Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
31/12.8PAACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
INIBIÇÃO DE CONDUZIR
MEDIDA
Data do Acordão: 09/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 3º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 292º, Nº1 E 69º N.º1 AL. A) DO C. PENAL
Sumário: 1.- A determinação da pena acessória deve operar-se mediante recurso aos critérios gerais constantes do art. 71º do CP com a ressalva de que a finalidade a atingir é mais restrita, na medida em que a tal pena acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente, revelada na gravidade do facto praticado;
2.- O grau de ilicitude e perigosidade do agente revelam-se acima de tudo na taxa de alcoolemia de que o arguido é portador;
3.- Consequentemente a medida aplicada em concreto, muito próxima do limite mínimo da respetiva moldura, a condutor com uma TAS de 2,07 gr./l, é desajustada.
Decisão Texto Integral: I.
Após audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença oral, ficando registado em acta o seguinte dispositivo:
- Condeno a arguida A..., pela prática de um crime de condução de veículo automóvel em estado de embriagues p e p pelos artigos 292º, nº1 e 69º n.º1 al. a) do C. Penal na pena de 90 (noventa) dias de multa à razão diária de € 7,00 e ainda na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor pelo período de 4 (quatro) meses.
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Inconformado com a sentença, dela recorre o digno magistrado do MºP, formulando, como remate da motivação, as seguintes CONCLUSÕES:
A – A sanção de inibição de conduzir deve, in casu, ser fixada em período não inferior a 7 meses;
B - Foi violada a norma constante do art. 69º do C. Penal.
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Não foi apresentada resposta.
Neste Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual manifesta a sua concordância com a motivação do recurso.
Corridos vistos, cumpre decidir.
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II.
1. O objecto do recurso restringe-se à medida concreta da pena acessória.
Questão a decidir em conformidade com a matéria de facto provada.

2. Com relevo para a decisão, resulta provado:
Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas no auto de notícia, a arguida conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula BS-85-54, tendo sido interveniente num acidente de viação.
Submetida a exame quantitativo de álcool no ar expirado, através de alcoolímetro marca Drager Alcotest 7110MKIIIP n.º 0038 aprovado nos termos legais, acusou uma TAS de 2,07 gr./l.
A arguida não tem antecedentes criminais registados.
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3.A pena acessória em questão, definida pelo artigo 69º, n.º1 do C.P., tem como limite mínimo 3 meses e como limite máximo 3 anos.
Dentro da referida moldura, a decisão recorrida fixou-a, em concreto, em 4 meses. Pretendendo em contrapartida o digno recorrente vê-la fixada em medida não inferior a 7 meses, tendo como fundamento a proporcionalidade com a taxa de alcoolemia apurada.
A determinação da medida concreta da pena acessória é efectuada de acordo com os critérios gerais utilizados para a fixação da pena principal, enunciados no art. 71º do C. Penal – cfr. Germano Marques da Silva, Crimes Rodoviários, Universidade Católica, p. 28 e Maia Gonçalves, C. Penal Anotado, 15ª ed., p. 237.
O art. 71º do CP estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve fazer-se “em função da culpa do agente e das exigência de prevenção”. Critério que é precisado depois no nº2 do mesmo preceito: na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele. Circunstâncias que se reconduzem a três grupos ou núcleos fundamentais: factores relativos à execução do facto {alíneas a), b) e c) – grau de ilicitude do facto, modo de execução, grau de violação dos deveres impostos ao agente, intensidade da culpam sentimentos manifestados e fins determinantes da conduta}; factores relativos à personalidade do agente {alíneas d) e f) – condições pessoais do agente e sua condição económica, falta de preparação para manter uma conduta lícita manifestada no facto}; e factores relativos à conduta do agente anterior e posterior a facto {alínea e)}.
O modo como estes princípios regulativos irão influir no processo de determinação do quantum da pena é determinado ainda pelo programa político-criminal em matéria dos fins das penas, que se reconduz a dois princípios, enunciados no art. 40º do C. Penal (redacção introduzida pela Reforma de 95): 1 A aplicação da pena... visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Dada a identidade de critérios para a determinação da medida concreta da pena principal e da pena acessória na respectiva definição haverá, em princípio, uma certa proporcionalidade entre a definição da pena e da sanção acessória que cabem ao caso.
No entanto, como decidiu o Ac. T. Constitucional n.º 667/94 de 14.12, BMJ 446º - suplemento, p. 102, “a ampla margem de discricionariedade facultada ao juiz na graduação da sanção de inibição de conduzir, permite-lhe perfeitamente fixá-la, em concreto, segundo as circunstâncias do caso, desde logo as conexionadas com o grau de culpa do agente, nada na Lei Fundamental exigindo que as penas acessórias tenham que ter, no que respeita à sua duração, correspondência com as penas principais”.
Apesar da identidade de critério base para definição da medida concreta da pena principal e da pena acessória, haverá que ter em conta a natureza específica de cada uma delas (privação da liberdade, no caso da prisão ou natureza patrimonial no caso da multa, enquanto que a pena acessória incide sobre a privação temporária do exercício da condução automóvel, em cujo âmbito foi praticado do crime) bem como as finalidades próprias de cada uma delas, por forma a que a pena acessória aplicada em concreto se mostre ajustada às suas finalidades específicas dentro do programa político-criminal em matéria dos fins das penas enunciado pelo art. 40º do CP.
Ora a pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas dirige-se também, ao menos em alguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Aequitas/Editorial Notícias., § 88 e § 232.
Aliás trata-se de medida na qual o legislador deposita grandes expectativas, tanto que, depois das alterações operadas pelo DL 48/95 de 15.03 esta pena acessória mereceu novamente a atenção do legislador através da Lei 77/2001 de 13 de Julho que deu nova redacção ao art. 69º do C. Penal, definindo com maior rigor o âmbito da sua aplicação e elevando o limite mínimo e o limite máximo (de 1 para 3 meses e de 1 para 3 anos, respectivamente). O que evidencia o relevo que lhe é dado pelo legislador em termos de política legislativa, perspectivando-a como medida de grande relevo no combate aos elevadíssimos índices de sinistralidade rodoviária.
Com efeito a pena acessória incide sobre o instrumento da condução automóvel, privando o agente de exercer temporariamente a actividade em cujo exercício praticou a infracção. O que numa sociedade economicista – em que a pena de multa vê o seu efeito diluído, sendo incorporado como mais um entre os custos da condução automóvel - assume especial relevo, como factor de prevenção geral e especial e correspondente motivação pela norma.
A determinação da pena acessória deve operar-se mediante recurso aos critérios gerais constantes do art. 71º do CP com a ressalva de que a finalidade a atingir pela pena acessória é mais restrita, na medida em que a sanção acessória tem em vista sobretudo prevenir a perigosidade do agente, ainda que se lhe assinale também um efeito de prevenção geral – cfr., entre outros, Ac. RC de 07.11.1996, na CJ/1996, t. 5, p. 47; Ac. RC de 18.12.1996, na CJ/1996, t. 5, p. 62; e Ac. RC de 17.01.2001, CJ/2001, t. 1, p. 51.
A perigosidade do agente revela-se na gravidade do facto praticado. Daí que como decidiu o Ac. RC de 29.11.2000 CJ, tomo V/2000, p. 49, a pena acessória da inibição de conduzir “deve ser graduada em função do grau da taxa de álcool”.
Não obstante não se impor uma correspondência exacta entre a concreta medida da pena e a taxa de álcool, não é menos certo que, correspondendo a taxa de alcoolemia ao grau de ilicitude da conduta, esta constituirá o padrão referencial da medida da pena acessória. Daí que, como decidiu o Ac. RC de 05.03.2000, processo 832/20000 disponível em http://www.dgsi.pt/, “o diferencial existente em relação ao patamar inicial da TAS impõe uma diferença em relação ao limite mínimo da pena acessória”.
Por outro lado a frequência da condução sob o efeito do álcool revela que o sistema sancionatório não tem funcionado adequadamente. Tanto que continua a ser uma das infracções que, em termos estatísticos, maior relevo tem nas condenações proferidas pelos tribunais.
Não podendo esquecer-se que numa taxa de álcool no sangue acima de 2 gr./l. pode afirmar-se a realidade da embriaguez, sem a presença de qualquer outro dado clínico – cfr. J.ª Gisbert Calabuig, Medicina Legal e Toxicologia, Salvat Editores, S.A., 4ª ed. Barcelona, 1991. E com apenas 1,20 g/l o risco de acidente aumenta 16 vezes – cfr. estudo da DGV acessível em htt://www.agroportal.pt /
No caso, apesar da falta de antecedentes da arguida, o grau de ilicitude e perigosidade do agente revelam-se acima de tudo na taxa de alcoolemia apresentada pela arguida (2,07 gr./l. significativamente acima da taxa mínimo prevista no tipo de crime) bem como pelo exercício da condução em tal estado, criando perigo para si próprio e demais utentes da via – perigosidade que no caso redundou em dano efectivo, tanto que a arguida interveio em acidente de viação.
O que evidencia que a medida aplicada em concreto, muito próxima do limite mínimo da respectiva moldura, se revela desproporcionada não só à taxa de alcoolemia evidenciada como ainda à perigosidade do agente revelada pela condução automóvel naquele estado. Sendo certo, ainda, que o grau de culpa da arguida é o mais elevado (dolo directo).
Acresce que são ainda prementes – e como tal desajustadas, no caso à medida aplicada em concreto muito próxima do limite mínimo da respectiva moldura – as necessidades de prevenção geral. Sabendo-se que a condução sob o efeito do álcool constitui uma das causas mais relevantes da sinistralidade rodoviária.
Assim, tendo em atenção a taxa concreta de alcoolemia, a intervenção em acidente de viação, a perigosidade do agente revelada no facto, as prementes necessidades de prevenção geral, a pena acessória aplicada em concreto situando-se apenas 1 mês acima do limite mínimo, revela-se desajustada à gravidade do facto e perigosidade do agente nele revelada, revelando-se outrossim proporcionada a medida proposta na motivação do recurso – 7 meses.
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III.
Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se conceder provimento ao recurso fixando a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor em 7 (sete) meses. ------
Sem tributação.