois a decisão tem de ter um mínimo de correspondência com o que foi pedido, o que não é o caso, o que é causa de nulidade da sentença.

29ª – Acresce que, além do que se deixou dito, a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” foi mais uma vez além, quando decidiu que, para efeito de distribuição do saldo, haveria apenas que atender ao montante de 29.927,88 € (valor que decorreu da venda de um imóvel pertencente à herança), deduzido o valor de 23.496,09 € (correspondente ao valor das despesas com IMI’s), sendo assim apurada a quantia de 6.431,79 €, a distribuir pelos herdeiros segundo o seu direito.”

30ª – Mais uma vez, a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” procedeu à partilha e como se não bastasse, imputou à venda de um imóvel pertença da herança, o pagamento de uma despesa (IMI’s) que de acordo com o nº 2 do artigo 8º do CIMI é da responsabilidade do usufrutuário.

31ª – Ainda que o raciocínio da Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo” estivesse correcto, o que não é o caso, então a despesa com os IMI’s dos bens que venham a integrar os quinhões dos descendentes também seria da responsabilidade da usufrutuária e não da herança, ao contrário do decidido.

32ª – Por outro lado, a questão do usufruto foi suscitada pela chamada EE, no requerimento que apresentou nos autos em 22 de Junho de 2021, afirmando a mesma que Além do que como usufrutuária da totalidade os bens da herança de CC, pertenciam à falecida BB todos os benefícios do usufruto, nada tendo que prestar de contas aos herdeiros.” (Ref. Citius ...20)

33ª – A ora Recorrente respondeu a esta afirmação por requerimento remetido aos autos em 05 de Julho de 2021 (Ref. Citius ...19) através do qual vem alegar que por sentença proferida nos autos em 05 de Julho de 2018, já transitada em julgado, foi dirimida a questão do usufruto, podendo a este propósito ler-se o seguinte nessa decisão: “Alega, porém, a ré, que, sendo a mesma usufrutuária de todos os bens, não está obrigada a prestar contas. Ora, não assiste razão à nessa assunção. De facto, sendo a legatária do usufruto dos bens da herança que venham a integrar os quinhões hereditários dos demais herdeiros, a mesma apenas adquirirá a qualidade de usufrutuária aquando da respectiva partilha, porquanto, só através da partilha se poderá definir quais os bens que compõem os quinhões de cada herdeiro. Neste sentido, e reiterando o acima explanado, uma vez que a partilha da herança ainda não foi realizada, a está na posse e administração dos bens da herança no exercício das funções de cabeça de casal e, nessa qualidade, tem o dever de prestar contas aos demais herdeiros.” (Negrito e sublinhado nossos).

34ª – Esta decisão foi notificada às partes, não tendo havido interposição de recurso, pelo que a mesma transitou em julgado.

35ª – Na verdade, como referido na dita sentença proferida nos presentes autos em 05 de Julho de 2018, com relação à questão das receitas de rendas e do usufruto da primitiva Ré, só na partilha é que ficam definidos os bens que pertencerão a cada um dos restantes herdeiros e só nessa medida é que, além do mais, se poderá avaliar se de facto existiu, uma situação de ofensa da legítima, com a necessária redução da liberalidade por inoficiosidade.

36ª – Estamos assim face a uma situação de caso julgado material, a qual tem por fim evitar que o Tribunal venha a proferir decisões contraditórias sobre a mesma questão. (Cfr. nº 2 do artigo 580º do Código de Processo Civil)

37ª – Em resumo, a douta sentença recorrida, na modesta opinião da Recorrente, errou quando, conforme supra alegado e pelos motivos apontados:

A) Não procedeu à inserção como receita da herança, o produto da venda dos bens imóveis da Sociedade A..., Lda. (questão prévia);

B) Decidiu que “… os herdeiros do de cujus não têm direito à restituição do valor apurado quanto às rendas dos bens imóveis, pois que é o legatário que tem direito aos frutos da coisa legada, como são as rendas …” isto com relação ao saldo de 175.426,52 € relativo às rendas dos imóveis pertencentes à herança, do período de Setembro de 1991 até Agosto de 2018, e consequentemente atribuiu este valor à primitiva Ré (usufrutuária);

C) Não se limitou a proceder ao apuramento do saldo resultante da receita e da despesa, em consonância com o pedido apresentado e deixando como deveria, para o processo de inventário as questões que a este são próprias, como é o caso dos direitos decorrentes de um legado, da eventual ofensa da legítima com redução por inoficiosidade, etc., sendo que nessa medida, a decisão recorrida, conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento, bem como condenou em quantidade superior e em objecto diverso do pedido, pois a decisão tem de ter um mínimo de correspondência com o que foi pedido, o que não é o caso e constitui assim causa de nulidade da mesma.

D) Decidiu que apenas o valor de 29.927,88 € constituía receita da herança para efeito de distribuição de saldo positivo, uma vez que este valor decorreu da venda de um imóvel pertencente à herança;

E) Decidiu que ao valor de 29.927,88 € seria deduzido o montante de 23.496,09 € referente às despesas de IMI, apurando assim um saldo de 6.431,79 €, o qual não pode ser aceite, porquanto àquele valor de 29.927,88 € não pode ser deduzido este outro de 23.496,09 €;

F) Procedeu nos termos das alíneas anteriores à partilha entre os herdeiros;

G) Decidiu em sentido contrário, relativamente a questão já decidida em definitivo nos autos (decisão de 05/07/2018 – transitada em julgado) – quando nesta foi decidido que a ré legatária do usufruto dos bens da herança que venham a integrar os quinhões hereditários dos demais herdeiros, apenas adquirirá a qualidade de usufrutuária aquando da respectiva partilha, porquanto, só através da partilha se poderá definir quais os bens que compõem os quinhões de cada herdeiro.

34ª – Na douta decisão recorrida, foram, além do mais, igualmente violados o nº 2 do artigo 580º, 615º, nº 1, alíneas d) e e) e 941º todos do Código de Processo Civil e artigo 1021º do Código Civil”.

*

EE respondeu ao recurso, peça processual onde concluiu:

(…).

       *

Foram colhidos os vistos, realizada conferência, e obtidos os votos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos.

*

II-Objeto do recurso

Como é sabido, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, são as conclusões do recorrente que delimitam a esfera de atuação deste tribunal em sede do recurso (arts. 635, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC).

No caso, perante as conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

Saber se
a) O valor da venda dos imóveis da Sociedade A..., Lda.. deve ser considerada no âmbito da prestação de contas [conclusões 1ª a 16ª e 37.ª A)];
b) A sentença ao decidir que “os herdeiros do de cujus não têm direito à restituição do valor apurado quanto às rendas dos bens imóveis, pois que é o legatário que tem direito aos frutos da coisa legada, como são as rendas ” isto com relação ao saldo de € 175.426,52 relativo às rendas dos imóveis pertencentes à herança, do período de Setembro de 1991 até Agosto de 2018, e ao atribuir este valor à primitiva Ré (usufrutuária), é nula por conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento, e por ter condenado em quantidade superior e em objeto diverso do pedido [conclusões 17ª a 28ª e 37.º B) e C)];
c) A sentença ao decidir que “os herdeiros do de cujus não têm direito à restituição do valor apurado quanto às rendas dos bens imóveis, pois que é o legatário que tem direito aos frutos da coisa legada, como são as rendas” isto com relação ao saldo de € 175.426,52 relativo às rendas dos imóveis pertencentes à herança, do período de Setembro de 1991 até Agosto de 2018, e ao atribuir este valor à primitiva Ré (usufrutuária), errou por se tratar de matéria que apenas podia ser conhecida no inventário [conclusões 17ª a 23ª e 37.º D) e F)];
d) A sentença recorrida errou, desrespeitando o decidido na sentença proferida a 5 de julho de 2021 (caso julgado) com relação à questão das receitas de rendas e do usufruto [conclusões 32ª a 36ª e 37.ª G)].
e) A sentença errou ao considerar o débito relativo ao pagamento de contribuição predial/IMI, que é da responsabilidade do usufrutuário [conclusões 29ª a 31ª e 37ª D)].

                                                                  *

III-Fundamentação

Com vista à incursão nas questões objeto de recurso, importa, antes de mais, transpor a factualidade que na decisão recorrida foi dada como provada.

Assim, na decisão recorrida consta a este propósito o seguinte:

“1) CC faleceu no dia .../.../1991, no estado de casado em únicas núpcias de ambos e no regime da comunhão geral com BB.

2) CC deixou como herdeiros legitimários a sua viúva BB e os seus quatro filhos: DD, AA, aqui autora, EE e FF.

3) Por testamento público outorgado em 27.01.1983, de fls. 223 e 224, que aqui se dá por integralmente reproduzido, CC outorgou testamento de onde consta o seguinte “que faz este seu primeiro testamento, legando por conta da sua quota disponível a sua referida esposa com que vive o usufruto, enquanto ela viva for, de todos os bens que venham a preencher os quinhões de seus descendentes”.

4) DD adquiriu o quinhão hereditário de FF por arrematação em hasta pública em 16 de janeiro de 1997 e vendeu este e o seu quinhão hereditário à sociedade I..., LDA. em 12 de junho de 1997.

5) Ficaram por óbito de CC, os seguintes bens e direitos: 5.1. Participação na Sociedade A..., Lda..:

5.2. Prédio urbano, composto de lote de terreno para construção, designado por lote ..., sito na Avenida ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...32 e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...59;

5.3. Prédio urbano, composto por edifício de cave, ..., primeiro, segundo, ... andar e logradouro, sito na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...16, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...10;

5.4. Prédio urbano, composto por casa de ..., ... andar e logradouro, sito no Bairro ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...03, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...43;

5.5. Prédio urbano, composto por casa de ..., ... andar e logradouro, sito no Bairro ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...03, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...39;

5.6. Prédio urbano, composto por casa de ..., ... andar e logradouro, sito no Bairro ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...03, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...38;

5.7. Prédio urbano, composto por casa de ..., ... andar e logradouro, sito no Bairro ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...03, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...37;

5.8. Prédio urbano, composto por casa de ... e quintal, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...16, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...62;

5.9. Prédio urbano, composto por casa de ... e ... andar, sito no Largo ..., lugar e freguesia ..., concelho ..., omisso na Conservatória do Registo Predial ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...76;

5.10. Prédio urbano, composto por lote de terreno para construção, sito na Avenida ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...23, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...58;

5.11. Prédio urbano, composto por lote de terreno para construção, sito na Avenida ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...23, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...57;

5.12. Prédio rústico, composto por terra de cultura arvense com a área de 2.000 m2, sito no lugar e freguesia ..., concelho ..., omisso na Conservatória do Registo Predial ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...5 – Secção S2.

6) Não foi efetuada partilha da herança aberta por óbito de CC.

7) Entre setembro de 1991 e agosto de 2018, a Ré recebeu rendas no valor global de 175.426,52€ (cento e setenta e cinco mil, quatrocentos e vinte e seis euros e cinquenta e dois cêntimos), sendo:

- 130.680,15€ (cento e trinta mil, seiscentos e oitenta euros e quinze cêntimos) relativas ao bem descrito em 5.3.

- 7.644,28€ (sete mil seiscentos e quarenta e quatro euros e vinte e oito cêntimos) respeitantes ao bem descrito em 5.7.

- 10.917,71€ (dez mil novecentos e dezassete euros e setenta e um cêntimos) relativas ao bem descrito em 5.6.

- 26.118,96€ (vinte e seis mil cento e dezoito euros e noventa e seis cêntimos) relativas ao bem descrito em 5.5.

- 65,42€ (sessenta e cinco euros e quarenta e dois cêntimos) relativas ao bem descrito em 5.4.

7) Após o óbito de CC, entre 1991 a 2018, a Ré pagou IMI/contribuição autárquica dos imóves descritos em 5), no valor global de 23.496,09€ (vinte e três mil, quatrocentos e noventa e seis euros e nove cêntimos), sendo:

- 15.192,68€ (quinze mil, cento e noventa e dois euros e sessenta e oito cêntimos) respeitante ao bem descrito em 5.3.

- 1.022,71€ (mil, vinte e dois euros e setenta e um cêntimos) respeitante ao bem descrito em 5.11.

- 1.129,11€ (mil, cento e vinte e nove euros e onze cêntimos) respeitantes ao bem descrito em 5.10.

- 1.148,74€ (mil cento e quarenta e oito euros e setenta e quatro cêntimos) respeitante ao bem descrito em 5.7.

- 1.146,71€ (mil cento e quarenta e seis euros e setenta e um cêntimos) respeitante ao bem descrito em 5.6.

- 1.162,76€ (mil cento e sessenta e dois euros e setenta e seis cêntimos) respeitante ao bem descrito em 5.5.

- 1.368,82€ (mil, trezentos e sessenta e oito euros e oitenta e dois cêntimos) respeitantes ao bem descrito em 5.4.

- 968,60€ (novecentos e sessenta e oito euros e sessenta cêntimos) respeitante ao bem descrito em 5.9.

- 355,96€ (trezentos e cinquenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos) respeitante ao bem descrito em 5.8.

8) Por escritura pública outorgada em 17.03.1998, a aqui Ré, a autora e a chamada EE, por si e na qualidade de sócia e gerente da sociedade I..., LDA., declararam vender a GG, pelo preço de 6.000.000$00 (€ 29.927,88) o prédio urbano descrito em 5.2., composto por lote de terreno para construção designado por lote ..., sito na Av. ..., ..., freguesia ..., cidade e concelho ...”.
*

Sendo esta a factualidade provada que releva, passemos então à abordagem das questões suscitadas no âmbito do recurso:

A – Saber se o valor da venda dos imóveis da Sociedade A..., Lda.. deve ser considerada no âmbito da presente ação.

Como é comumente reconhecido, a ação de prestação de contas regulada nos arts. 941.º a 947.º do CPC, adjetivando uma das formas do direito à informação conferido pelo art. 573.º do Cód. Civil, tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.

Tem obrigação de prestar contas todo aquele que administra bens ou interesses total ou parcialmente alheios, qualquer que seja a fonte do facto dessa administração[2], ou fundar-se mesmo no princípio geral da boa-fé[3].

Na situação subjudice está em causa a obrigação do cabeça-de-casal de prestar contas da sua administração da herança até à liquidação e partilha desta, que decorre diretamente dos arts. 2079.º e 2093.º, n.º 1, ambos do Cód. Civil, obrigação essa que foi reconhecida nos autos por decisão transitada em julgado (decisão de 05.07.2018).

A título de questão prévia decidiu-se na sentença recorrida que, relativamente ao produto da venda de diversos bens imóveis pertença da sociedade A..., Lda., sociedade em que o de cujus detinha uma participação social, esse património encontra-se excluído das receitas a sindicar no âmbito desta ação, uma vez que o que compõe o acervo hereditário da herança aberta por morte do falecido CC é unicamente a quota de que o mesmo era proprietário na sociedade A..., Lda. e não “a sociedade” ou o património desta.

A recorrente sustenta a este propósito:

- a receita entrou na sociedade e nada foi partilhado entre os herdeiros, tendo daí resultado a diminuição do valor da referida quota;

- o valor real de uma quota social não corresponde exatamente ao valor nominal da mesma, mas está intrinsecamente ligado ao património da sociedade, ou seja, aos seus ativos;

- na partilha que venha a ser realizada por óbito de CC, o herdeiro a quem vier a ser adjudicada a quota, recebe uma participação numa sociedade, que à data do falecimento de CC possuía bens imóveis;

- o herdeiro em questão receberá uma participação social com um valor inferior àquele que tinha à data do óbito, existindo igualmente prejuízo para os restantes herdeiros, cujas tornas serão inferiores;

- o valor da quota do falecido na sociedade desvalorizou na direta proporção do património que a sociedade deixou de possuir com as vendas dos imóveis de que a mesma era proprietária, cuja receita gerou um valor global de € 324.227,29;

- a venda deste património gerou uma receita, que teria dado lugar à repartição entre os seus herdeiros deduzidos os encargos, o que não aconteceu;

- assim sendo, resulta daí um prejuízo para os herdeiros do falecido se apenas vier a ser partilhada a quota, no valor nominal de € 1.396,63;

- possuindo a sociedade bens imóveis à data do óbito, os quais foram alienados pelo valor de € 324.227,29, a quota pertencente ao falecido tinha um valor real muito superior ao que passou a ter após aquelas vendas;

- deste modo, a receita obtida, tem de ser considerada, uma vez que a venda de ativos após o óbito daquele, tem influência direta no valor da quota;

- à data do óbito de CC, os únicos sócios da Sociedade A..., Lda.. eram o falecido e a Requerida BB, cabendo por este facto a esta última a gestão e administração da sociedade, com obrigação de prestar contas aos herdeiros;

- deste modo, não sendo de aceitar que o referido valor de venda dos ativos deva ser objeto de prestação de contas, então a quota do falecido terá de ser avaliada tendo em conta esse valor.

- Isto mesmo resulta além do mais do nº 1 do artigo 1021º do Código Civil, o qual estatui: “Nos casos de morte, exoneração ou exclusão de um sócio, o valor da sua quota é fixado com base no estado da sociedade à data em que ocorreu ou produziu efeitos o facto determinante da liquidação”

- tratando-se de ação de prestação de contas e não de partilha, o valor de alienação dos referidos imóveis deve ser considerado, para apuramento do saldo entre receita e despesas.

Ora, salvaguardado o devido respeito, que é muito, a lógica argumentativa da recorrente esbarra no óbvio – o da autonomia jurídica entre a sociedade e os respetivos sócios.

“A atribuição de personalidade jurídica à pessoa coletiva faz emergir um novo centro de relações jurídicas, autónomo em relação aos seus membros e às pessoas que atuam como seus órgãos. Trata-se de uma ficção jurídica que, no que concerne às sociedades comerciais, visa dotar a chamada iniciativa privada, enquanto manifestação do direito de propriedade, de um instrumento de propulsão da atividade económica, através da consequente separação e limitação da responsabilidade que a autonomia invoca” (cfr. Ac. do STJ de 07.11.2017, proferido no processo 919/15.4T8PNF.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

Por serem sujeitos de Direito, dotados de personalidade jurídica plena, as sociedades comerciais ou empresas (sociedades por quotas, sociedades unipessoais por quotas, sociedades anónimas, etc.) e as restantes pessoas coletivas (associações, fundações, cooperativas, etc…), têm também autonomia patrimonial, isto é, têm um património próprio e autónomo face ao património do(s) respetivo(s) membro(s) – sócio(s) ou acionista(s), associados – ou fundador(es).

Assim, a circunstância de a sociedade por quotas em que o de cujus detinha uma participação social ter procedido à venda de imóveis integrados no seu património, acarreta, numa primeira linha, que o produto da venda passa a configurar um ativo seu (da sociedade).

O retorno aos sócios pode, é certo, vir a operar-se num segundo momento; aquando da distribuição dos dividendos.

Ora, a cabeça-de-casal apenas tinha a obrigação de prestar contas relativamente a esse dividendo se, quando, e no exato montante por si recebido, e não já como efeito automático das vendas realizadas pela sociedade de bens que integravam o seu património.

Ocorre que em momento algum a recorrente alegou e provou que a cabeça-de-casal tenha recebido dividendos da sociedade decorrentes das aludidas vendas de imóveis, pelo que, tal como bem se refere na decisão recorrida, não se trata de “receita” que deva ser considerada nesta ação de prestação de contas.

Depois, o argumentário carreado em sede de recurso a propósito do valor da quota e do prejuízo para os herdeiros carece de razoabilidade jurídica.

É que, independentemente do valor nominal da quota, e no pressuposto da inexistência no contrato de sociedade do acordo a que se refere o n.º 1 do art. 225.º do Código das Sociedades Comerciais, o seu valor real será aquele que os interessados vierem a conferir-lhe, seja por via de acordo, seja nas licitações a efetuar no âmbito da conferência de interessados (inventário), momento em que cada um dos interessados ponderará o valor económico em causa e que estão dispostos a despender/aceitar.

Se com a venda dos imóveis ocorreu o efetivo “enriquecimento” do património da empresa em termos de capitais próprios, a participação social respetiva terá também enriquecido proporcionalmente em termos de valor de mercado. Se inexistiu esse enriquecimento (designadamente em virtude de o produto da venda ter servido apenas para cobrir uma situação deficitária da empresa), não ocorrerá esse aumento de valor.

Também se mostra despiciendo invocar a este propósito o disposto no art. 1021.º do Código Civil (relativo às sociedades civis), uma vez que estamos em presença de uma sociedade comercial, a que é aplicável o Código das Sociedades Comerciais, designadamente as regras relativas à liquidação da quota (sendo que a morte do sócio não implica necessariamente – e, por regra, não implica – a liquidação da quota), e esta faz-se nos termos previstos nesse diploma legal.

Do exposto se conclui inexistir fundamento para alterar o decidido a este propósito.

B – Saber se a sentença ao decidir que “… os herdeiros do de cujus não têm direito à restituição do valor apurado quanto às rendas dos bens imóveis, pois que é o legatário que tem direito aos frutos da coisa legada, como são as rendas …” isto com relação ao saldo de € 175.426,52 relativo às rendas dos imóveis pertencentes à herança, do período de Setembro de 1991 até Agosto de 2018, e ao atribuir este valor à primitiva Ré (usufrutuária), é nula por conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento, e por ter condenado em quantidade superior e em objeto diverso do pedido.
É, desde há muito, entendimento pacífico[4], que as nulidades típicas da sentença se reconduzem a vícios formais decorrentes de erro de atividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal.
Tratam-se, na essência, de vícios de formação ou atividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afetam a regularidade do silogismo judiciário da sentença e que obstaculizam o pronunciamento de mérito.
Assim, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), conduz a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou normativa (traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei), o error in procedendo consiste num desvio à realidade factual ou jurídica (por ignorância ou falsa representação da mesma).
Revisitando o ensinamento de José Alberto Reis (Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1981, Vol. V, págs. 124, 125), o magistrado comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete um erro de atividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afetam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua atividade.
As nulidades ditam a anulação da decisão por ser formalmente irregular, as ilegalidades ditam a revogação da decisão por estar desconforme ao caso (decisão injusta ou destituída de mérito jurídico)[5].
Em suma, como se refere no Ac. do STJ. de 03.03.2021 (processo n.º 3157/17.8T8VFX.L1.S1), as causas de nulidade da decisão elencadas no artigo 615.º do Código de Processo Civil visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o erro de julgamento, não estando subjacentes às mesmas quaisquer razões de fundo.
Ao caso dos autos, atentos os fundamentos enunciados nas conclusões do recurso, interessam as causas tipificadas nas alíneas d) e e) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, mais especificamente por o juiz se ter pronunciado quanto a questões de que não podia tomar conhecimento e por ter condenado em objeto diverso do pedido.
No entender da recorrente, ao condenar a Ré no pagamento do saldo apurado (dele excluindo o valor arrecadado pela cabeça-de-casal a título de rendas dos imóveis), apreciou matéria de que não podia tomar conhecimento (ou seja, excedeu o que tinha sido peticionado que se limitava ao apuramento do saldo) e condenou em objeto em quantidade superior e diverso do pedido.
É que, segundo a mesma, a causa de pedir assentou no facto de a cabeça de casal não ter prestado contas como lhe competia e o seu pedido tinha como objeto apenas o pedido “Deve a Ré ser citada para apresentar as contas da sua administração ou contestar a presente ação, com a cominação de, não o fazendo, não se poder opor às contas que a Autora venha a apresentar”.
Todavia, abordada a questão sob o prisma exclusivamente formal e com a natureza do vício já caraterizado enquanto erro de atividade, a sentença não pode taxar-se nula.
Com efeito, nos termos do art. 941.º, n.º 1 do CPC, a ação de prestação de contas tem como objeto o cálculo do diferencial entre receitas e despesas (saldo) e a condenação no pagamento do saldo assim apurado (se existir).
Adianta ainda o art. 2093.º, n.º 3 do Código Civil que, especificamente no que atine à prestação de contas anuais por parte do cabeça-de-casal “Havendo saldo positivo, é distribuído pelos interessados, segundo o seu direito, depois de deduzida a quantia necessária para os encargos do novo ano”, disciplina que, atenta a ratio normativa, se deve manter quando se trate de uma prestação de contas que abranja período superior a um ano.
Ou seja, são os regimes substantivo e processual a imporem que na prestação de contas relativas à administração o julgador proceda às operações de cálculo entre as receitas e despesas e, sendo possível (em regra, existindo saldo) proceda à condenação no pagamento do saldo apurado.
Ora, não apenas o pedido da A. se apresenta como meramente instrumental para efeitos de prossecução da ação (“apresentar contas da administração”), como também não funciona como limite de conhecimento do tribunal, não tendo a A. neste tipo de ação a possibilidade de selecionar o que pode ou não ser apreciado, limitando o objeto da ação ao conhecimento apenas do “apuramento do saldo”.
Por outro lado, para o apuramento do saldo, é pressuposto que, com vista à operação aritmética a empreender, sejam equacionadas as receitas existentes e se as mesmas integram ou não “património da herança” ou próprias do cabeça-de-casal (caso em que serão excluídas da operação).
Foi isso que o tribunal fez ao ponderar se as receitas obtidas com as rendas dos imóveis deviam ou não ser levadas às contas da administração.
Decidindo como decidiu (de mérito, bem ou mal - é questão que agora não importa cuidar), o tribunal não apreciou questões de que não podia tomar conhecimento nem condenou em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Não ocorre, como tal, o apontado vício da sentença.

C - Saber se a sentença ao decidir que “… os herdeiros do de cujus não têm direito à restituição do valor apurado quanto às rendas dos bens imóveis, pois que é o legatário que tem direito aos frutos da coisa legada, como são as rendas …” isto com relação ao saldo de € 175.426,52 relativo às rendas dos imóveis pertencentes à herança, do período de Setembro de 1991 até Agosto de 2018, e ao atribuir este valor à primitiva Ré (usufrutuária), errou por se tratar de matéria que apenas podia ser conhecida no inventário.
Em termos substanciais defende a recorrente que a matéria relacionada com as rendas recebidas só em sede de partilha pode ser dirimida, designadamente por só aí se poder avaliar se com a deixa testamentária o falecido fez legado que excede a quota disponível e, consequentemente, saber se há necessidade da sua redução, por inoficiosidade.
A lógica da decisão recorrida, onde se conclui dever o valor recebido a título de rendas ser excluído das receitas para efeitos da prestação de contas, assentou nos seguintes pressupostos:
i) O falecido CC, por testamento público, legou, por conta da quota disponível, à herdeira BB (cabeça-de-casal), o usufruto de todos os bens que venham a preencher os quinhões dos seus descendentes.
ii) Nos termos do art. 2271.º do Código Civil, o legatário tem direito aos frutos desde a morte do testador
iii) Respeitando as rendas recebidas a bens legados, é o legatário que tem direito ao recebimento das mesmas, não devendo, como tal, integrar receitas sujeitas a prestação de contas.
A recorrente começa por sustentar que essa discussão (a relativa ao direito ao recebimento de rendas) apenas pode ter lugar no processo de inventário.
A isso respondemos que, apesar do caráter instrumental e “executivo” da prestação de contas face aos direitos conferidos pela sucessão, nada obsta ao conhecimento nesta sede, desde que não ocorram fundamentos que obstaculizam esse conhecimento, designadamente pela indefinição dos direitos sucessórios.
Acrescenta a recorrente – com inteira pertinência, diga-se – que pode bem ocorrer que o usufruto legado exceda a quota disponível do autor da sucessão e, consequentemente dever ser declarado inoficiosa.
Inoficiosidade que, a verificar-se, se traduziria na redução do legado e, consequentemente, parte das rendas auferidas não poderem ser consideradas como direito próprio da cabeça-de-casal/legatária.
Se, em abstrato, a objeção se apresenta como válida, os elementos constantes dos autos permitem sanar dúvidas quanto à eventual inoficiosidade.
É que, conforme resulta demonstrado, o usufruto apenas se manteve entre a data da morte do inventariado (06.09.1991) e da morte da cabeça-de-casal ocorrida em 7 de agosto de 2008 (art. 1476.º, n.º 1, a) do Código Civil), na altura com 91 anos de idade (cfr. assento de óbito junto com o requerimento com a ref. ...62).
Um usufruto em que à data da sucessão a cabeça-de-casal tinha 74 anos de idade.
Na inexistência de outros critérios legais para aferição do valor do usufruto vale, para efeitos de cálculo, o disposto no art. 13.º do Anexo II do Código do Imposto Municipal Sobre Transmissão Onerosa de Imóveis[6], o que confere uma redução de 25% sobre cada um dos imóveis.
Dito de outro modo, o valor do usufruto, no caso, nunca ultrapassaria 25% do total do património hereditário.
Ora, nos termos do art. 2159.º, n.º 1, do Cód. Civil (à contrário), a quota disponível do de cujos, existindo, como sucede na situação dos autos, cônjuge e filhos, é de 1/3, ou seja, 33,3333%.
Do exposto resulta que, contrariamente ao defendido em sede de recurso, o legado efetuado à cabeça-de-casal, nunca poderia ofender a legítima e ser considerado inoficioso.
Temos assim por seguro que a liberalidade em causa não é inoficiosa e que a mesma confere, tal como decidido na instância recorrida, o direito ao recebimento das rendas iure próprio, não devendo os valores respetivos integrar o saldo de administração.
Do exposto decorre, também nesta parte, a confirmação do decidido.

 D) – Saber se a sentença recorrida errou, desrespeitando o decidido na decisão proferida a 5 de julho de 2021 com relação à questão das receitas de rendas e do usufruto (caso julgado).
A este propósito, argumenta a recorrente o seguinte:
i) A chamada EE, no requerimento que apresentou em 22 de junho de 2021 (ref. Citius ...20), alegou “como usufrutuária da totalidade dos bens da herança de CC, pertenciam à falecida BB todos os benefícios do usufruto, nada tendo que prestar de contas aos herdeiros.”
ii) Por decisão proferida nos autos em 05 de Julho de 2018, já transitada em julgado, foi dirimida a questão do usufruto, ficando escrito, a esse propósito, o seguinte:
Alega, porém, a ré, que, sendo a mesma usufrutuária de todos os bens, não está obrigada a prestar contas.
Ora, não assiste razão à ré nessa assunção. De facto, sendo a ré legatária do usufruto dos bens da herança que venham a integrar os quinhões hereditários dos demais herdeiros, a mesma apenas adquirirá a qualidade de usufrutuária aquando da respectiva partilha, porquanto, só através da partilha se poderá definir quais os bens que compõem os quinhões de cada herdeiro.
Neste sentido, e reiterando o acima explanado, uma vez que a partilha da herança ainda não foi realizada, a ré está na posse e administração dos bens da herança no exercício das funções de cabeça de casal e, nessa qualidade, tem o dever de prestar contas aos demais herdeiros.”
*

Como é sabido, o caso julgado traduz-se na insusceptibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado - arts. 619.º n.º 1 e 628.º, ambos do Código de Processo Civil.

O instituto do caso julgado constitui uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que, a verificar-se, obsta que o tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição da instância - art.º 576º, 577.º alínea i) e 578.º do Código de Processo Civil.

Conforme refere José Lebre de Freitas (Um polvo chamado autoridade do caso julgado, Revista da Ordem dos Advogados, n.º 79, Jul-Dez.- 2019, pág. 693), esta “indiscutibilidade manifesta-se de dois modos:

— Entre as mesmas partes e com o mesmo objeto (isto é, com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir), não é admissível nova discussão: o caso julgado opera negativamente, constituindo uma exceção dilatória que evita a repetição da causa (efeito negativo do caso julgado);

— Entre as mesmas partes mas com objetos diferenciados, entre si ligados por uma relação de prejudicialidade, a decisão impõe-se enquanto pressuposto material da nova decisão: o caso julgado opera positivamente, já não no plano da admissibilidade da ação, mas no do mérito da causa, com ele ficando assente um elemento da causa de pedir (efeito positivo do caso julgado)”.

De acordo com o n.º 1 do art.º 580.º do Código de Processo Civil “as exceções de litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à litispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa, ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à exceção do caso julgado”.

A este propósito Manuel de Andrade refere que a exceção do caso julgado manifesta-se porquanto “a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes, mas também à paz social” (Noções Elementares de Processo Civil, páginas, 305 e 306,).

No dizer de Miguel Teixeira de Sousa, “a excepção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a excepção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objecto duas vezes de maneira idêntica” (O objecto da sentença e o caso julgado material, Boletim do Ministério da Justiça, 325, pág. 171 e seguintes).

Nos termos do estatuído no n.º 1 do art.º 581.º do Código de Processo Civil, que estabelece os requisitos da litispendência e do caso julgado, repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e causa de pedir, prevendo-se nos números seguintes desse normativo, a exigência quanto à tríplice identidade (sujeitos, pedido e causa de pedir).

Revertendo ao caso presente, diga-se, antes de mais, que a decisão pretérita invocada se inseria no âmbito do preceituado no art. 942.º, n.º 3 do CPC tendo como objeto a questão de saber se existia ou não a obrigação de prestar contas, tendo-se então afirmado o evidente, ou seja, que apesar de a Ré ser legatária do usufruto dos bens da herança que venham a integrar os quinhões hereditários dos demais herdeiros, (…) só através da partilha se poderá definir quais os bens que compõem os quinhões de cada herdeiro que, uma vez que a partilha da herança ainda não foi realizada, a ré está na posse e administração dos bens da herança no exercício das funções de cabeça de casal e, nessa qualidade, tem o dever de prestar contas aos demais herdeiros.

Ou seja, o que ficou definitivamente decidido, no âmbito do pedido efetuado, foi que impendia sobre a cabeça-de-casal a obrigação de prestar contas, independentemente de ter sido instituída como usufrutuária da totalidade dos bens da herança.

O que em momento algum se assumiu foi que essa qualidade de usufrutuária devesse ser totalmente desprezada no âmbito da aferição das despesas e das receitas da administração.

Assim, a sentença recorrida, ao pronunciar-se expressamente sobre a titularidade do montante arrecadado a título de rendas, e ao considerar que as mesmas não integravam as receitas da administração, não ofendeu o decidido.

É certo, e não o ignoramos, que nessa decisão foi dito, com menor rigor, que a cabeça-de-casal apenas adquirirá a qualidade de usufrutuária aquando da respetiva partilha, o que na decisão recorrida veio a ser objeto de ponderação ao afirmar-se “Além disso, dispõe o artigo 2271.º do Código Civil (…) que “Não havendo declaração do testador sobre os frutos da coisa legada, o legatário tem direito aos frutos desde a morte do testador, com excepção dos percebidos adiantadamente pelo autor da sucessão (…)”. Da conjugação dos mencionados preceitos legais, constata-se que o legatário tem direito aos frutos da coisa legada, desde a morte do testador, o que, por seu turno, se harmoniza com o prescrito no artigo 2031.º (“A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor (…)”) e no n.º 2 do artigo 2050.º (“Os efeitos da aceitação retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão”), ambos do Código Civil”.

Sucede que essa asserção original se apresenta alheia à tutela jurisdicional e ao conteúdo e objeto do direito impetrado (negar a obrigação de prestar contas), ao efeito prático que se pretendia alcançar, não constituindo, como tal, caso julgado.

Assim, também aqui, improcede o recurso.

E) Saber se a sentença recorrida errou ao considerar o débito relativo ao pagamento de IMI, que é da responsabilidade do usufrutuário
Nas conclusões de recurso, no essencial, a recorrente defende a este propósito que o valor pago a título de IMI relativamente aos imóveis deve ser suportado pela usufrutuária ou que, de todo o modo, a recorrida também tem a obrigação de participar no pagamento respetivo.  
A este título refere-se na sentença recorrida “Assim, entre setembro de 1991 e agosto de 2018, consideraram-se parcialmente provadas as receitas apresentadas, no valor de 175.426,52€ (cento e setenta e cinco mil, quatrocentos e vinte e seis euros e cinquenta e dois cêntimos) – rendas – e no valor de 29.927,88€ (facto 8), apurando-se assim o valor global de receitas de 205.354,40€ (duzentos e cinco mil, trezentos e cinquenta e quatro euros e quarenta cêntimos) e despesas no valor global de 23.496,09 (vinte e três mil, quatrocentos e noventa e seis euros e nove cêntimos), apurando-se assim um saldo positivo de 181.858,31€ (cento e oitenta e um mil, oitocentos e cinquenta e oito euros e trinta e um cêntimos)”.
Mais adiante acrescenta-se “Em consequência, não deve ser atendido, para efeito de distribuição do saldo positivo o valor das rendas, de 175.426,52€, mas apenas o valor de 29.927,88€, uma vez que este valor decorreu da venda de um imóvel pertencente à herança, não sendo, um mero fruto da coisa legada.
Pelo exposto, e deduzindo ao aludido valor de 29.927,88€ o valor das despesas (23.496,09€), alcança-se o valor de 6.431,79€ (seis mil, quatrocentos e trinta e um euros e setenta e nove cêntimos), sendo este o valor a ser distribuído pelos herdeiros, segundo o seu direito”.
No que concerne à obrigação de pagamento do IMI, preceitua, no que ao caso dos autos interessa, o art. 8.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis:

1 - O imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeitar.

2 - Nos casos de usufruto ou de direito de superfície, o imposto é devido pelo usufrutuário ou pelo superficiário após o início da construção da obra ou do termo da plantação.
Por outro lado, dispõe o artigo 1474.º do Cód. Civil “O pagamento dos impostos e quaisquer outros encargos anuais que incidam sobre o rendimento de bens usufruídos incumbe a quem for titular do usufruto no momento do vencimento.
 De entre esses impostos que recaem sobre o rendimento de bens contam-se a contribuição predial rústica e urbana, sendo que o legislador nacional, elegendo como critério para aferir da responsabilidade pelo pagamento do imposto o da titularidade do direito ou o da posse do imóvel no momento do vencimento daquele entendeu não se justificar qualquer divisão ou proporção no pagamento (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, Coimbra Editora, Limitada, 2.ª edição, pág. 529 e Ac. do STJ de 23.05.1999, proferido no proc. 14/14.3T8CSC.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Consequentemente, sendo a cabeça-de-casal a titular (a título de legado) do usufruto relativamente a todos os imóveis e, de resto, a única beneficiária das rendas, impende sobre a mesma a obrigação de suportar os pagamentos de IMI referidos no facto provado n.º 7, não podendo percutir essa despesa sobre os demais herdeiros.
Do exposto decorre que, contrariamente ao decidido e que atribuiu à cabeça de casal “o melhor de dois mundos”, na receita considerada (€ 29.927,88) não pode ser deduzido o valor pago a título de IMI/contribuição predial, já que se trata de um encargo pessoal da usufrutuária.

Pelo exposto, o aludido valor de € 29.927,88 (receita), na inexistência de outras despesas elegíveis, deve ser distribuído pelos herdeiros, segundo o seu direito.

De acordo com o artigo 2139.º, n.º 1 do Código Civil a divisão faz-se por cabeça, não podendo a quota do cônjuge ser inferior a uma quarta parte da herança.

Como o de cujus deixou cinco herdeiros legitimários, sendo uma delas o cônjuge, a parte desta é de ¼ desse valor (€ 7.481,97).

Os restantes ¾ (€ 22.445,91) são divididos em 4 partes iguais, uma para cada um dos filhos, cabendo à sociedade I..., Lda. duas dessas partes, por ter adquirido os quinhões de dois dos herdeiros legitimários.

Assim o saldo deve ser distribuído pela forma seguinte:

- € 7.481,97 cabe a BB;

- € 11.222,95 cabe à Sociedade I...

- € 5.611,48 cabe a AA

e

- € 5611,48 cabe a EE
Procede, nesta parte, o recurso interposto.

Sumário[7]:

(…).

 

III - DECISÃO.

Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente,
a) Julgam-se parcialmente válidas as contas apresentadas pela autora, fixando-se o saldo das mesmas, a favor da autora AA e da chamada EE, no valor de € 5.611,48 (cinco mil seiscentos e onze euros e quarenta e oito cêntimos) para cada uma e a favor da sociedade I..., Lda. no valor de € 11.222,95 (onze mil duzentos e vinte e dois euros e noventa e cinco cêntimos), condenando-se a herança por óbito de BB, representada nos autos pelos habilitados DD e FF, a pagar tais quantias àqueles.
b) Confirmar, no demais, a sentença recorrida.

                                                             *

As custas do presente recurso serão suportadas pela recorrente e recorridos na proporção de 83,55% e 16,45%, respetivamente (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2 do CPC).

                                                                     *

Coimbra, 10 de janeiro de 2023


(Paulo Correia)

(Helena Melo)

(José Avelino)






[1] Relator – Paulo Correia
Adjuntos – Helena Melo e José Avelino
[2] - Alberto dos Reis, in “Processos Especiais”, vol. I, reimpressão, Coimbra Editora, 1982, p. 302-303. I, p. 145 e sgs.
[3] - Neste sentido, v.g. Ac. do TRL de 17/11/1994, in CJ, T. V, p. 99 e ss e Ac. do STJ de 25/03/2004, CJ, T. I, págs. 145 e sgs.

[4] - Por todos o acórdão STJ, de 9.4.2019, Processo n.º 4148/16.1T8BRG.G1.S1., disponível, em www.dgsi.pt.
[5] - Neste sentido o acórdão STJ de 17.10.2017, Proc. n.º 1204/12.9TVLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[6] - Por todos, Ac. do TRC de 11.02.2014, proferido no processo 553/05.7TBSPS.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[7] - Da exclusiva responsabilidade do relator (art. 663.º, n.º 7 do CPC).